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INTEGRALISMO LUSITANO SUBSÍDIOS PARA UMA TEORIA POLÍTICA André Ventura FDUNL N.º 6 – 2003

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INTEGRALISMO LUSITANO SUBSÍDIOS PARA UMA TEORIA POLÍTICA

André Ventura FDUNL N.º 6 – 2003

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INTEGRALISMO LUSITANO SUBSÍDIOS PARA UMA TEORIA POLÍTICA

«Na verdade, a consciência metodológica está hoje bem consciente de que a história, mais do que descrever, cria.»

António M. Hespanha

«Les vivants sont gouvernés par les morts»

Augusto Comte

O autor agradece especialmente ao Prof. Doutor António Hespanha, que orientou e acompanhou de perto a realização deste trabalho, com indispensáveis contributos para o mesmo. É, portanto, verdadeiro co – autor deste estudo agora publicado.

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CAPÍTULO INTRODUTÓRIO Antes de iniciarmos um trabalho deste género, importará sem dúvida deixar patentes quer o plano metódico por que optámos, quer uma série de notas que preparem desde já o leitor para os moldes em que este estudo se processará e será apresentado. Primeiramente, a escolha do tema. As razões decisivas que motivaram a pesquisa, de certa forma exaustiva, de um tema pouco explorado, em grande parte esquecido e que, em geral, assume pouco relevo no contexto global de uma história nacional, mesmo de uma história das instituições. Mas talvez seja precisamente esta a primeira das nossas motivações: recuperar a importância do Integralismo Lusitano na história nacional, numa abordagem que se pretende diferente, ou pelo menos mais completa, daquelas que até aqui têm sido feitas. E depois, não podemos escondê-lo, o estudo desta instituição concretiza em grande parte a nossa paixão imensa pela história do século XX português, bem como pelo imaginário conservador e tradicionalista que, em ruptura com o regime republicano instaurado a 5 de Outubro de 1910, começou a dominar e a preencher integralmente o espaço político (e uma boa parte do espaço cultural e social) nacional. Fica desde já registada uma importante nota prévia: este é apenas a primeira parte de um projecto mais vasto que compreende um estudo completo do Integralismo Lusitano, tendo como corolário a dimensão jurídica do mesmo. Porém, rapidamente nos apercebemos que realizar um estudo jurídico do Integralismo supunha, como base de trabalho, dispor de toda uma série de materiais organizados e ao nosso dispor: o percurso histórico da instituição, a vida e a obra dos seus principais protagonistas, a relação e o lugar do movimento no contexto nacional e internacional do início do século XX e claro, muito especialmente, necessitávamos de conhecer as grandes linhas ideológicas que moldavam o conjunto do programa integralista. Foi este conjunto de elementos que pretendemos reunir nesta primeira parte, construindo uma teoria política completa e unificada (em torno de aspectos que nos pareceram de maior relevo) que servirá de base para a elaboração de uma verdadeira teoria jurídica, que permita olhar o Integralismo Lusitano a partir do mundo do Direito. Ao iniciarmos tão ambiciosa empresa, e quando já nela mergulhados, compreendemos também as razões da parca quantidade de estudos feitos neste âmbito: é que, a juntar à escassez das fontes bibliográficas disponíveis está o difícil acesso das mesmas. Muitas obras pudemos encontrá-las esquecidas, arrumadas no canto escuro de algumas bibliotecas, porventura nunca antes folheadas, sendo a maior parte ofertas dos próprios editores. Não obstante, tal investigação, feita ao longo de três meses, permitiu-nos confirmar um dado que pressupúnhamos já: uma teoria política e jurídica do Integralismo Lusitano não só é possível como constitui um imperativo para compreender a história político institucional do século XX português. Com isto não queremos esquecer algumas análises já desenvolvidas neste âmbito, algumas delas mencionadas nas páginas que adiante se seguem, com indiscutível utilidade. Neste conjunto gostaríamos de frisar, em jeito de homenagem, a obra de Manuel braga da Cruz, actual reitor da UCP, Monárquicos e Republicanos no Estado Novo e Yves Léonard, Salazarismo e Fascismo, pela habilidade notória na integração do Integralismo Lusitano ora no espaço ideológico português, ora na própria história nacional, perspectivando sobretudo as influências daquele (nas várias dimensões) no programa do Estado Novo e no discurso salazarista. No plano metodológico, optámos por uma estrutura simples, de fácil acesso e preparação, indispensável a um público vasto e, em regra, pouco habituado a trabalhos

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de considerável amplitude e volume. Por outro lado [a estrutura] segue rigorosamente a escala dos elementos que atrás indicámos e que nos parecem indispensáveis para a construção de uma teoria política e [mais tarde] duma teoria jurídica do Integralismo Lusitano. Como tal, iniciamos o nosso estudo com a exposição breve de uma síntese histórica que traça, em termos gerais, as grandes linhas de acção [histórica] do movimento, desde a sua fundação até ao seu progressivo apagamento, após a revolução de 28 de Maio de 1926. Fazemo-lo porque nos parece de todo útil uma síntese que nos integre no tempo histórico em que toda a acção do Integralismo Lusitano se processou, bem como as diversas formas que assumiu. Depois, após algumas dúvidas suscitadas, optámos definitivamente por desenvolver e integrar um estudo biográfico que, sendo ao mesmo tempo sintético e completo, porque assente em aspectos essenciais, nos permite projectar sobre a instituição um olhar mais humano, desligado (tanto quanto possível) dos canônes políticos e institucionais sobre os quais habitualmente nos debruçamos. E foi de facto este o motivo desta fase do nosso trabalho: permitir aos leitores o acesso a elementos que a nós foram indispensáveis, plenos que estamos da importância dos indivíduos ( e das suas personalidades, quantas vezes marcantes) no plano das instituições. A terceira parte procura compreender as raízes nacionais do Integralismo Lusitano, bem como a influência que alguns círculos europeus nele exerceram. Sendo um movimento fortemente nacionalista, o Integralismo não esconde, porém, marcas profundas de outras correntes nacionalistas, onde tem lugar de destaque a Action Française, de Charles Maurras. Será, assim, um estudo comparativo ou, se quisermos, uma análise de relação, capaz de nos demonstrar até que ponto se justifica o conceito, tão caro aos integralistas, de uma “Verdade Portuguesa”, e da especificidade do movimento em solo lusitano. É será apenas após tal escalada que atingimos o nosso cume nesta primeira abordagem: iniciamos a construção de uma teoria política do Integralismo Lusitano. Partindo do próprio programa apresentado nos primeiros artigos (que então explicitaremos) desenvolveremos toda uma teoria tendencialmente completa e unificada, ainda que dentro dum universo restrito e com inevitáveis limitações, daquilo a que cremos poder chamar “política integralista”. Será este o cerne, a substância principal do nosso trabalho, a meta para o qual todos os elementos concorrem. E fá-lo-emos num percurso ordenado e sistematizado, em ordem a uma mais fácil compreensão da mesma. Assim, começaremos por explorar a concepção própria de política na doutrina integralista: apenas sabendo de que política falamos, poderemos abordar um qualquer programa político. E então continuaremos a temática em torno de tópicos que considerámos marcantes: explicar o anti – liberalismo da instituição, o seu carácter anti – democrático, a sua distinção como movimento monárquico (apesar de ser este aspecto mais desenvolvido na parte II deste projecto, pelas razões que oportunamente explicaremos) e finalmente procuraremos compreender porque é que a fórmula política integralista é afinal uma fórmula de esperança, um grito de dor pelo tempo presente mas ao mesmo tempo a certeza de uma nova aurora para a Pátria. Antes de iniciarmos a nossa exposição, deixadas já claras as principais notas, não poderemos deixar de proferir algumas advertências finais. Antes de mais, alertamos desde já o leitor para as muitas transcrições de textos e artigos das fontes bibliográficas que conseguimos encontrar. Fazemo-lo, sob o prejuízo de uma leitura maçuda, atendendo ao carácter científico que aqui pretendemos imprimir, pelo que as justificações e a sustentabilidade das nossas asserções com elementos textuais das fontes se torna imperativo. Ao mesmo tempo, são nitidamente numerosas as notas de rodapé os comentários feitos como apoio científico: aqui a justificação é a mesma que

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em relação às transcrições textuais, impondo-se à nossa vontade de simplificação o desejo de elaborar um trabalho cientificamente válido. Perdoar-nos-á ainda o leitor se em alguma parte nos revelámos tendenciosos, parciais ou muito pouco objectivos: se o fizemos não esteve tal nos nossos propósitos, tudo ao nosso alcance fizemos para o evitar. É que fazer um trabalho científico, uma abordagem académica acerca de um tema político, capaz de suscitar inúmeras paixões, não é tarefa fácil. E torna-se particularmente difícil se tivermos em conta que o que aqui estudamos é, se assim o podemos dizer, a ideologia derrotada, vencida pelo rumo da história, que acabou por dar (até agora) lugar privilegiado ao demo liberalismo, quer no domínio da política que no complexo ramo da economia. Tentámos no entanto, deixamos aqui palavras de garantia, conservar sempre um espírito distante e objectivo, pois apenas ele servia as nossas mais profundas aspirações nesta empresa. Questão diferente é, sem dúvida, a do rigor metódico, a coerência e a honestidade intelectual deste estudo, bem como a utilidade do mesmo para uma maior e melhor compreensão daquilo que foi o Integralismo Lusitano e mesmo a História Político – Institucional portuguesa do século XX. Nisso será o leitor o nosso juiz.

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INTEGRALISMO LUSITANO: BREVE SÍNTESE HISTÓRICA

A expressão “Integralismo Lusitano” nasce com Luís Almeida Braga1 na revista Alma Portuguesa, que denota desde logo um profunda carácter nacionalista e conservador, se bem que, analisando com algum rigor as primeiras manifestações do movimento, seja evidente a conclusão de que a origem do Integralismo está fundamentalmente associada a um movimento estético e cultural. Também o surgimento de uma revista, organizada em panfletos e denominada Aqui d’El – Rei anuncia o nascimento Integralista, a ponto tal que, considera Leão Ramos Ascensão (na sua obra “O Integralismo Lusitano”) «foi nela que pela primeira vez se sistematizou a doutrina do Integralismo Lusitano».

Abertamente críticos das correntes modernistas e futuristas2 em voga na Europa, mas reagindo igualmente ao saudosismo gnóstico (e assim desnacionalizado) de Teixeira de Pascoaes, o Integralismo Lusitano reveste (como o nome desde logo sugere) um carácter eminentemente nacional.

A concretizar estas tendências está a perspectiva apologética e patriótica no campo da literatura, em especial, no ramo (sempre inspirador) da literatura trágico – marítima: a visão heróica, quase mítica, dos feitos portugueses além mar, carácter supremo da Alma nacional; a ideia de uma pátria destinada, por mandamento divino, à grandeza imperial, líder no progresso material e espiritual dos povos. Subjaz aqui a ideia de uma outrora grandeza histórica hoje perdida, mas que urge retomar, e daí a memória prestada aos nossos gloriosos antepassados, aos “avós e netos, sempre os meus Maiores”, no cantar belo de António Sardinha3 .

Mas o nascimento “institucional” do movimento acontece em janeiro de 1914, com a fundação da revista Nação Portuguesa, que se torna progressivamente no núcleo de combate à República, instituída a 5 de Outubro de 1910, e às suas expressões mais variadas na cultura, na política e sobretudo na religião. Este último ponto é particularmente importante pois o movimento Integralista colheu grande parte do seu apoio nos sectores católicos da sociedade, a quem a ofensiva anti – clerical republicana desagradava4. Mais: no plano dos princípios, a doutrina Integralista preconizava uma regeneração nacional (quase retroactiva, atrevo-me a dizer, referindo porém a oposição que o termo conservador recolhe nos próprios Integralistas, que opõem a este o termo renovador5) assente no retorno ao espírito católico mais puro, patente, segundo a mesma, na antiga monarquia tradicional portuguesa.

Mas rapidamente este movimento originalmente estético e cultural se catapulta para a acção política, e o princípio monárquico se torna no mais central e decisivo

1 Sobre L. de Almeida Braga, ver na Internet em www.angelfire.com- Integralismo Lusitano (15 de Junho de 2002). A sua biografia inclui-se também neste trabalho 2 Sobre a evolução das letras em Portugal e o ambiente literário no início do século 20 ver Teolinda Gersão, Portugal Futurista, Lisboa, Contexto Editora, 1981, pp. 25 – 38 3 António Sardinha foi um dos grandes líderes e ideólogos do Integralismo Lusitano. A sua biografia é integrada neste mesmo estudo, pelo que a consideramos, desde já, elemento de relevo 4 Sobre o anti – clericalismo republicano, J. Mattoso, História de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, Vol. I, pp. 407-414 5 Cfr. António Sardinha, Na Feira dos Mitos, Lisboa, Ed. Gama, 1942, p. 3

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factor da regeneração portuguesa, em oposição ao republicanismo parlamentar implantado com revolução de 1910.

Apesar de advogarem como fundamento do modelo político que foram progressivamente construindo a Monarquia tradicional, os Integralistas irão, numa primeira fase, prestar obediência a D. Manuel II, o que se compreendia por razões eminentemente estratégicas.

Os Integralistas compreenderam bem a necessidade de alertar os próprios monárquicos dos erros cometidos durante o período constitucional6, e compreenderam que só o poderiam fazer se imbricados na própria organização monárquica, na teia da sua própria organização e expressão política. E, curiosamente, é no campo da doutrinação política que o movimento sentirá mais elevada a sua expressividade junto da nação, numa época de crescente activismo monárquico. É com a ocorrência das Conferências na Liga Naval, em Abril de 1915, que este protagonismo político se torna evidente, em especial na abordagem da famosa Questão Ibérica, em que se idealizava uma eminente invasão da nossa vizinha Espanha. Aqui, soube o movimento, com destaque para um dos seus mentores históricos, António Sardinha, explorar politicamente o espírito nacionalista português, tão habilmente como o fizeram os republicanos à altura do Ultimato inglês7. Considerando a República em França como um produto das intenções imperialistas de Bismarck, Sardinha impõe o paralelo: também a Pátria portuguesa está, desta forma, em perigo e extremamente enfraquecida perante a agressividade e a hostilidade espanholas. Di-lo também Luís de Almeida Braga ao considerar que também “ a República portuguesa se tornou para a Espanha um apetitoso manjar” e que “ a independência portuguesa é uma tradição da Monarquia: a República é a negação da História de Portugal”8. Os Integralistas entram assim, progressivamente, no jogo e na propaganda política, numa atitude gradual mas indiscutivelmente consciente.

O deflagrar da guerra e o consequente envolvimento de Portugal, depois de um período atribulado de ambiguidade9, marca a acção política do Integralismo num plano dúbio: por um lado, a obediência a D. Manuel II obrigava, em nome da ancestral aliança Luso – Britânica, ao apoio anglófono; por outro, “os Integralistas chegaram a estabelecer contactos com emissários do Kaiser Guilherme II, com vista a negociar o apoio alemão à restauração da Monarquia, em troca da neutralização da tendência dominante filobritânica das autoridades republicanas”10.

É porém no cenário de instabilidade e confusão a nível nacional e internacional que o movimento se organiza e se solidifica institucionalmente: desde logo, esta nova dimensão do movimento está patente na criação da Junta Central do Integralismo.

6 Daí a necessidade de reler autores como Álvaro Pais, Jerónimo Osório e Frei Manuel dos Anjos, entre outros 7 Acerca da problemática do Ultimato e suas repercussões ver Marques Guedes, Armando, “Os últimos tempos da monarquia: 1890 a 1910” in Damião Peres, História de Portugal, Vol. VII, p. 417 e segs. 8 Cfr. Luís de Almeida Braga, Sob o Pendão Real, Ed. Gama, 1942, p. 321 9 Acerca deste período atribulado ver Franco Nogueira, Salazar, Vol. I, Atlântida Editora, 1977, pp. 113-114 10 Cfr. M. Braga da Cruz, Monárquicos e Republicanos no Estado Novo, P. Dom Quixote, 1986, p. 18

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Lusitano (em Abril de 1916), que pôs em evidência dois aspectos essenciais. Primeiro, a vocação política do movimento e a sua vertente doutrinária; depois, a ideia de autonomia e a progressiva independência do movimento em relação à Causa Monárquica, cujas diferenças serão notórias no próprio percurso histórico e nas opções políticas de ambos os movimentos.

A revolução sidonista de 1917 projecta de novo os Integralistas ( bem como grande parte dos monárquicos) para a arena política. Tal aconteceu, em última análise, porque o sidonismo representou o primeiro grande golpe nas instituições democráticas republicanas11 e o seu carácter eminentemente autoritário, bem como a instituição progressiva da “mística do chefe”, anunciavam já o nascimento de uma nova ordem, consagrada oficialmente como a República Nova.12

Mas, apesar de oficialmente republicano, Sidónio Pais teria, para sobreviver, de se apoiar na Direita conservadora, capaz de contrabalançar a contestação que os grupos revolucionários (e mesmo outros mais moderados) protagonizavam. Para além disso, a exigência de Sidónio Pais em “acolher uma representação socioprofissional no Senado, tinha para os Integralistas profundo significado político: pôr fim ao monopólio da representação por intermédio dos partidos ideológicos (regime parlamentar), permitindo a representação dos munícipios, dos sindicatos operários, dos grémios profissionais e patronais, era dar um primeiro passo no sentido da democracia orgânica da antiga Monarquia portuguesa” 13.

É neste contexto favorável que os Integralistas irão, coligados em listas conjuntas com a Causa Monárquica ( e com os constitucionalistas portanto) fazer-se representar no senado e na Câmara dos Deputados, ao mesmo tempo que promovem o surgimento de novas formas de acção e, respectivamente, novos órgãos, onde tem lugar de destaque a fundação do jornal A Monarquia, que passaria então a ser a grande estrutura propagandística e doutrinária do Integralismo.

É com a morte de Sidónio Pais (assassinado no Rossio em Dezembro de 1918), num contexto em que o conflito entre monárquicos e republicanos liberais atingia, nos órgãos de poder, o seu auge, que se precipitarão os acontecimentos que “mergulharão o país numa das mais graves crises políticas da sua história moderna”.14 Os Integralistas encontraram então o seu período mais áureo de intervenção, nomeadamente pela acção cada vez mais agressiva e turbulenta das Juntas Militares que irão mesmo, a 19 de Janeiro de 1919, proclamar, em Lisboa e no Porto, a Monarquia. Apesar do movimento de Restauração estar intimamente ligado ao cartismo (e deste modo à Carta Constitucional de 1826), os Integralistas não perderam tempo em colaborar, doutrinária e logísticamente em favor do novo movimento restauracionista.

Mas a experiência monárquica, ainda que mais consistente no Norte (a denominada Monarquia do Norte, chefiada pela Junta Governativa do Reino, encabeçada pelo coronel Paiva Couceiro) será de curta duração, e a 13 de Fevereiro

11 Cfr. António Reis, “A Primeira República” in J. Hermano Saraiva, História de Portugal, Lisboa, Alfa, 1985, Vol. VI, pp. 126 a 128 12Cfr. A.H. de Oliveira Marques, Breve História de Portugal, Ed. Presença, Lisboa, 1995, pp. 569 e 570

13 Ver, nestes termos, J. M. Alves Quintas, Integralismo Lusitano – Uma Síntese 14 A.H. de Oliveira Marques, Breve História […], op. cit., p. 571 do mesmo ano as forças republicanas entram vitoriosamente em todas as localidades do norte.

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A história do Integralismo entra então numa importante fase: acusando D. Manuel II, e o seus representantes, de imperdoável passividade e alheamento durante o pronunciamento monárquico, os Integralistas desvinculam-se da obediência ao último rei de Portugal, acedendo às pretensões de D. Duarte Nuno de Bragança ao trono, a quem decidem, juntamente com o antigo Partido Legitimista, obedecer politicamente15 . É a partir deste momento que o movimento é afectado por inúmeras fricções internas, querelas políticas e até com cisões mais profundas, como a que ditou a formação da Acção Tradicionalista Portuguesa, em 1921. Para além disso, o Pacto de Paris (assinado em 17 de Abril de 1922 entre representantes de D. Manuel II e de D. Maria Aldegundes de Bragança – tutora de D. Duarte Nuno de Bragança) deixará á margem os Integralistas, condenando-os a um persistente e continuado isolamento no seio dos monárquicos, numa altura em que o momento histórico exigia, mais do que nunca, a sua consistente unidade.

Esgotado com as inúmeras querelas políticas e institucionais que abalavam a própria credibilidade da causa real, os Integralistas apostam então na influência político -doutrinária, mais do que na acção política no terreno. Demarca-se de qualquer tipo de conotação partidária e afirma-se, no país, como um movimento ideológico, uma corrente de pensamento, capaz de lançar em breve os princípios fundamentais de uma nova organização nacional.

A Monarquia, afirmava Hipólito Raposo, é apenas a “conclusão prática do movimento”, nunca a sua origem ou fundamento último: esse, indiscutivelmente, é o interesse nacional, a Nação portuguesa a quem os Integralistas destinam o seu programa de organização política.

O movimento tornou-se, por assim dizer, mais exigente, não cedendo já a fórmulas de estratégia política ( de natureza claramente partidária). Poderemos sim afirmar que o Integralismo Lusitano foi adquirindo progressivamente uma carácter essencialmente doutrinário, o que fica patente no estudo de algumas das mais importantes polémicas que então desenvolveu, quer com os Manuelistas, quer com a Acção Tradicionalista Portuguesa, quer sobretudo com os republicanos, liberais ou conservadores. Mesmo as divergências e as acusações formuladas contra grupos ideologicamente próximos, como o CADC (o centro académico da democracia cristã) foram a prova clara de que o movimento Integralista solidifica, nos anos 20, o seu projecto político nacional e a sua doutrina, cada vez mais clara e sistematizada16.

Esta acção de carácter eminentemente doutrinário é ainda comprovada pelo reaparecimento de uma revista que havia estado nas origens de todo o movimento: A Nação Portuguesa, que projectou o Integralismo Lusitano como um dos mais influentes movimentos ideológicos dos anos 20, nomeadamente nos meios católicos e conservadores, mas também em alguma direita radical que descobria ali, antes de mais, um projecto de regeneração da pátria, um caminho de rejuvenescimento e de ordem, capaz de mobilizar de novo a nação adormecida e abalada com a instabilidade do sistema parlamentar republicano.

É esse projecto, e sobretudo as implicações políticas do mesmo, que constituem o objecto deste ensaio. A história do Integralismo não se esgota nesta

15 Tal obediência é consagrada no Acordo de Bronnbach (1920)

16 Cfr. M. Braga da Cruz, Monárquicos…, […], op. cit., pg. 25 análise: progressivamente apagado enquanto movimento político, tendência que nasce logo nos anos 20, o Integralismo Lusitano subsistirá através de várias gerações e prolongar-se-á até aos nossos tempos, com um novo ânimo e novos protagonistas que,

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recompondo e (re) sistematizando a doutrina Integralista, têm manifestado alguma expressividade, especialmente no plano literário e no plano político, dando origem ao que alguns autores consideram a doutrina neo- Integralista.17

Mas, como já referimos, não é esse o âmbito deste trabalho, cujo ponto de aplicação se situa no domínio jurídico- político. O ponto será a análise detalhada do projecto político Integralista, que os seus protagonistas afirmavam ser a “Verdade Portuguesa”18, bem como todo o mundo jurídico, económico e literário – que é vasto – aqui implicado. Compreender, desta forma (porque só assim é possível), como esteve o Integralismo Lusitano nas raízes da doutrina política do Estado Novo mas sobretudo perceber o lugar do movimento, ou melhor, do seu substracto ideológico, filosófico e teorético no domínio da História das Ideias e da História do Direito, bem como no conjunto da História de Portugal do século XX.

17 A doutrina neo – Integralista ficaria exposta e sistematizada no livro Razões Reais de Mário Saraiva

18 Cfr. A. Sardinha, Na Feira dos Mitos, […], op. cit., p. 6

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INTEGRALISMO LUSITANO RETRATO DE UMA GERAÇÃO MAGNÍFICA

Conhecer um movimento ou uma instituição como o Integralismo Lusitano

constitui uma empresa que ultrapassa em muito a análise das linhas programáticas essenciais, da cobertura ideológica ou mesmo das finalidades basilares e fundamentantes do próprio movimento. Cremos por isso ser não apenas altamente útil mas até certo ponto essencial conhecer e compreender, dentro da medida que nos for possível, os homens que construíram e sonharam o verdadeiro movimento integralista, as figuras sem as quais o Integralismo Lusitano não teria certamente sido aquilo que foi nem deixado a herança que inquestionavelmente nos legou.

Não é aqui feita a apologia de uma análise histórica centrada unicamente nos sujeitos que a protagonizam, nem tão pouco a preconizamos. Temos, no entanto, a consciência de que o conhecimento do homem por detrás dos factos, da realidade humana por detrás da realidade material é um subsídio essencial para uma compreensão mais realista e completa dos contextos e dos nexos históricos em estudo. O Integralismo Lusitano não é, nesta matéria, uma excepção e conhecer a família de homens, dos mais diversos lugares e classes, que ficarão justamente associados para sempre a este movimento é certamente uma peça importante (ainda que, no domínio do objecto a que nos propomos, subsidiária) na construção de um puzzle que, na nossa perspectiva, tem ainda muitos elementos a descobrir e integrar. Sobre essas mesmas figuras poderíamos dizer o mesmo que João Medina (in Eça de Queirós e o seu Tempo) referindo-se à riqueza literária da geração de 70: «magnífica geração intelectual, encontrou-se porém um dia isolada, sem eco, desunida, impotente diante do geral descalabro que ia invadindo o Portugal da segunda metade do século…». É essa geração que iremos em seguida abordar.

Hipólito Raposo José Hipólito Vaz Raposo nasceu em S. Vicente da Beira, em 13 de Fevereiro de

1885. fez os primeiros estudos nesta mesma vila, donde seguiu depois para o Seminário, lugar comum para os jovens seus contemporâneos que ambicionavam poder continuar estudos que se prolongassem para além da instrução primária. Não tendo concluído o curso de Seminário dedicou-se então ao Curso Liceal, feito em Castelo Branco.

Tomou no entanto a decisão de prosseguir com estudos superiores e, em 1906, matriculou-se ma Faculdade de Direito de Coimbra, (a única a esta data) onde teve como colegas ilustres nomes da vida nacional como Armando Marques Guedes, Alberto de Monsaraz e Luís Cabral de Moncada. Formou-se em Direito em 1911 e começou a sua carreira profissional no Liceu Passos Manuel e, simultaneamente, no Conservatório de Lisboa, onde era também professor.

Destacando-se bem cedo em termos de qualidades literárias, colaborou, ainda enquanto estudante de licenciatura em importantes jornais, alguns mesmo de âmbito nacional como o Diário de Notícias. Chegou mesmo, por esta altura, a produzir e publicar algumas obras (Coimbra Doutora,- 1910- e Boa Gente- 1911-). Deste modo, o que se torna perfeitamente compreensível, é, no ano de 1913, um dos elementos de destaque na fundação da Revista Nação Portuguesa (juntamente com Luís de Almeida Braga, António Sardinha e outros), onde muitos autores consideram estar as primeiras raízes institucionais do movimento do Integralismo Lusitano. E em 1919 é já director do

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importante jornal doutrinário A Monarquia, importantíssimo órgão de propaganda monárquica.

Participa, neste mesmo ano, no pronunciamento monárquico de Monsanto (movimento rapidamente neutralizado) ao mesmo tempo que colabora numa série de acções e conspirações contra o regime republicano constituído após a revolução de 5 de Outubro de 1910. Foi então afastado de todos os cargos públicos que exercia e chegou mesmo a cumprir uma razoável pena de prisão em 1920, após condenação do Tribunal Militar de Santa Clara que o levou à Fortaleza de S. Julião da Barra onde cumpriu a mesma. O seu carácter exigente e permanentemente descontente, bem como a firmeza das suas convicções, foram de facto elementos que Hipólito Raposo evidenciou desde a sua mocidade e que será patente quer em relação à Primeira República, quer depois em relação ao Salazarismo.

A sua curta passagem por África, mais especificamente por Angola permitiu-lhe exercer advocacia, afinal a sua vocação académica, mas mesmo aqui os seus talentos literários não ficaram omissos e as obras Ana e Kalunga e Areias de Portugal são o vestígio literário desta breve fase da sua vida.

Apesar de colocado de novo no Conservatório, corria o ano de 1926, defendeu intransigentemente a recusa de colaboração dos monárquicos (dos quais era já um elemento de destaque na doutrinação política) com a União Nacional e com o regime emanado da revolução do 28 de Maio de 1926, numa altura em que muitos monárquicos e integralistas aceitavam integrar os quadros da administração pública. Foi-se progressivamente destacando e afirmando como líder integralista, assumindo uma posição cada vez mais relevante enquanto doutrinador político da causa assumida pelo movimento do Integralismo Lusitano, ao mesmo tempo que defendia a independência da organização face às tentativas aglutinadoras de outras forças políticas e ideológicas. Neste sentido surge a famosa obra Amar e Servir, obra de inspiração nacionalista publicada em 1940 e onde é denunciada a «Salazarquia».

Esta nova manifestação do seu firme carácter valeu-lhe a prisão e a deportação para os Açores, tempo que não conseguiu porém coagi-lo a aderir ao regime, nem mesmo a remeter-se apenas a um silêncio que considerava cúmplice e cobarde. Assim, em 1950 é publicada uma segunda grande obra de Hipólito Raposo: Portugal restaurado pela Monarquia onde se procura reactualizar, perante as novas circunstâncias da realidade nacional e internacional, a doutrina integralista, numa altura em que o «espírito integralista» havia já quase desaparecido em França, verificada a vitória dos Aliados. Raposo revelou-se também fundamental para o Integralismo Lusitano ao sistematizar em obra aquilo que era sem dúvida um dos grandes objectivos dos mentores do movimento em Portugal: estabelecer coerentemente as devidas distinções entre este e a escola maurrasiana em Portugal, o que é feito em Dois Nacionalismos. De destacar será ainda, pela importância de que se revestiu, a conferência, feita em 1930, A Reconquista das Liberdades, onde ficou sintetizada toda a linha doutrinária do movimento do Integralismo Lusitano e é mais uma vez denunciado o fenómeno do Salazarismo, quer enquanto regime político, quer enquanto corpo doutrinário e ideológico.

Será imperativo deixar presente um último elemento: Hipólito Raposo foi sem dúvida um dos mais importantes mentores do Integralismo Lusitano, ao nível do pensamento e da acção. As suas obras, algumas de seguida enunciada, representam um subsídio fulcral para a compreensão do próprio movimento. Mas é o seu carácter, um misto de um descontentamento permanente e uma firmeza inabalável, que deverá ser acima de tudo recordado, pelo exemplo de rectidão e de coerência que representa e pelo legado moral que deixa às novas gerações

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Principais Obras Publicadas: • Livro de Horas (1923) • Sentido do Humanismo (1914) • Outro Mundo (1917) • Seara Nova (1922) • Direito e Doutores na Sucessão Filipina (1938) • Mulheres na Conquista e Navegação (1938) • A Questão Ibérica - a Língua e a Arte (1916) • Folhas do Meu Cadastro, 1º Volume (1911- 1925) e 2º Volume (1926-

1952)- publicado em 1986 • Aula Régia (1936) • Pátria Morena (1937) • D. Luísa de Gusmão (1947)

Luís de Almeida Braga

Luís Carlos de Lima de Almeida Braga nasceu em Braga a 20 de Novembro de 1890, filho do advogado Carlos Braga, tendo realizado os primeiros estudos no colégio da Congregação do Espírito Santo. Tal como Hipólito Raposo, também Almeida Braga ambicionou prosseguir estudos num nível superior e, em 1906, matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde rapidamente se propaga a fama dos seus dotes literários. Assim, ainda aluno de Direito dirigia já, com outro colega o semanário monárquico “Pátria – Nova”, onde se manifesta como doutrinador político e combatente aguerrido da causa monárquica, muito especialmente contra os estudantes republicanos, cujo órgão mais expressivo era A Revolta. De facto, desde a proclamação da Republica, em 1910, que Luís de Almeida Braga combate convicta e insistentemente o novo regime constitucional, multiplicando-se numa série de actividades nesse sentido. Também Almeida Braga se revelava extremamente combativo e firme nas suas convicções, o que o levou a, em 1911, interromper os seus próprios estudos de direito para participar nas incursões monárquicas na Galiza, organizadas segundo o comando de Paiva Couceiro. Fracassado o pronunciamento, desloca-se para a Bélgica, onde continua os estudos de Direito na Universidade de Gand e, no seguinte ano, na Universidade de Bruxelas. Tendo já contactado com alguns movimentos de renovação doutrinária (o carlismo) na vizinha Espanha irá ainda, experiência que será aliás marcante e decisiva, frequentar os círculos do sindicalismo católico (orgânico e corporativo) na Bélgica e aí fundou, juntamente como Domingos Gusmão de Araújo, a revista Alma Portuguesa onde é pela primeira vez referida a expressão que determinará a designação de todo um movimento: «Integralismo Lusitano», cujas linhas programáticas essenciais ficarão definidas na revista Nação Portuguesa, feita a evocação da «Monarquia tradicional, orgânica e anti – parlamentar». Regressado a Portugal, torna-se membro activo e um dos principais protagonistas da Junta Central do Integralismo Lusitano, criada com a entrada de

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Portugal na Grande Guerra em Abril de 1916, participa assim nos esforços restauracionistas em 1919, fenómeno que ficará conhecido como a Monarquia do Norte. Fracassado o movimento, volta de novo para o exílio, mas retira desse fracasso importantes e graves conclusões, sendo uma das mais ouvidas vozes a reclamar a separação da Causa Monárquica e a independência em relação a D. Manuel II, a quem fica incumbido de apresentar algumas reclamações em nome da Junta Central. Em 1932 fundou e dirigiu, com Hipólito Raposo a revista Integralismo Lusitano- Estudos Portugueses , importante órgão de propaganda integralista e de demarcação (por vezes altamente crítica) em relação ao salazarismo e ao regime cujas características autoritárias e centralizadoras se iam tornando evidentes quer no plano político- jurídico, quer no campo económico. Será depois expulso da própria Causa Monárquica em 1949, quando muitos jovens monárquicos e conservadores integravam já as hostes burocráticas do regime que ele tanto se empenhou em combater, subscrevendo o projecto de reactualização e ressistematização doutrinária proposta por Hipólito Raposo em Portugal Restaurado pela Monarquia e torna-se colaborador assíduo no diário político A Monarquia. Assume um papel central na propagação doutrinária, especialmente em termos de mobilização das gerações mais novas, ora no combate ao Estado Novo, ora na sensibilização à questão do regime, tal como proposta nos ideários do Integralismo Lusitano. Finalmente, um dos actos mais significativos de Luís de Almeida Braga foi o apoio dado, juntamente com Francisco Rolão Preto, a Humberto Delgado e à sua candidatura a Presidente da República, em 1958, uma das datas mais turbulentas do regime. Destacou-se ainda nos múltiplos apoios concedidos a uma série de movimentos que foram surgindo, quer de oposição ao regime, quer de renovação política, como a Renovação Portuguesa e a Biblioteca do Pensamento Político, assumindo ainda um papel especialmente mediático na defesa de Henrique Galvão, protagonista do célebre assalto ao Paquete «Santa Maria». Personagem altamente entusiástica e dinâmica, Luís de Almeida Braga parece ter sido, de facto, um dos mais importantes dirigentes do Integralismo Lusitano, tendo os seus escritos recebido caloroso acolhimento nos mais variados movimentos nacionalistas e conservadores, dentro e fora das fronteiras nacionais. Principais Obras Publicadas:

• O Culto da Tradição (1916) • O Mar Tenebroso (1918) • Ao serviço da terra, Paixão e Graça da Terra (1923) • Sob o Pendão Real (1942) • Posição de António Sardinha (1943) • Espada ao Sol (1969)

António Sardinha

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António Maria de Sousa Sardinha nasceu em Monforte do Alentejo, a 9 de Setembro de 1887. Desde cedo revelou importantes dotes literários, característica que parece ser comum a todos os grandes mentores do Integralismo Lusitano, e, aos 15 anos, com o incentivo de Eugénio de Castro, Sardinha publica os seus primeiros poemas sob o nome de Cálix de Amarguras. Mas, no caso de Sardinha, a sua vida literária mostrou-se particularmente intensa, com a atribuição do primeiro prémio nos Jogos Florais de Salamanca, em 1909 e depois com uma série de publicações assinadas com o pseudónimo António Monforte.

