plínio salgado e integralismo - relação franco-luso-italiana

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PLÍNIO SALGADO E INTEGRALISMO: RELAÇÃO FRANCO-LUSO-ITALIANA 1 Leandro Pereira Gonçalves 2 Resumo: Este ensaio tem como objetivo a investigação da trajetória de Plínio Salgado para a formação e o desenvolvimento do integralismo brasileiro. Com matrizes múltiplas tinha como propósito a construção de uma doutrina política original. No entanto a circularidade de ideias do período fez com que o Chefe sofresse influências consideráveis para a formação de seu pensamento, tendo, em Portugal, o exemplo doutrinário, o Integralismo Lusitano: um movimento de cunho nacionalista da direita radical que teve visível formação embasada na precursora do conservadorismo, a Action Française, que assim como todos os grupos políticos do princípio do século XX estabeleceram uma resposta prática à teoria proferida pelo Papa Leão XIII, em 1891, através da Rerum Novarum. Com base no conceito de cultura política, o artigo propôs a análise do pensamento do líder integralista centrada no contexto de influência lusitana e basicamente católica, preceito que o acompanhou por toda a vida. Palavras-chave: Plínio Salgado, Integralismo Lusitano, Conservadorismo Radical, Brasil- Portugal. A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi criada oficialmente no dia 7 de outubro de 1932, na cidade de São Paulo, estabelecendo-se como um grupo político que tinha como propósito a formação de um grande movimento nacional. A partir de então, logrou intenso e rápido crescimento, ascendente até a decretação do Estado Novo brasileiro, em novembro de 1937. Através desse movimento político, ficou conhecido Plínio Salgado, líder do grupo que se apresentava como um movimento de despertar da nação. O integralismo, por meio de um forte discurso com uma sólida base cristã, canalizava para a ação política as angústias e temores dos setores médios, constituindo-se como instrumento de sua incorporação ao processo político. A AIB pode ser considerada como o “mais bem sucedido dos movimentos fascistas latino-americanos”. 3 É possível identificar a existência de fascismo fora do continente europeu, pois o movimento é um fenômeno predominante, mas não exclusivamente europeu, sendo a AIB o único caso de movimento fascista latino-americano. 4 Não há dúvidas de que o momento auge do integralismo e de Plínio Salgado na política brasileira foi o período relativo à legalidade da AIB, no contexto de fascitização que viveu o Brasil nos anos 1930. 5 Através do movimento, consolidou-se como líder e intelectual com pretensões ambiciosas na sociedade brasileira do período entre guerras. Ao estudar o 1 Artigo publicado originalmente em: Lusitânia Sacra: Revista do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa. 2ª série. Tomo XXVI. V. 26. p. 133-154 Jul-Dez-2012. 2 Doutor em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Brasil (PUC-SP) com estágio (Junior Visiting Fellow) no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). Investigador estrangeiro associado do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa (CEHR/UCP). Estudo realizado com auxílio da Fundação Calouste Gulbenkian (Portugal) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Brasil). Artigo inspirado na tese de doutoramento: GONÇALVES, Leandro Pereira. Entre Brasil e Portugal: trajetória e pensamento de Plínio Salgado e a influência do conservadorismo português. 2012. 668f. Tese (Doutorado em História) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012. 3 PINTO, António Costa. Os Camisas Azuis: ideologia, elites e movimentos fascistas em Portugal 1914-1945. Lisboa: Editorial Estampa, 1994. p. 143. 4 GRIFFIN, Roger. The nation reborn: a new ideal type of generic fascism. Paper apresentado no XV World Congress of the IPSA, Buenos Aires, p. 33-38, jul. 1991. 5 DUTRA, Eliana Regina de Freitas. O ardil totalitário: imaginário político no Brasil dos anos 30. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: UFMG; UFRJ, 1997. p. 16.

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Plínio Salgado e Integralismo - Relação Franco-luso-italiana

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  • PLNIO SALGADO E INTEGRALISMO: RELAO FRANCO-LUSO-ITALIANA1

    Leandro Pereira Gonalves2

    Resumo: Este ensaio tem como objetivo a investigao da trajetria de Plnio Salgado para a

    formao e o desenvolvimento do integralismo brasileiro. Com matrizes mltiplas tinha como

    propsito a construo de uma doutrina poltica original. No entanto a circularidade de ideias

    do perodo fez com que o Chefe sofresse influncias considerveis para a formao de seu

    pensamento, tendo, em Portugal, o exemplo doutrinrio, o Integralismo Lusitano: um

    movimento de cunho nacionalista da direita radical que teve visvel formao embasada na

    precursora do conservadorismo, a Action Franaise, que assim como todos os grupos

    polticos do princpio do sculo XX estabeleceram uma resposta prtica teoria proferida pelo

    Papa Leo XIII, em 1891, atravs da Rerum Novarum. Com base no conceito de cultura

    poltica, o artigo props a anlise do pensamento do lder integralista centrada no contexto de

    influncia lusitana e basicamente catlica, preceito que o acompanhou por toda a vida.

    Palavras-chave: Plnio Salgado, Integralismo Lusitano, Conservadorismo Radical, Brasil-

    Portugal.

    A Ao Integralista Brasileira (AIB) foi criada oficialmente no dia 7 de outubro de

    1932, na cidade de So Paulo, estabelecendo-se como um grupo poltico que tinha como

    propsito a formao de um grande movimento nacional. A partir de ento, logrou intenso e

    rpido crescimento, ascendente at a decretao do Estado Novo brasileiro, em novembro de

    1937.

    Atravs desse movimento poltico, ficou conhecido Plnio Salgado, lder do grupo que

    se apresentava como um movimento de despertar da nao. O integralismo, por meio de um

    forte discurso com uma slida base crist, canalizava para a ao poltica as angstias e

    temores dos setores mdios, constituindo-se como instrumento de sua incorporao ao

    processo poltico.

    A AIB pode ser considerada como o mais bem sucedido dos movimentos fascistas latino-americanos.3 possvel identificar a existncia de fascismo fora do continente europeu, pois o movimento um fenmeno predominante, mas no exclusivamente europeu,

    sendo a AIB o nico caso de movimento fascista latino-americano.4

    No h dvidas de que o momento auge do integralismo e de Plnio Salgado na

    poltica brasileira foi o perodo relativo legalidade da AIB, no contexto de fascitizao que

    viveu o Brasil nos anos 1930.5 Atravs do movimento, consolidou-se como lder e intelectual

    com pretenses ambiciosas na sociedade brasileira do perodo entre guerras. Ao estudar o

    1 Artigo publicado originalmente em: Lusitnia Sacra: Revista do Centro de Estudos de Histria Religiosa da

    Universidade Catlica Portuguesa. 2 srie. Tomo XXVI. V. 26. p. 133-154 Jul-Dez-2012. 2 Doutor em Histria Social pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo Brasil (PUC-SP) com estgio

    (Junior Visiting Fellow) no Instituto de Cincias Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). Investigador

    estrangeiro associado do Centro de Estudos de Histria Religiosa da Universidade Catlica Portuguesa

    (CEHR/UCP). Estudo realizado com auxlio da Fundao Calouste Gulbenkian (Portugal) e Coordenao de

    Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Brasil). Artigo inspirado na tese de doutoramento:

    GONALVES, Leandro Pereira. Entre Brasil e Portugal: trajetria e pensamento de Plnio Salgado e a

    influncia do conservadorismo portugus. 2012. 668f. Tese (Doutorado em Histria) Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2012. 3 PINTO, Antnio Costa. Os Camisas Azuis: ideologia, elites e movimentos fascistas em Portugal 1914-1945.

    Lisboa: Editorial Estampa, 1994. p. 143. 4 GRIFFIN, Roger. The nation reborn: a new ideal type of generic fascism. Paper apresentado no XV World

    Congress of the IPSA, Buenos Aires, p. 33-38, jul. 1991. 5 DUTRA, Eliana Regina de Freitas. O ardil totalitrio: imaginrio poltico no Brasil dos anos 30. Belo

    Horizonte; Rio de Janeiro: UFMG; UFRJ, 1997. p. 16.

  • movimento integralista e o seu pensamento poltico, verifica-se uma concentrao quase que

    totalizante no perodo em questo, um dos motivos est na importncia que a AIB obteve na

    dcada de 1930, principalmente nas relaes polticas e influncias externas.6

    No processo de continuidade das discusses idealizadas com a presena de Salgado,

    em So Paulo, na dcada de 1920, ocorreu a fundao da AIB, arrolada no pensamento deste

    lder surgido sob a gide modernista (reformista). Assim, entende-se, que o pensamento

    pliniano possuiu um momento de cristalizao no perodo intelectual de So Paulo, pautado

    no grupo Verde-Amarelo e no posterior movimento Anta. Dessa forma, v-se que:

    Das escaramuas de rua para a converso, em 1932, na Ao Integralista

    Brasileira, e da para o primeiro desfile dos camisas-verdes em 23 de abril de 1933, a trajetria da brasilidade integral viria marcar o ltimo passo da aventura revolucionria do grupo. Em um de seus ltimos manifestos

    importantes, uma reunio de textos programticos publicada por Plnio

    Salgado em 1935, ser possvel vislumbrar [...] a proposta de reformular as

    6 As primeiras pesquisas sobre o tema ficaram a cargo das Cincias Sociais, que at hoje so referncias para

    qualquer investigador do tema. No h pesquisador que no tenha esbarrado em nomes como Hlgio Trindade,

    Jos Chasin, Gilberto Felisberto Vasconcellos ou Marilena Chau. Sem dvida, o ponto de partida para um

    pesquisador do integralismo est no estudo realizado pelo cientista poltico Hlgio Trindade, nos anos de 1967 a

