plano de aulas Ìndios

Upload: diego-fernandes

Post on 13-Jan-2016

8 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Didatica. Aula. Plano de aula; Questões Indígenas.

TRANSCRIPT

  • Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia

    Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________

    1

    Fundamentos Antropolgicos para os Direitos dos Povos Indgenas

    Autor: Jorge Gonalves de Oliveira Jnior 2 semestre/ 2012

    Roteiro de Atividades Didticas

    Atividade 1 ndios no Brasil contrariando o senso comum. Objetivos: Atacar os esteretipos redutores e preconceituosos existentes no senso comum sobre as caractersticas dos povos indgenas e sua histria, tais como: so selvagens e

    preguiosos, esto apenas na Amaznia, so todos iguais, quando saem das aldeias ou

    passam a usar tecnologia deixam de ser ndios e que esto acabando.

    Previso de desenvolvimento: Duas aulas de 45 minutos.

    Recursos necessrios: Laptop, data show e aparelhagem de som para reproduo do vdeo.

    Dinmica utilizada:

    Prope-se comear a aula perguntando aos alunos algumas destas questes: O que

    um ndio?, Onde eles esto?, Como a cultura deles?, Eles esto acabando?. Sem

    opinar ou corrigi-los, o (a) professor (a) deve anotar as respostas em lugar parte, talvez na

    lousa, e ento mostrar-lhes o vdeo ndios no Brasil 1. Quem so eles? de Vincent

    Carelli, com 18 minutos de durao, disponvel em:

    http://www.videonasaldeias.org.br/2009/video.php?c=83.

    A srie ndios no Brasil foi realizada no ano 2000 e composta por dez programas

    de aproximadamente 18 minutos realizados para a televiso e para ser exibido tambm nas

    escolas, foi distribuda pelo Ministrio da Educao para 10.000 escolas e, dessa forma,

    pode estar disponvel em vdeo na biblioteca escolar. Tambm so de domnio pblico e

    podem ser baixadas gratuitamente. Dessa forma, caso a escola no tenha um laptop para

    exibir o vdeo online, o prprio professor pode baixar na rede e gravar em DVD para a

  • Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia

    Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________

    2

    reproduo em aparelhos domsticos. Mais informaes sobre a srie podem ser

    acessadas no link: http://www.videonasaldeias.org.br/2009/indios_no_brasil.php.

    Em seguida, retomar as questes e as respostas dos alunos e realizar um debate,

    com a turma disposta em crculo ou em U, sobre as informaes que o documentrio

    trouxe e as respostas dos populares do vdeo e dos prprios alunos.

    Algumas questes com relao estrutura cinematogrfica da obra tambm devem

    ser levantadas, como a forma flmica de desmontar os preconceitos; quando, por exemplo,

    logo aps a fala de uma estudante de que, para ela, ndio deve andar nu, usar botoques e

    falar outra lngua, imediatamente aparece um ndio, vestindo uma camisa e sem pintura, fala

    em sua lngua original e, logo depois, de peito nu e pintado, fala em portugus (00:11:45); ou mesmo os vrios momentos em que aps uma fala equivocada de um popular, uma

    liderana indgena fornece informaes diferentes ou contrrias, como, por exemplo, a ideia

    de que os ndios estariam acabando (00:15:29).

    Cena do filme ndios no Brasil 1. Quem so eles?

    A questo da lngua tambm importante, vrios sotaques da Lngua Portuguesa

    aparecem no vdeo e os alunos podem perceber ou comentar como, por exemplo, algumas

    lideranas indgenas se expressam em um Portugus mais vernacular que os prprios

    neobrasileiros, quebrando tambm o preconceito lingustico da fala de ndio. Tambm

    bom lembrar que a dificuldade de alguns com o Portugus se deve ao fato de que, para

    eles, trata-se de uma segunda lngua.

