piero c. leirner*novosestudos.com.br/wp-content/uploads/2017/09/09... · 2017. 9. 19. · tan...

27

Upload: others

Post on 01-Feb-2021

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Novos estud. ❙❙ CeBRAP ❙❙ sÃo PAuLo ❙❙ v36.02 ❙❙ 159-180 ❙❙ JuLHo 2017 159

    Piero C. Leirner*

    RESUMO

    Este artigo pretende refletir sobre algumas relações que (não)

    ocorreram entre Florestan Fernandes e Claude Lévi-Strauss. Para tanto, parte-se da já conhecida trajetória de abandono

    de Florestan em relação aos seus estudos de etnologia, tentando se perguntar por que tal fato teria ocorrido. Uma das

    hipóteses é que Florestan teria chegado muito perto da teoria da aliança em A função social da guerra na sociedade tupinam-

    bá, mas alguns motivos obliterados em sua leitura de Lévi-Strauss o teriam conduzido a um recuo para uma teoria

    funcionalista algo já desgastada para explicar a guerra indígena.

    PALAvRAs-CHAve: Florestan Fernandes; tupinambá; etnologia;

    parentesco; guerra; Claude Lévi-Strauss.

    the Anthropology that Florestan has ForgottenABSTRACT

    This article intends to reflect on some relationships that

    (not) occurred between Florestan Fernandes and Claude Lévi-Strauss. To do this, we start with the well-known aban-

    donment of Florestan in relation to his studies on ethnology, trying to ask why such a fact would have occurred. One of

    the hypotheses is that Florestan would have come very close to the theory of the alliance in his A função social da guerra

    na sociedade Tupinambá, but that for some reasons obliterated in his reading of Lévi-Strauss led to a return to a function-

    alist theory already worn out to explain the indigenous war.

    KeYWoRds: Florestan Fernandes; Tupinambá; ethnology; kinship; war;

    Claude Lévi-Strauss.

    O título deste artigo volta a um texto de Mariza Peira-no, da década de 1980, intitulado “A antropologia esquecida de Flores-tan Fernandes”1. O texto dela mostra de forma muito lúcida, apontan-do várias circunstâncias acadêmicas, como os tupinambá, objeto da fase de formação de Florestan, estiveram prensados entre aqueles que viam nessas obras ora exemplares da “fase funcionalista da sua socio-logia”,2 ora exemplares de uma antropologia descompromissada com o entendimento dos processos de formação do Brasil, como apontava Darcy Ribeiro.3 Além disso, os textos sobre os tupinambá poderiam ser descritos também como exemplares de uma “antropologia clás-sica”, termo também cunhado por Peirano e depois usado como um divisor do campo da etnologia por Eduardo Viveiros de Castro em um artigo sobre etnologia brasileira.4

    [*] Universidade Federal de SãoCarlos,SãoCarlos,SP,[email protected]

    [1] GostariadeagradecerAlineIu-bel,GeraldoAndrello,ClariceCohneLuizHenriquedeToledo,alémdospareceristasdeNovos Estudospeloscomentários.

    [2] Peirano,1984,p.33.Éprecisocertacautelaemrelaçãoaotipodefuncionalismo a que Florestan serefere.Paraseterumanoçãoprecisa,vera“orientaçãometodológica”queelepróprioescreveuemA função so-cial da guerra na sociedade tupinambá(1970,pp.14-17,especialmenteanota3,àp.14).

    A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU

  • 160 A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU ❙❙ Piero C. Leirner

    [3] EntrevistacitadaemPeirano(1981,p.56).

    [4] ViveirosdeCastro,1999.Aliás,areferênciaaViveirosdeCastroaquinãovemàtoa:Araweté: os deuses cani-bais(1986),frutodesuatesededou-torado,foiumadaspoucasobrasemqueumetnólogosededicouaconver-sarcomomaterialdeFlorestan(issomaisdetrintaanosdepoisdapubli-caçãodeA função social da guerra na sociedade tupinambá.Soma-seaesselivrooartigo,publicadoumanoantesporelemesmoeManuelaCarneirodaCunha(CarneirodaCunha;Viveirosde Castro, 1985). Para discussõesmaisrecentes,verSztutman(2012).Voltareiaessasreferênciasadiante.

    [5] Dumont,1997.

    [6] Florestanaindapublicoual-guns artigos sobre etnologia nasdécadasde1940e1960,reunidosemumlivro(Fernandes,1975),em-boraessaproduçãosejatímida,emextensãoerepercussão,secompa-radaàsuaobra“sociológica”.Tam-bémorientouatesedeRoqueBarrosLaraia(1972),sendosubstituídonadefesaporLuizPereiraemfunçãodesuacassaçãocomoprofessordaUSPpeloregimemilitar.

    [7] Usarei“Função”parasereferiraestaobraoriginalde1952(usoaedi-çãode1970),e“Organização”paraA organização social dos tupinambá(ediçãode1989,fac-símiledade1949).

    [8] ParatalconstataçãosobreFlo-restan, ver especialmente Peirano(1981,cap.3),Pontes(1996,p.303),ViveirosdeCastro(1999,pp.110-122), Miceli (2001, especialmenteoscapítulosdeFernandoLimongieFernandaPeixoto)eGarcia(2002,pp.121-131).

    [9] Peirano,1981.

    [10] Peirano,1981,pp.55ess.

    [11] VerMerton,1957,p.138.Esse“ponto metodológico”, inclusive,apareceuempublicaçõesposteriores,comoemA investigação etnológica no Brasil(Fernandes,1975).

    Peirano mostra como estar entre esses dois planos—monografia etnológica e/ou um tratado sobre o método funcionalista—, sem no entanto estar cem por cento identificado a um só, deixou o “Flores-tan antropólogo” de certa forma no limbo, por um bom tempo. No entanto, os méritos das obras sobre os tupinambá são quase que au-toevidentes e amplamente reconhecidos. Se de fato são obras-primas funcionalistas, publicadas justamente no auge (ou então, no começo da queda, como tentarei argumentar adiante) do funcionalismo afri-canista replicado pela teoria da descendência (fins da década de 1940 ao começo de 1950),5 é de se estranhar por que não gerou maiores in-teresses para sua tradução e debate direto com o que se fazia em inglês. Ao mesmo tempo, como sabemos, não houve continuidade imediata de seu legado, nem realizada pelo próprio Florestan nem por algum etnólogo que por aqui realizava sua formação na época.6 As razões para a formação do campo da antropologia e das ciências sociais no Brasil, explicando os constrangimentos e as oportunidades que leva-ram o tal tipo de “abordagem clássica” ao ocaso pelos trinta anos que sucederam A função social da guerra na sociedade tupinambá,7 já são bem conhecidas e de certa maneira explicadas em retomadas sobre a forma-ção do campo das ciências sociais e da etnologia no Brasil.8

