planejamento urbano e ambiental nas municipalidades

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PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP - n. 05, dezembro 2007 1 PLANEJAMENTO URBANO E AMBIENTAL NAS MUNICIPALIDADES: DA CIDADE À SUSTENTABILIDADE, DA LEI À REALIDADE SILVA, Geovany Jessé Alexandre da (1) WERLE, Hugo José Scheuer (2) (1) Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade Federal de Uberlândia-MG, mestrando do Curso de Geografia em Ambiente e Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal de Mato Grosso- MT e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e de Planejamento Integrados, GEEPI-UFMT, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado de Mato-Grosso-MT e da UFMT. Endereço Eletrônico: [email protected] (2) Professor Doutor do Departamento de Geografia, Programa de Mestrado em Ambiente e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Mato Grosso-MT. Endereço Eletrônico: [email protected] Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT Instituto de Ciências Humanas e Sociais Departamento de Geografia Programa de Pós-Graduação em Geografia Mestrado em Ambiente e Desenvolvimento Regional RESUMO A partir de uma análise das formas e relações entre Planejamento Urbano e Planejamento Ambiental, o presente trabalho procura compreender a atual busca por soluções urbanísticas para as cidades brasileiras e de que forma se constitui o conceito de sustentabilidade, diante do cenário sócio-econômico nacional. Para o entendimento da evolução do pensamento humano diante dos conceitos de desenvolvimento e equilíbrio ambiental, analisa-se como se dá o procedimento na relação entre o homem e meio-ambiente, a partir das revoluções tecnológicas e conceituais apresentadas na década de 50 até os tempos atuais; discutindo as ações empregadas pela ONU diante da problemática da crise social em grande parte dos países subdesenvolvidos e seus reflexos na exploração descontrolada do meio ambiente. No âmbito nacional, discursa sobre as relações entre o poder político e econômico – municipal, estadual e nacional – na formação das municipalidades e utilização do meio-ambiente, como também busca fazer um prognóstico quanto à distância entre o desenvolvimento ideal sustentável, legalizado, e a realidade do planejamento tradicional de raízes coloniais ainda perpetuadas. Também analisa como se dá a Política e Legislação Ambiental brasileira diante da disparidade das ações e fiscalizações ambientais ineficazes, assim como busca demonstrar quais as ferramentas legais implementadas a partir da Carta Magna de 1988 e, consequentemente, pelo Estatuto da Cidade e Planos Diretores Municipais; e

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PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP - n. 05, dezembro 2007 1

PLANEJAMENTO URBANO E AMBIENTAL NAS MUNICIPALIDADES: DA CIDADE À SUSTENTABILIDADE, DA LEI À REALIDADE

SILVA, Geovany Jessé Alexandre da (1)

WERLE, Hugo José Scheuer (2) (1) Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade Federal de Uberlândia-MG, mestrando do Curso de Geografia em Ambiente e Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal de Mato Grosso-MT e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e de Planejamento Integrados, GEEPI-UFMT, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado de Mato-Grosso-MT e da UFMT.

Endereço Eletrônico: [email protected]

(2) Professor Doutor do Departamento de Geografia, Programa de Mestrado em Ambiente e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Mato Grosso-MT.

Endereço Eletrônico: [email protected]

Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT

Instituto de Ciências Humanas e Sociais

Departamento de Geografia

Programa de Pós-Graduação em Geografia

Mestrado em Ambiente e Desenvolvimento Regional

RESUMO

A partir de uma análise das formas e relações entre Planejamento Urbano e Planejamento Ambiental, o presente trabalho procura compreender a atual busca por soluções urbanísticas para as cidades brasileiras e de que forma se constitui o conceito de sustentabilidade, diante do cenário sócio-econômico nacional.

Para o entendimento da evolução do pensamento humano diante dos conceitos de desenvolvimento e equilíbrio ambiental, analisa-se como se dá o procedimento na relação entre o homem e meio-ambiente, a partir das revoluções tecnológicas e conceituais apresentadas na década de 50 até os tempos atuais; discutindo as ações empregadas pela ONU diante da problemática da crise social em grande parte dos países subdesenvolvidos e seus reflexos na exploração descontrolada do meio ambiente.

No âmbito nacional, discursa sobre as relações entre o poder político e econômico – municipal, estadual e nacional – na formação das municipalidades e utilização do meio-ambiente, como também busca fazer um prognóstico quanto à distância entre o desenvolvimento ideal sustentável, legalizado, e a realidade do planejamento tradicional de raízes coloniais ainda perpetuadas. Também analisa como se dá a Política e Legislação Ambiental brasileira diante da disparidade das ações e fiscalizações ambientais ineficazes, assim como busca demonstrar quais as ferramentas legais implementadas a partir da Carta Magna de 1988 e, consequentemente, pelo Estatuto da Cidade e Planos Diretores Municipais; e

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porque as mesmas tendem à inocuidade, caso não seja discutido e implantado alterações profundas do sistema sócio-econômico brasileiro.

São temas instigantes e polêmicos, discursados, debatidos e que atentam para o entendimento da contextualização nacional, partindo-se, posteriormente, para a apresentação de uma realidade pertinente ao Estado de Mato Grosso e do processo de desenvolvimento de suas cidades como um reflexo da conjuntura mundial.

Palavras Chave: Planejamento Urbano e Ambiental; Desenvolvimento Urbano e Regional; Estatuto das Cidades e Plano Diretor, e As Municipalidades no Estado de Mato Grosso.

1. INTRODUÇÃO

Como se dá o processo de Planejamento Urbano frente às questões ambientais? Qual a distância e proximidade entre o Planejamento Ambiental e Urbano? Por que, diante de tantos estudos e pesquisas científicas nas mais diversas áreas do conhecimento humano não se conseguem romper com o processo de desenvolvimento tradicional de nossas cidades? Essas são algumas questões levantadas e debatidas neste trabalho, visando o entendimento do contexto nacional face aos problemas regionais e locais nas municipalidades do Estado de Mato Grosso.

Como generalidade, parte-se de uma análise das formas e relações entre Planejamento Urbano e Planejamento Ambiental, procurando compreender a atual busca por soluções urbanísticas para as cidades brasileiras e de que forma se constitui o conceito de sustentabilidade, diante do cenário sócio-econômico do Brasil atual. Para o entendimento da evolução do pensamento humano frente aos conceitos de desenvolvimento e equilíbrio ambiental, analisa-se de forma resumida como se dá a relação entre o homem e meio-ambiente, a partir das revoluções tecnológicas e conceituais apresentadas na década de 50 até os tempos atuais; discutindo ainda as ações empregadas pela ONU diante da problemática da crise social em grande parte dos países subdesenvolvidos e seus reflexos na exploração descontrolada do meio ambiente.

No âmbito nacional, discursa sobre as relações entre o poder político e econômico – municipal, estadual e nacional – na formação das municipalidades e utilização do meio-ambiente, como também busca fazer um prognóstico quanto à distância entre o desenvolvimento ideal sustentável, legalizado, e a realidade do planejamento tradicional de raízes coloniais ainda perpetuadas. Também analisa como se dá a Política e Legislação Ambiental brasileira diante da disparidade das ações e fiscalizações ambientais ineficazes, assim como busca demonstrar quais as principais ferramentas legais implementadas a partir da Carta Magna de 1988 e, conseqüentemente, pelo Estatuto das Cidades e Planos Diretores Municipais; e porque as mesmas tendem à inocuidade, caso não seja discutido e implantado alterações profundas do sistema sócio-econômico brasileiro.

