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Planos de desenvolvimento sustentável no Nordeste: uma análise comparativa. Ilza Araújo Leão de Andrade Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN O padrão de desenvolvimento predominante nos últimos 50 anos no mundo capitalista, como um todo, foi marcado pela preponderância do referencial tecnológico. A idéia dominante era que o avanço da tecnologia propiciaria uma maior produtividade e conseqüentemente a garantia de maiores taxas de lucro e de investimento. O desenvolvimento era visto, sobretudo, como um processo econômico, sendo o bem estar social uma decorrência natural deste. Esta foi a visão que prevaleceu no mundo capitalista, como um todo, e que na América Latina foi adotada como modelo que deu sustentação à intervenção do chamado Estado desenvolvimentista, correspondente deformado do Estado de Bem Estar Social europeu. No entanto, no final da década de 80 a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Comissão Brundtland), preocupada com os efeitos devastadores do processo de avanço das novas tecnologias sobre o meio ambiente, publicou um relatório intitulado Nosso futuro comum, onde levantou importantes questões sobre a relação negativa desenvolvimento/natureza, chamando a atenção para a necessidade de se transformar a visão dominante acerca do desenvolvimento. É nesse relatório que se utiliza pela primeira vez a expressão desenvolvimento sustentável, numa alusão a um modelo de desenvolvimento que ... satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades (CMMDA, 1987). Os anos 90 trouxeram ao centro do debate esse tipo de visão. A globalização da economia, a fragmentação política e o conseqüente enfraquecimento do Estado, adicionados ao desemprego em massa, à devastação ambiental e ao aguçamento da desigualdade social e da miséria, levaram, diferentes organizações internacionais a repensar o desenvolvimento e as estratégias para a sua produção. É nesse contexto que a Organização das Nações Unidas – ONU elabora uma agenda social, com o intuito de incentivar o debate internacional sobre temas tão importantes. Compõem a agenda da ONU diversas conferências, realizadas a partir de 1992, cada uma delas chamando a atenção dos governantes de todo o mundo sobre questões como: o meio ambiente e o desenvolvimento (Rio de Janeiro/1992), os direitos humanos (Viena/1993), o crescimento

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Planos de desenvolvimento sustentável noNordeste: uma análise comparativa.

Ilza Araújo Leão de AndradeProfessora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

O padrão de desenvolvimento predominante nos últimos 50 anos no mundo capitalista,como um todo, foi marcado pela preponderância do referencial tecnológico. A idéia dominante eraque o avanço da tecnologia propiciaria uma maior produtividade e conseqüentemente a garantia demaiores taxas de lucro e de investimento. O desenvolvimento era visto, sobretudo, como umprocesso econômico, sendo o bem estar social uma decorrência natural deste. Esta foi a visão queprevaleceu no mundo capitalista, como um todo, e que na América Latina foi adotada como modeloque deu sustentação à intervenção do chamado Estado desenvolvimentista, correspondentedeformado do Estado de Bem Estar Social europeu.

No entanto, no final da década de 80 a Comissão Mundial de Meio Ambiente eDesenvolvimento (Comissão Brundtland), preocupada com os efeitos devastadores do processo deavanço das novas tecnologias sobre o meio ambiente, publicou um relatório intitulado Nosso futurocomum, onde levantou importantes questões sobre a relação negativa desenvolvimento/natureza,chamando a atenção para a necessidade de se transformar a visão dominante acerca dodesenvolvimento. É nesse relatório que se utiliza pela primeira vez a expressão desenvolvimentosustentável, numa alusão a um modelo de desenvolvimento que ... satisfaz as necessidades dopresente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas própriasnecessidades (CMMDA, 1987).

Os anos 90 trouxeram ao centro do debate esse tipo de visão. A globalização da economia,a fragmentação política e o conseqüente enfraquecimento do Estado, adicionados ao desempregoem massa, à devastação ambiental e ao aguçamento da desigualdade social e da miséria, levaram,diferentes organizações internacionais a repensar o desenvolvimento e as estratégias para a suaprodução. É nesse contexto que a Organização das Nações Unidas – ONU elabora uma agendasocial, com o intuito de incentivar o debate internacional sobre temas tão importantes. Compõem aagenda da ONU diversas conferências, realizadas a partir de 1992, cada uma delas chamando aatenção dos governantes de todo o mundo sobre questões como: o meio ambiente e odesenvolvimento (Rio de Janeiro/1992), os direitos humanos (Viena/1993), o crescimento

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populacional (Cairo/1994), o desenvolvimento social (Copenhague/1995), a situação das mulheres(Pequim/1995).

A conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida como a Eco-92 ou Rio-92, foi um momento significativo no debate internacional sobre o padrão dedesenvolvimento prevalecente até então, principalmente pelas conseqüências desastrosas destepara o meio ambiente. Convocada ... em meio a campanha internacional preservacionista queatribuía a degradação do ecossistema planetário particularmente à devastação de reservasflorestais no Terceiro Mundo – em especial na Amazônia brasileira (Alves, 1996:66), a Eco-92 foi

muito além dessa discussão, graças a uma massiva participação de ONGs internacionais enacionais dispostas a colocar em cheque o padrão de desenvolvimento responsável pela questãoambiental. Ao seu final, a conferência divulgou ao mundo a ... correta percepção de que, se, porum lado, a superpopulação é voraz, a pobreza é predatória e a miséria, poluidora, por outro, amaior responsabilidade pela destruição ambiental advém dos padrões insustentáveis de produçãoe consumo do Primeiro Mundo – importados, (...) até por experiência própria, pelos setoresavançados dos países em desenvolvimento.

E que: Face à conjugação desses diferentes fatores destrutivos, a verdadeira batalha pelaconservação ambiental não se pode dar pela simples abstenção, ou pela renúncia do TerceiroMundo, a perseguir seus objetivos de desenvolvimento, mas sim pela realização de esforçoscooperativos e generalizados para se promover, nacional e internacionalmente, um modelo dedesenvolvimento sustentável ( Alves, 1996:66-67).

A definição mais precisa da substância dessa nova idéia de desenvolvimento está contida

na Agenda 21, o documento elaborado, ao final da conferência, que expõe os princípios e a pautade ação necessária à configuração do novo padrão de desenvolvimento, baseado nasustentabilidade. Esse documento inova a preocupação com a insustentabilidade do padrão

anterior, chamando a atenção para o aumento da desigualdade social decorrente daquele padrão.

A idéia de desenvolvimento sustentável passa a ser veiculada por diferentes organizaçõesinternacionais, dentre elas o Banco Mundial, e a fazer parte do discurso, principalmente dosgovernantes dos países do Terceiro Mundo. No Brasil, a afirmação dos princípios da Eco-92passaram a ser elementos importantes da retórica dos governantes, tendo o desenvolvimentosustentável se transformado em fator significante dos discursos reformistas. Isso porque o novotipo de desenvolvimento combinava com a descentralização das ações governamentais em curso apartir do início dos anos 90, que transferia para os governos locais a responsabilidade deformulação e implementação de políticas públicas, inclusive aquelas direcionadas à promoção dodesenvolvimento econômico.

