plínio marcos roda viva

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 Marcelo Rubens Paiva: A TV Cultura reapresenta agora um Roda Viva gravado com Plínio Marcos em 1988. Plínio Marcos que morreu há uma semana, esse que é um dos maiores dramaturgos brasileiros , com uma obra de densidade e sensibilida de que em  poucos países do mundo se vê, criou personagens - com os quais conviveu e conseguiu retratar: homossexuai s, prostitutas, um imigrante chegando em uma grande cidade - como poucos escritores consegui ram, porque o Plínio era um autor que escrevia com o coração na mão. Antônio Carlos Ferreira: O entrevistado desta noite é o autor de teatro Plínio Marcos. Plínio Marcos, 53 anos, foi quase tudo na vida antes de se tornar um autor consagrado do teatro brasileiro: foi funileiro, bancário, camelô, biscateiro do cais do Porto de Santos, soldado, palhaço de circo. O primeiro grande sucesso de Plínio Marcos acontece u em 66, com a peça  Dois perdidos numa noite suja . Depois foi o autor de teatro mais perseguido pela censura, com peças como  Navalha na carne e Abajur lilás. Plínio Marcos trouxe para o teatro, para o palco, o submundo brasileiro. Criou  personagens comuns, que falam palavrões, por exemplo. Rompeu fronteiras. Daí, a  perseguição da censura. Sua obra é um marco na dramaturgia brasilei ra. Por isso, Plínio Marcos está no centro do Roda Viva desta noite e será entrevistado por Antonia Chagas, atriz e repórter da revista  Final ; Paula Dip, jornalist a e apresentad ora do  programa Paulista Novecentos , da TV Gazeta; Kleber de Almeida, editor do caderno de sábado do Jornal da Tarde; Cacá Rosset, ator e diretor de teatro, com a peça TeleDeaum, atualmente em cartaz na cidade; Ninho Moraes, jornalista e cineasta da TV Cultura; Luiz Fernando Ramos, editor responsável da revista  Palco e Platéia; Marcos Kaloy, ator e diretor de teatro com a peça a estrear em março, a peça Black-out; Sérgio Lhamas, editor de cultura da  Folha da Tarde. Nós vamos contar também com o cartunista Negreiros, que vai fazer alguns desenhos que serão mostrados ao longo do debate. A platéia aqui do estúdio da TV Cultura é formada por alunos da Escola de Teatro Macunaíma . Como este programa não está sendo transmiti do ao vivo, nós não vamos poder receber perguntas por telefone de telespecta dores, como a gente faz normalmente. Plínio, na década de 60, você se tornou o grande "autor maldito" do teatro brasileiro. Ganhou fama e virou um símbolo da luta contra a censura. Hoje, com a liberdade  política, mesmo trabalhando muito, mesmo com uma peça em cartaz atualmente aqui em São Paulo, você sumiu um pouco do cenário cultural. O que foi que aconteceu? Plínio Marcos: Hoje nós temos um inimigo violento que não é mais a polícia federal como censura. É a mídia, não é? Então, quando a mídia te marginaliza, você está marginalizado, você não é notícia. Então, você veja, por exemplo, a minha última peça  A balada de um palhaço estreou no Zero Hora , que eu acho a minha melhor peça, com um trabalho deslumbrant e da Valderez de Barros que a crítica, a pouca que foi assistir e,  por exemplo, o trabalho do Petrim era considerad o o melhor da carreira dele e do da Valderez considerado perfeito. Tinha o trabalho do Valfoli, da Vasperti, do Guga, as músicas do Léo Lama, gente profissional. De repente, foi esnobado, por exemplo, pela revista Veja, que resolveu não noticiar, não mandou nem seu crítico assistir à peça,  porque eles não noticiam teatro alternativo. Então, você veja como acontece: por exemplo, a Folha de S. Paulo levou 15 dias para noticiar que a peça estava em cartaz.  No Jornal da Tarde , por exemplo, tem um grilo lá... O Edson é meu amigo, meu camaradinha de bar, mas tem um grilo lá, que eu não sei qual é, que eles não noticiam coisas nossas. Então, por exemplo, veja bem, recentemente o Sábato Magaldi fez uma

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Marcelo Rubens Paiva: A TV Cultura reapresenta agora um Roda Viva gravado comPlínio Marcos em 1988. Plínio Marcos que morreu há uma semana, esse que é um dosmaiores dramaturgos brasileiros, com uma obra de densidade e sensibilidade que em

 poucos países do mundo se vê, criou personagens - com os quais conviveu e conseguiuretratar: homossexuais, prostitutas, um imigrante chegando em uma grande cidade -

como poucos escritores conseguiram, porque o Plínio era um autor que escrevia com ocoração na mão.

Antônio Carlos Ferreira: O entrevistado desta noite é o autor de teatro Plínio Marcos.Plínio Marcos, 53 anos, foi quase tudo na vida antes de se tornar um autor consagradodo teatro brasileiro: foi funileiro, bancário, camelô, biscateiro do cais do Porto deSantos, soldado, palhaço de circo. O primeiro grande sucesso de Plínio Marcosaconteceu em 66, com a peça Dois perdidos numa noite suja. Depois foi o autor deteatro mais perseguido pela censura, com peças como Navalha na carne e Abajur lilás.Plínio Marcos trouxe para o teatro, para o palco, o submundo brasileiro. Criou

 personagens comuns, que falam palavrões, por exemplo. Rompeu fronteiras. Daí, a

 perseguição da censura. Sua obra é um marco na dramaturgia brasileira. Por isso, PlínioMarcos está no centro do Roda Viva desta noite e será entrevistado por AntoniaChagas, atriz e repórter da revista Final ; Paula Dip, jornalista e apresentadora do

 programa Paulista Novecentos, da TV Gazeta; Kleber de Almeida, editor do caderno desábado do Jornal da Tarde; Cacá Rosset, ator e diretor de teatro, com a peçaTeleDeaum, atualmente em cartaz na cidade; Ninho Moraes, jornalista e cineasta da TVCultura; Luiz Fernando Ramos, editor responsável da revista Palco e Platéia; MarcosKaloy, ator e diretor de teatro com a peça a estrear em março, a peça Black-out; SérgioLhamas, editor de cultura da Folha da Tarde. Nós vamos contar também com ocartunista Negreiros, que vai fazer alguns desenhos que serão mostrados ao longo dodebate. A platéia aqui do estúdio da TV Cultura é formada por alunos da Escola deTeatro Macunaíma. Como este programa não está sendo transmitido ao vivo, nós nãovamos poder receber perguntas por telefone de telespectadores, como a gente faznormalmente.

Plínio, na década de 60, você se tornou o grande "autor maldito" do teatro brasileiro.Ganhou fama e virou um símbolo da luta contra a censura. Hoje, com a liberdade

 política, mesmo trabalhando muito, mesmo com uma peça em cartaz atualmente aquiem São Paulo, você sumiu um pouco do cenário cultural. O que foi que aconteceu?

Plínio Marcos: Hoje nós temos um inimigo violento que não é mais a polícia federal

como censura. É a mídia, não é? Então, quando a mídia te marginaliza, você estámarginalizado, você não é notícia. Então, você veja, por exemplo, a minha última peça A balada de um palhaço estreou no Zero Hora, que eu acho a minha melhor peça, comum trabalho deslumbrante da Valderez de Barros que a crítica, a pouca que foi assistir e,

 por exemplo, o trabalho do Petrim era considerado o melhor da carreira dele e do daValderez considerado perfeito. Tinha o trabalho do Valfoli, da Vasperti, do Guga, asmúsicas do Léo Lama, gente profissional. De repente, foi esnobado, por exemplo, pelarevista Veja, que resolveu não noticiar, não mandou nem seu crítico assistir à peça,

 porque eles não noticiam teatro alternativo. Então, você veja como acontece: por exemplo, a Folha de S. Paulo levou 15 dias para noticiar que a peça estava em cartaz.

 No Jornal da Tarde, por exemplo, tem um grilo lá... O Edson é meu amigo, meu

camaradinha de bar, mas tem um grilo lá, que eu não sei qual é, que eles não noticiamcoisas nossas. Então, por exemplo, veja bem, recentemente o Sábato Magaldi fez uma

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grande reportagem sobre Dois perdidos numa noite suja, que é de 66, e eu dizia paraele: “fala da Balada de um palhaço, que você gostou e que mandava seus alunos lá daEuropa, de Paris escreverem carta pedindo a peça, porque achava que a peça eraimportante, e ninguém fala dessa peça”.

Antônio Carlos Ferreira: No seu entender, hoje, a sua produção teatral é de melhor qualidade do que a da década de 60?

Plínio Marcos: Não sei se de melhor qualidade, porque eu não tenho que ficar  justificando nem analisando: eu tenho que escrever. Só que eu acho que A balada do palhaço, ela dizia muito bem o que aconteceu com o artista neste país. Nós lutamos,fomos realmente ... nós artistas e jornalistas - e eu posso me orgulhar das duas coisas,tanto como jornalista como artista de teatro - fomos resistentes. Eu dediquei a minhavida e não é dos meus perdidos, é desde o tempo da barrela, que foi em cinqüenta etanto, que ela foi proibida, fiquei dez anos proibido, eu não estreei junto com as pessoasda minha geração por causa da censura. Eu fui o único autor proibido no tempo do

Juscelino. Então, a minha vida eu dediquei contra a censura, e estou dedicando nesse prezado momento com essa luta absurda que é contra a imprensa, que não noticiamesmo. Não noticia.

Antônio Carlos Ferreira: O seu principal inimigo é a imprensa.

Plínio Marcos: Não, não é meu inimigo, é inimigo do povo, porque o compromisso do jornalista devia ser com a notícia. Então se, por exemplo, um autor que nem eu, que passa lutando contra a ditadura militar, quando vem um período de abertura eu faço uma peça como a Blavatski [peça de teatro: Madame Blavatski], e dei entrevista para jornalda Polônia, para jornal da Alemanha, e não dei uma entrevista no Brasil? Depois que a

 peça saiu do cartaz eu dei uma entrevista para o jornal Estado de S. Paulo. Mas, aTonica [aponta para Antonia Chagas, uma das entrevistadoras] é testemunha, porque elatrabalhou na peça, não dei uma entrevista. Ninguém veio me perguntar o que aconteceunesses sete anos, e por que, de repente eu tinha aparecido com uma peça mística,entende? Isto o que que é? Isto no meu entendimento é censura. Mais ainda, o que é umcaso muito mais grave, por exemplo, os chamados - esse foi um discurso que eu fiz,quando recebi o Prêmio Molière, pela Madame Blavatski - eu dizia o seguinte: “Há umacensura”. E tinha lá mais de cinqüenta jornalistas que tiveram que calar o bico. Issochama-se censura, quando você põe no roteiro dos espetáculos, você põe um espetáculoe não põe outro. Então você põe, por exemplo, o meu show e não põe o do Ary Toledo,

evidentemente que estão censurando o Ary Toledo. Agora, se põem o dele e não põem omeu, estão me censurando. E vira e mexe. Eu não saio. Eu telefono para o Bóris Casoy,o Bóris Casoy acha um absurdo. Aí manda pôr. Aí dois dias depois já não sai. Eu nãotenho dinheiro para por anúncio em jornal. Um anúncio, por exemplo, hoje para você

 por - o Cacá sabe melhor do que eu quanto é que custa uma publicidade, o Kaloy sabe -se você puser três tijolinhos, custa 20 mil cruzeiros por dia. E um cara que faz teatroalternativo que nem eu não pode por anúncio. Eu tenho que viver daquele serviço que aimprensa devia prestar ao público, mas não presta.

 Cacá Rosset: Você sente que esse fenômeno é uma coisa que ocorre em geral com oteatro, ou especificamente com o seu caso?

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Plínio Marcos: Não, é geral com os alternativos, porque, de repente, a imprensa, elamesmo que chia, veja bem a incoerência: os críticos de teatro vivem dizendo assim:“não se renova, o teatro não se renova”, mas eles só noticiam o que a gente classifica deglobal. Então, você vai estrear... Uma estréia de artistas famosos da televisão no Rio deJaneiro, e, que Deus seja louvado porque eles são famosos e porque eles têm espaço na

imprensa, imediatamente, os jornais de São Paulo dão notícia, dão página inteira.Agora, por exemplo, você veja assim, a Maitê... A Malu Mader, que é uma excelentecriatura, uma menina belíssima, vai fazer uma peça do Léo Lama, que é meu filho.

Ninho Moraes: Estréia dele, né?

 Plínio Marcos: Não, não é estréia dele. Esse é que é o grande problema. Isso que eu iafalar. Ele estava com uma peça em cartaz até domingo. Até domingo estava uma peçaem cartaz com a Martinha que é uma excelente atriz, com o Edson e com o outro meufilho, Quico de Barros, que são três excelentes atores, uma direção maravilhosa do

 próprio Léo Lama... A imprensa ignorou. De repente, a moça vai estrear em outubro,

mas ela é global, ela dá entrevista de página inteira e todo mundo pensa que ele vaiestrear em outubro. Por que? Porque a peça que está no teatro alternativo, ninguém dáuma nota.

Ninho Moraes: Eu acho que eu li que era uma estréia. Eu li em algum lugar.

Plínio Marcos: Claro, porque ninguém sabe da outra peça. É estréia da Malu Mader,mas não é estréia de Léo Lama. O Léo Lama estreou com Meu amor, minha vida, numa

 privada entupida, que saiu domingo, saiu de cartaz.

Sérgio Lhamas: Mas, Plínio, recentemente a Folha da Tarde deu uma boa matériasobre você. Mas não é sobre isso, não. Você fala na...

Plínio Marcos: Qual matéria?

Sérgio Lhamas: Essa aqui...

[risos]

Plínio Marcos: Essa aí não é boa, é pequena, né? [risos] Se eu fico falando duas horas para o repórter e sai dez minutos [risos]

Sérgio Lhamas: Mas, Plínio, esse lado místico aí. Eu queria que você falasse disso.

Plínio Marcos: Falasse do meu lado místico? Olha aqui, é o lado místico. Eu acredito,companheiro, que, na verdade, a religiosidade é subversiva, a política não. A políticaconsiste na luta pelo poder. Então tudo se repete. Tanto faz você ser de esquerda ou dedireita, resulta sempre no poder, na luta pelo poder. É o caso, por exemplo, no outro diaem um debate com os estudantes, a menina falou: “Você já foi em Cuba? Não, não

 ponho nem o pé lá, porra. Se eu tenho que lutar contra a ditadura no Brasil, porque queeu vou em um lugar onde tem ditadura?” Para mim, eu não consigo diferenciar Pinochet[Augusto José Ramón Pinochet Ugarte (1915-2006), ditador do Chile de 1973-1990] de

Fidel Castro [Fidel Alejandro Castro Ruz (1926- ), ditador de Cuba, assumiu o poder em 1959]. Os dois são ditadores, lutaram pelo poder e são poder, e eu odeio poderes. Eu

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não acho que alguém possa ficar perto do poder. Eu não posso esquecer de paizinhoStalin ([óssif Stalin (1878-1953) ditador da URSS de 1924-1953], eu não possoesquecer de Hitler (Adolf Hitler (1885-1945); ditador da Alemanha entre 1933-1945],eu não posso esquecer de Mussolini [Benito Amilcare Andrea Mussolini (1883-1945)ditador da Itália entre 1922-1943, criador da ideologia fascista] de Salazar [António de

Oliveira Salazar (1889-1970) ditador de Portugal entre 1932-1968], de Getúlio Vargas[Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954) governou o Brasil de 1930-1945 e teve seuúltimo mandato entre 1951 a 1954, ano em que se suicidou] dessa eu não possoesquecer. De Perón [Juan Domingo Perón (1895-1974) presidente da Argentina de 1946a 1955 e de 1973 a 1974] eu não posso me esquecer. Ditadura, qualquer pessoa quetente botar a pata na minha cabeça para me dirigir, é uma ofensa e a política consistenisso. São grupos de pessoas disputando para ver quem tutela o resto do povo. Entãotudo consiste na habilidade do mais esperto, ou na brutalidade do mais forte. Mas areligiosidade, que não as religiões oficiais, evidentemente, a religiosidade consiste noseu auto-conhecimento, atenção sobre você mesmo. Esta te leva a você não querer ser nem o poder, nem querer que ninguém exerça poder sobre sua cabeça. Então, é isso que

eu tenho feito. Feito um trabalho de procurar encontrar caminhos para dizer para as pessoas que o que nos liberta é o auto-conhecimento. O que pode te tirar de umasociedade capitalista baseada nos princípios de propriedade privada dos bens sociais,

 portanto na ânsia possessiva do lucro, portanto, na competição e na violência, é o auto-conhecimento, é a religiosidade.

Paula Dip: Inclusive você escreveu alguns livros a respeito disso.