    Nessa discusso tambm importante definir para os alunos a diferena entre

    cultura e etnia, presentes no artigo que acompanha essa sequncia didtica. possvel

  • Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia

    Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________

    3

    utilizar as informaes do vdeo para perceber, por exemplo, que, dentro da categoria

    ndios, h vrias etnias e mesmo a diferenciao entre brancos e ndios se d a partir

    desse conceito, pois no toda a cultura que diferencia uma etnia de outra ou os brancos

    dos ndios, mas algumas categorias de diferenciao, e, portanto, tnicas. Nesse sentido, o

    usar bigode ou vestir roupas no so elementos que fazem o ndio perder a sua

    identidade, pois outros elementos etno-culturais que so representativos de uma etnia,

    como a pintura corporal, a lngua e a realizao de certos rituais.

    Ao final da sequncia, importante enumerar as informaes e questes que o vdeo

    trouxe e que contrariaram as noes iniciais dos alunos. Pode ser interessante mostrar

    alguns dados de outras fontes com relao ao que foi mostrado, por exemplo, nmeros do

    IBGE que mostram o crescimento vegetativo da populao indgena. Tambm importante

    destacar as diferenas entre uma figura ideal de ndio, presente tambm no senso comum e

    elaborada pelo indianismo romntico, com os indivduos reais que aparecem no vdeo e

    suas demandas sociais verdadeiras.

    Atividade complementar: Caso o professor se interesse, os programas da srie ndios no Brasil, dos nmeros 2 ao 9, apresentam costumes especficos de determinadas etnias (o

    programa 10, sobre direitos, ser usado na ltima atividade) e talvez possa ser um

    interessante exerccio mostrar um ou mais desses programas a fim de perceber e discutir

    diferenas culturais. Em especial o programa nmero 3, Boa Viagem Ibantu! mostra um

    grupo de adolescentes de diversos pontos do Brasil em uma visita a uma aldeia Krah, a fim

    de presenciarem um ritual de iniciao. Nesse caso, vale a pena o professor pesquisar um

    pouco sobre os costumes da etnia apresentada no filme, a fim de responder dvidas

    pontuais que venham a surgir por parte dos alunos.

    Atividade 2 Direitos dos Povos Indgenas: o caso Guarani Kaiow Objetivos: Apresentar aos alunos a problemtica dos direitos dos povos indgenas por meio de um estudo do caso dos Guarani Kaiow.

    Previso de Desenvolvimento: Uma aula de 45 minutos.

  • Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia

    Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________

    4

    Recursos Necessrios: Xerox da reportagem Decretem nossa extino e nos enterrem aqui de Eliane Brum. Disponvel em http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-

    brum/noticia/2012/10/decretem-nossa-extincao-e-nos-enterrem-aqui.html Dinmica Utilizada: A turma deve ser dividida em pequenos grupos e, em seguida, uma cpia do artigo de Eliane Brum sobre a questo Guarani Kaiwo deve ser entregue a cada um deles. O

    professor ento deve orient-los a responder algumas questes sobre a denncia da autora

    do artigo: Qual problema apontado? Quais os grupos sociais envolvidos? Quais os direitos

    envolvidos? De que lado a autora se posiciona?

    Tais perguntas podem ser respondidas oralmente ou por escrito, dependendo da

    dinmica da turma e interesse do professor. Em seguida, uma ltima e importante questo

    deve ser lanada a fim de iniciar um debate: a autora cita trs cartas: a carta dos Guarani

    Kaiow, a carta de Pero Vaz de Caminha e a Constituio de 88, tambm conhecida como

    carta magna, qual o contexto da criao dessas trs cartas e qual o seu contedo?.