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O que é desenvolvimento sustentável?

Antes de iniciarmos a análise dos planos elaborados no Nordeste, é importante fazermosuma reflexão acerca dos princípios inovadores desse padrão de desenvolvimento e das bases quegarantem a sua sustentabilidade.

Há muitas formas de definir o desenvolvimento sustentável (mais de 100 definiçõesidentificadas na literatura), sendo a grande maioria centrada na questão ambiental, que deu origemà proposta. A visão que prepondera na América Latina e, em especial, no Brasil, no entanto, estáancorada nos pressupostos da Agenda 21, que aprofunda o sentido da sustentabilidade dodesenvolvimento para além da dimensão ambiental. Para Ignacy Sachs (um dos mais ardorososdefensores desse modelo), o desenvolvimento sustentável deveria estar ancorado em trêsprincípios básicos: a prudência ecológica, a eficiência econômica e a justiça social. Maisrecentemente foi incorporada a essa tríade o princípio político da democracia e a preocupação como componente cultural da realidade. Dessa forma, o desenvolvimento deixa de ser um problemaeconômico para ser um problema de múltiplas dimensões, o que torna mais complexo o seuplanejamento e a sua realização.

Para alguns autores o desenvolvimento sustentável tem que estar cimentado em uma novabase ética, por demandar uma solidariedade social e a necessidade de subordinação da dinâmicaeconômica aos interesses da sociedade e às condições do meio ambiente. Essa solidariedade quedeveria ser intergeracional e interespacial, supõe uma mudança radical nos valores, práticas e

atitudes dos agentes do desenvolvimento, mas também da sociedade como um todo.

Essa chamada visão holística do desenvolvimento requer, assim, um suporte muito forteque lhe dê sustentação, o que talvez explique o aprofundamento, no tempo, da idéia desustentabilidade para dimensões mais amplas como a política e a cultura.

A primeira grande questão que se levanta diante do desafio do desenvolvimentosustentável diz respeito aos atores sociais promotores desse desenvolvimento. Na medida em quesupõe uma mudança de prioridades em relação ao modelo economicista-tecnológico, elerepresenta uma quebra de interesses e práticas, fortemente sedimentados nas instituições públicase privadas. Em interessante artigo sobre o tema, RICH (1994) chama atenção para o paradoxopresente, por exemplo, na atuação do Banco Mundial, que é hoje o principal gestor financeirointernacional de estratégias de desenvolvimento sustentável. Estudos realizados mostram que esteBanco, enquanto destina 2 milhões de dólares para financiar programas de redução de dióxido decarbono na China, se propõe a destinar 310 milhões para a construção de centrais geradoras deenergia com base no carvão. Segundo o autor, dos 46 projetos financiados pelo Banco na área de

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produção de energia entre os anos 90-94, somente dois incorporaram critérios de conservaçãoambiental, numa visível quebra do princípio da sustentabilidade.

Este exemplo do Banco Mundial pode ser facilmente estendido aos governos. Atuandogeralmente sobre um campo de pressões, os governos costumam incorporar às suas agendaspontos muitas vezes conflitantes, num processo típico de acomodação de interesses. Além disso,as coalizões governistas para chegar ao poder assumem compromissos diversos, que vão desdeos assumidos publicamente com o seu eleitorado até os assumidos privadamente com osfinanciadores e apoiadores de campanha. Assim, quanto mais extenso esse leque maior adificuldade de estabelecer agendas.

Se sairmos do Estado para o campo do mercado, fica ainda mais distante a identificaçãode possíveis atores sociais promotores do desenvolvimento sustentável. Os representantes docapital, que estiveram sempre na dianteira dos processos de desenvolvimento, costumam nãoreconhecer a validez das questões da sustentabilidade, pois são movidos por interesses puramenteeconômicos (privados) e muito raramente se identificam com questões de natureza social eambiental (públicas). O desenvolvimento sustentável procura corrigir as distorções de um modeloque priorizou os seus interesses e supõe uma redefinição de prioridades e formas de atuação quemuitas vezes lhes parece exdrúxula.

Diante de todas essas dificuldades, a adesão ao padrão do desenvolvimento sustentável éuma decisão extremamente difícil, principalmente para o Estado, principal ator no processo dealavancagem do desenvolvimento na América Latina, tradicionalmente atrelado aos padrõesanteriores de intervenção. É por essa razão que, na nossa concepção, o desenvolvimentosustentável para ocorrer precisa estar atrelado a uma reforma do Estado. Não uma reforma restritaao aparato burocrático das organizações públicas, mas uma reforma que englobe a própriasociedade1. Isso porque não será o Estado sozinho ou somente as leis de mercado que serãocapazes de regular os mecanismos de funcionamento de um padrão de desenvolvimento baseadona sustentabilidade. A sociedade, através de suas organizações, será uma força propulsoraindispensável para fazer valer a nova realidade.

As várias dimensões da sustentabilidade

A multiplicidade de requerimentos necessários à produção do desenvolvimento sustentávelpode ser melhor compreendida se fizermos referência àqueles elementos que, de fato, podemgarantir sustentabilidade a esse modelo. O elemento diferencial do desenvolvimento sustentável,em relação ao padrão tradicional de desenvolvimento, é justamente o fato de que a sua base não ésomente econômica, mas também ambiental, social, cultural e política. Do ponto de vista

1 A esse respeito ver: KILSKSBERG; NOGUEIRA

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econômico, a sustentabilidade do desenvolvimento será dada pela eficiência do modelo em garantirum crescimento econômico que atenda ao dinamismo do mercado e possibilite a incorporação domaior número possível de beneficiários diretos e indiretos aos produtos desse crescimento, deforma a reverter as disparidades no padrão de distribuição de renda. Na dimensão econômica émister que seja dada atenção ao potencial do setor público para assegurar as condiçõesnecessárias para que o processo de desenvolvimento seja viabilizado, principalmente no tocante afontes de financiamento e respaldo institucional.

A dimensão ambiental do desenvolvimento sustentável, por sua vez, será dada pelapreocupação com a utilização de técnicas e processos de produção comprometidos com apreservação e a recuperação da natureza, o que significa um controle sobre ações poluentes edevastadoras do meio ambiente. É preciso não esquecer que o princípio orientador dodesenvolvimento sustentável está justamente numa relação com a natureza que não prejudique avida das gerações futuras. Isso supõe uma atenção cuidadosa com a manutenção do estoque derecursos naturais incorporados a atividade produtiva, atenção que deverá se realizar através depolíticas públicas que possibilitem um controle do tipo proposto por Daly (1990). Para ele, eranecessário controlar o uso dos recursos naturais tanto renováveis quanto não renováveis. Para ocaso dos recursos renováveis a taxa de utilização deveria ser equivalente à taxa de recomposiçãodo recurso. Em relação aos recursos não renováveis, seria necessário limitar seu ritmo deutilização ao ritmo de desenvolvimento e descoberta de substitutos.