Plínio Marcos: Alguns não. Eu escrevi peças, não é? A Madame Blavatski, que eramostrando a vida desta mulher, que ela luta, luta, luta até chegar nessa conclusão de quenão vai ser a sociedade, não há possibilidade de você se libertar coletivamente, porquedepende do seu nível do auto-conhecimento, que é o caso do Senhor Jesus Cristo. Ele

 pôde renunciar à sua individualidade, porque ele era uma individualidade. Então ele pôde ser um homem coletivo. Se você não é uma individualidade, então você vairenunciar do quê? Não adianta você nascer coletivo em um lugar. Você não nascecoletivo. Você tem que fazer um trabalho de auto-conhecimento para você poder renunciar à sua personalidade.

Kleber de Almeida: Plínio, você não acha que a atividade política é muito importante porque, sem atividade política, qualquer país pode acabar na situação que você sereferiu de ditadores. É a atividade política que impede justamente o crescimento desses

ditadores.

Plínio Marcos: Eu não acho. Desculpe, mas eu não acho e eu entendo que você estádizendo atividade política no sentido de política partidária. Porque toda a minha ação é

 política.

Kleber de Almeida: Falando de política partidária...

Plínio Marcos: É. Partidária. Não, porque você veja no Brasil. Desde que o país foifundado, todos os partidos de esquerda ou de direita eles têm no fundo uma elitedisputando entre si para ver quem tutelava o povo. Isto é uma ditadura. E no Brasil essa

ditadura se exerce, por exemplo, no momento nós estamos marginalizados ainda nanossa história. Nenhum de nós aqui está participando da própria história, nem influindo

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no próprio destino. É a elite que está lá nos congressos, nos “sarneys” da vidadiscutindo, e, qualquer hora, nos ameaçam com a invasão dos militares de novo.

Kleber de Almeida: Sim... É que nós realmente nunca tivemos uma atividade políticacontinuada. Essa atividade foi sempre interrompida. Quer dizer, todo mundo deve fazer 

atividade política como você faz, como qualquer associação, mas até para forçar aentrada de toda a sociedade nessa atividade política. Ela então fica restrita realmente àselites. Porque se a gente também concordar que as elites é mandam, nós não vamos

 participar, elas vão continuar mandando, realmente.

Plínio Marcos: Não sei. Eu quero te dizer que eu acredito demais na cooperaçãoespontânea, e não acredito nem um pouco nas leis. Mesmo que haja lei, você precisa dealguém para garantir que se mantenha essa lei. Esse alguém é a polícia, e a polícia estáaí para defender quem tem, contra quem não tem. Portanto, eu não acredito nessa

 política que está aí mesmo...

Luiz Fernando Ramos: Você é anarquista?

[risos]

Plínio Marcos: Eu não posso discutir por rótulos com você, porque eu não sei. Veja bem, se você me perguntasse se eu sou católico e eu te respondesse que eu sou, tu iadormir na mesma, pois eu podia ser da Tradição Família e Propriedade [TFP -movimento católico de extrema direita], eu podia ser da Pastoral da Terra [grupocatólico que participa de movimentos de esquerda]. Então, quando você me diz"anarquista", eu deveria saber o que você considera anarquista...

Luiz Fernando Ramos: Então, melhor perguntando: O que você é?

Plínio Marcos: Eu não sou nada. Eu sou uma pessoa que está em busca do seu auto-conhecimento e que acha que a verdadeira subversão não é você entrar dentro desseesquema, dessa política, dessa luta pelo poder. É você sair desse poder.

Marcos Kaloy: Isso descreve, Plínio, o que você vê na política? Você não acha que estáacontecendo isso também com a própria juventude e com os próprios autores novosteatrais? Falam de descrédito generalizado sobre as instituições, sobre os partidos

 políticos, sobre a política em si, e por isso mesmo a produção dos autores teatrais está

limitada, as pessoas não sabem direito sobre o quê falar, com uma posição maisdefinida? No teu caso não, porque você tem uma posição mais clara e definida.

Plínio Marcos: Eu não quero parecer o pai da pátria, mas eu acho que tudo que está aí é plantado. Esse descrédito é plantado. O povo está no sufoco, mas o povo não édescrente. O povo acredita na vida e a garotada acredita na vida. Você pega qualquer curso de teatro, tem uma multidão de gente. Pergunta para esse pessoal do Macunaíma aí quantas pessoas tem lá estudando para fazer arte? E eu posso te citar Léo Lama, por exemplo, que é um dramaturgo que sabe o que dizer. Escreve quatro, cinco peças por ano. E outros colegas dele que estão escrevendo. Agora, você veja bem, Kaloy,

 belíssimo ator: não surge vinte, trinta dramaturgos em uma geração, não. Por exemplo,

isso era uma coisa que o Artur Rumo dizia: em uma geração surge, no máximo, cincodramaturgos. Por isso que essa censura censurou três, censurou muita gente. Agora todo

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mundo escreve e você ... vai ficar dois, três. Então, não é todo mundo que tem coisas adizer. O teatro é uma coisa muito específica, Kaloy, você sabe muito melhor do que eu,você é um brilhante ator. Então, as pessoas, por exemplo, grandes escritores, nãoconseguiram escrever para o teatro. Está aí nosso querido Machado de Assis [JoaquimMaria Machado de Assis:1839-1908, escritor], que sempre era mau quando ia ao teatro,

não é? Porque era uma coisa muito específica. Então, não tem tanta falta de ator assim,não. E a garotada não acredita nos políticos, e não pode acreditar na cultura, e não podeacreditar em nada. Mas a política continua engraçada. É que as pessoas ficamrevoltadíssimas. Eles passam a vida inteira endeusando Macunaíma. “Macunaíma,Macunaíma, Macunaíma...” quando aparece o próprio Macunaíma na figura deMarronzinho, fica todo mundo "AArhg". Que não é anti-herói sem caráter podeser...Vocês não queriam tá aí ele.... Engraçado sim, ridiculariza sim, tapeou esse bobodesse Ademar de Barros, [muitos risos] tapeou todos eles, levou o partido para ele, quer vender... Brinca e ri não tem nenhum caráter, sabe? Então, é isso que é. E como é queestá? Esse país continua vivo, acordado. Um dia eu falei num jornal que tem lá umnegócio assim “lista de preço: se a tua quitanda não puser anúncio no meu jornal, eu

falo que a banana no teu caso é mais cara que no supermercado”. Mas qual é a imprensano Brasil que não é assim, meu querido?

Cacá Rosset: Plínio, como é que você está vendo a política cultural no Brasil? Eu quis perguntar isso sobretudo pelo fato de hoje nós termos em São Paulo uma Secretaria daCultura.

Plínio Marcos: Você me permita um aparte. Eu acho que ali é o nosso amigo Serra[Luís Serra, ator e apresentador de TV], formidável. Chega cá, Serra. Senta aí, você éum ator brilhante [aponta para Serra] Não faz mal, senta cá, tá sem maquiagem. [risos]Vem aí, senta aí.

Cacá Rosset: Como é que a política cultural nesse momento que nós temos umasecretária de Cultura, que é uma atriz [Beth Mendes], o Celso Furtado [Celso MoreiraFurtado: 1920-2004, economista], que é ministro da Cultura, a Lei Sarney, existe uma

 política cultural no Brasil?

Plínio Marcos: Claro que existe. Independe de nomes. Beth Mendes é minha colega.Aliás, foi minha colega, que eu não sou secretário, mas ela foi minha colega com osatores juntos numa novela, né? Não sou secretário de nada. Agora, veja bem, a políticacultural é uma ofensa a um artista que nem você. Porque ela vem de quê? Do governo

central. E eles financiam aquilo que é bem comportado. Olha, por exemplo, só no Brasilque você pode ver professores que se dizem marxistas querendo preparar as pessoas para uma sociedade que eles abominam, que é a capitalista.

Antônio Carlos Ferreira: Você acha que não devia ter Ministério da Cultura,Secretaria da Cultura?

Plínio Marcos: Não, claro que não. O que devia ter no Brasil, e nós tínhamos que ter consciência disso, é que cada homem que trabalha ganhasse o suficiente para por o seufilho na escola que quisesse, para ir ao teatro, para pagar entrada de cinema, para ver ascoisas! Agora, se você tem, de repente, o governo do Estado apregoa como um grande

sucesso que ele dá uma banana, um copo de leite e um pão para a molecada, significaque ninguém que trabalha pode comprar uma banana, um copo de leite e um pão. Isso é

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um absurdo! E a política pública prova por aí.

Cacá Rosset: Agora, o que você está achando especificamente da gestão do CelsoFurtado no Centro da Cultura, e da Beth Mendes na Secretaria...

Plínio Marcos: Eu não estou achando nada. Eu acho o Sarney [José Sarney de AraújoCosta: 1930-, presidente da República entre 1985-1988] uma coisa espúria, que invadiu- nisso eu concordo inteiramente com o Figueiredo, ele invadiu. Só que o Figueiredo[João Baptista Figueiredo:1918-1999, presidente do Brasil entre 1979-1985] é um,como eu diria? Um bunda mole... [risos]

 Plínio Marcos: É um... Sei lá, é um tontão que deixou o Sarney tomar posse, mesmosabendo que ele não tinha direito, compreende? Nós não fizemos essa marcha pela rua,essas coisas todas para depois se unirem ao Ulysses Guimarães e seu partido PMDB e

fazerem um conchavão que resultou em Sarney. Então, qualquer coisa que venha dogoverno Sarney, é lesiva ao povo brasileiro.

Antonia Chagas: Você usaria a Lei Sarney? A gente estava reclamando de “pô, nãotemos dinheiro, fazer um teatro alternativo, estamos sempre devendo as calças”, o diaboa quatro. Aí tem a tal da Lei Sarney, que eles gostam ... Tem até uma campanhainstitucional no ar aí, usando a campanha. Você usaria a Lei Sarney?

Cacá Rosset: Sua vida mudou após a Lei Sarney?

[Muitos risos]

Plínio Marcos: Você é um espírito vivo e alerta. A minha vida mudou, porque agora as pessoas não acreditam que a gente está sob uma ditadura. As pessoas não acreditam queo Sarney é o boneco do Geisel [Ernesto Beckmann Geisel:1908-1996, presidente doBrasil entre 1974-1979] Compreende? A Lei Sarney não será aplicada em cima daTonica, nem do Kaloy, nem do Serra, nem de você. Por que? Porque vocês sãomalditos.

Antonia Chagas: Não somos pessoas culturais como eles querem

Plínio Marcos: Então, porque que o cara vai... Outro dia, o Renato Borghi dava umaentrevista, aliás, muito inteligente, como ele é, um autor e um ator inteligente, ele diziao seguinte: “É muito mais fácil para mim, e para o Fagundes” - para ele, né, RenatoBorghi. Não, para mim é ele, o Renato Borghi, o Juca de Oliveira e o Fagundes falar com um empresário. Agora, quem que vai receber Kaloy, Tonica, Elimar....Você não,você já está famoso [aponta para Cacá Rosset]

[Muitos risos]

Cacá Rosset: Mas não fui recebido ainda. Ainda não fui recebido.

Plínio Marcos: Porque você é um famoso pinguço. Eles estão tramando: “temos queacabar com esse rapaz aí porque ele é meio folgado. Eu desconfio que ele seja

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anarquista”.

[risos]

Paula Dip: Olha, é uma pergunta difícil de fazer. Você veio aqui em um programa de

televisão com uma camiseta rasgada. E, assim, com uma...

Plínio Marcos: Nada mais cabe em mim.

[risos]

Paula Dip: Pois é. Mas aí você fala: Como é que um empresário vai me receber? Agente sabe que a sociedade tem uma série de regulamentos, que talvez eu nem concordecom eles. Mas, como é que você faz para entrar em um banco, ou pedir uma Lei Sarney ou pedir um financiamento fica complicado. Tem certas coisas que você tem que, derepente conceder. Você acha que é por aí ou você acha que continuar de havaianas...

Antônio Carlos Ferreira: Pode parecer que você faz um pouco questão de ser marginal.

Plínio Marcos: Mas é claro que eu faço. Eu não quero pertencer a essa sociedade! Eu jádisse aqui claramente: “Eu não quero ser dessa sociedade e nem vou pedir dinheiro”. Eu

 pedi dez pau pro Gigeto [dono de restaurante], eles deram e eu gastei lá mesmo! E pedivinte paus para um bar de Santos, Bar da Praia. Que fica um cara assim: “bom, um diatu vem aqui em faz um show de graça”. E eu: “Claro, outro dia eu venho aqui. E estoufazendo propaganda do teu show”. Vão dois, três ver o show e eu falo assim: “e quandofor a Santos, não esqueçam, Bar da Praia”. E é o que eu consegui, entende? Mas eu nãovou pedir. Pedir para o Marquinho da Costa Previato, que é meu amigo de jogar bola.

 Não é de empresário. E que ainda não deu, mas falou que vai dar trinta paus e eu estou precisando desses trinta paus. O Marquinho! [risos] Vai gastar no carnaval. Marquinhoda Costa Previato. Então, você toma uma graninha aqui, uma graninha ali. Agora, quemconhece gente, então vem aquelas coisas assim: quem estudou em colégio granfino,conhece os granfinos que têm dinheiro para gastar. Agora, como é que você vai... Euacho até gozado. Por isso que eu não vou pedir. Como é que alguém vai dar dinheiro

 para eu falar mal dele?

Ninho Moraes: A sua peça que foi montada em Nova Iorque deu algum dinheiro?

Plínio Marcos: Não. Ela foi montada por um rapaz aqui de São Paulo mesmo, elemontou lá tão clandestinamente quanto nós. Ninguém sabia, só ele. Porque no Brasiltambém tem dessas coisas. Como ele era amigo do Paulo Francis, ele pediu para o PauloFrancis falar, o Paulo Francis falou, e ninguém fala mal dos amigos, né? Então fazia umtremendo sucesso, vai todo mundo... Que vai todo mundo coisa nenhuma! No dia, nema mãe dele foi, porque estava no Brasil. [risos] Quando a gente fala assim "tremendosucesso", é que ele não recebeu e o cara fala: “pô, Plínio. Ficou louco?” “estouquerendo te divulgar, não sei o quê”. Talvez vá alguém e goste um monte. Mas odinheiro mesmo não aparece. Outro dia mesmo recebi uma carta de uma mulher comovida, mas a mulher estava ... uma carta tão linda, vinha de Caracas. Dizia assim:

“nós estamos aqui montando toda a sua obra, autorizados por um convênio cultural quefizemos com a embaixada no Brasil”. Nem um tostão. Mandei as SBAT [Sociedade

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Brasileira de Autores Teatrais] falar com o pessoal da embaixada, eles nem receberam.Seu André é capaz de achar que eu vou lá atirar pedra nele ... aquele comunista da Praçada Sé.

Luiz Fernando Ramos: Todos os autores falam mal da SBAT. Nem todos falam na

frente do público, quer dizer, falam na boca pequena. O que você acha da SBAT. ASBAT funciona, a SBAT é um esquema corrupto?

Plínio Marcos: Eu e Cacá, que está aqui presente, nós fomos lá em Brasília, fui assimde chinelo, Cacá lembra, Cacá até falava que eu deveria ter vindo vestido de Bouree. Éaté um negócio interessante, vou te contar uma história assim, que já vi que gosta de

 política... De repente, adentra o gramado uma tribo de índios de cocar, não sei o quê, penas, procurando o Cabral. Aí o Cacá até falou para eles: “O Cabral que descobriuvocês não é esse, pô. Ele não tem culpa.” Mas os índios vinham com todos aquelescocares, não sei o quê, shorts e tênis Rainha, procurando o Cabral. Eu estava assim, coma minha gravata; pegamos o Cabral...

Cacá Rosset: Aliás, um pequeno parênteses à gravata do Plínio por troféuoriginalidade. [risos]

Plínio Marcos: Aí eu sei que os caras davam toda hora close do meu pé. Cabeça nãosaía nunca, mas o pé saía toda hora, o cara falava assim: “tá sujo vão pensar que é pé deíndio, nunca pensaram que era o meu”. Mas aí, né, você veja... Então nós lutamos lá econseguimos, e o Cabral nisso foi até muito cortez, que o dinheiro dele não rola aí[risos], não é? E até passou de novo outra vez SBAT. Então defendi a SBAT lá, defendi

 publicamente. Agora evidentemente, quando eu quero pegar um vale lá na SBAT, aúltima vez quem foi receber lá... Receber a grana dele, foi o Léo Lama, meu filho, queele vendeu essa peça para o dramaturgo e para a Maitê, o cara fala assim para o Léo: oseu pai está devendo duzentos milhões aqui!. O Léo Lama falou assim: O Sr. quer queeu empreste meu dinheiro para pagar? Eu falei assim: “você ficou louco?” [risos].Algum dia paga ... se precisar. Ou tem duas táticas: ou fala mal ou fala bem e vai láfazer um vale. Tem que ter próximo à gente né.

