plasticidade neural relações com o comportamento e abordagens experimentais

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  • 7/23/2019 Plasticidade Neural Relaes Com o Comportamento e Abordagens Experimentais

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    1 Apoio Financeiro: CNPq, proc. 300975/89-9; CAPES- Bolsas de

    Mestrado e Doutorado, (Ps-graduao em Cincias Biolgicas-Fisi-

    ologia, IB, UNICAMP).

    2 Endereo: Elenice A. de Moraes Ferrari, Laboratrio de Sistemas

    Neurais e Comportamento, Departamento de Fisologia e Biofsica,

    IB, UNICAMP, Cidade Universitria Prof. Zeferino Vaz, 13083-970,

    Campinas, SP, Brasil. Fax: 019-2893124;

    e-mail: [email protected]

    Psicologia: Teoria e Pesquisa

    Mai-Ago 2001, Vol. 17 n. 2, pp. 187-194

    Plasticidade Neural: Relaes com o Comportamento

    e Abordagens Experimentais1

    Elenice A. de Moraes Ferrari2,

    Margarete Satie S. Toyoda e Luciane Faleiros

    Universidade Estadual de Campinas

    Suzete Maria Cerutti

    Universidade Estadual de Campinas e Universidade So Francisco

    RESUMO - As interaes entre os estmulos ambientais e as respostas de um organismo determinam as propriedades

    comportamentais que lhe garantemadaptao a diferentes situaes e individualidade comportamental. A interao organis-

    mo-ambiente tambm diferencia e molda os circuitos neurais, que caracterizam a plasticidade e a individualidade neural do

    organismo. Os estudos sobre plasticidade neural incluem aqueles que manipulam o ambiente e analisam mudanas em circui-

    tos neurais e outros que enfatizam recuperao comportamental aps leso do sistema nervoso. Diferentes questes relativas

    fisiologia e ao comportamento, como tambm morfologia, bioqumica e gentica, so abordadas. Este trabalho procura

    caracterizar diferentes abordagens no estudo da plasticidade neural, indicando as suas relaes com a anlise do comporta-

    mento e da aprendizagem. A investigao dos efeitos que a interao organismo-ambiente produz sobre os sistemas neurais

    subjacentes ao comportamento enfatizada como interessante.

    Palavras-chave: comportamento; plasticidade neural; sistema nervoso; aprendizagem.

    Neural Plasticity: Relations With

    Behavior And Experimental Approaches

    ABSTRACT - Behavioral adaptiveness to different situations as well as behavioral individuality result from the interrelations

    between environmental sitmuli and the responses of an organism.These kind of interrelationships also shape the neural circuits

    as well as characterize the plasticity and the neural individuality of the organism. Studies on neural plasticity may analyze

    changes in neural circuitry after environmental manipulations or changes in behavior after lesions in the nervous system.

    Issues on neural plasticity and recovery of function refer both to physiology and behavior as well as to the subjacent mecha-

    nisms related to morphology, biochemistry and genetics. They may be approached at the systemic, behavioral, cellular and

    molecular levels. This work intends to characterize these kinds of studies pointing to their relations with the analyis of behav-

    ior and learning.The analysis of how the environmental-organismic interrelationships affect the neural substrates of behavioris pointed as a very stimulating area for investigation.

    Key words: behavior; neural plasticity; nervous system; learning.

    ram classes de comportamento favorveis sobrevivncia

    dessa espcie; as contingncias ontogenticas foram estabe-

    lecidas pelas interaes particulares desse organismo com o

    seu ambiente, desde o incio do seu desenvolvimento e sele-

    cionaram as classes de respostas eficazes para a adaptao a

    um ambiente que muda constantemente. Neste sentido, pode-

    se afirmar que o comportamento de um indivduo produto

    de sua histria filogentica, ontogentica e cultural (Bussab,2000; Catania, 1999; Skinner, 1981).

    As mesmas presses evolutivas que determinaram as

    mudanas na topografia e na funo das reaes do indiv-

    duo ao ambiente tambm determinaram alteraes na for-

    ma, no tamanho e nas funes do sistema nervoso. O pro-

    cesso evolutivo resultou em crebros com uma abundncia

    de circuitos neurais que podem ser modificados pela experi-

    ncia (Carlson, 2000). Assim, a interao sistema nervoso-

    ambiente resulta na organizao de comportamentos sim-

    ples ou complexos que modificam tanto o ambiente como o

    prprio sistema nervoso. Essa capacidade denota a plastici-

    dade do sistema nervoso, ou seja, a plasticidade neural que

    As interaes organismo-ambiente vivenciadas por um

    indivduo determinam fundamentalmente a topografia e a

    funo de suas respostas. As relaes entre os eventos am-

    bientais e as respostas do organismo podem estabelecer con-

    tingncias, ou seja, relaes condicionais entre classes de

    comportamento e as classes de estmulos que lhes so ante-

    cedentes ou conseqentes.