    De outro lado, a tese de Peirano9 nos traz razões bastante convin-centes de por que os tupinambá não decolaram no Brasil. Dentre ou-tros motivos, assinalados também através de uma série de entrevistas que ela realizou (com destaque ao próprio Florestan, a Darcy Ribeiro e a Antonio Candido), estariam sobretudo o conteúdo tangencial do tema em relação aos “problemas nacionais” aliado a uma escolha teó-rica muito pautada por um enquadramento francês,10 baseado sobre-tudo em Mauss. Não seria à toa que o próprio Florestan teria subtraído esses dois pontos mais à frente na sua carreira: sobrou, dos tupinambá, o método funcionalista, para o qual ele teria reconhecimento, ainda na juventude, lá fora.11 No entanto, gostaria de agregar aqui um outro fator: teria Florestan condições de avançar sobre a teoria maussiana e já na Função apostar numa abordagem que rivalizaria com o estrutural-

    -funcionalismo britânico? Somando-se a isso, podemos ainda jogar outra pergunta: o que fal-

    tou, ou então, pelo contrário, excedeu para que os livros sobre os tupi-nambá não tivessem assumido a estatura de um clássico em etnologia

    “mundial”? Não tenho condições de aqui apontar as razões institucio-nais e relativas à sociologia do “campo internacional” para tratar dessa questão. No entanto, quero sugerir algumas pistas para se pensar por que o próprio Florestan se desviou posteriormente dos tupinambá, para além da célebre (mas vaga) resposta dada à Mariza Peirano de que “clássicos não vendem”. Digo isso porque algo me surpreendeu numa visita ao acervo de Florestan que está guardado na biblioteca da

  • Novos estud. ❙❙ CeBRAP ❙❙ sÃo PAuLo ❙❙ v36.02 ❙❙ 159-180 ❙❙ JuLHo 2017 161

    [12] Ele foi professor na USP de1935a1938,eFlorestaningressounaFFCL/USPem1941.

    [13] Cardoso,2006,p.69;Jackson,2002,p.51.SobrecertasdiferençasentreFlorestaneAntonioCandido,verGarcia(2002,p.86ess.)eJack-son(2002,cap.2).

    [14] Dumont,1994,pp.IX-X.Emoutraocasião,Dumont(1997)tam-bém sugere, entre outros pontos,queLévi-Straussnãoterialevado,emAs estruturas elementares do paren-tesco,o“métododerelações”àsúlti-masconsequências,permanecendoassimcomumresíduo“classista”.De certo modo, como veremos, omaterialtupinambáanalisadoporFlorestan justamente suscitou te-oriasqueapostamno“métododasrelações”paraarealidadeamerín-dia,comoporexemplonaideiado“dravidianatoamazônico”(ViveirosdeCastro,1993).

    [15] Suaincursãoinicialaostupi-nambá,naOrganização,foifrutoemgrandepartedoestímulodadoporHerbertBaldus,entãoprofessornaEscolaLivredeSociologiaePolítica,ondeFlorestanhaviaingressadoparaomestradoem1945.Apartirdeumtrabalhodecurso,Baldusoestimulaaaprofundarsuaspesquisassobreostupinambá,colocandocomoestí-muloofatodequeaposiçãodeAlfredMétraux(aautoridadeetnológicadeentãonoassunto)dequeeraimpos-sívelreconstituiraorganizaçãosocialdessesíndios,poderia,enfim,estarerrada.Métraux,assim,pareciaseroalvoqueestimulouovetoretnoló-gicodeFlorestan(Fernandes,1995,p.10).Note-sequenessaépocaelejátinhapublicadoumprefácioàContri-buição à crítica da economia política deMarx,artigossobreeducaçãoe,prin-cipalmente, sobre folclore em SãoPaulo,portantotateavasuaentradasociológicaemalgunssentidos.

    Universidade Federal de São Carlos: seu conhecimento, leitura, porém quase total obliteração do que então escrevia o jovem Lévi-Strauss à época, sobretudo de As estruturas elementares do parentesco, edição fran-cesa de 1949. Como se sabe, Lévi-Strauss passou alguns anos antes pela Universidade de São Paulo,12 e sua influência foi notada mais em Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza, mas não em Florestan.13 Se procedermos a uma releitura dos livros sobre os tupinambá com a imagem do então nascente estruturalismo fazendo fundo a Florestan, podemos começar a tatear por que, tendo os dados tupinambá à mão, ele procedeu a certas escolhas que levaram a certos lugares-comuns do funcionalismo britânico e negligenciou elementos que poderiam ter feito ele alçar voos para outras fronteiras. Sem pretender estabelecer uma conexão direta, ao ver pontos em cruzamento com os elemen-tos “praticamente estruturalistas” que estão em várias passagens da Função, surge um “ar de familiaridade” com algo que Dumont disse a respeito de Evans-Pritchard no prefácio da edição francesa dos Nuer: que, sem sabê-lo, o antropólogo bretão (que, por sinal, agrega caracte-rísticas teóricas semelhantes às escolhidas por Florestan) enunciava naquele livro os princípios básicos de uma análise estruturalista, pelo seu forte espírito sistemático.14 Esse é um ponto, como veremos, que pode ser também lembrado na arquitetura de certos argumentos de Florestan, especialmente no seu enfoque daquilo que bem poderia ser chamado de uma “teoria positiva” da guerra.

    AS LEMBRAnçAS dE FLORESTAn

    Começo então com a seguinte pergunta: qual seria a dimensão da antropologia de Florestan? Começando com a Função, todos sabem que se trata de um livro gigante, não só em tamanho e quantidade de trabalho embutido; também o é porque se trata de uma aula de como fazer uma tese, como organizar um material, como extrair o máximo das fontes e da bibliografia, como apontar um caminho que mostra o tempo inteiro por que se está fazendo uma curva ou indo reto, por que se toma uma vicinal ou se segue na via principal, por que se vai e volta numa mesma paisagem. Além disso, tenho a impressão de que esse é um livro que saiu inteiramente das garras do autor—não era fruto de uma pesquisa preparada por outrem, exceto por ele mesmo ante-riormente na Organização, sua dissertação de mestrado publicada em 1949—, portanto em certa medida foi fruto de um trabalho em parte solitário (diferente daquele que de praxe se ouve em agradecimentos de tese, que dizem que um trabalho foi solitário, mas muita gente par-ticipou dele…).15 Aliás, mais do que isso: antes de Florestan, havia um material fragmentado, e ele mostrou de forma inédita como juntar em um esforço heroico textos dispersos de 36 cronistas, sistematizando

  • 162 A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU ❙❙ Piero C. Leirner

    [16] Peirano,1984,p.20.

    [17] Peirano,1984,p.18.