    1971, na Universit Paris 1 (Panthon- Sorbonne) denominado: LAction intgraliste brsilienne: um

    mouvement de type fasciste au Brsil. Com a concluso, a tese foi traduzida e publicada no Brasil, em 1974, sob

    o ttulo: Integralismo: o fascismo brasileiro na dcada de 30. Esse estudo promoveu a entrada da temtica no

    meio acadmico, sendo responsvel por tornar conhecido o movimento, alm de ter sido alvo de novas

    interpretaes. Aps o citado estudo, houve o desenvolvimento de novas pesquisas acerca do integralismo nas

    cincias sociais, trabalhos que tiveram como aporte a crtica tese de Hlgio Trindade. A primeira pesquisa a

    contrapor foi o clssico estudo de Jos Chasin que, no ano de 1977, defendeu a tese de doutoramento O

    Integralismo de Plnio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hiper-tardio. Nela criaram-se novas

    concepes para analisar o integralismo de Plnio Salgado, questo que provocou diversos debates entre o autor e

    Trindade. A tese, que foi publicada no ano de 1978 com o mesmo ttulo, teve o intuito de analisar o pensamento

    de Plnio Salgado dentro de uma concepo dialtica lukacsiana. Ainda em 1977, ocorreu na Universidade de

    So Paulo a defesa de doutorado intitulada Ideologia curupira: anlise do discurso integralista, escrita pelo

    cientista social, Gilberto Felisberto Vasconcellos. Publicada em 1979, criou, sob a orientao do Professor

    Doutor Gabriel Cohen, uma terceira via de anlise do pensamento integralista, remetendo a questes

    relacionadas ao movimento modernista, grupo a que pertenceu o lder da AIB, Plnio Salgado. Fechando as

    pesquisas e leituras referentes ao integralismo na dcada de 1970, tem-se o estudo da filsofa Marilena Chau

    que, para o livro Ideologia e mobilizao popular, datado de 1978, escreveu o captulo Apontamentos para uma

    crtica da Ao Integralista Brasileira. No artigo, a autora promoveu a continuidade da criao de novos

    modelos interpretativos do integralismo e embasada no marxismo, elaborou um estudo em que faz referncia s

    classes envolvidas no movimento. A quadrade (Trindade, Chasin, Vasconcellos e Chau) passou a ser ponto de

    referncia essencial para o estudo do movimento integralista, influenciando de forma direta os estudos, mas

    ainda contidos nas cincias sociais e filosofia. Somente em meados da dcada de 1980, o integralismo passou a

    ser analisado, de forma tmida, dentro da academia histrica. Cr-se que essa opo caminhava ao lado das fortes

    relaes do meio com o pensamento marxista e at mesmo pelos Annales, que no viam a Histria Poltica como

    algo necessrio na ocasio, ainda mais uma temtica de cunho conservador. Com a passagem do tempo e

    alteraes metodolgicas, a Histria Poltica passou a ter importncia nos dilogos e fez do integralismo uma

    prtica de pesquisa recorrente, mas ainda vista com certo ar de preconceito em determinados segmentos. Cf.

    TRINDADE, Hlgio. Integralismo: o fascismo brasileiro da dcada de 30. 2. ed. Porto Alegre: Difel/UFRGS,

    1979; CHASIN, Jos. O integralismo de Plnio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hiper-tardio. 2.

    ed. Belo Horizonte: Una, 1999; VASCONCELLOS, Gilberto Felisberto. Ideologia curupira: anlise do discurso

    integralista. So Paulo: Brasiliense, 1979; CHAU, Marilena. Apontamentos para uma crtica da Ao

    Integralista Brasileira. In: ______; FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e mobilizao popular. So

    Paulo: Paz e Terra, 1985. 6 PRADO, Antnio Arnoni. 1922 itinerrio de uma falsa vanguarda: os dissidentes, a semana e o integralismo.

    So Paulo: Brasiliense, 1983. p. 93-94.

  • bases da vida cultural e institucional da Nao, visando, de um lado, superar

    a nossa independncia intelectual e poltica dos centros europeus.7

    Verifica-se uma importncia significativa da movimentao literria de Plnio Salgado

    na contextualizao poltica, tendo o romance O estrangeiro8 e os manifestos do grupo

    modernista como elementos chave para a compreenso da idealizao da AIB, uma vez que o

    cunho nacionalista e ufanista, alm do conservadorismo radical, foi a tnica presente no

    grupo, pois o que lhe cabia era reinventar o sentimento de brasilidade latente.9

    A brasilidade integral, fundamentao proposta por ele para o integralismo, teve um objetivo muito claro e explcito de sintetizar os elementos conquistados nos espaos culturais

    e polticos dos ltimos anos de atuao em So Paulo, tendo a religiosidade espiritual como

    elemento central do discurso e ao do movimento. Foi nesse momento, vsperas da fundao

    da AIB e perodo posterior Semana de Arte, no auge das discusses e debates sobre o

    conceito de nacionalismo, que identificou em si a passagem do poeta-construtor para o homem-ndice, ou, em outros termos, do gnio literrio para o gnio-poltico.10 Tais expresses foram utilizadas sem modstia, pelo lder integralista, ao analisar a necessidade do

    surgimento de novos homens pblicos no Brasil:

    Ao Brasil tem faltado essa virt nos seus homens pblicos. E tem faltado,

    no por ausncia de capacidade poltica, mas em consequncia de no se

    haver ainda conjugado num nico homem o alto senso terico e o exato

    senso pratico, a cincia e a arte, a inteligncia e a ao, a cultura e a

    experincia. Entretanto, ns possumos todos os elementos para suscitar o

    aparecimento do nosso gnio poltico. Ele s poder surgir de um

    movimento nacional. Sem criar o movimento em todas as provncias, no

    temos o direito de esperar um homem [...] Nunca teremos o nosso gnio poltico, o nosso homem ndice, se nos pusermos a sonhar e esperar aquilo

    que s poder sair de ns mesmos, num Porvir que depender do Presente.11

    Notria a relao que feita pelo autor em artigo escrito em 1931, vspera de

    fundao da AIB, ao afirmar que o gnio surgir de um movimento nacional. A investigao

    no o define como um intelectual modernista, mas sim como um oportunista que usou o

    movimento de vanguarda como uma espcie de vitrine para surgir no cenrio poltico

    brasileiro. Ele dizia: preciso que ns, intelectuais, tomemos conta do Brasil. Definitivamente. Temos de romper com a tradio medocre da poltica. [...] Estamos fartos

    de vivermos, ns, intelectuais, sombra dos poderosos. Queremos mandar.12 Para isso, era preciso atingir uma determinada intelectualidade, questo que ele

    mesmo afirmou, em 1933, no prefcio do livro Psicologia da Revoluo quando escreveu:

    Este livro no um livro para o povo, mas para os que pretendem influir nos destinos do povo. Aos polticos e aos intelectuais que me dirijo nestas pginas.13 Esse caminho j havia sido feito pelos congneres, como a Action Franaise e o Integralismo Lusitano (IL), que

    iniciaram as reflexes no mbito da literatura e estabeleceram uma passagem para a poltica:

    O Integralismo Lusitano, semelhana da sua congnere francesa, Action Franaise, passou

    7 Ibidem.

    8 Romance escrito em 1926. SALGADO, Plnio. O extrangeiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Jos Olmpio, 1936b.

    9 PRADO, op. cit., p. 77.

    10 Ibidem. p. 99.

    11 SALGADO, Plnio. A Virt de Machiavel. In: ______. Despertemos a Nao! Rio de Janeiro: Jos

    Olympio, 1935a. p. 115-116. 12

    Correspondncia de Plnio Salgado a Ribeiro Couto, 05 jul. 1933. (Fundao Casa de Rui Barbosa/Arquivos

    Pessoais de Escritores Brasileiros FCRB/APEB-Pop: 28177). 13

    SALGADO, Plnio. Psycologia da Revoluo. 2. ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1935d. p. 9.

  • de literrio para a atuao e influncia poltica e o seu nacionalismo de esttico-literrio

    tornou-se poltico.14 Ao analisar a formao do integralismo portugus, resgatam-se reflexes de um dos

    precursores do movimento, Antnio Sardinha, que utilizou, por sua vez, o pensamento do

    idealizador da Action Franaise, Charles Maurras, para elucidar este processo de passagem do

    movimento da literatura para a poltica:

    Como Sardinha, lembrar mais tarde Charles Maurras disse um dia [...] les lettres nous ont conduit la politique [...] mais notre nationalisme

    commence pour tre esthtique. Ao pensar um pouco nas nossas origens

    literrias [...] eu reconheo que tambm a ns as Letras nos conduziram

    poltica.15

    H um ponto de unidade entre os movimentos conservadores radicais que promoveram

    a influncia do pensamento idealizado por Plnio Salgado, pois para ele era preciso atingir a

    intelectualidade para delinear um projeto corporativista. Somente com o aceite da

    intelectualidade brasileira, conseguiria legitimar o seu discurso. Dessa forma, agia como um

    vanguardista, detentor de um discurso revolucionrio, no entanto, o que estava em jogo era a

    possibilidade de oficializao de suas ideias no cenrio poltico brasileiro. Em 1933, o autor

    lanou dois livros simultneos, o j citado Psicologia da Revoluo e O que integralismo.

    No prefcio do primeiro, o autor demonstrou a necessidade de justificar seus atos em tom

    intelectualizado:

    Aos polticos e aos intelectuais que me dirijo nestas pginas. Nossa crise

    maior do pensamento. Sem que esta seja resolvida, no poderemos

    solucionar o problema da Nao. Evidente que esse trabalho enorme no

    compete apenas a mim, nem me apresento com a vaidade ftil de ensinar a

    tantos mestres que me habituei a ouvir e cujos livros compulso. A

    construo nacional e nela deve colaborar todos os brasileiros. Este livro

    um convite aos intelectuais, aos polticos para que restauremos no Brasil o

    primado do Esprito, da Inteligncia, da Virtude; para que no nos

    conservemos passivos a afirmar que outro recurso no h, seno deixar

    correr o barco. O Homem pode interferir na marcha social. E quando a

    sociedade est se dissolvendo, e quando vai o pas a pique de se desagregar,

    ento essa interferncia deixa de ser to s uma possibilidade, porquanto se

    impe como um dever. Dedicado massa popular, dou a pblico,

    juntamente com este, outro volume, sob o ttulo: O que integralismo. Ali

    comeo a fazer trabalhar uma ideia na multido. Aqui, porm, lano a ideia

    nuclear, da qual deriva a outra, afim de que este livro desperte novos

    apstolos de um movimento que considero o nico salvador da Ptria na

    hora presente.16

    14

    FERREIRA, Nuno Simo. A I Repblica e os integralistas: a viso de Alberto de Monsaraz. Lusada: histria,

    Lisboa, n. 5-6, p. 237-193, 2009. p. 256. 15

    PINTO, Antnio Costa. A formao do integralismo lusitano (1907-17). Anlise Social, Lisboa, n. 70, p.