Porém, a sua intensa actividade literária não o impedirá de prosseguir os seus estudos e, em 1911, formou-se em Direito na Universidade de Coimbra, com uma das médias mais elevadas do seu curso. A perfeita conjugação de ambas as actividades proporcionará ainda a edição de algumas bonitas obras literárias onde têm lugar A Epopeia da planície (1915), Na Corte da Saudade (1922) e Chuva da Tarde (1923).

Mas, se em termos literários a vida de Sardinha apresenta uma surpreendente regularidade e talento, a sua vida política e a sua modelação intelectual revelam alguns pontos evidentes de mudança e transformação. Convictamente republicano enquanto estudante (no entanto altamente municipalista, característica que o acompanhará até ao fim da vida) virá porém a desiludir-se rapidamente com o novo regime e a atitude fundamental de anti – clericalismo que o caracterizava. Deste modo, Sardinha entusiasma-se progressivamente (a ponto de se tornar um dos maiores entusiastas) pelas novas ideias, transportadas por alguns exilados, provindas dos círculos nacionalistas e conservadores espelhados por essa Europa, especialmente em França e na Bélgica. Assim, já profundamente imbricado nos ideais do catolicismo e do pensamento monárquico nacionalista, António Sardinha será um dos fundadores (juntamente com Hipólito Raposo, Pequito Rebelo, Luís de Almeida Braga, entre outros) da revista Nação Portuguesa, onde é, como vimos, lançado o movimento político – cultural do Integralismo Lusitano e sintetizadas as suas linhas de orientação doutrinária.

Inicialmente mais próximo das Letras e da actividade literária a definitiva consumação do matrimónio com a actividade política acontece em 1915, com as conhecidas intervenções nas famosas conferências na Liga Naval de Lisboa, onde abordou a possibilidade, mais propriamente o perigo, de uma união ibérica provocada por uma anexação espanhola. E, quando em 1917 surge o importante órgão A Monarquia será Sardinha, juntamente com Alberto Monsaraz, a constituir a primeira direcção. Eleito deputado pela lista monárquica durante o governo de Sidónio Pais, em 1918, também Sardinha conhecerá a dureza do exílio após a participação no malogrado pronunciamento militar de inspiração restauracionista em 1919.

Ao regressar do exílio, 27 meses depois, António Sardinha virá a desenvolver um intenso (sem dúvida heróico, se medido na quantidade de obras, de acções e manifestos) combate em prol dos valores do nacionalismo tradicionalista, da filosofia da e sociologia política tomista e sobretudo o catolicismo hispânico, uma espécie de especificidade da religião ibérica como base da sobrevivência da civilização ocidental. Desenvolvendo toda uma doutrina política e cultural que enformou o próprio Integralismo Lusitano podemos dizer que Sardinha foi o seu mais destacado dirigente e sem dúvida aquele que mais influência deixou, a tal ponto de alguns chegarem a propor a substituição de D. Manuel II pela sua pessoa. É que António Sardinha, muito mais do que mentor do Integralismo ocupou um lugar central na literatura portuguesa do século XX e no movimento de renovação do pensamento político português.

Por tudo isto, a sua morte prematura a 10 de Janeiro de 1925 (em Elvas) com apenas 37 anos foi um dos factores decisivos para o esmorecimento da actividade integralista e para o luto sentido e manifestado nas mais variadas escolas do pensamento

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e da cultura em Portugal. Isto mesmo foi reconhecido a 16 de Agosto de 1940 quando um monumento simbólico é erigido em sua homenagem na sua terra natal…e final!

Principais Obras Publicadas: POÉTICA • Tronco Reverdecido (1910) • Na Corte da Saudade ( 1922) • Chuva da Tarde ( 1923) • Era uma vez um menino (1926) • Pequena Casa Lusitana ( 1937)

PROSA • O Valor da Raça (1915) • Ao Princípio era o Verbo ( 1924) • Na Feira dos Mitos (1926) • À Sombra dos Pórticos (1927) • A Prol do Comum (1937) • Processo dum Rei (1937)

Pequito Rebelo

José Adriano Pequito Rebelo nasceu em Gavião, a 21 de Maio de 1892. Tendo feito os primeiros estudos também ele ambicionou prosseguir os mesmos num nível mais elevado, pelo que vem a formar-se em Direito na Universidade de Coimbra.

Durante a primeira Grande Guerra combateu como oficial miliciano de artilharia na Flandres, juntamente com o Corpo Militar Português, revelando, ao que parece, notável bravura e coragem.

Monárquico desde jovem, bem como profundamente católico, virá a participar, juntamente com outros futuros destacados integralistas, na revolta monárquica de Monsanto em 1919, onde fica gravemente ferido e, malogrado o pronunciamento, é submetido a julgamento militar. Ainda que absolvido, Pequito Rebelo revelará uma extraordinária força de carácter e juntar-se-á aos franquistas na Guerra Civil Espanhola, prestando serviço como aviador e disponibilizando o seu avião particular. A sua participação em diversos movimentos e pronunciamentos militares é tanto mais extraordinária se tivermos em conta ser Rebelo um homem de grande fortuna, uma das principais figuras científicas e políticas no movimento agrário e um importante produtor nacional. De facto, as suas convicções superavam em muito os seus lucros individuais, o que o levou a ser um dos principais, senão o principal, financiador de importantes órgãos de difusão monárquica entre os quais se contam A Monarquia e A Nação Portuguesa.

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Foi também ele membro da então criada Junta Central do Integralismo Lusitano e desenvolveu, juntamente com Hipólito Raposo, um importante combate contra o Estado Novo e o centralismo político e económico que o sustentava. Porém, a sua condição económica abastada e o facto de ser um dos principais lavradores nacionais afastou-o da acção repressiva do regime, o que até lhe permitiu chefiar uma lista independente à Assembleia Nacional, nas eleições de 1949, atitude que não deixou, porém, de estar envolta em grande polémica.

Este facto não o afastou, no entanto, de uma atitude hostil para com o que Hipólito Raposo chamara a «Salazarquia» e não deixou de propagar e subscrever os manifestos que a actividade integralista ia produzindo: neste âmbito, também ele apoiou o lançamento da Biblioteca do Pensamento Político e a constituição do movimento Renovação Portuguesa e, nas eleições de 1969, era a sua casa em Lisboa a sede da Campanha Eleitoral Monárquica.

Firme nos seus princípios e inabalável nas suas convicções, Pequito Rebelo continuará o seu combate mesmo depois do derrube do Estado Novo, a 25 de Abril de 1974, agora contra a sovietização dos campos agrícolas (o que lhe dizia directamente respeito) mas também da política portuguesa. Profundamente nacionalista, irá desenvolver agora, mesmo numa altura em que as forças eram já escassas, um intenso combate contra a ascensão do comunismo em Portugal, a quem acusava de estrangeirado.

Porém, incontestavelmente, Pequito Rebelo foi sobretudo um inabalável monárquico, facto reconhecido em 1978 quando é nomeado Conselheiro do Duque de Bragança, lugar que ocupará até à morte, ocorrida em 1983.

Principais Obras Publicadas: AGRICULTURA E ECONOMIA AGRÁRIA • Novos Métodos de Cultura (1917) • As Falsas Ideias Claras em Economia Agrária (1926) • Terra Portuguesa (1929) • O desastre das Reformas Agrárias (1931) • Em Louvor da Terra e Defesa da Terra (1949)

POLÍTICA • Questão Ibérica (1915) • Pela Deducção à Monarquia (1922) • Meditações de Fátima (1942) • Anti – Marx (1936) • Espanha e Portugal (1939) • O Meu Testemunho (1949) • A Invasão Soviética do Alentejo (1979)

Rolão Preto

Francisco de Barcelos Rolão Preto nasceu em Gavião, a 12 de Fevereiro de 1898, tendo ali feito os primeiros estudos e aprendido as primeiras letras. Segue depois

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para a Figueira da Foz, onde tira o curso secundário no Colégio Figueirense e participa, ainda enquanto estudante liceal, nas famosas incursões da Galiza, sob o comando de Paiva Couceiro. Tendo ainda registado um breve percurso pela Universidade de Toulouse, onde tirou o curso de Ciências Sociais, Rolão Preto assumiu desde cedo uma atitude fortemente hostil perante a República individualista, democrática e parlamentar, que não cessará mesmo após a conclusão da sua licenciatura em Direito, na Universidade de Coimbra, obtida em 1917. Tanto a sua estadia na Bélgica como a sua passagem em Paris revelaram-se fundamentais na sua formação e desenvolvimento intelectual, pois nesta última teve oportunidade de privar com importantes politólogos dos círculos monárquicos e conservadores da época como Léon Daudet, Jacques Bainville, e claro, Charles Maurras, o grande mentor e ideólogo da Action Française. Em 1914 faz parte da recém criada Junta Central do Integralismo Lusitano e torna-se, a partir de então, um dos mais fervorosos militantes nas fileiras do Integralismo Lusitano, colaborando na revista Alma Portuguesa e, a partir de 1917, assumindo um lugar de destaque no importante órgão de divulgação monárquico A Monarquia, jornal cuja direcção virá mesmo a assumir em 1920, durante a prisão de Hipólito Raposo. Após a morte de Sidónio Pais apela à reorganização de todo o movimento monárquico em ordem à construção de toda uma nova dinâmica que viabilizasse a restauração da Monarquia e, a partir de 1922 desempenhará um papel de destaque numa série de acções que levarão finalmente ao derrube do regime republicano e da ordem constitucional implantada em 1910, com o golpe militar de 28 de Maio de 1926. Funda em 1932 o Movimento Nacional – Sindicalista, cuja adesão e militância foi, especialmente na década de 30, verdadeiramente notável. Este movimento expressava em grande parte as grandes linhas orientadoras do Integralismo Lusitano, nomeadamente no personalismo, no organicismo e sobretudo no municipalismo, umas das pedras basilares do movimento integralista. Movimento novo e dinâmico chegou a ter mais de 50 000 filiados cuja proveniência era altamente diversificada: de todos os quadrantes sociais e profissionais surgiam adeptos deste novo movimento, apostado numa verdadeira renovação do pensamento e das estruturas políticas nacionais. E aqui o papel de Rolão Preto é de certa forma comparável ao de Luís de Almeida Braga pela verdadeira sensação provocada nas gerações mais novas, especialmente a juventude universitária, atraída por esta nova proposta de renovação e, ao mesmo tempo, de combate ao salazarismo, cujo autoritarismo começava já a fazer sentir-se em alguns sectores. Profundamente carismático, num recurso permanente aos seus indiscutíveis dotes de orador, Rolão Preto conseguiu, no órgão principal de expressão do movimento (A Revolução), causar um verdadeiro abalo em todo o país. Em grande parte, este novo movimento por ele dinamizado aproximava-se de outras importantes correntes autoritárias e totalitárias então em voga na Europa, ao suscitar a necessidade de uma liderança forte e carismática, num apelo óbvio a um verdadeiro culto do chefe, factor que tem levado alguns historiadores a interpretar Francisco Rolão Preto como uma manifestação específica do pensamento fascista em Portugal. Sem descurar ou desconsiderar a possibilidade de algumas influências proporcionadas pela conjuntura internacional, importante será dizer que, na grande parte dos tópicos essenciais, Rolão Preto manteve-se fiel aos princípios integralistas e á proposta sindicalista, orgânica, anti- democrática e anti- parlamentar própria do Integralismo Lusitano desde as suas mais remotas manifestações.

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Em 1933 as actividades do movimento Nacional- Sindicalista são totalmente proibidas e o regime intenta aproximar os seus militantes das fileiras da União Nacional e dos quadros da administração. Mas a persistência e a firmeza de Rolão Preto levá-lo-ão a condenar publicamente este novo modelo de regime autoritário, centralista e, na lógica dos regimes fascistas, de partido único. Essa mesma persistência acabará, por um lado, por provocar inúmeras cisões no seio do próprio Movimento e, por outro, por levá-lo à prisão e a conhecer o exílio em Espanha, onde depara com a Guerra Civil espanhola. Sucessivamente ameaçado e/ou expulso do país pelo regime, Rolão Preto, pelo seu inegável carisma e competência será no entanto convidado a ocupar alguns importantes lugares no seio do próprio regime que combatia, chegando a ser convidado para Embaixador junto da Santa Sé. Em nome de uma espantosa firmeza de convicções recusou sistematicamente todas as propostas e, em 1958, o seu carácter combativo e exigente (características que parecem comuns aos integralistas) levou-o a contestar de novo o regime ao apoiar a candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República, assumindo mesmo importantes funções no seio da campanha eleitoral. Também ele virá ainda a colaborar e a subscrever os importantes movimentos da Biblioteca do Pensamento Político, a Renovação Portuguesa, sendo ainda um importante protagonista da Convergência Monárquica ao assumir a um cargo de chefia no Partido Popular Monárquico, fundado em Maio de 1974. Toda a vida monárquico. Toda a vida nacionalista. Toda a vida um lutador com «entranhado amor pela liberdade», no dizer expressivo das palavras de Mário Soares, o Presidente da República que, em 10 de Fevereiro de 1994, o homenageia com a mais alta condecoração nacional: a Grã – Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Principais Obras Publicadas:

• A Monarquia é a Restauração da Inteligência (1920) • Para Além do Comunismo (1932) • Orgânica do Movimento Nacional Sindicalista (1933) • Manual do Sindicalismo Orgânico • A Traição Burguesa (1945) • Inquietação (1963) • Carta aberta ao Doutor Marcello Caetano (1972)

Não se esgota nestes ilustres nomes da História de Portugal todos os grandes

protagonistas do Integralismo Lusitano. Estes são apenas aqueles a que a história, atenta às obras produzidas, aos cargos ocupados, aos discursos pronunciados, acabou por dar mais relevo. São, sem possibilidade de exagero, uma geração fantástica cujos talentos,

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notados sobretudo na área das Letras, muito contribuíram para a dinamização cultural e política do Portugal do século XX.

Muitos outros poderiam ter aqui sido apresentados: Rui Enes Ulrich, primeiro presidente da Junta Central do Integralismo Lusitano (1916), Alfredo Pimenta, um dos destacados monárquicos e integralistas representado na Câmara nas eleições legislativas de 1919, e mesmo Marcello Caetano, Presidente do Conselho entre 1968 e 1974, que chegou também a militar as hostes do Integralismo, a comprovar pelas suas próprias palavras: “…Cedo comecei a escrever em jornais. Ainda estudante destaquei-me quer na acção católica, quer como militante do movimento de doutrinação monárquica denominado Integralismo Lusitano…”1.

Escolhemos estes pela especial dedicação ao movimento, que acompanharam em geral até ao fim das suas vidas, quantas vezes com sacrifício de outras opções mais seguras e mais promissoras, inclusivamente no âmbito da sua vida pessoal e profissional. Mas não estava o comodismo no coração desta geração fantástica, cujo espírito combativo e exigente, sempre em nome do interesse nacional, os não permitia afrouxar num combate que acreditavam ser uma missão divina, a descoberta da “Verdade Portuguesa”, a regeneração nacional, conceitos que, de uma ou outra forma, o Salazarismo e as “elites da palavra” salazaristas recuperarão depois na construção de todo o discurso político legitimador produzido pelo Estado Novo. Qualquer que seja o lado em que nos posicionamos ou o quadrante ideológico em que nos movemos, justiça seja feita a uma geração de homens cuja firmeza inabalável de convicções e cujo sacrifício pessoal em nome das mesmas constituem hoje um fenómeno raro mas potencialmente precioso.

Uma última característica gostaríamos de deixar presente, por ser um dado muitas vezes ignorado por grande parte dos estudiosos: a formação jurídica da maior parte destes homens, os dirigentes históricos do Integralismo Lusitano. Se este era um movimento cultural, depois político e institucional, não poderemos deixar de nos interrogar acerca da concepção e das construções jurídicas patentes no discurso oficial e nas múltiplas obras publicadas no âmbito da luta que sentiam dever travar. Há claramente uma dimensão jurídica, ao nível dos mais variados ramos do direito, no pensamento Integralista. É a nosso ver incontestável esta asserção. E é este estudo, ou a partir de agora, esta demonstração, que constitui a finalidade do nosso trabalho, sempre inspirado por um inolvidável prazer de uma originalidade que nos parece presentear no âmbito de outros estudos realizados neste domínio.

1 Cfr. Marcello Caetano, Minhas memórias de Salazar, Lisboa, Ed. Verbo, 1977, p. 16

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INTEGRALISMO LUSITANO: UM MOVIMENTO NACIONAL?

Movimento altamente nacionalista, o Integralismo não ficará no entanto alheio a certas críticas ou acusações de «imitação estrageirista», tanto mais que essa inspiração era quase totalmente negada pelos soldados integralistas. Sobressai, entre as várias influências que poderíamos identificar, ou tendências ideológicas e religiosas então em voga na Europa (especialmente os movimentos conservadores), o Nacionalismo Integral de Maurras e a revista Action Française por ele fundada. Em alguns pontos, Maurras aproxima-se do sociologismo Comtiano (ele foi aliás discípulo de Augusto Comte), nomeadamente na concepção experimental que tem da própria ciência política: o regime político deve estar em conformidade (e portanto assim ser definido) com certas constantes histórico- naturais da sociedade para a qual se orienta, isto é, em última análise, a definição do regime político não depende tanto de um acto de vontade como de um processo mais ou menos objectivo de análise histórica, cultural e social de um povo1. O que temos, e este aspecto é comum a uma série (muito ideologicamente diversificada) de correntes políticas, é uma perspectiva altamente objectiva das ciências sociais, muito especialmente da ciência política, à qual Maurras se referirá da seguinte forma: “as suas inegáveis repetições, em circunstâncias ora idênticas, ora diversas, permitem traçar com um rigor satisfatório quadros de presença, de ausência ou de variações, comparáveis aos que favoreceram o progresso do estudo da natureza”2. Sobre este aspecto será útil aprofundar algumas semelhanças outras a que nos referimos. Antes de mais, a indubitável inspiração corporativa que, pelo menos em alguns pontos, o movimento revela. De facto, apesar de ser um movimento sobretudo religioso (ideológico, cultural), também essa ordem objectiva (ou o grau de objectividade que Maurras confere à ciência política) surge como pedra angular, ou basilar, da concepção corporativa da sociedade. Mas neste ponto concreto, será pertinente frisar um pormenor: o pensamento corporativo (formulado, no essencial, a partir da doutrina da Igreja Medieval) alargara o grau de objectividade das ciências sociais e, muito para além de regime político, fala do carácter natural da constituição social, de uma “organização social que depende da natureza das coisas e que está, por isso, para além do poder da disposição da vontade”. Aqui, “as leis fundamentais de uma sociedade dependeriam tão pouco da vontade como a fisiologia do corpo humano ou a ordem da natureza” 3. E, se a própria lei fundamental (= constituição) está objectivamente definida, também o regime político, um dos elementos essenciais da constituição política de uma nação, o está necessariamente. Mas o movimento do nacionalismo integral de Maurras não apresenta apenas pontos comuns com a doutrina corporativa: da já referida inspiração Comtiana, o movimento maurrasiano assemelhar-se-á, em certos pontos, ao próprio movimento marxista, ao mesmo tempo que se apresenta, noutros, em insanável colisão. Também o sociologismo marxista, integrado nas denominadas «Escolas críticas», empreendeu uma análise científica das sociedades humanas, cuja conclusão primordial assentava na explicabilidade do processo histórico, determinado ele 1 Sobre este ponto, ver Prélot, Marcel, História das Ideias Políticas, Lisboa, Ed. Presença, Vol. II, p. 185 2 C. Maurras, Mes idées politiques, Paris, Fayard, 1937. P. 110 3 Cfr. António Hespanha, Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, Mem-Martins, Europa- América, 1997, p. 6

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também por factores objectivos de análise, tocando mais uma vez, a concepção experimental da ciência política proposta por Maurras. Tanto o materialismo histórico como o materialismo dialéctico (a luta de classes como o motor da história e a explicação da própria dinâmica social com base nas relações produtivas) são afinal pontos precisos de uma teoria geral que, nestes termos, acredita na possibilidade de uma explicação científica e objectiva das realidades sociais, entre as quais o regime político surge como elemento peculiar. Tomada esta concepção como ponto de partida, a Action Française empenhou-se com todos os meios na luta contra a República, inconcebível para a Nação francesa, ela histórica e naturalmente monárquica. Defensor do predomínio da razão, Maurras defende a incompatibilidade da República, da democracia parlamentar e do liberalismo com esta, reafirmando a monarquia como o corolário de um teorema bem conseguido, um postulado da razão. Importará realçar uma vez mais o carácter científico desta asserção: Maurras ousou mesmo apelidar a sua monarquia (tradicional, hereditária, antiparlamentar e descentralizada) de monarquia científica, o que levou à formulação de uma frase que a história celebrizou: “Ou há França e Rei. Ou não há Rei, mas também não há França”. Os futuros integralistas portugueses conheceram certamente bem a doutrina Maurrasiana, surgida aos olhos de muitos como o único meio de salvação, o que era especialmente verificável em França, em que fenómenos políticos como o Directório, o Império e a instabilidade política vivida quase como um elemento quotidiano suscitavam já alguma desconfiança em relação aos valores de 1789 e à própria república. Também em Portugal, o «espírito republicano» se apresenta já altamente debilitado e desacreditado, factor de principal impulso das teses integralistas. É pelo menos nestes termos que se expressa Luis de Almeida Braga, já atrás referido, em Carta a um Desiludido: “Meu caro Visconde: Não compreendo o seu desinteresse. A mim, pelo contrário, tanto o que entre nós se passa como o exame do que vai pelo mundo, tudo avigora a minha fé e com os lumes da esperança aquece e ilumina a minha inteligência. Dia a dia, o pensamento monárquico se fortalece, já não só pelo valor íntimo da doutrina, que aos mais sinceros de torna patente, mas ainda pelas constantes provas de incapacidade, de corrupção, de inépcia que os partidários da República não cessam de dar”. E acrescenta ainda: “ desde 5 de Outubro de 1910 as revoluções repetem-se periodicamente, deixando atrás de si ensanguentada sombra de traições e vilezas”4. Aqueles que viriam a ser os principais mentores do Integralismo Lusitano tomaram especialmente contacto com o movimento francês em Paris e na Bélgica, principais destinos de exílio após as famosas Incursões da Galiza, historicamente identificadas com as «incursões de Paiva Couceiro» em território da Galiza (1911), marcadas por uma incontornável derrota militar que os partidários do Integralismo souberam definir como a sabedoria de “manter alto a chama da fé monárquica, quando o desfalecimento e o terror venciam todas as almas” e “o melhor exemplo de dedicação, sacrifício e heroísmo”5. Em todo o caso, não obstante as interpretações daí derivadas, a derrota obrigou ao exílio uma série de importantes vultos do futuro movimento. Luís de Almeida Braga exilou-se na Bélgica (mais propriamente em Gand), onde foi utilizada pela primeira vez a expressão “Integralismo Lusitano”, como designação de um projecto de regeneração nacional. 6

4 Cfr. Luís de Almeida Braga, Sob o pendão real, Edições Gama, 1942, p. 19 5 Id., Ibid., pág. 306 6 Cfr. José Manuel Alves Quintas, Integralismo Lusitano- uma síntese, p.1

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Por sua vez, Alberto Monsaraz, juntamente com Hipólito Raposo e Pequito Rebelo estiveram também em Paris (onde serão publicados Os Meus Cadernos, de Mariotte), onde terão tido contacto mais próximo com o movimento de Maurras e seus discípulos, devendo ter sido os mesmos que depois importaram o respectivo ideário para Portugal7. Serve esta primeira abordagem para demonstrar precisamente a influência (quer ao nível da inspiração, da ideologia, quer ao nível da acção) da Action Française e da ideologia maurrasiana sobre o movimento do Integralismo Lusitano. Esta influência, ou pelo menos uma certa similitude incontestável era ela própria reconhecida pelos mentores do movimento, o que se torna especialmente patente nas palavras de António Sardinha8 : “é a mesma a campanha intelectual que, em França, Maurras chefia, e em Portugal, desde 1914, o Integralismo comanda” 9 . Porém, esse reconhecimento não invalidava (e não conseguiu em altura alguma invalidar) a crítica cerrada e permanente ao movimento integralista de ser uma cópia textual do modelo francês, uma imitação, por vezes manipulada, do nacionalismo integral de Charles Maurras. A defesa quase febril dos líderes do Integralismo Lusitano em prol da originalidade do movimento português conseguiu, por um lado, acentuar o sentimento do “estrangeirismo” do movimento e denotar uma espécie de ingratidão (esse sentimento quase omnipresente na política) para com os verdadeiros ideólogos do movimento, o que levou às conhecidas (a meu ver pertinentes) críticas de Mariotte (autor dos célebres Cadernos): “Vós, rácicos donzeis, recebeis as lições dos mestres sem confessar o que lhe deveis. A Maurras deveis imenso. Tudo quanto de bom tendes feito lho deveis. As únicas páginas aproveitáveis do Valor da Raça (António Sardinha) são a crítica à ideologia democrática e estão impregnadas do pensamento maurrasista e, no entanto, Maurras não é citado em todo o livro uma só vez. É que era preciso aparentar uma grande erudição e ocultar Maurras, sendo a influência deste manifesta mas negada”. De facto, para um movimento altamente nacionalista como o Integralismo Lusitano era essencial defender, com todos os argumentos ao alcance, a originalidade e a especificidade do movimento. Expressivas são, neste contexto, as palavras de Sardinha, em reposta a Luís de Almeida Braga, após este o ter prevenido das influências da escola de Maurras: «nós pedimos-lhe [à Action Française] um método- uma sistematização- não um corpo integral de doutrinas» e «… a Verdade Portuguesa possui alguma coisa de específico, de próprio que não se surpreende nem se estuda nos critérios do neo- monarquismo francês. Este vale para nós pelo significado de oportunidade unicamente, porque nos nossos escritores do legitimismo acha-se definida e corporizada toda uma doutrina monárquica poderosa de observação e positivismo» 10. Da mesma forma, apressava-se Hipólito Raposo a defender a originalidade e a especificidade do movimento luso, feita especialmente na obra Dois Nacionalismos, 7 É pelo menos esta a perspectiva de Manuel Braga da Cruz expressa no seu ensaio Monárquicos…, […], op. cit., p. 28 8 Será talvez importante referir que António Sardinha apenas conheceu as ideias de Maurras, e o movimento que liderava, após os contactos antes referidos, fundamentais para a expansão dessas mesmas ideias (e respectivo acolhimento) em Portugal 9 Cfr. A. Sardinha, A prol do Comum. Doutrina & História, Livraria Ferin, 1934, p. 238 10 Cfr. Luís de Almeida Braga, Sob…, […], op. cit., pp. 430 e 437

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em que a partir do estudo paralelo das sociedades francesa e portuguesa ( e dos respectivos contextos político-ideológicos) procura este autor aferir conclusões (que não chegam a ser extrapoladas) que legitimem a peculiariedade dos movimentos. Reacção semelhante teve Ramalho Ortigão, um dos famosos “Vencidos da Vida” 11que, na Carta de um Velho a um Novo (1914) explica a «incontestável superioridade do movimento lusitano, que havia admiravelmente pressentido a necessidade culminante da reeducação integral do povo português». Porém, estou firmemente convicto de que o sentimento geral era o de que toda esta ruidosa e apressada “guerra defensiva” dos mentores do Integralismo Lusitano traduzia, afinal, uma “camuflagem pueril e insubsistente, levada a cabo com o propósito de se apresentarem como arautos de uma concepção original da monarquia”12, de forma a esconder a cruel verdade de que “tudo no Integralismo Lusitano foi cópia da Action Française e confirmou a sua inspiração. Idêntica a doutrina, idênticas as fórmulas que a exprimiam, idênticas as trajectórias seguidas, idêntico o malogro final. Sem a Action Française não haveria Integralismo Lusitano, sem Maurras não haveria Sardinha”13 . Também Maurras, por sua vez, parecia conhecer, ou pelo menos acompanhar de perto, a realidade portuguesa, especialmente no domínio político, onde sabia que as suas influências (ou da escola que o seu nome adjectivava) mais se faziam sentir. Maurras saberia, decerto, que era talvez em Portugal (omitindo a França, obviamente, sendo o país de origem do autor) que a influência da sua escola doutrinária mais predominância e aceitação, senão entusiasmo, teve. Ora, apenas este fenómeno poderia ter produzido tal interesse e expectativa num país como Portugal, o que poderá levar a afirmar, a meu ver muito coerentemente, que o próprio Maurras e muitos dos seus discípulos tinham consciência do impacto ideológico da sua doutrina nos movimentos conservadores em Portugal na primeira metade do século XX, especialmente com a criação e expansão do Integralismo Lusitano. Esta especial atenção pela pátria lusitana prolongou-se, no entanto, muito para além do campo institucional do Integralismo Lusitano. O ponto a que quero chegar é este mesmo: a influência da escola maurrasiana era de facto uma realidade incontornável na grande parte dos movimentos conservadores e tradicionalistas em Portugal no século, o que é claro não só no interior do imaginário do Integralismo, mas também no Centro Católico e, necessariamente, no próprio pensamento salazarista. Trata-se, portanto, de uma presença de facto que os maurrasianos gozam em Portugal e que é notável, inclusivamente, no ambiente político e cultural durante a vigência do Estado Novo. As palavras são, neste contexto, inequívocas, pelo que evoco agora o discurso de Léon de Poncins, um dos principais seguidores de Maurras, que se expressa assim em 1935: “Vós que não estivestes em Portugal não podeis compreender aquilo que representa só por si o facto de se ser recebido por Salazar. Oliveira Salazar, o homem que soergeu um mundo, o solitário inacessível que dirige os destinos do país e que protege uma reputação lendária de invisibilidade.(…) Já conheci vários indivíduos

11 Sobre os “Vencido da Vida” ver João Medina, Eça de Queirós e o seu tempo, Lisboa , Livros Horizonte, 1972, pp. 90 -92 12 Estas palavras confirmam-se em Carlos Ferrão, O Integralismo e a República, Inquérito Ed., p. 114 13 Id. Ibid., p. 116

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que dirigem os destinos do mundo mas creio nunca ter conhecido um que me impressionasse tanto de antemão como este, de tão extraordinário que é o prestígio que o rodeia. (…) Um dia, há já sete anos atrás, no infeliz Portugal agonizante, este homem, que não queria o poder para si e que, por isso, lhe foi imposto, este homem veio até aqui sozinho, desconhecido. Sentou-se nesta grande mesa de carvalho, nesta mesma mesa na qual agora me apoio. Baixou os seus olhos calmos e ordenados sobre a desordem do país e a desordem transformou-se em ordem; numa folha de papel em branco, apontou alguns números e a desorganização financeira, com um século de idade, endireitou-se; com os seus olhos claros enfrentou a violência e a violência desapareceu; nos seus olhos puros, teve a visão de um mundo melhor e esse mundo está a assumir essa forma» 14

E o próprio Maurras nutria por Salazar um forte sentimento de admiração. Admiração que foi aliás, por várias vezes, publicamente exposta, como no famoso artigo “Un grand esprit à l’oeuvre” escrito para a Action Française em 1937. Mas será numa carta escrita ao próprio que se torna notável esse sentimento de admiração e fascínio de Maurras pelo novo regime português, chefiado por Salazar: «Acima de tudo, não nos deixe da mão! Fique! Aguente! Continue a erguer o ramo dourado da ordem, da autoridade e das liberdades! Que este floresça no seu país e dê os seus frutos, povo irmão! É também uma prova ou, pelo menos, um indício, de que o ramo ainda não secou para sempre!» 15

E um último aspecto será aqui pertinente frisar: a importância fulcral (poder-se-á até dizer predominante) de Maurras e da sua escola na própria formação do ditador português, ele que fora militante do Centro Académico da Democracia Cristã – CADC-, chegando até a exercer importantes funções no seio da organização16. O exaustivo estudo biográfico feito por Franco Nogueira não deixa dúvidas nesta matéria, pelo que importa recordar as suas palavras, referentes à formação intelectual de Salazar na sua juventude: “Salazar podia ler vorazmente. (…) Apreciava Augusto Comte, sem embargo das barreiras ideológicas; e entusiasmava-se com Faguet, Taine, Michelet, Banville. E Charles Maurras, muito especialmente Charles Maurras. As Trois Idées politiques, o L’ Avenir de L’Intelligence eram obras de leitura repetida…e era leitor regular da Action Française, iniciada em 1908 por transformação do antigo boletim bimensal que Maurras publicava desde 1899. (…) Maurras exprimia pensamentos que correspondiam ao sentir íntimo de Salazar: o patriotismo não é igualmente partilhado por todos os membros de uma mesma pátria; um verdadeiro Estado nacional deve policiar a sua imprensar e encaminhá-la numa direcção conveniente; a 14 Léon de Poncins, Le Portugal renaît, Paris, Éditions Gabriel Beauchesne, 1936, pp. 133- 136. Este excerto, pela substância que encerra, encontra-se transcrito numa série de importantes obras e estudos acerca do fenómeno do salazarismo. Cfr. Yves Léonard, Salazarismo e Fascismo, Mem – Martins, Editorial Inquérito, 1998, p. 53 15 Esta carta, bem como alguns testemunhos importantes de Maurras , que comprovam o sentimento de proximidade para como regime português e em particular para com Salazar, pode ser analisada em Une politique de l’intelligence, de Henri Massis 16 Salazar terá sido, no ano lectivo 1912 – 1913, Primeiro – Secretário do CADC

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Inteligência nacional pode voltar-se contra o interesse nacional quando o ouro Estrangeiro o queira; o quadro real da economia é a nação; a luta entre patrões e operários deve encontrar o seu limite na compreensão de uma sorte comum, submetida ao denominador nacional; a ideia de pátria é a própria raiz da vida e mil outros conceitos…» 17

Mas também aqui flutua um paralelo que não deverá ser esquecido: à semelhança dos principais mentores do Integralismo Lusitano também o próprio Salazar marcará as respectivas distâncias em relação à escola do ideólogo e pensador francês, quer ao nível da acção quer das próprias premissas intelectuais. António Ferro18, o grande mentor da máquina propagandística do Estado Novo recolhe, neste âmbitos, preciosas palavras do ditador português na linha do que é aqui afirmado. Através delas, Salazar admite ter lido e reflectido sobre os livros políticos de Maurras, livros que, reconhece, seduzem pela clareza, pela lógica de construção mas apenas se se lhes admitirem as premissas. E refere ainda uma fundamental diferença de atitude entre ele próprio e os admiradores incondicionais do doutrinário francês cuja expressão política, especialmente patente em “Politique d’ abord” é um erro em história e sociologia, e constitui um perigo para a formação das novas gerações19. Não creio porém, como o fazem alguns autores, que esta tendência por vezes obsessiva quer dos Integralistas, quer dos democratas – cristãos e mais tarde dos denominados salazaristas, em estabelecer claramente as distinções e as respectivas distâncias entre o movimento francês e a realidade portuguesa, ao nível do pensamento e da acção política, seja simplesmente o esforço de desenhar e imprimir alguma originalidade onde ela, de facto, não existe. Mesmo que fosse este o sentimento geral, aliás altamente explorado pelos adversários do próprio Integralismo Lusitano, creio que será mais acertado (não obstante tudo o que atrás foi dito) caracterizar o movimento integralista em Portugal como «a síntese de duas tendências fundamentais, a par evidentemente de outras tendências secundárias: por um lado, a tendência contra revolucionária, estruturalmente de importação francesa, e como tal praticamente positivista e maurrasiana, e por outro, a tendência fundamentalmente católica e de tradição portuguesa» 20.