Um ponto importante na discussão levantada pelas organizações não-governamentais naEco-92, estava centrado na desigualdade social produzida pelo processo de desenvolvimentoconcebido na perspectiva do crescimento econômico. Assim, um modelo de desenvolvimento quese propõe alternativo deveria estar fundamentado também em uma dimensão social, concebidacomo a capacidade de promover maior eqüidade, principalmente do ponto de vista da satisfaçãodas necessidades básicas de todos os indivíduos. Assim, a prioridade do ponto de vista dodesenvolvimento sustentável deve ser a grande maioria da população que vive em estado demiséria, excluída dos benefícios gerados pela produção. No caso ... específico dos países do Sul,com graves problemas de desigualdade e de exclusão sociais, os critérios básicos deveriam ser: osda justiça distributiva, para o caso da distribuição de bens e serviços; e da universalização dacobertura, para as políticas globais de educação, saúde, habitação e seguridade social(GUIMARÃES, 1995:128). Do ponto de vista da dinâmica da economia, a sustentabilidade socialdeveria estar assegurada por uma política que privilegiasse o mercado nacional, a suacomplementariedade em nível regional, orientada para a diminuição das disparidades nadistribuição de riquezas.

É preciso não esquecer que a desigualdade social na América Latina tem sua face maisvisível na precariedade do acesso ao mercado de trabalho. E, como lembra GUIMARÃES (1995),

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essa questão deveria ser enfrentada através do ... privilegiamento das pequenas e médiasempresas, mediante assessoria técnica e financeira e instrumentos creditícios, fiscais e tributários,que permitam uma maior formalização do emprego urbano. Do ponto de vista tributário esseprocesso não pode deixar de contemplar a redistribuição de recursos do centro para a periferia, deforma a propiciar a descentralização de recursos públicos, assim como a desconcentraçãoindustrial.

Em relação ao meio rural, é urgente pensar o desenvolvimento agropecuário em uma novaperspectiva, abrindo espaços para a realização da reforma agrária, único mecanismo possível dedemocratização do acesso à terra e de diminuição da desigualdade social no campo. Ao mesmotempo, torna-se necessário ... reverter a tendência de modernização agrícola com baseexclusivamente na grande empresa capitalista com demanda intensiva de maquinaria e defertilizantes químicos...(GUIMARÃES, 1995:129). Este modelo, além de inacessível ao pequenoprodutor, compromete a sustentabilidade ambiental, preocupação inicial do desenvolvimentosustentável.

Vendo-se da perspectiva dessas três dimensões ressaltadas até aqui, fica patente amagnitude das mudanças requeridas para implantação desse novo padrão de desenvolvimento, eas dificuldades que se colocam para a sua realização. Volta, assim, a questão acerca de quais osatores sociais que promoverão esse tipo de desenvolvimento? E ainda: quem terá capacidade einteresse real na sua promoção? A pergunta nos leva a entrar no terreno de uma outra dimensãodo desenvolvimento sustentável que parece fundamental para a manutenção de suasustentabilidade: a dimensão política.

O grande desafio para os pensadores do desenvolvimento sustentável hoje é, basicamente,torná-lo real. Ultrapassar o nível da retórica, que caracteriza a sua produção, no plano discursivo,para torná-lo um caminho na construção de uma sociedade mais justa. Aí encontra-se o pontofulcral de toda a nossa discussão. A construção de uma sociedade mais justa não pode ser a obrade um só ator social e político (o Estado, por exemplo), ela precisa ser uma construçãoverdadeiramente social, principalmente daqueles que estiveram alijados dos processos anterioresde desenvolvimento. É nesse sentido que Guimarães afirma que ... a sustentabilidade política dodesenvolvimento encontra-se estreitamente vinculada ao processo de construção da cidadania(GUIMARÃES). É esse o grande desafio do desenvolvimento sustentável na América Latina. Aqui,

mais do que em outras partes do mundo, a possibilidade do desenvolvimento sustentável estáintimamente ligada à consolidação da democracia. O Estado continua a ser o único ator capaz deenfrentar esse desafio, mas não um Estado autoritário, contaminado pelos interesses dos setoreseconomicamente mais fortes, e sim um Estado comprometido com um projeto social baseado naeqüidade. É nesse sentido que vemos a possibilidade do desenvolvimento sustentável dentro do

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projeto mais amplo de reforma do Estado, mas não uma reforma resumida ao reordenamentoinstitucional das organizações públicas, e sim uma reforma que contemple a própria sociedade.

Nesse sentido, é preciso pensar a eqüidade não apenas como a divisão justa de riquezas,mas também como divisão de poder. E essa divisão se dará no contexto da descentralização dasações, do controle social e da participação efetiva dos cidadãos no processo decisório. Para queisso realmente ocorra é necessário democratizar o Estado e democratizar a própria sociedade. Ademocratização da sociedade supõe o ... fortalecimento das organizações sociais e comunitárias, aredistribuição dos recursos e da informação para o setores subordinados, o aumento dacapacidade de análise de suas organizações e a capacitação pare a tomada de decisões. E a

democratização do Estado requer ... a abertura do aparato estatal para o controle cidadão, areatualização dos partidos políticos e dos processos eleitorais e (...) a incorporação do conceito deresponsabilidade política na atividade pública ( GUIMARÃES, 1995:130)

Todo esse processo de mudança expressa um rompimento radical com as práticaspolíticas tradicionais, e define novos padrões de compromisso entre o Estado e a sociedade nuncaantes observados na política latino-americana e, em especial, na brasileira. E este é o grandedesafio político do desenvolvimento sustentável. Sem ele será impossível sair do plano daformulação discursiva para o enfrentamento dos obstáculos para a construção de uma novarealidade.

A quinta e última dimensão do desenvolvimento sustentável situa-se no plano da cultura. Areorientação dos processos de desenvolvimento, na direção de um modelo socialmente produzido,precisa estar ancorado no respeito aos padrões culturais vigentes, nas práticas historicamenteproduzidas que se constituem parte importante da identidade de um povo e de uma sociedade. Odesenvolvimento que destrói tradições e histórias é um desenvolvimento sem futuro, porquebaseado somente no presente. É um desenvolvimento que se esgota em uma geração e que nãopossui assim bases de sustentabilidade.

Essas cinco dimensões explicitadas acima dão conta da complexidade do novo padrão dedesenvolvimento, cuja concretização só se torna possível com um equilíbrio entre as mesmas, numprocesso de crescente complementaridade e de forte participação social. Disso resulta aimportância que terá, para esse tipo de desenvolvimento, um outro tipo de capital, o capital social(PUTNAM, 1993).

A visão de desenvolvimento sustentável no Nordeste

Em 1994 foi realizado no Nordeste um grande estudo coordenado pela Secretaria dePlanejamento, Orçamento e Coordenação da Presidência da República, com apoio dos governos

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estaduais, com o intuito de mapear as condições para a formulação e implementação de políticasde desenvolvimento sustentável no Nordeste semi-árido. O projeto, que ficou conhecido comoPROJETO ÁRIDAS, foi realizado a partir da formação de vários grupos temáticos, cada um delesreferente a uma dimensão da realidade local. O diagnóstico feito pelos pesquisadores a partir dainvestigação apontava para a importância da mudança do padrão de planejamento e gestão dodesenvolvimento local no Nordeste, o que motivou a formulação de planos de desenvolvimentopara os estados, dentro da concepção do desenvolvimento sustentável.