    1409-1419, 1983. p. 1413. 16

    SALGADO, 1935d, op. cit., p. 9-10. Em 1937, ao lanar a 3 edio, o autor altera o discurso devido grande

    vendagem do livro: A procura constante deste livro demonstra que ele continua a ser oportuno e tem logrado alcanar a compreenso dos brasileiros. [...] A procura incessante demonstra-me que este livro se tornou um

    livro do povo. [...] Quanto a tese aqui exposta, ela est plenamente vitoriosa. Segundo Plnio Salgado, o livro deixou de ser unicamente voltado para a intelectualidade. SALGADO, Plnio. Psycologia da Revoluo: revista

    e enriquecida de novas anotaes e um prefcio do autor. 3 ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1937a. p. 5-6.

  • Ele estava, na dcada de 1920, em busca do papel de intelectual. Por isso, mesmo no

    livro destinado ao povo, fazia questo de deixar explcita a imagem de intelectual que pretendia criar sob a sua personalidade e principalmente sob o movimento integralista,

    afirmando: O integralismo dar um altssimo relevo aos pensadores, filsofos, cientistas, artistas, tcnicos, proclamando-os supremos guias da Nao.17 Em uma carta ao poeta Ribeiro Couto

    18, analisou as duas obras e lamentou os problemas editoriais, principalmente

    pela importncia do livro:

    No sei se V. viu um livrinho que o Schmidt publicou: um desastre a

    reviso, um relaxamento a impresso. Estou indignado. Em todo o caso,

    passando por cima das asneiras com que os tipgrafos escangalharam com o

    livro, peo-lhe que o veja. Tem um tom mais panfletrio do que doutrinrio,

    porque o outro, o das elites, o que dever sair, chamado Psychologia da

    revoluo. nele que esto as bases filosficas.19

    Em julho de 1933, com menos de um ano da fundao da AIB, Plnio Salgado se

    vangloriava da aceitao que o movimento estava atingindo na sociedade letrada: Em S. Paulo, o movimento vai crescendo. Os intelectuais esto compreendendo o alto sentido desta

    campanha. A classe estudantina j se conta por muitas centenas. Os estudantes esto

    aproveitando as frias para fazer conferncias pelo interior todo.20 Nota-se que assumia um papel de intelectual com dupla funo: atingir a

    intelectualidade para alcanar a aceitao do movimento e de panfletrio, ou seja, doutrinador

    e manipulador da classe no letrada. Afirmava: Este nosso movimento deve se desdobrar em dois planos: o popular, e o cultural. Enquanto um modifica o sentimento da massa; o outro cria os lderes, os chefes, os que devero conduzi-la, quando vencermos.21 Artifcio como esse, de valorizao do intelectual j era de conhecimento da sociedade poltica e cultural,

    uma vez que lderes de movimentos polticos colocavam-se como intelectuais perante a

    sociedade. Assim fez o IL, atravs de Hiplito Raposo, autor que, ao analisar o movimento,

    destacou: eles no podem imaginar o que foi o nosso drama intelectual, nem compreender o desvario das nossas caminhadas, atravs de erros sedutores que nos afiguravam certezas

    dogmticas.22 Plnio Salgado, por sua vez, colocava-se como o detentor do nico movimento verdadeiramente intelectual, uma busca visvel de aceitao oportunista na sociedade poltica:

    O Brasil no tem tipo filsofos nem criadores do direito. O que temos tido

    so divulgadores, compiladores, comentadores, hermeneutas, causdicos e

    rbulas. Da o nosso charlatanismo, o nosso empirismo, o nosso

    unilateralismo expresso no provincianismo poltico e no estudo em separado

    de cada problema nacional, que nunca se subordina ao quadro geral dos

    problemas nacionais. Essa a ordem cultural que o integralismo est

    criando.23

    Esse pensamento foi recorrente, mas ambiguidades marcaram a organizao do

    pensamento de Salgado. Comparada com outros modelos e organizaes polticas, a proposta

    17

    Idem. O que o integralismo. 4. ed. Rio de Janeiro: Schmidt, 1937b. p. 136. 18

    Membro da Academia Brasileira de Letras foi autor de obras literrias e teve atuao em vrios jornais,

    inclusive no Correio Paulistano ao lado de Plnio Salgado. 19

    Correspondncia de Plnio Salgado a Ribeiro Couto, 05 jul. 1933. (FCRB/APEB-Pop: 28177). 20

    Ibidem. 21

    Ibidem. 22

    RAPOSO, Hiplito. Dois Nacionalismos: LAction Franaise e o Integralismo Lusitano. Lisboa: Ferei Torres, 1929. p. 33. 23

    SALGADO, Plnio. O problema da ordem. In: ______. A doutrina do Sigma. So Paulo: Revista dos

    Tribunais, 1935c. p. 42.

  • pliniana no representou originalidade, no foi nada mais que um mimetismo terico

    importado do centro cultural que ele tanto combatia, a Europa.24

    Posies com o objetivo de

    legitimao da originalidade eram contnuas nos movimentos denominados nacionalistas. O

    IL, por exemplo, afirmava ser uma organizao poltica que tinha como pretenso negar

    qualquer influncia estrangeira.25

    O momento no permitia discursos de aceitao de

    influncias, por mais que ela fosse evidente, como na falta de originalidade do movimento

    integralista brasileiro, assim como no lusitano. Ao estabelecer anlises em torno da

    perspectiva econmica do IL, pode-se afirmar:

    Ora foi orientao global do IL afirmar que as premissas especulativas da

    economia podem ser infletidas em duas direes muito diferentes:

    economia nacionalista crist ou economia materialista. Na primeira, o maior grau possvel de liberdade de aquisio de bens atingvel pela

    integrao nacional dos fins ditados pela lei natural. Na segunda, o princpio

    hedonista deixa de ser meramente funcional para se tornar princpio

    originador de uma sociedade de tipo liberal ou de tipo sovitico. A

    contraposio destas duas economias estava de h muito feita por Le Play,

    por exemplo, ou na Doutrina Social da Igreja, pelo que os integralistas no

    foram nem pretenderam ser originais.26

    Alm de no haver originalidade, os citados movimentos conservadores radicais no

    apresentaram nada de moderno, no caso especfico de Plnio Salgado, exceto a forma

    fragmentada e cheia de intertextualidades podem ser caracterizadas como um projeto

    modernista, pois o contedo e os aspectos pautados no processo poltico do autor nada mais

    foram do que concepes teorizadas no sculo XIX e uma ideia contextualizada no ambiente

    do antimaterialismo, que foi a imagem daquele perodo com a divulgao da Rerum

    Novarum.27

    Com um discurso baseado em um conjunto de verdades crists, a encclica foi criada

    com a inteno de atingir uma sociedade em transformao:

    A doutrina social da Igreja um conjunto de ideias ou concepes (feitas de

    verdades, de princpios e de valores), que o Magistrio vivo fundamenta na

    lei natural e na Revelao, e que adapta e aplica aos problemas sociais do

    nosso tempo, a fim de, segundo a maneira prpria da Igreja, ajudar os povos

    e os governantes a organizar uma sociedade mais humana e mais conforme

    aos desgnios de Deus sobre o mundo.28

    Mediante a encclica papal de Leo XIII, movimentos radicais de cunho conservador

    comearam a se organizar e surgir em todo o mundo como resposta doutrina, ou seja,

    ocorreu uma forma de aplicao da teoria social da igreja e a AIB teve como uma de suas

    grandes fundamentaes tericas essa necessidade, vista no meio cristo, de aplicabilidade de

    tais dogmas no sculo XX. Uma das influncias mais fortes que o integralismo recebeu

    24

    VASCONCELLOS, op. cit., p. 47. 25

    PINTO, 1983, op. cit., p. 1418. 26

    HENRIQUES, Mendo Castro. Perspectivas tico-Econmicas no Integralismo Lusitano. In: CARDOSO, Jos

    Lus (Org.). Contribuies para a histria do pensamento econmico em Portugal: comunicaes apresentadas

    no Seminrio sobre Histria do Pensamento Econmico em Portugal organizado em outubro de 1987 pelo

    Centro de Investigao sobre Economia Portuguesa (CISEP) do Instituto Superior de Economia. Lisboa. D.

    Quixote, 1988. p. 153 (grifo nosso). 27

    CARTA ENCCLICA RERUM NOVARUM. (1891). Disponvel em: . Acesso em 18 jun. 2011. 28

    GUERRY, mile (Mons.). Doutrina social da Igreja. Lisboa; So Paulo: SAMPEDRO; HERDER, 1960. p. 9.

  • adveio, claramente, da concepo crist do mundo.29 Elementos semelhantes ocorreram em vrias localidades no mundo ocidental, destaca-se o j mencionado IL e o seu foco inspirador

    no maurrasianismo, a Accion Franaise.

    O pensamento de Plnio Salgado nasceu da influncia do IL, que oriundo no

    maurrasianismo, da Doutrina Social da Igreja, bem como de alguns aspectos da doutrina e

    prtica do Fascismo italiano, regime do qual adotou o modelo do partido nico e o

    corporativismo de Estado. Dentro destas concepes, aliadas ao autodidatismo nacionalista-

    cristo, alm da influncia familiar e a necessidade de um discurso de vanguarda, nasceu a

    AIB.