    [18] Ver,nessesentido,ViveirosdeCastro,1986,pp.86-87).

    os dados em 126 tópicos sobre organização social e 92 tópicos sobre o tema da guerra.16

    Mas então por que da constatação do próprio Florestan que diz que “clássicos no Brasil não vendem”? Afinal, essa constatação é ambígua. Se não teve recepção, como poderia ser um clássico? Há vários problemas com essa frase, mas ela enuncia que de fato Flo-restan não desprezava sua obra (ao fim deste artigo, recordaremos uma citação que diz justamente o contrário). Assim, o próprio Florestan relativizou seu papel “menor”. No entanto, parece-me que mal terminada sua tarefa com os tupinambá, Florestan as-sumiu a ferro e fogo a tarefa de organizar uma grande agenda de interpretação do Brasil—elemento que parece ter se constituído numa tarefa maior para as ciências sociais brasileiras, e de fato não tenho certeza se o próprio Florestan não foi uma das usinas que abasteceram essa tendência repetitiva. É possível, assim, que ele próprio tenha contribuído para sua antropologia ter permanecido

    “esquecida” por um tempo. Como se sabe, ele menciona que seu maior intento com essas obras—e a Função, particularmente—era

    “provar que poderia ser feito um estudo aqui de igual para igual com o que se fazia na Europa, na época”. Essa era obviamente a ideia de um pesquisador em se afirmar teoricamente, como ele mesmo diz, “ao nível de Parsons e Merton”,17 mas que só serviria para sua legitimação no meio universitário.

    Os tupinambá assumem assim características de um objeto re-cortado ao modo de outras antropologias, especialmente a britânica; isolado indutivamente para depois ser colocado em uma perspectiva comparativa mais abrangente (voltarei a isso, pois esse é o tema que particularmente me interessou: a perspectiva tupinambá para uma te-oria da guerra). Nesse sentido, os tupinambá teriam em princípio um escopo semelhante a Trobriand, nuer etc., o que não é pouco (e, só para lembrar, a Organização analisa espaço, parentesco e política tupinam-bá: o esquema coincide assim com Os nuer…)18.

    Deste modo, fica um ponto para se pensar por que a conexão entre os tupinambá e o Brasil não foi feita, nem naquela hora nem depois. Isso, em Florestan, vem depois, com os estudos sobre negros, clas-ses e desenvolvimento. Aliás, é preciso dizer, a aliança teórica que ele estabelece para resolver o problema etnográfico de um objeto que se baseia em um relato histórico, que é sua adesão a uma noção de função, nem sempre se apresenta de forma muito clara. Seria a de Malinowski com a submissão dos dados ao plano das necessidades humanas, via técnicas? A de Radcliffe-Brown e sua perspectiva integrativa operando no plano da solidariedade? A de Mauss e Hubert e uma noção sintética das instituições subordinada à fórmula religiosa do sacrifício? Todos esses? É preciso apenas ver se o preço dessa escolha teve alguma con-

  • Novos estud. ❙❙ CeBRAP ❙❙ sÃo PAuLo ❙❙ v36.02 ❙❙ 159-180 ❙❙ JuLHo 2017 163

    [19] Porexemplo,Fausto(2001)eSztutman(2012).

    [20] Lowie(1941).Paraumanoçãodoquerepresentouaideiadeuma“anomaliajê”,verDamatta(1973),eSouza(2002,p.33).Umaapreciaçãodesteproblemada“marginalidade”dapaisagemetnográficasul-america-natambémpodeservistaemSztut-man(2002,pp.449ess).

    [21] Sobre o parentesco tupi--guarani(especialmentetapirapéetenetehara)emWagleyeGalvão,verBalée(2014).

    [22] ViveirosdeCastro,1986,p.89.

    [23] Aindaassim,“cabeaMétraux,dequalquerforma,oméritodeterapontado a notável continuidadeentreasculturastupi-guaraniestu-dadasin situporetnógrafoscontem-porâneoseaimagemdasociedadetupinambádeixadapeloscronistas.Eleabreocaminhoparaatentativa,maisrigorosaeambiciosa,deFlores-tanFernandes”(ViveirosdeCastro,1986,p.84).

    [24] Laraia,1972.

    [25] VerespecialmenteViveirosdeCastro(1986,p.83ess.).

    [26] Fernandes,1952.Emumarefe-rênciasobreoJournal de la Societé des Americanistes,Florestancomenta,emcorrespondênciacomBarbaraFrei-tag:“saiunoJournal des Américanistes,oquequerdizer—nãoserávistonemcheirado…”(correspondênciaenvia-daem16out.1971,citadaemFreitag,1996).Alémdisso,comonotaJosédeSouzaMartins(1998,p.37),omaiorreconhecimentoqueFlorestantevenaépoca,noexterior,apareceuemSocial Theory and Social Structure (ree-diçãode1957),deRobertK.Merton.Noentanto,acitaçãoéreferenteaoartigodeFlorestande1953,“Ensaiosobreométododeinterpretaçãofun-cionalistanasociologia”,enãosobreostupinambá.

    sequência. Minha hipótese é que não—pois senão teríamos o objeto tupinambá mutilado—, mas também que sim, pois de fato é difícil ima-ginar por que as escolhas teóricas de Florestan teriam sido as melhores para alguém que estava disposto a produzir algo absolutamente up to date, considerando o que já havia disponível na época.

    Mas por que então recordar uma obra esquecida pelo seu próprio autor? Isso nos move para um cenário um pouco diferente, para o qual procurarei me debruçar um pouco mais, que diz respeito a como a Função opera elementos de duas teorias que posteriormente pretendo cruzar, uma teoria antropológica do parentesco e uma teoria da guerra, que coincide com muito do que se produziu em etnologia sul-ameri-cana a partir de fins da década de 1960, e que talvez estejamos vendo hoje um movimento particularmente intenso do desdobramento des-ses dois elementos.19 À época de Florestan etnólogo, como se sabe, a América do Sul ainda era uma paisagem menor na etnologia. Muito se falava do problema da dupla descendência (ou anomalia) jê;20 e aqui se contava com os primeiros estudos de Herbert Baldus, além do proble-ma da mudança social tupi de Charles Wagley e Eduardo Galvão,21 pre-sente também nas obras de Egon Schaden sobre os guarani.22 Além disso, as primeiras obras de Alfred Métraux com referência aos tupi, feitas na década de 1920, baseadas sobretudo em religião e cultura material, acabam por se constituir em um discurso parcial (com dados fragmentados) sobre os tupinambá que estavam longe da ambição de Florestan de reconstituir “aspectos totais” de sua vida social.23

    Tenho a impressão de que não seria exagero dizer que as obras sobre os tupinambá constituíam as primeiras etnografias modernas realizadas nas terras baixas da América do Sul, abrindo campo, inclu-sive na subárea do parentesco, para formulações posteriores como a de Roque Laraia24 sobre o parentesco tupi e toda uma teoria elaborada a partir de Viveiros e seus alunos.25 Talvez seja então o caso de se pergun-tar por que os tupinambá mal cruzaram a linha do Equador, com o per-dão do trocadilho. De fato sua recepção foi tímida, aqui e no exterior: a repercussão não passou de quatro resenhas (as de Antonio Candido e Plínio Ayrosa sobre a Organização, em 1949 e 1950, respectivamente; a de Paula Biguelman em 1953 na Revista de Antropologia e Robert Mur-phy, em espanhol, em 1956, ambas sobre a Função) e da publicação de um excerto da Função em francês.26

    Podemos seguramente dizer que esta obra de Florestan só vai ter um aspecto mais decisivo a partir da década de 1980, quando efetiva-mente a América do Sul passa a adensar seu material etnológico tupi também em português, e com a guerra ocupando um lugar central na engenharia conceitual das terras baixas. De certo modo, tenho a im-pressão de que a guerra de Florestan está no meio de um jogo que não acabou. De um lado, ela ilumina uma matriz para se pensar a Amazônia

  • 164 A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU ❙❙ Piero C. Leirner

    [27] Kaplan, 1975, especialmenteparte3.