    Em cada espcie, os indivduos tm um repertrio com-portamental que, de um lado, resulta da interao entre as

    contingncias filogenticas e ontogenticas. As contingn-

    cias filogenticas atuaram durante a evoluo e seleciona-

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    E. A. M. Ferrari & cols.

    est presente em todas as etapas da ontogenia, inclusive na

    fase adulta e durante o envelhecimento. A capacidade de

    modificao do sistema nervoso em funo de suas experi-

    ncias, tanto em indivduos jovens como em adultos, foi re-

    conhecida apenas nas ltimas dcadas (Rosenzweig, 1996).

    O presente trabalho pretende indicar as relaes entre os

    processos comportamentais e a plasticidade neural, caracteri-

    zando as abordagens no estudo experimental da plasticidadeneural que evidenciam essas relaes. Procurar-se- demons-

    trar que a plasticidade neural determinada por interaes

    organismo-ambiente e est diretamente relacionada com a

    plasticidade comportamental, caracterstica dos processos de

    aprendizagem e memria (Cerutti, Cintra, Diz-Cintra &

    Ferrari, 1997; Cerutti & Ferrari, 1995a, 1995b; Cerutti, Ferrari

    & Chadi, 1997; Eichenbaum, 1999; Izquierdo, Medina,

    Vianna, Izquierdo & Barros, 1999; Tsukahara, 1981).

    Comportamento e Plasticidade Neural

    No estudo do comportamento, um dos princpios bsi-

    cos afirma que as propriedades funcionais do comportamento

    so determinadas pelas relaes, simples ou complexas, en-

    tre os estmulos e as respostas de um organismo (Skinner,

    1981). So essas relaes que definem as contingncias de

    reforamento que alteram a freqncia de classes de respos-

    tas. Os objetivos primordiais da anlise do comportamento

    relacionam-se com a identificao, a descrio e a progra-

    mao de relaes condicionais que estabelem e controlam

    a probabilidade de classes de comportamento (Baum, 1999;

    Catania, 1999).

    As pesquisas orientadas por tais objetivos permitiram o

    acmulo de um conjunto de dados e procedimentos com s-

    lida fundamentao experimental e conceitual (Catania,1999), cuja importncia abrange no apenas as questes

    investigadas pela Psicologia, mas tambm questes de ou-

    tras disciplinas cientficas. Para citarmos um exemplo, a

    metodologia e os conceitos derivados da anlise do compor-

    tamento tm fornecido a possibilidade de linhas de base

    comportamentais adequadas para as investigaes dos me-

    canismos biolgicos subjacentes ao comportamento. Assim,

    a validade do conhecimento cientfico sobre o comportamen-

    to transcende os limites da Psicologia como disciplina cien-

    tfica especfica e integra-se a reas de conhecimento com

    carter multidisciplinar. Nesse sentido que se desenvolve-

    ram as disciplinas denominadas Psicofarmacologia, Psicobio-logia e Psicofisiologia.

    Mais recentemente, o desenvolvimento cientfico dessas

    e de outras reas propiciaram o surgimento de uma nova

    disciplina cientfica integradora de metodologias e concei-

    tos neurofisiolgicos, psicolgicos, farmacolgicos, bioqu-

    micos, anatmicos e genticos: a neurocincia. O seu prin-

    cpio bsico que o ambiente fsico e social determina a

    atividade de clulas neurais, cuja funo, por sua vez, deter-

    mina o comportamento (Kandel, Schwartz & Jessell, 1995;

    Strumwasser, 1994). O ambiente fornece estmulos/informa-

    es que so captados por receptores sensoriais e converti-

    dos em impulsos eltricos, que so analisados e utilizados

    pelo sistema nervoso central para o controle de respostas

    vegetativas, motoras e cognitivas. Essas respostas constitu-

    em os padres comportamentais que atuam sobre e modifi-

    cam esse ambiente.

    Do mesmo modo que o comportamento altera a probabili-

    dade de outros comportamentos (Catania, 1999), a atividade

    neural altera a probabilidade das funes neurais. Uma das

    evidncias para este fato que tanto as situaes de mera ex-posio estimulao ambiental quanto s situaes de trei-

    namento sistemtico em aprendizagem resultam em altera-

    es no comportamento e nos circuitos neurais (Rosenzweig,

    1996). Ou seja, subjacentes aos processos comportamentais

    de aprendizagem e de memria encontram-se as alteraes

    funcionais e morfolgicas que ocorrem no sistema nervoso e

    que caracterizam a plasticidade neural (Cuello, 1997). Desse

    modo, verifica-se que os processos comportamentais e os pro-

    cessos de plasticidade neural possuem relaes mais estreitas

    e complexas do que se sups durante muito tempo.

    Em resumo, considera-se que tal como o ambiente dife-

    rencia e modela a forma e funo das respostas de um orga-

    nismo, a interao organismo-ambiente tambm diferencia

    e molda circuitos e redes neurais. Cada indivduo tem um

    padro comportamental caracterstico, resultante de sua his-

    tria pessoal de reforamento, assim como tem um sistema

    nervoso com caractersticas prprias, resultantes tambm de

    sua histria de interao com o ambiente externo. Essas ca-

    ractersticas do sistema nervoso atribuem uma individuali-

    dade neural ao indivduo que se relaciona, conseqentemente,

    com a sua individualidade comportamental (Kandel &

    Hawkins, 1992).