[Todos falam ao mesmo tempo]

[ ]: O que é SBAT?

Cacá Rosset: Sociedade Brasileira de Autores Teatrais que é quem regula aarrecadação, quem arrecada os direitos autorais. Ela não funciona... Eu estou com umaexperiência atual que é a seguinte: o autor da peça que eu estou fazendo, o Telemdaum,o Alberto Barbela, a peça está a onze meses em cartaz. Ele tem 8% do bruto da

 bilheteria. Até hoje ele não recebeu um centavo. A peça é uma peça que está indorelativamente bem.

Plínio Marcos: Aí é outra história, é outra história. Você vê, por exemplo, a minha peçaem Portugal, a minha peça na Alemanha, a minha peça no... Eu também não vejonenhum tostão. Isso é normal no mundo inteiro, é lá e cá, né? Eles não mandam para lá,os caras não mandam para cá e fica tudo empate.

Cacá Rosset: Mas aonde fica esse dinheiro que não veio para você?

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Plínio Marcos: O gato comeu [risos] ultimamente. O meu, por exemplo, deve ter vindoalgum, porque se eu estou lhes devendo duzentos paus é porque... "O Plínio temalgumas manhas", eu ia lá para Araraquara e telefonava lá, fazia: "Alô, aqui emAraraquara nós queremos montar uma peça do Plínio Marcos", e desligava. Aí os caras

telefonavam para minha casa e faziam assim: "Tem um grupo de Araraquara quequerem montar a sua peça. Só se pagar vinte pau adiantado, senão não tem", e iafazendo vale, porque nesse país é assim, não tenho nada contra...

Antônio Carlos Ferreira: Em algum momento você ganhou um bom dinheiro com oteatro?

Plínio Marcos: Já ganhei muito, mas muito mesmo. O teatro é uma coisa que dáinfinitamente grana, né? Eu quando tive... Cheguei a ter, por exemplo, cinco peças emcartaz em São Paulo, tive quatro peças no Rio, duas em Porto Alegre, duas no Recife enão sei o quê, naquele auge de Navalha na Carne, Dois perdidos numa noite suja,

então, graças a Deus tinha os inimigos, que falavam mal. No Brasil não adianta todomundo falar bem, porque você se ferra. Tem que ter alguém ao menos para falar mal.Fala mal, fala bem... Então dava dinheiro, deu um dinheirão. Agora, tem um detalhe:nós nunca fomos de guardar. Fomos gastando. Para começo de conversa, eu me lembroaté uma vez preso lá no exército um cara me pergunta assim: “você ganha muito maisdo que um general!”. Eu falei assim: “Mas quando você entrou na sua carreira, o senhor 

 já sabia que vinha [o cargo de] general, bastava ser feroz soldado, e eu quando comeceiem circo, eu não sabia nada. Então, se eu pegar minha grana toda e dividir pelo tempoque eu estou na profissão, o senhor vai ver que não dá nem salário mínimo.”

Paula Dip: Quer dizer então que você vivia melhor quando você era maldito?

Plínio Marcos: Não, eu não vivia melhor. Eu vivo melhor agora, porque agora eu seiviver. Naquele tempo era muita ansiedade, muita tensão, muita vontade, muitacompetição. Agora que eu não me coloco mais sobre as leis do rei e da banalidade, queeu não estou mais perseguindo sucesso, claro que eu não tenho a ansiedade deantigamente, e claro que eu sou muito mais feliz. Gordo e feliz, um gato gordo esatisfeito.

Ninho Moraes: E onde é que você está brincando o seu carnaval? Estamos em plenodia de carnaval.

Plínio Marcos: Vou trabalhar, estarei na avenida trabalhando para o terrível canal 12 nacobertura do carnaval.

Ninho Moraes: Você ainda brinca carnaval?

Plínio Marcos: Não dá mais para pular, né meu filho? Se rolar ainda vai [risos].

Antônio Carlos Ferreira: Agora, Plínio, você acabou de dizer assim, que você não busca mais o sucesso, mas não é meio da natureza do artista buscar o sucesso?

Plínio Marcos: Não quando você está procurando sucesso em outra área. Se eu estou procurando, me esforçando, por exemplo, em setores... por exemplo, estou estudando

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 profundamente, querendo me aprofundar em problema de cura pela mão. Então mededico a isso, estudo magnetismo, estudo Do-In, estudo nessas coisas e busco o sucessoaí, que às vezes você tem, às vezes não tem. Eu me lembro até que um dia eu fuiexperimentar curar a perna de uma velha argentina ali perto do meu pedaço, a pernadela ficou pior [risos]. O filho dela queria me bater, queria chamar a polícia. Ele assim:

“ele quer ser o novo Lumbrunk” [risos]. Foi um vexame!

Luiz Fernando Ramos: Quando que começa esse período seu, essa conversão sua, essacoisa sua espiritual e tal? Qual é o marco disso?

 [ ]: Tem a ver com a saúde?

Plínio Marcos: Não, não teve não, aliás, até me beneficiou na saúde.

Antônio Carlos Ferreira: Acho que seria bom até explicar a questão da saúde, né?

Plínio Marcos: A saúde, eu explico. Eu fiquei diabético e eu estava numa madrugadano Gigeto conversando, que eu sempre fui meio peralta. Então, eu tinha ficado de sexta

 para sábado sem dormir, de sábado para domingo sem dormir. Eu até fui em Santos queera aniversário da minha mãe e a velha Ermínia não brinca em serviço, faz aquelasenormes comidas, não sei o quê e tal, o melhor feijão do Brasil, aí eu comi demais, aí eufalei assim: “agora eu chego em casa e puf!”. Não ficava com sono, fui lá assistir Tonicae outros na peça Madame Blavatski, aí não dormia, fui pro Gigeto às cinco horas damanhã, estava ligado. Aí quando fui sair, senti uma enorme dor no peito, nas costas eachei que era friagem. Aí meti uma ginástica, aí tomei um banho, e fiz um Do-In emmim, para tirar a dor, tirei a dor e dormi. Aí acordei no dia seguinte às duas horas, a dor 

 persistia, eu tirava. Eu tinha que encontrar o Marquinhos santista, que nós íamos fazer uma leitura pública dos Dois perdidos ... Aí eu esperei ele até às quatro e meia, ele veioe eu falei assim: “O Marquinho, eu não estou legal, essa dor não passa, eu vou até lá oHospital das Clínicas”, que eu brincava de bola lá, né, o pessoal lá, “Eu vou até lá ver oque é isso aí”. E fui lá. E quando cheguei lá era enfarte. Aí foram ver que era a diabetesque tinha atacado o coração. Mas foi esse negócio de Do-In e essas coisas todas é queconseguiram serenar a barra por tanto tempo, que foi quase duas horas depois.

Paula Dip: Plínio, você disse que você era peralta, você é mulherengo, foi mulherengo?

Plínio Marcos: Não, eu jamais fui mulherengo, imagina com essa cara, porra.

 Paula Dip: Aí não sei, você tem o seu charme pô...

Plínio Marcos Eu posso até ser esforçado, né. Esforçado é uma coisa, mulherengo éoutra. Eu não sou nem Serra, nem Kaloy, nem Cacá, que são galãs, né? Eu tenho que

 batalhar.

Paula Dip: Mas no teu tempo de sucesso, você era paquerado?

Plínio Marcos: Por incrível que pareça, a gente estava em passeata [risos].

Paula Dip: Mas em passeatas acontecem romances...

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Plínio Marcos: ...todo o tempo em passeata. Gritando: "Zé Dirceu, Zé Dirceu!. Para presidente, Zé Dirceu" e o tempo passou e agora não dá mais. A última façanha que euestou fazendo é uma propaganda aí, eu estou dando dois prazeres para a mulherada. Umquando executa e outro quando saiu de cima. [risos] Eu estava falando da minha avó,que é benzedeira, meu pai, que era doutrinador espírita, eu até me lembro que ele me

 botou para tomar conta da primeira banca espírita que teve no Brasil em praça pública,ele me botou lá para tomar conta, para ver se eu ficava com medo das vidas pregressas e passadas e futuras. Então, me comportava um pouco. Então desde aquela época...Depois eu trabalhei em circo, trabalhei como cigano, que eram os grandesmagnetizadores.

Luiz Fernando Ramos: Você fugiu para o circo, ou foi uma coisa que a família tudo bem?

Plínio Marcos: Fugir? Em todos os lugares que eu tive até hoje eu não precisei fugir.Me mandaram embora.

Luiz Fernando Ramos: Quando você foi para o circo, você foi com a família numa boa?

Plínio Marcos: Não, fui porque fui. Sempre numa boa. Meu pai, minha mãe são pessoas...

[ ]: Em Santos ainda?

Plínio Marcos: É, em Santos, mas daí fomos viajar. Viajei com o circo dos ciganos, eaí eu conheci esse magnetizador que era fantástico. Realmente eu vi ele fazer curasfantásticas com a mão. Depois veio aquele rebuliço, aquela coisa, negócio deintelectual, despreza essas coisas, tudo vigarista, não sei o quê, aí um belo dia eurealmente comecei a pesquisar e comecei a ver que muitas coisas que o cigano falava efazia com as mãos, o Reich também fazia. Eu comecei a estudar, estudar, estudar, e, derepente, descobri que até o nosso belo Jung lia tarô, lia tarô, e agora eu estou lendo tarô

 para fora, né? [risos]

Paula Dip: Você acredita em astrologia?

Plínio Marcos: A Valderez [Valderez de Barros, atriz, foi casada com Plínio Marcos] é

uma mestra em astrologia.

Paula Dip: Qual é o seu signo e o seu ascendente?

Plínio Marcos: Meu signo é, eu nasci em libra, mas preferia nascer em dólar [risos].

Paula Dip: Agora, e o ascendente?

Plínio Marcos: Ascendente há controvérsias, eu mudo de acordo com a freguesia.[risos] E aí que está a chave.

Antônio Carlos Ferreira: Mas, Plínio, quando você estava respondendo sobre aquestão da conquista das mulheres, você falou: “na época do sucesso”, agora, na época

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do grande sucesso assim, mais de público, que foi na época da novela, digo, em BetoRockfeller você era, digamos era o grande nome da...

Plínio Marcos: Falando em história de galã, tem uma história que é lamentável pelocinema brasileiro. Os caras contrataram o John Herbert [1929, ator] para ser o vilão e eu

 para ser o galã [risos]. Aí ele ia daqui até o lugar da filmagem, ele ia dirigindo e eu ia dolado e ele falava assim: “por isso que o cinema não vai para frente!” [risos]. Aí nósentramos num bar um dia, aí o cara fala assim “ô, seu John Herbert, depois o senhor quer que a gente vá assistir filme. Estão dizendo que no seu filme botaram um galã semdente!” [risos]. Aí ele fala assim: “é um absurdo! Até o povo não quer ir no cinema!” Aíquando foi fazer a propaganda do filme, marcaram um dia para tirar retrato e o JohnHerbert não apareceu. Ele mandou um retratão dele bonito de quando ele tinha dez anosassim... [risos] Aí o cara, de sacanagem, botou dois dentes de vampiro nele e pregou na

 porta. Ele ficou um horror. Aí queria processar o cartaz. Esse filme até passa natelevisão até agora. Por sorte, nem minha filha me reconhece.

Antônio Carlos Ferreira: Mas, Plínio, como é que você curtiu essa fama naquelaépoca?

Plínio Marcos: Ali foi uma história esquisita, sabe, porque o Brasil é muito gozado. Euescrevi uma novela. O Cassiano me chamou, ele estava voltando e queria que euescrevesse uma novela nos moldes dos Dois perdidos..., da minha peça. Chamava-se

 Dentro da noite. Evidentemente, a novela foi proibida pela censura, e o EdmundoMonteiro foi em Brasília pegar e tentar liberar e voltou de lá alarmado. Falaram que iamme ralar mesmo. Falaram: “vamos pegar esse garoto”. Naquele tempo eu era garoto. Aío pessoal do Canal 4, daí todo mundo falou assim: “olha, eles vão te pegar mesmo!Então entra na novela. Se tu se abafar, tu nem precisa sair do país, sucesso ninguémmata”. Aí entrei na novela e fiquei. Fiquei e foi a salvação da lavoura. Foi por causadisso. Agora, veja bem, eles não tinham ódio por causa dos Dois perdidos..., não.

Antônio Carlos Ferreira: Mas você chegou a ser ameaçado fisicamente mesmo?

Plínio Marcos: Isso era toda hora porque eles tinham uma bronca violenta, o exércitotinha uma bronca porque eu tinha uma peça chamada Verde porque te quero verde, éuma gozação contra um cidadão chamado Coronel Campeiro, na feira paulista deopinião e eles não perdoavam. Ficou aquele rolo e tal, até o Roberto, o Beto, filho doGraça Mello, que até faleceu, que Deus o tenha, fazia o meu papel também na peça que

ele fazia pelo Penhor. Só ele foi preso um monte de vezes, pensando que era eu quefazia aquele papel.

Antônio Carlos Ferreira: Quantas vezes você foi preso? Eu sei de pelo menos uma.

Plínio Marcos: Isso aí eu entrava e saía. Era mais canseira, eu fiquei proibido detrabalhar. Você veja, eu fui o único cronista esportivo do Brasil preso e impedido detrabalhar!

Antonia Chagas: Aliás, eu queria lembrar uma coisa, vamos lembrar desse teu ladotambém de jornalista. Em um número recente da Revista Imprensa, aquele baixinho e

italiano falou daquela história de cortar as cabeças na Veja, que ele tinha sido chamado,que os ... até chamaram e tal, deu a versão dele sobre tua saída da Veja. Eu queria que

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você...

Plínio Marcos: Mas, qual é a versão dele. Pode ser a mesma, né?

Antonia Chagas: Pois é, eu queria saber a sua. O que houve?

Plínio Marcos: Mas é a mesma situação. O baixinho italiano é o Mino Carta, que vocêestá dizendo? O Mino Carta foi muito digno nesse episódio, não teve dúvida, porque oMino Carta entrou em férias e eu fui despedido. Aí, quando o Mino Carta voltou e eleera o diretor da Veja e não tinha sido ele que tinha me despedido, ele pediu demissão

 junto. Foi isso aí. Eu trabalhei três meses na Veja, consegui publicar duas crônicas emeia sobre futebol.

 [ ]: Era época da censura, né?

Plínio Marcos: Era censura. Por exemplo, eles, logo de cara se irritaram porque eu

escrevi uma crônica sobre o Santos Futebol Clube, dizendo que o Santos Futebol Clubeficou com vinte e cinco anos com aquele Jorge Cury de presidente e teve até o seumilagre, Pelé, mas que tudo indicava que quando acabou e acabou o milagre, o Santosia falir, o que - não vá me chamar de profeta, - mas está aí. Então falei, e eles acharamque era igual à história do Brasil. Então mandaram, fizeram isso, fizeram aquele rolo,fui detido. Aí eu escrevi a segunda crônica, que era uma crônica que, com a graça deDeus... Tem poucas coisas na imprensa, que a gente fala assim: “realmente deuresultado”. Eu escrevi uma crônica porque o Estevão, ele jogava naquele tempo, ele

 jogava no time que jogava o Carlos, o Tobias, o Estevão de beque [zagueiro], o Juninho.Eu ainda era garotão, tinha uns 42 anos, magrão, até o Jornal da Tarde um dia publicoulá assim: “Na década de 60, Plínio Marcos abafava, careca”. Ele não tinha aquela

 barriga. E é verdade. Um sentimento, que era um time que a gente jogava pelo interior do estado. Jogavam vários craques, o Emilio Carlos, o Adriano, aquele menino quemorreu, o Gersinho, que está em Portugal, O Carlito Godoy. E o Estevão, que era o

 beque de seleção brasileira de amadores, ele ficava proibido de ser profissionalizado porque queriam ele na Olimpíada. E o rapaz só sabia jogar bola, é um jogador defutebol. E ele tinha que fazer um bico. Naquele tempo estava muito de moda, pegarem

 jogadores e levar em fazenda de rico para eles jogarem para os granfinos assistirem elesno campo da fazenda. E aquele menino ponta-esquerda do Corinthians, Marco Antônio,um crioulinho, quebrou a perna do Estevão. E como o Estevão era juvenil, chegou oscaras olharam, falaram: “está inutilizado para o futebol”. Engessaram a perna dele

errada e sem limpar e deu cancro. E eu escrevi um artigo violentíssimo na Veja quedizia: “a grandeza de um país não se faz com medalhas olímpicas, se faz com respeitocom quem trabalha, não sei o quê...” e aí fui levado para a polícia federal. O delegadoaté era o Dr. Gilberto Alves, e olha como esse país é fantástico. E aí ele me deu uma

 prensa, falou: “olha, filho, o negócio é o seguinte, você vai acabar ficando semtrabalhar”. E eu falo: “Olha, o que o senhor quer?” E eu contei a história do Estevão.“Mas isso é verdade?” Eu falei: “Claro que é verdade! Mas então traz o Estevão aqui. OEstevão não queria ir, naturalmente”. Nós levamos lá conseguimos levar, acho que umfoi lá de muleta lá, contou a história, confirmou a história, o Dr. Gilberto falou assim:“Poxa, não é que é verdade? Então vamos pegar e cuidar de você”. Arrumaram promédico do Palmeiras cuidar do Estevão e arrumaram para mandar o Estevão para a

Escola Superior de Educação Física do Exército do Rio de Janeiro, onde ficou por contado Exército, tratou da perna, e está aí este becão que jogou domingo contra o Guarani.