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Atualmente, as cidades brasileiras passam por um processo de implementação dessas novas diretrizes para ordenação do desenvolvimento urbano, resultado de uma recente política urbana exigida pelo Estatuto das Cidades citado e, posteriormente, a implantação de Planos Diretores Municipais. Porém, esse trabalho também demonstra preocupação quanto à forma com que esses Planos Diretores estão sendo formulados e encaminhados nas municipalidades, quase sempre ausente de participação democrática e sem o necessário rigor técnico-teórico na determinação da ordenação legal do território.

A situação se apresenta bastante grave nos pequenos municípios brasileiros, nos quais se oferece um atual aparato legal, focado nas questões ambientais de preservação e desenvolvimento equilibrado de acordo com as Leis federais e estaduais. Porém, o cenário urbano real é de exclusão social, exploração e ocupação descontrolada do território. A falta de fiscalização, o número insuficiente e nível de qualificação no corpo de funcionários da área ambiental contribuem para esse quadro, assim como a falta de envolvimento da sociedade em geral, com relação à preservação e educação ambiental.

Por outro lado, será que existe um Planejamento Nacional de Desenvolvimento, possibilitando esse anseio por cidades sustentáveis para o século XXI, ou estaríamos idealizando cidades sustentáveis sem o necessário projeto de desenvolvimento e minimização das tensões sociais e ambientais entre as distintas regiões brasileiras?

O processo de ocupação do território urbano e rural deve se constituir a partir da utilização controlada dos recursos naturais, pois esta é uma premissa básica para todo projeto de desenvolvimento equilibrado. Para tanto, o cidadão deve assumir seu papel na sociedade partindo-se de uma política de inclusão social e conscientização ambiental incentivada e implantada não só pelo Poder Público, mas por todos os segmentos e classes que compõem a sociedade. Sem tal ação, complexa diante dos paradigmas atuais de país em desenvolvimento, fica inviável pensar e propor soluções para os problemas ambientais e a possível melhoria na qualidade de vida.

Diante do contexto das discussões hodiernas acerca do aquecimento global, podemos compreender o Estado de Mato Grosso como um estudo de caso importante, pois sabemos das conseqüências da expansão das fronteiras agrícolas e do sistema de ocupação do território. Esta que ocorre através de desflorestamento ou queimadas, numa primeira etapa, conforme a finalidade e condições locais, procedendo-se à implementação de monoculturas agrícolas ou de pecuárias a posteriori. Assim, o quadro de desequilíbrio ambiental desse Estado se torna crítico quando destacamos o cenário de exploração das riquezas naturais de seus recursos (subdividido em três biomas: Amazônia, Cerrado e Pantanal), que influencia diretamente o clima e as grandes bacias hidrográficas em diversos estados e regiões brasileiras, o que reforça a relação entre os processos de metropolização e regionalização do território, seja ele urbano ou rural.

O Planejamento Ambiental torna-se de extrema importância para a constituição sustentável social e espacial de uma sociedade; porém a forma de legislação associada a um processo eficaz de execução e fiscalização dos mecanismos legais existentes talvez seja o grande dilema para a viabilização de projetos sustentáveis, sem esquecer de que a conscientização social e ambiental é indissociável desse processo. A gestão ambiental no território deve ocorrer a partir dos municípios, conforme previsto desde a Constituição Federal, envolvendo a participação das instituições públicas, comunidades locais e setores econômicos na implementação de projetos e ações no espaço urbano e regional,

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visando o desenvolvimento sustentável e o necessário equilíbrio entre a cidade contemporânea brasileira e o meio ambiente.

2. PLANEJAMENTO URBANO X PLANEJAMENTO AMBIENTAL

Novos conceitos, novos paradigmas, o planejamento urbano tem passado por um constante processo de revisão nas formas de se pensar e propor espaços para a cidade do século XXI. O grande crescimento urbano no cenário brasileiro, ocorrido a partir da década de 70, atraiu para os centros urbanos uma massa de pessoas em busca de emprego e melhores condições de vida. Por outro lado, o processo de mecanização e desenvolvimento das agroindústrias no campo intensifica o êxodo rural, instaurando no Brasil um cenário de grandes conflitos e contrastes nas diversas regiões de seu território.

O necessário planejamento, como forma de premeditação desse processo desenvolvimentista e suas possíveis conseqüências, não ocorreu em tempo hábil por parte do poder público. O que se verifica, a partir daí, é uma realidade bastante drástica de exclusão e segregação espacial e social nas cidades brasileiras. Diante desse quadro é que nascem as novas e possíveis respostas, muitas vezes pouco eficazes, como meio de buscar um processo de desenvolvimento mais equilibrado com o meio ambiente.

Surge, assim, o conceito de sustentabilidade1 como um novo modelo de desenvolvimento, do mesmo modo que diversas definições acompanhadas da reformulação do vocabulário e de idéias dos urbanistas brasileiros, a exemplo do que se discutia nos países desenvolvidos.

Emergem modelos, conceitos e estratégias como: o Plano de Gestão Ambiental (PGA), a proteção dos recursos naturais, as ações antrópicas e suas interferências no ambiente natural, a idéia de ecologia e paisagem urbana, o licenciamento ambiental, a adoção de critérios para a utilização de fontes renováveis de energia e dos recursos naturais, associados ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Enfim, o planejamento urbano atual está mais do que nunca, vinculado ao processo de planejamento ambiental e suas ferramentas legais, exigindo do urbanista conhecimento de seu papel, como também das novas formas, métodos e aplicações de conceitos que tendem a acompanhar o dinamismo complexo da vida na sociedade atual.

Somados a esses conceitos e exigências legais, ainda temos a interdisciplinaridade, o projeto participativo, a educação e conscientização ambiental da sociedade, que são pontos essenciais para a qualidade de qualquer projeto de urbanismo nos dias atuais.

Apesar da escassez de verbas para obras de cunho social ou que visem à melhoria de vida de uma grande parcela da população das cidades, ainda temos muitos exemplos de dinheiro público mal investido em obras de pouco ou nenhum retorno social, resultando em verdadeiros “elefantes brancos”. Tais obras, amparadas por discursos políticos demagogos e quase sempre intermediados por um forte interesse econômico (constantemente vinculados a um sistema de corrupção através de emendas e licitações

1 Sustentabilidade: “o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz às necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazer as suas”. Our Common Future, Comissão Mundial das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, Oxford University Press, 1987 (Informe Brundtland).

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públicas) definem projetos e obras de alto investimento econômico, porém sem a necessária participação da comunidade local e estudos técnicos sobre as potencialidades locais e regionais.

A instituição da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) e criação do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), implantada a partir de 1981 através da Lei Federal 6.938, determina a criação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Em 1986, através da Resolução nº. 001 do CONAMA se institui critérios básicos para elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), e seu conseqüente Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), como ferramentas para o licenciamento de projetos de atividades poluidoras (consideradas impactantes ao meio ambiente), de origem pública ou privada. Desde então, o EIA-RIMA define um conjunto de procedimentos destinados a analisar os efeitos dos impactos ambientais de um determinado projeto, a sua influência e forma de aplicação como parte necessária para obtenção do licenciamento para a implantação e operação das atividades.