    Plasticidade Neural: Abordagens Experimentais

    Numa forma abrangente, plasticidade neural pode ser

    definida como uma mudana adaptativa na estrutura e nas

    funes do sistema nervoso, que ocorre em qualquer estgio

    da ontogenia, como funo de interaes com o ambiente

    interno ou externo ou, ainda, como resultado de injrias, de

    traumatismos ou de leses que afetam o ambiente neural

    (Phelps, 1990).

    De acordo com Pia (1985), o termo plasticidade foi in-

    troduzido por volta de 1930 por Albrecht Bethe, um fisiolo-

    gista alemo. Plasticidade seria a capacidade do organismo

    em adaptar-se s mudanas ambientais externas e internas,

    graas ao sinrgica de diferentes rgos, coordenadospelo sistema nervoso central (SNC). Os trabalhos pioneiros

    de Santiago Ramn y Cajal e Eugnio Tanzi (citados por

    Rosenzweig, 1996) sobre regenerao neural apresentam

    relaes mais diretas entre plasticidade e o sistema nervoso.

    Como assinala Rosenzweig (1996), Tanzi, props a hipte-

    se de que durante a aprendizagem ocorreriam mudanas pls-

    ticas em junes neuronais enquanto que Cajal aventou a

    possibilidade de que o exerccio mental poderia causar mai-

    or crescimento de ramificaes neurais.

    Na literatura recente, os estudos sobre a plasticidade do

    sistema nervoso podem ser classificados como pertencentes

    categoria daqueles que manipulam o ambiente e analisam

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    Psic.: Teor. e Pesq., Braslia, Mai-Ago 2001, Vol. 17 n. 2, pp. 187-194 189

    Plasticidade Neural e Comportamento

    as mudanas morfolgicas e/ou funcionais em circuitos

    neurais, denominados de estudos de plasticidade neural ou

    categoria de estudos que enfatizam as mudanas comporta-

    mentais aps traumatismos ou leso do sistema nervoso,

    denominados de recuperao de funo (Kolb & Whishaw,

    1989). Nestes casos, agudamente, ocorrem mudanas no te-

    cido nervoso que tm como funo a manuteno da

    homeostasia do organismo, alm de promover a cicatriza-o e o reparo tecidual (Finger & Almli, 1982; Kolb &

    Whishaw, 1989). Ao mesmo tempo, pode haver um perodo

    em que se observa uma ausncia ou diminuio na freqn-

    cia de uma ou mais classes de comportamentos. Assim, o

    termo recuperao de funo refere-se situao em que se

    observa aumento na freqncia ou magnitude de um com-

    portamento aps um perodo de freqncia ou magnitude

    zero, como conseqncia de trauma, interveno cirrgica

    ou leso do sistema nervoso.

    As questes relativas plasticidade neural tm sido ana-

    lisadas tanto ao nvel molecular, focalizando mecanismos e

    processos celulares, como tambm ao nvel de sistemas

    neurais e comportamentais. Dentre essas questes, destacam-

    se as referentes ao desenvolvimento neural, recuperao

    de funo e reorganizao morfofuncional de circuitos

    neurais correlacionados com a aprendizagem, consolidao

    de memria ou com leses neurais (Morris, Kandel & Squire,

    1988; Weinberger & Diamond, 1987). Na investigao das

    relaes entre plasticidade neural e comportamento, verifi-

    cam-se diferentes nveis de anlise comportamental, inclu-

    indo desde a anlise de respostas especficas que so apren-

    didas e memorizadas, at a avaliao de padres comporta-

    mentais mais complexos, envolvidos na recuperao de fun-

    o (Phelps, 1990; Rosenzweig, 1996; Silva, Giese, Federov,

    Frankland & Kogan, 1998).As pesquisas em plasticidade neural, segundo os critri-

    os propostos por Kolb & Whishaw (1989), enquadram-se

    em trs categorias gerais: (a) metablicas: que analisam al-

    teraes da atividade metablica em reas corticais e

    subcorticais, tanto no mesmo hemisfrio em que se locali-

    zam as leses (ipsilaterais) quanto no hemisfrio oposto

    (contralaterais); (b) neuroqumicas: que focalizam as altera-

    es funcionais nas sinapses, investigando processos/meca-

    nismos que aumentam a sntese de neurotransmissores, a li-

    berao de neurotransmissores ou a potencializao das res-

    postas ps-sinpticas, em decorrncia de situaes estimula-

    doras, de aprendizagem ou de lesese (c) morfolgicas: quecaracterizam e enfatizam as modificaes na estrutura das

    sinapses e neurnios, tais como a regenerao e ramificao

    de axnios, aumento do tamanho de corpos celulares, do

    nmero de dendritos, do nmero de neurnios e de sinapses.

    Essas categorias no so exclusivas e podem ser combina-

    das em um mesmo estudo.