    Em 1891, o Papa Leo XIII iniciou uma luta contra o que chamava de explorao dos

    operrios; mas, ao mesmo tempo, uma oposio luta de classes e ao marxismo.30

    Passou a

    enxergar e defender a religio como elemento de reforma e justia social; enquanto, para

    Marx, tais mudanas s poderiam ocorrer atravs da revoluo. Havia no pensamento catlico

    um apelo ao esprito cristo para que os empregadores respeitassem os operrios. Dessa forma

    a igreja alcanou diversos segmentos sociais cujo propsito maior era, sem dvida, manter

    pensamentos materialistas afastados do poder, impedindo assim qualquer tipo de oposio

    dominao crist ocidental.

    Parte da oposio marxista estava embasada em torno de um pensamento cristo

    conservador de cunho antimaterialista, base central da propagao idealizada em 1891, por

    Leo XIII e sua encclica, a Rerum Novarum, que vista pela igreja como a:

    Primeira das grandes encclicas sociais dos tempos modernos, a Rerum

    Novarum segue sendo hoje [...] a Carta Magna do Trabalho, princpio e

    fundamento do ensino social da Igreja. Leo XIII a projetou como a mais

    formidvel e precisa teoria sobre as conscincias dos cristos da sua poca,

    em defesa da classe trabalhadora. Mas os dotes excepcionais do professor e

    pastor a converteram em uma das obras mais rgidas de seu enorme trabalho

    doutrinal, cuja luz, longe de diminuir com o tempo, tem vindo a ganhar em

    claridade e em transcendncia prtica. 31

    O lder integralista brasileiro, por ser fiel aos dogmas cristos catlicos, no ficou

    inerte em relao s palavras oriundas do Vaticano. Nessa contextualizao, o pensamento

    pliniano em relao poltica brasileira foi estabelecido, uma vez que elementos de combate

    ao comunismo e liberalismo foram concepes centrais nas palavras de Leo XIII que tinha

    como propsito proclamar o cristianismo como a nica forma de se criar uma justia social,

    29

    RAGO FILHO, Antnio. A Crtica Romntica Misria Brasileira: O Integralismo de Gustavo Barroso.

    1989. 436f. Dissertao (Mestrado em Histria) Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 1989. p. 157. 30

    Antes, porm, o pontfice Pio IX estabeleceu intensas lutas contra o liberalismo e o comunismo que estava

    surgindo em meados do sculo XIX. O papa definiu que as ideias de liberdades oriundas dos filsofos burgueses

    era a principal forma de destruio da ordem espiritualista crist. Pio IX iniciou uma campanha contra o que

    chamou de falso liberalismo e na encclica Quanta Cura de 1864, condenou dezesseis proposies que

    contrariavam a viso catlica na poca. Esta encclica foi acompanhada pelo Syllabus errorum, que condenava

    concepes como o racionalismo, socialismo, comunismo, maonaria e o judasmo. Em relao ao combate

    cristo afirma-se: No restando alternativas salvao desse mundo, como tambm da prpria Igreja, a no ser a converso dos pecadores, a difuso da f catlica, a santidade do clero, o bom exemplo de todos os fiis, em suma, a salvao das almas individuais contra o liberalismo corruptor, que destrua a nica unidade possvel, a

    unidade da F. Cabe assinalar tambm, que uma das verdades eternas e essenciais, que o integralismo abraa, reside na considerao da desigualdade sociais entre os homens como uma condio natural e imutvel. RAGO FILHO, op. cit., p. 177. 31

    COMISION EPISCOPAL APOSTOLADO SOCIAL. Doctrina social de la iglesia: desde la Rerum Novarum a la Mater er Magistra. Madrid: E. Snchez Leal, 1963. p. 16 (traduo livre).

  • por meio de um apelo s conscincias individuais, concitando-os, sem distino de classe e de

    credo, ao mesmo esprito social caridoso.32 O IL foi estruturado sob a mesma influncia Catlica.

    33 Destaca-se a relao

    categrica entre a mensagem do pontfice e a caracterizao poltica defendida pelo

    movimento portugus: Este modelo era totalmente decalcado do corporativismo ou do sindicalismo de inspirao catlica no conjunto de medidas que formavam a doutrina social

    da Igreja, como demonstrada a encclica Rerum Novarum (1891) do Papa Leo XIII.34 Ao analisar os componentes polticos existentes na produo de Alberto de Monsaraz, um dos

    lderes do movimento portugus, v-se que:

    Inspirou-se amplamente no pensamento da doutrina social da Igreja,

    preconizada pelo Papa Leo XIII na sua encclica Rerum Novarum de 1891.

    A doutrina social da Igreja afigurava-se ao entendimento integralista como

    um caminho orientador da sociedade para a realizao da felicidade, atravs

    da explicitao da lei natural, que era o fundamento das relaes sociais.35

    O discurso praticado pela Igreja em torno de um caminho orientador da sociedade no

    ato da criao das doutrinas sociais utilizou uma fundamentao apoltica, colocando em Deus

    a resposta para tais criaes. Em 1981, o ento Papa Joo Paulo II, na Laborem Exercens,

    sobre o trabalho humano argumentou:

    A doutrina social da Igreja, efetivamente, tem a sua fonte na Sagrada

    Escritura, a comear do Livro do Gnesis e, em particular no Evangelho e

    nos escritos dos tempos apostlicos. Dedicar ateno aos problemas sociais

    faz parte desde os incios do ensino da Igreja e da sua concepo do homem

    e da vida social e, especialmente, da moral social que foi sendo elaborada

    segundo s necessidades das diversas pocas. Um tal patrimnio tradicional

    foi depois herdado e desenvolvido pelo ensino dos Sumos Pontfices sobre a

    moderna questo social, a partir da Encclica Rerum Novarum.36

    Em 1891, Leo XIII rejeitou veementemente qualquer tipo de soluo proposta em

    torno do segmento do socialismo ou liberal. Para ele, a condio de misria em que viviam os

    operrios era elemento de debate e discusso, sendo o combate a essas duas condies

    essenciais ao avano de uma doutrinao crist social dos fiis, pois: sendo a doutrina social da Igreja um corpo de princpios hauridos, em ltima instncia, nas Sagradas Escrituras, s

    poder ser vinculativa para aqueles que acreditem nas mesmas escrituras.37 A encclica de 1891 pode ser apontada como um dos grandes acontecimentos da

    Igreja.38 Essa nomeao ocorre, uma vez que no fim do sculo XIX o problema social representava um grande problema em alguns pases, com o crescimento operrio e dos

    componentes socialistas. Dessa forma, era preciso impedir qualquer ao desses elementos,

    32

    RAGO FILHO, op. cit., p. 180. 33

    HENRIQUES, op. cit., p. 153. 34

    FERREIRA, Nuno Simo. Alberto de Monsaraz e a vaga dos nacionalismos e dos radicalismos poltico-

    autoritrios europeus do ps-I Guerra mundial: um rumo at o fascismo? Lusada: histria, Lisboa, n. 4, p. 267-

    337, 2007. p. 283. 35

    Idem. 2009, op. cit., p. 256. 36

    LABOREM EXERCENS: dirigida aos venerveis Irmos no Episcopado aos Sacerdotes s Famlias religiosas

    aos Filhos e Filhas da Igreja e a todos os Homens de Boa Vontade sobre o Trabalho Humano no 90 aniversrio

    da Rerum Novarum (1981). . Acesso em: 18 jun. 2011. 37

    SILVA, Augusto da. Continuidade e inovao na doutrina social da Igreja. Anlise Social, n. 123-124, p. 775-

    786, 1993. p. 781. 38

    FERNANDES, Antnio Jos. Social-Democracia e Doutrina Social da Igreja: incompatveis ou

    convergentes? Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 1979. p. 91.

  • surgindo, assim, a encclica no sentido de atender politicamente aos interesses do operrio e

    agradar a burguesia (mesmo sendo criticada pelo pontfice dentro da doutrina liberal) que no teria a oposio revolucionria marxista.

    Com base nesse discurso, vrios movimentos conservadores radicais criaram suas

    concepes organizacionais. Alm do j citado IL, v-se, nas palavras de Plnio Salgado,

    ideias oriundas da doutrina social da igreja. No Manifesto de Outubro de 1932, que o

    documento oficial de criao da AIB, ele afirmou que: A questo social deve ser resolvida pela cooperao de todos, conforme a justia e o desejo que cada um nutre de progredir e

    melhorar.39 Enfim, a doutrina religiosa, com o teor da questo social, assumiu um papel fundamental no exerccio da sua passagem da criao literria para a atuao poltica;

    defendendo, repetidamente, ser o integralismo a: afirmao de espiritualismo.40 Para compreender a origem do integralismo brasileiro, em especial o pensamento

    poltico de Plnio Salgado, preciso recorrer, alm de doutrina social da igreja, na origem

    do congnere europeu, ao IL. A base inspiratria do grupo portugus est no movimento

    idealizado por Charles Maurras, a Action Franaise.41

    Nesse sentido, para a compreenso do pensamento pliniano busca-se a anlise da

    organizao francesa, a exemplo do IL que simultaneamente nacionalista e estrangeirado [...] recolheu, em sntese, a tradio antiliberal e catlica portuguesa e o pensamento

    contrarrevolucionrio, com uma forte matriz francesa, maurrasiana e positivista.42 O maurrasianismo definido como o discurso original do pensamento autoritrio. Foi

    na Action Franaise que as doutrinas revolucionrias, em torno de um pensamento

    nacionalista de cunho conservador, buscaram elementos de inspirao em diversos

    movimentos polticos do sculo XX. Ao analisar as origens e a existncia dos movimentos

    fascistas na Europa,43

    estudos44

    estabelecem fundamentaes para a compreenso do fascismo

    pelo movimento francs.