Além da Resolução CONAMA 001/86, temos como relevantes as resoluções nº. 16 e 18. A primeira estabelece regras específicas para o licenciamento ambiental de atividades de grande porte, e a segunda institui o Programa de Controle de Poluição por Veículos Automotores (PROCONVE).

A legislação ambiental brasileira, formulada a partir da PNMA, é fortalecida e consolidada com a criação da nova Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, que dedica um capítulo exclusivo para as questões de ordem ambiental e define toda a legislação vigente no país.

Esses instrumentos legais atualmente estabelecem diretrizes reguladoras de intervenções de projetos, inclusive urbanísticos e arquitetônicos, porém questionados, a seguir, enquanto métodos de avaliação.

3. DA SUSTENTABILIDADE IDEAL À INSUSTENTABILIDADE REAL

A mudança de postura do Poder Público com relação às questões ambientais se deu a partir da pressão internacional com relação à preservação e exploração dos recursos naturais, principalmente no âmbito dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. No Brasil, a partir da denominada ECO-92 ocorrida no Rio de Janeiro, que foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento no ano de 1992, teve-se como foco principal as questões ambientais discutidas mundialmente nesse período. Como resultado dos debates e discussões, foi apresentado ao mundo um documento denominado Agenda 21 2 , sintetizando a harmonia mundial em torno do desenvolvimento sustentável, de acordo com as ações políticas nacionais e internacionais, determinando responsabilidades a todos os países com relação à pobreza e crescimento demográfico dos países menos desenvolvidos. A partir de então, o desenvolvimento local e regional passa a ter maior apoio e interesse internacional, pois os programas de meio ambiente e desenvolvimento passam a ser integrados às entidades de caráter mundial.

2 Agenda 21 é o documento elaborado em consenso entre governos e instituições da sociedade civil de 179 países e aprovado em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro. A Agenda 21 traduz em propostas de ações o conceito de desenvolvimento sustentável.

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Na realidade, essa mudança de paradigma com relação à visão de Planejamento Ambiental resulta de uma série de fatos e ações no decorrer da história. Foi a partir da década de 50 que se realizam os primeiros estudos sobre o desenvolvimento, paralelamente ao processo de independência de várias nações colonizadas. Na década de 60, a Organização das Nações Unidas – ONU – determina como a década das “nações unidas para o desenvolvimento”, destacando a cooperação internacional para o desenvolvimento econômico global equilibrado, amenizando os embates sociais dos países menos desenvolvidos através da transferência de tecnologias e ações de fundos monetários internacionais. Foi a partir dessa mesma década que o planejamento ambiental passou a ser ponto essencial para qualquer projeto de desenvolvimento, rompendo com a errônea idéia de que não era possível implementar políticas de desenvolvimento associado aos programas de preservação ambiental, pois acreditava-se que era inerente ao processo de industrialização a degradação do meio ambiente.

O início e intensificação das missões espaciais, ao fim da década de 60 e início de 70, contribuíram para a revolução tecnológica no âmbito do monitoramento e sensoriamento territorial, assim como a negação ou confirmação de diversas teorias acerca do desenvolvimento, meio ambiente e clima. A partir de então, as pesquisas científicas apontariam para a compreensão das causas e efeitos dos processos de desenvolvimento tradicionais, assinalando para um futuro incerto e insustentável. Além disso, passa-se a ter a real noção das relações climáticas e deslocamento de massas térmicas pelo globo através de análises atmosféricas e técnicas de mapeamento contínuo. Portanto, a ciência comprovaria que os impactos ambientais de um determinado local poderiam interferir em regiões distintas de um país, de um continente ou até no mundo.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano no ano de 1972, em Estocolmo, determinaria de vez a interação conceitual entre industrialização e preservação ambiental; debatendo-se a noção de poluição e degradação do meio como resultado da pobreza e falta de desenvolvimento de uma nação, como também delimitaria quais as respostas possíveis para o eco-desenvolvimento3. Nos anos seguintes, a ONU define uma postura voltada para a solução dos problemas mundiais de ambiente e desenvolvimento através da sugestão de distribuição estratégica e equilibrada da riqueza entre as nações no mundo, fundando a comissão de estudos aprofundados sobre os problemas mundiais de ambiente e desenvolvimento.

Em 1987 foi apresentado ao mundo o Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum), no qual estaria definido o novo conceito denominado desenvolvimento sustentável; este determinava um sistema harmônico de desenvolvimento social e econômico com o meio ambiente do planeta. A partir de então, se tem o conhecimento da importância de se estabelecer o equilíbrio entre meio ambiente e justiça social, possibilitando melhor qualidade de vida global e atendimento às necessidades básicas humanas, sem

3 O eco-desenvolvimento se define como um processo criativo de transformação do meio com a ajuda de técnicas ecologicamente prudentes, concebidas em função das potencialidades deste meio, minimizando o desperdício dos recursos e cuidando para que estes sejam empregados na satisfação das necessidades de todos os membros da sociedade, dada a diversidade dos meios naturais e dos contextos culturais. Segundo Strong, apud Hurtubia (1980), eco-desenvolvimento é uma forma de desenvolvimento econômico e social, cujo planejamento se deve considerar a variável meio ambiente. Para Munn (1979), é uma forma de desenvolvimento planejado que otimiza o uso dos recursos disponíveis num lugar, dentro das restrições ambientais locais.

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comprometer os recursos naturais e a vida das gerações futuras. Em conceito, o desenvolvimento sustentável busca atender às necessidades básicas da população mundial, não somente da parcela integrante dos países desenvolvidos, como também a grande maioria localizada nos países menos desenvolvidos, fomentando o equilíbrio ambiental e a qualidade de vida mundial.

Entretanto, apesar do processo de conscientização internacional, acerca das questões ambientais, impondo restrições e determinando mecanismos de controle, fiscalização e monitoramento do meio ambiente em todo mundo, nos países em desenvolvimento como o Brasil se verifica pouca efetividade quanto à preservação e manutenção dos recursos naturais. Sabemos que grande parte das discussões e possíveis soluções colocadas pela ONU não passaram da retórica, se restringindo apenas na esfera de debates dessas Conferências Internacionais; pois os interesses de cada nação acabam por prevalecer sobre a condição de pobreza e exploração dos menos desenvolvidos, a exemplo do que sempre aconteceu na história do desenvolvimento da humanidade.

Enquanto isso, pelo mundo as cidades continuam crescendo desordenadamente, as periferias permanecem reféns do poder econômico e da especulação imobiliária; os perímetros urbanos expandem sem nenhum controle para além das áreas de preservação ambiental; os assentamentos humanos (no campo e na cidade) não solucionam os problemas de acesso à terra que há séculos impera nesses países. Enfim, o planejamento urbano permanece estagnado e inerte diante do caos das cidades mundiais e, como participante desse processo, o Brasil segue, à risca, a cartilha de desenvolvimento imposta pelo sistema internacional de mercado, repleto de desigualdades, e traça assim o destino de seu desenvolvimento urbano e regional.