    Pretende-se, por meio dessa discusso sobre o gnero epistolar, focar o problema

    dos direitos dos povos indgenas e destacar a constituio de 88 como documento central

    do estabelecimento desses direitos. preciso deixar claro que a Carta de Caminha marca

    um momento de sujeio desses povos, a Constituio marca uma virada do

    reconhecimento de seus direitos e a carta dos Kaiow indica um alerta de que tais direitos

    no esto sendo respeitados.

    importante destacar que a repercusso desse artigo na poca levou a uma

    comoo popular e a diversos protestos no Brasil e manifestaes nas redes sociais no

    facebook, muitos usurios acrescentaram Guarani Kawo a seus nomes. Tambm

    surgiram outros artigos, tanto sobre o caso, quanto sobre sua repercusso na mdia, pode

    ser interessante, caso o professor tenha tempo, cotejar o artigo sugerido com outros desses

    materiais. Talvez, devido a essas manifestaes, a reintegrao de posse foi suspensa e o

    caso continua aguardando uma soluo. Recomenda-se ao professor que se informe sobre

    seus recentes desdobramentos, a fim de enriquecer o contedo da aula.

    Segue a ntegra do artigo sugerido:

  • Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia

    Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________

    5

    Decretem nossa extino e nos enterrem aqui ELIANE BRUM

    A declarao de morte coletiva feita por um grupo de Guaranis Caiovs demonstra a

    incompetncia do Estado brasileiro para cumprir a Constituio de 1988 e mostra que

    somos todos cmplices de genocdio uma parte de ns por ao, outra por omisso

    - Pedimos ao Governo e Justia Federal para no decretar a ordem de despejo/expulso,

    mas decretar nossa morte coletiva e enterrar ns todos aqui. Pedimos, de uma vez por

    todas, para decretar nossa extino/dizimao total, alm de enviar vrios tratores para

    cavar um grande buraco para jogar e enterrar nossos corpos. Este o nosso pedido aos

    juzes federais.

    O trecho pertence carta de um grupo de 170 indgenas que vivem beira de um rio no

    municpio de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul, cercados por pistoleiros. As palavras foram

    ditadas em 8 de outubro ao conselho Aty Guasu (assembleia dos Guaranis Caiovs), aps

    receberem a notcia de que a Justia Federal decretou sua expulso da terra. So 50

    homens, 50 mulheres e 70 crianas. Decidiram ficar. E morrer como ato de resistncia

    morrer com tudo o que so, na terra que lhes pertence.

    H cartas, como a de Pero Vaz de Caminha, de 1 de maio de 1500, que so documentos

    de fundao do Brasil: fundam uma nao, ainda sequer imaginada, a partir do olhar

    estrangeiro do colonizador sobre a terra e sobre os habitantes que nela vivem. E h cartas,

    como a dos Guaranis Caiovs, escritas mais de 500 anos depois, que so documentos de

    falncia. No s no sentido da incapacidade do Estado-nao constitudo nos ltimos

    sculos de cumprir a lei estabelecida na Constituio hoje em vigor, mas tambm dos

    princpios mais elementares que forjaram nosso ideal de humanidade na formao do que

    se convencionou chamar de o povo brasileiro. A partir da carta dos Guaranis Caiovs,

    tornamo-nos cmplices de genocdio. Sempre fomos, mas tornar-se saber que se .

    Os Guaranis Caiovs avisam-nos por carta que, depois de tantas dcadas de luta para

    viver, descobriram que agora s lhes resta morrer. Avisam a todos ns que morrero como

    viveram: coletivamente, conjugados no plural.

    Nos trechos mais pungentes de sua carta de morte, os indgenas afirmam:

    - Queremos deixar evidente ao Governo e Justia Federal que, por fim, j perdemos a

    esperana de sobreviver dignamente e sem violncia em nosso territrio antigo. No

    acreditamos mais na Justia Brasileira. A quem vamos denunciar as violncias praticadas

    contra nossas vidas? Para qual Justia do Brasil? Se a prpria Justia Federal est gerando

    e alimentando violncias contra ns. Ns j avaliamos a nossa situao atual e conclumos

  • Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia

    Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________

    6

    que vamos morrer todos, mesmo, em pouco tempo. No temos e nem teremos perspectiva

    de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui

    acampados a 50 metros do rio Hovy, onde j ocorreram 4 mortes, sendo que 2 morreram

    por meio de suicdio, 2 em decorrncia de espancamento e tortura de pistoleiros das

    fazendas. Moramos na margem deste rio Hovy h mais de um ano. Estamos sem

    assistncia nenhuma, isolados, cercados de pistoleiros e resistimos at hoje. Comemos

    comida uma vez por dia. Tudo isso passamos dia a dia para recuperar o nosso territrio

    antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso

    territrio antigo esto enterrados vrios de nossos avs e avs, bisavs e bisavs, ali est o

    cemitrios de todos os nossos antepassados. Cientes desse fato histrico, ns j vamos e

    queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde

    estamos hoje. () No temos outra opo, esta a nossa ltima deciso unnime diante do

    despacho da Justia Federal de Navirai-MS.

    Como podemos alcanar o desespero de uma deciso de morte coletiva? No podemos.

    No sabemos o que isso. Mas podemos conhecer quem morreu, morre e vai morrer por

    nossa ao ou inao. E, assim, pelo menos aproximar nossos mundos, que at hoje tm

    na violncia sua principal interseco.

    Desde o nicio do sculo XX, com mais afinco a partir do Estado Novo (1937-45) de Getlio

    Vargas, iniciou-se a ocupao pelos brancos da terra dos Guaranis Caiovs. Os indgenas,

    que sempre viveram l, comearam a ser confinados em reservas pelo governo federal,

    para liberar suas terras para os colonos que chegavam, no que se chamou de A Grande

    Marcha para o Oeste. A viso era a mesma que at hoje persiste no senso comum: terra

    desocupada ou no h ningum l, s ndio.

    Era de gente que se tratava, mas o que se fez na poca foi confin-los como gado, num

    espao de terra pequeno demais para que pudessem viver ao seu modo ou, na palavra

    que deles, Teko Por (o Bem Viver). Com a chegada dos colonos, os indgenas

    passaram a ter trs destinos: ou as reservas ou trabalhar nas fazendas como mo de obra

    semiescrava ou se aprofundar na mata. Quem se rebelou foi massacrado. Para os Guaranis

    Caiovs, a terra a qual pertencem a terra onde esto sepultados seus antepassados. Para

    eles, a terra no uma mercadoria a terra .

    Na ditadura militar, nos anos 60 e 70, a colonizao do Mato Grosso do Sul se intensificou.

    Um grande nmero de sulistas, gachos mais do que todos, migrou para o territrio para

    ocupar a terra dos ndios. Outros despacharam pees e pistoleiros, administrando a

  • Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia

    Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________

    7

    matana de longe, bem acomodados em suas cidades de origem, onde viviam e vivem at

    hoje como cidados de bem, fingindo que no tm sangue nas mos.

    Com a redemocratizao do pas, a Constituio de 1988 representou uma mudana de

    olhar e uma esperana de justia. Os territrios indgenas deveriam ser demarcados pelo

    Estado no prazo de cinco anos. Como sabemos, no foi. O processo de identificao,

    declarao, demarcao e homologao das terras indgenas tem sido lento, sensvel a

    presses dos grandes proprietrios de terras e da parcela retrgrada do agronegcio. E,

    mesmo naquelas terras que j esto homologadas, em muitas o governo federal no

    completou a desintruso a retirada daqueles que ocupam a terra, como posseiros e

    fazendeiros , aprofundando os conflitos.