Para os formuladores dessas propostas, com essas iniciativas ... o Nordeste do Brasilassume mais uma vez e paradoxalmente (...) uma posição de liderança no processo deplanejamento nacional (...) e inicia mais cedo que o restante do país a tentativa de incorporação doconceito de desenvolvimento sustentável no planejamento governamental (MIRANDA et alii,

s/d:24).

O presente trabalho objetiva analisar os Planos de Desenvolvimento Sustentável dosestados do Ceará e do Rio Grande do Norte, tentando mapear neles os sinais de mudançanecessários a produção de um desenvolvimento realmente sustentável e adequado aos princípios

da reforma do Estado, ora em andamento: a descentralização, a integração das ações e aparticipação da sociedade.

A - O Plano de Desenvolvimento Sustentável do Ceará

Partindo da idéia de desenvolvimento a longo que caracteriza o desenvolvimentosustentável, o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Ceará orienta políticas e define objetivospara um espaço temporal de uma geração. No entanto, pretende servir como fonte de dados eorientações para o governo do estado na gestão que se inicia em 1994, objetivando a superação deuma pesada herança negativa, que se expressa nos seguintes problemas:

degradação do meio ambiente;

concentração espacial;

exclusão social;

vulnerabilidade econômica;

atraso cultural, científico e tecnológico;

política de clientela e Estado patrimonialista.

Em termos gerais o plano visa construir uma visão do futuro identificando o governo com asdiretrizes da descentralização, da sustentabilidade e de uma administração participativa.

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Entendendo a necessidade de aprofundar as mudanças ocorridas no estado, nos últimosanos, o documento destaca os seguintes tópicos como identificadores das mudanças que querpromover:

uma sociedade em harmonia com a natureza;

uma sociedade espacialmente equilibrada;

uma sociedade democrática;

uma sociedade justa;

uma economia estável;

uma sociedade avançada quanto à cultura, ciência e tecnologia;

um Estado a serviço da sociedade.

O objetivo síntese do plano é a melhoria de qualidade de vida dos cearenses em umageração, o que supõe:

proteção do meio ambiente;

reordenamento do espaço;

capacitação da população;

crescimento da economia, geração de empregos e redução das desigualdades;

desenvolvimento cultural, científico, técnico e inovador;

melhoria da gestão pública.

Programa de Ação

A cada objetivo se direcionam vetores que reúnem programas estruturantes e/ou diretrizese prioridades para a elaboração destes programas.

Programas estruturantes na área de proteção do meio ambiente: Florestamento, reflorestamento e proteção da biodiversidade; Combate à poluição; Desenvolvimento e gestão dos recursos hídricos: ampliação da oferta hídrica; o desenvolvimento da infra-estrutra hidroagrícola; águas subterrâneas para o desenvolvimento;

o desenvolvimento da infra-estrutra hídrica estratégica: açude Castanhão etransposição de águas do rio São Francisco.

Programas estruturantes na área de reordenamento do espaço: Estruturação da rede urbana;

Organização fundiária .

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Programas estruturantes na área de capacitação da população:

Educação para todos :

todos pela educação (a escola, o município, o estado); educação de qualidade; educação para todos. Direito à saúde: equidade; descentralização; intersetorialidade; participação social; valorização e motivação dos profissionais de saúde. Saneamento básico:

Atendimento às necessidades da população com: água de quantidadesuficiente e qualidade satisfatória; esgotamento sanitário abrangenteem municípios com mais de 50 mil habitantes.

Habitação: Segmento I (famílias com renda inferior à três salários mínimos):

- mutirão habitacional

- urbanização de favelas;

Segmento II (famílias com renda entre três e dez salários mínimos):- financiamento a pessoas físicas;

- produção habitacional: financiamento para construção

conclusão e melhoria da moradia do financiado; - financiamento para conjuntos habitacionais; Segmento III (famílias com renda superior a dez salários mínimos):

- atender à demanda do mercado, elevando a oferta, reduzindo o custo e melhorando a qualidade; incrementar a participação do setor na formação do PIB do Ceará;

- Contribuir para a consolidação das empresas que atuam no mercado imobiliário;

Segurança pública e defesa social: Criação de um sistema integrado de defesa social (SINDES):

obter a parceria da sociedade;

estreitar a cooperação de instituições públicas e privadas. Desenvolvimento social, redução das desigualdades e promoção de

Empregos: uma ação para transformar o social; um programa de combate à pobreza rural;

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um programa de apoio às reformas sociais.

Programas estruturantes na área de geração de emprego e desenvolvimento sustentável da economia:

Desenvolvimento rural: irrigação e pólos agroindustriais; desenvolvimento da agricultura de sequeiro; fortalecimento da pecuária; desenvolvimento da pesca e aquicultura. Desenvolvimento da indústria e mineração: promoção e incentivo à atividade industrial; desenvolvimento da mineração; capacitação de recursos humanos para a indústria. Desenvolvimento do comércio, dos serviços e do turismo: dinamização do setor comércio; promoção às exportações; promoção do setor de serviços:

interiorização do setor de serviços;

capacitação empresarial no setor de serviços; desenvolvimento do turismo:

ação territorial : - PRODETURIS- PRODETUR- macro-planos de desenvolvimento;- centros turísticos integrados.

ação institucional:- marketing e promoção do turismo;- informação turística;- gestão institucional;- capacitação de recursos humanos para o setor de turismo.

ação comercial:- captação de oportunidades de negócios e comercialização;- financiamento, incentivo e crédito;- gestão de equipamentos turísticos;

Desenvolvimento da infra-estrutura física: transporte metropolitano; manutenção de rodovias; restauração de rodovias; implantação do plano de transporte intermunicipal de passageiros;

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construção de terminais rodoviários; construção da nova área terminal do Aeroporto Pinto Martins, em

Fortaleza; ampliação do Porto do Mucuripe; construção do complexo industrial-portuário do Pecém; recuperação e aumento de capacidade do setor terciário; disseminação de energias renováveis; desenvolvimento de uso de energias alternativas; conservação de energia;

expansão da ofertas de gás natural (construção do gasoduto Guamaré/RNa Fortaleza);

construção e reforma de redes de distribuição urbana; reforma e/ou construção de redes de distribuição rural; expansão de novas centrais telefônicas; interiorização da telefonia.