    Ao realizar a ligao entre a Rerum Novarum e Action Franaise, no contexto do

    pensamento de Plnio Salgado, a presente investigao no tem como propsito afirmar que a

    doutrina social da igreja e o movimento francs apresentam relaes, pelo contrrio, a poltica

    de Leo XIII enxergava o pensamento monrquico de Charles Maurras como opositor em

    diversos sentidos. Apesar de ser uma concepo conservadora e paternalista, a doutrina social

    da igreja era uma frmula que no agradava Action Franaise, ou seja, h um componente

    oposicionista entre os dois em alguns perodos, tanto que a Igreja assumiu um papel de

    condenao ao movimento francs, ainda que ele possusse uma forte base catlica no seu

    programa: Esbanjando-se na glria de suas credenciais catlicas, a Action Franaise estava totalmente despreparada para a avalanche que a oprimiu menos de um ano depois de ela ter

    atingido o auge de seu prestgio eclesistico.45

    39

    SALGADO, Plnio. Manifesto de outubro de 1932. Rio de Janeiro: Secretaria Nacional de Propaganda, 1932b. 40

    Idem. Mensagem na semana heroica. In: ______. Cartas aos camisas verdes. Rio de Janeiro: Jos Olympio,

    1935b. p. 131. 41

    LLOYD-JONES, Stewart. Integralismo lusitano: made in France? Penlope: Revista de Histria e Cincias Sociais, Lisboa, n. 28, p. 93-104, 2003. 42

    FERREIRA, 2009, op. cit., p. 256. 43

    O Chefe das Milcias da AIB, Gustavo Barroso, desenvolveu, em 1936, na segunda parte da obra Integralismo

    e o mundo uma relao dos movimentos que eram entendidos por ele como fascistas. No item: O Fascismo na

    Frana aponta para a Action Franaise e em Fascismo em Portugal, para o Integralismo Monrquico, alm do

    Movimento Nacional Sindicalista. BARROSO, Gustavo. Integralismo e o mundo. Rio de Janeiro: Civilizao

    Brasileira, 1936. 44

    NOLTE, Ernst. Three faces of fascism: Action Franaise, Italian Fascism, National Socialism. New York;

    Chicago; San Francisco: Holt, Rinehart and Winston, 1966. 45

    ARNAL, Oscar L. Ambivalent Alliance: the Catholic Church and the Action Franaise 1899-1939. Pittsburgh:

    University of Pittsburgh Press, 1985. p.123 (traduo livre).

  • Pode-se defini-lo como um intelectual que estudou e buscou inspirao

    simultaneamente em Maurras e nas encclicas de Leo XIII, nomeadamente na Rerum

    Novarum, para compor seu pensamento. Enfim, no um novo discurso, mas precisava surgir

    para a intelectualidade brasileira como original e de vanguarda, da a entrada ambiciosa no

    movimento modernista da dcada de 1920, o que elevou o nome e o status do autor de um

    simples interiorano paulista a um intelectual respeitado nos ncleos literrios e polticos

    nacionalistas cristos de So Paulo.

    A necessidade de compreenso do pensamento maurrasianista com a prtica da Action

    Franaise tem uma significao necessria, uma vez que a anlise dos discursos fascistas

    (e/ou conservadores radicais), existentes no sculo XX, remontam suas origens ao

    pensamento francs. A proposta analisar essa relao franco-lusitana no aspecto terico e a

    prtica italiana como elementos de representao de um discurso brasileiro pautado no

    pensamento pliniano. A relao entre o movimento francs e os elementos conceituais

    fascistas pode ser observada em anlise que estabelece proximidade com o movimento

    francs:

    A relao entre a Action Franaise e o fascismo no deve ser considerada

    como uma relao de causa e efeito. Influncias diretas existem, mas tanto

    quanto o nacionalismo italiano que de todos os elementos do fascismo teve mais contato com a Action Franaise no se devem inferir geneticamente deste. Por outro lado, eles certamente no so fenmenos

    meramente paralelos. Se verdade que a prtica de um pequeno grupo

    poltico dificilmente tem comparao com a de um movimento de massas

    vitorioso nos anos 20, via de regra, tambm verdade que a doutrina

    original e auto-suficiente da Action Franaise, e a muitas vezes vacilante e

    em contnuo desenvolvimento doutrina do fascismo italiano no se movem

    no mesmo plano.46

    No h pretenso de identificar elementos evolucionistas, meramente impossvel

    qualquer tipo de mostra comparativa de um movimento do fim do sculo XIX com um grupo

    de fora e massa do sculo XX, no entanto, impossvel no observar a existncia de

    elementos de influncia entre um e outro: A doutrina da Action Franaise, em relao ao fascismo deveria ser vista como inspirao, mas no como originria [...] Da a Action

    Franaise fascismo por mais que ambos fossem, simultaneamente, a prtica e a teoria.47 Atravs desse paralelismo, ser analisado o pensamento pliniano que atingiu, na dcada de

    1930, a expresso mxima, criando o tempo poltico e doutrinador.

    No entanto a fixao doutrinria era recorrente e fazia parte da poltica e da sociedade

    portuguesa: apesar da conscincia dos males engendrados pela Action Franaise entre os jovens catlicos,48 a continuidade doutrinria e poltica foi mantida e ainda transportada para o Brasil, pois a relao entre a intelectualidade lusitana e a brasileira era de fcil identificao,

    mesmo aps a condenao do movimento por parte da Igreja Catlica, Maurras foi: acusado de colocar a poltica acima da religio.49

    A proibio vinda do Vaticano no foi capaz de impedir a divulgao dos ideais no

    Brasil: Catlicos brasileiros, j familiarizados com a Action Franaise e que buscavam nela inspirao, mantiveram-se identificados com o Integralismo Lusitano.50 Uma das grandes

    46

    NOLTE, op. cit., p. 145 (traduo livre). 47

    NOLTE, op. cit., p. 145 (traduo livre). 48

    MOURA, Maria Lcia de Brito. A condenao da Action Franaise por Pio XI repercusses em Portugal.

    Revista de Histria das Ideias, Lisboa, v. 29, p. 545-585, 2008. p. 585. 49

    MALATIAN, Teresa. Imprio e misso: um novo monarquismo brasileiro. So Paulo: Nacional, 2001. p. 85. 50

    Ibidem.

  • referncias, para Plnio Salgado, foi Jackson de Figueiredo51

    e as prticas do Centro Dom

    Vital.52

    Sobre a expanso do movimento conservador francs, verifica-se que: a influncia da doutrina da Action Franaise fazia-se sentir mais fortemente nos pases latinos,53 chegando inclusive a pases da Amrica, como Mxico, Argentina e Brasil.

    54

    Os primeiros ecos do maurrasismo so ouvidos a partir da virada do sculo

    XIX para o sculo XX, como testificam uma srie de provas. Assim, um

    crculo da Action Franaise atua no Rio de Janeiro na primeira metade dos

    anos de 1900, organizando conferncias que do origem a propagandas ou

    comentrios na imprensa, voltados principalmente para a pequena

    comunidade francesa localizada na capital brasileira.55

    No contexto ps-guerra, o maurrassismo se transformou em um discurso privilegiado

    nos grupos intelectuais catlicos brasileiros,56

    refletindo-se tambm no Centro Dom Vital, no

    Rio de Janeiro. O Centro foi criado, em 1922, por iniciativa de Jackson de Figueiredo57

    que

    via na reafirmao do catolicismo do Brasil uma necessidade espiritual aps as mudanas do

    fim do sculo XIX.58

    Na figura de Jackson de Figueiredo h um elemento maior e de destaque para essa

    compreenso, principalmente pelas relaes existentes com o IL e as teorias da Action

    Franaise. V-se uma relao terica de Salgado com Figueiredo no sentido de defesa do

    nacionalismo radical de cunho conservador, que encontrou no IL um elemento de

    aprofundamento dos ideais maurrasianos. Em algumas interpretaes, no se v uma simples

    relao, mas um seguimento doutrinrio e poltico. Em 1947, o vereador integralista, Jayme

    Ferreira da Silva, em um discurso na Cmara do Distrito, no Rio de Janeiro, sobre Jackson de

    Figueiredo afirmou: considerado com razo, como precursor do Integralismo, citando que foi Jackson, quem trouxe ao conhecimento dos brasileiros a obra de Antnio Sardinha.59 V-se que a relao entre os grupos compactuada inclusive por membros do movimento brasileiro.

    Destaca-se a fora do movimento portugus no sentido de salientar que ele inspirou no s alguns grupos brasileiros que iriam desembocar na Ao Integralista Brasileira, como

    ainda foi uma das referncias da Accin Espaola (1931), com quem mantiveram estritas

    51

    Advogado, professor, jornalista, filsofo e poltico (1891-1928) que se converteu ao catolicismo e desenvolveu

    um grande movimento catlico no Brasil de combate ao liberalismo e ao comunismo. A organizao criada o

    Centro Dom Vital possui fundamental importncia para a compreenso do movimento integralista brasileira 52

    O Centro Dom Vital foi fundado por Jackson de Figueiredo em 1922, com o apoio de D. Leme. A definio de seu papel est diretamente ligada conjuntura social brasileira. [...] Um esprito de euforia e renovao emergia

    no perodo ps-guerra. Instituies polticas comeavam a entrar em crise. [...] O Centro Dom Vital foi

    organizado com a finalidade de catolicizar as leis, lutar pela paz [...] enfim, para contribuir com o episcopado na

    obra de recatolicizao da intelectualidade. DIAS, Romualdo. Imagens de ordem: a doutrina catlica sobre a

    autoridade no Brasil. So Paulo: Unesp, 1996. p. 89-90. 53

    COMPAGNON, Olivier. Etude compare des cas argentin et brsilien. In: DARD, Olivier; GRUNEWALD,

    Michel (Dir.). Charles Maurras et ltranger ltranger et Charles Maurras: LAction franaise culture, politique, socit II. Berne: Peter Lang, 2009. p. 283 (traduo livre). 54

    Os integralistas lusitanos defendiam uma operacionalizao de uma zona comum latina e da latinidade:

    composta pelas naes e ocidentais, Frana, Blgica, Espanha e Portugal promovendo posteriormente uma juno com Brasil, Argentina e Mxico. FERREIRA, 2007, op. cit., p. 295. 55

    COMPAGNON, 2009, op. cit., p. 286 (traduo livre). 56

    COMPAGNON, 2009, op. cit., p. 287. 57

    Ibidem. 58

    Ibidem. p. 287-288. 59

    SILVA, Jayme Ferreira. A verdade sobre o integralismo: discurso pronunciado na Cmara do Distrito Federal

    na Sesso de 9 de julho de 1947. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1947. p. 7.