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Jogando, dando porrada. E outro dia eu estava ali vendendo um livro na porta de umteatro, o Dr. Gilberto passou e falou: “você me traiu, hein? Você prometeu que se agente salvasse o Estevão ele ia jogar no América do Rio de Janeiro”. [risos] “Mas,ora doutor, só o senhor torce para o América. Não existe esse time, não existe mais”.Então, tem essas coisas que são... aí não consegui mais escrever na Veja, não escrevi.

Eu escrevi um negócio chamado Barra do Catimbó, cortado, aí fui despedido. E o MinoCarta saiu, foi essa a versão.

Marcos Kaloy: Você é corinthiano, Plínio?

Plínio Marcos: Que é isso, me respeita [risos]. Estou até com o chapéu do meu timeaqui, que é um time que ainda existe. Olha aqui, Jabaquara. Estamos na terceira, mas

 prometemos voltar. Agora nós temos o Leão da Caneleira. Essa história é gozada. Euvou te contar. Eu fui fazer um show em Santos, o pessoal do Jabaquara me levou umacamisa. Pra fazer... “Se for na televisão, você vai com a camisa do Jabaquara”. Aí eu fuino programa do Helena Júnior [Alberto Helena Junior], lá na Record e fui com a minha

camisa velha, a do tempo que eu joguei lá, de 52, toda furada e ele falou: “você temcabimento, gosta de ser marginal e vem com essa camisa toda furada!” Aí eu contei ahistória, falei assim: “o Jabaquara me deu uma camisa, mas a camisa está com defeito,ela não passa aqui”. Aí eles mandaram outra que também não passa. Aí eu só posso usar o chapéu. Tá aqui ó, Jabaquara.

[ ]: o Jabaquara então é só você e o Gilmar, né? [risos]

Plínio Marcos: Não, o Gilmar torce para o Corinthians.

 [ ]: Sim, mas ele nasceu em Jabaquara, né?

Plínio Marcos: Ele nasceu. Foi ele, Baltazar, Ciciá, meu irmão Claudinho agora estácuidando lá de arrumar os veteranos. Outro dia eu fui jogar lá com os veteranos daPortuguesa Santista e não conhecia ninguém! Os veteranos têm tudo 35 anos.

Antônio Carlos Ferreira: Agora, todo santista - e eu sou santista também - gosta doJabuca, né?

Plínio Marcos: O Jabuca é o time de todos, porque é o anti-time. Nunca conseguiu... Onosso melhor jogador foi um advogado, lembra [risos]? O Jabaquara caía para a

segunda divisão e ele fazia uma petição e não deixava ir. Era a famosa "jabaquarada".Jabaquara, que bonito...

Antônio Carlos Ferreira: Plínio, eu queria que você falasse um pouquinho dessa sua peça atual que você está em cartaz.

Plínio Marcos: A minha peça não é peça. Não é peça não. Eu estava lá vendendo umlivro na porta do teatro e a mulher falou assim: “Olha, o teatro vai ficar vazio, nós nãotemos porcaria nenhuma para pôr. Você não quer entrar?” Aí “Vamos lá, né?” E aíentrei, estou lá sentado, sento numa cadeira e vou contando histórias.

 Antônio Carlos Ferreira: Mas tem um script, né?

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Plínio Marcos: Não. Não precisa script nenhum. Vai pintando, eu paro o espetáculo,converso com o público e tal...

Paula Dip: O espetáculo é cada dia de um jeito?

Plínio Marcos: É, varia de acordo com o público, depende das pessoas. Eu conto umashistorinhas iniciais, eu conto até umas histórias muito bonitas sobre os embiques, sobreo Procópio Ferreira, que justifica não ter cenário. Até histórias que eu poderia contar aqui, por exemplo, os embiques, eu lembro que nós íamos estrear no César de Cleópatrae ele fazia o papel de principal da peça e dirigia, queriam ganhar prêmio com aquela

 peça e Dupom ganhou mesmo de ator. De repente ele foi dar uma fiscalizada nocenário, foi quando, de repente, ele olha e vê um buraco no cenário. Fica desesperado,chama o Jabaruto fala: “você não tem responsabilidade, você é um sem-vergonha, nósvamos abrir o pano e aquele buraco! Calma, Ziembinski, calma! Eu arrumo. Agoratambém tem um detalhe: se alguém olhar pro chão, tá torto. Que ruim que você é,hein?” Ele fala: “Deixa o buraco, deixa o buraco!”, e a peça fez-se com buraco a

temporada toda. E digo isto para justificar que eu também não tenho cenário, e digodepois do Procópio Ferreira, uma vez a Vivi me telefonou para mim visitar o Procópiono hospital, que ele estava muito mal, e como depois logo morreu. Eu fui lá e o mestreestava deitado de bruços e o médico falou assim: “Olha, não força ele que ele tá muitofraco”. Aí eu falei assim: “Mestre, sou eu, Plínio Marcos”. Ele foi olhando, olhando,olhando e me disse “Que bom que você veio, eu queria que você me escrevesse uma

 peça sobre o Catulo da Paixão Cearense [poeta cearense - 1863-1946] como vocêescreveu a vida do Noel Rosa e você conhece o Catulo”... e começou a contar a históriae cantar as músicas. Aí o médico veio para me tirar, veio à enfermeira que trocava oxixi, veio a outra que dava injeção de dormir, veio o outro médico de plantão e, quandovimos, tinha uma multidãozinha e ele deu um show de duas horas. Sem cenário, semnada, comovente. Cantou, representou, daí deitou. Dois dias depois ele morreu. Entãoeu dizia isto, assim: “claro, eu não sou ator, imagina, mas eu sou um contador dehistória”. Mas eu tenho impressão que os atores realmente dessa época aqui são muitoimportantes, sabe? Gente que nem o Serra que nos espia ali, o Cacá, o Kaloy, a Tonica etantos outros que tem por aí, essa molecada que está aprendendo. Por mais que umhomem esteja duro e cínico com esse confronto do dia-a-dia, com essa batalha semglória, ele sempre conserva no coração dele um pequeno núcleo, como um olho violeta,um lugar sensível onde ele guarda alguns ecos de algum momento de amor que eleviveu na vida dele. E bendito é quem pode tocar esse óleo nesse pequeno núcleo e, por aí, despertá-lo para as lutas de libertação coletiva. Um ator sempre pode.

Sérgio Lhamas: Plínio, você numa evidente brincadeira, você disse que preferia, comoator, atuar em peças dos outros para não prejudicar a sua.

Plínio Marcos: Claro, na minha eu pus o Kaloy, por exemplo, [risos]. O Kaloy, aTonica, entende? Trabalho em peça dos outros para não estragar as minhas, agora, temum detalhe: Ninguém me chama para dos outros, então eu tenho que fazer uma minha.Então, estou lá, sentado contando história, né?

Luiz Fernando Ramos: Sobre a sua dramaturgia. Você é estudado na universidade, suadramaturgia é considerada a mais importante dramaturgia nacional da década de 60 e tal

e, nesses últimos, quer dizer, tem 20 anos separando aquelas peças dessas últimas, aMadame Blavatski, a Balada de um palhaço, que você estava falando agora pouco no

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começo do programa, e eu queria saber se tem alguma evolução, quer dizer, você temalguma preocupação de ter mudado alguma coisa? Porque, só para terminar, o LuizAntônio de Abreu, que eu acho que é um dos bons autores da nova geração, aquele queeu acho intermediário entre você, ele tem colocado muito a preocupação de romper como realismo, de tentar encontrar um novo caminho, o Sofredini também tem ido por aí.

Você tem essa preocupação de sair daquela coisa realista, estática?

Plínio Marcos: Não, não tenho.

Sérgio Lhamas: Eu só acrescentaria uma coisa à pergunta dele: Você foi cotado pelo próprio Nelson Rodrigues como o sucessor do Nelson Rodrigues no teatro brasileiro. Euacho que dá para você explicar as duas coisas...

Plínio Marcos: Primeiramente, era brincadeira. O Nelson Rodrigues era muito brincalhão.

Luiz Fernando Ramos: Você admirava ele assim como autor?

Plínio Marcos: Ah, nós éramos muito amigos. Eu paquerava, porque quando euestourei, a imprensa carioca queria fazer uma onda Plínio Marcos contra  NelsonRodrigues. Eu não deixei, porque o Nelson Rodrigues é uma santa criatura e isto não é

 brinquedo não. Nós todos... Pode haver Plínio Marcos porque teve Nelson Rodrigues nafrente. Ele realmente... Há discordâncias, algumas pessoas dizem que é o Oswald deAndrade [José Oswald de Souza Andrade - 1890-1954, escritor e poeta, foi um dos

 promotores da Semana de Arte Moderna], que é o pai do teatro moderno, mas não énão. É o Nelson Rodrigues. Ao Oswald de Andrade se deve muito mais o talento do ZéCelso [José Celso Martinez Corrêa (1937-), ator e dramaturgo, criador do TeatroOficina de São Paulo], e o Nelson Rodrigues não. O  Nelson Rodrigues foi na frentemesmo, ele abriu o caminho para nós, todos nós autores: o Abreu mesmo que vocêcitou, o Leonardo que vem agora atrás de mim. Nós devemos tudo ao NelsonRodrigues, que ele abriu. Ele era violentíssimo. Então ele falava tudo isso porque elegostava muito de mim. Mas o Nelson Rodrigues era cismado com os outros autores. Eleachava que os outros autores não gostavam dele, ele achava que a crítica não gostavadele especificamente. Então ele tinha até uma frase que ele dizia assim: “O Plínio, vocêconhece o Vianinha [Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974) dramaturgo]?” Eu falei:“conheço”. “Eu quando vejo o Vianinha eu quero que o Vianinha venha comer alpisteda minha mão. Você conhece o [Augusto] Boal [(1931-2009), diretor de teatro e escritor, criador 

da metodologia cênica chamada Teatro do Oprimido, a partir dos anos 70, que combina drama e açãosocial]” Eu falei: “conheço”. “O Boal era bom dramaturgo quando copiava os meusdefeitos”.[risos] “Você conhece o Dias Gomes [Alfredo de Freitas Dias Gomes (1922-1999) dramaturgo que, entre outras obras, escreveu O pagador de promessas ]?” Eufalei: “conheço”. “Estão dizendo que o Dias Gomes é o melhor autor brasileiro, mas elenão é nem o melhor da casa dele!” [risos]. Então ele ficava horas falando essas coisas. Eele era muito gozado, falava com muito humor. Então ele ficava e ele dizia: “Não temesse negócio, isso que a gente tem que enfiar na cabeça, que não tem esse negócio demelhor ou de pior”. Outro dia um cara falou assim para mim: “você é um grande autor”.Eu falei: “muito mais largo do que grande, né?” Nem maior, nem menor, eu estou nocaso... No caso do Nelson. O Nelson Rodrigues  provavelmente agora viria o Leonardo e

falava assim: “Não é nem o melhor da família dele” [risos].

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Luiz Fernando Ramos: Mas, a coisa da preocupação estética, quer dizer, naquelaépoca você foi hiper intuitivo...

Plínio Marcos: Não tem. Você vê que, naquela época, por exemplo, isto não é umaverdade, as pessoas falam que eu ... Muito pelo contrário, convivi com Patrícia Galvão,

com Geraldo Ferraz. Na casa do Geraldo, do Ferraz e da Patrícia reuniam-se Narciso deAndrade, Roldão Mendes Rosa Mirta Guarani Rosato, Dias de Amaral, vinham poetas,Bruno Jorge, Celso Cardoso, os artistas todos, o Arrabal, esse arrabal que as pessoastodas... Na primeira vez que ele foi traduzido e montado foi em Santos pelo grupo daPatrícia Galvão. E isso é uma universidade. Mais ainda: eu tinha uma escola de circo.Eu sabia andar dentro do palco, que isso facilita muito os dramaturgos. O Guarnieri[Gianfrancesco Guarnieri - 1934-2006 - autor e ator de cinema, teatro e televisão], por exemplo, é esse excelente dramaturgo que ele é porque ele é um excelente ator. Eu saíquase do mesmo nível do Molière que andava tão bem no palco quanto o Guarnieri.Então, quem sabe andar dentro do palco sempre tem uma vantagem, mas não tem maior.Lauro César, por exemplo. Que autor magnífico ele é, né, de teatro. E tantos outros. Se

eu for ficar citando os autores aqui, com certeza eu vou criar injustiça. O próprio DiasGomes, que belíssimo autor. Agora, não tem como você pegar e falar assim: “este émelhor, não?” Nós temos Vianinha, Paulo Pontes, Leilah, Adelaide, Consuelo... É umainfinidade de dramaturgo, é um país riquíssimo, sabe? Então, nós podíamos dizer atéassim: Neste prezado momento, nós temos uma obra que é a do  Nelson Rodrigues, etodos os outros, nós, juntos, seremos outra obra se Deus quiser, e está feito uma grandedramaturgia para o Brasil.

Luiz Fernando Ramos: Mas não muda essa fase sua última?

Plínio Marcos: Não. A minha fase, eu nunca tive problema. Você veja, por exemplo,depois da Barrela eu escrevi A jornada do imbecil , até o entendimento que é umaalegoria, uma brincadeira. E depois escrevi os Dois perdidos... e depois escrevi Abalbina de Iansã , e depois escrevi Dia virata, é tudo diferente. Eu não quero ter estilo.Como você vê, se você acha que isto é anarquismo, eu sou anarquista até no estilo.Agora, o que me comove é você dizer... Claro, eu passei tanto tempo... As pessoasmalhando a linguagem "só fala palavrão". Eu me lembro até que quando eu fui estrear, aCacilda Becker falou assim: “É inacreditável, você conhece 20 palavras e escreveu uma

 peça. Só tem palavrão” [risos]. Aí de repente eu me vejo estudado nas cadeiras delingüística das faculdades. Lingüística, que eu pensava que era uma ginástica que as

 pessoas faziam para fazer sexo depois de velho [risos]. De repente estudo na faculdade.

Mas não tenho essa importância, porque agora, por exemplo, eu estou trabalhando paratentar fazer uma vida de Chico Viola, que não tem nada que ver com a MadameBlavatski, Madame Blavatski era uma... E o Chico era um boêmio, né? Inveterado, umcara gozador, vivia a vida, cantava. Não tenho preocupações de estilo nenhum.

Antônio Carlos Ferreira: Você está escrevendo isso nesse momento?

Plínio Marcos: Estou, nesse momento.

Sérgio Lhamas: Agora, escrever para o senhor é um processo penoso?

Plínio Marcos: O contrário. Imagina se eu não tivesse conseguido ser um escritorzinhorazoável, eu talvez tivesse dando duro na estiva. Aquilo lá que é penoso.

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Paula Dip: Você falou do teu amor pelo teatro, o teu amor pela boemia, o teu amor pelofutebol, e eu percebo que você fala com muito carinho do teu filho. Toda hora ele volta,esse filho. E eu queria saber dos outros. Eu não sei como é que é sua vida em casa, coma tua família, os teus filhos. Como é que você vive? Quando que você escreve?

Plínio Marcos: Eu não tenho horário de escrever, eu não tenho horário para acordar, eunão tenho horário para nada. Se fosse para ficar o horário, eu ficava dentro do sistema.

 Não tenho um horário. Agora, tem uma relação ultramaravilhosa com a Valderez, que éa mãe dos meus filhos.

Paula Dip: E quantos filhos você tem?

Plínio Marcos: Eu tenho três. O Leonardo, o Léo Lama, que é o escritor, ótimocompositor, toca um violão imenso...

Paula Dip: Que idade ele tem?