Programas estruturantes na área de desenvolvimento da cultura, ciência, tecnologia e inovação:

Desenvolvimento da cultura: descentralização e ampliação das ações da Secretaria da Cultura e

Desporto; ampliação e engajamento da sociedade;

criação de um núcleo de formação de gestores, agentes culturais e arte-educadores;

ênfase nas áreas da infância e adolescência; capacitação e multiplicação de espaços de convivência cultural; captação de recursos para o financiamento de projetos culturais. Ciência, tecnologia e inovação: programa de extensão tecnológica e difusão tecnológica; programa de assistência tecnológica; programa de pesquisa aplicada; programa de capacitação laboratorial; programa de capacitação de recursos humanos;

implantação de centros tecnológicos de ensino superior;

implantação de centros de estudos para a formação de instrutores deensino tecnológico, reciclagem de professores e de apoio a alunossuperdotados;

implantação de centros vocacionais tecnológicos;

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bolsas para a pós-graduação;

educação tecnológica à distância;

redes de informação tecnológica e videotecas profissionalizantes; programa de estudos avançados:

instituto software;

instituto do semi-árido;

instituto de química fina e fisioterapia;

Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho do Nordeste (CENAPAD-CE).

Para a execução de todos estes vetores ligados a cada objetivo do plano, o PDS apresentaum modelo de gestão com as seguintes características e estrutura.

Estratégias de administração, execução e capacitação de recursos.

Modelo de gestão

Do ponto de vista do modelo de gestão, elemento fundamental da nova idéia desustentabilidade, o PDS-CE apresenta as seguintes diretrizes:

Planejamento e desenvolvimento institucional:

Planejamento participativo com visão de longo prazo; Aperfeiçoamento da administração pública na ótica da população: em prol da excelência no serviço público; capacitação do serviço público; ordenação da infra-estrutura; motivação; Sistema de informações para o planejamento e a gestão governamental; Atenção para a operacionalização, acompanhamento e avaliação.

Comunicação política e institucional: Difundir amplamente a filosofia e o conteúdo programático do Plano de

governo; Obter a integração e harmonização dos órgãos e servidores ; Motivar o servidor público para atuar como agente no processo de

mudanças.

Modelo de gestão participativa - Objetivos e princípios gerais:

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Objetivos: aumentar a eficácia do governo através de uma administração pública

orientada pelo âmbito do desenvolvimento sustentável; aumentar a eficiência no uso dos recursos públicos através de técnicas

adequadas e da mobilização da sociedade. Princípios gerais: manter e consolidar os fundamentos do equilíbrio fiscal do estado; potencializar o papel do estado mediante a mobilização da sociedade, do

setor público, municípios, comunidades, ONGs e cidadãos;

aproveitar adequadamente o funcionamento dos mecanismos de mercado; estimular a competição no serviço público; orientar a ação do governo para a obtenção de resultados; identificar a necessidade dos usuários dos serviços do Estado e atendê-

los; buscar antecipar-se ao surgimento de problemas através do planejamento;

promover a descentralização e a participação , como forma de potencializar

a ação do governo; motivar o funcionalismo público; identificar com clareza a missão do Governo como um todo, de cada

Secretaria, órgão e mesmo de cada servidor.

Modelo de gestão participativa – estrutura.

O modelo de gestão proposto no plano do Ceará é fruto de um processo de mudançasna administração pública, em curso desde 1987. Ele tem como base mecanismos decoordenação e de participação a serem exercidos de forma complementar, na busca de

maior eficiência e eficácia das ações governamentais. Os principais componentes dessesistema de coordenação e participação são os seguintes:

1. Governo:

coordenação geral (governador), coordenação executiva ( Secretaria de Planejamento) e conselhos de secretários.

2. Grupos de trabalho interinstitucionais (com participação do governo e de

representantes de algumas instituições da sociedade envolvidas com os temas):

- GTI 1 Proteção do meio ambiente e reordenação do espaço;

- GTI 2 Capacitação da população;

- GTI 3 Segurança pública;

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- GTI 4 Desenvolvimento da cultura, ciência, tecnologia e

inovação;

- GTI 5 Promoção do emprego e desenvolvimento econômico

sustentável;

- GTI 6 Gestão pública.

3. Articulação externa:

- Governo Federal, - demais estados brasileiros e - órgãos nacionais e internacionais.

4. Mediação governo-sociedade :

4.1.Conselhos de participação da sociedade:

Conselho Estadual de Desenvolvimento Sustentável;

Conselho de Desenvolvimento da Família e da Sociedade;

Conselho de Desenvolvimento Cultural.4.2. Conselhos regionais de desenvolvimento sustentável; 4.3. Conselhos de descentralização:

Conselhos municipais;

Conselhos comunitários.

Fontes de financiamento e estratégias de capacitação de recursos. Recursos públicos e privados: poupança pública estadual; transferências intergovernamentais; recursos privados. Recursos externos. Financiamentos oficiais e incentivos fiscais e creditícios. Estratégias para a captação de recursos e a atração de investimentos: promoção do Ceará no exterior, fortalecimento do mercado de capitais, incentivo à captação de recursos privados, captação de recursos externos ao estado e parceria com instituições não-governamentais e estrangeiras.

O Plano de Desenvolvimento Sustentável do Ceará (PDS/CE) alinha-se, como muitosoutros planos estaduais do Nordeste, na expectativa de continuação de estratégias dedesenvolvimento apontadas no Projeto Áridas. Enfoca como orientações: a descentralização, asustentabilidade (possibilidade de obtenção de resultados permanentes no processo de

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desenvolvimento, preservando a capacidade produtiva dos recursos naturais, maximizando os seusefeitos sobre a criação de renda e de emprego e assegurando apoio político capaz de garantir acontinuidade das políticas.2 ) e um modelo de gestão participativo.

Como plano de sustentabilidade, o PDS/CE se utiliza de um esquema comum. Apresenta,em primeiro lugar, uma ampla análise da conjuntura e da estrutura estadual, seguida de um estudode potencialidades e estrangulamentos. Em segundo lugar, formula grandes cenáriosmacroeconômicos – geralmente abordados de duas formas limites, uma positiva e outra negativa –onde se direcionam objetivos de desenvolvimento.

Algumas observações preliminares podem ser feitas ao plano.

O plano não deixa dúvidas quanto à focalização da descentralização como alternativa degestão mais viável para o planejamento e execução das propostas. A descentralização éapresentada não como um projeto em separado, mas como parte essencial da reforma do Estado,como bem demonstra este princípio geral do modelo de gestão participativo: promover adescentralização e a participação, como forma de potencializar a ação do governo, sendo osmunicípios convidados a fazerem parte da elaboração de vários programas de ação e da suaexecução.

O modelo de gestão não deixa dúvidas quanto à importância da sociedade organizada naimplementação do plano, assim como com relação à necessidade de integração entre os níveis degoverno internos ao estado, numa resposta clara aos princípios orientadores da reforma.

Outras observações que merecem destaque.

Destacando as prioridades do governo (meio ambiente, educação, saúde, saneamento,segurança, agricultura, emprego) o plano atrela a execução destas à promoção de mudançasculturais significativas e ao avanço científico e tecnológico.

Fato interessante também é ter sido o plano elaborado já durante a campanha, comoprojeto de governo para a futura gestão, sendo alegado amplo processo participativo, e nãoconsumindo, portanto, anos de administração.