    Nestas ltimas dcadas testemunhamos o genocdio dos Guaranis Caiovs. Em geral, a

    situao dos indgenas brasileiros vergonhosa. A dos 43 mil Guaranis Caiovs, o segundo

    grupo mais numeroso do pas, considerada a pior de todas. Confinados em reservas como

    a de Dourados, onde cerca de 14 mil, divididos em 43 grupos familiares, ocupam 3,5 mil

    hectares, eles encontram-se numa situao de colapso. Sem poder viver segundo a sua

    cultura, totalmente encurralados, imersos numa natureza degradada, corrodos pelo

    alcoolismo dos adultos e pela subnutrio das crianas, os ndices de homicdio da reserva

    so maiores do que em zonas em estado de guerra.

    A situao em Dourados to aterradora que provocou a seguinte afirmao da vice-

    procuradora-geral da Repblica, Deborah Duprat: A reserva de Dourados talvez a maior

    tragdia conhecida da questo indgena em todo o mundo. Segundo um relatrio do

    Conselho Indigenista Missionrio (CIMI), que analisou os dados de 2003 a 2010, o ndice de

    assassinatos na Reserva de Dourados de 145 para cada 100 mil habitantes no Iraque, o

    ndice de 93 assassinatos para cada 100 mil. Comparado mdia brasileira, o ndice de

    homicdios da Reserva de Dourados 495% maior.

    A cada seis dias, um jovem Guarani Caiov se suicida. Desde 1980, cerca de 1500 tiraram a

    prpria vida. A maioria deles enforcou-se num p de rvore. Entre as vrias causas

    elencadas pelos pesquisadores est o fato de que, neste perodo da vida, os jovens

    precisam formar sua famlia e as perspectivas de futuro so ou trabalhar na cana de acar

    ou virar mendigos. O futuro, portanto, um no ser aquilo que se . Algo que, talvez para

    muitos deles, seja pior do que a morte.

    Um relatrio do Ministrio da Sade mostrou, neste ano, o que chamou de dados

    alarmantes, se destacando tanto no cenrio nacional quanto internacional. Desde 2000,

    foram 555 suicdios, 98% deles por enforcamento, 70% cometidos por homens, a maioria

  • Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia

    Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________

    8

    deles na faixa dos 15 aos 29 anos. No Brasil, o ndice de suicdios em 2007 foi de 4,7 por

    100 mil habitantes. Entre os indgenas, no mesmo ano, foi de 65,68 por 100 mil. Em 2008, o

    ndice de suicdios entre os Guaranis Caiovs chegou a 87,97 por 100 mil, segundo dados

    oficiais. Os pesquisadores acreditam que os nmeros devem ser ainda maiores, j que parte

    dos suicdios escondida pelos grupos familiares por questes culturais.

    As lideranas Guaranis Caiovs no permaneceram impassveis diante deste presente sem

    futuro. Comearam a se organizar para denunciar o genocdio do seu povo e reivindicar o

    cumprimento da Constituio. At hoje, mais de 20 delas morreram assassinadas por

    ferirem os interesses privados de fazendeiros da regio, a comear por Maral de Souza,

    em 1983, cujo assassinato ganhou repercusso internacional. Ao mesmo tempo, grupos de

    Guaranis Caiovs abandonaram o confinamento das reservas e passaram a buscar suas

    tekoh, terras originais, na luta pela retomada do territrio e do direito vida. Alguns grupos

    ocuparam fundos de fazendas, outros montaram 30 acampamentos beira da estrada,

    numa situao de absoluta indignidade. Tanto nas reservas quanto fora delas, a desnutrio

    infantil avassaladora.

    A trajetria dos Guaranis Caiovs que anunciaram sua morte coletiva ilustra bem o destino

    ao qual o Estado brasileiro os condenou. Homens, mulheres e crianas empreenderam um

    caminho em busca da terra tradicional, localizada s margens do Rio Hovy, no municpio de

    Iguatemi (MS). Acamparam em sua terra no dia 8 de agosto de 2011, nos fundos de

    fazendas. Em 23 de agosto foram atacados e cercados por pistoleiros, a mando dos

    fazendeiros. Em um ano, os pistoleiros j derrubaram dez vezes a ponte mvel feitas por

    eles para atravessar um rio com 30 metros de largura e trs de fundura. Em um ano, dois

    indgenas foram torturados e mortos pelos pistoleiros, outros dois se suicidaram.