    A classificao de Kolb & Whishaw (1989) didtica e,

    assim, ser por ns utilizada para caracterizar diferentes ti-

    pos de questes e de abordagens experimentais plasticidade

    do sistema nervoso e evidenciar que a anlise comportamental

    parte fundamental dessas investigaes. Em qualquer in-

    vestigao, uma anlise comportamental vlida dever ga-

    rantir que: (a) o comportamento observado aps a leso

    mantm as suas caractersticas topogrficas e funcionais exis-

    tentes numa linha de base pr-leso; (b) a recuperao de

    um comportamento no interfere negativamente na ocorrn-

    cia de outros comportamentos; e (c) o comportamento apre-

    senta regularidade de freqncia e se mantm a longo-prazo.

    Alteraes no Sistema Nervoso e experincia

    O interesse pelos efeitos da experincia, do treino e do

    exerccio sobre o crebro j aparece em relatos do sculo

    XVIII. Experimentos de Bonnet e Malacarne (Bonnet 1779-

    1783; conforme citado por Rosenzweig, 1996) indicaram

    que os crebros de animais que recebiam treinamento siste-

    mtico durante anos tinham um cerebelo mais desenvolvi-

    do, com maior nmero de circunvolues. Contudo, os con-

    ceitos e proposies relacionando plasticidade do SNC e

    comportamento, somente foram provados experimentalmen-

    te a partir da dcada de 1960. Isso se deve a um grupo de

    pesquisadores da Universidade da Califrnia, em Berkeley,

    que iniciou uma profcua linha de investigaes cujos pro-

    cedimentos e questes experimentais, embora sem que sou-

    bessem na poca, como afirma Rosenzweig (1996), eram

    similares queles de seus desconhecidos predecessores.

    O procedimento bsico de Rosenzweig e colaboradores

    (Rosenzweig, Krech, Bennett & Diamond, 1962) utilizou o

    arranjo de gaiolas-viveiro diferentes daquelas comumente

    encontradas em biotrios, contendo animais em conjunto ou

    alojados individualmente. No arranjo ambiental utilizado as

    gaiolas-viveiro eram maiores e ofereciam uma grande quan-

    tidade e variedade de estmulos, tais como objetos de for-

    mas diferentes, espelhos, rodas de atividade, escadas, alm

    de diferentes possibilidades para conseguir alimento. Ob-servou-se, consistentemente, que, em diferentes idades, a

    interao com esses ambientes ricos em estimulao resulta

    em alteraes especficas do SNC. Entre essas alteraes

    estavam includos o aumento na espessura das camadas do

    crtex visual, no tamanho de corpos neuronais e de ncleos

    dos corpos neuronais, no nmero de sinapses e na rea das

    zonas de contato sinptico, no nmero de dendritos e de es-

    pinas dendrticas, no volume e no peso cerebral, alm de

    alteraes em nveis de neurotransmissores. Em resumo, to-

    das as caractersticas morfolgicas e funcionais de reas cor-

    ticais sofreram alteraes importantes em funo da mera

    exposio e da interao com ambientes que fornecem di-versidade de estmulos (Rosenzweig, 1996).

    A manipulao das condies de estmulo, restringindo-

    as, como nos estudos de privao sensorial (Hubel & Wiesel,

    1965), ou otimizando-as, como nos estudos de exposio a

    ambientes considerados ricos em estimulao (Krech,

    Rosenzweig & Bennett, 1960; Rosenzweig, 1996) constitui

    uma das abordagens clssicas no estudo da plasticidade

    neural. Esses estudos mostraram novas e interessantes pers-

    pectivas para a anlise dos efeitos da experincia sobre o

    sistema nervoso.

    O Professor Hendrik Van der Loos foi tambm um pio-

    neiro no que se refere anlise de alteraes corticais em

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    E. A. M. Ferrari & cols.

    funo de estimulao ou privao de sensaes providas

    pelas vibrissas em roedores. As vibrissas de camundongos

    so importantes receptores de estimulaes sensoriais do

    ambiente, tais como vibrao, contato, presso e desloca-

    mento. A mobilidade das vibrissas constitui um componen-

    te bsico da resposta de explorao nesses animais. Tais re-

    ceptores perifricos tm projees especficas para regies

    corticais, onde possuem uma representao topogrfica, comreas em propores correspondentes sua importncia fun-

    cional. As caractersticas antomo-funcionais das regies de

    representao topogrfica dos folculos das vibrissas no cr-

    tex somatossensorial de camundongos adultos variam, as-

    sim, em funo da quantidade e qualidades de estimulao.

    O estudo de Welker, Rao, Dorfl, Melzer & Van Der Loos

    (1991) um exemplar dos estudos que analisam os substratos

    neurais da experincia com estmulos sensoriais. Camun-

    dongos receberam implantes de minsculas peas de metais

    em um nmero restrito de vibrissas, as quais foram estimu-

    ladas passivamente por pulsos de ondas eletromagnticas (40

    mseg, 9-Hz) a cada 70 mseg. Os perodos de estimulao

    passiva duraram 1, 2 ou 4 dias. A seguir tiveram um teste de

    estimulao ativa pela exposio por 45 minutos a uma gai-

    ola nova, contendo vrios pedaos de madeira. Como os

    autores estavam interessados em analisar o que acontecia

    nos neurnios corticais desses animais, utilizaram um

    marcador radioativo de atividade e de metabolismo neuronal

    que era injetado alguns minutos antes da sesso de explora-

    o. Utilizaram para isso uma substncia similar glicose, a

    2-Deoxi-D-Glicose (2-DG) que, embora seja captada pelas

    clulas, no metabolizada e fica nelas acumulada. Essa

    forma foi escolhida para detectar as alteraes na atividade

    metablica neuronal durante a explorao de um ambiente

    novo. Nessa situao os animais submetidos estimulaopassiva das vibrissas, em comparao com os animais-con-