4. A CIDADE E O PODER NO BRASIL

Apesar do rigor legal das instâncias municipal, estadual e federal de meio ambiente, o urbanismo enquanto ciência e técnica de estudo, regulação, controle e planejamento do espaço da urbe4, ainda não assumiu uma identidade enquanto regulador do espaço da cidade. Seus métodos e propostas de projeto esbarram, muitas vezes, nos interesses econômicos e políticos que imperam em cada lugar e que determinam caminhos tortuosos, visando o lucro imediato em detrimento do interesse, ou desinteresse, coletivo.

Para Arruda (2006), outro ponto capital é a supremacia da legislação ambiental sobre a legislação urbanística, no qual uma Promotoria de Meio Ambiente ocupa maior espaço na justiça e na mídia que a Promotoria do Patrimônio, Cultura, Urbanística e Paisagística. O EIA-RIMA se sobrepõe às leis de uso e ocupação do solo e zoneamento urbano, uma audiência ambiental tem maior reconhecimento que um estudo técnico sério realizado

4 Esse termo origina-se dos estudos do engenheiro catalão Ildefonso Cerdá (1815-1876), idealizador do projeto de ampliação de Barcelona em 1850. Mesmo não tendo usado o termo urbanismo, Cerdà definiu o termo urbe como designação genérica para os diferentes tipos de assentamento humano, e o termo urbanização denominando a ação sobre a urbe. Destes conceitos muito próximos surgirá o nome urbanismo, apresentado na primeira metade do século XX. Cerdà publicou extensos estudos sobre as cidades espanholas de Barcelona e Madri, que versavam sobre os mais diversos aspectos da urbanisticos, desde questões técnicas (como a análise da rua e seus sistemas de infraestrutura), até questões teóricas e territoriais (como ligar as cidades em uma grande rede nacional). Um compêndio expandido e revisado, a Teoria Geral da Urbanização, publicado em 1867, resulta de seus estudos anteriores e é a publicação mais notória de Cerdà.

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por equipes interdisciplinares de consultoria e projeto. Ainda afirma Arruda (2006), que a retórica ambientalista adquiriu maior importância do que a realidade socioeconômica dos processos de espacialização da cidade, na qual ONG’s, biólogos, ecólogos, engenheiros florestais que, através de órgãos de controle ambiental, passam interferir e analisar, aprovar ou reprovar projetos urbanísticos sem a devida análise técnica do profissional habilitado para tal função.

Portanto, faltam métodos e critérios técnicos definidos para não restringir os projetos urbanísticos aos debates e fatos ambientais, pois a sociedade e o poder econômico-político atuam de formas distintas e contrastantes no espaço da urbe, enquanto a legislação e fiscalização caminham para a retórica ineficaz. Talvez um caminho promissor para a minimização desses impasses no campo teórico-legal de projetos, seria transformar a legislação ambiental em uma ferramenta (determinante para o partido) de todo planejamento ou projeto arquitetônico-urbanístico.

Por outro lado, os projetos urbanísticos, que muitas vezes atendem às exigências legais e ao interesse econômico-político de determinada localidade, não são assumidos pela sociedade, desperdiçando muito dos parcos investimentos diante da realidade brasileira. Destarte, o projeto participativo5 e a necessária aplicação do orçamento participativo6 deve ser uma prática regulamentada e obrigatória no pensar do espaço urbano, entretanto seus mecanismos devem ser regulamentados e controlados para que, de fato, a participação comunitária aconteça num processo de reconstituição urbana e da cidadania.

No âmbito da aprovação de projetos, Arruda (2006) faz uma crítica aos procedimentos para obtenção de licenciamento ambiental que, dentro dos parâmetros atuais, se apresentam de maneira extremamente restritiva e, muitas vezes, incoerentes no processo de urbanização; pois, ao passo que avaliam projetos urbanísticos sem a necessária interdisciplinaridade, determinam pareceres técnicos emitidos por profissionais que não dominam a relação entre teoria e práxis da linguagem e projeto do urbanismo.

“Nossos projetos arquitetônicos e urbanísticos são avaliados e julgados por técnicos que não entendem de espaço construído, muito menos de arquitetura e sequer sabem ler uma planta, um corte e até um memorial”.

“(...) O documento da Agenda 21, em apreciação em todo o Brasil e que agora desceu para a escala municipal, diz que "a redução da pobreza só será possível mediante o

5 A Constituição brasileira de 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”, incluiu mecanismos de democracia direta e participativa. Entre eles, o estabelecimento de Conselhos Gestores de Políticas Públicas, nos níveis municipal, estadual e federal, com representação paritária do Estado e da sociedade civil, destinados a formular políticas sobre questões relacionadas com a saúde, crianças e adolescentes, assistência social, mulheres, etc (Dagnino, 2004).

6 Os Orçamentos Participativos são espaços públicos para deliberação sobre o orçamento das administrações municipais, onde a população decide sobre onde e como os investimentos devem realizados. Diferentemente dos Conselhos Gestores, cuja existência é uma exigência legal, os Orçamentos Participativos derivam de escolhas políticas dos diferentes governos municipais e estaduais (Dagnino, 2004).

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planejamento e a administração sustentável do solo" e na falta de definições para o urbano, essa regra vem sendo aplicada para as cidades, inclusive. A cada análise de projeto para licenciamento ambiental, nos vemos manietados por pareceres técnicos elaborados por profissionais ditos da área, mas que na verdade não possuem habilitação urbanística para compreender os processos urbanos como um todo”; ARRUDA (2006).

Podemos destacar a falta de relação entre o processo de aprovação de projetos e a realidade do morador (ou usuário) do espaço a ser construído ou reestruturado na cidade; entretanto não se podem transformar ações pontuais em incidentes genéricos em todos os processos de aprovação nas instâncias municipais, estaduais ou federais. Sabemos que a interdisciplinaridade é um objetivo a ser efetivado nos órgãos ambientais, ao passo que se instituem Concursos Públicos nas diversas áreas; porém a avaliação da real necessidade de determinada população ou setor social fica restrito a critérios muitos mais específicos de cada localidade, estes que nem sempre estão visíveis ou representados em um projeto ou planejamento.

A Agenda 21 está difundida pelo Brasil e, agora, atinge a escala das municipalidades quando define que a redução da pobreza só será possível mediante o planejamento e a administração sustentável do solo. Contudo os entraves sociais, os processos de segregação e marginalização da pobreza no contexto de espacialização urbana (Corrêa, 2005) vão muito além das questões legais de zoneamento e uso e ocupação do solo. A cidadania e a real democratização da política brasileira permanecem numa realidade cada vez mais distante, pois a mesma ainda caminha dentro dos parâmetros coloniais de interesses, conchavos, corrupção, de desrespeito às leis e aos interesses da coletividade.

Tal sistema político arraigado contribui para a concentração de poder e renda a uma pequena elite, enquanto que grande parcela da população permanece excluída dos meios de produção e distribuição do capital, entregues à marginalização nas favelas, invasões e ocupações da cidade dita ilegal. Somados a esse quadro, temos a violência, o desemprego, a instauração de um poder paralelo do “crime organizado”, a inexistência de infra-estrutura urbana (pavimentação, rede de água tratada e sistema de coleta de resíduos), ausência de educação de qualidade nas periferias e sistema de saúde pública eficiente.