Plínio Marcos: Vinte e três. É meu parceiro na peça lá do palhaço A balada do palhaço, o Quico se revelou um ator quando ele deu baixa no exército, ele queria fazer cursinho eu falei pra ele: “Não vai fazer cursinho coisa nenhuma, rapaz. Vai sair doexército e entrar num cursinho, aí tu fica um idiota para sempre”. [risos] “Você vai

 pegar... Pega uma grana e vai dar uma banda pelas praias para ver o que você quer”.Porque o Quico é o que a gente se preocupava, porque o Léo Lama desde pequenininho

 já estava pegando na viola, então ele já ia ser violeiro. A Aninha, que é a Ana Festa, queé uma graça de menina,

Paula Dip: É a caçula

Plínio Marcos: É a caçula, mas é lindíssima. Ela é uma festa na alma e na esperança.Para ela a vida é uma festa mesmo. E vai ser atriz, quer ser atriz, já vai ser atriz, jáescreveu peças quando era garotinha de escola, então tudo bem. E o Quico, a gente nãosabia o que ele queria. Ele queria ser mergulhador, depois não queria. Então assim, me

 preocupava um pouco, mas também procurava não interferir. Aí eu falei; “Não, pegauma grana e vai andar por aí. Vai andar na praia”. Se ele gosta de praia, fica andando na

 praia. Talvez baixa uma luz, né, porque a gente já sabia que não podia deixar de ser. Aíele veio, quando ele voltou, ele disse : “Eu quero ser ator. Então vai se virar”. Ele foi se

virar e logo se destacou. Fez um papel lá na Helena, um papel principal até no  Pedro eo lobo, aí foi candidato à revelação, aí foi fazer a peça do irmão, a Meu amor ..., todomundo acha ele maravilhoso, aí já quiseram convidar ele para uma novela e para umfilme, “Devagar com esse seu andor que tu não aprendeu nada ainda”. Profissão de ator é muito difícil. Taí os atores que nem Serra e Cacá, que são veteranos...[Todos falam juntos]

Plínio Marcos:... Mas já a Tonica, eu não vou dizer que ela é veterana porque senão elavai ficar brava. Vocês estão vendo que ela tá começando. Mas ela é uma atriz muitoconhecida em Curitiba. [risos]

Antonia Chagas: Em alguns bairros.

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Antônio Carlos Ferreira: Antes de continuar o debate, só um minutinho, nós vamoster que fazer um intervalozinho. E logo em seguida a gente volta. Então, o Roda Vivavolta dentro de instantes.

Antônio Carlos Ferreira: Nós voltamos com o programa Roda Viva, esta noite

entrevistando o autor de teatro Plínio Marcos. Antes de retomar o nosso debate, eugostaria de apresentar então o ator Luís Serra, que foi muito comentado aqui na primeira parte do nosso programa, é ator e apresentador do programa São Paulo Rural aqui naTV Cultura, estava ali nos bastidores e agora conseguimos uma cadeira e um microfone

 para o Luís Serra.

Luís Serra: Quero agradecer ao amigo Plínio por participar dessa... Sempre é umahonra, um prazer, ouvir o Plínio falar e aprender muito com ele nas coisas que ele fala.

Plínio Marcos: Desde que você está no programa da roça, você deve entender daagricultura que anima Cacá [risos].

Antônio Carlos Ferreira: Agora, Plínio, eu queria retomar aqui nesse nosso debatenessa segunda parte falando do outro tipo de... Que desde o começo você falou assim:“O meu teatro é alternativo, um teatro alternativo e tal”. Queria que você falasse um

 pouco do outro teatro, o não-alternativo, o grande teatro, o teatrão e qual é sua opiniãosobre ele hoje no Brasil.

Plínio Marcos: Eu acho que, por exemplo, nós temos que nos orgulhar, porque nóstemos em cena hoje algumas interpretações de altíssimo nível. Se você pegar, por exemplo, o trabalho dos atores Juca de Oliveira e de Luís Gustavo, na peça do Juca, otrabalho de Pompeu e o trabalho do próprio Fagundes [Antonio Fagundes] nessa sériede peças que ele fez. O Fagundes no O anarquista, por exemplo, um trabalho dealtíssimo nível. O Pompeu também. Se você pegasse o Caruso e o Arutim na televisão,se você pegasse Raúl Cortez, no O lobo, e tantos outros que eu estou esquecendo, por exemplo, não estou falando nem das mulheres, porque se você pega das grandes atrizes,então nós estamos... E eu não estou falando do Rio de Janeiro, porque faz tempo que eunão vejo no Rio e não tenho ido ver Ítalo Rossi, Valmor Chagas ... Valmor Chagas não,ele está até fazendo um alternativo lá. Ele é seu pai, né Tonica?

Antonia Chagas: Não senhor.

Plínio Marcos: Ah, não? Nem parente?

Antonia Chagas: Não senhor 

Plínio Marcos: Os dois são Chagas, né? Mas o Valmor Chagas tá alternativo, o RubensCorrêa, que também é alternativo, mas é um gênio, mas tem Ítalo Rossi, uma porção,uma infinidade de grandes atores...

Antônio Carlos Ferreira: Mas então por que você não quer fazer esse teatro?

Plínio Marcos: Não é que eu não queria fazer, eu não sou é profissional.

Antônio Carlos Ferreira: Agora, sobre essa questão, Plínio, inclusive nós temos uma

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 pergunta gravada aqui do Ignácio Loyola Brandão [escritor e jornalista] que eu acho quevai pegar um pouquinho, a gente vai poder discutir um pouquinho mais esse assuntotécnico. Você pode assistir à pergunta por um desse monitores.

Ignácio Loyola Brandão: Plínio, você faz um trabalho pelo qual eu tenho a maior 

admiração, ou seja, você edita os seus livros e você sai com os seus livros debaixo do braço vendendo por toda parte. Até na praça pública, ou principalmente na praça pública. Talvez a última pessoa que faça esse trabalho, talvez o último alternativo doBrasil. Agora, o que eu quero te perguntar é o seguinte: Evidente que esse é um trabalhomuito bonito, é um trabalho muito importante que exige uma coragem até. Agora, issonão te limita um pouco como autor? Porque, como é aquele leitor do Rio Grande do Sulque conhece e que gostaria de ler o Plínio Marcos? Ou aquele leitor do nordeste, ou deCuiabá, ou de Corumbá? Como que esse livro seu vai chegar a ele? Você não acha quetem esse aspecto que, não sei se é negativo, mas, limitativo desse teu trabalho?

Plínio Marcos: Loyola. Loyola é um dos poucos que vive de escrever no Brasil. Eu fui

de vender livro. Agora, veja bem, eu vendo livro e estou gordo, ele escreve e é profissional e está magro [risos]. Mas não é, é que ele faz regime, ele é um grandeescritor e um grande... Não limita não, Loyola, muito pelo contrário. Você veja assim:quando eu era de editora, eu tirava, por exemplo, Querô, que era o meu romancecampeão, tirava cinco mil exemplares por ano e era uma batalha para vender. Era trêslivros para Goiânia, três livros para Corumbá, três livros para não sei aonde. Hojequando eu vou fazer uma palestra num lugar desse aí, eu vendo trinta, quarenta,cinqüenta e até cem livros em uma cidade. Quer dizer, eu vendo muito mais andando, eeu não sou alternativo, sou enjeitado. Alternativo é quem escolhe e eu fui posto parafora. Ninguém quer editar os meus! Mas eu queria editar e eu queria que garantissemque o livro seria distribuído. Como o livro não é distribuído, então eu vendo muito mais.

 Não é uma limitação, é muito mais. Por exemplo, o Querô, tiraram uma edição de cincomil exemplares por ano. Qualquer livro que eu vendo de mão em mão, eu tiro quinzemil, vinte mil por ano, que é muito mais, não é? Quer dizer, o escritor é ruim, mas ocamelô é ótimo.

Antonia Chagas: É, mas o camelô anda camelando há muito tempo. Há muito tempovocê faz esse trabalho de vender livros nas portas dos teatros, nas ruas, nas escolas e tal.Mas outro dia você estava saindo do Gigeto, com esse teu... Arrastando as havaianas, e

 já de costas, você falou assim: “Ah, já estou cansando desse negócio e tal”. Você estácansando de ser alternativo?

Plínio Marcos: Vender livro em terra de analfabeto com fome não é uma tarefa fácil.Então agora, por exemplo, cansei. Estou lá, fazendo um show. Enquanto estou no showeu não vendo livro.

Antonia Chagas: Mas nunca cansou de ser alternativo?

Plínio Marcos: Eu não canso de ser alternativo. É o que eu estava dizendo para oTonico. O Tonico é ele [mostrando Antônio Carlos Ferreira]. De repente você seofende. Aquelas coisas, essa gente do teatro é fogo. Mas, Tonico, eu estava te dizendo oseguinte: eu não sou profissional. Eu não teria, provavelmente, a sutileza dos meus

colegas que escrevem, por exemplo, novela. Provavelmente não conseguiria. Então não posso ser profissional. Então tenho que escrever o que me dá na cabeça, o que me

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apaixone. Então outro dia conversando com o Zé Ramos Tinhorão [(1932-) historiador,antropológo e pesquisador da música popular brasileira] a gente começou a falar deChico Alves, de Chico Viola, essas coisas todas, aí me entusiasmei para escrever a peça

 por aí. Mas nem me passa na cabeça quem é que vai montar. Eu escrevo e deixo lá. Eutenho uma peça que está, que o pessoal fica todo entusiasmado para escrever e está

guardada para o meu Quico, né? O Quico da gente é o Querô. Ou faz com o Quico, ounão faz. Desde que... Ele nem sabia que ia ser ator, eu já sabia que era ele que ia fazer oQuerô. Porque, pô, eu escrevo assim. Não tem nenhum jeito, por exemplo, de euescrever  A Madame Blavaski se não fosse a Valderez que fosse fazer. Ou ela faz ou eunão monto. A balada de um palhaço, ou ela fazia, ou eu não montava. Porque eu nãosou profissional, eu não vivo disso. Já sei que não vou ganhar dinheiro mais mesmo.

Antônio Carlos Ferreira: Agora, você acha que vender livro - e desculpe a insistêncianessa questão, porque a gente gosta tanto de você, a gente gosta tanto da sua obra que agente gostaria que a sua obra tivesse... Que você tivesse toda vez sendo encenada, elativesse no teatro o tempo todo e tal. Agora, quando você sai para vender livro na rua.

Isso te dá alguma coisa, algum incentivo, algum... Te inspira alguma coisa? Porque euacho que não! A minha impressão.

Plínio Marcos: Na verdade é muito mole, né? Na verdade é mole. Eu pego meu livro, por exemplo, eu vou lá na porta do teatro do Cacá, que é um sucesso retumbante,aquelas pessoas vão entrando lá, e junto tem o Fagundes, dois grandes teatros juntos alifuncionando “Esses dois canalhas lá dentro fazendo sucesso e você aqui fora! Me dátrês livros”. [risos]. É meia hora de trabalho, rapaz. Eu não nasci para trabalhar. Eunasci para ser bon vivant . Se eu fosse trabalhar, eu arrumava um emprego. Então émole, não tem nada...

Antônio Carlos Ferreira: Não, eu digo assim do ponto de vista da experiência, dainspiração inclusive, para poder escrever alguma coisa, porque quando você trabalhouem teatro, em circo, quando você trabalhou no porto e tudo, tudo aquilo é claro que teajudou a fazer as suas peças.

Plínio Marcos: Mas não tinha consciência. Não tinha consciência, Tonico. Não tinhaconsciência. Na verdade verdadeira, veja bem: existem as coisas que você sabe e ascoisas que você compreende. Todos nós sabemos que o país está miserável, mas nãocompreendemos direito o que é a miséria, portanto, não compreendemos e não fazemosnada pela miséria. Então, isto que é fundamental. O que fica em você é teu. O que tu

sabe, já fica discurso. Então, você vai vender livro, você não está se preocupando, vocêvai lá e vai brincando, é uma brincadeira. Eu falo com as pessoas, discute com um...

Antônio Carlos Ferreira: E você consegue se sustentar com isso aí? Você se sustentacom a venda de livros?

Plínio Marcos: Você vê que estou gordo vendendo livro em terra de analfabeto tem queser um sucesso.

Antônio Carlos Ferreira: Mas, como agora os seus filhos também estão fazendosucesso, né, talvez...

Plínio Marcos: Não, o Leonardo toda hora ameaça de me sustentar. Ele pensa que eu

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tenho alguma coisa contra. [risos] Acho que filho é para isto. Será a primeira vez que euserei sustentado por homem, mas o quê que eu posso fazer? A Valderez, por exemplo,vai estrear uma peça, eu espero que ela faça sucesso para me dar pensão, né? Que eusou a favor de receber pensão. Quicão, mais cedo ou mais tarde vai ser sucesso. Quicoda gente é um grande ator, é bonito, é talentoso e está tocando clarinete

maravilhosamente, e a Aninha, esta será um retumbante sucesso.

Cacá Rosset: Plínio, esse substitutivo do centrão [agrupamento político do Congresso brasileiro], que provavelmente será aprovado, não garante a liberdade de expressão no país. Quer dizer, você que é o inimigo público número um da censura, como é que vocêestá vendo a questão da liberdade de expressão nesse momento?

Plínio Marcos: Eu não sou o inimigo número um. Nós todos, nós todos aqui presentes,os atores, os jornalistas, nós sabemos disso mais do que ninguém. O Cacá, que se nãohouver liberdade total de expressão, não pode haver preservação dos direitos humanos.Mas o que você pode esperar de um país onde Plínio Sampaio [Plínio de Arruda

Sampaio (1930), deputado, atualmente do PSOL], que é do PT, vota a favor da censura,rapaz! A sociedade é censura. Eles têm um tremendo medo de que as pessoas falem e

 pensem livremente. Imaginem, deixando uma fera brava que nem Kaloy fazer o teatroque quiser, dizer o que quiser, sem nenhum controle. Cai a sociedade deles, asinstituições estão podres! Eles não entenderam ainda que, para a gente viver bem, não

 pode mais haver instituição: não pode haver mais igreja, não pode haver mais exército,não pode haver mais casamento, nem família obrigatória. Então, eles entenderam isto,eles se defendem da gente. Então, a liberdade de expressão para eles é uma doença.Então vem o cidadão... É Sampaio mesmo o nome dele, Plínio Sampaio? Plínio deArruda Sampaio, que é do PT e em nome do compromisso que ele tem com a igreja,vota a favor da censura! O que tu vai esperar da direita? O que tu vai esperar doRobertão [Roberto Marinho - 1912-2003 - jornalista, dono da Rede Globo], do, daquelelá... Daquela cria do Lacerda [Carlos Frederic Werneck de Lacerda - 1914-1977- jornalista e político da UDN, partido de direita do anos 1950, apoiou o golpe de estadoem 1964] lá... O Amaral Neto. Sabe o que a gente tinha que esperar deles, rapaz, se aesquerda vota a favor da censura? Aí então é terrível. Agora, eles sabem muito bem quese deixarem a gente pensar e falar, cai toda a instituição.

Luiz Fernando Ramos: Você acha que a liberdade de expressão, que o teatro livre temesse poder? Quer dizer, teve uma época em que você não era... Agora é possível, você...

Plínio Marcos: A Balada de um palhaço era isso, companheiro. Jovem, você que é umguerreiro porque você que faz uma revista de teatro no Brasil e fazer uma revista deteatro no Brasil é uma tremenda ousadia, né? É uma loucura, é uma maldição. Essa éque é uma alternativa! Mas, então, você veja: A Balada de um palhaço era isto, é o queaconteceu conosco. Nós ficamos exauridos lutando contra a censura, lutando contra aditadura, toda hora nos perseguido, toda hora preso, e não era. Você diz assim: “mas erafulano que era preso?” Não era fulano! Era qualquer um de nós que caía era como senós caíssemos. Quando você pega os formuladores, você Zé Celso, você pega Boal,você pega o Ferreira Gullar, que eram formuladores. E essas pessoas têm que sair do

 país, foram obrigadas a sair do país porque não podiam formular mais coisas. Nós,artistas, era fácil censurar, mas os que formulavam, estes tiveram que ser realmente

 postos para fora do país. Então, o teatro cansou, se exauriu. Quando veio a chamada"liberdade", que o governo Sarney, através do Fernando Lira, que também se diz de

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esquerda, fez uma festa para dizer que acabou a censura e era mentira, porque a lei permanecia igualzinha, igualzinha. Quando aconteceu tudo isto, nós não sabíamosdireito o que dizer, porque a gente não sabe se situar. Por mais que o artista queira ... Evocê tem razão. E não sou eu, são todos os artistas. Na verdade, os que mexem com aidéia, na verdade, são anarcos [anarquistas]. Então as pessoas não sabiam dizer, e elas

são generosas. De repente elas vem: “Olha, você não diz isso aí que atrapalha. Se vocêdisser isso, (não entendi) pode sair outra vez do quartel. Se você disser isso, vocêdesvaloriza a classe política...” Então os artistas começaram cansados e perdidos, semsaber se situar. Em qualquer profissão, em qualquer coisa, seria legítimo haver umdescanso, haver um relaxamento. Mas não, nós tivemos que continuar trabalhando,trabalhando...