    trole, apresentaram menor ativao neuronal ao nvel do

    crtex somatossensorial e do tronco enceflico. Ao mesmo

    tempo, principalmente nas reas vizinhas s colunas corticais,

    ocorreram alteraes na sntese e na liberao do GABA

    (cido-gama-amino-butlico), o principal neurotransmissor

    inibitrio no sistema nervoso. Esses resultados mostram que

    a estimulao imposta ao organismo resultou em alteraes

    de processos celulares no SNC, que so indicativas de me-

    canismos que caracterizam a plasticidade neural. Ou seja, as

    diferentes interaes do organismo com uma classe de even-

    tos ambientais foram correlacionadas com mudanas noSNC.

    Recuperao de Funo e

    Leses Neurais no SNC

    O SNC considerado como o produto biolgico mais

    elaborado e complexo da nossa histria evolutiva. Os bilhes

    de neurnios e correspondentes conexes sinpticas, asso-

    ciados s clulas da glia, formam uma rede neural complexa

    que faz a integrao funcional de estruturas neurais diferen-

    tes e, muitas vezes, distantes (Moonen & cols., 1990). Quan-

    do o crebro sofre traumatismos, causados por pancadas ou

    leses decorrentes de disfunes circulatrias, como em ca-

    sos de acidentes vasculares cerebrais ou de intervenes ci-

    rrgicas, podem ocorrer perdas neuronais e distrbios fun-

    cionais nessa rede neural. Nesses casos, as alteraes de fun-

    o ocorrem no apenas nas reas diretamente afetadas, mas

    tambm em outros stios neurais direta ou indiretamente

    conectados a elas. Como resultado final so observados pre-

    juzos comportamentais e cognitivos (Cerutti e cols., 1997;Cuello, 1997).

    Por essas razes, os estudos de recuperao de fun-

    o aps leses ou traumas neurais, que abordam a anlise

    de casos clnicos e de modelos animais da plasticidade neural,

    constituem um outro conjunto importante de investigaes

    (Cuello, 1997; Finger & Almli, 1982; Geschwind, 1984;

    Stein, Finger & Hart, 1983). No laboratrio, os estudos ex-

    perimentais com animais que avaliam a organizao estru-

    tural do SNC aps leses fornecem modelos teis para o

    estudo dos mecanismos, das mudanas anatmicas e funci-

    onais subjacentes recuperao de funo ( Kolb & Whishaw,

    1989).

    Recuperao de alteraes comportamentais induzidas

    por leso no SNC

    Diferentes classes de comportamento motor tm sido

    analisadas no estudo da reorganizao do substrato neuroana-

    tmico da recuperao comportamental aps leso no SNC.

    A locomoo, por exemplo, constitui uma dessas classes

    comportamentais. A organizao de padres locomotores

    ocorre a partir de estmulos espaciais e proprioceptivos, que

    so processados e integrados pelos dois hemisfrios cere-

    brais, em reas corticais somatossensoriais e motoras bem

    como em outras estruturas que compem os sistemas moto-res (medula espinhal, tronco enceflico, cerebelo, tlamo,

    ncleos da base). Toda essa integrao neural envolve uma

    modulao neuroqumica muito sutil com a ao de diferen-

    tes neurotransmissores, dentre os quaisa dopamina tem uma

    funo primordial. Um conjunto importante de neurnios

    que sintetizam e liberam a dopamina encontra-se na subs-

    tncia negra (SNe), uma estrutura localizada no mesenceflo.

    Esses neurnios dopaminrgicos projetam-se para os ncle-

    os da base e seus axnios constituem o sistema dopaminrgi-

    co negroestriatal. Se houver leso na SNe em apenas um dos

    hemisfrios, ocorrer um desequilbrio inter-hemisfrico na

    modulao dopaminrgica da motricidade, resultando emdificuldades de locomoo e no aparecimento de um com-

    portamento rotacional em torno de si mesmo, contnuo, es-

    tereotipado e assimtrico. A anlise desse comportamento

    rotacional induzido por leses no sistema motor tem sido

    til para estudo de neuroplasticidade e, inclusive, como mo-

    delo animal de patologias como a sndrome de Parkinson

    (Schwarting & Huston, 1996).