A política econômica mundial de mundo globalizado é altamente agressiva aos interesses de nação em desenvolvimento e ao estabelecimento de uma política de sustentabilidade, a exemplo do que sempre ocorreu na história da colonização européia; pois esta sempre é contrária ao fortalecimento do estado e das culturas regionais, imperando, por obrigação, o sistema capitalista de consumo e supremacia das empresas de capitais transnacionais sobre o ambiente local. Esse quadro contribui para a deflagração das desigualdades, visto que o capital externo visa interesses e lucros, desconsiderando o homem, sua cultura, a qualidade de vida da geração atual ou futura.

A cidade se defronta com seus conflitos e desafios, e o Planejamento Urbano e Ambiental, mediante o quadro atual, não responde às necessidades sociais que vão além dos projetos urbanos e restrições legais. O eco-desenvolvimento permanece sendo uma utopia, enquanto o Brasil não minimizar as tensões sociais e se inserir nesse processo de globalização de uma maneira mais consistente e competitiva, somente possível após a qualificação e valorização de seu povo.

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5. OS ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL EM DISCUSSÃO

A legalização dos Estudos de Impacto Ambiental ocorre após a Resolução nº.: 01/1986 do CONAMA, e torna imprescindível o EIA para a aprovação de projetos considerados de médio e grande porte. Tal controle se faz essencial diante da dinâmica de mudanças nos espaços urbanos e rurais, como ferramenta para a ordenação.

O EIA define uma mudança profunda na visão de se planejar espaços e projetos, sejam eles industriais, comerciais, turísticos, rodoviários etc. Porém, se o EIA delibera a importância ambiental no processo de idealização e execução de projetos, em contraponto, cria sérias conseqüências decorrente do conceito e legislação orientados como critérios de validação das decisões técnicas.

O EIA deve ser entendido como uma ferramenta não somente legal, mas indissociável do procedimento de planejamento e de projeto, pois a análise ambiental é, antes de tudo, a compreensão das possíveis mudanças de características sócio-econômicas, biológicas e geofísicas de um determinado local, a partir dos resultados de um plano proposto. Para tanto, o EIA propõe que quatro pontos básicos sejam primeiramente entendidos, para que depois se faça um estudo e uma avaliação mais específica. São eles: desenvolver uma compreensão daquilo que está sendo proposto, o que será feito e o tipo de material usado; compreender o ambiente afetado como um todo, e qual ambiente (bio-geofísico e/ou sócio-econômico) será modificado pela ação; prever possíveis impactos no ambiente e quantificar as mudanças, projetando a proposta para o futuro; e divulgar os resultados do estudo para que possam ser utilizados no processo de tomada de decisão.

Quanto às questões legais, a Política Nacional de Meio Ambiente estabelece que alguns pontos capitais: observar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, levando em conta a hipótese da não execução do mesmo; identificar e avaliar os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação das atividades; definir os limites da área geográfica a ser afetada pelos impactos (área de influência do projeto), considerando principalmente a "bacia hidrográfica" na qual se localiza; e considerar os planos e programas do governo, propostos ou em implantação na área de projeto e se há a possibilidade de serem compatíveis.

Há uma dissociação metodológica entre as ordens físicas, químicas e biológicas da configuração social que, por sua vez, é oposta a própria definição teórico-conceitual de Meio Ambiente. Para Mori apud Arruda (2006), separar meio químico, físico, biológico e antrópico, em um estudo isolado e sem inter-relação de seus fatores, estabelece sérios precedentes enquanto determinação de metodologia e critérios técnicos para análise de um projeto. É necessária uma discussão enfocando tais questões e de que forma poderiam se estabelecer definições mais precisas acerca das áreas de influência; medidas mitigadoras e compensatórias diante dos parâmetros de aprovação, seus prazos para análises e determinação das responsabilidades de cada esfera de governo, seja ela: municipal, estadual e federal. Essas ações dinamizariam os processos probatórios dos projetos e minimizariam dúvidas referentes aos encargos e diretrizes a serem avaliados por cada instância, compatibilizando a complexidade dos projetos com as necessidades reais da sociedade beneficiada.

6. A POLÍTICA AMBIENTAL NO CONTEXTO NACIONAL

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No Brasil, a política ambiental se inicia, de fato, a partir da década de 80, através de ações restritas à instância federal, porém deliberando uma composição legal descentralizadora para os estados e municípios. Os estados, até então, se mantinham inertes quanto tais políticas, salvo algumas exceções. Porém, foi a partir da Constituição de 1988 e a implementação de Constituições Estaduais, no ano seguinte, que se cria uma instrumentação eficaz, atribuindo responsabilidades aos estados e determinando a gestão ambiental a partir do contexto regional.

Na década de 90 se verifica o processo de descentralização, por parte da federação para os estados, das ações e políticas ambientais, proporcionando aos estados maiores investimentos e estruturação da máquina estatal. A partir desse decênio, a maioria dos estados passa a ampliar e atuar de maneira mais eficaz na área ambiental, criando-se secretarias, contratação e treinamento de corpo técnico específico, compra de equipamento e investimento em monitoramento e fiscalização do território.

Contudo, a exploração descontrolada da natureza e o estabelecimento de um estado crítico quanto aos problemas ambientais ocorre a partir das cidades, ou seja, dos municípios. É nesse âmbito local que se verifica interferência direta do impacto ambiental na vida das pessoas e nos diversos setores da economia, exigindo articulação precisa entre governos federal, estaduais e municipais. O processo de democratização brasileira, de crescimento econômico e demográfico associado à municipalização nos estados direcionou para um processo de gestão ambiental no sentido dos municípios, associado às políticas moderadas de melhoria de infra-estrutura, saúde e educação. Entretanto, a descentralização da gestão ambiental para os municípios nem sempre está associada a um processo participativo e de conscientização ambiental dos diversos segmentos das sociedades locais, estes que também são os interessados na discussão e solução de problemas que atingem, diretamente, a qualidade de vida.

Para o futuro, a descentralização da gestão ambiental envolvendo diretamente a municipalidade e esses segmentos diversos da sociedade deve ser acompanhada da conscientização ambiental dos agentes políticos, privados e sociais, apresentando o aparato legal para orientar as ações, esclarecendo suas ferramentas e possibilidades à sociedade em geral. A reestruturação administrativa e capacitação pessoal nos municípios devem ser pensadas como um caminho eficiente na execução de atividades como licenciamento, monitoramento e fiscalização ambiental, sendo essencial para a implementação de uma política de gestão ambiental eficaz no contexto regional, estadual e nacional. Consequentemente, o equilíbrio ambiental, pelo menos no âmbito legal, agora parte dos municípios, das localidades, para então somar às outras ações nas diversas regiões do estado e nação, caminho distinto do que se tinha até as últimas décadas.

7. A GESTÃO AMBIENTAL NAS MUNICIPALIDADES A PARTIR DO CONTEXTO MATO GROSSENSE

A “marcha para o oeste” no Brasil como processo de ocupação do território se inicia com a construção do plano urbanístico de Goiânia, em 1935, por Atílio Corrêa Lima. Porém, acentua-se com os projetos de reformulação urbana de Belo Horizonte e culmina, em 21 de abril de 1960, como uma intensificação e concretização desse movimento migratório

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no território nacional através da construção de Brasília por Juscelino Kubitschek, esta que seria a terceira Capital Federal na história do país.