  • relaes.60A condenao da Action Franaise no representou obstculos para o crescimento do nacionalismo integralista brasileiro. A suspenso do Vaticano no impediu que

    [...] a gerao brasileira do renascimento catlico no parou de frequentar o

    maurrassismo. Isso ilustrado pelo exemplo de Alceu Amoroso Lima em

    uma clebre obra de 1932 o nacionalismo integral que Maurras sistematizou e que Mussolini colocou em prtica. Em terras lusas, o nacionalismo tomou todavia um rumo radicalmente diferente com a criao

    da Ao Integralista Brasileira, em outubro de 1932, considerada pela

    historiografia como o verdadeiro e nico fascismo latino-americano. A

    Ao Integralista Brasileira de fato permitiu federar muitos plos do

    nacionalismo brasileiro em torno da figura carismtica de Plnio Salgado.

    [...] Por outro lado, Salgado e alguns outros produziram milhares de pginas

    a fim de lanar as bases de uma doutrina nacionalista especificamente

    brasileira, que no se resumiriam importao de modelos de pensamento

    europeus ou, ao menos, que os emancipasse em nome do projeto poltico

    que o partido defendia. Isso explica porque Maurras e a Action Franaise

    foram abundantemente citados no corpus, mas no representam de forma

    alguma as matrizes do integralismo como por vezes apresentado.

    Certamente, a Ao Integralista Brasileira identifica claramente os inimigos

    da nao brasileira, denunciando o liberalismo, o socialismo, o capitalismo

    internacional e as sociedades secretas ligadas aos judeus e maonaria, em

    outras palavras uma variante dos quatro Estados confederados. Certamente,

    que a crtica do sufrgio universal e do sistema democrtico formulados por

    Salgado foram baseadas no maurrassismo. 61

    Em torno da relao do maurrasianismo na Amrica Latina, observa-se um

    questionamento ao analisar o pensamento do lder integralista brasileiro: Todavia, de se estranhar a total ausncia de referncia Action Franaise em obras fundamentais como O

    que integralismo de Salgado.62 A busca da originalidade63 jamais permitiria que ele se rendesse perante uma fora doutrinria, ainda mais, europeia: A constatao de um desequilbrio entre o pas legal e o pas real, como diria Charles Maurras, incita o autor, ainda

    de uma maneira fragmentria, critica da utopia democrtica.64 A questo da impossibilidade da aplicao democrtica apenas um exemplo das vrias perspectivas que

    h na Action Franaise e que teve no IL fundamentao e funo de transportadora para a

    Amrica Latina pela AIB.

    Verifica-se que Maurras; no entanto, sendo, como para muitos outros integralistas portugueses, o ponto de partida da sua formao poltica e intelectual; seria ultrapassado nos

    anos 20 por outras influncias mais duradouras.65 Ou seja, a fora fascista era evidente e

    60

    PINTO, 1994, op. cit., p. 33. 61

    COMPAGNON, 2009, op. cit., p. 294-295 (traduo livre). 62

    Ibidem. p. 295 (traduo livre). 63

    Com o objetivo de demonstrar a relao do integralismo na tica fascista, Gustavo Barroso, em 1936, na obra

    Integralismo e o mundo, promoveu a traduo de algumas matrias jornalsticas sobre o integralismo em

    peridicos dos EUA: Na importante revista hispano-americana que se publica em Nova Iorque, La Nueva Democracia, no seu nmero de fevereiro de 1935, o professor Richard Pattee, reitor da Universidade de Porto

    Rico, publicou o seguinte artigo [...] o movimento integralista um [...] fascismo adaptado realidade brasileira,

    transplantado e modificado no solo americano, proclamando com outro nome, porm no fundo pretendendo-se s

    doutrinas conhecidas do Velho Mundo. [...] O mesmo crtico estampou a seguinte nota no nmero de abril de

    1935, na revista Books Abroad, rgo oficial da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos [...] que o

    integralismo um fascismo apropriado realidade brasileira. BARROSO, op. cit., p. 230-233. 64

    TRINDADE, 1979, op. cit., p. 51. (grifo do autor). 65

    PINTO, 1994, op. cit., p. 38.

  • demonstrava uma relao muito mais vivel e rentvel para o sucesso da AIB, assim como

    parte do IL que entrou na aventura fascista atravs do Movimento Nacional-Sindicalismo.

    Ainda em 1922, Rolo Preto, o maior entusiasta portugus, dizia: as notcias que nos vm da Itlia como as que nos chegam de Frana so as mais consoladoras e cheias de promessas.66 Caminhos de semelhana e proximidade demonstram em todos os nveis a relao

    intensa de um grupo com o outro. O maurrasianismo foi a raiz do pensamento pliniano, assim

    como de vrios outros elementos conservadores de cunho radical. No entanto, dentro dessa

    perspectiva terica, Plnio Salgado enxergava uma melhor fundamentao prtica no

    movimento fascista italiano.

    Entende-se que a seduo de Plnio Salgado pelo fascismo de Mussolini ultrapassou as

    relaes com o movimento portugus, mas como a origem, tanto de um quanto do outro,

    oriunda dos elementos fascistas da Action Franaise,67

    no possvel dividir o processo

    analtico, uma vez que o desenvolvimento doutrinrio de Salgado est em vrios pontos de

    relaes externas. Mas, como o contato entre os integralismos foram no do campo das ideias,

    optou-se por verificar inicialmente o campo prtico que foi o movimento italiano, para

    posteriormente confrontar os movimentos luso e brasileiro em uma perspectiva comparada

    com o percurso poltico e doutrinrio de Plnio Salgado.

    Em 1930, fez uma viagem Itlia e ressaltava ter sido um marco transformador do seu

    pensamento no sentido de criar uma concepo realmente prtica do discurso nacionalista e

    reacionrio no Brasil. Com esperanas e elogios apaixonados pelo fascismo, voltou ao Brasil. A doutrina fascista estabelece o Estado, como o espelho perfeito do homem, como a prpria ampliao do indivduo,68 disse. A pretenso deste ensaio no entrar na discusso que realizada h dcadas, se o integralismo ou no fascista, mas sim analisar as matrizes

    do discurso de Plnio Salgado que visivelmente compactuante com a doutrina fascista,

    vigente no sculo XIX, na Frana. A associao religiosa e poltica com a imagem de uma

    concepo nacionalista para o Brasil foi o elemento central para a formao do integralismo

    sob a gide da gnese vinda da Action Franaise e que tem no Fascismo italiano o principal

    exemplo prtico.

    No dia 14 de junho de 1930, em um sbado, s 18h, quando conseguiu uma audincia

    com o lder italiano, Benito Mussolini. Esse encontro, durante anos, foi colocado como a

    prova viva e cabal da relao de Salgado com o lder italiano. Aps recentes pesquisas,69

    viu-

    se que o encontro nada mais foi do que uma breve reunio de 15 minutos,70

    ou seja, foi algo

    formal sem qualquer tipo de mistrios. Todavia, o importante que, a partir desse momento,

    mostrou-se encantado com a prtica de elementos anticomunistas e antiliberais, como Leo

    XIII pregou e de forma radical, com um cunho conservador, como Charles Maurras idealizou.

    Com base em uma organizao espiritual de cunho conservador e nacionalista, estava sendo

    consolidada a doutrinao que ele estava montando no Brasil: a AIB.

    Em 1932, escreveu um artigo para a Revista Hierarchia. Esse artigo foi republicado no

    mesmo ano como folheto pela Sociedade Editora Latina, emanao do consulado italiano de

    So Paulo, dirigida pelo professor Ferruccio Rubbiani, que era uma dos assessores culturais

    italianos no consulado. Tal documento curiosamente no integra a lista oficial das referncias

    bibliogrficas do autor, tampouco foi inserida nas Obras Completas, lanada na dcada de

    66

    PRETO, Rolo. A Monarquia Social. Nao Portuguesa: revista de cultura nacionalista. Lisboa, n. 6, 2 srie,

    1922, p. 276. (Arquivo de Histria Social do Instituto de Cincias Sociais da Universidade de Lisboa AHS/ICS-UL). 67

    NOLTE, op. cit. 68

    SALGADO, Como eu vi a Itlia. Hierarchia. p. 202-205, mar; abr. 1932a. p. 204. 69

    A pesquisa foi desenvolvida pelo historiador Joo Fbio Bertonha (UEM) e gentilmente disponibilizada na

    lista de discusso do Grupo de Estudos do Integralismo (GEINT) em 2010. 70

    Archivio Centrale dello Stato, Segretaria Particolare del Duce, Carteggio Ordinario, Udienze, b. 3102, f.

    giugno/1930.

  • 1950. O motivo claro. Plnio Salgado desenvolveu, neste material, elogios abertos e

    explcitos ao regime fascista e esta imagem era a que desejava excluir, aps a Segunda

    Grande Guerra Mundial. Tambm elogios inseridos em artigo publicado no jornal O Paiz,

    aps aproximadamente 1 ms da reunio com o lder fascista italiano, no integram nenhuma

    publicao editorial do autor. No peridico carioca, teceu elogios ao fascismo italiano, e

    relatou abertamente a necessidade de um movimento semelhante no Brasil, desejo

    intensificado aps o encontro:

    Mussolini me receberia, s 18 horas. A mim e aos meus companheiros de

    excurso pela Itlia. [...] Tudo correu para ns to fcil e to rpido, que

    fomos levados a concluir: Mussolini gosta dos intelectuais e gosta do Brasil.