 [ ]: Você acha que a classe teatral está cansada, Plínio?

Plínio Marcos: Não é a classe teatral. O Brasil. Só que na escola da vida, como dizJorge Amado, não tem férias. O povo não pode sentar na sarjeta e chorar. Continuamos

apinhados dentro dos ônibus, esmagados, sem saber o que vai ser com o nosso aluguel,aumentando tudo todos os dias, o leite, o pão, as coisas essenciais, o feijão o aluguel.Então estamos exauridos. Então você veja: na Balada de um palhaço, eu colocava isso.O artista que é o palhaço, que luta pelo direito de não ter que fazer uma artecomprometida, uma arte para agradar, e quando ele entra em cena, ele não temabsolutamente para dizer.

Antonia Chagas: O Bobo Plin era um auto-retrato?

Plínio Marcos: Os dois são um auto-retrato. Tanto o Menelão como o Bobo Plin.

Antonia Chagas: Você tem um lado de Menelão?

Plínio Marcos: Claro, meu amor. Você sempre tem um conflito dentro de você. É essaque é nossa ansiedade, é a dualidade. Se eu fosse uno, que maravilha seria, mas não, eutenho uma dúvida. Quando eu de repente sou convidado para fazer uma coisa que eunão quero, eu penso na Aninha, penso nos meus filhos, penso na minha mãe, que meu

 pai trabalhou a vida inteira e deixou para ela uma aposentadoria de 900 cruzados. E aminha velha está lá, com setenta e oito anos e se não fosse eu e meus irmãos, ela

 provavelmente estaria catando bagulho no chão da feira. Então tudo isto é umaindignidade neste país, quando a gente sabe que qualquer calhorda desses tem quatro,

cinco aposentadorias. Que eles cooperam em causa própria mesmo. Então essas coisastodas são doídas, não é? Então, não é o artista. O artista, talvez, seja o porta-voz do povo. Eu às vezes fico pensando, viu? Eu rezo uma oração que diz assim “Senhora,Jesus se fez verdade em seus braços, e, no entanto, para a senhora ele sempre foimenino. E, no entanto, não foi por ele que a Senhora chorou no Calvário. A Senhorachorou por nós. Homens que Jesus quis como irmão, por quem foi recusado. Chorou por nós, homens que Jesus quis libertar, mas que preferimos continuar escravos. Agoranesta hora, nesta hora dura, hora certa da tristeza materna, hora das cordas, dos açoites,dos lamentos, nesta hora que o homem de pouca fé pensa que é o fim, por causa dastransformações profundas, concede-me, Senhora, o direito de pegar a palavra dosfundos das águas e entregar para os homens no continente como ponte da libertação, do

despertamento, da subversão”. E é isso que nós estamos procurando todos, cada um noseu campo, cada um no seu sentido. E é isso que eu estou procurando, é essa palavra

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que incendiasse, que eu pudesse te dizer “eu te amo” e ela significasse exatamente aintenção do meu espírito. Porque senão se torna na palavra ociosa que resulta em nada,se resulta nesse homem moderno, homem de Babel, um homem que não sabe o quefalar, não sabe por onde seguir.

Antônio Carlos Ferreira: Plínio, isso que você acaba de dizer me lembra... Novamentelembra a gente de uma relação entre a sua obra e a do  Nelson Rodrigues, porque vocêsdois também sempre foram considerados autores malditos, o autor que coloca o sexo,coloca o palavrão, e, ao mesmo tempo, os dois também têm essa religiosidade. Que queé isso aí? Tem uma ligação assim?

Plínio Marcos: Você pode negar que algum autor brasileiro escreva sem ser a favor dohomem? Quem escreve a favor do homem, evidente que tem. Você pega o Guarnieri, oDias Gomes, Ferreira Gullar, Paulo Pontes, Vianinha, Leilah, todos todos, Lauro César,todos escrevendo a favor do homem, portanto, escrevendo a favor de uma religiosidade.Todos os artistas, o Cacá quando procura, o Serra quando procura, o Kaloy, a Tonica, os

outros atores, todos, quando eles procuram uma peça, claro que eles querem ser a pontedo despertamento do homem. Não conheço nenhum artista que não queria fazer, ogrande jornalista que não queira fazer a reportagem que mantenha no fundo da sua almaaquele compromisso que tinham os apóstolos, de contar a Bíblia. Não conheço nenhum.Agora, veja bem, de repente nós não temos espaço. A nossa luta, a gente fica de repentecaído. Veja, eu lutei contra a polícia como jornalista, nas folhas eu vi minha cabeça ser trocada para a polícia federal, na Veja, fui despedido, no República, fui despedido, nãosei onde fui despedido, o jornal Movimento que era um jornal onde a gente trabalhavade graça eu fui apreendido, fui processado tantas vezes, e, de repente quando vem oscaras dizendo: “agora tem liberdade de expressão”, você não tem onde falar. Você não

 pode entrar na Bandeirantes, não pode entrar não sei aonde, não pode entrar no canal doSílvio Santos, não pode trabalhar aqui, não pode falar nesse jornal, não pode dar entrevista nesse. É claro que, evidentemente isso é uma força bruta.

Luiz Fernando Ramos: Agora, você não acha que, por exemplo, essa marginalidadeque você está vivendo, que você sente... Você estava falando de grandes interpretaçõesde grandes autores, mas, se você comparar com a década de 60 em termos deespetáculos, de diretores, o teatro está muito menos importante do que foi naquela época

 para a sociedade. Então, mudou o teatro, mudou o Brasil, o que aconteceu com o teatroque o teatro está tão por baixo?

Plínio Marcos: Olha aqui, quando um ator estiver em cena representando com grandezaabsoluta, como neste exato momento representa o Cacá, que está aqui presente, o Serrarecentemente representou, e a Tonica sempre representa, na Blavaski, por exemplo, elaera de uma força, Kaloy, na minha peça também era de uma força, de uma coragem...Quando essas pessoas estiverem em cena, você pode ter certeza que o teatro está vivo.Então, você veja, eu vou te dizer uma coisa, é claro que você não acompanhou, mas, em64, quando teve o golpe militar, as pessoas estavam desesperadas e fizemos umareunião para saber o que seria de nós. E a alma grande, esse mestre do teatro brasileiro,Alberto da Versa dizia o seguinte: “os atores representem os grandes textos. Nenhumcensor vai ter coragem de proibir um Shakespeare. Nenhum vai proibir esses grandesautores que são heranças espirituais da humanidade. E se eles se fizerem grandes,

quando o autor puder escrever, vai ter que escrever para estes grandes atores”. Então,neste prezado momento, se nós escritores, os poetas todos que estão aí, estão exauridos

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e está chegando agora então a geração de Léo Lama, de Quico de Barros, de Aninha,das meninas da Blasfêmia, daquela Aninha Cafuri, da Rita Malui, e do Lage, e dos

 jovens diretores e eles vem chegando, e eles vem chegando, com certeza eles vão ter que escrever para grandes atores. Veja, por exemplo, Cacá é um jovem ator e énovíssimo. Daqui há dois, três anos, você vai ter que pegar e escrever para ele. Então

você que está começando e o outro vão ter que escrever para o Serra. Isso te obriga aescrever para nós todos, porque você fala “em 60... Em 60 começou a aparecer umadramaturgia, na verdade”.

Luiz Fernando Ramos: Você acha que a existência de uma dramaturgia é fundamental para que exista um teatro forte?

Plínio Marcos: Não. Os atores são fundamentais. O artista do teatro é o ator. Não existeessa coisa. Ninguém vai pagar a entrada para ver  Nelson Rodrigues, para ver Guarnieri,

 para ver Plínio Marcos. Todo mundo vai pagar para ver os atores. Eu vou no teatro paraver os atores. O diretor não existe no teatro.

Marcos Kaloy: Falando nessa perspectiva, Plínio, uma vez eu estava vendo um programa aqui, o Raul [Cortez] estava sentado onde você está e a Célia Helena [atriz,foi casada com Raul Cortez] perguntou para ele sobre os grupos de teatro antigamenteexistiam, que tinham uma certa continuidade que outros, hoje são muito poucos e quesão poucos os autores que topam trabalhar com os grupos e criar um espetáculoconjuntamente com os atores. Você ainda é aberto a isso, você trabalha dessa forma?

Plínio Marcos: A Celinha, ela está desinformada, porque, por exemplo, o Cacá é 10anos de grupo.

Marcos Kaloy: Não, a gente também, 10 anos.

Plínio Marcos: Então? Claro, 10 anos. Se eu tenho dois grupos com 10, não tem tão poucos assim, porque em São Paulo tinha o quê? O Arena e o Oficina.

 [ ]: Já é um casal vinte, né? [risos]

Plínio Marcos: Então, você veja que, de repente, essas pessoas, por força dascirscunstâncias elas ficam mal informadas. O que não tem mais é a divulgação que tinhaessa do Arena. Os críticos, por exemplo, perdiam um tempo enorme conversando com

as pessoas que estavam fazendo trabalho de pesquisa de coisa, publicavam,impulsionavam, e essas coisas todas. Agora, você veja, por exemplo, o Teatro de Arena tinha 170 lugares. O do Cacá tinha até pouco tempo 500 lugares. Veja qual que cabiamais gente.

Cacá Rosset: Não era meu. Era da Dona Ruth aqui. [risos]

Plínio Marcos: Não é sua tia? [risos] Ela te protegia.

Marcos Kaloy: Mas você estaria aberto a trabalhar com grupos, com atores.

Plínio Marcos: Não, pelo contrário, a última vez que eu organizei alguma coisa era umgrupo. Era o grupo "O bando", que era uma experiência cooperativada que deu certo

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durante dois anos. É que, por exemplo, o que eu acho é que, de repente, o grupo tem queacabar. Então chega um belo dia e você acaba, para não viciar, porque senão ficaviciado. Senão, chega num ponto em que todo mundo sabe o que o outro fala, derepente, se fala demais não tem salvação, sabe como é? O negócio é que tem que semisturar, o artista tem que se misturar. Você tem que conviver com pessoas que não

acreditam tanto no que você fala. Conviver com pessoas que te contestam.

Luís Serra: Agora, só uma pequena intervenção...com relação

Plínio Marcos: Fala Serra! Bebendo água hein quem diria...

[risos]

Luís Serra: ...Com relação a esse assunto, eu tenho tido muita discussão com esse pessoal que está surgindo, esse pessoal de valor, a respeito desses grupos com relaçãoaos grupos que existiam antigamente como esse tema aí do Arena e do Oficina, que

eram os dois grupos, digamos, principais na ocasião... O Opinião lá no Rio, e tal. E eusinto uma certa (da parte deles) uma certa desconsideração pelo trabalho que foi feitonosso durante aquele tempo e tudo o que a gente fala hoje, fala assim: “Bom, naqueletempo aconteceu isso, aconteceu aquilo. Ah, mas isso é coisa de passado, não interessamais, não sei o quê”. Quer dizer, uma certa tendência de considerar aquilo como coisafeita, não deu certo e vamos partir para outra. Eu, muitas vezes brigo com esse pessoal

 por causa disso porque eu acho que, fundamentalmente o que está existindo hoje, sevocê pegar de 1964 até 73 para cá, até 80, oitenta e pouco, eu tenho a impressão de queestá havendo uma retomada agora dos estilos, do tipo de assunto que o pessoal,

 principalmente desses grupos está procurando montar, é uma retomada daquilo que foiinterrompido por volta de 73, 72. Qual é a sua opinião sobre isso, quer dizer, eu mesinto assim meio como se toda a minha participação, durante todo esse tempo, o fato deeu ter feito todo o tipo de teatro que eu fiz durante todos esses anos, jogado fora emrazão de uma situação agora. Não tem mais valor.

Plínio Marcos: É sadio. É sadio eles chegarem com um trator e passarem por cima devocê. Porque, veja bem: o Arena e o Oficina conseguiram se instalar passando com otrator por cima de Procópio Ferreira, de Bibi Ferreira. Essa á a luta da juventude. Euvou te contar um diálogo que eu tive com o Leonardo e com o Quico crescido eu falei:“Vocês tem que chegar e arrebitar a boca do balão! Se você começar a me respeitar -

 papai é melhor autor - você não faz nada. Tem que chegar e falar que era uma coisa que

 já era”. Porque senão você não ocupa o lugar. Você tem que vir com o seu. Sabe, por exemplo, na Balada de um palhaço, uma das coisas mais bonitas que eu escrevi naminha vida, eu gostava tanto daquilo, eu dizia assim: “Quando eu fui começar a ir emcirco, as pessoas vieram e me diziam assim 'Olha, tem um gordo que faz dupla com ummagro engraçado. Eles são ótimos. Tem um que tem um bigodinho, que ridicularizouuma coisa, tem um que tem uma calça pelas canelas, tem um...' eu só não podia ser eumesmo”. Por isso que a minha carreira de palhaço frustrou, porque todo mundo tinhauma referência. A nossa cultura é de comparação. O Serra, de repente eu te acho ummagnífico ator. Mas, se de repente, eu pegar o Quico e falar assim: “faça como o Serra,

 já tem Serra”.

Luís Serra: Não, não é nesse sentido que eu estou falando, Plínio. Como você, comofoi dito aqui, você criou...

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Plínio Marcos: Não tem. Não acaba, não acaba. Você pode, por exemplo, o ProcópioFerreira foi mandado para o interior. Só andava pelo interior mambembando. A BibiFerreira, esta mestra, esta criatura adorada não existe neste prezado ninguém maiscompleto no teatro brasileiro do que Bibi Ferreira [Abigail Izquierdo Ferreira, 1922, atriz,

diretora e dramaturga, filha de Procópio Ferreira], esta mulher, ela teve que ir paraPortugal. Não tinha lugar para ela, rapaz, quando o TBC [Teatro Brasiliero deComédia] entrou. Mas não acaba. De repente, por exemplo. Eu me lembro quandoapareceu Jaime Costa fazendo um musical, todo mundo: “Mas meu deus, de onde surgiuesse ator?” Esse ator não surgiu, ele sempre existiu. Nós é que não acreditamos maisnele, então ocupamos espaço. Mas depois ele tem tanto talento que ele fica lá. Não temcomo você tirar, como você fazer. Claro que o Leonardo tem que sair por aí dizendo:“O meu pai já era! Senão ele ... o meu pai é bom, eu tenho uma pecinha”. Não existeisso, rapaz. A juventude tem que pegar e seguir o livro: “É lixo sim, por isso que nãodeu certo! Era um bando de idiotas”.

Luís Serra: Não, eu não concordo com essa postura deles de querer ganhar o espaço eter que...

Plínio Marcos: Para ganhar o espaço tem que falar mal, falar mal, falar mal. O  NelsonRodrigues só era maravilhoso porque ninguém podia falar do Nelson Rodrigues. Sempre tinha uns dois, três para falar mal. Aí tinha um que defendia, então ficavaevidente. Não tem disso. O jovem tem que pegar e desconhecer mesmo. Mas nãodesconhece tanto assim, tanto é que, por exemplo, lá o Humberto Mariani, oMarquinhos Santista, o Fláusio Arapi que está organizando aquele negócio derepresentar, o Chico de Assis, esse magnífico dramaturgo que é de tanto sucesso,inclusive está dando aula de dramaturgia e fica toda a juventude lá no Inacem [Instituto

 Nacional de Artes Cênicas]. Então você vê que não está perdido o elo. Acho que quemchega, tem que chegar com tudo. Sabe, era aquela coisa: eu me lembro que eudesacatava mesmo, eu era folgado que só... O colarinho. A Patrícia Léo Rumo uma vezescreveu no jornal lá de Santos, lá na Tribuna. A Tonica conhece bem e sabe o quesignifica você ser pichado dentro da Tribuna. A Patrícia botou assim na manchete do

 jornal: “este analfabeto está esperando outro milagre de circo. E me esculhambava”.Botou um retrato meu assim grandão, com gravata borboleta e tudo, e Bumba, Bumbameu Boi. Eu falei: “Patrícia, você ficou louca, rapaz? Você é minha amiga!” Ela falou:“Assim tu aprende. Tu não gosta da guerra de geração? Só quer dar porrada e não quer tomar? Então toma para tu ver como é bom” [risos] Aí bebemos juntos e ficamos dando

risada, só que eu era vaiado em público. Parecia que eu era o único analfabeto deSantos. Quando passava [risos]... Tinha um programa de rádio oficial para meesculhambar. Então, essas coisas todas que você tem ... que é a luta normal, sabe? Issoque é a vida, isto que é o sangue, isto que é maravilhoso. E no dia em que terespeitarem, você deixa de ser o grande Serra que você é.