A ocupação do Centro-Oeste brasileiro, desde então, torna-se uma realidade e, no contexto mato-grossense, a partir do Decreto Federal de 1977, se institui a divisão do Estado entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Determinam-se políticas para o desenvolvimento do Estado, acompanhadas de projetos federais, por parte de empresas colonizadoras de ordem públicas ou privadas, visando à ocupação territorial e desenvolvimento regional através da agricultura, iniciadas por volta 1950 e consolidadas nas décadas seguintes.

Como se verifica na figura 1, o desenvolvimento populacional em Mato Grosso apresentou progressões distintas entre os períodos de 1872 a 1900 (crescimento de 48,81 %), de 1900 a 1950 (77,39 %), e de 1950 a 1970 (67,31 %). Considerando a divisão do estado em 1977, a população salta de 1.138.691 habitantes, em 1980, para 2.504.353 habitantes respectivamente em 2000, estipulando um crescimento em torno de 54,53% em um período de duas décadas.

Sobre o mesmo período (1970-2003), podemos analisar (segundo a Tabela 1), o índice de crescimento demográfico relacionado com o processo de urbanização e êxodo rural. Se em 1970 a população urbana correspondia a 26 % para 74% rural, em 2003 há uma inversão de valores, passando para 74% para população urbana e 26% rural.

Figura 1 Evolução da população total residente no Estado de Mato Grosso. Fonte: IBGE – Senso Demográfico, 2000. Cuiabá: Anuário Estatístico de Mato Grosso, 2003.

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Assim, há um intenso agravamento do processo de exploração e poluição dos diferentes recursos naturais, decorrente desse intenso crescimento dos municípios entre as décadas de 70 e 80, impondo ao poder público uma revisão no gerenciamento do meio ambiente após os problemas gerados por esse surto desenvolvimentista. Paralelamente, a administração pública defronta-se com a dinâmica constante de um repertório de novos desafios que exigem ações corretas e imediatas. Acompanhando essa realidade atual, o poder público se depara com a necessidade de capacitação técnica associada às decisões políticas e participação da sociedade no processo.

De tal modo, as políticas e ações para se tornarem eficazes no contexto ambiental não podem ficar restritos à União, pois cabe a todos os níveis da federação (Estados e Municípios) a cooperação para implementação das mesmas e, conseqüentemente, conscientização e envolvimento da sociedade civil.

Por outro ponto, a política de descentralização para os municípios enfrenta alguns problemas. Como por exemplo, a falta de estrutura legal e administrativa, ou mesmo a inexperiência com tais ações ambientais, ou ainda a inexistência de exemplos positivos na maior parte dos municípios. Até então, infelizmente, o processo de centralização da gestão ambiental tem sido um fato na tradição política nacional, determinando aos municípios papel periférico na gestão pública. Tal situação é, muitas vezes, reforçada pelo desinteresse no fortalecimento e nas ações de órgãos ambientais locais, contrários às ideologias do poder político e econômico atuante numa determinada região.

Sabemos ainda que a adequação das estruturas administrativas das prefeituras perpassa pela criação e implantação efetiva dos Conselhos Municipais de Meio Ambiente, como também pelo fortalecimento das instâncias coletivas existentes (comitês de bacias hidrográficas, sindicatos, organizações não governamentais, associações de bairro e de classe entre outros).

Outro ponto vital, e talvez o mais polêmico, seria a necessária ruptura de um sistema de governo tradicional nas municipalidades, fundamentado na definição de “cargos de confiança” por indicação do gestor do município, e não na sua competência técnico-teórica que qualificaria, indiscutivelmente, a atução como representante da coletividade.

Tabela 1 Evolução da população residente em Mato Grosso, por situação de domicílio entre 1872 e 2003*.

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Esse fato determina a ineficiência das ações de ordem pública decorrentes das secretarias municipais, pois estas contam com um corpo de funcionários desqualificados.

O resultado desse tradicionalismo coronelista7 reflete-se claramente no interior do Estado de Mato Grosso, a exemplo de diversos municípios brasileiros; onde as decisões se concentram em um grupo minoritário da sociedade – geralmente famílias tradicionais – detentoras do poder político e econômico e que, na maioria das vezes, visam ações de interesses privados em detrimento do benefício coletivo.

Assim, o perfil institucional do sistema de gestão ambiental na esfera municipal deve atender a essas diretrizes apresentadas, incluindo sua competência pessoal, estruturas administrativas, acessibilidade a uma base jurídica e aos instrumentos para a atuação municipal na proteção do meio ambiente. As ações devem ter como foco os principais problemas locais e regionais diagnosticados, utilizando-se de mecanismos legais na implementação, fiscalização e controle de políticas ambientais específicas.

O Estado de Mato Grosso segue se desenvolvendo, ainda dentro dos parâmetros tradicionais de exploração e ocupação desordenada do território, a base de políticas ambientais questionáveis, enquanto os órgãos públicos ambientais não detêm autonomia e força frente aos interesses políticos e econômicos locais.

7 Coronelismo é sinônimo de autoritarismo e impunidade. Forma de exercício do poder centralizadora e radicalmente contra a democracia, remontando ao caudilhismo e caciquismo que provém dos tempos coloniais do Brasil. Na política brasileira, tal sistema de poder ganha força durante o Primeiro Império e se intensificando até meados do século XX. Também se define como um conjunto de ações políticas de latifundiários (chamados de coronéis) no âmbito local, regional ou federal, no qual se evidencia o domínio econômico e social pela manipulação eleitoral em causa própria ou particular. Fenômeno social típico da República Velha, caracterizado pelo prestígio de um chefe político e por seu poder de mando (PANG, 1979).

Figura 2 Área de produção da cultura de cana-de-açúcar no Estado de Mato Grosso, de 1978-2002.

Fonte: Até 1993 extraído de: ABREU, J.G. Estatística da Produção Agrícola. Cuiabá: EMPAER-MT, 1995. IBGE – Produção Agrícola, 1994-2002; em: Cuiabá: Anuário Estatístico de Mato Grosso, 2003.

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8. DA CONJUNTURA LEGAL À REAL

A Constituição Federal é a Lei maior que fixa toda estrutura política do país, determinando direitos e atribuições às instâncias sociais. A Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), editada durante a vigência da Constituição anterior, é recepcionada pela Carta Magna de 1988. A nova Constituição é reconhecida internacionalmente pelos avanços inseridos na proteção do meio ambiente brasileiro e, além de fornecer um amplo capítulo reservado para a questão, contém inúmeros artigos que fornecem fundamentação legal para a proteção ambiental.