    [28] ViveirosdeCastro, 1993;Al-bert,1985.

    [29] Lévi-Strauss,1942;1949.

    [30] Clastres,1980.

    [31] CarneirodaCunha;ViveirosdeCastro,1985.

    [32] Sztutman,2012.

    [33] Interessantenotarqueasobrassobreostupinambágeralmentesãolembradaspelasuaimportância,masmerecematençãolateralemrelaçãoaoscomentáriosacercadaobradeFlorestancomoumtodo.Porexem-plo,aprecedênciaqueéressaltadaemrelaçãoaoquesechamade“sociolo-giafuncionalista”emrelaçãoaoquesepoderiachamarde“antropologia”ou“etnologia”deFlorestanénotá-velentrealgunscomentadores(porexemplo,Martins,1998,p.37;Garcia,2002,p.135;e,criticamenteaessapo-sição,Peirano,1991,pp.51ess.).

    [34] Peirano,1991,especialmenteoscomentáriosdeAntonioCandidoreportadosaelanaspp.55-56.

    e outros lugares, algo que foi intuído “em paralelo” por Joanna Ove-ring ainda na década de 1970,27 mas que vai receber uma elaboração mais sofisticada a partir da proposição de Viveiros de Castro para o problema da afinidade na Amazônia (afins efetivos, potenciais e virtuais inimigos).28 De outro lado, o material tupinambá analisado por Florestan nos serve para pensar a guerra enquanto instituição humana “positiva”, algo que ele insiste no livro ser uma das dimen-sões que devem ser elaboradas por uma antropologia e sociologia mais amplas. Isso, aliás, aparece também em Lévi-Strauss29 e en-contra eco em proposições clastreanas,30 que, por sinal, foram colo-cadas em choque com Florestan por Carneiro da Cunha e Viveiros de Castro31 e em Araweté, mas também em esforços mais recentes de sintetizar todo esse material.32

    O SACRiFíCiO dE FLORESTAn

    Talvez pelo fato de ter vindo à tona na ressaca da Segunda Guerra, todo esse material tupinambá, com uma tese que mostra a guerra como fator de integração ao invés de anomia, como fator de relação ao invés de ausência, como fator social ao invés de natural, possa ter de fato aparecido em um momento errado, para azar do autor, e talvez nosso, no duplo sentido: o que teria sido da antropologia brasileira se Flores-tan seguisse essa trilha? E o que teria sido o resto das ciências sociais, sem o impulso que Florestan deu ao problema do “fator Brasil” como área de predileção sociológica? O que é possível dizer, pelo menos em relação à primeira pergunta, é que até onde se pode ver, na maioria dos comentadores de Florestan, sua antropologia tem um papel quase que irrelevante diante de seu legado às ciências sociais.33 As razões para o abandono dos tupinambá (que apareceram depois na livre-docência, mas ainda nessa fase que insisto em chamar de antropológica, mais do que sociológica-funcionalista) sempre foram ressaltadas como uma questão de vontade do autor e alcance do tema.34 Casam, assim, com um lugar menor que uma análise desse tipo poderia ocupar no pan-teão das ciências sociais brasileiras.

    É preciso se perguntar, em primeiro lugar, se também as ciências sociais daqui—e quiçá alhures—estavam preparadas para receber os dados tupinambá. Como está mostrado já na Organização sobre essas populações, tratava-se de um disperso que ocupava uma enorme faixa litorânea (três faixas descontínuas, entre São Paulo e Rio de Janeiro, na Bahia e no Maranhão-Pará, entrecortadas por outras “nações”) que teria como princípio estruturador um átomo fundado numa unidade local centrada numa maloca que era a articuladora de todo o cosmos (uma “tribo” poderia ter de quatro a oito malocas, duzentas a mil pes-soas, mas esses dados são muito incertos). Se fôssemos etnógrafos

  • Novos estud. ❙❙ CeBRAP ❙❙ sÃo PAuLo ❙❙ v36.02 ❙❙ 159-180 ❙❙ JuLHo 2017 165

    [35] Viveiros de Castro, 1986,pp.646-679.

    [36] Viveiros de Castro, 1986,p.666.

    [37] Para um possível erro de in-terpretação que Florestan fez deDurkheimeMaussquantoaomeca-nismojuralderestituiçãoprovocadopelavingança,verViveirosdeCastro(1986,pp.652-653).

    dos anos 1980 visitando os tupinambá naquela época, veríamos de maneira cristalina, como Florestan viu, a realização das relações entre parentesco e processo de constituição da pessoa, com especial ênfase em um complexo nativo de elaboração da vida conjugal e da concep-ção das crianças; da socialidade ritual e dos processos de nominação; da proximidade entre as relações de afinidade e inimizade; tudo isso baseado em segmentações de gênero e em um dispositivo onomástico vital para entender o ciclo reprodutivo desse coletivo.

    Para Florestan, a pessoa e o parentesco (o que em outras palavras podem também significar a substância canibal e a afinidade, como, por exemplo, está colocado na releitura que Viveiros de Castro faz de Florestan em Araweté)35 eram um foco do problema em nível local, e o que explicava a constelação tupinambá em seu nível global era o apelo transcendente da religião, via guerra. Além disso, embora Florestan reconheça que um nível não operasse sem o outro (ou que haja aí uma dialética), como a sua perspectiva visava sobretudo a ex-plicação do movimento de eterna restituição do equilíbrio social, em alguma medida podemos supor que a teoria força um englobamen-to da perspectiva “heteronômica” que localmente levava à vingança pela perspectiva “autônoma” que o sistema exigia para funcionar como uma totalidade.36