    [...] Todo esse espetculo da Nova Itlia era a criao milagrosa de um

    homem, que eletriza as multides, porque portador de uma ideia, que

    arrasta, atrs de si o tropel que retumba, de uma nacionalidade que marcha,

    irrevogavelmente, porque leva nas suas mos o facho acesso da inteligncia.

    Esse o homem com quem amos palestrar. [...] Ao avistar-nos, caminha ao

    nosso encontro. Ns avanamos para ele, de olhos fixos. E, nesse, instante,

    como a claridade de uma luz, com uma expresso de bondade infinita,

    acolhedora e carinhosa, ouvimos uma voz lmpida, que desarma todas as

    minhas frases protocolares, que nos pe vontade, felizes e tranquilos: -

    Sede bem-vindos amigos brasileiros! Era a voz de Mussolini. Boa e simples.

    a figura do Duce, modesta e afetuosa. o maior vulto da Europa

    contempornea, e que forma, com Lenine e Gandhi, o grande trptico da

    Humanidade de hoje, ele que se faz pequeno na intimidade, ou talvez

    maior, porque toda grandeza simples... [...] Mussolini um emotivo.

    Observei-o a certos trechos da nossa palestra. Sinal do gnio.71

    V-se a admirao que Plnio Salgado nutria por Mussolini. No artigo, o lder

    integralista brasileiro deixou explcito o seu desejo no Brasil: criar um movimento fascista,

    assim como o italiano: Ns ramos o Brasil-Novo que ia falar Itlia ressuscitada no esplendor de uma juventude de primavera. A doutrina corrente entre os moos da nossa Ptria

    coincidia, nas suas linhas gerais, com os largos lineamentos da ideia fascista.72 No artigo posterior da Revista Hierarchia, o autor elevou a Itlia a um patamar de

    superioridade: A Itlia que eu vi merece todo o amor do Homem deste sculo de ameaas.73 Mussolini era colocado por ele em uma posio de privilgio por ter alcanado a prtica

    fascista e que relata a reunio de 15 minutos como tendo sido um momento nico em sua vida, por ter tido contato com uma sabedoria profunda:

    Numa tarde de junho, depois de ter visto toda a Itlia Nova, depois de a ter julgado com todo

    o rigor, eu me vi, no Palcio de Venezia, frente a frente com o gnio criador da poltica do

    Futuro. Era um homem de estatura regular, de olhos azuis, de gestos seguros e de voz firme. E

    esse gesto e essa voz pareciam exprimir uma concepo de vida. Por eram quentes e queriam

    ser impetuosos, como afirmaes violentas de personalidade individual; porm, eram ao

    mesmo tempo, brando e refletidos, e se condicionavam numa perfeita expresso de ponderada

    disciplina. Por vezes, no correr da palestra, aqueles olhos se iluminavam, como se perpassasse

    por ele a chama de um ideal superior; e, em seguida, como se cerravam levemente, dir-se-ia

    que a retomar um ritmo que constitui toda a sabedoria de uma raa. Esse homem, de

    expresso vigorosa, tinha uma mscara inconfundvel, onde velhos sofrimentos e velhas lutas

    pareciam ter marcado a passagem de uma vida agitada e forte. Era o homem que viera do seio

    71

    SALGADO, Plnio. Mussolini e o Brasil Novo. O Paiz, Rio de Janeiro, 27 jul. 1930. 72

    Idem. 1930, op. cit. 73

    Idem 1932b, op. cit., p. 205.

  • das multides com a luz do gnio latino, mdium supremo da nacionalidade, profeta das

    Naes e contemporneo do Futuro. Era Mussolini. [...] Esse homem criar a Nova Itlia, Mas

    no ficar ali. Cidado da Humanidade oferecer aos Povos angustiados o contedo

    ideolgico do Estado que dever constituir a essncia dos princpios polticos dos pases que

    preferirem uma Humanidade humana a uma Humanidade mecnica.74

    A necessidade de criar algo slido no Brasil despertou o seu olhar para a

    Itlia. Entendvel o engrandecimento do autor pelo regime fascista italiano;

    mas, ao mesmo tempo em que o enxergava o fascismo como uma referncia

    a ser seguida, mostrava a necessidade de um movimento baseado na

    originalidade, o que representava a sua ambiguidade:

    Lembro-me bem das palavras da minha despedida. Mussolini lera no meu

    olhar o meu grande amor pelo Brasil. Augurou-me os mais completos

    trunfos a mocidade do meu pas. E concitando-me a no esmorecer no

    entusiasmo e na f pelo futuro do Brasil, pediu-me que fizesse justia a sua

    Itlia. [...] Foi assim que eu compreendi, foi assim que eu vi a Itlia.75

    Com essa viso, o autor iniciou a praticidade do pensamento nacionalista e, em torno

    de tais pensamentos, buscava o nascimento de uma nova cultura poltica necessria, uma vez

    que o surgimento de novas concepes correspondem: s respostas dadas a uma sociedade face aos grandes problemas e s grandes crises da sua histria, respostas com fundamento

    bastante para que se inscrevam na durao e atravessem as geraes.76 No fim de fevereiro de 1932, fundou-se a SEP,

    77 um rgo que resultado do trabalho

    poltico realizado pelo jornal A Razo. A criao objetivava a organizao de um grupo que

    pudesse discutir a organizao de um novo movimento poltico, tendo como princpio um

    forte nacionalismo conservador e revolucionrio, seguindo assim, a proposta de Mussolini.

    Essa fundao foi resultado de vrios outros movimentos que existiram no Brasil em anos

    anteriores, so grupos que podem ser denominados como pr-integralistas. Dentre os

    movimentos destaca-se a a Ao Imperial Patrionovista Brasileira (AIPB), uma organizao

    neomonarquista catlica, fundada para recuperar a monarquia no Brasil, seguindo as mesmas

    caractersticas medievais com base na estrutura real e catlica, sendo que com esse

    movimento, Plnio Salgado passou a ter, de forma mais delineada, as ideias que passariam a

    fazer parte da estruturao da AIB.

    A AIPB possui uma importncia fundamental no desenvolvimento da estrutura poltica

    em torno do movimento integralista no Brasil, pois foi mediante incentivo dos monrquicos

    brasileiros que chegou ao pas os ideais pautados no discurso catlico e monrquico do IL. O

    reflexo cultural do movimento portugus se manifestou inicialmente em movimentos de cariz monrquico como a Ao Imperial Patrionovista Brasileira, criada em 1928.78

    Alm da caracterizao que fez da AIB; como movimento fascista brasileiro, Gustavo

    Barroso, ao analisar o programa do patrionovismo, na obra Integralismo e o mundo,

    explicitou: O Patrionovismo monarquista, porque integralista.79 A relao de

    74

    SALGADO, 1932b, op. cit., p. 205. 75

    Ibidem. 76

    BERSTEIN, Serge. A cultura poltica. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-Franois. (Dir.). Para uma

    histria cultura. Lisboa: Estampa, 1998. p. 355. 77

    A primeira reunio para a formao da Sociedade de Estudos Polticos realiza-se em 24 de fevereiro de 1932,

    por iniciativa de Salgado em So Paulo, na sede do jornal A Razo. Nesta reunio participa um grupo de jovens

    intelectuais: Cndido Mota Filho, Ataliba Nogueira, Mrio Graciotti, Joo Lees Sobrinho, Fernando Callage e

    vrios estudantes da Faculdade de Direito. TRINDADE, 1979, op. cit., p. 116. 78

    PINTO, 1994, op. cit., p. 144. 79

    BARROSO, 1936, op. cit., p. 43.

  • proximidade entre os dois processos polticos80

    evidente, o brasileiro, posterior ao portugus, foi expressamente influenciado por este.81 No entanto a investigao no est afirmando que o movimento integralista brasileiro possui a defesa monrquica, como o

    congnere lusitano, ainda que, na dcada de 1920, mantivesse boas relaes com o regime

    monrquico. Ao contrrio de muitos, o lder integralista no desenvolveu grandes discursos

    contra a monarquia, apesar de ser um crtico ferrenho do modelo monrquico existente no

    Brasil at 1889. Em conferncia pronunciada em 23 de maio de 1937,82

    no Rio de Janeiro,

    criticou o federalismo para a defesa do Estado Integral e condenou o regime de D. Pedro II no

    sentido da constituio da centralizao poltica do Imperador: o poder pessoal do Monarca era nocivo.83 A sua crtica caminhava no sentido de no enxergar na figura do imperador um modelo capaz de inspirar uma mstica em torno do trono. A imagem do:

    [...] governante ideal foi calcada na monarquia portuguesa e mais

    concretamente em Afonso Henriques, fundador da nacionalidade portuguesa

    e associado a uma profecia, a mesma difundida pelo Integralismo Lusitano,

    de que sobre a descendncia desse personagem seria fundado um grande

    Imprio, poca de progresso incomparvel da nao catlica.84

    A proposta missionria da monarquia portuguesa, associando o primeiro rei de

    Portugal no sculo XII e a necessidade de criar um imprio missionrio brasileiro passou a ser

    uma tnica na relao entre o IL com a AIPB intensamente, inclusive promovendo trocas

    culturais e ideolgicas entre os grupos. Na revista Integralismo Lusitano: estudos

    portugueses, que era dirigida por Lus de Almeida Braga e Hiplito Raposo, constam

    mensagens de apoio na luta dos neomonrquicos brasileiros no sentido de defender a doutrina

    idealizada no interior do IL:

    Patrionovismo: com esta designao iniciou-se h poucos anos no Brasil um

    movimento de ideias poltico-sociais, destinado a instaurar nos costumes a

    ordem crist e latina e a reconduzir a Ptria-Irm ao caminho perdido da sua

    Grandeza pela restaurao do Imprio, na pessoa do prncipe Dom Pedro

    Henrique de Orleans e Bragana. Movimento da mocidade j doutrinada nos

    princpios antiliberais e antidemocrticos, norteia-o a certeza de que

    essencial conservao da unidade do Brasil a existncia de um poder

    poltico, forte, contnuo e seguramente nacional nas suas intenes, que no

    possa ser escravo do partido da maioria, por ficar sobranceiro a todas as

    faces. Alheios poltica do Brasil, como devemos ser, nada nos impede

    de saudar a grande esperana que a sua juventude pe nos mesmos

    princpios de salvao pblica por que h vinte anos vimos lutando, em

    80

    Alm de uma relao terica, Plnio Salgado mostrava ser um admirador do movimento lusitano, pois alm de

    possuir vrios contatos com membros do congnere portugus, diversos recortes e materiais dos integralistas

    foram localizados no Fundo Plnio Salgado no Arquivo Pblico e Histrico de Rio Claro, entre eles poemas de