Entre os artigos e dispositivos previstos da Constituição Federal, exemplificamos:

Art. 23, I, III, VI, VII e XI – Define como competência comum da União, Estados e Distrito Federal e dos Municípios, a conservação do Patrimônio Público, dos bens paisagísticos, do meio ambiente, e a fiscalização da pesquisa e exploração dos recursos hídricos e minerais;

Art. 24, VI a VIII – Coloca como competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal o ato de legislar sobre o meio ambiente, patrimônio paisagístico e responsabilidade por danos ambientais;

Art. 30, I, VIII e IX – Confere ao município a competência para legislar sobre temas de importância e interesse local, promover o ordenamento territorial e proteção do patrimônio histórico-cultural local;

Art. 170, VI – Estabelece como princípio da ordem econômica a defesa do meio ambiente;

Art. 186, II – Acrescenta a preservação do meio ambiente entre os requisitos para o atendimento da função social da propriedade;

Art. 216, V e § 1° - Atribui ao Poder Público o dever de proteção do patrimônio cultural brasileiro, nele incluídas as áreas de valor paisagístico, arqueológico e ecológico;

Art. 225 – Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O mesmo artigo 225, § 1°, referente ao Capítulo do Meio Ambiente, estabelece uma série de atribuições ao Poder Público como: a obrigatoriedade de preservar e restaurar os processos ecológicos e promover o manejo ecológico das espécies; preservar e fiscalizar o patrimônio genético do País; definir espaços territoriais de preservação ambiental; formular legislação que obrigue a realização de estudos e relatórios técnicos de impacto ambiental para atividades passíveis de degradação do meio; promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização para a preservação do meio ambiente; proteger a fauna e a flora, fiscalizar e punir seus agressores; entre outras. Referente ainda ao artigo 225, § 2°, se estabelece a obrigatoriedade, para aquele que explorar os recursos minerais, de se recuperar o meio ambiente degrado, de acordo com as exigências técnicas dos órgãos públicos da federação; estes que devem atuar em cooperação sistêmica através do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) nas

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instâncias municipais, estaduais e federais. Aliás, os agentes do município podem autuar infratores da legislação ambiental, seja ela federal, estadual ou municipal.

A lei também explana alguns dos instrumentos da política ambiental, como: o estabelecimento de padrões da qualidade ambiental; o zoneamento ambiental; a avaliação de impactos ambientais; o licenciamento e a revisão de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras; a criação de espaços territoriais especialmente protegidos; as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental; a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente.

Quanto à responsabilidade por danos ambientais, a Lei estabelece que o poluidor seja obrigado, independentemente a existência ou não de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá a legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente (Artigo 14, § 1°).

A Lei nº 4.771, de setembro de 1965 e conhecida como Código Florestal, apresenta uma série de restrições quanto ao direito de propriedade e permanece em vigor há décadas, com poucas alterações, apenas de caráter ainda mais restritivo. Entretanto, sabemos que o Brasil apresenta uma intensa atividade e exploração florestal, possível somente pela não aplicação legal dessa Lei. O Código Florestal institui as chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs), que visa proteger a vegetação situada ao longo dos recursos hídricos (córregos, rios, ribeirões, lagos, nascentes etc.). Segundo a Lei, toda vegetação necessária à preservação dos recursos hídricos, do solo, paisagem, da estabilidade geológica e da biodiversidade está sob expressa proteção legal e não pode ser derrubada, exceto com autorização dos órgãos ambientais do governo, após análise de parecer técnico e justificativo, caracterizado por utilidade pública ou de acordo com o interesse social.

As dimensões das áreas de preservação permanente estão definidas também pelo Código Florestal, de acordo com o citado artigo:

Art. 2º - Consideram-se de preservação permanente, pelo efeito desta lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) Ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima:

• De 30 (trinta) metros para os cursos d’água de 10 (dez) metros de largura;

• De 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura;

• De 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

• De 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

• De 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (metros);

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b) Ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais;

c) Nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura;

d) No topo de morros, montes, montanhas e serras;

e) Nas encostas ou parte destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;

f) Nas Restingas como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

g) Nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.

Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.

A derrubada de vegetação localizada em áreas de preservação permanente é crime previsto na Lei nº 9.605/98 e impõe ao infrator a obrigatoriedade de repará-la. Porém, de acordo com a Medida Provisória (MP nº. 2.166-67, de 24 de agosto de 2001), o desmatamento nas APPs poderão ser autorizados de acordo com a demanda ou contrapartida social, após autorização do órgão ambiental competente. Contudo, o mesmo órgão deverá apresentar medidas compensatórias ou atenuantes, que deverão ser adotadas pelo empreendedor (em conformidade com o Art. 35 do Plano Diretor – Lei Municipal – Da Transferência do Direito de Construir, mediante contrapartida social).

Também existe a Reserva Legal, que trata da preservação de um percentual de uma determinada área na propriedade rural na qual não é permitido o corte raso. Isso assegura que permaneçam mostras significativas de ecossistemas, conservando a biodiversidade e a permanência da fauna e flora. O percentual da Reserva Legal varia de acordo com a região e ecossistema no qual se localiza a área e, mais uma vez por intermédio de uma Medida Provisória (MP nº. 2.166-67), foi ampliada e determinando uma luta legal entre a Bancada Ruralista e os Ambientalistas do Congresso Nacional. A referida MP, no Artigo 16 do Código Florestal, determina que passe a vigorar os seguintes percentuais da propriedade, que deverão ser preservados:

“I – 80 % na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

II – 35 % na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo 20 % na propriedade e 15 % na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma micro bacia, e seja averbada nos termos do § 7º deste artigo;

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III – 20 % na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

IV – 20 % na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País”.

A discussão acerca da preservação da chamada Amazônia Legal é bastante pertinente, pois se deparam mais uma vez o interesse da sociedade brasileira que, através de diversas pesquisas de opinião pública, demonstram o interesse em preservar essa grande extensão territorial, de incomensurável riqueza ambiental. De outro lado se coloca a bancada ruralista do Congresso, que busca privilegiar seus interesses econômicos através da exploração desmedida da área em disputa, tentando atenuar as limitações legais através da descentralização e autonomia dos órgãos estaduais de meio ambiente; dessa forma conseguem exercer maior influência com seu poderio econômico e decidem qual o percentual para reserva legal em seu Estado.

O Código Florestal tem resistido durante décadas, sem alterações substanciais em seu aparato legal, porque nunca foi aplicado efetivamente e, de fato, não incomodou os interesses econômicos em cada localidade do Brasil. Entretanto, é uma discussão que deve ser trazida para a agenda local, inserindo a população nesse debate, principalmente nos municípios da região amazônica. O desenvolvimento deve ser proposto numa ótica equilibrada e sustentável, e não em benefício da especulação ou exploração do poder econômico nas localidades.

Nesse choque de interesses a opinião pública, nacional e internacional, passa a exercer pressão ao Poder Público, ao passo que a população começa a participar e inferir nas discussões acerca dos processos de desenvolvimento a partir das municipalidades e elaboração de Planos Diretores nas cidades brasileiras.

Figura 3 Produção de Lenha em m³/ano no Estado de Mato Grosso.

Fonte: Até 1993 extraído de: ABREU, J.G. Estatística da Produção Agrícola. Cuiabá: EMPAER-MT, 1995. IBGE – Produção Agrícola, 1994-2002; em: Cuiabá: Anuário Estatístico de Mato Grosso, 2003.

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9. AS FERRAMENTAS LEGAIS DO ESTATUTO DA CIDADE E DO PLANO DIRETOR MUNICIPAL

O entendimento desse processo de desenvolvimento desordenado das cidades brasileiras e a noção de que os graves problemas urbanos nos grandes centros têm suas origens também nos pequenos municípios, de regiões e estados periféricos, obrigando o Poder Público a agir de forma planejada, mesmo que tardia.