B - Plano de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte

2 (PDS/, p.35)

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O Plano de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte está calcado nadefinição das seguintes opções estratégicas:

investimento massivo na educação fundamental e na qualificação para o trabalho,

ampliação de oferta do saneamento básico,

consolidação de atividades competitivas,

reestruturação da base agropecuária,

ampliação e modernização da infra-estrutura (hídrica e energética) e

capacitação tecnológica em áreas estratégicas.

Os objetivos gerais do PDS/RN estão voltados para a dinamização econômica doestado, orientada pelo ideal de sustentabilidade ambiental, e para uma política de melhoria daqualidade de vida, redução de desigualdades e fortalecimento da participação social. Estes dois

grandes objetivos conformam as grandes áreas de políticas do plano:

1. Desenvolvimento integrado e equilibrado do espaço2. Política ambiental3. Desenvolvimento humano4. Dinamização e reestruturação da base econômica5. Desenvolvimento da base científica e tecnológica6. Reestruturação e democratização do Estado

Em termos específicos, a política de Desenvolvimento integrado e equilibradodo espaço visa à diminuição das diferenças entre áreas e regiões do estado, buscandodesenvolver em cada uma delas, ações que visem:

a) o desenvolvimento agropecuário em áreas propícias a isto e b) a desconcentração urbana no fortalecimento de centros e pólos médios do

espaço interurbano.

A política ambiental está compreendida na conservação e uso dos recursos

naturais orientada pelo ideal de sustentabilidade, presente nos objetivos gerais do plano. Asprincipais ações previstas nessa vertente são:

a preservação e a utilização consciente e renovável dos recursos naturais, sob normatizações punitivas e

a disseminação da sustentabilidade como prioridade nas instâncias municipais e privadas.

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Faça-se alusão a um programa de RBMA/RN (Reserva da Biosfera da Mata Atlântica)priorizando atenção nas seguintes áreas pilotos: a mata atlântica (Baía Formosa), Parque EstadualDunas de Natal (Natal) e o complexo Laguna Nísia-Floresta-Papebo e Guaraíra (Nísia-Floresta/Arês/ Senador Georgino Avelino e Tibau do Sul).

O programa de desenvolvimento humano está ancorado em duas das opções

estratégicas do plano em geral, descritas acima: educação fundamental e qualificação para otrabalho e ampliação da oferta de saneamento básico. As ações se estruturam na:

universalização do ensino fundamental,

ampliação do ensino de segundo grau,

valorização e qualificação dos profissionais de educação,

melhorias dos níveis de qualificação profissional3,

abrangência de serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário em todo o estado,

melhoria e ampliação do sistema hospitalar e ambulatorial,

redução da mortalidade infantil,

atendimento à demanda de habitação popular,

promoção de segurança pública,

assistencialismo efetivo às maiores carências e

valorização da cultura e do patrimônio histórico4.

O programa de dinamização e reestruturação da base econômica tem como

fundamento outras três das opções estratégicas gerais do plano: consolidação das atividadescompetitivas, reestruturação da base agropecuária e ampliação e modernização da infra-estrutura(com prioridade para os setores hídrico e energético). Esse programa se desdobra em várias linhasde ação, dentre as quais merecem relevo:

a)expansão e diversificação industrial5:

recuperação do parque têxtil e de confecções,

dinamização e integração do parque cerâmico,

implementação da indústria de alimentos,

3As observações se referem à visualização de agentes sociais na instrumentalização dos programas prioritários. Obs.: este programa intenciona ação integrada com as seguintes instituições em destaque: SINE, UFRN,ESAM, UNIPEC, FACEX e ETFRN, das quais só as duas primeiras contaram com representantes naelaboração do plano.4 Obs.: Instituições citadas como parceiras desse projeto: Fundação Roberto Marinho, Trade Turístico,Academia Norte-rio-grandense de Letras, IHG/RN. A FJA, presente como elaboradora do PDS, encontra-seaqui ausente e, das demais associações culturais, apenas a Academia de Letras acompanha a FJA naparticipação da elaboração.5 Obs.: A articulação institucional deste projeto se dá com estas instituições descritas: UFRN, FIERN,SESI/SENAI, SINE e SEBRAE, entre outras.

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implementação do parque fabril de couros, derivados e artesanato em geral,

implementação da industrialização de pescados,

implementação do parque eletro-eletrônico e informática e

implementação de atividades artesanais permanentes;

b)programa de desenvolvimento do turismo6:

ampliação e melhoria da infra-estrutura turística,

marketing do turismo do estado,

capacitação de recursos humanos,

municipalização do turismo e

turismo para terceira idade;c)programa de revitalização do setor mineral:

reestruturação do setor mineral do estado,

industrialização mineral estratégica (parque industrial de scheelita, industrialização mineral e de rochas ornamentais-gemas-feldspato) e

criação do pólo petroquímico potiguar (projeto Alcanorte, projeto gás/sal, projeto águas mães);

d) programa de apoio ao desenvolvimento comercial integrado:

dinamização comercial inter-regional e

apoio ao comércio exterior;e) programa de desenvolvimento da agropecuária:

em pequenas e médias produções, reforma agrária,

segurança alimentar,

pequena irrigação,

pecuária bovina,

caprinovinocultura,

sericicultura,

aquicultura de águas marinhas e águas interiores,

em grandes produções, fruticultura irrigada,

culturas industriais e

pecuária;f)programa de ampliação e otimização da infra-estrutura hídrica:

ampliação da capacidade de acumulação e oferta d'água,

captação de água de subsolo,

desobstrução de leitos de rios,

6 Obs.: A articulação institucional deste projeto se dá com estas instituições descritas: FACEX, UNIPEC,UFRN, SEBRAE, ETFRN e SES, entre outras.

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ampliação da irrigação,

abastecimento d'água de comunidades e

perenização de rios;g) programa e consolidação e ampliação da infra-estrutura econômica:

melhoria da infra-estrutura de transportes,

melhoria do sistema rodoviário,

melhoria do sistema portuário,

melhoria do sistema aeroviário,

melhoria do sistema ferroviário,

adequação da infra-estrutura energética,

consolidação do sistema de transmissão e de distribuição de energia elétrica,

produção de energia geofísica,

aproveitamento dos energéticos fósseis,

exploração racional da biomassa energética e

ampliação da infra-estrutura de telecomunicações (telefonia fixa e celular móvel).

O programa de desenvolvimento da base científica e tecnológica, orientando-se para ageração de conhecimentos e de tecnologia, expressa os seguintes objetivos:

programa de geração e difusão de tecnologias apropriadas,

programa de criação de centros de incubadoras de empresas,

programa de capacitação em ciência e tecnologia e

programa de qualidade e produtividade na área de ciência e tecnologia.