    Morgan, Nomikos e Huston (1991) analisaram as mudan-

    as no sistema dopaminrgico negroestriatal subjacentes

    recuperao da simetria do comportamento rotacional em ra-

    tos induzido por leso. Usaram injeo unilateral de uma subs-

    tncia que provoca a morte de neurnios dopaminrgicos do

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    Psic.: Teor. e Pesq., Braslia, Mai-Ago 2001, Vol. 17 n. 2, pp. 187-194 191

    Plasticidade Neural e Comportamento

    sistema negroestriatal. Aps as leses, foram analisadas dife-

    rentes categorias de comportamento, incluindo a no ocor-

    rncia, a diminuio ou a manuteno do comportamento

    assimtrico durante os testes. Os animais que mostraram recu-

    perao do comportamento de rotao, ou seja, a diminuio

    da assimetria, reduziram o nmero de rotaes ipsilaterais

    leso e, com o tempo, aumentaram o nmero de rotaes

    contralaterais. A anlise histolgica usou um marcadorneuronal retrgrado (captado nos terminais das fibras pr-sin-

    pticas e transportado at o corpo celular), injetado nos ncle-

    os da base. Assim, foi possvel observar que os animais que

    mostraram a recuperao comportamental apresentaram mai-

    or nmero de clulas marcadas na SNe. Esses dados sugeri-

    ram que os axnios remanescentes leso desenvolveram ra-

    mificaes e estabeleceram novos contatos sinpticos, um dos

    processos que caracterizam a plasticidade ps-leso. Ou seja,

    aps a leso ocorreu uma recuperao comportamental

    correlacionada com mecanismos celulares e processos fisio-

    lgicos relacionados com a formao de novas sinapses e al-

    teraes funcionais daquelas sinapses remanescentes.

    Desenvolvimento, aprendizagem e correlatos

    neuroanatmicos ps-leso

    O desenvolvimento do sistema nervoso caracterizado

    por mudanas que normalmente so consideradas como evi-

    dncias da plasticidade do sistema. Durante a embriognese

    so gerados nmeros excessivos de neurnios e, por isso,

    uma grande parte desses eliminada por um processo de

    morte celular que regulado geneticamente e que resulta

    num ajuste fino da populao neuronal (Oliveira, 1999). Aps

    o nascimento, ocorre a regulao da populao e da circuitaria

    neuronal em momentos que so considerados perodos crti-cos no desenvolvimento. Ou seja, durante esses perodos so

    definidas tanto a sobrevivncia de neurnios que estabele-

    ceram contatos sinpticos eficientes quanto a manuteno

    dessas sinapses. Essa regulao da circuitaria neural resulta

    de uma coordenao sutil e complexa entre as atividades

    dos elementos pr- e ps- sinpticos, que garantem a inte-

    gridade e a plasticidade do neurnio.

    Muitas vezes, o conceito de perodos crticos usado

    como justificativa para a existncia de maior plasticidade

    neural ou de maior capacidade de reorganizao e de recu-

    perao funcional em crebros jovens, em comparao com

    crebros adultos. Foi nesse sentido que Brabander, Van Edene De Bruin (1991) investigaram se haveria diferenas de

    aprendizagem entre ratos que sofreram leses do crtex pr-

    frontal medial no perodo neonatal ou na idade adulta. A

    anlise da manuteno da funo comportamental avaliou o

    comportamento de escolha entre os braos do labirinto em

    T, com alternao a cada tentativa, inicialmente com um in-

    tervalo de zero segundos (sem atraso) e com intervalo de 15

    segundos (com atraso). Foram investigadas as mudanas

    neuroanatmicas em dois sistemas neurais com conexes ao

    crtex pr-frontal medial: uma projeo talmica e uma pro-

    jeo de fibras dopaminrgicas (sistema dopaminrgico

    meso-cortical) da rea tegmental ventral do mesencfalo.

    Ambos os sistemas tm um denso padro de axnios que se

    projetam para as reas pr-frontais, transmitindo informa-

    es cruciais para o crtex pr-frontal. Foi usado um marca-

    dor neuronal antergrado (captado ao nvel do corpo celular

    e transportado pelo axnio at sua terminao pr-sinptica)

    para analisar essas projees. Esse marcador foi injetado nos

    ncleos neuronais cujos axnios se projetam para o crtex

    pr-frontal. Aps o teste de alternao espacial com atraso,os animais foram sacrificados e os crebros foram processa-

    dos para a obteno de cortes cerebrais, marcao imunohis-

    toqumica e anlise de axnios dopaminrgicos.

    Os ratos que sofreram leses bilaterais neonatais mos-

    traram desempenho similar aos animais-controle. Ao con-

    trrio, os ratos que foram lesados quando adultos mostra-

    ram maior nmero de erros no teste do labirinto em T, no

    alcanando ocritrio de aprendizagem. A maioria das le-

    ses realizadas no perodo neonatal no apresentou uma indi-

    cao morfolgica precisa, exceto como uma cicatriz, en-

    quanto que todas as leses realizadas em ratos adultos, fo-

    ram visveis como uma cavidade limitada por tecido glial. A

    anlise morfolgica tambm no revelou perda de clulas

    dopaminrgicas, tanto aps as leses neonatais, quanto na

    idade adulta. Contudo, em todos os ratos com leses neona-

    tais, foi observado um aumento da densidade dos axnios

    dopaminrgicos em todas as camadas do crtex, acompa-

    nhado por um aumento de ramificao dos axnios e uma

    maior quantidade de vesculas sinpticas, em comparao

    com os animais controles. O aumento dos axnios e das

    vesculas pode ser uma indicao de maior atividade dopa-

    minrgica ou de um acmulo de dopamina nos terminais

    pr-sinpticos. Em resumo, esses dados indicam a ocorrn-

    cia da plasticidade neural em dois momentos do desenvolvi-

    mento ontogentico, demonstrando uma capacidade reorga-nizadora mais efetiva do sistema nervoso quando as leses

    ocorreram precocemente, logo aps o nascimento.