    Em tentativas anteriores de recuperao desta mesma terra, os Guaranis Caiovs j tinham

    sido espancados e ameaados com armas de fogo. Alguns deles tiveram seus olhos

    vendados e foram jogados na beira da estrada. Em outra ocasio, mulheres, velhos e

    crianas tiveram seus braos e pernas fraturados. O que a Justia Federal fez? Deferiu uma

    ordem de despejo. Em nota, a FUNAI (Fundao Nacional do ndio) afirmou que est

    trabalhando para reverter a deciso.

    Os Guaranis Caiovs esto sendo assassinados h muito tempo, de todas as formas

    disponveis, as concretas e as simblicas. A impunidade a maior agresso cometida

    contra eles, afirma Flvio Machado, coordenador do CIMI no Mato Grosso do Sul. Nas

    ltimas dcadas, h pelo menos duas formas interligadas de violncia no processo de

    recuperao da terra tradicional dos indgenas: uma privada, das milcias de pistoleiros

  • Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia

    Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________

    9

    organizadas pelos fazendeiros; outra do Estado, perpetrada pela Justia Federal, na qual

    parte dos juzes, sem qualquer conhecimento da realidade vivida na regio, toma decises

    que no s compactuam com a violncia , como a acirram.

    Quando os pistoleiros no conseguem consumar os despejos e massacres truculentos dos

    indgenas, os fazendeiros contratam advogados para conseguir a ordem de despejo na

    Justia, afirma Egon Heck, indigenista e cientista poltico, num artigo publicado em relatrio

    do CIMI. No momento em que ocorre a ordem de despejo, os agentes policiais agem de

    modo similar ao dos pistoleiros, visto que utilizam armas pesadas, queimam as ocas,

    ameaam e assustam as crianas, mulheres e idosos.

    Ao fundo, o quadro maior: os sucessivos governos que se alternaram no poder aps a

    Constituio de 1988 foram incompetentes para cumpri-la. Ao final de seus dois mandatos,

    Lula reconheceu que deixava o governo com essa dvida junto ao povo Guarani Caiov.

    Legava a tarefa sua sucessora, Dilma Rousseff. Os indgenas escreveram, ento, uma

    carta: Presidente Dilma, a questo das nossas terras j era para ter sido resolvida h

    dcadas. Mas todos os governos lavaram as mos e foram deixando a situao se agravar.

    Por ultimo, o ex-presidente Lula prometeu, se comprometeu, mas no resolveu.

    Reconheceu que ficou com essa dvida para com nosso povo Guarani Caiov e passou a

    soluo para suas mos. E ns no podemos mais esperar. No nos deixe sofrer e ficar

    chorando nossos mortos quase todos os dias. No deixe que nossos filhos continuem

    enchendo as cadeias ou se suicidem por falta de esperana de futuro () Devolvam nossas

    condies de vida que so nossos tekoh, nossas terras tradicionais. No estamos pedindo

    nada demais, apenas os nossos direitos que esto nas leis do Brasil e internacionais.

    A declarao de morte dos Guaranis Caiovs ecoou nas redes sociais na semana passada.

    Gerou uma comoo. No a primeira vez que indgenas anunciam seu desespero e seu

    genocdio. Em geral, quase ningum escuta, para alm dos mesmos de sempre, e o que era

    morte anunciada vira morte consumada. Talvez a diferena desta carta o fato de ela ecoar

    algo que repetido nas mais variadas esferas da sociedade brasileira, em ambientes os

    mais diversos, considerado at um comentrio espirituoso em certos espaos

    intelectualizados: a ideia de que a sociedade brasileira estaria melhor sem os ndios.