E, finalizando, o programa de reestruturação e democratização do Estado compreendeas bases para a implementação do modelo de gestão, manifesta-se num conjunto de programasque implementam as mudanças institucionais no estado, como, por exemplo:

flexibilização e dinamização das organizações públicas,

privatização das atividades publicas,

qualificação de gestores públicos,

formação e capacitação de recursos humanos,

concepção e implementação do sistema estadual de recursos humanos,

criação e implementação de planos de cargos, carreiras e salários para os servidores do estado,

implantação do plano de informatização dos serviços do estado,

estabelecimento de sistemas de integração da rede de informática,

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execução de obras e serviços e aquisição de equipamentos,

sistematização do planejamento do estado,

estabelecimento do sistema de interação: estado/sociedade,

estabelecimento do sistema de interação inter/intra-governamental ( união, estado e municípios),

estímulo ao funcionamento das organizações da sociedade e

dinamização de programas educacionais e de politização para o exercício da cidadania.

Os principais componentes do sistema de gestão, segundo o plano, são a sociedade e oEstado, através das seguintes instâncias de participação:

1. Conselho de desenvolvimento sustentável do estado (órgão do poder executivo);2. Conselhos estaduais (com participação do poder legislativo e de representantes da

sociedade) de: Desenvolvimento econômico Desenvolvimento humano Meio ambiente

Ciência e tecnologia;3. Conselhos regionais de desenvolvimento sustentável (formados a partir do

executivo e de representantes da sociedade) e4. Conselhos municipais de desenvolvimento sustentável (com a participação do

executivo estadual, do legislativo e de representação da sociedade).

A análise do PDS-RN demonstra a utilização da metodologia comum que serviu de base àelaboração dos planos em todos os estados, sendo, no entanto, visível a pouca importância dadaao modelo de gestão como elemento estratégico para a construção das bases da sustentabilidade.No plano do RN, a despeito da inclusão de uma política de reestruturação e democratização doEstado, esta aparece de forma separada das demais diretrizes e ações do plano. A lógica quepreside esta política é dominada pela visão da reforma administrativa (enxugamento da máquina,reestruturação de carreira, modernização do sistema, privatização), num claro viés gerencial, sem ocomponente democratizante que caracteriza a visão do desenvolvimento sustentável.

É, no entanto, do ponto de vista de sua adequação aos princípios reformadores dedescentralização das políticas públicas – descentralização, integração e participação – que o planomais deixa a desejar. É bastante forte a centralidade do executivo estadual, como ator principal dasações de desenvolvimento, e quase inexistentes as referências às formas de integração com asunidades de governo menores. As referências mais importantes em termos de relaçõesintergovernamentais referem-se ao Governo Federal e ao Congresso Nacional, através da bancadaparlamentar do estado, numa clara demonstração da manutenção de um padrão de governo que a

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reforma do Estado pretende superar, padrão esse identificado com o clientelismo, com oautoritarismo e com a exclusão da sociedade do processo decisório.

Na explicitação do modelo fica bem claro, por exemplo, a total falta de responsabilidade dogoverno estadual na montagem dos arranjos institucionais responsáveis pela base do sistema:Conselhos Regionais e Municipais de Desenvolvimento Sustentável. O próprio plano deixa claroque esses instrumentos serão criados na medida em que os municípios sintam necessidade dessainstância de articulação, jogando para os municípios, a responsabilidade de responder pelamontagem dos instrumentos mais importantes da base de sustentabilidade do novo padrão dedesenvolvimento.

C - A operacionalização dos Planos de Desenvolvimento Sustentável nos dois estados

Os estudos sobre governo e gestão pública chamam atenção para a importância de seanalisar pelos menos três importantes dimensões da ação governamental para compreendermelhor a dinâmica política que rege as experiências governamentais: os planos de governo, asações de governo e as estratégias para a manutenção da governabilidade.

Um dos dados mais significativos de nossa investigação até o momento é a diferença dearticulação entre o planejamento e ação de governo propriamente dita nos dois estados analisados.Embora em ambos os estados o plano de desenvolvimento esteja de acordo com o padrão dedesenvolvimento sustentável, resultado de uma orientação comum dos organismos envolvidos noprojeto ÁRIDAS (principalmente o Banco Mundial), o que leva a muitas similitudes entre ambos, opapel que o plano teve, na prática dos governos, foi extremamente diferente.

Enquanto no estado do Ceará o PDS foi iniciado logo após a finalização do projetoÁRIDAS, ainda durante a campanha eleitoral para o governo do estado, em 1994, o plano do RioGrande do Norte foi concluído em 1997, um ano antes do fim da gestão do governador. Dissodecorre o fato de que no Ceará o Plano de Desenvolvimento Sustentável assume o papel de planode governo, a despeito de ser formulado para o período de uma geração (1994-2020). No RioGrande do Norte, o descompasso entre a formulação do plano e a gestão governamental retiraramdo plano qualquer capacidade de influir nas ações governamentais durante o período. A reeleiçãodo governador para a gestão 1999/2002, que poderia criar as condições de efetivação do modeloproposto no plano, não tem conseguido até o momento imprimir um ritmo e um desenho degovernance requerido pela natureza do PDS.

Na mensagem apresentada pelo governador ao final de sua gestão, em 1998, é chamada aatenção para os 04 eixos orientadores das ações de governo:

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adequação da estrutura do Estado à nova realidade do país,

racionalização administrativa e financeira,

investimentos para o desenvolvimento e

desenvolvimento de políticas sociais.

Nos dois primeiros eixos foram englobados programas direcionados à modernização doEstado, através de reformas administrativas, do saneamento financeiro e da racionalização daação governamental (?), com destaque para o Programa de privatizações, que teve o seu momento

maior com a privatização da Companhia de energia do estado, a COSERN.

Nos investimentos para o desenvolvimento destaca-se a criação do PROADI – Programade Apoio ao Desenvolvimento Industrial, importante instrumento de financiamento das empresasque se instalam no estado. Na gestão 94-98, 21 novas empresas se beneficiaram desse programae 50 empresas já instaladas renovaram o financiamento. Uma outra ação significativa nessa áreafoi a criação do Centro Industrial Avançado – CIA, situado na área metropolitana de Natal, ondeforam implantadas novas empresas.

Importantes investimentos foram feitos também na área do turismo, ganhando destaqueaqueles realizados com a divulgação das potencialidades turísticas do estado no exterior e com acriação de infra-estrutura (estradas, saneamento básico, equipamentos de lazer, limpeza pública esegurança).

Ainda em termos de investimentos para o desenvolvimento, foram realizadas ações quecontemplam recursos hídricos e melhorias nas condições de desempenho da economia rural,principalmente aquelas destinadas à geração de tecnologias agropecuárias ligadas à produçãoanimal, aqüicultura, fruticulrua e fitossanidade. Mas, no tocante a água o ponto alto do governo foi oprograma de adutoras, cuja função primordial é levar água de boa qualidade para o consumo daspopulações interioranas.

Do ponto de vista das políticas sociais mereceram destaque no Rio Grande do Norte osprogramas abaixo relacionados:

programa do leite,

programa de apoio ao pequeno produtor – PAPP,

Balcão de Ferramentas,

escolarização da merenda escolar,

construção, ampliação e recuperação de escolas,

chamada escolar 97,

construção e equipamento de novos hospitais,

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ampliação dos sistemas de abastecimento de água e esgoto de cerca de 20municípios,

programa da sopa,

SINE/PROGER e

programa de segurança (reaparelhamento policial).