    Efeitos a longo prazo de leses neurais sobre a

    interao neurnio-glia e aaprendizagem

    Alm de toda a importncia da funo neuronal, deve-se

    lembrar que o tecido neural constitudo de um agregado

    complexo de clulas que constitui uma rede de comunica-

    o entre os neurnios e a neuroglia. A literatura tem colo-

    cado nfase crescente no fato de que neurnios e clulas

    gliais atuam como uma unidade fisiolgica com funo fun-damental na organizao neural do comportamento. As c-

    lulas gliais sempre foram consideradas elementos importan-

    tes do microambiente neural por participarem em processos

    durante o desenvolvimento neural e na regulao do meio

    extracelular neural. Porm, apenas recentemente surgiu uma

    maior compreenso das complexas interaes neurnio-

    astrcito/microglia e de sua participao no desenvolvimen-

    to de plasticidade de conexes sinpticas e, consequente-

    mente, em processos de plasticidade neural e de aprendiza-

    gem (Aldskogius & Kozlova, 1998; Cerutti & Ferrari, 1995b;

    Moonen & cols, 1990; Ridel, Malhotra, Privat & Gage, 1997).

    A correlao entre ativao de clulas da glia e recupe-

  • 7/23/2019 Plasticidade Neural Relaes Com o Comportamento e Abordagens Experimentais

    6/8

    192 Psic.: Teor. e Pesq., Braslia, Mai-Ago 2001, Vol. 17 n. 2, pp. 187-194

    E. A. M. Ferrari & cols.

    rao do SNC fundamenta-se na presena de substncias

    trficas na rea da leso (Cerutti & Chadi, 2000; Chadi, Cao,

    Pettersson & Fuxe, 1994). As interaes astroglia/microglia

    exercem papel fundamental em mecanismos trficos de

    neurnios no SNC. Os neurnios que sofreram danos libe-

    ram secrees que estimulam as microglias que, por sua vez,

    interagem com os astrcitos e induzem a produo de outras

    substncias trficas. Todas essas respostas so importantespara manter a homeostase local e garantir a sobrevivncia

    do neurnio.

    Nesse contexto, as funes dos astrcitos tm recebido

    grande ateno (Bignami, 1984). Recentemente, Cerutti,

    Ferrari & Chadi (1997) demonstraram aumento no nmero

    de astrcitos, quatro meses aps a leso massiva de tecido

    neural do telenceflo de pombos. Essa leso provoca perda

    transitria do comportamento alimentar, associada a altera-

    es imediatas na postura e no ciclo sono-viglia. Por isso,

    os animais so mantidos em ambiente controlado e alimen-

    tados no bico, trs vezes por dia at a recuperao de com-

    portamento alimentar que ocorre cerca de um mes depois da

    leso. Os pombos foram sacrificados quatro meses aps a

    leso e os crebros preparados para anlise por tcnicas de

    marcao imunohistoqumica. Foi observada uma maior

    marcao para a protena cida fibrilar de glia (GFAP) no

    tlamo (ncleo rotundus) dos animais com leso, indicando

    uma significante presena de astrcitos. Inversamente, a

    marcao de neurofilamentos, para identificao de neur-

    nios ntegros, indicou que os animais lesados apresentaram

    menor nmero de neurnios. Esse dado muito interessante

    por sugerir que nesse momento, longo tempo aps a leso,

    as funes de astrcitos estariam diretamente relacionadas

    aos processos de plasticidade neural.

    Essas anlises estendem as observaes de Cerutti e cols.(Cerutti, Cintra, Diz-Cintra & Ferrari, 1997; Cerutti &

    Ferrari, 1995a) sobre a aprendizagem de discriminao dos

    pombos destelencefalados. Aps a recuperao de compor-

    tamento alimentar, pombos foram treinados em discrimina-

    o operante sucessiva, com luz vermelha no disco correla-

    cionada com reforamento em esquema de razo-varivel e

    luz amarela no disco, correlacionada com extino. Os pom-

    bos lesados aprenderam a discriminao operante aps um

    treinamento mais longo para a aquisio da resposta de bi-

    car o disco e para alcanar o critrio de estabilidade do com-

    portamento discriminativo, em comparao aos pombos-

    controle. Porm, na condio de reverso da discriminao,os pombos lesados no alcanaram os critrios de aprendi-

    zagem e de estabilidade do comportamento discriminativo.