17 Cfr. Franco Nogueira, Salazar: A mocidade e os princípios, Atlântida Editora, 1977, pp. 70 – 71 18 António Ferro chefiou, nos anos 30, o Secretariado de Propaganda Nacional “onde deu provas de capacidade de realização e de uma certa vitalidade modernista “, tendo sido ainda um dos grandes responsáveis pelo projecto de “lançar, com arte e sucesso, a figura de marca do «homem forte» e providencial, do esclarecido salvador da pátria”. Cfr. estas mesmas palavras em Jaime Nogueira Pinto, O Fim do Estado Novo e As Origens do 25 de Abril, Difusão Editorial, 1995, pp. 265-266 e 322 19 António Ferro, Salazar – o homem e a sua obra, Empresa Nacional de Publicidade, 1933, pp. 237 – 238 20 Cfr. nestes mesmos termos F. de Sousa Tavares, “Uma tese sobre o integralismo lusitano”, in Combate Desigual. Ensaios de Sociologia Portuguesa, Lisboa, edição do autor, 1960, p. 52

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Será mesmo esta última dimensão que mais se aproximará do objecto do estudo aqui produzido, empenhado essencialmente em conhecer as propostas feitas no contexto da realidade portuguesa, para a qual o discurso dos integralistas inquestionavelmente de destina. E é desse discurso, especialmente dos elementos político – jurídicos do mesmo, que nos procuraremos aproximar.

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SUBSÍDIOS PARA UMA TEORIA POLÍTICA

Se o Integralismo Lusitano nasce sobretudo como um movimento cultural, expresso em termos religiosos e filosófico- estéticos, aproxima-se progressivamente (primeiro) da actividade doutrinária e [em seguida] da actividade política. Neste domínio são particularmente importantes as palavras de Braga da Cruz, que vale a pena acompanhar: “(…) O aparecimento do movimento propriamente dito dá-se porém com a publicação, em Janeiro de 1914, em Coimbra, da revista “Nação Portuguesa”, que vem a tornar-se o seu primeiro grande órgão teórico. Nas páginas desta última surgirão os primeiros textos de doutrina política integralista (…)” 1

E adiante conclui: “ (…) Bem cedo, porém, de doutrinário e literário, o movimento se tornou político. Tal como acontecera com Maurras e os seus companheiros, dirá Sardinha, «também a nós as Letras nos conduziram à Política», «o nosso nacionalismo, de estético, se tornou político» e «a razão estética volveu-se em razão social(…)” 2

De facto, o programa apresentado em diferenciados órgãos de comunicação (como a revista Nação Portuguesa mas também outras posteriormente fundadas e já atrás evidenciadas como A Monarquia) denota uma clara aproximação da actividade política ou pelo menos evidencia as intenções políticas do movimento. Este facto é evidente desde o primeiro momento, desde as suas primeiras manifestações: já em 1914 a Nação Portuguesa se referia ao Integralismo Lusitano como portador de um projecto intitulado “monarquia tradicional, orgânica, anti- parlamentar”. Depois, termos como «regeneração nacional», a «unidade da nação», «monarquia orgânica» e «a Verdade Portuguesa» contraposta à «mentira Liberal» foram pouco a pouco construindo o imaginário político- ideológico do movimento, pelo que estão, em termos gerais, presentes na grande parte das obras dos seus líderes e principais protagonistas. Por outro lado, não deveremos esquecer que os próprios integralistas tinham a plena consciência de estar a acção do movimento condicionada por questões evidentes de estratégia política: a obediência a D. Manuel II (então exilado em Londres após a Revolução de 1910) e mesmo a participação em actos eleitorais ( de um movimento que não acreditava de forma algumas nas potencialidades e na legitimidade do sufrágio) são elementos claros de uma estratégia política destinada a harmonizar os vários grupos no seio da Causa Monárquica, aliás com diferenciadas motivações e perspectivas políticas, desde os integralistas aos manuelistas e aos legitimistas. E, finalmente, a institucionalização da organização, que atinge em 1916 o seu ponto máximo com a criação da Junta Central do Integralismo Lusitano (por onde passaram os mais importantes integralistas), denota também essa tendência cada vez mais evidente da sua politização. E este projecto de institucionalização acontece, afinal, em profunda harmonia com uma estratégia política: de facto esta Junta Central 1 e 2 Ambos os excertos podem ser analisados em Manuel Braga da Cruz, Monárquicos e Republicanos no Estado Novo , P. Dom Quixote, Lisboa, 1986, pp. 16 e 17

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possibilitará a harmonização de diversas forças monárquicas na Comissão Eleitoral Monárquica, órgão destinado a participar nas eleições legislativas (que aliás os integralistas procuraram impedir) de 1919, durante o consulado sidonista. Órgão que conseguiu mesmo eleger alguns membros quer para a Câmara, quer para o Senado, onde se contam nomes como António Sardinha (eleito por Elvas) e Pequito Rebelo (eleito por Portalegre). Em todo o caso, um ponto é evidente: a inegável colaboração oferecida pelos monárquicos ( e também pelos integralistas) ao regime sidonista e a participação em actos eleitorais ( em que eles próprios não acreditavam) denunciam a existência de uma forte dimensão política que acompanha a acção do Integralismo e que constitui, a dada altura, (porventura) a sua mais importante motivação. Em 1919, após o assassinato de Sidónio Pais no Rossio (a 14 de Dezembro de 1918)3, o movimento monárquico atinge o auge na sua luta contra a República e, como ficou claro (assim o esperamos) na síntese histórica, os pronunciamentos militares chegam mesmo a proclamar a Monarquia do Norte, que antecederá os igualmente famosos levantamentos do Monsanto. E aqui, o Integralismo Lusitano revelar-se-á mais uma vez plenamente consciente das suas necessidades em termos de estratégia política: apesar de declarada novamente em vigor a Carta Constitucional de 1826, que os integralistas contestavam fortemente, estes últimos nem por isso deixaram de colaborar activamente neste novo contexto, que oferecia ao princípio monárquico fortes possibilidades de viabilização. Ou seja, note-se que quer com Sidónio quer depois com os movimentos restauracionistas de 1919, o Integralismo Lusitano apresentava importantes divergências que não constituíram porém real entrave à sua participação/colaboração política, quase sempre operada a partir dos bastidores, em profunda conformidade com a concepção elitista da política e do poder por eles perfilhada.4

Alguns autores têm apontado para um episódio especialmente relevante no que respeita à projecção política do movimento integralista: o célebre ciclo de Conferências da Liga Naval, ocorrido a 7 de Abril de 1915 na agitação calorosa da Grande Guerra. E creio que desta forma se podem considerar, apesar de alguns temas se afastarem (ou pelo menos assim o tentarem) do âmbito político, como o discurso proferido por Hipólito Raposo ( “A Língua e a Arte”) ou a temática proposta por Luís de Freitas Branco (“Música e Instrumentos”). Em todo o caso, os factos não enganam e as diversas conferências (depois compiladas na obra A Questão Ibérica) traduziram-se num “mero pretexto para atacar a República e os seus dirigentes numa hora crítica para a vida e independência da Nação”5, com um intuito claramente político. Aliás, apenas esta conotação [político-ideológica] justifica as movimentações que, a 14 de Maio, destruíram as instalações da Liga Naval e obrigaram ao encerramento antecipado do ciclo de conferências: se se tratasse de um mero périplo de conferências literárias, religiosas ou culturais jamais teriam suscitado o grau de animosidade que provocasse tamanhos danos de violência e destruição. De facto, algumas intervenções foram particularmente importantes e graves, como “O Território e a Raça”, de António Sardinha ou “Aspectos Político- Militares”

3 Uma breve e excelente análise do regime sidonista, desde a sua constituição até ao seu desaparecimento, provocado pelo assassinato de Sidónio, pode ser estudada em José Mattoso, História de Portugal – Vol. VI, A Segunda Fundação, Ed. Estampa, pp. 616 – 621 4 Cfr. Manuel Braga da Cruz, Monárquicos…, […], op. cit., p.20

5 Ver em Carlos Ferrão, O Integralismo e a República, Ed. Inquérito, Lisboa, 1964, p. 259

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onde é abordada uma questão central, ferozmente utilizada para atacar a República e os seus dirigentes: a questão ibérica. Sardinha acusa o governo republicano de estrangeirismo (neste caso iberismo), com palavras particularmente expressivas que importará acompanhar: “Manda em nós o estrangeiro do interior (o republicano). É o estrangeiro do interior quem calunia o nosso passado, e cobre de descrédito as suas gloriosas instituições para que as raízes de Portugal se enfraqueçam e nós não sejamos, dentro em breve, senão um terreno raso para as experiências do internacionalismo maçónico. É o estrangeiro do interior quem profana os nossos templos, quem enodoa de infâmias as velhas crenças que tornaram forte a grei (…) É o estrangeiro do interior que nos conduz ao fim dos fins (…)”7

Mas é , a nosso ver, o tenente Vasco de Carvalho que mais denota o âmbito político das conferências, ao pronunciar-se desta forma num discurso que, originalmente, deveria ser acerca de condições militares objectivas de defesa em face da nação espanhola:

“Já incensei também a deusa Democracia, tendo entrado pela porta do

princípio falso em que muitos conservadores se deixaram cair. Reconheço-o, porém, hoje como absurdo.”7

Era incontornável, o ciclo de Conferências da Liga Naval tornara-se num dos mais importantes momentos de protagonismo político do jovem Integralismo Lusitano, bem como de alguns dos seus principais dirigentes. E a projecção do movimento para o domínio duro e arenoso da política estava irremediavelmente feita, de tal forma que o Integralismo nunca mais foi, a partir daí, o mesmo. Isto porque as Conferências foram um momento decisivo na história deste grupo monárquico, em que foi tomada uma espécie de decisão, uma declaração de guerra que os levará, desde então, até ao campo de batalha. Mas terá sido mais, muito mais do que isso: à semelhança do que fizera Almeida Braga na Nação Portuguesa, as Conferências da Liga Naval terão sido a apresentação de um autêntico programa ou, porventura ainda mais, um manifesto da identidade política do Integralismo, em que se pretende explicitar a individualidade portuguesa em termos de território e raça, língua e arte, música e instrumentos musicais, colonização, direito e instituições e aspectos políticos e militares. 8

Mas importará ainda, nesta linha de configuração do Integralismo como um movimento político, tocar num ponto especialmente sensível que, embora um pouco deslocado do nosso principal objecto de estudo, parece ser aqui de pertinente inclusão. A dimensão literária do movimento, dimensão que constitui aliás uma das suas mais importantes raízes. Ficou claro, no estudo biográfico que anteriormente incluímos, os dotes literários de grande parte dos dirigentes integralistas, alguns deles até premiados ( ver biografia de António Sardinha) e a sua indesmentível vocação para as Letras.

6 Excerto da conferência de António Sardinha O Território e a Raça. Citado em Carlos Ferrão, op. cit., pp. 253- 254 7 Excerto da conferência de Vasco de Carvalho Aspectos político- militares. Citado em Carlos Ferrão, op. cit., pp.259- 260 8 Cfr. José Mattoso, op. cit., p. 543

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Esta dimensão [literária] é sem dúvida a sua principal origem história, o seu impulso original, pelo que, como dirá Leão Ramos Ascensão, um dos principais historiadores do Integralismo Lusitano, «o que os ligava eram afinidades literárias e estéticas, era uma preocupação cultural». Daí que a revista Alma Portuguesa, onde surgira a nomenclatura do movimento, se auto identificasse como uma “revista de filosofia, literatura, arte, sociologia, educação, instrução e actualidade”.

Esta não era, no entanto, uma literatura alheia a um certo espírito político que povoava já as mentes integralistas, pelo menos daqueles que se viriam também a expressar em termos literários, quer em prosa, quer em poesia. Tratava-se, antes de mais, de uma perspectiva apologética e patriótica, relativamente ao glorioso passado português, muito especialmente a época das grandes descobertas marítimas. Aqui, as viagens transatlânticas e a respectiva realidade trágica de muitos dos seus naufrágios são encarados como símbolos vivos e reais de amor à pátria, dessa pátria cujos filhos têm plena consciência da missão histórica a realizar. E, também nesta perspectiva, a Fé cristã apresenta-se como motivação essencial das empresas marítimas, corolário de uma Nação submissa à sua missão divina, expressa nas palavras do próprio Cristo: “Ide por todo o mundo e anunciai o evangelho”9.

Este conteúdo literário não é senão a definição, ainda longínqua e pouco objectiva, do imaginário que continuará a ser uma espécie de “pano de fundo” de toda a doutrina política do Integralismo Lusitano, senão o seu padrão axiológico principal. De resto, as próprias produções literárias de alguns dos seus principais mentores são a prova disso mesmo, rosto inconfundível de uma identidade nacionalista e tradicionalista, duas das principais marcas distintivas daquilo a que poderemos sem hesitações denominar de teoria política integralista. Porque há, de facto, uma teoria política integralista (que adiante estudaremos em pormenor) cujas raízes se encontram nesse tronco ideológico de que a literatura é a mais fidedigna expressão.

Neste domínio António Sardinha constitui exemplo paradigmático, pelo que vale a pena introduzir aqui algumas das suas produções. Vejamos:

MEMÓRIA10

Meu coração de lusitano antigo bateu às portas de Toledo, a estranha mais roto e ensanguentado que um mendigo só a saudade os passos lhe acompanha (…) Em todo o mundo há terra portuguesa desde que a alma a tenha na lembrança e a sirva sempre com fervor igual Talvez por isso, em horas de tristeza eu pude à sua amada semelhança criar pra mim um novo Portugal!

9 Cfr. Bíblia Sagrada, Ed. Paulus, Lisboa, 1993, p. 1388 ( Mc 16, 15) 10 Este poema encontra-se na obra, já identificada de Sardinha, Na Corte da Saudade

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Repare-se, antes de mais, na inspiração nacionalista do autor, que o leva a cantar o «coração de lusitano antigo» (num paralelo evidente com o “peito ilustre lusitano” de Luís de Camões, o célebre poeta d’ Os Lusíadas ) bem como o inigualável fervor da alma portuguesa, presente um pouco por todo o mundo. E finalmente o apelo, quase omnipresente na mensagem do Integralismo Lusitano, à construção do «novo Portugal», Nação que não esquece a sua antiga grandeza e anseia por recuperá-la. É, pois, uma verdadeira “Corte da Saudade”.

Mas a introdução de um outro texto poético é aqui pertinente: LETREIRO11

Tudo o que sou o sou por obra e graça da comoção rural que está comigo Foi a virtude lírica da Raça A herança que eu herdei do sangue antigo (…) Olhai-me: - Eu vim de honrados lavradores De avós e netos, sempre os meus Maiores fitaram o horizonte que hoje eu fito O que estaria para além da curva estreita? - E da pergunta, a cada instante feita nasceu em mim a ânsia pró infinito

Mais uma vez atente-se no conteúdo riquíssimo desta produção poética, repleta de significação político- ideológica, desde a proclamação do ruralismo por parte de um homem que é, ele próprio, “obra e raça da comoção rural”, até à evidência de um forte nacionalismo e patriotismo, pela exaltação da “virtude lírica da Raça”.

E desde logo fica também expressa a ideia, cara [como vimos] aos maurrasianos em França e depois ao Integralismo Lusitano, de uma concepção experimental da política, isto é, a ciência política (e em grande medida a actividade política) não tanto um instrumento de criação e inovação mas antes a expressão sintética de condições objectivas, de variáveis sociais que imprescindivelmente a determinam. No conjunto destas variáveis tem especial lugar a história, pois ela “ e não as nossas predilecções doutrinárias, é que nos deve guiar na determinação do regime que mais convém aos destinos da nacionalidade”12.

História que, repare-se, também é aqui exaltada por Sardinha na pessoa dos “avós e netos, sempre os meus Maiores”, história que não pode ser ignorada pelos construtores da realidade presente.

11 Por sua vez, este texto poético encontra-se na obra A Epopeia da Planície – Poemas da Terra e do Sangue, de António Sardinha 12 Cfr. estas mesmas palavras em António Sardinha, Na Feira dos Mitos, Ed. Gama, 1942, p. 15

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A literatura, porventura com um especial destaque para a poesia é, de facto, nas origens históricas como em todos os momentos de vida do Integralismo, um especial veículo de comunicação política e doutrinária. Um último exemplo será de todo útil enquadrar neste contexto. Trata-se de um poema introduzido nas primeiras páginas (talvez como impulso inicial) de Sob o Pendão Real, de Luís Almeida Braga, e cuja autoria não é referida, sendo o mais provável pertencer ao próprio autor. Vejamos: Velou a face o Senhor Deus de Anrique 13

A sombra vai cobrindo a terra inteira; Não é de Portugal esta bandeira, Foi outra a erguida na manhã de Ourique. Por sobre ti Meu reino se edifique! E a voz de Deus perdeu-se na poeira Não é de Portugal esta bandeira, Foi outra a erguida na manhã de Ourique.

Rasga os versos, Camões! Vamos morrer. Sei ao menos qual seja o meu dever, Oh voz dos Mortos, que o meu sangue alarmas…

P’la lei antiga, apelidando a guerra, Contra a moirama que enche a nossa terra, Contra a moirama, moradores, às armas! Aqui é evidente o ataque ao regime republicano, altamente personificado na bandeira que ele próprio instalou como símbolo nacional, após a revolução de 5 de Outubro de 1910. Mas igualmente clara é a acusação/ identificação (quase constante no discurso integralista) de estrangeirismo com o republicanismo, que acusavam de instigar ao iberismo e à alienação da soberania nacional, factores de angústia para esta geração nacionalista, aqui expressa no belo grito: “Rasga os verso, Camões! Vamos morrer.” Mas atente-se num último aspecto, especialmente patente na última estrofe do poema ao incitar à luta contra a “moirama que enche a nossa terra”, numa referência inegável aos republicanos. Aqui, a relação com a Conferência feita por António Sardinha na Liga Naval em 1915 (denominada O Território e a Raça), em que este se refere ao “estrangeiro do interior”, é inevitável, pela forma igualmente explícita de nomear o republicano. Mouro ou estrangeiro eram na verdade duas formas distintas na produção de um efeito comum: a impossibilidade (histórica e empírica) do republicanismo para a Nação portuguesa e os desastrosos efeitos que daí poderão decorrer, num jogo de exploração hábil de uma espécie de “psicose” colectiva de medo em relação às tendências ocupacionistas da vizinha Espanha. E claro, também a dimensão mitológica, altamente presente na literatura portuguesa, é aproveitada no discurso e no pensamento integralista , nos seus contor- 13 Cfr. Luís de Almeida Braga, Sob o Pendão Real, Ed. Gama, 1942, p. XXV ( a numeração romana é própria da obra até certo ponto, onde começa então a numeração comum)

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nos nacionalistas, o que levara Sardinha a referir-se ao Sebastianismo “como uma religião da esperança, o mito que levara à acção, a medida do valor de um Povo, visto que a força de uma Nação depende da crença em si própria” 14. Em todo o caso, o ponto onde queríamos chegar desde já, parece nitidamente alcançado: a “politicidade” do Integralismo Lusitano, não obstante a conotação (também verificada) primordialmente cultural, religiosa e literária que fundamenta o movimento. Estamos perante um movimento político, uma proposta para a Polis, para a “salvação da pátria caída na mais vil das almoedas”, um verdadeiro “grito soberano de ressurreição”15. Acreditamos ser este [o Integralismo Lusitano] intrinsecamente político, assim vocacionado desde a sua criação, apesar de estarem as suas primeiras manifestações públicas imbricadas noutros ramos de comunicação e expressão social, como a literatura ou o jornalismo. E, mesmo que assim não seja, a evolução natural da organização e das circunstâncias portuguesas empurraram-no progressivamente para a arena política, onde todo um padrão axiológico já construído desde 1914 não será mais esquecido e afigurar-se-á determinante na elaboração de um verdadeiro manifesto de identidade política, apresentado de forma especial e impulsiva ( em forma de potência) nas Conferências da Liga Naval, mas desde então constante ao longo de toda a actividade pública do movimento e dos seus líderes. Mas qual era então essa proposta política, que valores apresentava e que realidades combatia? Se se trata de facto de uma organização política, quais as principais propostas que incorporava e de que forma colidiam estas com o contexto em que operava o Integralismo? É deste programa [político] que nos ocuparemos em seguida. 1. O QUE É A POLÍTICA?

A questão surge como fulcral antes de iniciar qualquer tipo de abordagem ao programa político integralista, mesmo agora que sabemos existir. Isto porque, como veremos, antes de qualquer tipo de identidade política, o Integralismo Lusitano possui uma concepção muito particular ( embora não exclusiva) da ciência política, radicada porventura nas influências sofridas pelo nacionalismo francês nomeadamente da escola maurrasiana.

Esta concepção será evidente quer ao nível do método, quer ao nível da finalidade e do fundamento da própria política, toda ela imbuída, nos escritos e no pensamento integralista, de um carácter fortemente científico ou, mais propriamente, experimental. Aqui, como já atrás demonstrámos, a influência da escola francesa é nítida, ela própria portadora da ideia de que a “política decorre da observação, cujo terreno é a história”16.

Este será, se o pudermos assim dizer, o principal subsídio à construção do método político do Integralismo Lusitano, que baseará a sua análise, daí extrapolando depois as suas conclusões, na história, que procurará em grande medida refazer e reconstruir, de forma a que “ a história do nosso país” não seja sempre “ a história escrita pelo partido vencedor”17.

14 Cfr. António Sardinha, Da hera nas colunas – Novos Estudos, Coimbra 1929. Citado em José Mattoso, op. cit., p. 543 15 Ver António Sardinha, Na Feira dos Mitos […], op. cit., p. 114 16 Cfr. Marcel Prélot, […] op. cit., vol. II, p. 183 17 Cfr. António Sardinha, Na Feira dos Mitos, […] op. cit, p. 212

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A História (enquanto ciência e enquanto realidade) passa então a ser a grande mestra do pensamento integralista, a sua principal forma de configuração e determinação, o que é perceptível nas palavras de Luís de Almeida Braga ao ajuizar, quase categoricamente, que “ a história inteira da humanidade ensina que a ditadura é um governo transitório”18. Situa-se esta abordagem ao nível do método, que poderemos aqui considerar historicista, na medida em que tende a ser a história ( num aproveitamento proveitoso da expressão de Demócrito) a medida de todas as coisas. E, nesta abordagem, não poderá de forma alguma ser ignorada a influência decisiva do positivismo comtiano, reconhecida pelos próprios mentores do movimento. Comte fora, aliás (como também já estudámos), mestre de Maurras a quem imprimiu também decisivas marcas de metodologia política. Mais uma vez deverá ser dito que se trata de influências, contributos, marcas específicas, situadas eminentemente ao nível metodológico, e não quaisquer outras dimensões do pensamento de Comte, certamente incompatíveis com a formação intelectual quer de Maurras, quer dos integralistas portuguesas. Reconhece isto mesmo o prudente e meticuloso Almeida Braga, em palavras que merecem, pela riqueza que transportam, ser acompanhadas: “ O meu amigo tem razão. Os nossos positivistas só recolheram da filosofia de Comte, através ainda das falsificações e das calúnias de Littré, o que nela havia de grosseiro ou exagerado (…). Por certo o sistema filosófico de Comte é incompatível com o cristianismo. Falta-lhe a sede do além que há em todas as almas. Mas o que em Comte devemos aprender é o método por ele aplicado ao estudo dos factos que a História oferece à nossa observação.”19

Ora, neste sentido, torna-se evidente que o método caracteriza em grande parte, desde logo, toda uma concepção política. Mais: toda a actividade política do movimento, desde a sua organização institucional nos primórdios da Grande Guerra, será irremediavelmente determinada por esta opção que tende a perspectivar o passado como supremo mestre do presente e do futuro. É nessa óptica que, declara António Sardinha, “ a nossa política não é uma política abstracta de princípios. É sim uma política , mas uma política assente em realidades, de base eminentemente histórica…”20. E depois, ao ousar definir um caminho político, o único caminho que cabe ao Integralismo, deixará ainda à superfície o critério metodológico por ele adoptado: “ …Só um caminho nos resta, se não quisermos declarar tudo perdido, até a própria honra! É, - na fórmula brilhante de Maurras-, realizar pela inteligência e pela vontade, com fiirmeza e nitidez científicas, o que os nossos avós realizaram pelo costume e pelo sentimento…”21

É aqui especialmente patente o carácter científico (porque a ciência é, sobretudo, racional, metódica e sistemática) do pensamento integralista, que, com o evolucionismo trazido por Darwin no aflorar do século XIX, encontra uma nova 18 Ver Luís de Almeida Braga, […] op. cit., p. 30 19 Cfr. Luís de Almeida Braga, […] op. cit. , p. 168 20 e 21 António Sardinha, Na Feira dos Mitos, […] op. cit., p. 141

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frente de combate. De facto, a ideia de evolução, bem como da produção incessante de novos resultados (oriundos desse mesmo processo produtivo) não se harmonizava com uma concepção eminentemente historicista da sociedade e da política. E, numa época em que o espírito científico parecia triunfar (bem como de certa forma o espirito positivista) urgia encontrar um sólido amparo científico, proveniente das próprias hostes da comunidade científica. Esse sustento foi descoberto pelos integralistas de forma notável na famosa lei da constância original dos seres, de René Quinton, ela muito mais harmónica com as ideias de continuidade, coerência e mesmo tradição sustentadas pelo pensamento conservador do Integralismo Lusitano. Acompanhemos mais uma vez as palavras de Sardinha, neste contexto altamente expressivas e significativas: “…Porque as coisas existem pelas mesmas razões porque se geram é que, cientificamente, a doutrina democrática é um erro grosseiríssimo. Socorreu-se durante quási um século duma concepção errada do darwinismo. Debaixo do prestígio das teorias evolucionistas, tomou-se a sociedade como uma transformação incessante, tentando realizar um longínquo ideal de aperfeiçoamento, - desse aperfeiçoamento já entrevisto, através da utopia estulta do Progresso Indefinido, pela mentalidade rudimentar dos filantropos da Revolução. Donde, a aparente superioridade intelectual de que se revestiram por largos tampos os princípios nefastos que hoje combatemos. A renovação dos estudos históricos veio ensinar-nos, porém, uma visão mais exacta dos fenómenos sociais. Um outro método derivou daí, mais experimental, mais positivo. E não tardou que o critério da Evolução se modificasse duma maneira fundamental. Contribuíu bastante para isso o resultado estrondoso das descobertas de René Quinton. Estabelecendo a Lei da Constância Original dos Seres sobre os dados recolhidos ao longo de uma série escrupulosa de observações, nós devemos a René Quinton uma nova compreensão biológica da Vida (…) É que a natureza tem o horror das variações. Não procura senão manter com afinco a pureza do seu meio- vital, - isto é, a inviolabilidade daquelas circunstâncias especiais que a geraram, e de cuja guarda e duração depende inteiramente a sua existência (…) No final, a conclusão não poderia ser outra, fazendo aliás justiça ao que atrás aferimos: É escusado salientar o extraordinário socorro que a ciência nos traz a nós outros, - os tradicionalistas- com semelhante demonstração.”22

Mas, se esta concepção experimental, positiva, histórica da política tem amplas consequências no plano metodológico- formal, não deixam de ser igualmente vastas as suas repercussões no domínio ideológico, substancial. Isto é, não é apenas o método de analisar, pensar e agir na política que se revê na significação de uma concepção histórico- científica. A própria atitude político - ideológica revelará, de diversas formas e sob múltiplos aspectos, esta influência. Assente na ideia de continuidade, o Integralismo Lusitano será sobretudo um movimento tradicionalista, ao mesmo tempo que o seu historicismo o empurrará progressivamente na esteira dos movimentos conservadores e dos círculos que, neste âmbito, se moviam então no continente europeu.

22 Cfr. uma vez mais em António Sardinha, Na Feira dos Mitos , […] op. cit., pp. 12-13

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Este tradicionalismo nasce da convicção firme segundo a qual a essência do cosmos, da sociedade e do homem [hoje] são a fiel reprodução do “núcleo essencial”, da anima que [no passado] determinou esse outro cosmos, sociedade e homens, filhos de tempos mais remotos. Tradição implica todo um espírito de solidariedade transtemporal, uma espécie de laço contínuo que se prende entre o Passado, o Presente e o Futuro. Mas, como refere o próprio Sardinha, “Tradição não é somente passado. É antes a permanência no desenvolvimento.”23 Desenvolvimento que, por sua vez, assenta no postulado segundo a qual “ as instituições dum povo são sempre filhas da sua experiência, correspondem a uma criação demorada e de certo modo inconsciente do seu passado” 24, pelo que as criações do tempo presente não se podem de forma alguma apresentar como rupturas em relação a uma ordem que se foi progressivamente solidificando ao longo da história. Repare-se quão longe estamos já da concepção liberal, no incenso constante do conceito de vontade individual e do poder criador do homem, poder perspectivado quase em termos absolutos. Agora, para os integralistas, “ a sociedade é uma criação, não é uma construção- não é um mecanismo. Porque é uma criação, a sua existência é condicionada por certas leis naturais”25 e, desta forma, a vontade individual e a acção decisiva do homem na constituição da sociedade ficam de sobremaneira afastadas, pois “ a natureza e a história escolheram por nós antecipadamente” e “ é a nós que nos cabe acomodarmo-nos a elas porque nunca elas se acomodarão a nós.” 26

Neste sentido, fazer política é revelar uma verdade inscrita em condições objectivas próprias de uma nação. Por isso, a actividade política do Integralismo Lusitano, diziam os seus principais mentores, tinha toda ela como objectivo a recuperação da “VERDADE PORTUGUESA”, donde derivará depois toda uma doutrina sistematizada e coerente, todo um programa político que se subalterniza, porém, àquela verdade. Daí, como veremos adiante, serem “secundárias” quer a questão do regime, quer a questão do municipalismo: estas eram apenas importantes vertentes, pilares de um tronco superior, identificado com a história de Portugal. E é também à luz desta certeza que o Integralismo não se limitará a afirmar a necessidade da restauração da monarquia em Portugal, apontando antes para uma restauração de Portugal pela monarquia. É que, nas palavras sempre ricas de Sardinha “ restaurar a verdade na história é restaurar a unidade da Pátria e só a monarquia a serve e garante como ninguém”27 , pois “Pátria e Monarquia, fundidas uma na outra, dão uma palavras somente: Portugal!”28 .