    Desqualificar os ndios, sua cultura e a situao de indignidade na qual vive boa parte das

    etnias uma piada clssica em alguns meios, to recorrente que se tornou quase um clich.

    Para parte da elite escolarizada, apesar do esforo empreendido pelos antroplogos, entre

    eles Lvi-Strauss, as culturas indgenas ainda so vistas como atrasadas, numa cadeia

    evolutiva nica e inescapvel entre a pedra lascada e o Ipad e no como uma escolha

  • Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia

    Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________

    10

    diversa e um caminho possvel. Assim, essa parcela da elite descarta, em nome da

    ignorncia, a imensa riqueza contida na linguagem, no conhecimento e nas vises de

    mundo das 230 etnias indgenas que ainda sobrevivem por aqui.

    Toda a Histria do Brasil, a partir da descoberta e da colonizao, marcada pelo olhar de

    que o ndio um entrave no caminho do progresso ou do desenvolvimento. Entrave

    desde os primrdios primeiro, porque teve a deselegncia de estar aqui antes dos

    portugueses; em seguida, porque se rebelava ao ser escravizado pelos invasores europeus.

    A sociedade brasileira se constituiu com essa ideia e ainda que a prpria sociedade tenha

    mudado em muitos aspectos, a concepo do ndio como um entrave persiste. E persiste de

    forma impressionante, no s para uma parte significativa da populao, mas para setores

    do Estado, tanto no governo atual quanto nas gestes passadas.

    Entraves precisam ser removidos. E tm sido, de vrias maneiras, como a Histria, a

    passada e a presente, nos mostra. Talvez essa seja uma das explicaes possveis para o

    impacto da carta de morte ter alcanado um universo maior de pessoas. Desta vez, so os

    ndios que nos dizem algo que pode ser compreendido da seguinte forma: isso o que

    vocs querem? Nos matar a todos? Ento ns decidimos: vamos morrer. Ao devolver o

    desejo a quem o deseja, o impacto grande.

    importante lembrar que carta palavra. A declarao de morte coletiva surge como

    palavra dita. Por isso precisamos compreender, pelo menos um pouco, o que a palavra

    para os Guaranis Caiovs. Em um texto muito bonito, intitulado e' a palavra alma, a

    antroploga Graciela Chamorro, da Universidade Federal da Grande Dourados, nos d

    algumas pistas:

    A palavra a unidade mais densa que explica como se trama a vida para os povos

    chamados guarani e como eles imaginam o transcendente. As experincias da vida so

    experincias de palavra. Deus palavra. (...) O nascimento, como o momento em que a

    palavra se senta ou prov para si um lugar no corpo da criana. A palavra circula pelo

    esqueleto humano. Ela justamente o que nos mantm em p, que nos humaniza. (...) Na

    cerimnia de nominao, o xam revelar o nome da criana, marcando com isso a

    recepo oficial da nova palavra na comunidade. (...) As crises da vida doenas, tristezas,

    inimizades etc. so explicadas como um afastamento da pessoa de sua palavra

    divinizadora. Por isso, os rezadores e as rezadoras se esforam para trazer de volta, voltar

    a sentar a palavra na pessoa, devolvendo-lhe a sade.(...) Quando a palavra no tem mais

    lugar ou assento, a pessoa morre e torna-se um devir, um no-ser, uma palavra-que-no--

    mais. (...) e' e ayvu podem ser traduzidos tanto como palavra como por alma, com o

  • Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia

    Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________

    11

    mesmo significado de minha palavra sou eu ou minha alma sou eu. (...) Assim, alma e

    palavra podem adjetivar-se mutuamente, podendo-se falar em palavra-alma ou alma-

    palavra, sendo a alma no uma parte, mas a vida como um todo.

    A fala, diz o antroplogo Spensy Pimentel, pesquisador do Centro de Estudos Amerndios

    da Universidade de So Paulo, a parte mais sublime do ser humano para os Guaranis

    Caiovs. A palavra o cerne da resistncia. Tem uma ao no mundo uma palavra que

    age. Faz as coisas acontecerem, faz o futuro. O limite entre o discurso e a profecia tnue.