    Ainda assim, sem querer entrar nos detalhes, podemos dizer que o problema matrimonial—e, portanto, da posição do afim como ini-migo—foi sublimado pela operação ritual que foca o problema da reprodução (social): para casar, é preciso matar um inimigo, “ganhar um nome”, adquirir potência, gerar crianças. A inimizade (tal como a afinidade) seria um componente, digamos, situado de forma residual no parentesco; e este, por sua vez, se tornou um componente residual quando situado diante do fato político da guerra, sobretudo na Fun-ção. Pois a forma englobante no modelo pensado por Florestan era a vingança como condição de possibilidade de restituição da morte de um antepassado, que assegurava, enfim, a continuidade da identidade grupal. No fim das contas, parece que ele insistiu na religião como principal fator de integração de diferentes instituições sociais, espe-cialmente naquilo que opera a ligação entre níveis distintos (como em um quadro sinóptico malinowskiano): aqueles que poderíamos chamar, de forma adaptada ao funcionalismo de então, de parentesco e política, através da domesticação dos afins e da homeostasia jurídica, reverberando assim um eco algo durkheimiano.37

    Seria preciso então ver o “ciclo longo” do processo de vingança para formular uma teoria plausível que explicasse, afinal, como a guerra operava ao nível de um “fato social total” maussiano. Para essa tarefa se realizar, Florestan realizou um estudo em camadas funcionais: observou a infraestrutura, as técnicas, as armas, as estra-

  • 166 A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU ❙❙ Piero C. Leirner

    [38] UmaboasíntesedesteprocessoestáemPeirano(1984,p.25).

    [39] Como notaram Carneiro daCunhaeViveirosdeCastro(1985,p.200):“Acentralidadedavingança,FlorestanFernandesjáahaviaprova-domagistralmente(1970).Mas,leva-dotalvezporsuaspremissasteóricas,acaboufazendodaguerraoinstru-mentodareligião,nãonosentidoqueevocamosacima,masnodeummeioparaarestauraçãodaintegridadedeumasociedadeferidapelamortedeseusmembros.Paratanto,postulouumcultodosancestraisqueosrelatosdoscronistasnãosustentamequeMétraux,comacerto,contestou”.

    [40] Fernandes,1970,p.329.

    [41] Fernandes,1970,p.157.

    [42] Fernandes,1970,p.371.

    [43] É bastante sugestiva a lem-brançaaqueVanderVelden(2014,pp.66-67)nosremete,relativizan-dooimpactodacríticadeViveirosdeCastroaFlorestan,mostrandoaideiadeum“retornodosancestrais”(atravésdenomes,genealogias,ob-jetosetc.)emdiversasáreasetno-gráficassul-americanas.

    tégias. Mas não só: seguiu a pista de como a guerra atuava no homem de carne e osso, como essa ação provocava uma disposição psico-lógica para o combate, entendendo aí que o processo era também acionado por um construto de uma noção de masculinidade que se associava a essa posição, além dos efeitos sociais numa estrutura de status gerontocrática. Porém, evidentemente, essas camadas por si não preenchem uma noção de todo pela qual se engancha a noção de função. Qual era então a chave para se entender o ciclo de vinganças? A guerra como função do sacrifício.38

    O sacrifício aparece assim como a chave fundamental para se en-tender os tupinambá, segundo Florestan.39 Sua inspiração em Mauss e Hubert (especialmente no Ensaio sobre a natureza e a função do sacrifício) é clara, pois ao fim e ao cabo todo o problema tende a ser destinado a uma matemática da reposição da ordem que foi alterada em relação a ancestrais que não poderiam voltar reciprocamente (em potência e em nome) caso não fossem vingados; ou, sintetizando, como ele mesmo diz, tratou-se de realizar “uma aplicação mágico-religiosa do princí-pio de reciprocidade”.40 A religião, assim, pareceu ser para Florestan uma estrutura que dava coerência a todas essas dimensões da socie-dade tupinambá. Além disso, um dado nativo em particular conspira para a sustentação dessa tese: um guerreiro pleno, além do status que permitia a sua condição poligínica, alcançava uma condição tal (tujuáe) que, se instruído pelos antepassados, poderia em casos especiais as-cender à condição de pajé e navegar pelo universo dos espíritos. Nesta condição, em

    que a guerra tinha, naquelas sociedades tribais, uma “origem” religiosa—os espíritos interferiam na determinação das incursões e das expedições guer-reiras; ou que visava a um “fim” religioso—a captura de inimigos para o sacrifício ritual; ou, ainda, que ela seguia um “curso” religioso, estranho aos princípios da arte militar racional—o sucesso ou o insucesso das atividades guerreiras dependia diretamente do sobrenatural.41

    A guerra alimenta a religião, a religião alimenta a guerra. E assim, finalmente,

    na sociedade tupinambá [a guerra] não “servia” à religião, simplesmente: antes, fazia parte dela.42

    De certa maneira, o ponto que gostaria de deixar sublinhado aqui é a percepção que Florestan teve em ver o sentido da reprodu-ção da sociedade tupinambá, que para ele estava situado ao mesmo tempo na inimizade e na ancestralidade,43 como dependente de um princípio totalmente fora dos padrões nomológicos de inte-

  • Novos estud. ❙❙ CeBRAP ❙❙ sÃo PAuLo ❙❙ v36.02 ❙❙ 159-180 ❙❙ JuLHo 2017 167

    [44] Ou seja, tal e qual se vê, porexemplo,nonoroesteamazônico,oancestralestámaisparaa“relação”do que para a “linha”, como bemmostrouHugh-Jones(1995).

    [45] Fausto,1995,p.101.

    [46] Fausto,1996,p.97.

    [47] Peirano,1981,p.52;1991,p.61.

    [48] FlorestancitaBatesontantona Função como em “Tendênciasteóricas da moderna investigaçãoetnológicanoBrasil”,de1958(Fer-nandes,1975).

    [49] Viveiros de Castro, 1986,pp.656-657.

    gração, ainda que sendo movido, em termos funcionalistas, por “necessidade” e “consumação” do sacrifício. Além disso, penso que a evocação da ancestralidade aqui está mais a serviço da vingança e menos da ideia de “grupo social” tal e qual se vê em casos de “de-pendência explícita” de regimes matri ou patrilineares.44 Mesmo em termos de “grupos de parentesco”, tudo leva a crer que mais se trata de uma patrifiliação “por aliança”, isto é, linhas “que são definidas pela troca, e não pela descendência”,45 em que “débitos e créditos são jogados contínua e inesgotavelmente para o futu-ro”.46 Isso não é pouco, diante de um quadro em que o estrutural-

    -funcionalismo britânico da época dialogava muito em termos do juralismo da teoria da descendência e suas “filhotas”.

    POR UM TRiz…

    A genialidade dessa percepção não é pequena, embora seja pre-ciso salientar que sua identificação ao problema do transcendental religioso (especificamente religioso, e não outro qualquer, e, tal-vez, especificamente funcionalista, como o grande—e decadente—aporte teórico do momento) seja o que tenha imposto um limite para Florestan não ter realizado uma daquelas obras incompreendi-das, que poderiam ter se revelado ao mundo cinquenta anos depois (ao modo de Bateson, por exemplo). Mas por que estou dizendo isso, com um certo grau especulativo?