Não é apenas a convicção que solidifica o programa integralista. É uma verdade objectiva que o precede e que fortalece de uma forma estupenda: força e firmeza que ( como aliás pudemos constatar no estudo biográfico antes apresentado e neste trabalho incluído) acompanham não só os principais líderes e protagonistas do Integralismo Lusitano, mas o próprio movimento enquanto instituição politicamente activa, de tal forma que ele será provavelmente “ a oposição monárquica mais combativa e aguerrida da República de 1910” 29. 23 António Sardinha, Na Feira dos Mitos, […] op. cit., p. 11 24 Id., ibid., p. 110 25 Id., ibid., p. 11 26 Id., ibid., p. 28 27 e 28 António Sardinha, Ao Princípio era o Verbo, […] op. cit., p. 252

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É neste contexto que poderemos falar do Integralismo como portador de uma concepção estática da política [como da sociedade e do mundo], em violento contraste com o espírito revolucionário emanado da revolução francesa de 1789. Depositária de um programa de autêntica ruptura com o antigo regime, a Revolução não era destinada apenas aos franceses mas a todos os homens na convicção de que os seus filhos viveriam mais felizes do que as gerações precedentes, consideradas miseráveis e oprimidas. Após o famoso documento dos direitos do homem, proclamado a 26 de Agosto de 1789, os ideais revolucionários pretendiam oferecer esta nova felicidade a todos os outros povos do mundo, onde deverão também prevalecer os princípios da liberdade e da igualdade.30 Nada mais falso e perigoso para os integralistas do que esta ideia, semeada pela Revolução Francesa, de um corte absoluto com o passado, frequentemente encerrado na expressão do “Ancien Regime”. Para estes, bem pelo contrário, “ a existência das nações está dependente do regular cumprimento da lei de continuidade da tradição” e “ se a tradição se interrompe, a memória colectiva perde-se, dilui-se a personalidade nacional”.31 E, como se tudo não fosse já suficientemente claro e compreensível, não hesitam em defrontar directamente o pensamento liberal num dos seus mais importantes dogmas: a vontade. Para a concepção integralista, “ a fórmula política e social de um povo não está dependente da sua vontade: é determinada pela natureza e pela história” e, corolário de um discurso que vai assumindo progressivamente um tom trágico, tudo, “tanto na ordem física como na ordem moral, está sujeito a leis invariáveis e invencíveis, às quais, em vão, o nosso livre arbítrio procurará subtrair-se.” 32 E a actual crise política deriva precisamente da violação de toda uma ordem inscrita (à semelhança do que já o Digesto proclamava) «na natureza das coisas»33 e presente nos ensinamentos sábios da História. Explícitas do que aqui afirmamos são as palavras de Henrique Barrilaro Ruas, que de seguida transcrevemos: “ Os fundadores do Integralismo Lusitano compreenderam que a crise teórica e prática da Política não vinha somente da perda do sentido transcendente da vida humana, do esquecimento do carácter integral do verdadeiro humanismo: vinha também da pretensão a construir a obra política como um jogo – e de jogadores profissionais. A política moderna partira de uma ideologia e acabava numa mesquinha arte de ludíbrios. (…)

(…) Aplicado a uma política nacional o humanismo histórico não quererá perpetuar indefinidamente situações, mas defenderá a permanência sempre renovada

29 Cfr. Manuel Braga da Cruz, Monárquicos e Republicanos no Estado Novo, […] op. cit., p. 32

30 Ver, neste sentido, Carl Grimberg,, “A Revolução Francesa” in História Universal, Vol. XV, P. Europa- América, 1940, pp. 94 – 95 31 Cfr. estas mesmas palavras em Luís de Almeida Braga, Sob o Pendão Real, […] op. cit., p. 43 32 Id., ibid., p. 93 33 Sobre esta temática recorremos à excelente síntese de António Manuel Hespanha, “A concepção corporativa da sociedade” in Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, 2º Edição, P. Europa – América, 1998, pp. 59 – 62 dos princípios geradores da nacionalidade (…).34

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E, se aqui radica o motivo da profunda crise política da Nação, urge retomar o caminho do qual a modernidade nos desviou. A “Política” integralista é a revelação dessa mesma verdade e, por isso, mesmo, ela não se confundirá (pelo menos na perspectiva do discurso oficial) com o jogo partidário, ao mesmo tempo que combate aguerridamente a democracia partidária. A palavra – chave descobre-se progressivamente no discurso integralista: revelação, expressão que conota desde logo o movimento como portador de uma mensagem transcendente, superior aos interesses privados, corporativos, institucionais e partidários. Será pelo menos esse um dos grandes objectivos do Integralismo Lusitano, na medida em que, aliado aliás ao Centro Católico, se procurará situar acima de qualquer outra organização ou instituição politicamente conotada. Tudo isto deriva (daí a centralidade da questão que aqui abordamos) de uma concepção política própria, específica, também ela expressa por Mário Saraiva, um dos nomes mais importantes da doutrina neo- integralista, em palavras que oportunamente revelamos: “ A sentença é velha e sempre oportuna: « A História é mestra da vida». (…). (…) Integralismo significava para eles [ os fundadores do movimento] integrar a Nação transviada na directriz histórica que a formara e engrandecera. Dito de outra maneira, na frase célebre que antes Eça de Queirós e Ramalho Ortigão tinham usado: «Reaportuguesar Portugal». Não era pois, e só, um móbil político que os guiava. Diremos mesmo que esse aspecto foi sempre secundário no pensamento que os irmanou. Um dia, no «Testemunho de uma Geração» António Sardinha escreveu: «É conveniente não esquecer que o Integralismo, sendo um movimento nacionalista, não é apenas um movimento político. É também, e principalmente, um movimento de renovação intelectual e de especializações profissionais com o fito supremo do alevantar da Pátria (…)».35

Está desde logo lançado o mote que nos conduzirá a novos desenvolvimentos neste estudo: a concepção política ou a própria noção do que é a política não esgota de forma alguma um programa que apenas se compreenderá perspectivado numa série de dimensões diversas. Claro que, a esta altura, é já evidente o grande objectivo desta “geração integralista”, uma “nova geração que procura ligar o presente ao passado, para que possa a Nação seguir o destino que oito séculos de história lhe traçaram”36. Mas, neste rumo, que combates teria o Integralismo Lusitano de travar? Assente na convicção firme de uma verdade histórica e transcendente aos homens, que programa político apresentava afinal o movimento nos acessos e entusiásticos debates e confrontos ideológicos ocorridos durante toda a 1º República? 2. UM MOVIMENTO CONTRA – REVOLUCIONÁRIO Como terá já sido dito, embora de forma implícita, o movimento revolucionário rapidamente suscitou um movimento em sentido oposto, a que mais uma vez a 34 A citação é retirada de Henrique Barrilaro Ruas, A Liberdade e o Rei, Biblioteca do Pensamento Político, Lisboa, 1971, p. 205 35 Mário Saraiva, Frontalidade, Universitária Editora, Lisboa, 1995 36 Cfr. Luís de Almeida Braga, Sob o Pendão Real, […] op. cit., p. 189

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história baptizou de Contra – Revolução. Movimento este que se afigura já em marcha no final do século XVIII, poucos anos após a Revolução Francesa, e que comporta um carácter essencialmente intelectual.37

Também em Portugal o Liberalismo conheceu sucessivas crises políticas, e também aqui se instalaram progressivamente novas correntes de pensamento, ambas no conjunto da Contra- Revolução. Será de destacar duas correntes essenciais, no domínio da História das Ideias Políticas: as ideias socialistas38 e os movimentos conservadores, onde enfileirá o Integralismo Lusitano. Nisto poderemos desde já entrever que o combate do Integralismo se desenvolverá, como muitas outras vezes, em duas frentes distintas, quer contra o Liberalismo Demo – Parlamentar quer contra o socialismo revolucionário, especialmente manifesto em Portugal após a Revolução de 25 de Fevereiro em Paris, dando lugar às primeiras manifestações dos universitários portugueses neste sentido.39

Caberá ainda aqui uma nota importante: também na Faculdade de Direito, onde se formava então a grande massa da elite política e cultural portuguesa, se pressente um espírito novo, marcado por novas influências, que António Hespanha regista bem, em palavras que valerá pena acompanhar: “ Les deux premièrs décennies du Xxème siécle constituente, dans les Facultés de Droit portugaises, une époque marquée par une profonde influence du sociologisme de Comte et de Littré qui se combine avec les contributions philosophico – methodologiques d’autres origines, depuis l’evolutionnisme de Spencer et le biologisme et l’ anthropologisme de l’école positiviste italienne (…) Le positivisme sociologique et évolutionniste était une puissante arme de combat contre l’ idéologie conservatrice, catholique, spiritualiste, traditionnaliste (…) (…) Pour le sociologisme dominant, la compréhension et l’étude du droit sont inséparables de la compréhension et de l’étude de la société environnante. L’ observation de la réalité – passée (histoire) et présent ( sociologie) – sont des moments préalables et «conditionnants» de l’explication (nomothétique) des normes qui organisent la vie sociale (…).40

É portanto neste clima de grande amálgama ideológica que vive o mundo cultural e político português. A reacção cultural ao liberalismo acontece em várias frentes, o combate prolonga-se em diferentes terrenos. O Integralismo apresenta-se, antes de mais, assim mesmo: um movimento anti – liberal. Mas, neste conjunto imenso e heterogéneo da Contra- Revolução ( denominação que a história ofereceu aos movimentos de contestação ao liberalismo) ele [o Integralismo Lusitano] não se ofusca, não se confunde num grupo institucional. Demarcar-se-á aliás quanto antes de todos os restantes movimentos de contestação em Portugal, o que estará estreitamente relacionado com o historicismo do movimento. Mas, em todo o caso, não contesta 37 Cfr. Marcel Prélot, [….], op. cit., p. 157 38 Acerca da origem e da difusão das ideias socialistas em Portugal será de consultar o estudo de Victor de Sá, A crise do Liberalismo e as primeiras manifestações das ideias socialistas em Portugal (1820 – 1852), Seara Nova, 1969 39 Cfr. Victor de Sá, […], op. cit., p. 318 40 Ver António Hespanha, L’histoire juridique et les aspects politico – juridiques do droit (Portugal, 1900 – 1950), Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1981, pp. 425-426

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gratuitamente, inconscientemente: possui um programa, alguns objectivos em que acredita firmemente, pelo que a sua estratégia ( se assim o podemos dizer sem a perigosa confusão com uma qualquer estratégia partidária) é apenas o reflexo de uma verdade historicamente enraizada. Será sempre esta a base da sua contestação ao liberalismo, nas suas múltiplas dimensões e facetas, ao qual acusa de promover uma autêntica “luta contra a estrutura histórica da nassa sociedade”, profundamente corroída pela “avariose liberalista” que, assente nos “falsos dogmas de 89”41, vai pouco a pouco dissipando e enfraquecendo a Nação. Daí, denuncia Sardinha, o “reaccionarismo” de Fradique, ele que “sentia o amor da História e não há nada mais irreconciliável com a Democracia e o Liberalismo do que a História – quando história - na realidade.42 E foi também este “espírito perversor” do liberalismo, rompendo com a mais viva e mais nobre tradição portuguesa, causa da degradação de Fialho de Almeida, ele “tão português, tão autóctone por todas as suas fibras”43, símbolo vivo da corrupção da sociedade portuguesa pela “ drogaria gaulesa”, a quem os portugueses devem “ agradecer os males presentes e os que por desgraça estejam ainda para surgir nesta verdadeira rua de amargura em que se anda jogando o destino querido da Pátria.”44

Mas, como seria de esperar, a crítica do Integralismo Lusitano ao Liberalismo e á Revolução Francesa não radica exclusivamente no seu carácter anti- histórico, no sentido de consistir, de facto, numa autêntica ruptura na sociedade do antigo regime e em geral na estrutura político- económica feudal, se bem que esta já em declínio desde a Renascença. Há, bem claro e sólido, todo um programa sistematizado (especialmente apresentado no imenso espólio bibliográfico de António Sardinha, embora não exclusivamente) reunido em torno de alguns princípios comuns, que agora procuramos abordar. Um desses grandes princípios, indubitavelmente é o anti-liberalismo que move todo e qualquer integralista, marcado por um verdadeiro espírito de Contra- Revolução. A revolta move-se ,antes de mais, contra o individualismo apresentado pelos grades escritores liberais, desde Locke a Rosseau, hipostasiado depois em Benjamin Constant. Revolta que acontece, desde logo, no plano estético e literário (como vimos, campos onde a sensibilidade dos integralistas estava especialmente activa), onde é constatada uma crise da literatura, rapidamente associada à crise da nacionalidade vivida pela pátria, quer desde a implantação do constitucionalismo monárquico (manifestação do liberalismo francês) até à República, implantada já no século XX. De facto, a degradação literária é aqui eminentemente associada à crise nacional (política, económica e moral), sentido que não alcança melhor expressão do que aquele que fica patente nas “memorandas palavras de Antero de Quental em 1880 a José Felix Pereira: -« A Literatura portuguesa está em decomposição. Ainda há quem escreva coisas literárias, mas a literatura nacional acabou. O que não admira: onde a nacionalidade é coisa morta, o que poderá ser a literatura»”. A crise da Pátria acontece na sua mais profunda consciência colectiva, esse elemento que os Integralistas consideram ser o mais activo da Tradição, e manifesta-

41 António Sardinha, Ao Princípio Era o Verbo, […] op. cit., p. 239 42 António Sardinha, “O Espólio de Fradique” in Purgatório de Ideias- Ensaios de Crítica, Liv. Ferin, Lisboa, 1929, p. 51 43 Id., Ibid., p. 130 44 António Sardinha, Glossário dos Tempos, Ed. Gama, 1942, pp. 60-61 45 Id., Purgatório de Ideias, […] op. cit., p. 144

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-se portanto nas mais diversas manifestações desse espírito, onde a arte e a literatura têm lugar privilegiado. Também aqui (especialmente aqui) o individualismo é desenhado como uma espécie de “tara psico-literária que gera o egoísmo dum Oscar Wilde, - que gera a monstruosidade da «arte pela arte»- do «belo pelo belo»46 , verdadeira causa de decadência do espírito nacional, progressivamente enfraquecido. De facto, é sempre esta a ideia que sustenta qualquer asserção do discurso integralista: nunca se tratam de aspectos pontuais, soltos, estando sempre relacionados com a ideia superior de pátria, quer ao seu glorioso passado ou recuperação, quer à sua decadência e obscurantismo. Mas, retomando o que ainda há pouco desenvolvíamos, o individualismo manifesta ainda os seus efeitos nefastos no plano da moral, muito especialmente no plano religioso, onde o mesmo Sardinha constata que esse auto – denominados “filhos da Liberdade […] portaram-se com outro desembaraço: - arrancaram aos santos os resplendores, as pedras preciosas aos vasos litúrgicos, deixando-os na expressão mais irredutível e por mercê especial ainda assim.”47 E, continuando ironicamente a cantar essa maravilhosa Liberdade [“ Ah, a Liberdade, a Liberdade”] lembra-se das “dívidas do exílio, das raivas da intriga e do despeito”48, tudo filhos pródigos da Revolução e dos ideais liberais. Crise moral eminentemente relacionada com esta incauta “desintegração do homem social para o homem individual”49, que, no plano religioso, “subtraindo o homem ás direcções do Padre Santo de Roma para o investir no orgulho e na honra de ser mestre e o guia de si mesmo, no discernimento da verdade e da regra moral”50. Aparentemente libertário, este novo mito da idade moderna é [para os Integralistas] aproveitando as proveitosas palavras de Luís de Almeida Braga, “o maior erro do século passado, que consistiu, talvez, em dar ao indivíduo a ilusão de que seria melhor e maior se conseguisse libertar-se do grupo natural”51, causa da degradação moral que acompanha o homem moderno. Ora, as consequências deste espírito revolucionário de 89 são claramente apontados por Hipólito Raposo: para além de uma “árvore da liberdade abundantemente regada a sangue na França” e ramificada “por todas as nações da Europa”, a “dispersão individualista” manifesta-se ainda, concretizando-se, na “pulverização social” e no “egoísmo centralizador do liberalismo burguês”52, anunciando o fracasso dos princípios desta nova sociedade emergente nos escombros do “Ancien Regime”. Mesmo o grande padrão axiológico lançado pela Revolução francesa e expresso na famosa trilogia Liberdade, Igualdade e Fraternidade, começa a perder o significado de outrora. O Integralismo, coerente com discurso produzido, anuncia mesmo a sua falência, em palavras de Luís de Almeida Braga que valerá mais uma vez a pena acompanhar: “ (…) A magia de certas palavras começa já a perder o seu antigo encanto. A

46 Cfr. de novo António Sardinha, Purgatório de Ideias, […], op. cit., p. 133 47 António Sardinha, Glossário dos Tempos, […], op. cit., p. 13 48 Id., Ibid., p. 12 49 Ver estas mesmas palavras em Hipólito Raposo, A Reconquista das Liberdades (Conferência feita no Salão do Teatro Apolo, no Porto em 8/3/1930), Litografia Nacional, Porto, 1930, p. 13 50 Id., Ibid., p. 13-14 51 Cfr. Luís de Almeida Braga, Ao Serviço da Terra, Liv. Cruz Editora, 1930, p. 14 52 Hipólito Raposo, A Reconquista das Liberdades, […], op. cit., p. 18

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Liberdade, com L grande, aparece aos olhos de todos os patriotas sinceros como derrocada manifestação de simples orgulho individual em frente das exigências da salvação pública. Quando se fala de Igualdade logo acode a frase célebre do republicano francês Alberto Thomas, e todos com ele repetem que a desigualdade é a lei. De todas as fraternidades apregoadas, a fraternidade da Pátria é a única que subsiste(…).”53

Este novo padrão axiológico sobre o qual assenta sociedade pós- Revolução Francesa não consegue de forma alguma substituir, segundo os integralistas, o Evangelho e as bases cristãs onde se fundamenta grande parte da riqueza e do património cultural ocidental. Mais: o racionalismo, o materialismo e o ateísmo conduziram o homem ao vazio moral e cultural, de tal forma que Sardinha fala do “pecado sem perdão da Democracia” que, “consequência do materialismo cerrado” reduz-se a uma “ânsia exclusiva dos bens materiais da vida, porque não deseja nem admite outros”. 54

E, neste ponto, a decadência não acontece apenas no homem enquanto colectividade, ao nível da consciência colectiva, nem sequer do homem enquanto socialmente situado. Pelo contrário apresenta nefastas consequências para o homem individual, concreto, cuja desorientação moral se traduz numa menos valia da sua própria vida, atingida por um “irreprimível espírito de mediocridade”55. Vagueando então nos terrenos ásperos de ilusão liberal, num quadro de valores contraditório com a sua própria condição, toda a antiga esperança se desvanece e os horizontes são cada vez mais curtos. O suicídio de Camilo é a expressão deste novo homem proposto pelo liberalismo, pois “matou-o, principalmente, a submissão voluntária dos espíritos do seu tempo às esfinges inflexíveis do determinismo e da hereditariedade (…) o homem emancipado da tutela de Deus (…) Camilo sofreu paixão e morte, porque o individualismo frenético do seu ambiente cultivou e engrossou o individualismo frenético que o escritor reflectia como herança estrutural (…)”.56

Mas, como seria de esperar, o grande ataque ao liberalismo, e às suas principais vertentes filosóficas, ocorre no terreno político, espaço que, como vimos, o Integralismo Lusitano ocupa progressivamente. Daí estes versos de Gomes de Amorim, que os integralistas muito estimavam: «Sou português! Tenho a crença Dos portugueses de lei! Não entro na desavença Dos que agridem povo e rei; Poré não quero opressores Nem governos de senhores Que se dizem liberais E, aos que notam seu erro, Por prémio dão o desterro E a morte nos hospitais»57

53 Cfr. Luís de Almeida Braga, Sob o Pendão Real, […] op. cit., p. 10 54 António Sardinha, Purgatório das Ideias, […] op. cit., p. 148 55 Id., Ibid., p. 148 56 Cfr. António Sardinha, “O Génio de Camilo” in Purgatório de Ideias, […] op. cit. pp. 117- 118

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Fica desde já lançado o mote da crítica política ao individualismo, uma das principais bases da democracia demo- parlamentar, produto das ilusões da filosofia liberal e da influência cultural maçónica58. Ainda aqui o individualismo, enquanto ideologia política, é ferozmente atacado, pelo seu carácter ilusório, fictício e artificial. Aparentemente portador de amplas e irrevogáveis liberdades individuais, ele representa, realmente, “gargalheiras impostas à nossa liberdade e aos nossos direitos”59, expressão fidedigna daquilo que é, de facto, a “liberdade metafísica dos utopistas de 89”60. Esta crítica deve ser perspectivada em comum com o que (como vimos) já Hipólito Raposo chamou a desintegração do homem social para o homem individual: de facto, afastado do seu grupo natural, o homem ( ao contrário do que preconizava a “mentira Liberal”61) encontra-se agora muito mais desprotegido e fragilizado, sujeito, então, ao despotismo do poder político e às mais violentas tiranias. Era pelo menos esta a convicção do Integralismo Lusitano, a contar com as palavras de Luís de Almeida Braga, que em seguida acompanhamos: “ O que mais impressionava Funck – Brentano, ao estudar o passado da França, (…), eram as inúmeras liberdades locais de que estava cheia. Eram tantas as liberdades do povo francês, escreve esse notável mestre de história, que, hoje, o mais liberal ministro do Interior, pávido perante elas pela fraqueza do seu próprio poder, as qualificaria como se fossem refúgio de anarquistas. Então, essas liberdades não provinham do princípio liberal; mas eram de facto disfrutadas pelos diversos grupos sociais. Em nome da Liberdade, porém, aos grupos sociais, de natural e espontânea formação, não só lhes recusam agora essas liberdades, mas nega-se-lhes até o direito à existência jurídica! Liberalismo é sinónimo de despotismo. (…)” 62

A agressividade do excerto transcrito não deixa margem para qualquer tipo de dúvidas ao caracterizar primeiramente o movimento integralista como anti – liberal, um instrumento da Contra- Revolução. Sem tocar ainda no pensamento anti- democrático do Integralismo Lusitano (que, apesar de já explícito em algumas partes do discurso apresentado, será adiante desenvolvido) ficou explícito que a filosofia política liberal é combatida em várias frentes ou perspectivas. No seguimento deste pronunciamento anti- individualista, e como consequência lógica deste, é igualmente notável, nas várias (numerosas acrescente-se, embora por vezes insuficientes) fontes bibliográficas disponíveis, a atitude combativa em relação ao contratualismo, ao famoso Contrato Social, outro dos grandes sustentáculos do pensamento liberal. E tanto assim é que, considera António Hespanha, “ a teoria do contrato social não deu lugar, somente, às teorias democráticas que tiveram o seu epílogo na Revolução 57 Transcrito em Luís de Almeida Braga, Ao serviço da Terra, […], op. cit., p. 16 58 Luís de Almeida Braga, Sob o Pendão Real, […] op. cit., p. 57 59 Cfr. esta mesma expressão em António Sardinha, Ao Princípio era o Verbo, […], op. cit., p. 237 60 Id., Ibid., p. 133 61 A expressão não é, evidentemente, nossa. É sob esta designação (“A Mentira Liberal”) que se desenrola o capítulo IV de Sob o Pendão Real (Luís de Almeida Braga), compreendido entre as páginas 67- 74 62 Luís de Almeida Braga, Sob o Pendão Real, […], op. cit., pp. 72-73

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Francesa. Ele foi igualmente adequado a fundamentar o «despotismo iluminado», típico das monarquias e principados europeus do século XVIII”63. E mais adiante o mesmo autor acrescenta: “de facto, o alcance do contrato social é a redução dos direitos inatos, a fim de tornar possível a convivência. Em certos autores, partidários do absolutismo – v.g. Hobbes - tal redução vai ter uma amplitude enorme. Embora noutros - nos representantes da orientação demo – liberal – os direitos subjectivos continuem a impor-se mesmo perante o Estado.”64Mas o centralismo da ideia de contrato na sociedade moderna , num universo individualista e racionalista, é brilhantemente explicitada pelo mesmo autor, em palavras que decidimos transcrever: “ (…) Esta ideia – forjada na prática diária da luta pelo sustento – de que o indivíduo é o começo absoluto, a fonte, passa para a filosofia onde, quer para empiristas, quer para racionalistas, a consciência individual se torna a origem do conhecimento e da acção (…). Mas não é só a crença no poder ordenador e criador dos indivíduos que é gerada por esta nova forma de vida; é ainda a crença na racionalidade da conduta e na racionalidade da própria natureza (…) Esta ideia, de que há uma ordem racional, apesar do carácter arbitrário das vontades individuais; ou de que, dum modo um pouco diferente, o livre curso das vontades individuais se encaminha para uma situação de desejável equilíbrio constitui um outro componente do sistema de pré -–noções que informa a mundividência moderna. Mas avancemos ainda um pouco mais, identificando outros ingredientes ideológicos, estes derivados da estrutura da troca, esse acto central através do qual os bens circulam no mercado. Nós já vimos que é através da troca que os bens chegam aos que deles necessitam; ora a troca é um contrato, i.e., um acordo de duas vontades autónomas, criando um compromisso entre os dois contraente (…) Daí que a estrutura mental dos modernos tenha dedicado um lugar de destaque ao contrato, enquanto fundamento das coisas humanas, nomeadamente da sociedade civil. É este contratualismo que há-de estar no centro da maior parte das teorias explicativas da sociedade, bem como das ideias jurídicas (…)”65

Esta ideia de contrato torna-se, a partir de agora [falamos naturalmente da Revolução Liberal] central e até certo ponto o grande elemento explicativo, seguindo ainda o raciocínio de António Hespanha, das novas teorias jurídicas do liberalismo e, mais tarde, das teorias democráticas.

Também aqui o Integralismo Lusitano manifesta o seu carácter anti – liberal, na construção de uma concepção social claramente anti – contratualista. A condenação do contratualismo acontece grandemente em paralelo com a condenação do individualismo, sendo por isso considerado o Contrato Social “produto dum orgulho doente e insensato”66 que, destruídas as principais bases da moral do antigo regime [pela Revolução ou melhor pelas revoluções liberais], vem contaminando os indivíduos.

Mas será o próprio António Hespanha, ao identificar a centralidade do

63 Cfr. António Hespanha, Panorama …, […], op. cit., p. 152 64Id., Ibid., p. 153

65 António Hespanha, Prática Social, Ideologia e Direito nos séculos XVII a XIX, Vértice, Coimbra 1972, pp. 7-8 66 Luís de Almeida Braga, Sob o Pendão Real, […], op. cit., p. 98

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contrato na nova sociedade, que identificará de antemão algumas das suas principais características, que serão também o principal alvo dos ataques dos integralistas. Vejamos mais uma vez: “ (…) O contrato implica certas qualidades nos contraentes, qualidades essas que vão integrar a própria imagem do homem, estando presente na «leitura» que então se faz da «natureza» humana. Vamos ver como – se está certa esta explicação – a «natureza» do homem, tal como foi descrita nesta época, é uma projecção das qualidades típicas do contraente. Desde logo, os contraentes agem como iguais: nenhum está em condições de impor ao outro qualquer cláusula contratual. O contrato é, portanto, essencialmente democrático (…), pois – extra-contratualmente – cada um pode dispor de meios de pressão susceptíveis de modificar a vontade do outro. Este valor – a igualdade - conatural à acção de contratar, é então tido como ideal em todas as acções humanas e ligado à própria natureza do homem(…)”67. Ideias que, se definem no essencial o contrato - e são geralmente aceites no universo do pensamento liberal - representam o horror do pensamento conservador e, sobretudo, integralista, que não recusará nunca meios de as combater. Cabe-nos lançar ainda na arena um outro sustentáculo – já implicitamente referido em algumas partes – do próprio contrato social: o mito da bondade natural do homem. De facto, apenas acreditando no instinto natural do homem para fazer o bem, no seu desejo das virtudes naturais, nele enraizado na sua própria condição, é possível uma sociedade com base contratual. Apenas um conjunto de indivíduos conscientes, livres e naturalmente bons poderá constituir uma sociedade estável, em ordem à felicidade dos homens, a principal aspiração destes. A colisão começa logo aqui, considerando Hipólito Raposo que “o mito da bondade natural do homem, a sua inocência e felicidade”, bem como “a consciência de que ele nasce livre e de que todo o constragimento é um atentado contra as condições em que a vida lhe foi dada” e “ a necessidade ulterior de reconquistar por meio do Contrato Social o reinado de paz e da virtude, constituem o fundamento das quimeras morais e políticas deste insigne malfeitor, cujo império na vida social e política do último século, exprime uma das maiores fraquezas e das mais assinaladas vergonhas da inteligência humana”68. O mesmo ataque completa Fernando Campos, num artigo sobre a bibliografia contra – revolucionária no século XIX, particularmente sobre Joaquim António de Lemos Seixas, em que o autor , concluindo logo de início que “ é mais vasta e valiosa do que muita gente supõe, a nossa bibliografia contra- revolucionária” e cita com louvor o mesmo Joaquim de Lemos por ter afirmado que “não basta que nós mostremos somente a nossos leitores os tristes efeitos da anarquia e suas duras consequências” mas “ assentemos e acordemos nesta principal máxima de que a Filosofia Moderna conduz à anarquia e os motivos nascem dos princípios que ela pretende propagar e dar por certos e infalíveis, enquanto que são destituídos de razão, desmentidos na prática e factos da História e não passam de meras teorias”. Destes, acrescenta o autor, será de destacar a “Soberania do Povo, o Pacto Social, a Liberdade e Igualdade Civis e uma Tolerância ilimitada em matéria de Religião”. 67 António Hespanha, Prática Social…, […], op. cit., p.8 68 Hipólito Raposo, A Reconquista das Liberdades, […], op. cit., p. 15

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Denotando a clara influência do método e da observação positivista, continua o autor [Fernando Campos] a sua análise crítica do Contrato Social, que identifica como a “cartilha do individualismo revolucionários” e com uma clara “insurreição mental do indivíduo contra a espécie”. E, citando mais uma vez (em jeito de louvor) Joaquim de Lemos, segue: “(…) em vão se cansam a procurar em todos os modernos ou antigos arquivos um único instrumento desta natureza [que demonstre a existência do Contrato], e que felizmente só existe, para sua maior confusão, em sua esquentada imaginação (…). Se o Contrato Social é um facto, é necessário prová-lo (como diz um filósofo cristão), ou aliás não assegurá-lo; e se é uma mera possibilidade, é preciso pelo menos fazê-la verosímil; mas nós já negámos o primeiro, e em quanto ao segundo, bastará somente recorrermos aos sentimentos do coração humano, a quem aborrece naturalmente a subordinação e a obediência, e desenganarmo-nos que em todas as épocas e em todos os tempos foi sempre a força quem ditou a lei, e que em matéria de governo os homens sempre foram os mesmos: é portanto falso, aério e sem fundamento o princípio do Pacto Social que nos querem inculcar os tais filósofos modernos, como doutrina estável e permanente (…)” 70 Das consequências nefastas deste individualismo político sobre o qual passaram a ser considerados os indivíduos faremos ainda importantes desenvolvimentos. Por um lado, o pensamento do Integralismo Lusitano acompanhará claramente toda uma reacção anti – democrática, se bem que com argumentos próprios, que adiante esperamos apresentar. Por outro, este mesmo pensamento, consequência lógica da sua dimensão anti - inividualista, tenderá progressivamente para uma concepção corporativa, ou pelo menos organicista, da sociedade e do próprio homem, nela naturalmente integrado. Pretendemos desenvolver ainda estas duas temáticas, fundamentais para desenhar aquilo que poderá ser uma teoria política do Integralismo Lusitano. No entanto, recordando que se destina este espaço ao esboço de uma dimensão anti – liberal do movimento, cumpre-nos introduzir uma outra dimensão do mesmo, nem sempre devidamente estudada e integrada. É que também no campo económico temos importantes e até numerosos estudos, alguns dos quais produzidos por sonantes nomes do Integralismo Lusitano: e também aqui se torna patente esta dimensão anti – liberal que temos vindo a desbravar. As novas concepções de economia, mercado [livre], propriedade e posse desenvolvidas pelos liberais, potência do espírito capitalista que progressivamente dominava toda a Europa nos séculos XVII a XIX. Ora, altamente críticos desta nova “actividade económica”, que prometia concretizar as mais excitantes “aspirações dos modernos”71, os integralistas encontrar-se-ão, neste domínio, mais uma vez entroncados na corrente de Contra – Revolução. 70 O artigo a que nos referimos é de Fernando Campos, como devidamente anunciámos. Sobre o autor não conseguimos, mas duvidamos também da respectiva oportunidade, recolher qualquer espécie de informação biográfica. Em todo o caso, o texto desenrola-se sob o título “Um Doutrinário Esquecido” e pode ser consultado no útil compêndio Integralismo Lusitano, 1933- 1934, Vol. II, Estudos Portugueses, pp. 42 – 49. O artigo completa-se, no mesmo manual nas páginas 89 – 95, aparecendo portanto dividido em duas partes complementares mas diferentemente situadas. 71 Cfr. António Hespanha, Prática Social …, […], op. cit., p. 19

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Acordemos antes de mais numa base comum: este tão proclamado individualismo liberal é, sobretudo, um individualismo burguês, proclamado e aclamado pela burguesia que, pela Revolução, o colocou no topo da escala axiológica do espírito moderno72. Ora, por conseguinte, ele serve quase exclusivamente o progresso e as ambições deste mesmo grupo social, ofuscado pelos dourados horizontes do lucro, espírito que estará na base do capitalismo económico. É este também o perigoso “individualismo sem limites”, nova base de toda a actividade económica, criticada (de novo) segundo uma óptica moral. De facto, o sustento de toda esta nova doutrina, eminentemente liberal, teria de ser uma “moral sem Deus”, potência de um “conceito simplista da existência” onde “no endurecimento das consciências o ouro predomina com a secura do seu despotismo sem caridade”73. Associada a esta nova concepção surge agora com enorme pujança a industrialização das nações, lume na fogueira já alta da concorrência e da competições internacionais, bem como o nascimento de uma nova classe, tendencialmente revolucionária e empobrecida: trata-se do proletariado moderno, que Sardinha não tem dúvidas em considerar “filho da Revolução Francesa”74. A crítica a esta nova sociedade, que ameaça surgir dos escombros da destruição das condições histórico – naturais provocada pelo Liberalismo, é devidamente formulada por Sardinha, também ele alarmado com o que promete ser a “ americanização da vida, que outra coisa não é senão a sua paganização completa”75. Acompanhemos as suas palavras: “ (…) De modo nenhum toleramos a mais pequena cumplicidade na febre de especulação que ameaça devorar-nos, roubando-nos todos os estímulos e compensações morais, só pelo desejo insofrido dum ganho que não é honesto, dum ganho que é preciso denunciar como inimigo do mundo, do trabalho e da sociedade. (…) Pelo predomínio desaforado da plutocracia nós assistimos ao desenvolvimento duma como que nova escravidão. Não é a escravidão do homem ao homem, mas a escravidão do homem à máquina. Eis a característica e ao mesmo tempo o cancro mortal do período trágico que atravessamos. Abandonado ao pior individualismo económico, o produtor é esmagado por uma concorrência a que não resiste e que lhe rouba por inteiro a dignidade do trabalho (…). Teremos nós de subir à guilhotina, incapazes de defender ao menos a beleza da civilização de que somos herdeiros?” 76 Cumpre-nos aqui um sério juízo que não poderíamos deixar de constatar, finda a pesquisa que neste âmbito elaborámos: a crítica ao liberalismo económico, tal como expressa nas fórmulas do Integralismo Lusitano, apresenta-se essencialmente moral, subjectiva e, ousamos dizê-lo, filosófico – estética. Não se trata, analisando os documentos com alguma profundidade, de uma “análise económica” ou de uma 72 A expressão “individualismo burguês” é utilizada pelo próprio Hipólito Raposo em frase já anteriormente mencionada. Cfr. Hipólito Raposo, Reconquista das Liberdades, […], op. cit., p. 18 73 António Sardinha, A Prol do Comum, […], op. cit., pp. 134 – 135 74 Id., Ibid., p. 136 75 Id., Ibid., p. 96

76 Id., Ibid., pp. 96-97

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crítica especializada: aparece antes como consequência de toda uma identidade integralista, eminentemente religiosa (cristã–católica) ruralista, agrária e tradicionalista, característica que já atrás estudámos. É nesse sentido que José Pequito Rebelo fala do “baixo materialismo do Capitalismo e o espírito parasitário, opressivo e amoral da empresa”77, conceito chave no pensamento liberal e nas correntes do liberalismo económico. De facto é na empresa que o indivíduo perde a dignidade do trabalho e, submisso ao mais deplorável capitalismo selvagem, igualmente condenado por Leão XIII, faz girar toda uma máquina que já não lhe sente pertencer. É esta realidade, actuante e presente em paralelo com a omnipresença da mecanização da vida laboral, que origina a escravatura moderna contra a qual Sardinha se insurgia, apontando-a como factor de decadência e degradação morais. Mais uma vez, teremos de conectar a crítica ao individualismo económico com o tradicionalismo (assumido) do Integralismo Lusitano. De facto, alertava António Sardinha (sem dúvida o principal mentor e doutrinário do movimento) que, “com o advento da liberdade tudo se extinguiu, veio o cosmopolitismo, veio a mentira, veio a desordem” e “nunca mais as corporações desfraldaram as suas bandeiras em dia de Corpo de Deus”78. Repare-se como todo o ataque tem como base a destruição de uma outra organização social, de todo um corpo secularmente edificado e solidificada, de uma outra sociedade [antigo regime] “ transformada segundo a razão eterna dos grandes princípios tradicionais”79. É um primeiro elemento que fundamenta a rudimentaridade da crítica feita ao espírito económico liberal.80

77 Ver Pequito Rebelo, Anti- Marx (conjunto de conferências proferidas no Rádio Clube Português em Agosto de 1936), Edições SPN, Lisboa, p. 17