Percebemos que há uma absurda intensificação de problemas decorrentes do crescimento horizontal desordenado nessas últimas décadas, como os vazios urbanos compostos de lotes supervalorizados, infra-estruturas subutilizadas nas áreas centrais, conjunto de edificações abandonadas ou em desuso, a deterioração de áreas de interesse histórico, social ou ambiental, a proliferação de condomínios habitacionais de baixa qualidade para a população menos favorecida.

A expulsão dessa mesma faixa populacional para além dos limites do perímetro urbano define esse processo no qual a cidade perde suas reservas naturais e cinturões verdes, desmatando suas florestas e matas ciliares, como também poluindo e canalizando rios e córregos; isso que determina a degradação ambiental que, em muitos casos, torna-se irreversível.

Como meio de ruptura desse processo, o Governo Federal estabelece diretrizes gerais para a política urbana brasileira através do Estatuto das Cidades, visando “ordenar o desenvolvimento das funções sociais das cidades e da propriedade urbana, mediante uma série de diretrizes que apontam para a construção de cidades sustentáveis, com acesso à terra, à infra-estrutura urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, como também aos transportes, serviços e lazer públicos para a presente e futura gerações”.

O Estatuto das Cidades oferece ainda algumas ferramentas necessárias para o processo de democratização da gestão municipal, tais como: a criação de órgãos colegiados de política urbana nos níveis municipal, estadual e nacional; debates, audiências e consultas públicas; conferência sobre assuntos de interesse urbano em todos os níveis da federação; iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

A respeito da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que determina as Diretrizes Gerais (Cap. 1) para a execução da política urbana relacionadas com os arts. 182 e 183 da Constituição Federal:

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como equilíbrio ambiental.

Como parte integrante do processo de planejamento municipal, o Plano Diretor – previsto no artigo 182 da Constituição Federal de 1988 e regulamentado nos artigos 39 a 42 do Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001); – é obrigatório pela referida Lei para todo município com mais de 20.000 habitantes, devendo ser previsto em orçamento, aprovado em Lei Municipal e revisado a cada 10 anos.

A questão habitacional está entre as principais pautas de discussão legal, pois se entende que a segregação sócio-espacial e seus problemas conseqüentes não estão mais restritos

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somente aos grandes centros urbanos, pois esse cenário também se repete, de maneira surpreendente, nos pequenos e médios municípios.

A especulação imobiliária se utiliza do poder econômico e político para a implantação de loteamentos afastados das áreas centrais no tecido urbano, obtendo lucros astronômicos com projetos de baixa qualidade e custo, ao passo que transfere ao poder público de capital coletivo as responsabilidades de infra-estrutura desses novos bairros, onerando os cofres municipais.

O artigo 5, do Estatuto das Cidades estabelece o parcelamento no qual a área ou edificação tenha uma utilização obrigatória, determinando que o proprietário destine um uso ao espaço (edificado ou não), através de ferramentas legais como IPTU Progressivo, agora um forte agente a favor das Prefeituras Municipais. Os instrumentos da nova Política Urbana também estabelecem o Direito de Superfície, que permite ao proprietário conceder a terceiros o uso de solo, subsolo e espaço aéreo do terreno; como também o Direito de Construir, que é outorgado pelo mesmo, pois determina que o Plano Diretor origine áreas nas quais os direitos de edificar estejam acima do coeficiente de aproveitamento e uso do solo, de acordo com a contrapartida social justificada pelo interessado. Assim, a lei permite a ampliação de uma edificação, já limitada pelos coeficientes de ocupação do município, em troca da construção ou revitalização de praças públicas, ou mesmo a edificação de casas populares. Existem outros instrumentos do Estatuto como: o Impacto de Vizinhança, Direito de Preempção ou Operações Especiais; estes que permitem ao poder público implantar ações que visem à melhoria da qualidade de vida da população urbana. Entretanto, a participação e fiscalização da comunidade é elemento essencial para que as inovações legais de Outorga do Direito de Construir funcionem de forma positiva para a população e não se tornem mais um benefício ao poder econômico, impactando o meio natural e comprometendo ainda mais a qualidade de vida.

Talvez, a grande inovação do Estatuto esteja na Lei de Usucapião Especial de Imóvel Urbano, na qual se determina para o indivíduo que tenha detenção de área correspondente a 250 m² ou que tenha moradia em áreas de favelas ou loteamentos ilegais durante um período mínimo de 5 anos – sem oposição de possível proprietário – o direito de posse definitiva legalizada, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Essa atribuição permite ao Estado a regularização de milhares de moradias, principalmente das ocupações ilegais da periferia urbana, possibilitando a inclusão social, regularização urbana e a outorga definitiva da escritura ao real morador e legítimo dono. Ainda que no Estatuto esteja garantida a preservação de áreas ambientais, é essencial a aplicação de mecanismos eficazes para fiscalização do estado associada à participação e inspeção desses processos pela sociedade.

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Figura 4 A imagem declara o contraste entre a riqueza (agroindústria ao fundo) e a pobreza das habitações de sem-terra às margens da rodovia mato-grossense BR-070. Fonte: autor, 03/10/2006.

Figura 5 Habitação improvisada sob a ponte do Rio Bugres, na Barra do Bugres-MT, cidade com 33.200 hab./IBGE-2005. Fonte: autor, 03/05/2006.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vemos, as questões ambientais são inerentes aos processos sociais de espacialização urbana, este que é um processo intrínseco à sociedade capitalista, essencialmente quando falamos dentro do âmbito latino-americano.

Os mecanismos legais estão disponíveis, o monitoramento via satélite equipa com definida riqueza de informações os órgãos e entidades ambientais, a sociedade detém informação do que está ocorrendo através da mídia, há um forte avanço da biotecnologia; porém, nossas cidades continuam a expressar sérios problemas na definição de um território cada vez mais caótico e segregado.

No campo, o cenário não difere do processo de desenvolvimento econômico à base de exploração indiscriminada dos recursos e, o que é pior, com o aval do poder público

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estadual e, muitas vezes, federal. Com isso está ameaçado o crescimento em curva exponencial no qual uma minoria da sociedade tem participado; pois, toda exploração mal planejada – principalmente no que se refere aos recursos naturais – reflete negativamente no futuro, através do esgotamento das fontes e recursos que a sustentam. Como prova disso temos a história de distintas civilizações que se extinguiram devido à exploração descontrolada de seu meio através da agricultura.

Diagnosticamos uma infinidade de problemas e questionamentos, apontamos algumas possibilidades. Todavia, no contexto brasileiro se necessita, com urgência, de uma mudança radical nos paradigmas e entraves sócio-culturais de país colonizado e subdesenvolvido.

Há a necessidade imediata de se implantar um programa nacional de educação ambiental de caráter global e bem estruturado, atingindo não só a população mais carente, mas também o poder público, político e privado, pois estes são também agentes importantes nesse processo e quase sempre estão alheios à conscientização ambiental.

A ruptura desse processo tem muito mais a ver com uma política interna de inserção e valorização de seu povo, sua cultura, do acesso à saúde, à moradia e, essencialmente, à educação de qualidade, do que a dependência de investimentos do capital externo para o benefício econômico internacional. Enquanto não houver uma preocupação política de inserção democrática do cidadão, a sustentabilidade nacional, e mundial, não passará de mera retórica de cunho utópico.

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PAISAGENS EM DEBATE revista eletrônica da área Paisagem e Ambiente, FAU.USP - n. 05, dezembro 2007 24

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