    Relembro Bateson não por acaso. Ele é uma das referências teóricas e etnográficas que Florestan seguiu (fato, aliás, salientado pela própria Peirano47),48 e de certo ponto de vista sua leitura poderia ter ao mesmo tempo inspirado um prolongamento dos dados sobre parentesco que a Organização levanta em uma teoria da afinidade tupinambá (o que no fim não ocorreu), bem como ter levado em conta esses mesmos da-dos para fundamentar uma teoria da guerra. Nesse caso, queria apon-tar para algo que aparecerá ao fim deste artigo, que é o fato de que Flo-restan não tem só um problema com as fontes cronistas, como aponta Viveiros de Castro49, mas também uma questão em aberto com um ponto do parentesco que poderia ter sido crucial na elaboração de uma

    “teoria incompreendida”. O que estou sugerindo, neste ponto, é que talvez os benefícios teriam sido maiores se não só a “teoria” ou os con-ceitos de Bateson fossem mais levados em consideração, mas também seus dados etnográficos. Seu apontamento em relação a um “método estrutural-funcionalista” que pretende dar conta de uma “totalidade de aspectos da realidade” é um aspecto interessante, mas certamente não é o único. Mas, ao que parece, a recepção que Florestan teve de Naven (de 1936, sobre os iatmul da Nova Guiné) foi muito mais em direção a este último ponto.

  • 168 A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU ❙❙ Piero C. Leirner

    [50] Geiger,2008,p.36.

    É notável que em Naven já aparece a formulação de um problema que associa o conflito a posições antagônicas entre cunhados. A sociologia da afinidade entre os iatmul, para Bateson, em muito se baseia numa linha de tensão entre metades opostas que se coloca na cisma entre os grupos de afins. Ele chama a atenção para a tensão entre cunhados em função do filho que vai nascer (antecipando também a leitura de Radcliffe-Brown sobre o “irmão da mãe na África do Sul”). Para ele, essa ligação tensa, evidenciada pelo ritual do naven (um ritual de expiação que envolve troca de papéis, especialmente masculinos e femininos, mas também sociais relativos às linhagens), mostra a constante possibilidade de anomia ou disrupção social, ao mesmo tempo em que produz comportamentos, ora complementares, ora simétricos, que restauram a socialidade. Essa tênue linha entre con-flito e continuidade sociológica em princípio se esparrama na tensão entre duas seções (que de um ponto de vista de ego seriam “materna” e “paterna”), alimentando toda uma sorte de clivagens (gênero, classe etária, geração), desembocando naquilo que ele vai chamar de pro-cessos de cismogênese. Tudo isso é permeado, ao mesmo tempo, por identificações que podem ser lidas como distinções entre elementos conjugados e conjugações de elementos distintos, o que produz seu caráter “estrutural”.50 Estamos, assim, próximos ao terreno estrutura-lista, numa acepção semelhante àquela dada por Dumont, acima.

    Mas, mesmo assim, é notável que o naven é ao mesmo tempo ex-pressão e condição de possibilidade da vida social—de jeito nenhum podemos dizer que ele é um fator transcendente que maquina a in-tegração social, muito menos que ele é um simples reflexo de classes orgânicas (como poderiam ser no caso das linhagens africanas). Lá, aquilo que podemos chamar de grupos de descendência está muito mais a favor das alianças e dissonâncias do que o oposto. Ainda que a diferença entre os iatmul e os tupinambá sejam expressivas (e eram tanto mais naquela época, quando era impensável fazer cruzamentos entre Melanésia e Amazônia, como vemos acontecendo recentemen-te), é preciso notar que a etnologia já estava apontando para um que-bra-cabeça que situava os problemas da integração—continuidade e fissão—conflito em forças imanentes à estrutura social, tomando as contradições entre matrilocalidade e patrilinearidade não como cau-sas, mas como efeitos de tensões nas alianças.

    Falo isso porque o problema da descendência pode ter causado al-guma interferência nessas análises, isto é, tanto na recepção fria que Naven teve pelos colegas de Bateson quanto pelo tipo de leitura que Florestan registrou dele, e nos dados tupinambá que apontavam para a tensão entre a patrilinearidade (ancestralidade), a residência (forma de casamento avuncular) e o grupo local (endogamia). É verdade, no entanto, que tal problema talvez não tenha rendido o quanto poderia

  • Novos estud. ❙❙ CeBRAP ❙❙ sÃo PAuLo ❙❙ v36.02 ❙❙ 159-180 ❙❙ JuLHo 2017 169

    [51] ViveirosdeCastro,1990,p.9.

    [52] Viveiros de Castro está aquitambémfazendomençãoaumaoutraclassedeproblemas,das“estruturassemicomplexas”, tais como foramtrabalhadasporHéritier(1981).

    [53] AoutrareferênciaqueelefazaBateson,nanota63àpágina178daFunção,dizoseguinte:“Aspáginasseguintesrepresentamumatentativaparacompreendersociologicamentecomoosprocessossociaiscondicio-navamedeterminavamopapeldoscomportamentosadquiridosnavidapsíquicadostupinambá.AsugestãofoiencontradaemumaleituradeBa-teson,queselimitaaindicaroproble-madopontodevistaetnológico(cf.G.Bateson,Cultural Determinants of Personality,pp.732-3)”.

    [54] Fernandes,1970,p.235,grifosmeus.

    [55] OpontocríticoaestadiscussãoestácolocadoemViveirosdeCastro(1986,p.86,nota3).Vertambémapróximanota,abaixo.Éprecisodei-xarregistradoqueestenãoéexata-menteumpontopacífico.DeacordocomFausto(1995,p.118,nota56),váriosautores“deslizaram”paraapercepçãolévi-straussianadequeossistemas,tupierampredominante-mentebilaterais.ParaumaretomadadeMorganeseupapelparaaposte-riorteoriadaaliança,verSilva(2012).