78 António Sardinha, A Prol do Comum, […], op. cit., p. 101 79 Id., Ibid., p. 99 80 Em relação a este aspecto, gostaríamos de introduzir uma nota que nos parece pertinente. De facto, pelos estudos que efectuámos e pelas pesquisas bibliográficas que desenvolvemos (que, não sendo completas se revelaram bastante exaustivas) a crítica económico financeira produzida pelo pensamento integralista não nos parece revestir de grande relevo, pela parca sustentabilidade científica que os mesmos apontamentos/textos/discursos parecem conter. Isto é, em geral, a crítica produzida neste âmbito fundamenta-se em campos que lhe são estranhos, ou pelo menos não lhe são directamente próximos, em termos científicos. Referimo-nos, obviamente, à moral, à religião e a critérios filosófico – estéticos que nos parecem ser a grande base das considerações mencionadas: as citações que aqui transcrevemos revelam, de certa forma, esta característica, o que é feito propositadamente, conscientes da gravidade e da seriedade da crítica que, da nossa parte, apontamos. Não seria justo o que aqui dissemos sem antes fazer um reparo, que porventura introduza alguma justiça e imparcialidade neste contexto: de facto, alguns nomes de relevo no Integralismo Lusitano elaboraram estudos e considerações, relativamente a matérias económico- financeiras, que aparentam algum rigor científico: veja-se, por exemplo, a conferência feita por Pequito Rebelo entitulada “Aspectos Económicos”, compilada na obra A Questão Ibérica, Tipografia do Anuário Comercial, Lisboa, 1916, pp. 145 – 190; Pequito Rebelo, “O Problema Jurídico da Terra” in A Terra Portuguesa, Ottosgráfica, Lisboa 1929, pp. 26 e segs.; A. Chaves de Almeida, “Alguns aspectos do problema algodoeiro” in Integralismo Lusitano, 1932-1933

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Depois, o individualismo económico é visto como o grande promotor do processo internacional de industrialização e, necessariamente, do processo de rápida urbanização que tem deixado os campos sem braços de trabalho, sem vida própria, sendo esta substituída pelo horror e pela fumaça dos novos aglomerados urbanos, também eles (o que é altamente explorado pela literatura da época, nomeadamente em Portugal) símbolos da decadência moral do homem moderno. Porém, neste aspecto, será hábil o Integralismo Lusitano, ao procurar sustentar o seu carácter eminentemente ruralista em argumentos de carácter político- económico. O ruralismo será mesmo, no nosso entender, uma das suas mais importantes características, só por si justificativa de todo um capítulo que, por questões de tempo e de evidente oportunidade não poderemos aqui colocar. O amor à terra marca decisivamente toda a doutrina económica integralista (a confirmar mais uma vez o reparo oportuno que atrás desenvolvemos), de tal maneira que Pequito Rebelo fala do “pensamento espontâneo da Terra”, da sua “muda lição de sabedoria”81 , ao mesmo tempo que Almeida Braga canta a “terra sem par, suave e doce, cheia de sol e cheia de cantigas, onde o trabalho é prazer e festa”82. Mas aqui, como dissemos, poderosos (sempre discutíveis) argumentos surgirão na sua defesa, alguns deles eminentemente relacionados com a tão famosa “Questão Ibérica”. De facto, após distinguir entre nacionalismo e imperialismo, este último é fortemente atacado, considerado uma verdadeira “limitação à expansão da nacionalidade” e responsável, em algumas nações pelo “ avantajado progresso material e o correlativo enfraquecimento das forças morais da sociedade”83. Mas, em Portugal, país naturalmente rural, esta nova tendência moderna será causa de um empobrecimento ainda maior da nação: eis aqui um poderoso mote para o iberismo ou a União Ibérica, escândalo para os sectores nacionalistas mas hipótese que ia conquistando algum crédito em diversos círculos de pensamento. De facto, afirmava José Pequito Rebelo na mesma conferência, “embora à primeira vista a Espanha, país pobre e atrasado, não pareça muito susceptível de exuberâncias económicas, certo é que ela as começa a ter e avança a passos largos nesse caminho. E graças à nossa incúria se nos vai adiantando perigosamente”84 . Vol. I, Estudos Portugueses, pp. 143 e segs.; Pequito Rebelo, “Um Esquema de Política Económica” in Integralismo Lusitano, 1932 – 1933, Vol. I, Estudos Portugueses, pp. 184 e segs.; J. Preto Pacheco, “Algumas bases de uma economia sã”, in Integralismo Lusitano, 1932- 1933, Vol. I, Estudos Portugueses, pp. (364 e segs.; 405 e segs.; 484 e segs.; 552 e segs.; 616 e segs.; 697 e segs.); Nuno Simões, “Os vinhos do Porto e a defesa internacional da sua marca” in Integralismo Lusitano, 1933-1934, Vol. II, Estudos Portugueses, pp. 29 e segs.;. Estas são apenas algumas das produções, conotadas com o pensamento integralista, no âmbito de estudos económico-financeiros. Mais uma vez, justiça seja feita, não negamos o carácter científico e rigoroso de alguns estudos: o que aqui afirmamos é que, em termos gerais, grande parte das suas asserções não tem como base qualquer fundamento de ciência económica, como seria desejável num conhecimento científico, mas toda uma doutrina que preexiste e de certa forma modela já o pensamento económico integralista, se é que esta expressão é possível e sustentada. 81 Pequito Rebelo, Terra Portuguesa, […], op. cit., p. 1 82 Luís de Almeida Braga, Ao serviço da terra, […], op. cit., p. 17 83 Pequito Rebelo, “Aspectos Económicos” in A Questão Ibérica, […], op. cit., p. 157

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Este “perigo ibérico”, associado intrinsecamente à falência da nossa agricultura e do nosso espírito ruralista, assenta ainda numa outra conclusão (tomada como verdade objectiva): a de que a Espanha, pelas condições que a determinaram e pela sua vocação própria, é essencialmente mercantil e industrial, ao mesmo tempo que Portugal se revela intrinsecamente rural e agrícola. Por sua vez, também esta asserção se fundamenta numa outra, cuja compreensão será igualmente útil no nosso estudo: é o espírito mais marcadamente individualista e exclusivista dos Castelhanos, a contrastar com o “carácter mais social e comunitário que nos é próprio” 85. E repare-se, aqui, na habilidade política de tais conclusões: por um lado, resumem-se num anti-iberismo manifesto e justificado (pelas condições económicas e naturais específicas de cada nação, onde a fusão não representaria qualquer tipo de vantagens) e por outro permitem defender o espírito ruralista que povoa toda a identidade do Integralismo Lusitano. É uma evidência, uma verdade objectiva que leva mais uma vez Pequito Rebelo a falar, irredutivelmente, de um “Portugal marítimo, colonial e pescador” e, em jeito de contraste, de uma “ Espanha industrial e mineira” 86. Mas é depois nos efeitos internos que se concentra a crítica integralista à industrialização e à marginalização e subalternização da actividade agrícola. E, consideradas as várias doutrinas económicas, observa o mesmo autor, “ contra a Terra vão, com efeito, tanto o socialismo do judeu Karl Marx, como o individualismo do cristão novo Ricardo, tanto a doutrina de Henry George como a teoria de Malthus”, doutrinas que se elencam, porém, numa “longa série de erros contraditórios, só irmanados no ódio à Terra”87. Erros que, se não corrigidos a tempo, podem significar para Portugal um verdadeiro desastre económico, bem como um alto atentado contra as históricas forças da nacionalidade: em todo o caso, neste domínio específico, será útil, para estudos mais aprofundados que não aqui não tem lugar, uma análise exaustiva e específica de artigos de índole económico- financeira dispersos por todo um vasto universo bibliográfico88. E, feitas as contas e apresentados os cálculos, emerge à superfície o dramático alerta de Pequito Rebelo, para quem lutar contra a agricultura e contra o “agrariarismo e a ordem natural” é promover uma “completa destruição da civilização ocidental”89

Mas não se esgota aqui a crítica feita ao liberalismo económico pelo pensamento integralista. Se aqui considerássemos o seu término seria uma abordagem necessariamente incompleta: formuladas as críticas, seria fundamental apresentar a 84 Id., Ibid., p. 158 85Id., Ibid., p. 177

86 Id., Ibid., p. 181 87 Pequito Rebelo, A Terra Portuguesa, […], op. cit., p. 10 88 Para além das obras já indicadas anteriormente será absolutamente necessário, para a compreensão completa da doutrina económica integralista, uma leitura integral de Anti-Marx e Terra Portuguesa- esboço de uma doutrina agrária (P. Rebelo) e “Ao serviço da terra” (Luís de Almeida Braga), todas elas já referenciadas em notas oportunamente colocadas. Da mesma forma aconselha-se vivamente a pesquisa de alguns importantes periódicos e artigos soltos atinentes á actividade do Integralismo Lusitano, alguns deles compilados nos já referenciados dois volumes intitulados Integralismo Lusitano. Outros apenas podem ser consultados através de uma pesquisa directa nas fontes, algumas reconhecidamente de difícil acesso. 89 Pequito Rebelo, Terra Portuguesa, […], op. cit., p. 20

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mítica solução, que reforçasse a economia nacional e rejuvenescesse as forças já amenizadas da nacionalidade. Solução que não será, como os mitos liberais, descoberta em exercício abstractos ou em ensaios de uma razão ingénua e pueril: descobrir-se-á na História, insigne mestra do são pensamento humano. É a solução já ensaiada pelos séculos da cristandade que antecederam e depois acompanharam a formação e o desenvolvimento da nacionalidade. É a conhecida solução corporativa, porventura a maior inimiga do novo paradigma individualista proclamado pela revolução de 1789 , cujo eco se fez sentir numa série de outras nações, também elas avassaladas pela turbulência dos tempos modernos. Doutrina medieval, de inspiração cristã, a doutrina corporativa preconizava que “o direito, como em geral a organização da cidade, tinham como fundamento a ordem divina da criação. Por isso, os juristas identificavam a justiça com a natureza e esta com Deus.”90 Ora, associada a esta ideia estava a concepção de que a sociedade, identificada com a própria natureza, era composta por corpos que interagiam entre eles de forma concertada e harmoniosa, segundo leis imutáveis estabelecidas desde sempre. Aqui, “o poder era, por natureza, repartido; e, numa sociedade bem governada, esta partilha natural deveria traduzir-se na autonomia político- jurídica (iurisdisctio) dos corpos sociais. A função da cabeça (coput) não é pois, a de destruir a autonomia de cada corpo social, mas, por um lado, representar externamente a unidade do corpo e, por outro, a de manter a harmonia entre todos os seus membros”.91

E, de facto, este pensamento será omnipresente em todo o antigo regime em Portugal, até ao advento do absolutismo, do centralismo e do estatalismo simbolizado pelo consulado do Marquês Pombal. Pensamento que continuará presente, como solução para os tempos modernos, no programa do Integralismo Lusitano, para quem o sindicalismo orgânico constituirá uma prioridade essencial92. Acompanhemos mais uma vez, neste propósito, as palavras de António Sardinha: “ É na restauração do regime corporativo que reside a equação do problema. Só na corporação, no sindicato e na associação de classe, como quiserem, a garantia do trabalho se obterá no equilíbrio devido aos direitos dos patrões e dos operários. Solução francamente tradicionalista, nós conferimos por seu intermédio ao produtor a dignidade perdida da sua profissão. Foi assim que a Igreja, santificando o trabalho, desembaraçou a humanidade dos preconceitos transmitidos pela filosofia pagã. Nas confrarias da Idade Média nós achamos o tipo perfeito de grémios profissionais de amanhã. S. José carpinteiro, Jesus aprendendo o ofício na casinha modesta de Nazaré, os patronos que os mesteres iam pedir ao agiológio, demonstravam-nos a essência cristã da organização moral e social do trabalho. A essa organização nós fomos buscar os fundamentos de uma outra sociedade transformada segundo a razão eterna dos grandes princípios tradicionais…” 93

A autoridade é, no pensamento integralista, claramente distinta de absolutismo, altamente criticado por não respeitar essa organização «natural» que, por 90 António Hespanha, Panorama…, […], op. cit., p. 60 91 Id., Ibid., p. 61 92 Devemos ter em conta este facto: foi um dos principais activistas do Integralismo Lusitano, Francisco Rolão Preto, o mais destacado percursor do nacional sindicalismo (orgânico) em Portugal 93 Cfr. estas palavras em António Sardinha, A Prol do Comum, […], op. cit., p. 99

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si mesma, vivificava os municípios, os concelhos, as corporações e as famílias, núcleos fundamentais e indestrutíveis de uma sociedade harmoniosa e duradoura. Daí as eminentes (diremos mesmo omnipresentes no discurso do Integralismo) críticas feitas ao consulado pombalino, bem como a uma certa corrente histórica que insiste em legitimá-lo e mitificá-lo. Uma vez que “o Estado é um órgão, a sociedade um organismo” e “a sociedade é anterior, o Estado surge apenas como um elemento de duração e de continuidade, rematando a jornada ascendente de outros núcleos já de natureza hierárquica”94. E apenas nesta concepção que se move a noção de Estado que, portanto, se “confina na observância meticulosa das funções que lhe são próprias, não as exagera nem desvirtua”95, não surgindo já como um monstro omnipresente e açambarcador típico das monarquias absolutas. E portanto, é fácil e oportuno rematar um chavão que sintetiza o essencial deste pensamento: “ao Município o que é do Município, à Província o que é da Província, ao Estado o que é da Nação- eis o catecismo da Monarquia pura ou de poder pessoal.”97 É por isso que Pombal é atacado sem cessar, esse “Pombal do poder certo, plenário e absoluto, com que reforçava inalteravelmente os formulários oficiais do Estado.”98

O corporativismo do Integralismo Lusitano surge, é certo, como crítica (juntando-se assim ao rol das que tinham já sido formuladas, algumas das quais aqui apresentadas) ao liberalismo, na sua expressão de individualismo económico. Mas apresenta-se também como (atrevemo-nos a afirmar tal, desenvolvidas as pesquisas que efectuámos) o grande sustento de toda a doutrina integralista, num plano inclusivamente superior à célebre “Questão do Regime”99. Luís de Almeida Braga situa historicamente a destruição das corporações em Portugal com o Decreto de 7 de Maio de 1834, em plena monarquia constitucional, onde “o racionalismo abstracto de Pombal tomava finalmente corpo” e onde foram dissolvidas as instituições do Juiz e Procuradores do Povo, Mestres, Casa dos Vinte e 95, 96 e 97 As expressões são de António Sardinha, “Poder Pessoal e Poder Absoluto” in Glossário dos Tempos, […], op. cit. pp. 19-20 98 Id., Ibid., p. 31 99 Não deveremos esquecer que o princípio monárquico, se era indiscutivelmente uma das pedras basilares do programa político do Integralismo Lusitano, não aparecia, em termos teóricos, no topo das prioridades. Reforçamos aqui a expressão “no plano teórico”, pelo relevo que nos parece neste contexto assumir: recorrendo a uma expressão paradigmática de Sardinha, não se procurava «restaurar a Monarquia em Portugal mas restaurar Portugal pela Monarquia». E de facto o sentido não é casual nem doutra forma a expressão seria equivalente, pois o princípio monárquico surge assim como corolário de toda uma doutrina, acontece depois de um processo de dedução (recorde-se a obra de Pequito Rebelo Pela Dedução à Monarquia), em que são ponderadas as mais vivas exigências da pátria. [O princípio monárquico] não sustenta uma doutrina: é uma consequência dela, a melhor forma de a garantir e assegurar plenamente. É por isso que, feitos os estudos das fontes ao nosso dispor, ousamos afirmar que será talvez o princípio organicista a grande base de toda a doutrina integralista, quer no domínio político quer mesmo em termos de concepção económica. 100 Luís de Almeida Braga, “Das Corporações do Trabalho em Portugal” in Integralismo Lusitano, 1932-33,[…], op. cit. p. 61

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quatro e a classificação dos diferentes Grémios. E mais uma vez é atacada a concepção liberal da economia, propícia ao capitalismo selvagem, causa primeira do “desamparo da gente humilde”, que viu assim destruídas as suas mais básicas garantias de segurança profissional e económica. Era pelo menos esta a certeza firme do Integralismo Lusitano, que nas palavras do seu grande mentor, Luís de Almeida Braga, caracterizava desta forma a doutrina corporativa: “ A regulamentação do trabalho impedia a formação das grandes fortunas, mas tornava possível a justa repartição dos benefícios. Dispondo o operário para a voluntária aceitação da disciplina e para o reconhecimento da necessária jerarquia, a associação profissional preservava-o dos excessos da concorrência, da aflição do desemprego, dos perigos da super produção, do parasitismo dos intermediários, das manobras dos especuladores e dos exploradores do labor alheio. As limitações postas à liberdade de cada um, eram a garantia da independência económica de todos.”101

Era portanto esta a solução integralista, apontada após todas estas ferozes críticas ao liberalismo nas suas mais diversas vertentes: uma solução, como dissemos, já ensaiada por séculos de cristandade na civilização ocidental. Solução, deste modo, compatível com o tradicionalismo do movimento que assim modela o novo pelo antigo, recorrendo aos valores de outrora para erigir a sociedade de hoje. Um último reparo nos cabe fazer, de todo pertinente neste momento, que de certa forma melhor serve para integrar o princípio corporativo no domínio da doutrina integralista. É que, sendo o corporativismo emanado da doutrina social da Igreja, com forte inspiração cristã, estará imbricado de um ambiente fortemente religioso desde a sua constituição e no seu próprio funcionamento. É por isso que, continua Almeida Braga, “constituíam-se as corporações do trabalho ao modo de confrarias: uma capela por sede, um santo por padroeiro”. Tutelava S. José pedreiros e carpinteiros; encomendavam-se os pescadores a S. Pedro Gonçalves (…) Nossa Senhora do Desterro era o abrigo dos atafoneiros, S. Miguel-o-Anjo dos boticários (…).102

Ora, todo este “ambiente” era de sobremaneira sociológica e filosoficamente amigo da literatura integralista, eminentemente rural, pastoril, com tendência fortemente mítica (por vezes até excessivamente legitimadora, especialmente nas palavras de António Sardinha) mas também altamente religiosa, católica-romana. Em todas estas dimensões se prolongava o combate contra o espírito liberal, em todas elas se produziam fortes argumentos, que tentámos de forma sistemática e organizada expor. Em todo o caso, é com base em todas estas propostas que podemos, sem medo de nos enganarmos, caracterizar o Integralismo Lusitano como um movimento da Contra- Revolução, porventura nas mesmas fileiras de Joseph de Maistre, no mesmo “bom combate nacionalista” do poeta Afonso Lopes Vieira.103 101 Luís de Almeida Braga, “Das Corporações do Trabalho”, Ibid., […], op. cit., p. 125 102 Id., Ibid., p. 163 103 O livro de António Sardinha, À Sombra dos Pórticos é dedicada a este poeta, considerado “seu grande camarada espiritual no bom combate nacionalista”, expressão que pode ser lida na Nota Prévia da mesma obra, aliás já neste trabalho várias vezes referenciada.

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Mas acentuamos propositadamente esta dimensão do combate nacionalista, onde o interesse nacional parece submeter todos os outros aspectos, talvez mesmo o organicismo social, que já considerámos a base da doutrina integralista. A sustentar as afirmações que aqui deixamos, não queiram estudos posteriores retirar-lhes legitimidade, recorremos às documentadas palavras de Sardinha, exemplares neste contexto: “Tais são as bases fundamentais da doutrina integralista. Diz-se integralista a nossa doutrina, porque a questão portuguesa se lhe apresenta em conjunto, debaixo de todos os seus aspectos. Não é exclusivamente o aspecto político que nos preocupa. Preocupam-nos com igual interesse o aspecto económico, o aspecto literário. Portugal é uma terra desnacionalizada nos costumes, desnacionalizada nas aspirações, que são nenhumas, desnacionalizada nos bandos que a conquistaram e a dominam como coisa de pretos. É preciso restaurar Portugal para Portugal. Por isso o regresso da Monarquia não tem que valer unicamente como uma restauração – mas sobretudo como uma instauração. (…) Os princípios que defendemos, antes de serem princípios, foram conclusões (…) Assentamos numa concepção orgânica da sociedade, com a diferenciação e a competência por critérios reguladores. Se nos insurgimos contra a Democracia, é porque a Democracia é a negação de todo o estímulo e de toda a disciplina. Somos anti – liberais. Mas somos anti – liberais porque, municipalistas, em relação ao localismo, e sindicalistas, em relação aos problemas do trabalho, é pelas liberdades, de sentido restrito e concreto, que dedicadamente nos inscrevemos(…) Nós somos esse pensamento que a hora amarga da crise acabou por definir. Temos as raízes mergulhadas no coração da Raça! (…)”104

Estas são palavras fulcrais que acreditamos legitimarem por completo as asserções que, por nossa parte, entendemos fazer. Desde logo porque emanam de alguém que, indiscutivelmente, sabe e pode falar de doutrina integralista, sendo que foi o seu maior líder histórico, porventura o seu mais destacado e amado doutrinador. E depois por que se trata de um discurso claro, sem equívocos semânticos, sem a oportunidade, quantas vezes maldosa, se segundas interpretações. A sua utilidade é, por todas estas razões, inatacável nesta fase.

Estamos no âmago daquilo que será um estudo político, um comentário á doutrina política do Integralismo Lusitano, pelo que dois outros elementos anseiam já por entrar em cena, dada a sua centralidade neste domínio. Trata-se de dois terrenos onde se prolonga ainda este combate, ele próprio com diversos “inimigos históricos”: ora a monarquia liberal e constitucional, ora a República, considerada consequência daquela, corolário inevitável de uma tragédia que se adivinhava. É que o combate à Liberdade envenenada da Revolução Liberal implicava combater também os seus mais pródigos filhos, onde a República e a Democracia surgem como delfins.

Será então estas duas vertentes do Integralismo [um movimento Anti Democrático e Anti- Republicano] o objecto seguinte do nosso estudo, conclusão da primeira parte deste trabalho. 3. UM MOVIMENTO ANTI- DEMOCRÁTICO

104 Cfr. António Sardinha, Na Feira dos Mitos, […], op. cit., pp. 29 e segs.

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Já atrás ficou implícito, em várias passagens, o carácter anti – democrático do Integralismo Lusitano. Ficou-o quer na delineação do seu próprio programa político quer nas palavras de alguns importantes autores que em boa hora decidimos transcrever. A Democracia tornava-se, porém, desde a Revolução Francesa, um ideal dourado para todas as gerações, que viam nela a satisfação não só das suas mais acesas aspirações como dos sonhos que animaram a luta dos seus antepassados. Era a vitória suprema, inimaginável noutros tempos (daqueles que sabiam do longínquo reinado de Luís XIV) que [no seu pensamento fantasioso] deixava definitivamente para trás a miséria e a pobreza deixada pelas guerras e pelas epidemias, bem como as calamidades naturais que assolaram o antigo regime, nomeadamente em França no período anterior à Revolução de 89. Mas que Democracia era esta? Como se caracterizava e em que consistia então este fenómeno que tanto horrorizava os nossos integralistas, bem como a Action Française, alguns positivistas (onde conta o próprio Augusto Comte que considerava o sufrágio popular uma «doença política») e em geral os círculos conservadores europeus que com maior intensidade clamavam na Europa desde o século XIX? Esta é a democracia parlamentarista, sediada na estrutura parlamentar que o Pe. José Agostinho denominou Casa de Orates. É a política do sufrágio universal, dos dogmas liberais da liberdade política e da soberania popular. É a democracia representativa que, nas palavras acertadas de António Hespanha, se baseia “num imaginário individualista e contratualista da sociedade que ignora formas de sociabilidade política (familiares, clientelares, clânicas, tribais, religiosas) muito vivazes nas sociedades não europeias, tal como o eram na Europa do Antigo Regime”.105 Mas é também, escândalo para o pensamento conservador, a soberania da opinião pública, de que falava Chateaubriand, ou o governo «cujo sentido está iminentemente ligado à ideia de liberdade política» na definição (perigosa nas velhas máximas romanas) de Tocqueville. E sendo tudo isto, ela não deixa de comportar sérios riscos, porventura dos mais graves que a humanidade já correu, como bem notou o mesmo Tocqueville: manifestação evidente de egoísmos individuais, igualitarismo excessivo e porta aberta aos piores despotismos, a Democracia não é, como o faziam querer alguns liberais românticos, a mais bela criação humana.106 Desde sempre perceberam os integralistas este facto, condenando a ilusão democrática, assente em mitos e convicções que nada têm que ver com a realidade concreta do homem, nas suas virtudes e nas suas misérias. Condenaram um sistema que insistia na bondade natural dos homens, na sua tendência intrínseca para o bem, logo plenamente capazes de escolher e de participar numa decisão tão fulcral como a que se destina a eleger os supremos representantes da nação e, por conseguinte, as políticas que dirigirão a mesma. Talvez seja esta dimensão, que poderemos apelidar de optimismo antropológico, a principal característica da Democracia, em contraste vivo com o pessimismo que emana da doutrina integralista, que (segundo estes) melhor se coaduna com uma atitude séria e realista de análise e compreensão do fenómeno humano. E, porque ignora esta mesma realidade humana que procura servir, “ a demo 105 Cfr. António Hespanha, Panorama…, […], op. cit., p. 257 106 Sobre todos estes autores aqui mencionados conferir Marcel Prélot, História das Ideias Políticas, Vol. II, Ed. Presença, Lisboa, 2001, pp. 103 e segs.

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cracia, pela sua índole dispersiva e atomística, tende irremediavelmente para a dissolução fatal da sociedade” 107, que se torna progressivamente um mero aglomerado de vontades individuais, sem qualquer vínculo ou unidade intrínseca. Perde por isso a sua estabilidade, a sua consistência como organismo social, como realidade cósmica, num cosmos que transcende efectivamente o homem. Na vanguarda da destruição da sociedade constam, na teoria democrática, a soberania popular e a sua mais íntima ferramenta: o sufrágio universal. É que “o dogma anárquico da soberania popular é a negação da origem divina da autoridade- representa a vitória do número, baseada exclusivamente na força material”.108 Vitória que se manifesta contra as leis eternas da razão, impressas na própria ordem cósmica, de origem divina. A argumentação entra, assim, pela porta do filosófico, mesmo do religioso: a soberania popular, pilar da estrutura democrática, hostiliza o princípio da criação divina e, como tal, todo o cristinanismo.

Mas aqui caberá um reparo, que deveria porventura já ter tido lugar: é que a incompatibilidade do cristianismo com a democracia, enquanto forma de governo, não se manifesta apenas nesta dimensão, digamos assim, eleitoral. Mesmo na anterior questão antropológica que precede toda a teoria política democrática, o Integralismo Lusitano recorre aos ensinamentos da doutrina católica (especialmente às Encíclicas Papais) para legitimar as suas afirmações. Acompanhemos mais uma vez as palavras de Sardinha:

“(…) o senhor Almeida Lima viu na Democracia a realização terrena do

mandamento de Cristo: amai-vos uns aos outros. Míope decerto, o graduado conferente não logrou perceber que, enquanto a Democracia se baseia na bondade natural do homem, o Cristianismo parte da sua culpa original. Porque o homem é bom e a sociedade é má, a Democracia é logicamente a revolução permanente. Porque o homem é mau e a sociedade é que o reprime e corrige, o Cristianismo, ao contrário da Democracia, constitui a razão eterna de toda a ordem legítima e de toda a legítima autoridade. De resto, o próprio Cristo o proclamou: - Não penseis que eu vim espalhar a paz sobre a terra; eu vim trazer não a paz mas a espada. A índole pessimista do Cristianismo, instituindo a disciplina e a penitência, está contida neste versículo, que é a refutação acabada da ligeireza oratória do Senhor Almeida Lima.”109

De facto, estas palavras confirmam a concepção antropológica sobre a qual assenta o pensamento integralista e que atrás fizemos referência. Mas, como pudemos observar, ela [a própria concepção] não nasce de uma qualquer reflexão filosófica ou moral: pelo contrário, ela constrói-se a partir de uma determinada interpretação do Cristianismo, onde a ordem e a autoridade tem primazia sobre a liberdade individual. Mas, obviamente, o Integralismo Lusitano não recorre à “Voz dos Bispos”110 apenas como subsídios doutrinários: revela aqui um propósito institucional ou mesmo, 107 Trata-se de palavras de António Sardinha, citado em Manuel Braga da Cruz, Monárquicos…, […], op. cit., p. 33 108 Cfr. António Sardinha, “Na Feira dos Mitos”, […], op. cit., p. 52 109 Id., Ibid., pp. 202-203 110 “Voz dos Bispos” é o nome dado a um artigo da obra Na Feita dos Mitos (pp. 49-57) e que pretende precisamente apresentar os prelados portugueses, e em geral os chefes católicos, como percursores do pensamento integralista. O termo é portanto

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ousamos dizê-lo, um objectivo de estratégia política. Indubitavelmente, num país eminentemente católico (quase totalmente, segundo estatísticas da época) o apoio institucional da Igreja revela-se fundamental, mesmo decisivo. A este factor primário junta-se a perseguição movida contra a Igreja Católica em Portugal, durante a primeira República: este anti- clericalismo da República conseguiu juntar do mesmo lado da barricada forças políticas que, de outra forma, jamais se teriam unido. O apoio desta força institucional [a Igreja] revelava-se pois o mais seguro leme do movimento integralista. Em todo o caso, devemos dizê-lo, a doutrina da Igreja Católica (que apenas no final do século XIX aceitou alguns alguns aspectos do Liberalismo) era em muitos pontos coincidente com o programa do Integralismo Lusitano, ele sim muito mais inspirado na doutrina social católica e nas famosas encíclicas de Leão XIII (o «Pontífice de Imortal Memória», nas palavras de Sardinha) do que o pensamento salazarista.111

E, retomando agora o rumo da nossa análise, urge reintroduzir o ponto fulcral da soberania popular que, como vimos, era firmemente anatemizada pelos integralistas e pela doutrina da Igreja. Critica-se, aqui, por um lado, o espírito de subversão, desorganização e anarquia que imprime na sociedade; por outro, a ilusão que projecta, numa consideração igualitária dos indivíduos. Eram de resto estes os ensinamentos de Augusto Comte que, muito apreciado pelos integralistas dizia que “ a soberania popular é uma mistificação opressiva e a igualdade uma ignóbil mentira”.112

E, desde logo, é apresentado um critério de justiça: para eles, “o sufrágio universal, além de profundamente anárquico, é considerado injusto, pois através dele o voto do homem instruído e do ignorante têm o mesmo valor, ficam no mesmo plano”113. Daqui advém uma conclusão que não poderemos deixar de tirar: a consideração do movimento integralista como um movimento politicamente elitista. Este elitismo não é notável apenas ao nível da “Teoria da Nobreza”, apresentada por António Sardinha, para o qual a Nobreza (enquanto estrato social, enquanto classe) não deve ser suprimida, antes vitalizada como elemento fundamental de todo o corpo social114. Manifesta-se igualmente nesta consideração discriminatória da própria capacidade política dos homens: se todos são cidadãos, homens com direitos e deveres, nem todos possuem o interesse e o conhecimento da coisa pública, nem todos têm o suporte intelectual necessário para participar em escolhas fundamentais da colectividade. Neste sentido, o movimento é, do ponto de vista político-sociológico, elitista. Elitismo que será porventura atenuado se tivermos em conta uma outra dimensão do pensamento integralista, já interiorizada nesta fase do presente estudo: a dimensão religiosa, estrutura de uma concepção cristã tradicional do homem e do mundo. Mas, “para que a visão cristã do Portugal Maior se descubra diante de nós, propositadamente utilizado e surge oportuno de momento. 111 Esta distinção entre o pensamento salazarista e a doutrina da Igreja, nomeadamente dos escritos de Leão XIII, é sinteticamente apresentada em Diogo Freitas do Amaral, O Antigo Regime e a Revolução – Memórias Políticas (1941-1975), Círculo de Leitores, Lisboa, 1995, pp. 53 e segs. 112 Citado por Luís de Almeida Braga, Sob o Pendão Real, […], op. cit., p. 108 113 Palavras de Luís Almeida Braga, aqui citado por Manuel Braga da Cruz, Monárquicos…, […], op. cit., pp. 33-34

114 Cfr. António Sardinha, “Teoria da Nobreza”, in Ao Princípio Era o Verbo […] op. cit., pp. 191 - 234

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importa que se areje a torre fechada em que nos torcemos, - importa que se destrua nas pregas mais insignificantes da nossa sensibilidade ou do nosso conhecimento qualquer raiz daninha que para lá bracejasse”, dizia Sardinha, a confirmar o que atrás dissemos.115 Raiz daninha que será precisamente a tentação de uma visão laica do mundo, ela sim tendencialmente ilusória e portanto apta a fomentar os ideias de igualdade e liberdade que os integralistas consideravam a «drogaria gaulesa», os «falsos dogmas de 89». Pelo contrário, a visão cristã no mundo, ainda grandemente inspirada no ideal corporativo medievo, permitia compreender o mundo como um lugar hierarquicamente estabelecido: não por elites que, pela força ou por qualquer outro factor, ascenderam ao topo. Mas pela imposição da própria natureza das coisas, expressão tão cara aos juristas medievais. Desta forma, o elitismo deixava de ser um elemento negativo de uma sociedade. Melhor: o elitismo deixava mesmo de existir, substituindo-se a este uma saudável e natural hierarquia, criada, ordenada e disposta em função do bem comum. É apenas assim que se compreende o recurso a um critério de justiça para atacar o sufrágio universal: ele é «injusto» na medida em que viola as regras naturais do jogo político e, até certo ponto, a própria condição humana, também ela naturalmente desigual. E, assim sendo, como poderiam as normas reguladoras da política estar em desconformidade com as leis eternas da natureza que, através da observação empírica, podemos ver actuar? Ou, não avançando tanto, como poderão as regras da actividade política (falamos do sufrágio, entenda-se) estar em colisão com alguns valores mais importantes, por exemplo, da vida militar, como a disciplina e a obediência hierárquica? Tendo como premissa o imaginário (eminentemente católico e tradicional) definido estas são, pelo menos no plano teórico, questões pertinentes. Até porque, numa análise mais profunda, compreendemos que emana deste tipo de raciocínio, uma ideia central em toda a contra argumentação ideológica e programática do Integralismo Lusitano: a ideia de (in) compatibilidade. Vamos precisar: Num período em que a razão parece sobrepor-se à Fé, primeiro ao nível das ciências exactas e progressivamente ao nível das ciências sociais, um discurso sistemático e coerente, muito mais um discurso político (como este o pretendia ser), não pode assentar em opiniões nem tão pouco qualquer espécie de paixões ou sentimentalismo arrojados. Sem deixar de ser verdade que todas estas questões suscitam, hoje como ontem e como sempre, acérrimas paixões, não poderemos esquecer que o século XIX é um século de grande pujança científica, apenas superado pelo século XX, especialmente na segunda metade. É o século do evolucionismo, do marxismo, do positivismo. É um século de grande debate ideológico e científico, onde a preocupação de provar e justificar as asserções construídas parece dominar a cada momento os intelectuais. O discurso político não fugiu, neste caso, à regra, e também ele foi, progressivamente, imbuído de terminologia e sobretudo de uma metódica científica, onde, evidentemente, tiveram especial relevo as ciências exactas e as ciências naturais, especialmente a biologia e a paleontologia , sobre os nomes sonantes de um Charles Darwin, René Quinton ou mesmo Gregor Mendel. É então neste contexto que será proveitoso explicar o conceito de (in) compatibilidade no discurso integralista, na medida em que também ele surge com 115 Cfr. António Sardinha, Ao Princípio Era o Verbo, […], op. cit., p. XXV