No entanto, de todas essas ações relacionadas acima pudemos verificar que os quatroprogramas prioritários para o governo foram: o programa de adutoras, o PROADI, o programa doleite e o PRODETUR.

Uma análise detalhada desses programas e das estratégias de ação revelam apredominância de uma visão tradicional de desenvolvimento não compatível com o ideal desustentabilidade. Um exemplo claro da falta de conexão entre o plano e as ações governamentais,do ponto de vista da sustentabilidade , pode ser encontrado, por exemplo, na concentração de “investimentos para o desenvolvimento” na área da chamada Grande Natal, contrariando uma dasdiretrizes do plano que seria de desenvolvimento integrado e equilibrado do espaço. Tanto oPROADI quanto o Centro Industrial Avançado privilegiam a região no entorno de Natal,aumentando a concentração de população e as disparidades de desenvolvimento em nível interno.

No que diz respeito ao Ceará, é visível a relação das ações governamentais com asdiretrizes propostas no PDS. Dentre os programas considerados prioritários pelo governo Jereissatina gestão 94-98 encontram-se: o programa de recursos hídricos, o programa escola de qualidadepara todos, programa saúde da família e o programa de desenvolvimento industrial, dentro daperspectiva de formação de cadeias produtivas e de criação de novos pólos industriais. Todosesses programas, além de espelharem preocupações presentes na concepção de sustentabilidadesocial, econômica e ambiental, assumem uma conotação nova, principalmente do ponto de vista dasua forma de gestão. Os conselhos de desenvolvimento sustentável, os conselhos de Bacias e osconselhos de escolas têm sido mecanismos importantes na mudança do padrão de gestão,contribuindo para um processo de democratização do processo decisório e de controle social sobreas ações governamentais.

Balanço final

A análise dos planos de desenvolvimento sustentável dos estados do Ceará e do RioGrande do Norte realizados nesse trabalho apontam elementos interessantes nessas experiênciaspioneiras de planejamento realizadas no Nordeste durante a década de 90. Não há dúvidas acerca daimportância do projeto ARIDAS para o enfrentamento desse desafio, tanto do ponto de vista daformação de um corpo técnico que repensou o desenvolvimento da região, aprofundando a discussão

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sobre a sustentabilidade do desenvolvimento no Nordeste, quanto do ponto de vista da criação eaperfeiçoamento de uma metodologia de trabalho baseada no princípio da descentralização e daparticipação da sociedade na formulação de planos e programas de ação.

O processo de elaboração dos planos em cada um dos estados teve muito de novo, namedida em que saiu da discussão limitada dos gabinetes para discussões abrangendo diversossetores da sociedade interessados e comprometidos com as estratégias de desenvolvimento a seremadotadas. Não há dúvidas sobre um certo elitismo ainda predominante nesse processo de discussão,e sobre a ausência dos chamados setores “subalternos” da sociedade local. Chamou a atenção,também, a não participação das unidades municipais de governo, principalmente no Rio Grande doNorte, onde o governo do estado era o grande protagonista e onde a necessidade dedescentralização das ações ainda não havia sido introduzida no projeto de reforma do Estado. Noentanto o espaço de discussão foi, certamente, ampliado.

A comparação dos dois documentos oficiais e a análise das mensagens apresentadaspelos governadores nos fins de sua gestão nos dão pistas para levantar algumas consideraçõessobre o papel desses planos em cada um dos estados analisados.

Enquanto o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Ceará tem um papel na conduçãodas ações de governo, sendo o Estado o grande protagonista de todo o processo de mudança, noRio Grande do Norte, a formulação do plano parece não ter passado de um exercício deplanejamento, orientado por organismos externos, sem qualquer utilidade prática nas ações degoverno.

É preciso entender, no entanto, que para o governo do Ceará (gestão Tasso Jereissati) aadoção de uma nova perspectiva de desenvolvimento é parte de um processo de renovação daspráticas e das estruturas políticos locais, que se inicia antes da realização do projeto ÁRIDAS. O novomodelo de desenvolvimento proposto a partir dali, ganha uma dimensão estratégica para o processode renovação dos chamados “governos da mudança”. A dimensão política do plano é asseguradacom a introdução de novos parceiros e com um intenso processo de organização da sociedade quefavorece e dá sustentação ao projeto defendido pela coalizão governista. É visível no Ceará umainversão de prioridades e uma focalização na área social, com destaque para ações estruturantes emeducação e saúde, assim como o enfrentamento de velhas questões como a da água, dentro de umpadrão adequado do ponto de vista ambiental e social.

No Rio Grande do Norte, ao contrário do Ceará, a coalizão governista é uma coalizão debase conservadora, que, por isso mesmo, não rompe com os modelos tradicionais de gestão e comos mecanismos de centralização que alimentam o clientelismo político. Ali é clara a prioridade para

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os investimentos econômicos (tanto do ponto de vista do discurso quanto da prática), assim como apredominância de um modelo tradicional de intervenção, baseado sobretudo nos incentivos fiscais.

A análise comparativa das duas realidades ofereceu-nos argumentos para concordar comGuimarães quando este afirma que o desafio da sustentabilidade constitui um desafio eminentementepolítico. E que: Antes de buscar os argumentos técnicos para decisões racionais, deve-se encontrara aliança política correta (Guimarães, 1995: 134). Isso porque, a despeito da existência de um forte

consenso em favor do desenvolvimento sustentável, não há indícios políticos suficientes apontandopara a sua concretização, e a tendência pode ser a transformação dos planos em simples peças daretórica mudancista dos governantes, sem qualquer utilidade prática do ponto de vista dodirecionamento de um padrão de desenvolvimento que seja realmente novo.

[Notas] A esse respeito ver: KILSKSBERG; NOGUEIRA

2 (PDS/, p.35)AS observações se referem 'a visualização de agentes sociais na instrumentalização dos programasprioritários.

3 Obs.: este programa intenciona ação integrada com as seguintes instituições em destaque: SINE, UFRN,ESAM, UNIPEC, FACEX, ETFRN, das quais só as duas primeiras contaram com representantes naelaboração do plano.

4 Obs.: Instituições citadas como parceiras desse projeto: Fundação Roberto Marinho, Trade turístico,Academia norte-rio-grandense de Letras, IHG-RN. A FJA, presente como elaboradora do PDS encontra-seaqui ausente e das demais associações culturais, apenas a Academia de Letras acompanha a FJA naparticipação da elaboração.

5 Obs.: A articulação institucional deste projeto se dá com estas instituições descritas: UFRN, FIERN,SESI/SENAI, SINE, SEBRAE, entre outras.6 Obs.: A articulação institucional deste projeto se dá com estas instituições descritas: FACEX, UNIPEC,UFRN, SEBRAE, ETFRN, SES, entre outras.

[Bibliografia]

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