    Antnio Sardinha e textos de Alberto de Monsaraz. Cf. SARDINHA, Antnio. Poema do cavalo. Aco, Lisboa,

    abr. 1945. (Arquivo Pblico e Histrico de Rio Claro/Fundo Plnio Salgado APHRC/FPS-107.002); MONSARAZ, Alberto. (sob o pseudnimo vora Macedo). A Monarquia Futura I, II, III e IV. O Jornal do

    Comrcio e das Colnias, Lisboa, 14, 15, 16, 21 maio. 1947. MONSARAZ, Alberto. (sob o pseudnimo vora

    Macedo). Atlntico e Liberdade. O Jornal do Comrcio e das Colnias, Lisboa, 26 maio. 1947 (APHRC/FPS-

    109.004). 81

    MACEDO, Ubiratan Borges de. O integralismo em Portugal e no Brasil. Convivium, So Paulo, v. 28, p. 323-

    340, 1983. p. 323. 82

    O texto tambm foi reproduzido em: SALGADO, Plnio. Livro verde da minha campanha. Rio de Janeiro:

    Clssica brasileira, 1956. p. 209-224, mas com a datao de 29 de maio de 1937. 83

    Idem. Salvemos a Democracia! In: ______. O integralismo perante a nao. 2. ed. Rio de Janeiro: Clssica

    brasileira, 1950, p. 89. 84

    MALATIAN, op. cit., p. 137.

  • obedincia lei do sacrifcio pelo bem-comum. Aos rapazes patrionovistas,

    os integralistas da grande e querida Nao-Irm, enviamos os mais

    afetuosos votos e a melhor lembrana de apreo aos rgos dos seus centros

    [...] agradecendo a todos as palavras com que acolheram o Integralismo

    Lusitano.85

    O integralismo brasileiro deve sua opo republicana a Miguel Reale.86

    Havia no

    interior da AIB vrias divergncias sobre segmento poltico, principalmente entre Plnio

    Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale. Este ltimo ocupava a chefia do Departamento

    Nacional de Doutrina e, por sua vez, o controle de vrios mecanismos polticos difundidos no

    movimento. Ao contrrio de Plnio Salgado, Reale no via os movimentos monrquicos com

    bons olhos: O republicanismo e um certo preconceito antifrancs explica sua atitude com relao Ao Francesa e ao Integralismo, ambos monarquistas.87

    Defensores de uma poltica tradicionalista, os integralistas ao analisar o Primeiro-

    Ministro de D. Jos I, o Marqus de Pombal, comearam: Por afirmar que o absolutismo no era uma forma poltica reprovvel e que no se podia confundir com o despotismo ou a

    tirania.88 O grupo dos integralistas,

    [...] deseja provar que na nossa monarquia, salvo raras excees, no houve

    absolutismo, pois os reis procuraram sempre respeitar as leis existentes e as liberdades do povo portugus. No liberalismo que, efetivamente, houve

    absolutismo, pois calcaram-se as leis legitimas da monarquia. Esta foi, de fato, a deia apresentada pelos integralistas, que distinguiram poder pessoal, que o rei tem efetivamente de assumir, e poder absoluto, que constitui j um vcio. [...] neste contexto terico de combate, certo, mas j fora do ambiente polmico pombalino de 1882 que temos de entender a posio integralista em relao ao Ministro de D. Jos. Ela vai

    considerar que o poder absoluto s existiu em Portugal no tempo de Pombal. [...] Diga-se, porm, como complemento, que no era o

    integralismo, movimento de raiz miguelista, o nico setor monrquico que

    ento tomara posio contra as manifestaes em honra de Pombal.89

    A partir dessa viso, compreende-se, com maior fluidez, que o objetivo dos

    integralistas lusitanos no era simplesmente promover a restaurao nacional da poca

    monrquica e, sim, criar um elemento que pudesse justificar a necessidade de retomar o

    Portugal dos chamados temos ureos, no processo caracterizado como medieval. Antnio Sardinha afirmou que: de uso corrente reputar-se Idade Mdia como um eclipse duradouro da inteligncia humana, s ressuscitada do seu sono longussimo pelos clares

    vitoriosos da Renascena. A calnia da Idade Mdia a calnia contra a Igreja.90 Ou seja, os valores medievais de defesa nacionalista, para Plnio Salgado, estavam associados a uma

    prtica crist. Tal modo de pensar levou-o a afirmar que: Construir uma Ptria muito difcil. [...] Porque uma Nao pode ser uma obra poltica, mas uma Ptria uma arquitetura

    moral e espiritual.91 Pensar o nacionalismo com a prtica religiosa era o caminho difundido

    85

    RES ET VERBA. BRAGA, Lus de Almeida; RAPOSO, Hiplito (dir.). Integralismo Lusitano: estudos

    portugueses. Lisboa: Tip.Inglesa, 1932-1934, p. 250-251. (AHS/ICS-UL). 86

    TRINDADE, 1979, op. cit., p. 251. 87

    Ibidem. 88

    TORGAL, Lus Reis. Histria e Ideologia. Coimbra: Minerva Histria, 1989. p. 84. 89

    Ibidem. p. 87. 90

    SARDINHA, Antnio. A teoria das cortes gerais. 2. ed. Lisboa: qp, 1975. p. 20. 91

    SALGADO, Plnio. O drama dos constructores de ptrias. In:______. Palavra nova dos tempos novos. Rio de

    Janeiro: Jos Olympio, 1936a. p. 15-18.

  • por ele, que discursava aos militantes defendendo a relao entre o sentimento nacional e o

    pensamento cristo. Em entrevista concedida ao Correio da Manh, afirmou:

    Despertar em si prprio as foras do sentimento nacional porque a fuso de

    todas as centelhas de patriotismo de cada corao formar fogueira que

    incendiar o grande corao da Ptria Total. Pedir a Deus coragem e

    pacincia, fortaleza e inspirao, energia e bondade, severidade sem alarde,

    bravura sem ostentao, virtude sem orgulho puritanista, humildade sem

    dignidade e dignidade sem egolatria.92

    O renascimento espiritual foi um movimento que se manifestou sob a influncia

    francesa, com o objetivo de restaurar valores espiritualistas na poesia, na prosa e na filosofia.

    Este movimento de espiritualizao dos intelectuais marcado, como o da Frana, no incio do sculo, por um esprito antimoderno, antiburgus pela nostalgia da Idade Mdia.93

    Com a fundao da AIB e a liderana indiscutvel de Plnio Salgado, tornou-se insupervel a divergncia entre patrionovistas e plinistas.94 As divergncias entre a AIPB e a AIB eram muito claras e incapazes de promover uma relao de ligao ampla e total entre os

    grupos. A separao que se estabeleceu entre esses grupos no quer dizer oposio. Em

    diversos momentos, os patrionovistas brasileiros (que eram em menor nmero) demonstraram

    apoio aos integralistas, principalmente no que toca ao discurso em torno da prtica social

    corporativista, dentro de um preceito cristo de ideias oriundas da Action Franaise e do IL.

    Exemplo claro ocorreu na eleio presidencial de 1955, da qual Plnio Salgado foi candidato.

    O jornal Monarquia: rgo da chefia geral patrionovista, afirmou em nota: Presidncia da Repblica Confirmando por este meio os comunicados anteriores, o Chefe Geral Patrionovista, Com.Prof.Dr. Arlindo Veiga dos Santos, aconselha aos patrionovistas e outros

    monrquicos no filiados A.I.P.B. a candidatura de Plnio Salgado.95 Com essa relao, os elementos franco-lusitanos consolidaram o pensamento de Plnio

    Salgado em torno do conservadorismo radical brasileiro. Para identificar a concepo

    intelectual contida no movimento integralista, recorre-se a uma anlise do movimento de

    maior inspirao do lder brasileiro, o IL, influenciado na Action Franaise, e experincia

    prtica do fascismo italiano, embasado na Doutrina Social da Igreja. Esses movimentos

    serviram de fundamentao para a construo poltica de uma organizao fascista travestida

    de nacionalismo cristo, cujo nico propsito era alcanar o poder mximo em torno do lder

    indiscutvel Plnio Salgado, que poderia, no entanto, assumir o papel real inexistente no Brasil republicano. Em 1937 a AIB foi extinta por decreto ditatorial de Getlio Vargas,

    culminando com o exlio de Plnio Salgado em Portugal a partir de 1939. Com relaes

    diretas, o conservadorismo lusitano promoveu uma reorientao doutrinria no pensamento

    poltico do integralista, estabelecendo a criao de novos direcionamentos a partir de 1946

    quando retornou ao Brasil. A poltica salazarista atravs de uma relao com o catolicismo

    causou uma seduo em Plnio Salgado que passou a ser rotulado de luso-brasileiro, elemento

    que caminhou at o fim de sua vida em 1975, tendo como base a matriz do corporativismo

    exemplificado no modelo portugus.

    92

    Idem. Sentido e rythmo da nossa revoluo. In: ______. A doutrina do Sigma. So Paulo: Revista dos

    Tribunais, 1935e. p. 18. 93

    TRINDADE, 1979, op. cit., p. 30. 94

    MALATIAN, op. cit., p. 67. 95

    Monarquia: rgo da chefia geral patrionovista. So Paulo, n. 3, out, 1955 (Arquivo Nacional da Torre do

    Tombo/Arquivo Oliveira Salazar - ANTT/AOS/PC-3R).

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