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o propósito de corroborar ou invalidar teorias, construções intelectuais. Continuando a ter como pano de fundo a ideia da «natureza das coisas», o ataque à Democracia será feito sustentando a incompatibilidade desta com aquela, sendo portanto de impossível subsistir. Nestes meandros é afirmada a incompatibilidade da Democracia com o Cristianismo, como a Ciência, com o próprio Homem. E tudo isto é feito não de forma emotiva (apesar de por vezes, admitimos, revestir um carácter altamente apaixonado e sentimental) mas através de uma estrutura racional e coerentemente articulada, segundo as regras rigorosas do método científico. E, ainda mais, até o discurso político começa a apresentar sérias aproximações às ciências naturais, como que entrando todos no mesmo terreno: daí as palavras de Jorge Valois em “Le Cheval de Troie”, segundo o qual “os democratas são evolucionistas. Acreditam todos, com mais ou menos força, nesta doutrina (que se apoia sem a menor razão, sem nenhum título, no darwinismo) segundo a qual todas as instituições, em evolução desde as origens, tendem a um estado uniforme de que a liberdade completa será a lei, repousando todas as convenções sobre o livre entendimento.”116

E, com base neste método, apontam-se várias e decisivas incompatibilidades ao regime democrático, agora em análise no que respeita ao pensamento integralista. Desde logo a incompatibilidade da democracia com a ciência, onde reiteramos o papel de especial relevo da biologia. Jogando de novo com a quezília entre evolucionistas e criacionistas, o Integralismo Lusitano aponta a fé da Democracia na evolução e “no mito já decrépito e sem valimento que é o Progresso Indefinido”, rematando que “a Química, a Física, a Astronomia, a Geologia, a Paleontologia, a Biologia, concordam nas suas conclusões definitivas: o sentimentalismo sonhador da geração passada viu nas ciências tantas profetizas como tantas outras felicidades a disfrutar, quando são fúrias que mostram diante de nós, e sem cessar cada vez mais próximo, o abismo inevitável do nada.”117

Será portanto este abismo o destino inevitável do regime democrático, dado como inevitável não [apenas] porque não seja justo mas principalmente porque é desmentido pela própria Ciência, que é, nas palavras de Henrique Poincaré, «uma hipótese que a realidade confirma». E aqui, nesta concepção de Ciência também adoptada pelos integralistas, esconde-se outra das grandes críticas feitas à democracia. É que se a ciência “não cria, verifica ùnicamente”, e se “o homem nunca inventou uma força, dirige-a somente e a ciência consiste em imitar a natureza”118, então um regime político que intente em objectivos profundamente inovadores alicerçados em bases indubitavelmente revolucionárias demonstra estar em contradição com o método científico. É esta mesma base científica que sustenta grande parte do ataque feito ao regime democrático, empenhado em destruir toda a antiga estrutura orgânica da sociedade do antigo regime para erguer um novo edifício assente nos dogmas da vontade, do progresso e na capacidade criadora [quase ilimitada] do homem. Ora, é esta incompatibilidade da democracia com a ciência que leva, findo o raciocínio, Sardinha a concluir que “ a democracia é o estado inorgânico duma sociedade primária ou, na hipótese pior, a queda irremediável duma civilização já sem estímulo de vida”119. 116 Citado por António Sardinha em “Ciência e Democracia”, in Na Feira dos Mitos, […], op. cit., p. 204 117 Id., Ibid., pp. 204 - 205

118 Id., Ibid., […] 119 Id., Ibid., p. 206

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Mas temos ainda de analisar a relação da democracia com outra variável determinante na sociedade portuguesa: o catolicismo ou o cristianismo católico- romano. Vimos já o ataque feito pela Igreja quer à soberania popular quer ao seu principal meio auxiliar: o sufrágio. Resta-nos perceber qual a relação estabelecida com a democracia enquanto regime político, enquanto fenómeno da ciência política. Relação que foi já grandemente compreendida quando aqui introduzimos a questão da bondade natural do homem (preconizada pelo pensamento democrático) e do optimismo antropológico, dois dos grandes pilares morais e filosóficos da democracia. E é daqui que nasce a incompatibilidade desta com o cristianismo, pessimista mas ao mesmo tempo sobremaneira realista, por isso mais adequado ao homem e à sociedade. Vimos já também que é esta conotação religiosa que permite descaracterizar o Integralismo Lusitano como um movimento simplesmente elitista, apontando antes para a concepção de uma natural e saudável hierarquia social, sem a qual a sociedade não seria sequer possível, ou pelo menos o seu harmonioso funcionamento. Esta incompatibilidade não era porém um mero jogo criado (e assim jogado) no programa integralista. É um facto histórico comprovado a posição defensiva da Igreja Católica face ao liberalismo revolucionário, facto aliás já várias vezes aqui mencionado. Será útil, assim o cremos, recorrer neste momento a palavras de António do Carmo Reis sobre esta matéria. “ Após a crise da Revolução e do Império, em França, a Igreja encontrava-se privada da sua autoridade temporal e submissa à autoridade do Estado, em todos os países da Europa. Da Igreja se desligara, por via iluminista, o Despotismo Esclarecido dos reis que ficava, enfim, reduzido a um isolamento autoritário. Eis porque mais facilmente seria rechaçado pelo Liberalismo político, seu adversário. A Igreja de Leão XII e Gregório XVI opõe-se tenazmente à onda revolucionária liberal que, nascida do subjectivismo relativista da Renascença e da Reforma e encouraçado pelo Iluminismo e pelo surto da Revolução industrial, havia triunfado retumbantemente na Revolução Francesa. Está contra os princípios do Liberalismo económico – político e ético – religioso que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, votada na Assembleia Constituinte, havia consagrado. Ataca a sua tonalidade de Agnosticismo, Cepticismo, Relativismo e Historicismo. A atitude da hierarquia católica compreende-se na sua circunstância histórico – política. Senhora também de governo temporal, sente dramaticamente o grande perigo do Movimento Nacionalista e reunificador que se apodera da Itália, de que o Risorgimento inflamado por Mazzini constituía a primeira grande ameaça. No Pontificado de Leão XII, o cardeal Rivarola toma as medidas mais drásticas contra os carbonari. Gregório XVI, mão firme e austeraa, fulmina os corifeus liberais com a Mirari Vos e recorre às tropas austríacas para jugular as insurreições nos domínios da sua esfera temporal A defensiva do Pontificado Romano firmava-se em razões fortes equacionadas em três dimensões: o fundamento monárquico do seu governo milenário, o enfeudamento secular do seu poder temporal e a velha aliança com o absolutismo tradicional. Em 1820 afirmava claramente o cardeal Consalvi: «O princípio fundamental do governo constitucional, aplicado ao governo da Igreja, torna-se um princípio de heresia. Se ele fosse introduzido no governo dos Estados da Igreja, querer-se-ia logo que fosse estendido ao governo da própria Igreja». No fundo, é o peso da instituição, da ordem estabelecida e do conservadorismo mental, da prevenção contra o assalto da Revolução, da mudança e da aventura da inteligência. (…)”120

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Ora, protagonizando a defesa dos interesses da Igreja sob a cobertura de um coerente linha doutrinária, permitia ao Integralismo obter a mesma instituição como uma das mais fidedignas aliadas, quer no plano ideológico quer mesmo no plano político-estratégico. A Igreja não aceitara o Novo Regime, democrático e constitucional. O Integralismo Lusitano também não, o que justificava desde logo uma sólida colaboração de interesses. Gostaríamos de acentuar mais uma vez esta dimensão do interesse estratégico desta aliança para realçar um aspecto que consideramos de oportuna divulgação: é que, apesar de se considerar a ele próprio superior às instituições e ás lutas partidárias (assunto que adiante desenvolveremos), apesar de considerar inertes e injustas as instituições democráticas, o Integralismo Lusitano não deixará de se imiscuir, de forma evidente por vezes, em interesses estratégicos, muito semelhantes aos do partidarismo que acusava de “omnipotência irresponsável”121. É com este espírito que participará em diversas campanhas eleitorais (nas quais aliás não acreditava), fazendo-o em geral para desenvolver precisamente propaganda anti – eleitoral, anti – democrática e anti – repúblicana, ora recusando apresentar listas, ora apelando expressamente à abstenção, o que não deixava de ser um paradoxo em plena campanha eleitoral. Depois, a complacência da Igreja valer-lhe-á, nomeadamente quando (à semelhança dos seus companheiros da Action Française em relação a Joana D’ Arc) lançar, com nítidos intentos políticos (nomeadamente em termos de campanha nacionalista), o culto do Beato Nuno.122

Ou seja, a alegada incompatibilidade do Cristianismo com a estrutura democrática revelava, afinal, dois propósitos: por um lado, o sustento (sem dúvida o mais sólido na altura) do pensamento cristão, cuja doutrina continuava a ser ensinada à grande maioria da população portuguesa (não obstante a laicização do ensino proposto pela República e os entraves colocados à formação de escolas católicas), no geral a ela aderente; por outro, o apoio institucional (pelo menos em Portugal, com um peso evidente) da Igreja como dinâmica de força e de cobertura na defesa dos próprios interesses políticos e estratégicos do movimento.123

120 O excerto é transcrito de António do Carmo Reis, O Liberalismo em Portugal e a Igreja Católica, Ed. Notícias, 1988, pp. 23-24 121 Cfr. António Sardinha, Ao Princípio Era o Verbo, […], op. cit., p. 40 122 Sobre este assunto ver Manuel Braga da Cruz, “Monárquicos…”, […], op. cit., pp. 25 e segs. 123 Queremos aqui deixar presente uma nota: não se pretende com os aspectos que vimos aflorando apresentar o programa integralista – especialmente aquele que alguns estudiosos consideram ser o integralismo religioso – como um programa hipócrita, desprovido de qualquer verdade substancial e empenhado apenas em defender interesses político – partidários, numa sede desmedida de poder. Nem teria qualquer sentido querer fazê-lo aqui, num estudo que se quer objectivo e imparcial. Em todo o caso, não temos elementos para afirmá-lo, pelo que nos remetemos ao silêncio e deixamos tais considerações ao prudente arbítrio dos leitores. O que aqui queremos deixar claro é uma outra dimensão deste discurso: dimensão das estratégias e das alianças que se viviam nos bastidores, numa defesa de interesses mútuos, por vezes complementares ou concorrentes. A comprová-lo está o facto de as instituições católicas (nomeadamente algumas organizações estudantis como o CADC) estarem particularmente activas neste período, nomeadamente no plano

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Mas não se esgota aqui a ideia de incompatibilidade. Trata-se agora da impossibilidade da convivência do regime democrático com um verdadeiro e sólido exército, ao serviço da defesa nacional. Apontando de novo o espírito de anarquia e subversão típicos do regime democrático, o Integralismo Lusitano acusará a Democracia de ser incapaz de promover um clima de ordem, autoridade e disciplina, indispensável a um exército firme e permanentemente activo. Se incapaz de assegurar a disciplina nas sociedade civil, a democracia jamais a conseguirá assegurar nos quartéis. E, se assim é, então não conseguirá sustentar o próprio país, nomeadamente das ameaças externas que a cada momento surgem. É por isso que Sardinha pode falar da “dissolução geral do Estado democrático”, onde não existe qualquer tipo de “continuidade e de previsão, incompatíveis com todo o regime de procedência electiva”. 124 O exemplo do exército é paradigmático125, apelando aos valores da ordem e da segurança numa altura em que o país vivia em conturbação permanente, quase diária. A razão de tamanha instabilidade, não hesitavam os líderes integralistas em a apontar, situando-a ao nível do regime democrático, anárquico e desordeiro, de tal forma próximo do «estado natureza» (de que falava Hobbes) que Sardinha o considerou como “ a mediocridade, vitória do número, a confusão de classes, o regresso às origens”. 126

Mas uma última incompatibilidade ficaria por apontar, pois surge como corolário de todo o pensamento integralista, tendo que ver com os fundamentos últimos do mesmo. É a incompatibilidade da democracia com a própria história, essa mesma que consideravam ser a mãe de todas as ciências. É a incompatibilidade deste regime electivo, acompanhado pela confiança quase ilimitada na vontade humana (porque radicado nas teorias contratualistas liberais), com a formação da nossa própria nacionalidade. Esta é, pois, a explicação última de todas as anteriores incompatibilidades, todas elas radicam aqui e daqui surgem depois com a caravana de defeitos e de aberrações que as caracterizam ( e que caracterizam, portanto, o regime democrático). Se a História não consente a democracia, então também ela se encarregará de a destruir, numa lenta agonia cujos frutos são já visíveis e amplamente explorados pelo imaginário integralista. Não! exclamam os liberais escandalizados, tendo em mente o conceito de vontade, que para si hipostasiaram. Mas também a estes Sardinha responderá, com palavras claras e concludentes que teremos de acompanhar: “ A ordem não é um homem, a ordem não nasce espontânea na sociedade. A ordem é palpavelmente um princípio (…) é necessário à sociedade um princípio que a proteja. político e eleitoral. Recordamos, para este efeito, a curta estada de Salazar no Parlamento, eleito como deputado católico pelo círculo de Guimarães. Mas, como se disse, este peculiar aspecto não invalida de forma alguma a verdade do discurso que aqui analisamos, quer em termos de honestidade dos seus autores, quer em termos de coerência interna do mesmo. 124 António Sardinha, Ao Princípio Era o Verbo, […], op. cit., p. 132 125 Este aspecto da incompatibilidade da democracia com um verdadeiro exército pode ser ainda aprofundado em António Sardinha, A Prol do Comum, […], op. cit., pp. 118 e segs. 126 António Sardinha, Na Feira dos Mitos, […], op. cit., p. 207

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(…) A vontade nacional pode tudo, menos mudar a natureza das coisas e a ordem imutável do universo. Ela pode fazer triunfar o princípio revolucionário, declarando abolida a hereditariedade, declarando que, dada a insurreição vitoriosa, dará leis à França. Ela pode fazer com que o poder ditatorial saído de uma revolução se chame república, que esse poder prenda, deporte ou guilhotine os seus contraditores…mas ela não consegue que esse poder imprima à sociedade a ordem, a liberdade, a paz, a segurança e a riqueza! E porquê? Porque é só na forma natural em que se gerou e desenvolveu, a sociedade encontrará as virtudes perdidas da sua perdida harmonia. Perdeu-as também Portugal. Ciência experimental, eminentemente positiva, a política tem na história o seu campo de acção, o largo domínio das suas verificações. Sabe-se por isso que os povos, anarquizados pelo abandono das suas instituições tradicionais, oscilam invariavelmente entre a demagogia mais brava e o mais cerrado dos cesarismos(…).”127

Estava definida a fatal sentença da democracia, estatuída a sua derradeira incompatibilidade, desta vez com a própria história. Torna-se pois inútil qualquer esforço no sentido de defender o regime democrático, uma vez que o seu destino está já há muito escrito, desde as suas próprias origens. Simplesmente escrito, sem ter o homem qualquer palavra a acrescentar. É neste conforto intelectual, como o suave prazer de uma teoria bem conseguida, que os integralistas poderão falar ainda de outras incompatibilidades, fazendo justiça à centralidade que a ideia ocupa no seu próprio imaginário. Por um lado, a incapacidade da democracia, mau grado os seus propósitos centralizadores (onde o exemplo Suiço é de frequente recurso) em respeitar e assegurar as liberdades municipais e locais, situando-se assim em colisão frontal com o municipalismo, um dos principais pilares da teoria política do Integralismo Lusitano; por outro lado, a impossibilidade de um verdadeiro nacionalismo com a democracia, que os integralistas acusavam (recordemo-nos das célebres conferências da Liga Naval, já aqui extensamente abordadas) de servir o iberismo ou o federalismo ibérico. Com a democracia, diziam, é a própria nacionalidade que está em perigo, a independência, conquistada com o suor e o sangue dos gloriosos avós da Pátria, que deixa de se sentir amparada e protegida. Será aliás deste espírito nacionalista que brotará todo o ódio do Integralismo à Democracia, porventura o mais acérrimo dos seus ódios, superando até a questão do regime e a distinção república/monarquia. É que o regime democrático, bem como os seus principais instrumentos auxiliares (referimo-nos ao dogma da soberania popular, igualdade política, o sufrágio universal, o centralismo), representam o mais duro golpe na estrutura e no imaginário mental e institucional do antigo regime. É pelo menos o que nos dá a entender António Sardinha quando refere, recorrendo a palavras de Maurras, “o grande mestre”, que “ a palavra república tem um sentido admissível. Mesmo depois do restabelecimento da Monarquia poderá ser conservada como aquele significado antigo que designava o conjunto dos negócios públicos. Em compensação, democracia deve ser esquecida, como puro sinónimo de degenerescência, expressão da desorganização e da pulverização, espécie de vestígio linguístico de quanto o regime republicano teve outrora de mais funesto”128. 127 António Sardinha, Na Feira dos Mitos, […], op. cit., p. 268 128 Cfr. António Sardinha, Ao Princípio Era o Verbo, […], op. cit., p. 136

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Neste ponto específico cabe-nos tirar uma conclusão, importante em termos de compreensão integral do movimento que nos propusemos estudar, nomeadamente nas consequências históricas da sua posição doutrinária. Segundo Yves Léonard, investigador associado do Centre d’ Histoire de l’ Europe du XX Siècle (da Foundation Nationale des Sciences Politiques ), “enaquanto movimento de ideias e expressão de um nacionalismo de impregnação autoritária, até mesmo fascista (…), o Integralismo favoreceu a instauração de uma verdadeira «mística reaccionária», segundo as próprias palavras de António Costa Pinto e, deste modo, desempenhou um papel determinante no processo de sensibilização ideológica e política da sociedade portuguesa à própria ideia de ditadura”129. E Salazar, principal mentor e construtor do regime que a si próprio se apelidou de «Estado Novo», parece não ter esquecido os ensinamentos de Maurras e o seu visceral ódio à democracia. Parecia ser precisamente esta a sua posição, quando recusava o aumento de Deputados para 150 sob o argumento de que isso contribuiria para “voltarmos ao parlamentarismo, de não saudosa memória”.130

Aproveitamos a expressão para introduzir uma outra vertente deste ataque à ao regime democrático, agora na sua expressão de democracia partidária e parlamentar. A 1º República deveu grande parte dos seus focos de instabilidade à acção dos partidos, ora pelas constantes alianças (feitas e desfeitas ao sabor da conjuntura), ora pelo monopólio asfixiante do partido Democrático. Desta forma, os ministérios conheciam poucas condições de durabilidade, o que levou a uma rotatividade nunca antes vivida nas instituições de poder em Portugal.131

Não admira portanto que o partidarismo fosse progressivamente apresentado na sociedade portuguesa como adverso ao interesse nacional, factor eminentemente explorado por algumas correntes políticas, como s recém chegados “comunismo e fascismo, ameaçadores para a sociedade burguesa estabelecida”132. Neste rumo de contestação navega também o Integralismo Lusitano, que denuncia sem cessar a “plebe faminta dos partidos políticos, os desperdícios sem conta nem medida dos bodos burocráticos e das sarabandas eleitorais”133. Não por poucas vezes os principais mentores do movimento insistiram em colocar o Integralismo Lusitano acima das querelas partidárias, apelando à superioridade do interesse nacional sobre os interesses privados de algumas organizações políticas. E, ao fazer divergir estas duas posições ( o interesse partidário e o interesse nacional) o Integralismo cumpre mais uma vez o seu papel de sensibilização ideológica, ao preparar o terreno para o surgimento de qualquer “messias político” que se afirme em torno do verdadeiro interesse da pátria, e portanto numa alusão evidente aos valores anti – democráticos e anti –parlamentares que caracterizarão o pensamento salazarista. Mais: estes interesses não são apenas divergentes; são perfeitamente 129 Cfr. Yves Léonard, Salazarismo e Fascismo, Ed. Inquérito (edição portuguesa), Mem- Martins, 1998, pp. 26-27

130 Cfr. Diogo Freitas do Amaral, O Antigo Regime e a Revolução, […], op. cit., p. 19. Segundo o autor, Salazar teria proferido estas palavras em carta a Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral (seu pai), por ocasião da revisão constitucional de 1959 131 Acompanhar este assunto em A.H. de Oliveira Marques, Breve História de Portugal, Ed. Presença, Lisboa, 1995, pp. 573 e segs. 132 Id., Ibid., p. 573 133 Cfr. António Sardinha, Ao Princípio Era o Verbo, […], op. cit., p. 35

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incompatíveis. A acção dos partidos é, nesta perspectiva, nociva para a sobrevivência da pátria, para a ordem e a segurança da mesma. É precisamente esta ideia de ordem que está no centro da repugnância provocada nos meios conservadores (bem como nas hostes fascistas, que começavam por esta altura a aceder ao poder nalguns países europeus e a despertar fortes paixões entre a juventude nacional) pelos partidos políticos. Luís de Almeida Braga exprime angustiado este mesmo grito, em hora de crise nacional: “ Os partidos lançam a Pátria em continuada guerra civil. E a corrupção eleitoral, por toda a parte mantida, erigiu-se em novo sistema de governo. Para ser fácil e segura a corrupção eleitoral, a mais apertada centralização foi levada a cabo, a ponto de deixar inutilizadas e quebradas todas as energias particulares. (…) A crise política atinge neste momento a febre do delírio. De toda a banda se erguem mãos aflitas. (…) E é na esperança de que a Nação não padecerá mais nas lutas violentas dos partidos, na briga das ambições pessoais, que a luz da era desponta, sob a benção fecunda do dia da paz(…).” 134

Lutas violentas, ambições pessoais, centralização, eis como é definida a acção dos partidos, também ela um precioso instrumento da democracia parlamentar. Se os integralistas aceitavam participar e agir no seio da estrutura parlamentarista era apenas (já o vimos) para provocar a sua implosão, uma lenta deterioração interior. As devidas distâncias eram assinaladas pelo jornal A Monarquia, órgão de divulgação integralista, que apontava o movimento como “expressão perfeita das aspirações nacionais, nacionalista por princípio, sindicalista por meio, monárquico por conclusão. Não é um novo partido que se prepara para assumir o poder, pelo contrário, é uma corrente de opinião que procura libertar a Nação das clientelas partidárias, entregando a defesa de diversos interesses aos seus órgãos próprios”.135

É por este espírito que podemos perceber que “quem diz democracia – entende-se- diz, dum lado, «capitalismo», diz, do outro, «parlamentarismo»”136: a panóplia de interesses que move a acção dos partidos é grandemente cúmplice do espírito capitalista que faz girar a mecânica económica do demo – liberalismo. De facto, o que se nota a a estreita ligação/dependência entre as organizações políticas[os partidos entenda-se] e as organizações económicas, financeiras e culturais, fazendo depender aquelas de interesses e aspirações privadas, quantas vezes em clara divergência com as aspirações nacionais. Assim, fica desde logo claro que a democracia cristã, proposta por Leão XIII, nada tem que ver com a democracia dos partidos e (em palavras do próprio Pontífice) “não deve imiscuir-se na política, não deve servir os partidos nem servir para fins políticos. Não é essa a sua missão, mas deve exercer uma acção benfazeja em favor do povo fundada sobre o direito natural e os preceitos do Evangelho”137. 134 Luís de Almeida Braga, Sob o Pendão Real, […], op. cit., pp. 48 e segs. 135 A expressão está presente, como fizemos referência, no jornal A Monarquia, datado de 20 de Abril de 1921 136 Cfr. estas palavras em António Sardinha, A Prol do Comum, […], op. cit., p. 95

137 Citado em António Sardinha, Glossário dos Tempos, […], op. cit., pp. 236 – 237

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Mais uma vez, o interesse nacional e o «interesse dos povos» é distanciado dos objectivos partidários e da acção dos partidos, pelo que notamos na encíclica Graves de communi uma [implícita] colisão, uma outra incompatibilidade entre democracia cristã e democracia de partidos. Será também por isto que os integralistas consideram frequentemente a data de 1820 [a Revolução Liberal] com o princípio do descalabro nacional, que culminaria , segundo Sardinha, “na aventura feliz da Rotunda”138, expressão simbólica da instauração da República. É de facto com o liberalismo que emergem os partidos políticos, eles próprio filhos do constitucionalismo trazido pelos ventos agitados e ferozes da velha Europa. Se atacam sem tréguas os partidos, causadores da ruína nacional, do esvaziamento dos cofres do Estado e promotores do cenário de instabilidade quase anárquico em que emerge a Pátria, os integralistas não deixam de se debruçar sobre outras organizações republicanas, nomeadamente sobre algumas que insistem em subverter o espírito literário nacional, como a Renascença Portuguesa, esse “já falido esboço de federalismo literário”, que não pretende senão “preceptorar a produção evidente das nossas letras com o falso e perigoso nacionalismo da sua teoria saudosista”. E, da mesma forma também a famosa Liga de Acção Nacional, considerada “individualista e protestante”, “fatalmente adversa à composição secular da nacionalidade” (por sustentar o regime democrático, entenda-se) e portanto fatalmente “votada ao insucesso”139. A denúncia de todas as instituições republicanas e democráticas poderia colocar um ponto final no estudo desta dimensão anti –democrática do Integralismo Lusitano. Mas não o poderemos fazer antes de tomar em consideração o lugar do Parlamento, sem dúvida a instituição central do regime democrático, no discurso integralista. Porque é nele [referimo-nos ao Parlamento] que se desenrola a vida política quotidiana, porque nele se movem os interesses e se inflamam os discursos partidários, e porque ele é agora o centro incontestável da vida jurídica nacional, o Integralismo Lusitano terá certamente, nesta matéria, uma palavra a dizer. Desde logo, como em geral o regime democrático, o Parlamento ( bem como a ideologia parlamentarista) é apresentado em situação de franca incompatibilidade, a comprovar pelas palavras de Sardinha ao invocar as “combinações equilibristas do parlamentarismo, invenção recente que a demografia e a história mostram ser apenas possível nas pequenas nações”140. O Parlamento enquanto centro de poder contraria toda a nossa tradição histórica, sendo filho do internacionalismo revolucionário que intenta enfraquecer a nossa pátria, enquanto pólo incansável de instabilidade e sobressalto político: nesta medida, a sua incompatibilidade com a história nacional ou (na expressão habitual de Sardinha) a «formação histórica da nacionalidade», torna-o desde logo inviável e (na justa medida desta inviabilidade) motivo de esperança para a doutrina integralista141. 138 A. Sardinha, Na Feira dos Mitos, […], op. cit., p. 109 139 A. Sardinha, A Prol do Comum, […], op. cit., pp. 6-7 140 A. Sardinha, Ao Princípio Era o Verbo, […], op. cit., p. 169 141 Gostaríamos aqui de introduzir uma nota que nos parece pertinente, apesar de ousada. Podemos notar, nesta mesma análise a que procedemos, o recurso constante ao argumento da incompatibilidade (se assim nos permitem chamar) como forma de inviabilizar determinadas teorias no âmbito da ciência política: vimo-lo em relação ao regime democrático, ao parlamentarismo e também ao individualismo.

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É também aqui atacado o excessivo poder criador do Parlamento, quer em termos jurídicos, quer em termos políticos. Para os integralistas, este poder parlamentar, agora o real polo de poder legislativo, e a comprovação empírica do centralismo absoluto que caracteriza o estado democrático. Sob a cobertura de uma alegada representação nacional, o Parlamento dota-se a si mesmo de uma força e de uma legitimidade que a nação [segundo o mesmo discurso, evidentemente] nunca lhe deu. Isto porque, repare-se, o parlamentarismo acaba, de uma ou outra forma, por ser o corolário de toda uma série de aspectos já denegridos no regime democrático: o sufrágio universal, o individualismo excessivo, o partidarismo, entre outros. Isto é, no parlamento opera-se, vive-se, no terreno, o regime democrático. É a expressão concreta, o rosto visível de uma teoria (a democracia) mal construída e assente sob falsos dogmas. E deveremos aqui notar que, mais uma vez, não é apenas a questão do regime (nem porventura sobretudo) que determina o ódio ao Parlamento sentido no discurso integralista. É o símbolo de diversidade e pluralismo, associados mentalmente à desordem e à instabilidade, e assim conotados com a ruína em que se encontra a pátria. De tal forma assim é que, como vimos, foi evidente o apoio do Integralismo Lusitano à experiência sidonista, primeiro ensaio de um presidencialismo autoritário em Portugal: não o apoiaram pela figura carismática de Sidónio Pais, nem sequer pela esperança acalentada na restauração da monarquia, mas pelo enfraquecimento político do Parlamento enquanto centro de poder. E o próprio Luís de Almeida Braga assumi-lo-á, em palavras que de seguida trascrevemos: “ A influência do Integralismo Lusitano na nossa adormentada sociedade é já mais que manifesta. O descrédito do Parlamento acentua-se de hora para hora, até nos espíritos menos preocupados, não tanto pela culpa dos homens mas, sobretudo Compreendemos também que esta argumentação se integra no espírito da metodologia científica da época, como tivemos oportunidade de explicar, na necessidade de uma justificação coerente e sistemática para as asserções produzidas. Não devemos, no entanto, deixar de referir as limitações desse mesmo argumento no discurso. De facto, ao utilizar, quase até à saturação, este tipo de argumentação, o programa integralista mergulha progressivamente numa espécie de conservadorismo imóvel, um historicismo estático que leva a ignorar ou desprezar em todas e quaisquer circunstâncias as inovações produzidas, neste caso, no âmbito da teoria política (até em relação à Carta Constitucional, Sardinha recorrerá a este argumento, a contar pelas seguintes palavras: «o divórcio da natureza histórica da nacionalidade com os algebrismos inertes da Carta», em Ao Princípio …, […], op. cit., p. 170). Seria aceitável uma proposta de caminho assente nos grandes pilares da nossa formação histórica nacional. O que já nos parece de duvidosa utilidade é o recurso permanente a esta para invalidar novas formas de vitalizar [politicamente] essa mesma nacionalidade, que desta forma assumiria um carácter dinâmico., mais apropriado à evolução dos tempos. Mais uma vez insistimos em dizer que não colocamos em causa a verdade das convicções aqui expressas: o que pretendemos demonstrar é, por um lado, as limitações científicas deste argumento (do género “tudo o que é, apenas é bom se igual a tudo o que foi”); por outro, apontar para a duvidosa eficácia deste argumento em termos políticos, pelas limitações evidentes ( a nosso ver exageradas) que impõe aos conceitos de criação, liberdade e vontade humanas.

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Pelo vício estrutural da instituição. Sem nós, sem o nosso forte apostolado contra – revolucionário, não seria possível a tentativa presidencialista, já inviável.”142

Trata-se, assim, de um “vício estrutural”, de um anátema objectivo que condensa vários aspectos negativos do regime político que em ritmo quotidiano, descredibiliza a Pátria no exterior e a enfraquece inevitavelmente no interior, numa violação constante da “ideia directriz da nacionalidade” que assim se encontra, não no crepúsculo “mas em eclipse demorado”143. Não esqueçamos, agora, que é também o Parlamento o novo centro da vida jurídica nacional, o principal poder legislativo [situamo-nos, obviamente, no período da 1º República, antes do golpe militar de 28 de Maio que instituiu a ditadura] e como tal o responsável pela lei fundamental. Nele se procede, assim, a “uma nova fundação, ou uma renovação do chamado pacto ou «contrato social», no sentido da escola de direito natural e de Rosseau”, pelo que a sua lei fundamental exprime “não um ditame da história mas da razão individual”. Desta forma, a lei fundamental [produto da acção do parlamento] confunde-se com todas as outras constituições modernas, todas elas “ em maior ou menor grau, idealistas e revolucionárias”144. Não nos causa espanto este discurso, até porque ele acompanha desde sempre o imaginário do Integralismo Lusitano, desde as famosas Conferências da Liga Naval, no distante ano de 1915. Já aí, A. Xavier Cordeiro, numa apresentação intitulada “Direito e Instituições”, afirmava: “(…) Instala-se o Parlamento – a pior gafeira de que têm sofrido as nações latinas – e aí se cantam, à desgarrada, intermináveis ódes ao Progresso e à Liberdade, que redimem os povos… Sob as abóbadas do velho mosteiro de S. Bento, afeitas ao passado silêncio disciplinar da Ordem, os reformadores arrasam o Passado, berrando os lugares comuns da revolução e descarregando, em murros patrióticos sob a passividade muda das carteiras, todo o bravo lirismo redentor, que lhe acende as almas… É que cada um desses senhores consubstancia e representa a Soberania Nacional, que é uma mandante suficiente vaga e abstracta para lhes pedir contas da destruição dos móveis…e do resto.(…) (…)O período constitucionalista, considerado em conjunto, é um vasto erro de psicologia política, imposto pela mediocridade de uma reduzida minoria eivada de artificialismos doutrinários, a uma inumerável maioria que, num misoneísmo de instinto, defendia os ditames da História, da Tradição e da Raça. (…) (…) A centralização político – administrativa assume proporções de apoplexia e o país transforma-se definitivamente num vasto feudo de meia dúzia de senhores que, condensando em si um despotismo e arrogância de que a nossa história não conhece precedentes, apitam e clamam contra o despotismo, à semelhança de certos ladrões que, na fuga, clamam e apitam contra o ladrão, procurando assim iludir as atenções de quem corre sobre eles.” 145

142 A. Sardinha, A Prol do comum, […], op. cit., p. 10 143 A. Sardinha, Purgatório de Ideias, […], op. cit., p. 144 144 Ver Cabral de Moncada, “Origens do Moderno Direito Português”, in Integralismo Lusitano, Vol. I, […], op. cit., p. 543

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É- nos portanto divulgado o parlamentarismo como um regime de irresponsabilidade geral, em que, sendo o Parlamento um órgão plural (na realidade muito pouco solidário) não é possível aferir responsabilidades concretas pelas decisões políticas tomadas. A este facto, particularmente grave num estado que se quer regulado pelo Direito, junta-se a superficialidade e o imediatismo dessas mesmas decisões, onde na grande maioria das vezes não tem lugar um sério debate nacional e uma justa reflexão acerca dos problemas sobre os quais a instituição se debruça. É por isso que o regime parlamentar é, no discurso integralista, altamente conotado com a ideia de futilidade, considerado um “regime de impressões momentâneas, um regime e opinião. E, sendo a opinião de si mesmo variável, flutuante, apaixonada, superficial, o regime que ela reflecte será forçosamente incompetente e estéril”146. E, consequência inevitável disto mesmo, o interesse nacional, as legítimas aspirações dos portugueses ficam gravemente lesadas, ignoradas mesmo. Qualquer projecto de obra nacional é uma impossibilidade de facto, na medida em que “num país parlamentarista não poderá haver obra duradoira. O trabalho fecundo e hábil dum governo é metodicamente destruído por aquele que se lhe segue”147. Em última análise, o Parlamento é expressão da corrente de forças partidárias, vivendo ao sabor destas. Como poderá ser então esta instituição o centro de poder político e legislativo? Como poderão estar as decisões fundamentais da Pátria dependentes dos contextos eleitorais, sob o vento fugaz das maiorias que a cada momento se obtém nas urnas? Que garantias de transparência, eficácia e valor oferece uma instituição que nestes moldes se compõe? Altamente relacionado com esta matéria está, mais uma vez, a questão da representatividade. Inegavelmente, o Parlamento que os integralistas elegeram como alvo político é o Parlamento que resulta do sufrágio universal, dos círculos eleitorais que, por região (depois por freguesia) se apresentam em listas partidárias. E desta forma retomam-se, como em estrutura circular, dois pontos que já antes frisámos: por um lado, a supremacia das orientações partidárias sob os interesses regionais, visto os deputados organizarem-se em grandes blocos partidários; por outro lado, a duvidosa independência que oferecem os deputados eleitos, que, para além de um regime de irresponsabilidade que conota a estrutura parlamentar, tenderão sempre a defender antes de mais os seus próprios eleitos. Não oferece dúvidas que, também neste ponto, uma certa concepção antropológica negativista ou pessimista volta a exercer forte influência, num fio de raciocínio que leva a concluir a incapacidade dos deputados em assegurar um clima de honestidade, independência e intransigência na defesa dos interesses nacionais. As palavras de Luís de Almeida Braga serão extremamente elucidativas quanto a isto mesmo, pelo que as transcrevemos de seguida, acompanhando este propósito de um sincero pedido de desculpas pela constante e exaustiva reprodução de textos, que, no entanto, temos considerado útil e oportuna. “Os defeitos do parlamentarismo são iguais em todos os tempos e em toda a parte. (…).