    (ou, se rendeu, foi para um lado que chama mais atenção “para a fragi-lidade de argumentos sobre universais baseados em conceitos tão va-gos como “patrilinearidade”, “matrilocalidade”, “harmonia” e “desar-monia”),51 mesmo décadas à frente.52 Estou falando isto justamente porque esse mesmo tipo de dado levantado por Bateson (que resultou no incrível conceito de cismogênese) passou despercebido pelos seus colegas britânicos e também por Florestan. O que ficou daquele autor para este foi um exemplo de uso do método funcionalista, como está colocado na nota 3, página 14 da Função.53

    Mas o problema ainda vai além, se olharmos para a economia in-terna do material de Florestan. Em princípio a patrilinearidade tinha uma “função forte” no sistema tupinambá, como era de se esperar em relação ao tipo de decalque funcionalista que era realizado:

    A atribuição de status repousava no princípio de parentesco, comple-mentado pelos princípios de sexo e de idade. Na medida em que constituía uma condição do sistema de parentesco, o status era transmitido patrili-nearmente aos indivíduos de sexo masculino. Mesmo depois de tornar-se um “principal”, graças às suas façanhas guerreiras ou mágico-religiosas, ao número de esposas e de descendentes, às aptidões especiais para as ocu-pações masculinas ou para a oratória etc., o status de um homem dependia largamente de sua linhagem; a importância das relações genealógicas era tão grande que cada qual conhecia e descrevia a própria árvore genealó-gica, a partir dos ancestrais remotos [referência às pp. 145-146 da Orga-nização]. Presumivelmente, porém, o princípio de parentesco definia a posição de um indivíduo com relação a todos os demais componentes do

    “nosso grupo”, quer pertencessem ou não à própria parentela ou ao mesmo grupo local. Em outras palavras, estabelecia de modo suficiente-mente nítido se um indivíduo devia ser considerado e tratado como “amigo” e “parente” ou como “estranho” e “inimigo”.54

    Por que então, tendo à mão a consequência de que o sistema ope-rava, enfim, em função da polaridade amigo/inimigo, ele não a colocou como causa? Pois, ao longo do texto, a patrilinearidade como “relação primária” do parentesco tupinambá perde força em relação à ambilocalidade e a uma concepção secundária do casa-mento bilateral como forma residual do avunculato. O material, é nisso que insistimos, apresenta uma fórmula que indica a oscila-ção avuncular-dravidiana, apontando inclusive para uma posição de instabilidade da afinidade, o que Florestan não percebeu, ou não quis perceber (já que foi um leitor atento de Morgan e, pelo que quero demonstrar aqui, também de Lévi-Strauss).55

    Explico melhor. É notório que na Organização Florestan dedica o capítulo central a um magistral compêndio de parentesco, que, ele

  • 170 A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU ❙❙ Piero C. Leirner

    mesmo reconhece, talvez seja a tarefa mais árdua de sua pesquisa. De maneira incrível, ele mostra o problema do equilíbrio da fórmula pre-ferencial tupinambá — a avuncular (casamento de ego masculino com a zd, filha da irmã) —, justamente em função do tempo de retorno das mulheres (nota 257, p. 187, evocando Marcel Granet e a ideia de “retor-no” de mulheres como fonte de equilíbrio de parentelas) e da diferença etária entre cônjuges. Além disso, mostra, nesse momento singular de debate com o texto de 1943 de Lévi-Strauss, em que este deduziu que a terminologia que equalizava mb = fzh (o termo é tutyra) era forte indício da instituição de casamentos de primos cruzados bilaterais56 com “provável troca de irmãs”, que essa dedução “tem, entretanto, apenas um valor indireto”.57 Nesse momento, Florestan mostra dali para frente como o casamento avuncular tende a se manter no círculo mais próximo e como a distância gera relações que precisam ser com-pensadas de outras formas.

    É nesse sentido, por exemplo, que ele se abre parcialmente ao pro-blema do cognatismo tupinambá,58 algo que tenderia a se estranhar com uma economia da ancestralidade de tipo linhageira. Mas não é só isso que importa: fundamentalmente, ao analisar as preferências ma-trimoniais, Florestan teve na frente dele um diagrama que mostrava a tendência a se formar “grupos de transmissão da aliança” e que a patri-filiação poderia ser um reflexo disso. Essa é, por exemplo, a sugestão de Carlos Fausto para os parakanã, extensível aos tupinambá: “através da relação pai/filho, a troca diferida transmite de geração a geração cer-tas opções matrimoniais, e o privilégio avuncular exige a continuidade da aliança de casamento […], onde ‘linhas agnáticas’, fluidas e indefi-nidas, trocam mulheres de forma sistemática e equilibrada”.59 E mais ainda: a neutralização da distinção entre afins e consanguíneos nas gerações distais (+- 2) indica o poder relativo da patrilinhagem. Essa, por exemplo, foi uma conclusão decisiva a que chegou Dumont na mesma época que Florestan, a respeito dos piramalai kallar, uma sub-casta matrilinear do sul da Índia: nesse tipo de regime de descendência, o que se faz é transmitir a aliança.60 Por isso, o sistema de débitos e cré-ditos que Florestan detectou na Organização de certa maneira poderia explicar a imbricação de uma continuidade da aliança com a vingança e a inimizade operando em moto-perpétuo. Novamente, chegar a isso não é pouco.

    Como bem nota Sztutman,61 “segundo Fernandes, esses mecanis-mos permitiam a preservação do equilíbrio na composição interna do grupo local, bem como entre os grupos ligados por casamento, o que significava a conservação dos laços de afinidade num círculo peque-no”. Mas, “os casamentos distantes, de sua parte, revelavam uma razão igualmente estratégica, uma vez que redundavam na garantia dos laços de aliança que uniam os grupos locais, por exemplo, na constituição

    [56] Ver, por exemplo, a ideia doavunculato como um “hipodravi-dianato”,elaboradaporViveirosdeCastro(1996,p.79),easdiscussõessobrearelaçãoentreavunculatoeca-samentocomaFZDemFausto(1995,especialmentepp.83ess.).

    [57] Fernandes,1989,p.189.

    [58] O que pode ser contestável,jáqueexisteum“termoestranho”,“yra”,traduzidocomo“filhodaavó”.Nãofoipossívelparamimsaberaextensãodessetermo,seéevidên-ciaforteoufracadeagnatismo,nosentidodessesujeitoproduzirafins,consanguíneosouumterceirotermo,comoos“filhosdemãe”tukano.Se-riainteressantesaberseaindiferençatupinambáquantoàresidênciainfle-tiunavisãosobreocognatismo,masumapistaquepoderiaserexploradapodeserpensadaapartirdeumabre-vemençãosobrealigaçãoentrepla-nosresidenciaiscomaguerra(Flo-restan,1970,p.232,nota256).Paramaioresesclarecimentos,verViveirosdeCastro(1986,p.86,nota3).

    [59] Fausto,1995,p.97.

    [60] Dumont,1997.

    [61] Sztutman,2012,pp.208-209.

  • Novos estud. ❙❙ CeBRAP ❙❙ sÃo PAuLo ❙❙ v36.02 ❙❙ 159-180 ❙❙ JuLHo 2017 171

    [62] Fernandes,1970,p.340.

    [63] Sahlins,1968.

    [64] ViveirosdeCastro,1993;1996.

    [65] Lévi-Strauss,1942.Estranha-mente,adiscussãocomotextode1943deLévi-Straussdesapareceaqui.Aliás,elasóseráretomada,commaisfôlegoetentandomostrarosequí-vocosdeste,no texto“Tendênciasteóricas da moderna investigaçãoetnológicanoBrasil”(queestáemFernandes,1975).

    de bandos guerreiros e, assim, alargavam o campo de sociabilidade”. No entanto, a costura necessária a esses dois níveis—o parentesco e a guerra, o local e o distante—e, especialmente, a posição instável do afim, ensanduichado entre a consanguinidade e a inimizade, é algo que necessitava de “mais”. Talvez de uma teoria, justamente, da alian-ça. Assim, é preciso levar em conta que Florestan chegou lá, mas acon-teceu algo no transporte desses dados da Organização para a Função.