Paula Dip: Falando de guerra de geração, você falou num momento da tua carreira,você trabalhou para a televisão, fez sucesso na televisão. Hoje você disse que a televisãonão te chama mais. Porque você não quer ou porque você acha que elas não têm espaço

 para você?

Plínio Marcos: Ó, meu amor, por exemplo, o meu amigo Oswaldo Loureiro mechamou para fazer uma coisa chamada... Como é que era? Senti firmeza. Eu não

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condeno nem que vá, eu tenho vários colegas que estavam desempregados para ir lá.Para começo de conversa, mesmo que quisesse, a Bandeirantes não ia deixar, como nãodeixou. Como o Carlos Alberto de Nóbrega me convidou para fazer a Praça da Alegriadele lá, na Bandeirantes, e depois não pode confirmar o convite porque eles nãodeixaram.

Paula Dip: Mas você iria?

Plínio Marcos: Não, eu não iria. Eu não iria porque eu não posso. Veja bem: eu souuma pessoa que faço uma média de três palestras por semana em igrejas, em periferias,em favelas, em colégios, em interior, essas coisas todas pelo Brasil inteiro. E digodeterminadas coisas que daí não permitem que eu apareça fazendo outras.

Paula Dip: É concordo...

Plínio Marcos: Então eu posso aparecer aqui nesse programa que, brincando, eu vou

dizendo todas as minhas coisas que então as pessoas... Mas eu vejo que o que estáacontecendo com a juventude brasileira é exatamente isto, não sei quem me perguntou,não sei se foi o Kaloy... O que eu vejo com a juventude é que ela está desacorçoada docara que faz um discurso bonito e não cumpre. E o que me tem diferenciado e a minhareligiosidade me obriga a ser é uma pessoa que procura viver o seu próprio discurso.Então eu não posso aparecer numa favela dizendo uma coisa lá e, de repente paraaparecer na televisão fazendo outra coisa. Eu não posso fazer, por exemplo, comercialde televisão porque eu abomino comercial. Eu acho que é apregoar a loucura você pegar 

 pessoas que não podem comprar e insistir que elas comprem. Eu não posso fazer. Entãoeu vou ter que pegar, morrer na sarjeta se for o caso, mas não posso fazer isto, porqueeu sei que a molecada não acredita no padre, não acredita no professor, não acredita no

 pai, não acredita no artista, não acredita em ninguém. Por quê? Porque ele não tem um parâmetro de honestidade. Então se eu vou lá e converso com eles e vejo que tem isto,eu tenho que garantir o meu taco, e é isso que eu estou fazendo.

Paula Dip: Mas o que você acha da televisão que está sendo feita no Brasil atualmente?

Plínio Marcos: A televisão tem dono, né? Então você não pode pegar e negar. Isso aíoutro dia um jornalista escreveu que eu sempre falo a mesma coisa. Mas a televisão queé o vínculo cultural do nosso tempo está entregue aos invasores. Isso não há comonegar. Eu tive que dizer isso na marinha, no exército, na polícia federal, no Dops.. São

9600 filmes estrangeiros por ano nos cinemas brasileiro. São 80% de música estrangeiratocando diuturnamente nas nossas rádios, são 280 filmes estrangeiros por semana natelevisão brasileira. Esta massa de cultura de consumo não está aí por acaso. Ela está aí

 para esmagar as manifestações que protegem o povo brasileiro, para descaracterizar ohomem como um brasileiro, para mesquinhar o mercado de trabalho do homem

 brasileiro, do comunicador brasileiro, impedindo que a gente possa discutir os aspectosculturais da nossa profissão, e se você quer ver, hoje, em plena crise econômica, oBrasil gasta muito mais na importação de cultura de consumo do que na importação de

 petróleo, e ninguém vai falar em economizar nisto porque para vender de café, soja,sapato lá nos Estados Unidos, nós temos que comprar essa bagulhada. Eu me apresso adizer que sou contra as fronteiras, sou contra essa idéia de país, essas coisas todas, mas

eu não posso aceitar o mundo sem a participação cultural de um povo onde me criei. Não posso aceitar o mundo sem berimbau, sem caipirinha, sem bumba-meu-boi, sem

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feijoada, sem farofa, sem macumba. Então eu quero que seja a recíproca verdadeira, euquero um espaço de criação. Então, nós não temos um mercado de trabalho. Então, essa

 previsão é mal feita. O jornalista, de repente, não pode ter compromisso com a notícia.O ator não pode discutir os aspectos culturais do seu trabalho. Então é ruim, é muitoruim a televisão que está sendo feita aí.

Ninho Moraes: Você topa fazer um tele-teatro aqui na Cultura?

Plínio Marcos: Fui convidado, apareceu um rapaz em casa. Ele foi lá em casa e queriaadaptar uma peça minha. Eu perguntei se ele sabia se Plínio Marcos estava vivo. Porquese eu estava vivo, eu mesmo poderia adaptar [risos]. Ele falou que não e tal, que ele iaadaptar, que era uma chance dele. Eu achei o rapaz bobo, era Roberto, não sei osobrenome dele, dei uma peça para ele adaptar chamada Homens de papel , onde ele iaganhar mais do que eu. Mas eu dei, ele falou que precisava entender de televisão, eufalei: “Tudo bem. Você vai lá e faz a adaptação”. Depois ele apareceu lá em casa e deua peça para mim ler e eu não tinha tempo de ler peça que eu já li. Então eu peguei o

Marquinhos Santista, que é um amigo, bom diretor, eu dei para ele ler, ele achou queestava ótima a adaptação. Devolvemos a peça para o garoto e falamos: “pode fazer”. Eleveio aqui e proibiram.

Antônio Carlos Ferreira: E isso quando?

Plínio Marcos: Faz uns sete, oito meses atrás. Proibiram. Agora, desta vez eu peguei,ano passado no carnaval uma figura falou assim para mim: “Olha aqui, eu indiquei o teunome lá no canal dois e eles não deixaram”. Esse ano eu peguei no pé do RobertoOliveira: “Ora, que história é essa, não deixar trabalhar no carnaval?” “Não, muito pelocontrário. Ano passado eu falei do teu nome e os caras falaram que você não quer maistrabalhar”!. Eu falei: “Mas eu quero, pô. Claro que eu quero. É carnaval, eu vou ter queficar na Avenida mesmo! Já falo lá 'olha aí, não sei o que...” Então já me pôs paratrabalhar.

Luiz Fernando Ramos: Qual é a sua escola? Será que pode falar aqui? Você vaicobrir...

Plínio Marcos: Não, não tem escola, porque, por exemplo, nós éramos agitados. Eu oGeraldão, o Toniquinho, o Zéca da Casa Verde. Nós na verdade implantamos,incrementamos, eu que incentivei o Inocêncio Mulato a fazer a primeira roda de samba

de São Paulo, que era a camisa verde e branca da Barra Funda, eu que incentivei oGeraldão a fazer a roda de samba da Paulistano. Eu com a Valderez, com o RobertoRuco, com a Beth Ruco, e com tantos artistas, com o Alexandre Borra, que fundamos aBanda Bandalha, então nós sempre agitamos carnaval, entende?

[ ]: O Carlão...

Plínio Marcos: O Carlão, o jovem Carlão que agora tira a banda do redondodesesperado. Porque as outras bandas agora querem inaugurar o carnaval de São Paulo,

 já estão saindo em janeiro do ano passado [risos]. Quer ser a primeira, né, aquela coisatoda. Então nós temos aquela banda maravilhosa, que era a Banda Bandalha, que era

 bonita. Eu me lembro que um cidadão punha guarda reforçada na porta do Jaraguá, o primeiro que passasse ou atirasse pedra, sei lá. Tinha os que pensavam que era passeata,

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né? Que a banda de São Paulo, o carnaval de São Paulo tem umas piras... Elesconfundem um pouco banda com São Silvestre. Eles vão depressa.

Sérgio Lhamas: Como é que é essa peça que foi proibida aqui no Canal 12? Só para ter uma idéia, por que ela foi proibida?

Plínio Marcos: Era Homens de papel , não tenho a mínima idéia por que foi proibida.Eu mandei o cara perguntar e ele nunca mais apareceu. Mas era Homens de papel, uma

 peça que a Maria Delacosta [atriz e produtora teatral] montou em 67. É a discussão damais valia entre catadores de papel. Com papéis...

Marcos Kaloy: Plínio, a gente estava no carro, a gente estava falando sobre um fatoque ocorreu com um crítico no teatro. Qual é a tua relação com a crítica? Se puder contar esse fato, conte...

Plínio Marcos: A crítica, eu não tenho fato nenhum, eu não tenho nada a esconder,

tudo meu é público, o problema da crítica é o seguinte: no ano passado, veja bem, acrítica, por exemplo, o João Cândido e a Sônia Goldenfeld, que são pessoas até que sãoconsideradas colegas nossos, porque eles até fizeram escola de arte dramática, foramatores, essas coisas todas, e de repente eles vão ser críticos. E vão, por exemplo, o JoãoCândido foi convidado umas três ou quatro vezes para assistir a Balada de um palhaço.Evidente que nós não estamos querendo ganhar prêmio. Mas a Veja é uma revista quetira 680 mil exemplares. Nós queremos ser noticiados lá. E não fomos. E a resposta queele dava era que, seguinte: que a Veja não queria noticiar teatro alternativo. Então, tudo

 bem, é um direito que ele tem. Só que, quando chegou na hora da votação, ele foi lá e aSônia Goldenfeld foram lá e votaram. Votaram o quê? Sem ver? Isto aí a gente acha umabsurdo. É um absurdo sem conta. Mesmo contando que o Inacem ( Instituto Nacionalde Artes Cênicas) é um órgão do MEC e o MEC é do governo Sarney, é uma afrontavocê pegar e pagar pessoas para votarem em coisas que não viram. Então, a gente chiou.E a crítica ficou aí, meia nariz torcido com a gente. Não foram ver a peça do Leonardo,só foi o Roberto Cossich, e aí o Roberto Cossich foi assistir o meu grande espetáculo,falei assim: “Sempre meteu o pau na peça do Leonardo, agora como é que faz paravotar? Você vai contar para os outros que você não gostou da peça? Os outros não vãover a peça do Leonardo? Não é porque a peça é do meu filho, não”. Eu tenhotestemunhas de várias pessoas no teatro que dizem que o Leonardo é uma granderevelação como diretor e um grande autor, e o Quico é um ótimo ator e a meninaMartinha é uma atriz excelente, a que está fazendo um papel lá, e o Edson, um outro

garoto, é de um talento raro. Bom, vai um lá que eu até acho que estava de má vontade,e escreve dizendo que os rapazes não tem cultura, que acabou, essas coisas, aquilo queninguém ligou, que eles tem o negócio lá da Patrícia Galvão para gozar o pai toda hora,então também isso é para eles... Só que, de repente, eles vão votar e só tem um críticoque viu. O das folhas, o... Ele assistiu, mas assistiu depois da votação. Aí, conversoucom o Leonardo, que ele gostou da direção do Leonardo, gostou de tudo, aí o Leonardofalou assim: “É, mas vocês votaram sem ver”. “Não, mas a gente não pode ver tudo.Então, qual é o critério que a crítica usa para ver um e não ver outro?” Então, é isso queeu acho que é indignidade. Veja bem, o crítico existe e pode e deve ajudar o artista.Evidentemente que todos nós somos meio mediúnicos, meio instintivos como artistas e,de repente, o crítico inteligente, ele te ajuda a conscientizar. Mas os que estão aí, eles

estão querendo determinar o que você deve fazer ou não. E não é determinar o que vocêquer fazer. “O Cacá tem que fazer esse tipo de...” Não, eu digo assim: o Cacá faz, eu

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digo se ele atingiu o objetivo ou não. E explico o porquê.

Cacá Rosset: Plínio, você fica magoado quando você tem uma crítica desfavorável aalgum espetáculo seu?

Plínio Marcos: Não, todo mundo prefere ser elogiado. Mas eu não ligo não. Nósdefendemos o direito das pessoas de dizerem o que quiserem. Agora, na verdadeverdadeira, crítica de teatro, atualmente, quem lê são os colegas para te falar assim: “Jáviu aquela crítica que saiu em tal jornal? Te arrasa, hein” [risos]. Aí você saca um outro

 papel do bolso e fala assim: “Mas eu tenho uma boa!” [risos]. Aí! “Essa eu não vi”. Éisso aí, porque se você tivesse, por exemplo, eu me lembro do Davessa, o Davessa eragozado. Então teve uma peça que era um terror, mas foi dirigida por um diretor do canal4. E a peça era um terror e só ele elogiou, o resto caiu de cacete. Aí eu falei “O Davessa,você elogiou essa peça e todo mundo pichou?” Ele falou assim: “Eu quero trabalhar noCanal 4, não quero ser crítico! Crítico ganha pouco”. [risos]

Antônio Carlos Ferreira: Plínio, você falou no começo da nossa entrevista que vocêestá escrevendo alguma coisa sobre Chico Viola. Eu tenho a lembrança da morte doChico Viola. É uma das imagens da minha infância é a morte dele.

Plínio Marcos: É mesmo? Pô, eu ia dizer que você não era nascido. O Kaloy eu faleiagora que... o Kaloy não era nascido.

Antônio Carlos Ferreira: Não, meu pai era fotógrafo em Santos e eu me lembro que,no dia em que o Chico Viola morreu ele tinha lá uma foto do Chico Viola. Ele tirou ummonte de cópias e nós ficamos com fotografias secando na casa inteira, porque elequeria, no dia seguinte, vender e malhar a fotografia do Chico Viola. Então, aquilo foiuma coisa, aquela morte e tudo. O que você pode adiantar para a gente? Do que, do seutrabalho que você está fazendo agora?

Plínio Marcos: Ah, bom, como eu escrevi o Noel Rosa, aliás, isso aí era uma coisa queeu gostaria de fazer em televisão. Vida do, por exemplo, a do Noel Rosa, que já estáescrita, a do Chico Viola, que eu estou escrevendo, a do Heleno de Freitas, porque, por essa vida dessa gente toda aí desse ano, por exemplo, você pega o que era imprensa

 brasileira, essas coisas todas, você vai ver do quê que a gente é conseqüência. Naqueletempo, você pegava e endeusava o herói cafajeste, né? Ninguém podia ser maiscafajeste do que o Chico Viola.

Antônio Carlos Ferreira: Tinha que morrer em um carro conversível, em umaestrada... num Buick.

Plínio Marcos: Em um Buick. Aquele Buick, que era o carro da época. Aquele Buick,que era o carro que mais corria na época, essas coisas.

Sérgio Lhamas: O Heleno de Freitas também se achava um herói cafajeste?

Plínio Marcos: Também. Ele era terrivelmente cafajeste, porque ele era doente, né?Então era aquele cara louco. Era extremamente. Ele pegava bandeirinha e saía correndo

atrás do (...) com a bandeira de impedimento.

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[todos falam juntos]

Sérgio Lhamas: Gilda Barroso...

Plínio Marcos: Gilda, a Gilda. Gilda, porque ele era lindo. Era lindo. Tão lindo que

morreu com sífilis.

Cacá Rosset: E o Marronzinho?

Plínio Marcos: O Marronzinho é o Macunaíma, já está escrito. [risos]

[ ]: E hoje, quem é o herói cafajeste?

Plínio Marcos: Cacá, por exemplo, está aí [risos]. Fazendo essas perguntas sobre oMarronzinho e essas coisas agressivas. Querendo me indispor com aquela imprensa.

Sérgio Lhamas: O Nelson Rodrigues achava, brincando ou não, talvez brincando, que avaia era glória total. Você acha também a vaia a apoteose do espetáculo?

Plínio Marcos: Não. Não é verdade. O Nelson Rodrigues falava isso é de charme. Ninguém tinha mais charme que o Nelson Rodrigues. O Nelson Rodrigues é umacriatura deliciosa. Isto é um termo dele, ele via as pessoas, via a Tonica, fazia assim:"doce criatura", aquelas coisas dele. Mas ele era todo cheio de charme. Ele tinha todoum vocabulário, ele era o rei da frase. O Otto Lara Resende [1922-1992, escritor e

 jornalista] vai entrar para a história como o "rei da frase", e a maioria das frases foi o Nelson Rodrigues que fez para ele. Que inventava essas coisas todas, e botava nosamigos nomes de peça. E eram coisas maravilhosas. Porque, veja bem, nós estamos

 perdendo um pouco, sei lá, pela vida moderna que está cada vez mais agitada, nósestamos perdendo um pouco aquela poesia que havia nas relações. Eu ainda cheguei atrabalhar com o Samuel Wainer . Uma maravilha, uma pessoa cheia de poesia. O  NelsonRodrigues é uma pessoa encantadora. Ele começava a escrever aquela vida dele  A vidacomo ela é e aí saía para tomar café, os caras continuavam escrevendo para ele, elevoltava, continuava de onde o cara parava... Nem ligava. É um negócio incrivelmente

 belo.[risos]

Sérgio Lhamas: Até ligava, dizia assim: “como eu ia dizendo...” [risos].