145 A. Xavier Cordeiro, “Direito e Instituições” in A Questão Ibérica, […], op. cit. pp. 231 e segs. 146 Luís de Almeida Braga, Sob o Pendão Real, […], op. cit., p. 111

147 Id., Ibid., (…)

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Os deputados sofrem sempre, aqui e ali, influência do meio. Ainda que um deputado desejasse deveras exprimir os votos da Nação, a disciplina partidária obrigá-lo-ia logo a manifestar apenas as aspirações do seu partido.(…) Os deputados são sobretudo incompetentes porque muitas dessas questões dizem respeito ao interesse geral do país e o sentimento do interesse nacional é neles alterado em virtude de uma qualidade a todos comum, que os leva a preocuparem-se primeiramente com o interesse próprio, particular, porque dele depende, em grande parte, sua melhor fortuna e descanso. É assim que, insensivelmente, pela mísera condição humana, nos deputados a ideia de partido se torna superior à ideia de Pátria. (…) Dir-se-á: o deputado é responsável perante os seus eleitores, a quem se permite castigá-lo deixando de o reeleger. Mas o deputado, individualmente, pode sempre responder que não é responsável pelos actos do Parlamento e que, se tal lei foi votada, é dos outros a culpa. E assim, quanto mais procurem as responsabilidades, mais elas se assemelham à teia lendária, nunca se lhes encontrando o termo. É o Parlamento em globo que é soberano; é, pois, Parlamento em globo que devia ser responsável, e que, no entanto, o não é.”148

Ora, se o mito da representatividade parlamentar, expressão da sociedade, parece cumprir, de imediato, o ideal democrático da participação popular nos centros de poder (ancorando-se assim na expressão de Lincoln, “o governo do povo, pelo povo e para o povo”), a realidade, a praxis política mostra-nos que este sistema apenas “inventa a tirania absurda das clientelas e abastece com o mais abusivo anonimato, o incomensurável polvo da centralização”, num robustecimento constante e exagerado do aparelho da administração central, ao qual Sardinha passa a apelidar de “Estado todo-poderoso, metafísico, impessoal.”149 Como anteriormente vimos, a este sistema opõe o Integralismo a representatividade orgânica, modelada não segundo os indivíduos (atomisticamente considerados) mas segundo os reais grupos existentes na sociedade, eles que precedem o próprio indivíduo e o acolhem depois no seu desenvolvimento. De resto, a atitude está em tudo integrada na concepção corporativa do cosmos social por eles preconizada. Mas a questão, ao contrário do que possa parecer, não é apenas esta. A repulsa da estrutura parlamentar prende-se igualmente com um paradoxo incomportável, que Hipólito Raposos soube habilmente explorar. Perante a inexistência de um princípio estável que suporte, de forma estável e em cada momento, a nacionalidade e a independência, [que seria, segundo os integralistas, o princípio monárquico] também estas estão sujeitas à livre deliberação da Assembleia, uma vez que, “na concepção democrática, a nação não é um todo orgânico, é um ajuntamento de homens e de interesses, uma sociedade anónima em que a assembleia geral decide em cada momento do destino a dar ao património social”. Apontando mais uma vez o perigo ibérico, ameaçado pelo estrangeiro do interior, o Integralismo reforça agora este perigo baseando-se na própria estrutura parlamentarista do nosso regime, aferindo, nas palavras [exageradas no nosso entender] de Hipólito Raposo. Que “se um parlamento resolver apresentar hoje à sociedade das nações150 a demissão de um povo

148 Cfr. Luís de Almeida Braga, Sob o Pendão Real, […], op. cit., pp. 218 – 224 149 A. Sardinha, Glossário dos Tempos, […], op. cit., p. 21

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livre, esse país, na lógica democrática, teria de passar a ser colónia de outro, pois nenhum poder legal poderia opor-se a tal decisão, condenando um país á independência.”151

Eram estes os principais terrenos de combate, onde o Integralismo Lusitano se multiplicava em esforços, sem dúvida marcados por um heroísmo e por uma persistência fora do vulgar, contra a estrutura democrática do regime republicano. De uma forma mais ou menos exaustiva, esperamos ter explorado as várias vertentes que esta dimensão específica exigia a um estudo que se quer rigoroso e completo. Queremos deixar aqui bem explícita uma nota, respondendo a uma questão que deve já povoar o espírito de todos os leitores nesta fase. Não se julgue de forma alguma que ignorámos a famosa Questão do Regime bem como a consequente vertente monárquica do Integralismo Lusitano. E mesmo sabendo que a restauração monárquica não constituía a finalidade mas o meio de alcançar um objectivo superior (a restauração de toda uma estrutura orgânica capaz de restaurar a nação – e onde a monarquia se situava como apenas mais um elemento, apesar de indispensável - ), não poderíamos aqui omitir um assunto de tal importância.

Temos consciência da centralidade deste elemento no âmbito do estudo que aqui efectuamos : afinal, que abordagem política poderá ser feita sem considerar, como factor de unificação, a questão do regime político vigente, ele próprio anterior a todas as outras dimensões que analisámos?

A resposta damo-la em plena concordância com os propósitos desta empresa, desde o início enunciados. Vamos precisar: dissemos – e reiteramos – que este poderá muito bem ser considerado uma espécie de ensaio introdutório com uma finalidade maior: a elaboração de uma teoria jurídica presente no discurso integralista. Claro que a questão do regime se situa em grande medida no universo da ciência política e muito contribuiria para enriquecer um trabalho deste género. Confessamos aqui que também assim nos pareceu, de tal modo que projectámos o primeiro esboço de um capítulo sobre esta mesma matéria. Mas aqui (muito especificamente em relação ao Integralismo) notámos rapidamente que uma série de questões jurídicas sobressaem por entre as questões políticas, especialmente no domínio do Direito Constitucional: percebemos isso mesmo quando constatamos a aversão dos integralistas à Carta Constitucional de 1826, promulgada por D. Pedro e mandada jurar a 29 de Abril desse mesmo ano. De facto, o desenrolar desta questão desponta uma série de itens que de forma muito mais rica e integrada deverão ser analisadas numa abordagem predominantemente jurídica. Cremos por isso que o empobrecimento que poderá resultar ao presente projecto pela ausência desta temática, em muito será superado pela riqueza com que outro qualquer estudo será presenteado. É apenas no seguimento deste raciocínio que optámos por não integrar aqui tão aliciante assunto, pretendendo por um lado melhor sistematizar o nosso estudo (e os conteúdos nele patenteados) e por outro vincar o nosso propósito de nos dedicarmos maioritariamente ao domínio político.

150 A Sociedade das Nações representou uma estrutura de várias nações, tendo sido por isso uma espécie de primeiro ensaio daquilo que seria a Organização das Nações Unidas (ONU). Porém, a instabilidade sentida no primeiro quarto do século XX, em termos de cenário internacional, bem como a ascensão ao poder de organizações nacionalistas em vários países da Europa ditaram o seu fracasso enquanto instrumento de concertação das nações. 151 Cfr. Hipólito Raposo, A Reconquista das Liberdades, […], op. cit., p. 35

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a uma segunda fase, porventura mais próxima do sonho que nos tem movido. De resto, confirmamos de novo que desenvolvemos já um esboço ( onde constam alguns dos tópicos mais importantes) acerca desta matéria, pelo que facilmente a integraríamos no presente texto. Mas não poderíamos terminar aqui. E não poderíamos fazê-lo porque, mais uma vez, enche-nos a obsessão permanente de ser justos e objectivos, ao mesmo tempo que pretendemos ser completos e rigorosos. Por isso, se antes ousámos apresentar o pessimismo antropológico do Integralismo Lusitano como um dos sustentáculos do seu programa político (porque foi sobre ele que nos debruçámos), não hesitamos agora em expor tudo aquilo que no discurso integralista nos surge como factor de esperança, confiança e expectativa, não obstante as adversidades históricas enfrentadas, algumas das quais já descritas. Consideramos por isso, no término desta fase, em justiça [assim o acreditamos] à instituição em análise, ser este mesmo programa uma verdadeira fórmula de optimismo, contra tudo aquilo que um olhar superficial sobre este mesmo objecto poderia indicar. Há toda uma luz de esperança que brota do olhar sofredor de um movimento que a História insistirá em derrotar, pois mesmo quando o rumo dos acontecimentos (para bem ou para mal, o leitor o julgará) se distanciar cada vez mais do seu programa político, a hora não será de desistência ou abandono. Em todas as nossas pesquisas nunca deparamos com tal vocabulário. Mesmo aí a sua fé inabalável num mundo determinado segundo os cânones do tradicionalismo não perecerá, antes reforçando-se nas águas turvas da dor e do sofrimento, numa clara demonstração das suas raízes cristãs.

Esperamos, como sempre o temos feito, corroborar de seguida o que aqui deixamos escrito, constituindo esta a matéria para a última etapa do nosso percurso. 4. INTEGRALISMO LUSITANO: UMA FÓRMULA POLÍTICA DE ESPERANÇA

Desde já uma nota: a esperança de que falamos não anula de forma alguma um

pensamento realista, capaz de analisar com serenidade a realidade envolvente. Neste ponto, são especialmente explícitas as palavras de Sardinha quando refere que “ a nova ordem, a ordem por vir não brotará dum jacto das entranhas enfermas da sociedade, tal como Minerva, armada de casco e lança, brotou da cabeça de Júpiter. Só cérebros simplistas acreditarão na possibilidade duma mutação rápida de cenário, como num lance aparatoso de mágica” 152. A consciência de que as mutações pretendidas não seriam espontâneas nem imediatas, confere ao Integralismo um pensamento amadurecido e coerente, ao mesmo tempo que lhe oferece garantias de credibilidade.

Por isso, esta primeira advertência deixa-nos preparados para uma expectativa que descobre progressivamente os seus fundamentos, certificado da sua própria viabilidade. Isto é, falamos de uma esperança que surge neste discurso em plena harmonia com o seu fio condutor e com os restantes conteúdos, dotada de uma estrutura básica de racionalidade.

Era este aliás o propósito do Integralismo Lusitano, expresso por Pequito 152 Cfr. António Sardinha, A Prol do Comum, […], op. cit., pp. 283 - 284

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Rebelo, ao incentivar desta forma os soldados integralistas: “ entremos pois, ousadamente, na floresta espessa do mundo moderno, tentando uma síntese das suas grandezas e das suas misérias, e procurando ver-lhe, debaixo da agitação superficial, a alma escondida e profunda e os sinais de uma nobre vocação no drama dos séculos”.153 Portanto, o espírito científico, a tentativa de sistematização e compreensão também aqui se manifesta, num esforço de chegar mais longe daquilo que as intuições superficiais nos poderiam levar. Gostaríamos de, apoiando-nos ainda no mesmo autor, arrumar esta fase do nosso trabalho em dois sentidos distintos: por um lado a análise [objectiva e científica] das linhas gerais do mundo moderno; por outro lado, as razões de esperança que, apesar de tudo, emanam e subsistem neste mesmo mundo. Sigamos agora a análise feita no mesmo texto que acabámos de citar. “(…) que vemos nós? Os caminhos tradicionais, as velhas linhas do humano tráfego, são substituídas pelos roteiros em recta, que desconhecem os obstáculos, como que suprimindo o Mar pelo avião que a tudo sobrepaira, a embriaguez da velocidade a embebedar os homens na terra, na água, no próprio céu; uma igual vertigem parece ter atingido as riquezas, que se tornaram circulatórias e dinâmicas, como se tivesse perdido toda a preponderância a sólida e educadora riqueza agrária, princípio de estatalidade social; nos costumes impõe-se uma forte tendência de colectivização, devassada a vida familiar pela habitação comum, regulados os hábitos pela moda tirânica, deprimentemente escravizados o pensamento, a palavra, o gosto pelo cinema, o gramofone, o sem – fios, a imprensa; e a colectivização combina-se com a universalização, pois para formas universais tendem a guerra, a finança imperialista, a influência espiritual (…). Sendo o mundo social uma combinação de virtude, de força e de trabalho, nessa trindade augusta do Espírito, da Ordem e da Riqueza, a crise universal, a doença geral dos tempos modernos resume-se num excesso de mobilidade, que perturba a ordem, num excesso de materialidade, que deprime o espírito, num excesso de sumptuosidade, ou de sumptuaridade, que desnatura a economia (…).”154

Nada de novo na análise feita a este mundo moderno, caracterizado, em breves palavras, na crença ilusória no Progresso Indefinido, esse dogma terrivelmente odiado ( e combatido) pelo programa integralista. Repare-se, no entanto, que não se resume tudo a uma descrição analítica, acompanhando-se esta da contraposição dos efeitos [ quase sempre nefastos] dos elementos identificados na identidade desta época e deste mundo. Será esta mesma serenidade mental e uma impressionante honestidade intelectual que permitirá, ao mesmo tempo, identificar outros momentos da história nacional onde “o horizonte se mostrava mais carregado”155, em eram bem mais graves as dificuldades da pátria. Recorde-se aquando do Pacto de Paris ou as dificuldades incomensuráveis da Grande Guerra, por exemplo. Nada de dramatismos, portanto, auxiliados por uma mesquinha habilidade política instrumentalizada por objectivos de

153 Cfr. José Pequito Rebelo, “Uma Fórmula de optimismo moderno” in Integralismo Lusitano, Vol. I, […], op. cit., p. 20 154 Id., Ibid., p. 21 e pp. 24 – 25 155 António Sardinha, “Mais Longe Ainda” in A Prol do Comum, […], op. cit., p. 253

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estratégias de poder ou de mediatização. Seremos absolutamente sinceros: segundo o nosso ponto de vista, e com os materiais disponíveis, não nos pareceu haver qualquer tentativa de dramatização ou mesmo deturpação da verdade dos factos: o que presenciamos, não obstante o que aqui foi dito, é uma perspectiva muito específica, moldada por cânones muito diversos daqueles em que assenta o mundo moderno, pelo que se justifica desde já todo um panorama de angústia, essa sim, quase omnipresente na grande maioria das obras que estudámos. Neste ponto, recorremos às palavras de Hipólito Raposo, sem dúvida paradigmáticas: “Como em perigo de incêndio ou maré de naufrágio, salta-se para uma floresta em chamas ou para um abismo rugidor. Não importa. Com a cegueira raivosa dos olhos da carne, apaga-se ou obscurece-se a inteligência, e o caminho do futuro abre-se no regresso ao gregarismo primário onde se anulam milénios de nobres aspirações de pensamento e de beleza moral. (…) As nossas escolas e oficinas vão-se tornando seminários de petroleiros, células de energia destruidora ante a complacência ou a passividade do poder Público que tem o encargo da conservação e defesa social. Com professores comunistas e acratas, seria insensatez esperar discípulos exemplares e cidadãos patriotas. Nas escuras lojas e pelas doces alfombras dos campos, já ecoa sinistramente um grito, até hoje nunca soado em terra e língua nossa: - Morra Portugal! Assim o povo vai perdendo a ventura de cantar ao sol e à chuva, com a voz enrouquecida de clamar vingança e rogar pragas.” 156 Mas esta profunda angústia não nos conduz a um tipo de discurso falacioso ou manipulador, destinado a atrair seguidores desiludidos ou desesperados: o que se pretende é manifestar um sentimento de facto vivido com grande intensidade por alguns espíritos altamente nacionalistas e tradicionalistas que assistiam à ruína de muitos dos alicerces do mundo antigo ou da gloriosa Monarquia de Quatrocentos, doce lembrança na memória do Integralismo Lusitano. Mas então donde brota o sentimento de esperança que afirmamos existir? Que fundamentos tem e que sentido adquire um certeza tão firme num mundo melhor que há-de nascer das espessas trevas em que está envolta a pátria? Cabe-nos fazer de antemão uma advertência: esta expectativa nada tem que ver com qualquer espécie de messianismo político, muito menos o messianismo partidário, muito presente no imaginário popular durante a fracassada 1º República. mas não se tratará também, e António Sardinha (como outros) muitas vezes o disse, de um messianismo personalizado, em que um Salvador da Pátria surgiria dos escombros da Nação para a reerguer. Recordemos, num ponto em que muitas vezes insistimos, que o Integralismo Lusitano não invocava um Rei mas um Princípio, ele sim capaz de reestruturar a pátria, independente e alheio aos condicionalismos temporais da instável realidade humana. Em última análise, a figura do Rei não se confundia nem se identificava integralmente com o Princípio Monárquico. Mas, se numa figura não assentava a sua esperança, não era também na acção de qualquer 156 Cfr, Hipólito Raposo, “Lusitanidade” in “Integralismo Lusitano, Vol. II, […], op. cit., pp. 220 - 221

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partido político que o Integralismo Lusitano sustentava o seu sonho: de resto, a seu anti – partidarismo responde neste mesmo sentido, sem necessidade de qualquer outra justificação. Porém, em harmonia com o seu próprio programa político, os integralistas souberam depositar a esperança em vários movimentos ou tendências políticas, em geral com carácter autoritário e anti – democrático, capazes de lançar as bases daquilo que seria uma verdadeira revolução política, um insistente acto de ruptura com o liberalismo. Acreditavam, desta forma, servir, dentro da possibilidade que as circunstâncias permitiam, a sua causa, que progressivamente se afirmaria com os restantes ideais: de resto, apenas ela [a causa integralista, entenda-se] estava em harmonia com as imutáveis leis da vida157. Será esta também a razão, como vimos, que levou os integralistas a apoiarem a tentativa presidencialista de Sidónio, em 1917, não obstante a manutenção do regime republicano. E será a mesma razão a determinar, escândalo para a mentalidade contemporânea, o regozijo do Integralismo com a subida ao poder de Mussolini na Itália e de Primo de Rivera em Espanha. Mais: será nesta óptica que os integralistas considerarão o fascismo como um primeiro sinal do ressurgimento das nações contra os efeitos nefastos do liberalismo, da democracia e do bolchevismo. As afirmações que agora proferimos são particularmente graves, especialmente no ambiente político – ideológico em que hoje nos movemos na Europa. Como sempre dissemos não pretendemos aqui caluniar ou agredir, expelir ódios ou antigas querelas, mas apenas ilustrar com verdade as posições do Integralismo Lusitano, pelo que as palavras que se seguem confirmam o que aqui apresentamos: “Mais orgânico, mais inspirado nas razões claras do Ocidente, o ensaio governativo de Mussolini descobre-nos o lado positivo do fenómeno que, em termos opostos, a Rússia fornece à nossa meditação. É a morte da Democracia a que assistimos, é à vitória da sinceridade e do desassombro na arte de governar (…). De resto, é como o considera Mgr. Seipel. E caracterizando o eminente estadista e virtuoso sacerdote o sistema ditatorial que se experimenta mais ou menos em toda a parte contra os vícios e insuficiências da Democracia, eis como ele se pronuncia ainda: -«É esse regime (o da ditadura) um regime em que se substitui a vontade da maioria pela vontade de alguns homens de vontade e de energia…A ditadura não se suporta somente por medo, mas porque se sente a necessidade duma mão forte e se prefere o império duma vontade clara à tortuosidade duma democracia infrutuosa.” 158

E noutro momento proferia ainda António Sardinha as seguintes palavras: “ Retardada no andamento regular da sua aparição, a nossa revista, ao encerrar-se a segunda série, reconforta-se, para maiores caminhadas, com a vitória

157 De resto, este aspecto prende-se em grande medida com a concepção política do Integralismo Lusitano, já por nós abordada, quer na sua dimensão historicista quer objectivista, se é que assim a poderemos designar. Em todo o caso, o que queremos aqui aferir é a coerência desta posição com o programa que a sustenta. 158 António Sardinha, “Adiante, por Sobre os Cadáveres” in A Prol do Comum, […], op. cit., pp. 282 – 283

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de Mussolini. Enche-nos essa vitória de animadoras certezas, tanto mais que na vizinha Espanha um ditador se levanta também e com gentil bravura liberta a Realeza dos vergonhosos compromissos partidários que a diminuíam e manietavam. Quando enfileiramos com tão chamejante entusiasmo em torno da ideia dum Chefe, escusado é declarar que não nos subordinamos à simples imposição materialista de qualquer pretoriano, mordido de cesarite aguda. Saudamos no Chefe, - ou seja Rei, ou Ditador, o realizador necessário das aspirações de resgate já tão abertas na alma dos povos ocidentais, despertados, enfim, dum pesadelo trágico de cem anos. Deste modo, civil um, o outro militar, Primo de Rivera é bem irmão de Mussolini na mesma ânsia nobre que o impulsiona e conduz (…) (…) ergamos as mãos a Céu em sinal de gratidão, porque Deus não permitiu que as leis da vida continuassem transgredindo-se e que os povos, atirados para um suicídio colectivo, não arrepiassem a tempo na rampa inglória por onde rolavam.”159 É importante que aqui consigamos construir um juízo sereno, imparcial e coerente acerca deste aplauso, desta anuência da nossa instituição aos movimentos fascistas e ditatoriais em voga na Europa dos anos 20 e 30. Em primeiro lugar, é importante não esquecermos o entusiasmo geral provocado nas massas, especialmente entre a juventude, pelo esplendor e pela fantasia, auxiliados pelo sonho e pelo mito, suscitados pelas grandes encenações e pelas promessas de ouro do fascismo. Depois, devemos também ter em conta que num período de conturbação geral em que se vivia, a autoridade e a metáfora da “mão de ferro” são aspirações sólidas das populações, que viram na ditadura fascista o sem mais pleno e fiel cumprimento. Finalmente, todos sabemos que os terríveis horrores provocados por estes regimes não tinham ainda entrado em marcha, nomeadamente no que diz respeito ao regime nazi. Especificamente em relação ao Integralismo Lusitano devemos ainda acrescentar um dado, confirmado pelas pesquisas que efectuámos: o agrado sentido pelo movimento aquando a subida de Adolf Hitler e do Partido Nacional - Socialista (Partido Nazi) ao poder em 1933, incrementado ainda pelo sentimento anti – semita muito presente nas hostes do Integralismo.160 Em todo o caso, serve esta explicação para nos apontar uma primeira luz pressentida, sementeira de esperança sentida “no meio da turbação sanguinária dos dias e dos anos” 161. Mas, se desta forma o podemos dizer, esta esperança tem também ela todo um fundamento histórico, na medida em que descobre nos grandes feitos da história nacional os motivos de um futuro esplendoroso, prolongando [de certa forma] o mito sebástico. É por isso que as obras de muitos dos grandes mentores do Integralismo são verdadeiros documentários históricos, outros dissertações baseadas e sustentadas em acontecimentos históricos de relevo. E tanto assim é que o último esboço de Sardinha para alguma obra, antes da sua morte prematura, era afinal o projecto para uma inovadora História de Portugal, projecto de grande envergadura que não chegou sequer a ter início. Depois, como não poderia deixar de ser, o seu fervoroso catolicismo alimenta esse mesmo lume, e o exemplo dos apóstolos recorda aos soldados integralistas a 159 António Sardinha, “Mais Longe Ainda”, in A Prol do Comum, […] op. cit., pp. 256 – 257 160 Cfr. António Sardinha, A Prol do Comum, […], op. cit., p. 49; Ver ainda Manuel Braga da Cruz, Monárquicos… […], op.cit., pp. 38 e segs. 161 Cfr. Hipólito Raposo, “Lusitanidade”, […], op. cit., p. 218

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renúncia e os sacrifícios do tempo dos evangelhos, ao mesmo tempo que constituí um excelente exemplo de persistência e virtude. Atentemos mais uma vez nas palavras de Hipólito Raposo: (…) Mas de todos os inimigos e perseguidores, duas oposições se nos têm apresentado até agora, e Deus sabe até quando, como mais pertinazes e invencíveis: a da ignorância com que nos acusam e a da má fé com que nos julga. Contra elas só confiamos na omnipotência do espírito, na virtude eterna da verdade. Na posição que criou e na certeza de vitória que o anima, desde os primeiros passos, o Integralismo Lusitano foi e tem de continuar a ser uma grande negação para vir a tornar-se, na luta e no triunfo, uma grande afirmação nacional. Proclamando esta convicção que nutre e afervora o nosso apostolado, não nos apresentámos jamais vestidos com a túnica de salvadores.”162

É o exemplo de Cristo e dos Apóstolos a grande força da caminhada integralista, mesmo que a longa caminhada da cruz se continue a impor, hoje como ontem. É convicção de defenderem essa verdade que consideravam objectivamente encerrada na Tradição que os continuará a mover, tal como S. Paulo, no “bom combate”. Da mesma forma pensa Luís de Almeida Braga que fala, em relação às nações mediterrâneas, do seu “renascimento político pelo fascismo, o seu renascimento espiritual pela instauração do reino social de Cristo”.163

Mas sem dúvida que a grande luz que brilha no nevoeiro do tempo presente é, tal como os nossos antepassados, o pressentimento de uma grande missão nacional, de estar Portugal destinado a ocupar um glorioso lugar no mundo. É indubitável, surge-nos neste discurso uma nítida fórmula de esperança, capaz de reanimar os espíritos desanimados, aqueles que desistiram na beira do caminho. É bem verdade que a miséria profunda em que se encontra o povo português convida a abandonar toda a antiga confiança nos desígnios divinos, a aceitar com alegria o sofrimento cristão em participar na obra da criação, nomeadamente através do trabalho. E não deixa de o ser menos a exponencial crise de valores do mundo moderno, em trâmites que foram já aqui enunciados, por vezes com palavras dos próprios autores. Mas eis que, mesmo no término desta consciência, deste espírito analítico, surge a mesma voz que, com a serenidade própria da sabedoria, lembra que “o mundo moderno atenuará pouco a pouco o seu excesso de mobilidade, curar-se-á da vertigem da instabilidade, do delírio da velocidade…e desses excessos se desgostará o homem novo, porque ele tem, como vimos, uma forte consciência ético – nacional, e tanto o sentimento de sangue, como a ideia de pátria são duas raízes que o ligam de um lado à família e do outro lado à casa, à terra.” Voz que consegue reconhecer, enfim, que “o homem novo, com o seu amor e energia, acabará por conquistar essa plenitude de vida que só existe na regra da moderação, do equilíbrio e da saúde moral.”164

Exemplos de réstias de esperança que supõe sempre, invariavelmente, esse amor impressionante que os integralistas mostravam ter à terra mãe, independente- mente dos projectos que para ela tinham. A firmeza destes e a sua convicção de que seriam o rumo certo, o único capaz de nos reconduzir às glórias de outrora, são a prova 162 Cfr. Hipólito Raposo, Reconquista das Liberdades, […]. op. cit., p. 23 163 Luís de Almeida Braga, Terra Portuguesa, […], op. cit., p 70 164 Pequito Rebelo, “Uma Fórmula de Optimismo Moderno”, […], op. cit., p. 25 e segs.

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desse mesmo amor. Um amor que não se deixa enganar, nem vive permanentemente e exclusivamente no paraíso idílico dos mitos: tem, sim, um sólida consciência de uma vocação que não poderemos, enquanto nação, deixar de assumir, mas que só o podemos fazer se abandonarmos a tempo o barco turbulento do mundo moderno, bem como as suas inovações do liberalismo e da democracia, ou do agressivo capitalismo mundial. É afinal o significado das belíssimas palavras de Hipólito Raposo, que não poderiam deixar de enriquecer e embelezar o nosso trabalho na sua recta final. “Na catedral de sonho em que a nossa juventude viu iluminados os altares votivos da Pátria, a missão de Portugal, inscrita na flâmula do acrotério, transcendia muito os desígnios da ordem policial nas ruas, da sanidade monetária, com dívidas pagas e saldos para conta nova. Quando , em meio da turbação sanguinária dos dias e dos anos, ou dentro dos cárceres, encetámos a sementeira da Esperança, queríamos que ao florescer o renovo, a Nação guardasse fidelidade ao seu destino, alevantando-se da sua miséria de Lázaro, para retomar consciência dos seus maiores deveres, com sentido vivo e concreto do que agora chamaremos Lusitanidade. Eco e reflexo do passado na memória de hoje, imperativo da inteligência, estímulo da acção realizadora, bem sentimos que por essa virtude se sublimou a alma portuguesa, vencendo na amplidão do orbe a plenitude do tempo. Por ela se pode traduzir a trasnfiguração de Portugal em terras de além – mar, ao repetir-se, por nova criação, a fisionomia dos nossos vilares, ermidas e urbes, em gentes de outra fala e diversa crença. Pelo milagre da Lusitanidade, atravessou continentes e mares a trajectória civilizadora deste povo que, ardendo sempre em clarões de fé, sofreu mais do que todos a sede do Infinito; por ela, a Nação iluminou de fulgor espiritual o mapa do mundo, ganhando nos juízos da consciência universal, o arco do triunfo da sua imperial grandeza (…). Se pelo influxo da sua vocação imperatória, a velha Lusitânia vem repetindo o desígnio de Roma por sobre a majestade e a miséria de vinte séculos, cumpre-lhe acatar o mandato dessa predestinação, com as obrigações inerentes a um poder livre, forte e ousado, sinceramente rendido à certeza de que o melhor meio de continuar o passado é consagrar os deveres da moral e da honra na perseverança da fé nacional, e não esquecer os mais altos exemplos de serviços ao Rei e à Grei.”165

Não há pois outro caminho: se Portugal quer realmente abandonar os tumultos permanentes e lançar-se de novo nas grandes obras que o levaram ao topo, então apenas o programa integralista, depositário dessa Verdade Portuguesa, o pode conduzir. Apenas daqui surgirão as grandes obras, os grandes feitos da ciência e da tecnologia mas também os mais puros tesouros do espírito, todos eles sob o signo da Lusitânia. A grande diferença é que agora todas essas obras não serão mais produto do insensato orgulho humano, nem tão pouco do individualismo dispersivo que caracterizara o liberalismo. Não mais se conduzirá o homem aos caminhos da dúvida,

165 Hipólito Raposo, “Lusitanidade”, […], op. cit., pp. 218 – 219

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do ateísmo e do materialismo. O império e a grandeza do povo Lusitano serão também vitória da humildade e do cristianismo, donde mais uma vez parece o Integralismo retirar essa raiz de pessimismo antropológico. E porquê? “Porque horizontes mais amplos o convidam para o alto e porque no Último Dia,- ó fragilidade das coisas que amamos!, - desde o Parthenon a Nossa Senhora de Chartres, desde a Capela Sixtina, à célebre missa em ré, tudo, tudo, tudo será inexoravelmente queimado!”.166

166 Cfr. António Sardinha, À Sombra dos Pórticos, […], op. cit., p. 304

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Damos assim por encerrada a primeira parte do nosso estudo, a construção de uma teoria política do Integralismo Lusitano. Cremos por isso ter cumprido com sucesso os objectivos a que de início nos propusemos e que tivemos, aliás, oportunidade de explicar logo no capítulo introdutório. Reiteramos aqui as nossas desculpas se, em determinadas ocasiões, fomos demasiado maçudos, porventura inoportunos em qualquer tipo de comentários feitos ou notas introduzidas. Se o fizemos foi sempre, invariavelmente, a julgar pela utilidade numa maior compreensão das temáticas abordadas. Será bom notar que muitos outros elementos poderiam ter integrado esta teoria política. O mundo político por detrás do discurso integralista é certamente um mar imenso, grande parte ainda por desbravar. O que aqui pretendemos fazer, aliás em coerência com o inicialmente anunciado, foi configurar um panorama genérico do programa político do Integralismo Lusitano, salientando os seus traços teóricos fundamentais. Nesse sentido, pretende este estudo ser um estímulo a novas produções científicas neste domínio, o que representará, não temos dúvidas, uma importante mais – valia para o desenvolvimento da história institucional portuguesa, da história política e, também, da história do direito, especialmente na primeira metade do século XX. Isto porque, como certamente terá ficado suficientemente claro, o Integralismo representou, enquanto corrente de pensamento político, uma raiz doutrinária importante daquilo que viria a ser a doutrina oficial do Estado Novo, ao mesmo tempo que a sua compreensão em termos institucionais ajuda a uma integração mais profunda do pensamento monárquico na história nacional contemporânea. Por tudo isto, e muito mais, estudar o Integralismo Lusitano vale a pena. Por tudo isto, estudar o Integralismo Lusitano é urgente. Esperamos em breve ter concluído a segunda parte deste projecto, que assentará na construção de uma teoria jurídica do Integralismo Lusitano. No essencial o mesmo método, a mesma estrutura, o mesmo entusiasmo e o mesmo empenho, apenas com um diferente objectivo. Cremos ser esta separação temática bastante salutar: não apenas em homenagem a uma compreensão mais sólida de cada uma destas áreas temáticas, mas também porque uma individualização de sectores – o político e o jurídico – possibilitará uma diferenciação e uma distanciação, fundamental de fazer, para que a importância de cada um deles – e a sua independência mútua – possa sobressair com naturalidade. De resto, o entusiasmo e uma mão cheia de boas intenções que nos estiveram subjacentes justificariam, por si só, a feitura deste estudo. A sua compensação é antes de mais o prazer de um desejo realizado, sobretudo se acompanhado de alguma utilidade para aqueles que se dedicam, ou que simplesmente se empenham, a compreender a nossa história e as nossas instituições Uma última nota, se ainda nos permite o exigente leitor. Não hesitámos em caracterizar os grandes protagonistas do Integralismo Lusitano, esses jovens recém formados, alguns ainda universitários, como uma geração fantástica. Fizemo-lo não porque subscrevemos o programa que a dada altura ousaram apresentar à Nação. Nem tão pouco pela formação universitária que adquiriram, quase todos provenientes das bancadas da Faculdade de Direito de Coimbra. Geração fantástica porque demonstraram, com a sua própria vida, a firmeza das suas convicções, com sacrifícios que se manifestaram (o caso de Pequito Rebelo, por exemplo, homem de grande fortuna pessoal, é paradigmático) nos vários domínios da sua vida pessoal. Geração fantástica porque perceberam o momento em que a dedicação

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à Nação exigia a sua actividade e a sua acção política, longe do comodismo dos discursos vagos da literatura. Geração fantástica pelo amor profundo que nutriam pelas Letras, pela cultura, pela arte, todas elas harmonizadas e orientadas para melhor servir a sua causa mais bela: a Pátria. Nesse sentido, que bonito seria que este trabalho, também ele de um jovem, fosse a homenagem, muito simples, a essa mesma geração de jovens que representam um exemplo vivo para a sua geração, também ela a crescer progressivamente no amor às causas que em todos os tempos nos uniram. É que somos a mesma geração de sonhadores, agora com outros horizontes, mas com a mesma força e o mesmo vigor com que outrora os nossos colegas ergueram, não sem incómodo suor, a bandeira integralista.