    Esses resultados comportamentais foram correlacionados

    com anlises histolgicas (com marcao de fibras mielnicas

    e de corpos celulares, seguida de morfometria quantitativa

    em estruturas das vias visuais) que mostraram (a) padres

    anormais na orientao dos axnios (fibras neurais) e na or-

    ganizao das camadas neuronais caractersticas do teto

    ptico (estrutura importante para o processamento visual em

    aves) e (b) uma reduco significativa no nmero de neurnios,

    inversamente relacionada a um aumento no nmero de va-

    sos sanguneos, observada no tlamo (ncleo rotundus, re-

    gio que transmite informaes para as reas visuais do

    telencfalo). Tais alteraes morfolgicas foram interpreta-

    das como evidncias de mecanismos de plasticidade neural.

    Diferentes mecanismos celulares esto envolvidos na ma-

    nuteno do neurnio e no fortalecimento de seus contatos

    sinpticos e conseqente funcionalidade. O aumento da

    vascularizao possivelmente constitui um mecanismo com-pensatrio para o sistema, no sentido de garantir o supri-

    mento energtico adequado para a sobrevivncia e funcio-

    nalidade dos poucos neurnios restantes aps a leso.

    Implicaes dos Estudos de Plasticidade Neural

    De um modo geral, pode-se afirmar que a anlise da

    plasticidade neural e de recuperao de funo, em suas di-

    ferentes abordagens, tem sido realizada por meio de investi-

    gaes que utilizam mtodos de anlise do comportamento

    aprendido associados metodologia neurobiolgica, princi-

    palmente de leso e/ou estimulao neural. O desenvolvi-

    mento histrico desse conhecimento biomdico tem sido

    claramente ligado ao uso de animais, principalmente mam-

    feros e aves, na pesquisa bsica sobre aspectos plsticos do

    SNC e processos biolgicos relacionados com os comporta-

    mentos, aprendizagem e memria.

    As ltimas quatro dcadas do sculo XX culminaram com

    a chamada dcada do crebro nos anos 90 e constituem um

    perodo fascinante no que concerne identificao de pro-

    cessos de plasticidade neural, busca de mecanismos subja-

    centes a esses processos e s interrelaes com as mudanas

    comportamentais (Rosenzweig, 1996; Strumwasser, 1994).

    Os avanos recentes no conhecimento da biologia molecular

    tm levado a novas perspectivas em termos de controle demecanismos de plasticidade neural. O prprio conceito de

    sinapse sofreu uma modificao na medida em que passou a

    ser considerado como um processo de comunicao neuronal,

    bidirecional e automodificvel (Jessell & Kandel, 1993). As

    interaes sinpticas entre neurnios envolvem interao

    eltrica e qumica complexas, que dependem do meio extra-

    celular e de sistemas especiais de receptores celulares (Iz-

    quierdo, 1992; Izquierdo & cols, 1999). A ativao desses

    mecanismos receptores desencadeiam sistemas de sinaliza-

    o intracelular, envolvendo segundo-mensageiros que po-

    dem regular canais inicos, coordenar mecanismos de ativa-

    o e de fosforilao de protenas e, ainda, modificar prote-nas regulatrias da transcrio gnica. A ativao de meca-

    nismos de transcrio gnica e de regulao de sntese

    protica vo resultar em maior disponibilidade de protenas

    que sero utilizadas como o material bsico da clula. As-

    sim, maior sntese proteica pode garantir mudanas estrutu-

    rais de longa durao nas sinapses, contribuindo tanto para

    a funo e comunicao sinptica, quanto para a organiza-

    o funcional de circuitos locais. Sem dvida alguma, as

    aplicaes e implicaes de todo esse conhecimento consti-

    tuem desafios para todos aqueles interessados em compor-

    tamento e sistema nervoso.

  • 7/23/2019 Plasticidade Neural Relaes Com o Comportamento e Abordagens Experimentais

    7/8

    Psic.: Teor. e Pesq., Braslia, Mai-Ago 2001, Vol. 17 n. 2, pp. 187-194 193

    Plasticidade Neural e Comportamento

    Concluso

    As consideraes desenvolvidas no texto e as evidncias

    experimentais que as suportam indicaram que os mecanis-

    mos subjacentes plasticidade neural e recuperao de

    funo tm bases similares e constituem uma rea de muito

    interesse para pesquisas em neurocincias e comportamen-

    to.Os tipos de abordagens plasticidade neural e recupe-

    rao comportamental foram discutidos pela anlise de al-

    guns estudos da rea. Assim, foi possvel verificar que a busca

    de correlaes entre leso no SNC, alteraes neuronais e

    recuperao comportamental permitiu verificar a ocorrn-

    cia de mudanas morfolgicas e funcionais das estruturas

    nervosas relacionadas com o comportamento. Os estudos

    referentes plasticidade neural demonstraram que o SNC

    mais plstico do que se acreditava.

    Ao mesmo tempo, possvel afirmar, conforme se pro-

    curou exemplificar no texto, que as pesquisas nessa rea tm

    produzido dados coerentes e indicativos de como o compor-

    tamento pode alterar a morfologia e a funo do sistema

    nervoso e vice-versa. O resultado geral um belssimo e

    instigante conjunto de resultados, com possibilidades de

    aplicao em diferentes aspectos clnicos comportamentais

    e neurolgicos, principalmente referentes ao desenvolvimen-

    to e ao envelhecimento.

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