Paula Dip: Plínio, você falou da vida do Chico Viola. E a vida do Plínio Marcos? Vocêtem vontade de escrever? Você pensa em uma auto biografia? Você anota coisas? Comoé que é a história da tua vida?

Plínio Marcos: É que, você veja, a vida, na verdade, nós vamos ficando muito... O dia-a-dia da nossa vida leva a gente a ter muita mágoa. Então, você dá um testemunhoenquanto você está vivendo, você daria testemunhos que não são honestos. Que são

 pessoas às vezes boas que se indispuseram com você e aí você vai escrever uma biografia, vai pegar, dar uma paulada no cara, coisa que você não faria depois decinqüenta anos. Então eu prefiro não escrever nada, nem contar as coisas. Voudeixando. Conto em botequim. Aí sim, botequim vale tudo. Botou um nome em cima da

mesa, a gente arruma defeito [risos].

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Antônio Carlos Ferreira: Agora, Plínio, você falou em Samuel Wainer e acabou desair a biografia dele, e, no final do livro tem uma coisa que me lembrou também...Jornalista gosta de fazer comparações e eu vou fazer mais uma com você, porque oSamuel também foi um homem poderosíssimo neste país e chegou ali no finalzinho dolivro e disse que as coisas que restavam para ele eram os filhos dele. E era aquilo que

ele gostava. Eu vejo que você nessa entrevista ao longo de toda essa noite aqui vocêretoma sempre aos seus filhos. Eles adquirem com o tempo uma força maior até quaseque a tua obra.

Plínio Marcos: Você veja que eu me refiro ao pessoal de teatro e ao pessoal da boemiatambém com muito carinho, com o que me diferenciava do Samuel, porque o Samuelera um homem muito magoado, embora não parecesse. Eu me lembro até de uma

 passagem: uma tarde nós ficamos na redação da Última Hora, ele já era empregado, queeu só trabalhei com ele nesta fase, aí chegou um bando daquelas perigosas criaturas quevem com gravador e uniforme de colégio... A professora não tem o que fazer com eles,manda entrevistar alguém que eles não gostam. Aí mandaram entrevistar o Samuel, e o

Samuel, eu sei lá se ele estava carente naquele dia, ele chamou parte da redação para ir ali falar para as menininhas, todas encantadoras, e ele foi falando: falou de GetúlioVargas, falou uma porção de passagem, e, no fim da tarde, o sol já ia se pondo. Entãoestava aquela coisa melancólica, aquele homem falando, aquelas menininhas tristes, aíele vira para a menininha e fala assim: “Tenho certeza...” quando o gravador fez "tec",que acabou a fita, a última fita das meninas, “Tenho certeza que quando vocês vieramme entrevistar, vocês não tinham... não sabiam que eu não era nada disso aqui”. Aí amenininha mais bonita e mais inteligente de todas, virou e falou assim: Para ser franca,Sr. Samuel, a única coisa que a gente sabia do senhor, é que o senhor tinha sido maridoda Danuza Leão [risos]. E aí eu tive que ficar bebendo com ele até às quatro [risos]. Ocara faz a história, e não sei o quê... e aí você entra para a história como marido daDanuza Leão! ... Seu cafetão!...

Luiz Fernando Ramos: Você está traduzido em quantas línguas?

Plínio Marcos: Eu fui traduzido, em primeiro lugar, para Portugal [risos].

Antônio Carlos Ferreira: Os palavrões devem ser diferentes.

Plínio Marcos: É diferente porque lá tem palavrão que não é palavrão. Não sei, eu vejoàs vezes campeonato de Portugal na padaria ali onde eu tomo café, o português põe a

televisão lá para ver o jogo, eu falo assim: “Lá tem 350 jogadores brasileiros, como seráque o pessoal xinga lá, né? Deve ser gozado, né? Mas aí eu fui traduzido para aAlemanha, agora recentemente saiu Dois perdidos... lá, fui convidado para fazer uma

 palestra lá na Áustria [risos]. Mal falo português, eles não vão entender coisa nenhuma.Com aquele frio lá falando. De repente eu aprendo a língua deles e esqueço a nossa[risos].

Antônio Carlos Ferreira: Você nunca saiu do país?

Antonia Chagas: Isso eu achava engraçado você... Engraçado não é bem o termo, maseu gostaria que você lembrasse uma coisa: Você já ganhou alguns Molières, eles sempre

dão passagens para quem ganha ir para a França. E o que você fez? Quem é que foi comaquelas passagens para a França e quando?

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Plínio Marcos: Nas duas primeiras, nós vendemos e demos para um grupo da faculdadede filosofia, que tinham que levar algumas pessoas na bagagem que não podiam ficar aqui. E as outras duas, que coincidiu que a Valderez também ganhava, eu vendi a minha

 passagem e dava o dinheiro e ela ia para a França, porque ela tem que ver, tem que se

informar, é uma atriz maravilhosa. E a Valderez tem um detalhe, né, Tonica? Isso queeu não sei nem se falei ou se não falei, mas o nosso relacionamento, da Valderez com osnossos filhos é bom porque é de tribo. Nós somos uma tribo. Como eu sou com você,com outras pessoas. Eu me lembro até de um bilhete que a Aninha, minha filha mandou

 para a Bibi Ferreira, que dizia assim: “Bibi, você não me conhece, mas nós estamos namesma barca”. Que é, que nós somos tudo da mesma barca, da mesma tribo. AValderez, sem dúvida nenhuma foi a atriz mais massacrada do teatro brasileiro,compreende? Ela foi várias vezes proibida na estréia, ensaiavam, ensaiavam, ensaiavam,quando ia estrear, a censura vinha e proibia. Proibia a peça do Plínio Marcos, mas elacomo atriz, ficava na angústia. Ela foi invadida no palco dela, quando a gente faziaquando as máquinas param lá no sindicato dos tecelões, ela foi invadida e entrou um

cara com metralhadora, ela falou assim: “aqui no palco, quando eu estou, não! Vocêdesça!” E o cara: “não...” e ela disse: “Desça!”. Aí eu desse dia eu quase bati nela,

 porque naquela confusão toda, mandaram me chamar. O cara me bateu com aquela porra na cabeça “Mas em você eu atiro. Mas nunca mais me chame para resolver uma parada enjoada dessa”. Então, uma atriz valorosa que batalha e que foi feito aos poucose, hoje, sem dúvida nenhuma, ela é uma atriz generosa e foi muito perseguida no tempoem que ela era minha mulher. Eu me lembro que, por exemplo, lá no canal 4, eu dava

 pau no canal 4 que não pagava ninguém não sei o quê e o cacete, eles se vingavam não botando a Valderez para trabalhar.

Antônio Carlos Ferreira: Agora, Plínio, você disse assim: “eu dei a passagem para aminha ex-mulher, para ela se informar, para ir para o exterior”. E por que você não?

Plínio Marcos: Porque eu não tenho mais jeito. A única coisa que eu posso fazer paramelhorar meu aspecto é lavar o pé. Eu não tenho mais jeito, eu não tenho vontade de ir.Eu não gosto mesmo. Eu gosto de, por exemplo, eu gosto de ir para Santos, Paraná, aturma do Chope in bola, e ver os veteranos da Portuguesa jogar, e ver os veteranos daJabaquara jogar, gosto de sentar em botequim e ficar conversando com a rapaziada deteatro e com a boemia, e paro lá no Gigeto, lá no Bar da Praia em Santos, paro noFiolim, paro no Orvieto. Então eu gosto de papo furado. É isto que eu gosto. Agora,outras pessoas podem gostar. Tem gente que gosta de viajar. A Valderez, por acaso,

gosta de viajar.

Marcos Kaloy: Falando em papo furado, a Hebe [Camargo, apresentadora de TV] veiouma vez aqui no programa e falou que você tinha quebrado um galho para ela, quegalho que é esse?

Plínio Marcos: Não, ela não falou que eu quebrei um galho para ela. Você ouviu... Eladisse que quando ela me levou no programa dela na Bandeirantes, ela levou para meajudar, que a barra estava muito difícil e depois ela foi chamada na polícia federal. Ahistória não é bem assim, a ajuda provavelmente foi mútua. Eu fui lá porque as pessoasnão queriam muito ir porque ela tinha ajudado o Maluf, aquela história, e eu achava que

ela, numa democracia deve ser isso: ela ajuda quem ela quiser. E fui, e fui eu, aTerezinha Sodré, foram outras pessoas, foi até muito bom participar do programa dela,

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eu disse o que era, depois me informaram mesmo que ela tinha sido levada no ralo da polícia federal, aquelas coisas todas. Agora, a verdade verdadeira é que depois, nuncamais ela deixou entrar no programa dela. Mesmo na Bandeirantes, quando a gente foidivulgar a Madame Blavaski, ela não deixou eu ir. E esses anos todos em que ela está láno canal do Sílvio Santos, nunca me convidou. São essas coisas, e a história, de repente,

é mal contada. As pessoas contam um lado, mas tem o outro lado. Então, eu tenho muitasimpatia pela Hebe Camargo, acho uma grande comunicadora, mas ela não me ajudoutanto assim não, não corre risco por ninguém não.

Antônio Carlos Ferreira: Agora, Plínio, você teve falando, você falou agora onde vocêvai, onde gosta de ir e bater papo e tudo... Você tem algum interesse maior assim, voltar a fazer algumas coisas que você fez antes por necessidade até, de voltar um pouco paraa marginalidade, ver como ela está hoje? O que tem a marginalidade hoje em relação àmarginalidade de 1960 e 50?

Plínio Marcos: A rua onde eu moro é a própria, né? Eu moro na Teodoro (...). Ali fica

toda a fina flor.

Luiz Fernando Ramos: Mas assim, quer dizer, tinha uma marginalidade romântica eque não tem mais, ou...

Plínio Marcos: Isso aí é história, isso aí é conversa. Isso é sempre conversa. É amesma. Marginal é aquela coisa, as pessoas falam: “poder corrompe”, mas a misériacorrompe absolutamente. Então, por exemplo, no lodo não vai nascer nenhum lírio, nãoé?

[ ]: A noite é eterna?

Plínio Marcos: Ou uma criança se você gosta das frases novas [risos].

Paula Dip: Plínio, você disse agora há pouco que você é diabético, que você teve uminfarto e é diabético. Você cuida da sua saúde? Você se cuida? Você é uma pessoa quese cuida?

Plínio Marcos: Eu não espalho porque doce atrai as abelhas, mas eu me cuido, claro. Natural, eu adoro viver.

Paula Dip: Você não é mais boêmio? Vive mais...

Plínio Marcos: Boêmio eu sou, mas eu sou um boêmio que bebe água.

Paula Dip: Jura?

Luís Serra: [No fundo] Como eu...

Plínio Marcos: Que quê há Serra?! Já está bebendo água aí e falando mole. [risos]Mete a garrafa no bolso... Trouxe a garrafinha no bolso. Mas é isso aí, é claro que eu mecuido, eu adoro a vida, sou daquelas pessoas que, todos os dias, eu: “Graças a Deus,

estou vivo! Apesar de tudo que está aí, estou vivo”.

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Luís Serra: Plínio, aquela pergunta que eu te fiz antes é no sentido seguinte: eu queriaesclarecer a... Nós tínhamos um assunto preferencial naquela época, ou seja, nósvivíamos numa efervescência política muito grande. Então, o nosso assunto era decrítica política, de crítica social muito grande. Os atores de hoje, os novos atores nãotêm, ou pelo menos não tinham até agora, essa efervescência. Então, eu não sei. Talvez

o fato de a gente ter vivido, passado por aquele período terrível nosso e não ter o mesmo período agora têm esvaziado, digamos assim, uma motivação política para se fazer determinado tipo de teatro. E, à falta disso, aqueles todos nós que fizemos teatroengajado naquela época e tal, como não existe essa veia agora, pelo menos até essemomento. Está voltando, mas até agora não houve, de vinte e poucos anos para cá,muitos de nós fomos fazer outro tipo de teatro, que não é exatamente aquele que nósfazíamos, e, com isso, somos combatidos. É nesse sentido que eu queria sua opinião arespeito desse tipo de teatro diferente... Entendeu?...

Plínio Marcos: A molecada tem razão. A molecada tem razão. Veja bem, naqueletempo, todos eram comunistas. Era ruim. Era muito ruim. Era uma gaiola, a ideologia é

uma gaiola, rapaz. O grande artista não pode ter ideologia, porque senão fica numagaiola. De repente você, por exemplo, nós tínhamos no Brasil só um teatro social. Vocênão tinha, de repente, digamos, um teatro existencial. Aí você fica com uma ditadura dooutro lado: Só ficava um tipo de teatro para assistir. E o bom é quando você tem tudo,

 pôxa.

Luís Serra: Já havia o chamado TBC [Teatro Brasileiro de Comédia], que eracombativo, havia o...

Plínio Marcos: Havia o combate. Tinha duas coisas: a esquerda e o TBC. E queficavam se xingando o tempo todo e que não tinham muita coisa. Eram ideologias, eraum choque de duas ideologias. Poderíamos dizer, de um lado, a esquerda, e de outrolado a direita.

Luís Serra: E como você vê isso hoje?

Plínio Marcos: Hoje é melhor. A molecada é mais livre. E, por exemplo, tinha umacoisa que era boa naquele tempo e está voltando, é que naquele tempo o se discutiamuito não era política. Porque a política ninguém discutia. Todo mundo era comunista!Todo esse país. Eu me lembro até quando o Jean Genet [1910-1986, escritor francês,tido como maldito, com persagens delinquentes e marginais] veio à São Paulo, ele falou

assim: “Me conta uma coisa. Por que todo mundo nesse país, todos são comunistas e sóo governo que é de direita?”. Agora, só para concluir aqui, o seguinte, naquele tempotinha uma coisa que era fundamental: todos discutiam muito interpretação de ator. Vocêveja, por exemplo, o Arena e o Oficina disputavam o Eugênio Kusnet [criador demétodo teatral] para dar aula para os seus atores. O curso do Eugênio Kusnet erafreqüentado pela Isabel Risbeiro, por Abraão, por você, por Odine, por Valderez, por Fauzi Arap, por todo mundo que está aí.

Antônio Carlos Ferreira: Plínio, o Serra deu um novo caminho de discussão, mas nósestamos encerrando o nosso programa. Nós estamos chegando ao fim dessas nossasduas horas de debate. E eu gostaria de encerrar com você, rapidinho, você falar se você

tem esperança. Você falou tão mal do país esse tempo todo aqui...

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Luiz Fernando Ramos: Ou melhor, qual é a saída?

Plínio Marcos: Meu único desejo, se você quer saber, o meu único desejo é ser mão dohomem. Seja ele negro, malabarista ou esteja repousando ainda das profundezas daguarda materna, ou vibre no pátio um canto de menina, ou seja, ele com toda a jangada

no fogo do crepúsculo, ou seja, o soldado, ou aviador de estranha energia. Oi menina,você ainda outro dia não brincava de boneca? E aquele Serra que está ao seu lado, nãoempinava uma pipa? Olha, seu canto, seu destino, você não me queira mal, porque eu

 procuro me esforçar para conhecer todos os destinos. Eu quero conhecer o desespero deum ator quando ele treme diante do público, porque esquece o texto. Eu quero conhecer a solidão daquela garotinha que é obrigada a migrar e ficar no seio da família estranhacomo empregada doméstica. Eu quero conhecer o desespero daquele garoto que éobrigado a sufocar os apelos vocacionais e se debruçar sobre livros de contabilidade eatender fregueses rabugentos. Eu fui tantas e tantas vezes o cantor dessas canções doSilvio Santos, o carregador amargo da amargura, o sonhador dos sonhos inúteis, o

 perdedor de salário miserável, mas agora, eu quero cantar o destino do ser humano, e, se

de alguma maneira, eu arranhei seu coração nessa noite, não me queira mal. Arrebenteem soluço e chora comigo por quê? Porque eu tenho esperança, porque eu tenho fé,

 porque eu sou uma pessoa de teatro e, por causa disso, eu confio, confio muito, porqueeu pus filhos no mundo e amo tanto quanto você, criança de hoje. Por causa disso tudo,eu só tenho um desejo: o desejo de pertencer a você, assim como eu gostaria de

 pertencer a toda a humanidade.

Antônio Carlos Ferreira: Muito obrigado, Plínio Marcos, muito obrigado a todos que participaram deste debate desta noite, obrigado ao pessoal da escola de teatroMacunaíma, que participou aqui nos nossos estúdios, e o programa Roda Viva terminaneste instante, mas volta na próxima segunda feira. Boa noite!