    Se a carta de Pero Vaz de Caminha marca o nascimento do Brasil pela palavra escrita,

    interessante pensar o que marca a carta dos Guaranis Caiovs mais de 500 anos depois.

    Na carta-fundadora, o invasor/colonizador/conquistador/estrangeiro quem estranha e olha

    para os ndios, para sua cultura e para sua terra. Na dos Guaranis Caiovs, so os ndios

    que olham para ns. O que nos dizem aqueles que nos veem? (Ou o que veem aqueles que

    nos dizem?)

    A declarao de morte dos Guaranis Caiovs palavra que age. Antes que o espasmo de

    nossa comoo de sof migre para outra tragdia, talvez valha a pena uma ltima pergunta:

    para ns, o que a palavra?

    Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prmios nacionais e internacionais de reportagem. autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de trs livros de reportagem: Coluna Prestes O Avesso da Lenda (Artes e Ofcios), A Vida Que Ningum V (Arquiplago Editorial, Prmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo). E codiretora de dois documentrios: Uma Histria Severina e Gretchen Filme Estrada. [email protected].

    Atividade 3 A mobilizao dos povos indgenas

    Objetivos: Apresentar conceitos e leis especficas relativas aos direitos indgenas e concluir a sequncia didtica.

    Previso de Desenvolvimento: Uma aula de 45 minutos. Recursos Necessrios: Laptop, data show e aparelhagem de som para reproduo do vdeo.

  • Universidade de So Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - FFLCH Departamento de Sociologia

    Laboratrio Didtico - USP ensina Sociologia __________________________________________________________________________

    12

    Dinmica Utilizada: O professor dever iniciar a aula retomando a questo da Constituio de 88 como marco do reconhecimento dos direitos indgenas, apresentar a problemtica do

    estatuto do ndio (que faz parte do corpo de leis do cdigo civil) como sendo ainda um fator

    limitador do direito de autodeterminao pela viso do ndio como um cidado inferior, e a

    diferena entre leis orientadas para um integracionismo, ou seja, assimilao do ndio na

    comunidade nacional, e leis que respeitem a sua autodeterminao.

    Ento exibir o ltimo filme da srie vdeo nas aldeias que trata justamente sobre a

    questo dos direitos: http://www.videonasaldeias.org.br/2009/video.php?c=86

    Nesse ltimo vdeo da srie, os mesmos atores do primeiro vdeo falam agora sobre

    a questo dos direitos e citam, vrias vezes, tanto a Constituio de 88 quanto o Estatuto do

    ndio (da a necessidade de explicar esses documentos antes da exibio).

    Observar, finalmente, como o depoimento do lder Ashaninka e dos lderes da FOIR

    (Federao das Organizaes Indgenas do Rio Negro) acrescentam a questo da

    organizao dos prprios ndios em federaes e rgos polticos no sentido de garantir a

    realizao dos seus direitos. necessrio ressaltar essa virada importante, pois em vez de

    esperar a aplicao das leis, esses grupos procuraram se organizar para exigir que a

    Constituio seja cumprida, principalmente no que se refere demarcao de suas terras.

    Tambm ser possvel notar a semelhana de alguns depoimentos com o artigo de Eliane

    Brum com relao discrepncia entre o texto da lei e a realidade da aplicao dos direitos

    dos ndios. Essa ltima parte pode ser feita por meio de um debate no qual o professor

    retome os principais pontos apresentados durante a sequncia de atividades.

    Como concluso, caso haja a possibilidade, o professor pode exibir, ou no mnimo

    recomendar, o excelente curta de animao Pajerama de Leonardo Cadaval, presente em:

    http://vimeo.com/4873626 e facilmente encontrado do youtube e em outros canais de vdeo.