André Ventura Lisboa, 25 de Abril de 2003

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ANEXO I

O Integralismo como Doutrina Política

O fulcro da doutrina integralista é a doutrina do Estado. Na época em que surge o Integralismo Lusitano, era o Estado que se encontrava mais evidentemente em crise.

Crise que vinha muito de trás, desde que o Iluminismo pretendeu transfigurar as instituições e os homens concretos, fazendo daquelas e destes simples figurações acidentais de ideias perfeitas. Por isso se compreende que a primeira geração integralista, a de 1914, tenha exercido um esforço gigantesco e entusiástico no sentido de definir o poder político e a sua actividade própria.

Mas a crise do Estado era fruto duma crise muito mais profunda — a crise do Homem.

O mérito maior dos fundadores do I. L. foi exactamente terem compreendido qual era a primeira origem da tempestade política que desabara sobre toda a sociedade portuguesa. O que estava em jogo era a concepção do Homem, quer do homem singular, quer do homem colectivo. E, então, a doutrina integralista tornou-se inseparável da doutrina geral da sociedade e da pessoa humana. A raiz humanística do pensamento integralista havia de salvá-lo da tentação dum fácil nacionalismo fechado e totalitário.

E, se se confessavam tradicionalistas, era porque a tradição, longe de ser mera corrente mecânica de factos, era definida por um critério transcendente.

À primeira vista pode parecer absurdo definir uma tradição a não ser pelos próprios elementos que se revelam à análise.

Aqueles que em filosofia são nominalistas, não podem reconhecer nem entender o que seja uma tradição viva e complexa, como um corpo animado. Para eles, nada há de essencial nas sociedades, como nada há de essencial nos homens.

Cegos para as formas substanciais, não admitem a natureza. No plano do Direito, só a lei positiva tem lugar. No plano do Estado, só reconhecem aquilo que é o produto efémero do acordo momentâneo de vontades individuais.

É contra o nominalismo que é preciso afirmar e reafirmar a existência da tradição nacional, distinguindo-a da força mais operante ou mais sensível em cada época.

O tradicionalismo integralista tem um limite e uma regra: a doutrina católica sobre o Homem.

A feliz coincidência, na História nacional, das leis internas do desenvolvimento da sociedade com os princípios fundamentais do humanismo cristão, contribuiu para o que podemos chamar no Integralismo um optimismo radical. Nele não se encontra nenhuma daquelas roturas dolorosas e angustiosas tensões que fazem de multas doutrinas políticas modernas uma ocasião constante de perturbações e equívocos.

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Ao mesmo tempo e quase no mesmo acto intelectual em que aprofundava as razões de ser da Nação Portuguesa, o I. L. analisava e valorizava os princípios básicos da sociologia cristã.

Deste modo o Integralismo pôde ser e ainda hoje é uma resposta lúcida e viva aos grandes problemas do homem de sempre, e especialmente do homem contemporâneo. É um erro considerá-lo alinhado com os movimentos reaccionários ou simplesmente contra-revolucionários que surgiram na Europa durante a primeira metade deste século.

O Integralismo está muito mais aparentado com o catolicismo social, com todo esse vasto e fecundo esforço de meditação sobre o Homem que veio a culminar no monumento imperecível das grandes Encíclicas.

É certo que o catolicismo social, por o seu ponto de partida não ser qualquer sociedade nacional concretamente considerada, não formula nem resolve o problema da forma do Estado.

Mas tem sido demasiado esquecido tudo quanto há de doutrina política nos ensinamentos do magistério eclesiástico, desde Leão XIII a João XXIII.

Um movimento tão puramente cristão como é a Cité Catholique tem demonstrado, através de muitos números da sua revista Verbe, que não é menos verdade ter a Igreja uma doutrina política do que ter urna doutrina social.

E, embora não se possa dizer que essa doutrina inclui uma solução para o problema da chefia do Estado, é inegável que nela se encontram os critérios cuja aplicação em cada país necessariamente determinará um regímen político.

Um dos princípios mais vivos da doutrina política católica é que o direito deve respeitar não apenas a lei natural de origem divina, mas a lei histórica das sociedades nacionais. Esse princípio, claramente exposto por Leão XIII e Pio XII, encontra-se já perfeitamente definido e fundamentado por S. Tomás de Aquino e, por trás deste, por Santo Isidoro de Sevilha. A doutrina agostiniana da origem consciente e voluntária da sociedade apenas afecta o corpo de valores que forma o conteúdo do bem comum e serve, em qualquer sociedade historicamente estabelecida, de apelo constante à autenticidade pessoal que deve alimentar quotidianamente a vida colectiva. Desgarrar qualquer destes princípios (o tomista e o agostiniano) do conjunto da doutrina integral de qualquer dos grandes Doutores da Igreja e, sobretudo, da unidade estrutural da visão católica do homem, é condenar as sociedades, quer a uma estéril repetição dum passado morto, quer à dissolução sem remédio. Insistir, por outro lado, nas grandes linhas da doutrina política da Igreja, sem querer continuá-las até ao momento da concretização numa sociedade dada, é certamente próprio de quem, por força de missão divina, tem de falar uma linguagem universal; mas é tremendamente impróprio daqueles que se julgam empenhados em resolver o problema político de uma nação.

Compreende-se que o magistério eclesiástico não inclua, mesmo quando se trata de um episcopado nacional, a opção entre Monarquia e República: feita por aqueles a quem compete a orientação directa do pensamento e da acção dos católicos, uma tal opção iria

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criar terríveis problemas de consciência, e confundiria, com o plano religioso o plano político, entregue providencialmente ao estudo, à reflexão e à vontade dos cidadãos como taI.

É, porém, incompreensível que os católicos preocupados com o bem público se recusem a olhar de frente os mais altos problemas do Estado, ao passo que estão sempre dispostos a tomar posição nos problemas de natureza económica ou cultural.

Tudo isto o Integralismo compreendeu. Nunca esteve nas suas intenções misturar a política com a religião ou fazer da política uma religião nova. Sempre respeitou a pureza doutrinária da Igreja, não lhe pedindo qualquer espécie de compromisso político.

Mas sempre soube partir de princípios gerais definidos pelo magistério eclesiástico, quando se tratava de organizar a vida colectiva em termos tais que permitissem e facilitassem a salvação do Homem.

Sempre compreendeu que os direitos do indivíduo têm como limite intransponível os direitos do todo social; mas nunca negou que a existência da sociedade é uma função dos valores pessoais.

Mais alto que a pessoa humana, só o Reino de Deus.

O Estado não é tudo para o homem, mas para o Estado o homem é tudo.

O que determina o Estado não é nenhuma ideia desumana, mas o humanismo integral.

O Estado mais perfeito será aquele que melhor servir o homem perfeito, e, para servir o homem, importa que o Estado respeite tudo quanto é humano.

É humana a família. É humana a corporação. É humano o município. É humana a comunidade de sangue e história a que se chama Nação. O Estado que não sirva a Nação, o município, a corporação e a família, não serve o homem.

Pode concretizar uma ideia transcendente, servir uma ideologia — não serve os filhos de Deus. A doutrina integralista do Estado inclui a Realeza, exige o Rei, mas exactamente porque o Rei é exigido pela Nação portuguesa no conjunto dos seus municípios, das suas corporações, das suas famílias.

Como reacção contra uma política puramente abstracta, própria de um ambiente filosófico racionalista, o integralismo inscreve-se aparentemente na concepção positivista que teve em Augusto Comte o maior teórico. Seria, porém, erro grave interpretar o Integralismo Lusitano como a doutrina do facto. O cuidado pelo homem concreto é, ao mesmo tempo, mais doutrinário e menos doutrinário que o positivismo: mais doutrinário, porque abrange o interesse pela natureza humana em todas as suas dimensões; menos doutrinário, porque se recusa a acentuar uma concepção geral sobre a estreita base do fenómeno. Os fundadores do Integralismo tiveram a clara consciência da fraqueza intrínseca e, por isso, invencível, do positivismo filosófico. É essa consciência que justifica, no plano teórico, a aversão integralista a um puro e simples conservadorismo, como aquele que vigorava na quase totalidade dos meios monárquicas do princípio deste século.

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Entre o conservador e o tradicionalista, a distância é invencível.

O conservador aceita o facto consumado, não apenas como facto, o que seria científico, mas como bem indiscutível. Pode o seu sentimento revoltar-se contra o significado humano do facto, mas, logo que este se conclui e estabiliza, o conservador sente-se incapaz de se lhe opor. Por isso a sua atitude perante os factos novos é caracterizada, na melhor das hipóteses, por uma miúda e mesquinha luta de posições, porque lhe importa sobremaneira impedir a ocupação pelo adversário do mais pequeno recanto da vida social. Ao contrário, o tradicionalista é capaz de valorizar até os factos isoladamente contrários aos princípios fundamentais da doutrina que professa. Senhor de uma visão rasgada e profunda da História, recusa-se a disputar palmo a palmo o terreno pretendido pelo inimigo real ou aparente. Sabe que a história humana não é semelhante a um desdobrar tranquilo e lógico dos teoremas e dos corolários, mas inclui e arrasta muitos elementos aparentemente inúteis ou prejudiciais, e, no entanto, susceptíveis de receber do bem e da verdade um sentido e uma salvação.

Nesta perspectiva, o tradicionalista não apenas aceita cientificamente os factos de observação imediata, como lhes dá um significado superior, pois procura extrair deles um bem que eles não permitiam.

O tempo é acompanhado e sagrado pela Eternidade. Nem pode haver verdadeiro tradicionalismo onde faltar de todo uma visão transcendente, uma integração do homem no plano de Deus. Sem critério, pode haver conservação — não há tradição. Alimentando-se do passado, o Integralismo volta-se para o futuro. Numa época em que a filosofia da História, depois de ter passado pelo apogeu e de ter dado lugar a alguns abusos, parecia desacreditada, o Integralismo Lusitano assumia uma posição em grande parte precursora e profética, pois abria caminhos com grandeza de ânimo e lucidez intelectual às modernas concepções da História. Quando comparamos o essencial do tradicionalismo integralista, sucessivamente com a filosofia de Santo Agostinho e a de Augusto Comte, é impossível não concluir indubitavelmente que o Integralismo Lusitano está muito mais próximo do grande Doutor da Igreja do que do fundador e pontífice da religião positivista.

Como em Agostinho, há nos mestres integralistas uma serenidade exemplar perante os ultrajes da fortuna, uma confiança profunda na Lei de Deus e no seu amor, uma distinção perfeita entre os factos que são mensageiros do bem e os que são mensageiros do mal, mas, ao mesmo tempo, a prudência política que tem sua raiz na sentença evangélica «Não separeis o trigo do joio».

Na concepção integral do homem e da história, tudo pode servir para a maior glória de Deus e para o bem das pessoas e das sociedades.

O providencialismo, cujos fundamentos se encontram claramente definidos no Antigo e no Novo Testamento, e que foi formulado, em termos teóricos inultrapassáveis, por Agostinho, Boécio, Tomás de Aquino é seguramente uma das fontes inspiradoras do Integralismo Lusitano. Mas o Integralismo está tão próximo da concepção providencialista, — que vê o mal sair do bem, — como está longe de um falso providencialismo que consiste em abrir as portas ao mal, na esperança de que Deus o fará fecundo.

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Assim o Integralismo Lusitano traçou o seu caminho próprio a igual distância do conservadorismo estéril e do espírito revolucionário, alheio às disciplinas da natureza e de Deus. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, o Integralismo Lusitano não professa um historicismo passivo. Antes, armado de um critério filosófico que já inclui a história no seu âmbito, o Integralismo selecciona e promove, condensa e valoriza, fundamenta e interpreta. O que a história oferece ao olhar desprevenido do puro observador empírico é uma amálgama informe de fenómenos.

Ter uma visão humanista da história não pode ser o mesmo que ter dela um conhecimento que seja o somatório dos conhecimentos empíricos que em cada geração pertencem ao homem vulgar. Também não pode ser, porém, o mesmo que escolher, de todos os elementos imanentes (declaradamente imanentes) da evolução humana, um qualquer ou porventura o mais nobre (com que critério?) e sujeitar-lhe todos os outros.

Entre este ideologismo e aquele empirismo, importa definir e firmar o humanismo integral. Antes de ser urna dádiva da fé cristã, este humanismo tem para todos os homens a virtude de não assentar num subjectivismo arbitrário, mas num ponto de vista transcendente.

Aplicado a uma política nacional, este humanismo histórico não quererá perpetuar indefinidamente situações, mas defenderá a permanência sempre renovada dos princípios geradores da nacionalidade. A história da fundação, da crise da independência e da restauração revelam de maneira inequívoca, não apenas o anseio popular da liberdade, mas o apelo ao Rei; não apenas o Poder Real, servindo uma vontade e plasmando massas informes, mas o Rei como a expressão definitiva da vontade popular e o trono assente numa hierarquia de poderes sociais.

Quando nos dizem que a tradição nacional é democrática, pois já antes do Rei a Nação se erguia no horizonte da História, nós aceitamos essa doutrina, que, antes de ser de Republicanos, foi de Monárquicos, mas sabemos acrescentar que a tradição portuguesa não é apenas democrática, porque é também aristocrática e monárquica.

Como para S. Tomás, também para nós o mais perfeito regímen não é a Monarquia pura, que tratasse o Povo e as elites corno simples massa a plasmar. Mas, também como ele, proclamamos que o regímen perfeito só pode consistir na síntese dos três grandes princípios naturalmente existentes nas sociedades humanas — o democrático, o aristocrático e o monárquico —; compreendemos que, destes três princípios, só o último pode desempenhar a função unificadora.

A distinção a que acabamos de aludir é manifestamente necessária quando se quer estabelecer uma teoria da Nação e do Estado, e corresponde a uma realidade profunda que a História constantemente manifesta.

Não vamos, porém, imaginar que essa tríplice realidade política se apresenta naturalmente dividida. Por maior que seja o papel da consciência e da razão na marcha da História, é próprio da natureza humana, que não é apenas espírito, mas corpo também, que as sociedades vivam e cresçam e se aperfeiçoem segundo um processo espontâneo, habitual, quase automático, de desenvolvimento.

Pode faltar, numa época ou num momento mais ou menos largo, a consciência do Povo, a força da Aristocracia, até o Poder Real.

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Pode suceder que uma crise profunda trespasse de alto a baixo todo o corpo social. A Nação é uma unidade viva e crescente, não é uma simples combinação de elementos, um artifício imaginado e procurado. Para o Integralismo Lusitano, a massa popular, o escol e o Rei são uma e a mesma realidade nacional. Nem o Rei é um valor em si, dotado de um carácter independente da sua função, nem o Povo e os nobres podem prescindir do Rei como de um ornato inútil. Quando a Realeza se torna transcendente e desce sobre a Nação como um poder estrangeiro, um princípio em si mesmo superior e perfeito que viesse colonizar indígenas sem cultura, é a si mesmo que a Realeza se condena.

Mas quando a Nação julga poder viver e cumprir-se sem o Rei, é ela que entra no caminho da destruição. Em Portugal, o Rei e o Povo constituem a Nação. Importa que o Estado seja a permanente actualização da realidade nacional, e só pode sê-lo se o seu chefe for também o chefe natural da Nação. Pode e deve a Nação desenvolver-se de acordo com todas as suas virtualidades. Mas uma Nação não é um corpo isolado. Hoje mais que nunca, cada Nação está aberta a um sem-número de influências, e arrisca-se a trocar a sua alma pela tendência mais forte em dado momento. A Realeza, como parte integrante da Nação, é fiadora da continuidade histórica.

A situação presente do Mundo e, em especial, da Europa, exige, muito mais do que noutras épocas de tranquilidade e de isolamento, a presença do Rei.

Não pensemos, no entanto, que, em face das tendências novas, o papel do Rei seja um papel negativo de polícia de costumes políticos. É, antes, uma função nobremente positiva, a que lhe compete: a função integradora, tanto num sentido estático como num sentido dinâmico, de tudo quanto pode servir ao bem comum nacional.

Os mesmos valores que, lançados no corpo da Nação sem a presença do Rei, poriam em risco a saúde colectiva, podem contribuir para o progresso da comunidade, sempre que a Realeza os receba, coordene e oriente[1]

Deste modo, a Realeza é condição de progresso; na bela expressão de Pierre Boutang, "a Esperança é monárquica".

Mas a Esperança não é apenas monárquica: o Integralismo abriu a Política ao plano espiritual e ao plano económico. E era bem urgente essa abertura. A experiência liberal e a experiência republicana, ao mesmo tempo que tinham quebrado toda a autêntica vinculação da Política à esfera dos valores religiosos, tinham também desenraizado a Política do húmus social, em que se processa toda a pujança e variedade da actividade económica.

Os fundadores do Integralismo Lusitano compreenderam que a crise teórica e prática da Política não vinha somente da perda do sentido transcendente da vida humana, do esquecimento do carácter integral do verdadeiro humanismo: vinha também da pretensão a construir a obra política como um jogo — e de jogadores profissionais. A Política moderna partira de uma ideologia e acabava numa mesquinha arte de ludíbrios. A intercomunicação natural e vital, entre a Política e a Economia parecia para sempre cortada. Sobre uma concepção abstracta de "cidadão" erguera-se uma falsa representação nacional, teoricamente baseada em divergências doutrinárias,

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praticamente, porém, derivada das influências do dinheiro, da habilidade; cada vez menos do prestígio social, cada vez mais da própria força política. Deste modo, pelo menos duas características totalmente anómalas tinham este sistema representativo: na falta de divergências doutrinárias, o processo de representação tendia a não funcionar e o "político", teoricamente emanado da vontade popular, era quem, em larga medida, a determinava.

Contra um tal sistema, o Integralismo Lusitano proclama que a representação nacional tem de sair da complexidade e riqueza da própria vida nacional. O elemento consciente e pessoal tem o seu papel a desempenhar: há um momento voluntário no processo; mas esse momento não pode estar solto do conjunto: há-de ser a expressão responsável, no plano político, duma realidade económica que importa respeitar. Como tal, considerada em si mesma, a representação é "política", mas o que ela representa, o que ela transpõe para o plano político é, em grande parte, económico. Foi também por não o reconhecerem nem promoverem, que o Liberalismo e a República nunca conseguiram resolver o problema da representação.

Não basta, porém, assentar o sistema representativo no plano económico. A Nação não é apenas vida económica, riqueza, produção, distribuição... Na medida em que os cidadãos se interessam pelo Bem Comum, é-lhes adequada a intervenção nos negócios públicos, nos destinos da Nação definidos pelo Estado. Cada homem é membro da comunidade política, e não apenas da comunidade económica. E a Nação será formalmente tanto mais perfeita quanto mais for constituída por indivíduos conscientes do seu papel político.

Uma das razões da superioridade da Monarquia está exactamente nisto: o Rei é tão adequado a uma sociedade politicamente atrasada corno a uma nação que atingiu a maioridade política. No primeiro caso, estimula e orienta o progresso da consciência social; no segundo caso, condiciona e regula o exercício da actividade política, a concretização do pensamento de indivíduos e grupos. Quando numa sociedade a consciência política se encontra em progresso, cumpre ao Rei defendê-la, quer de ataques mal-intencionados, quer de possíveis desvios. O Rei não é infalível; mas ninguém como ele está em posição de conhecer a verdade nacional. Qualquer acção negativa que o Rei haja de exercer, não deve, porém, afectar directamente a expressão do pensamento político, mas sim e apenas a tradução desse pensamento no plano das estruturas. Todo o pensamento é de raiz pessoal. Não compete ao Rei, porque não compete ao Estado, planificar o pensamento, mesmo que se trate de pensamento político. Embora seja, excepcionalmente, e em casos extremos, necessária a suspensão do direito pessoal da expressão, por altos motivos de Bem Comum, nunca essa intervenção excepcional deve ser feita em nome de um pensamento político, mas sim em virtude de uma necessidade imperiosa de vida nacional. Mas, quando todo o pensador político pretende que a sua ideia se transforme em acção, se faça carne e sangue da Pátria, então o Rei tem o dever de velar, porque a Pátria não pode estar à mercê de todos os cérebros fecundos. Que cada ideia política tenha natural direito a participar do Poder, a fazer a Lei da comunidade — eis o absurdo da política "democrática". Mas fazer do Estado e, no fim de contas, da Nação, criaturas de uma só dela, à qual se atribui, por um acto de vontade, valor absoluto — eis o absurdo da política totalitária.

Numa sociedade moderna, em que a complexa experiência dos séculos, quase por um fenómeno físico de reflexão, provoca o aparecimento de inúmeras concepções, que, por

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sua vez, se repercutem umas nas outras, interminavelmente, o Poder Real é salvador. Porque não é ideológico, abre o campo da Cultura às ideologias. Porque não é político, fecha às ideologias o domínio estrito do Estado, o mínimo político que pertence ao comum.

Henrique Barrilaro Ruas

(In A Liberdade e o Rei, Lisboa, Biblioteca do Pensamento Político, 1971, pp. 191-206)

ANEXO II

António Sardinha

O ANNO NOVO começou melancholicamente para Portugal e para o Brasil: morreu a 10 de Janeiro, em Lisbôa, o escriptor e poeta Antonio Sardinha. Foi das mais rudes surprezas telegraghicas a noticia da morte de um escriptor ainda tão moço e cuja actividade assumiria ultimamente forte e alto relevo. Dirigia Antonio Sardinha a revista monarchica "Nação Portuguesa" e era um dos redactores da "Lusitania", revista de erudição e lettras dirigida pela Snra D. Carolina Michaelis de Vasconcellos. Ahi publicara recentemente a primeira parte de um estudo interessantissimo, visando rehabilitar o seculo jesuitico por excellencia da historia portugueza: o decimo setimo. A cultura do Seiscentos portugueses apparece no ensaio de Antonio Sardinha ostentando o relevo de esquecidos valores. Em torno de Sardinha estavam reunidas algumas das melhores forças jovens de Portugal, a intelligencia nova do velho paiz, desejosa de o reintegrar na sua tradição, na sua historia, na sua natureza de povo hispanico. Pertenciam á "Nação Portuguesa" Luiz de Almeida Braga, Manuel Murias, Ivo Cruz e outros talentos moços, clarificados pela doutrina intelligentemente nacionalista do jovem mestre. Deixa Antonio Sardinha notaveis trabalhos de erudição e revisão historica: O Valor da Raça, No Principio era o Verbo e o recente Aliança Peninsular, prefaciado pelo Sr. Conde de Mortera. Seus sonetos e poemas são uma poesia cheia de nobreza intelectual. Fazem sentir o intellectual que em Antonio Sardinha dominava e abafava o instincto. Num desses poemas elle caracteristicamente fez o elogio dos livros velhos: Os livros velhos! Que doçura estranha não saboreia a gente, ao entreabril-os! E mais adiante, destacando pormenores que os voluptuosos de livros velhos saberão

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sentir em todo o seu íntimo e especial encanto: Oh, livros velhos! Oh, vinhetas rudes, com anjos bochechudos assoprando - obra de ingénuo artista! Vê la, Leitor Amigo, se te illudes: - vale de v o u de quando em quando o s e o t metem quase a mesma vista!

Em Elvas, em cujo convento está sepultado, sob lage brazonada, João Sardinha Brissos, remoto antepassado do poeta, é que elle residia, na Quinta do Bispo, entre memórias e recordações do antigo bispo de Pernambuco, o economista Azeredo Coutinho. Morreu ainda homem novo, sem chegar a esse outonno da vida de que antecipara quase a intima melancholia. Vem a subir o outono!... O’ minha Amiga, como será o nosso envelhecer?

Gilberto Freyre

("Antonio Sardinha", Revista do Norte, Recife, n.1, p. 5-6, 1925)

ANEXO III

PARA ALÉM DO INTEGRALISMO

O Integralismo só pode viver com a condição de se ultrapassar. O nacionalismo, só por si, é uma ideia morta. Todo o nosso esforço, limitado à proclamação do interesse nacional e, partindo desta premissa, desenvolvido na dedução de todo um lógico sistema, brilhará com a luz da verdade, mas essa luz não será calor nem vida. O nacionalismo acaba na nação? Nesse caso, morre. E como pode acabar e morrer o Integralismo, se este nome etimologicamente significa uma tendência para o que é completo e perfeito, uma aspiração universal, uma vontade intransigente de grandeza e duração? Não basta dizer: Tudo o que é nacional é nosso. É preciso acrescentar: Tudo o que é humano é nosso. Impõe-se finalmente concluir: É nosso tudo o que é divino.

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Já Valois trouxera inesperadamente para a sua economia a sentença bíblica: Procura primeiro o reino dos Céus e a sua justiça e tudo o mais te será dado por acréscimo. Numa dedução de altíssima filosofia, num raciocínio ascensional em que palpita a intuição do génio, este mestre demonstra que não se vence sem um método, que o método de nada serve sem uma doutrina, que esta doutrina precisa de ser de ordem geral e não de qualquer ordem geral, mas daquela ordem mais geral e primária, que se liga ao conceito universal de Deus. Viver, por este princípio, identifica-se com crer e crer é, essencialmente, a adesão da personalidade ao Deus verdadeiro. A falta de vida religiosa tira às ideias o seu prestígio, embota a razão, arruína a ordem, gera a guerra de todos contra todos e asfixia a família e a oficina, porque tira ao homem a única razão de trabalhar e o seu sentido espiritualista ao preceito: Crescei e multiplicai-vos. Para viver é preciso ter uma religião, ao menos uma religião falsa. As religiões falsas, que provam a verdadeira, são formas de vida, enérgica, ampla, embora falsa. O bolchevismo só vive e tem os seus triunfos, porque é, não uma revolta de estômagos, mas uma religião satânica nas consciências. Para que o integralismo triunfe é preciso que ele seja em certa maneira um movimento religioso, uma cruzada, não só nacional, mas humana, não só humana, mas religiosa. Na política portuguesa fizemos a inovação de um método de combate (a audácia, o espírito de sacrifício, o espírito de organização), mas o método, embora novo, não nos bastava, nem valia em si próprio, mas sim inspirado por uma doutrina (a soberania do Interesse Nacional, a apologia da Monarquia, a condenação da Democracia). Como não somos nós, mas a nação, o verdadeiro agente do movimento integralista, deve concluir-se que o ideal puramente nacionalista do integralismo peca por falta de universalidade. E assim devemos procurar uma doutrina que exceda e ao mesmo tempo realize o integralismo, porque só essa doutrina pode dar-nos vida, vitória e salvação. Esta doutrina é a da Cruzada. Demos à nossa campanha um escopo mais alto do que o de por em ordem a pequena casa lusitana para nela vivermos com honra e proveito; consideremo-nos antes os soldados de uma guerra mais vasta em que defendemos a própria humanidade contra a barbárie democrática e o próprio Deus contra o orgulho satânico da Revolução. Acreditamos numa vocação apostólica de Portugal. As qualidades e a unidade da raça, a homogeneidade do território, a nossa condição de nação pequena, o ruralismo fundamental, sem grandes massas proletárias e portanto sem outro bolchevismo além do que os políticos fomentam, o que não exclui riqueza porque a temos nas colónias, o próprio martírio colectivo que vamos sofrendo em reparação de culpas antigas, o valiosíssimo património intelectual que representa a doutrina nacionalista, finalmente a lembrança sempre viva das glórias da nossa História - são causas múltiplas de acreditar que Portugal, uma vez reorganizado nas suas instituições, daria à Europa um modelo vivo da nova ordem, que à Europa seria a solução dos seus sangrentos problemas. Pela Espanha e nos vastos horizontes que uma política peninsular nos proporcionaria, o

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contágio deste exemplo certamente se estenderia muito ao largo pelo mundo latino e teríamos um maximalismo reaccionário ocidental, que será puramente essa restauração da cristandade cuja esperança Valois me dizia ter, falando em nome da alma comum que de Roma ambos tínhamos recebido, ele o mestre, o genial renovador da Economia, eu o humilde soldado, unidos, porém, na mesma aspiração, não já da glória de Portugal ou da França, mas sim da ressurreição do homem em Cristo, das nações livres e irmãs na cristandade.

Pequito Rebelo

(Do jornal A Monarquia, n.º 1096, de 7 de Janeiro de 1922; )

Nota: os anexos representam excertos de obras ou textos produzidos com a semântica e o estilo próprio da época, pelo que optámos por não introduzir modificações no português, o que foi feito constantemente ao longo do trabalho, em muitas das transcrições feitas. Aqui, achámos por bem expor os próprios textos originais, sem quaisquer outras modificações

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BIBLIOGRAFIA

1. Almeida Braga, Luís de, Sob o Pendão Real, Ed. Gama, 1942 2. Almeida Braga, Luís de, Ao Serviço da Terra, Liv. Cruz Editora, 1930 3. Barrilaro Ruas, Henrique, A Liberdade e o Rei, Biblioteca do Pensamento

Político, Lisboa, 1971 4. Braga da Cruz, Manuel, Monárquicos e Republicanos no Estado Novo, P. Dom

Quixote, 1986 5. Caetano, Marcello, Minhas memórias de Salazar, Ed. Verbo, Lisboa, 1977 6. Ferrão, Carlos, O Integralismo e a República, Inquérito Ed., 1974 7. Ferro, António, Salazar – o homem e a sua obra, Empresa Nacional de

Publicidade, 1933 8. Freitas do Amaral, Diogo, O Antigo Regime e a Revolução – Memórias Políticas

(1941-1975) , Lisboa, Círculo de Leitores, 1995 9. Grimberg, Carl, História Universal – A Revolução Francesa, Vol. XV, Mem-

Martins, Europa- América, 1940 10. Hespanha, António, L’histoire juridique et les aspects politico – juridiques do

droit (Portugal, 1900 – 1950), Milano – Dott. A. Giuffrè Editore, 1981 11. Hespanha, António, Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, Mem-

Martins, Europa – América, 1997 12. Hespanha, António, Prática Social, Ideologia e Direito nos séculos XVII a XIX,

Coimbra, Vértice, 1972 13. Léon de Poncins, Le Portugal renaît, Paris, Éditions Gabriel Beauchesne, 1936 14. Léonard, Yves, Salazarismo e Fascismo, Editorial Inquérito, 1998

15. Marques Guedes, Armando, “Os últimos tempos da monarquia: 1890 a 1910” in

História de Portugal, dir. Damião Peres, Vol. VII 16. Mattoso, José, História de Portugal ,Vols. I a VI, Ed. Estampa 17. Maurras, Charles, Mes idées politiques, Paris, Fayard, 1937 18. Medina, João, Eça de Queirós e o seu tempo, Livros Horizonte, Lisboa 1972,

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19. Nogueira Pinto, Jaime, O Fim do Estado Novo e As Origens do 25 de Abril, Difusão Editorial, 1995

20. Nogueira, Franco, Salazar: A mocidade e os principios, Atlântida Editora, 1977 21. Oliveira Marques, A.H. de, Breve História de Portugal, Lisboa, Ed. Presença,

1995 22. Pequito Rebelo, José, Anti- Marx (conjunto de conferências proferidas no Rádio

Clube Português em Agosto de 1936), Edições SPN, Lisboa 23. Pequito Rebelo, José, Terra Portuguesa, Ottosgráfica, Lisboa, 1929 24. Raposo, Hipólito, A Reconquista das Liberdades (Conferência feita no Salão do

Teatro Apolo, no Porto em 8/3/1930), Litografia Nacional, Porto, 1930 25. Reis, António do Carmo, O Liberalismo em Portugal e a Igreja Católica, Ed.

Notícias, 1988, 26. Saraiva, José Hermano, História de Portugal, Alfa, Lisboa, 1985, Vol. VI 27. Saraiva, Mário, Frontalidade, Universitária Editora, Lisboa, 1995 28. Sardinha, António, A prol do Comum. Doutrina & História, Livraria Ferin, 1934 29. Sardinha, António, Ao Princípio era o Verbo, Ed. Gama, 1942 30. Sardinha, António, Da hera nas colunas – Novos Estudos, Coimbra, 1929 31. Sardinha, António, Glossário dos Tempos, Ed. Gama, 1942 32. Sardinha, António, Na Feira dos Mitos, Ed. Gama, 1942 33. Sardinha, António, Purgatório de Ideias, Ensaios de Crítica, Lisboa, Liv. Ferin,

1929 34. Teolinda Gersão, Portugal Futurista, Contexto Editora, Lisboa, 1981 35. Victor de Sá, A crise do Liberalismo e as primeiras manifestações das ideias

socialistas em Portugal (1820 – 1852), Seara Nova, 1969 COLECTÂNEAS:

36. A Questão Ibérica, Tipografia do Anuário Comercial, Lisboa, 1916 37. Integralismo Lusitano, 1932 – 1933, Vol. I, Estudos Portugueses – Compêndio

de artigos 38. Integralismo Lusitano, 1933-1934, Vol. II, Estudos Portugueses – Compêndio

de artigos

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INDÍCE

Considerações Preliminares……………………………………………………………………….. 1 Breve Síntese Histórica…………………………………………………………………………..... 4 I. Lusitano: Retrato de uma Geração Magnífica…………………………………………………… 9 Hipólito Raposo…………………………………………………………………………. 9 Luís de Almeida Braga…………………………………………………………………… 11 António Sardinha………………………………………………………………………… 13 Pequito Rebelo…………………………………………………………………………… 14 Rolão Preto………………………………………………………………………………. 16 Nota Final………………………………………………………………………………... 18 I. Lusitano: Um Movimento Nacional?............................................................................................. 19 Subsídios para uma Teoria Politica da Integralismo Lusitano……………………………………. 26 O que é a Política?................................................................................................................32 Um Movimento Contra Revolucionário…………………………………………………...37 Um Movimento Anti – Democrático………………………………………………………53 Uma Fórmula Política de Esperança……………………………………………………….71 Considerações Finais………………………………………………………………………………...79 Anexos……………………………………………………………………………………………….81 Anexo I – O Integralismo como doutrina política………………………………………….81 Anexo II – António Sardinha…………………………………………………………….... 89 Anexo III – Para Além do Integralismo…………………………………………………….91 Bibliografia…………………………………………………………………………………………. 93