    De certa maneira, na Função há uma insistência em vincular a guer-ra a um parentesco “parcial” tupinambá, centrado na parentela e na ancestralidade e obliterado na afinidade. No entanto, é notável que os próprios dados de parentesco colocados na Organização, que ressalta-riam o problema matrimonial, são em grande parte desprezados. No seu segundo livro ele deixou de explorar as consequências de como o avunculato opera a posição da afinidade e como isso se relaciona de maneira central à guerra, bem como não leva adiante a percepção anterior que a relação de aliança (isto é, a posição de cunhados) situa-

    -se numa condição fronteiriça entre a parentela e a inimizade. Este é um ponto que só vai ser tocado com poucas letras do meio para o fim do “livro segundo” da Função: “os liames do parentesco por afinidade podiam ser rompidos com relativa facilidade”.62 Nesse sentido, ele elabora nessa seção um esquema que posteriormente teve uma arqui-tetura algo conhecida: enquanto a parentela/grupo doméstico opera em nível de solidariedade, no nível da tribo se estabelecem relações ambíguas de reciprocidade, em que cunhados ora se tornam aliados, ora escapam para um terceiro círculo englobante, o de inimigos. O modelo desse esquema foi também usado por Marshall Sahlins (ins-pirado em Mauss) nas décadas de 1960 e 197063 e parece ter ganhado especial rendimento quando foi explorado justamente para o caso amazônico por Viveiros de Castro,64 em que a afinidade parece ocupar uma posição central na estruturação tanto da guerra quanto do paren-tesco. Não custa lembrar como essa fórmula é devedora de noções que vêm de uma recolocação lévi-straussiana do problema da reciprocida-de pensado no Ensaio sobre a dádiva, de Mauss.

    Pois bem, chego ao ponto que queria nessa argumentação. Flores-tan escreve a Função entre 1947 e 1951. Seu único uso de Lévi-Strauss é numa pequena nota, diferenciando os tupinambá dos nambiquara quanto à troca ocasional constituir um desenvolvimento das relações de hostilidade entre grupos e contestando veladamente a pretensão de generalização desse movimento para “numerosas populações da américa pré-colombiana”. O texto a que ele se refere é aquele publica-do pela primeira vez na revista do Museu Paulista em 1942, “Guerra e comércio entre os índios da América do Sul”.65 É nesse texto que Lévi-Strauss faz sua primeira vinculação mais explícita da ideia de que guerra e troca são dois lados da mesma moeda: guerras são trocas fa-

  • 172 A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU ❙❙ Piero C. Leirner

    [66] TalpassagemdeLévi-Strausstambém estácitadaem Fernandes(1975,pp.173-174).

    [67] Fernandes,1970,p.340.

    [68] Candido,1996,p.13.

    lhas, e trocas são guerras resolvidas.66 Essa é uma ideia atualizada em As estruturas elementares do parentesco, que, de maneira resumida, pode estender a fórmula à compreensão de um estreito vínculo entre o problema da alian-ça matrimonial e a guerra. O casamento, assim como as demais institui-ções humanas, realiza um problema de reciprocidade; a guerra, também.

    Não custa lembrar que As estruturas elementares do parentesco é de 1949, e, portanto, Florestan, que incorpora bibliografia nova em peso até o último momento, sonegou esses textos de forma algo deliberada. Inclusive, há algo que me chamou muita atenção: um incrível deta-lhe. É justamente naquele mesmo trecho acima em que ele expunha a tensa posição de afins (e, aliás, é preciso esclarecer que na Organização ele assume sua admiração por Morgan, talvez o primeiro a expressar uma dualidade sistemática entre consanguinidade e afinidade), que ele coloca: “Contudo, os compromissos e ligações (‘alianças’?) entre os grupos locais […]”.67 Por que ele colocou a frase assim é algo que não tenho como saber, mas me pareceu algo como “um ato falho”.

    Ainda que falar em “atos falhos” seja algo especulativo, arrisco aqui que podemos levar em conta o fato de Lévi-Strauss ter conhe-cimento da Organização e que provavelmente Florestan sabia disso. Chega até ser paradoxal a seguinte recordação “indireta” contada por Antonio Candido:

    No fim da década de 40, ou começo dos 50, Ruy Coelho presenciou em Paris uma cena curiosa. Lévi-Strauss, Alfred Métraux e ele conversa-vam, quando Strauss manifestou grande admiração pelo livro de Florestan, dizendo ao colega que, ao contrário do que este dissera, o jovem brasileiro tinha mostrado que era possível conhecer a organização social dos tupinam-bá. Com fair-play e bonomia modesta, Métraux concordou e disse que de fato era incapaz dessas altas cavalarias, pois o que sabia mesmo era fazer descrições empíricas, como, por exemplo, enumerar as diversas maneiras de preparar a carne de porco no Haiti, cuja sociedade estava estudando…68

    Tomo contraponto a isso o fato de que Florestan leu As estruturas elementares do parentesco, edição de 1949, adquirida em 11 de abril de 1951 (Figura 1).

    Mas o que ele leu? Não há como ter precisão, porém é possível seguir a pista das anotações (não só o que, mas também quando elas aparecem, quase sempre de maneira cifrada, sublinhada ou pontuada) que estão neste exemplar da foto acima que está em sua biblioteca, conservada pela ufscar. Ao seguir esses registros, é possível ver que ele seguiu atentamente a “Introdução” (que concerne ao problema da natureza e cultura e a proibição do incesto). Na primeira parte (“A troca restrita”), as anotações tornam-se mais rarefeitas. Mas o que realmente surpre-ende é que justamente o trecho que envolve a retomada da discussão

  • Novos estud. ❙❙ CeBRAP ❙❙ sÃo PAuLo ❙❙ v36.02 ❙❙ 159-180 ❙❙ JuLHo 2017 173

    [69] Fernandes,2006,p.21.

    [70] CreioqueháumproblemadetranscriçãoaquinessedepoimentodeFlorestan,pois“heteronímia”refere-seaouso,emgramática,dosheterônimos(comonaliteratura).Masaheteronomia,“sujeiçãoaumaleiexteriorouvontadedeoutrem”(Houaiss,2009,p. 1016),éalgopensado justamente na teoria dadependência.

    [71] Fernandes,2006,pp.21-22.

    do Ensaio sobre a dádiva e coloca a discussão sobre a relação entre pa-rentesco e guerra (tomo como amostra as páginas 75, Figura 2, e 86, Figura 3), está virtualmente vazio de comentários.

    No entanto, as anotações voltam a ocorrer mais para frente, es-pecialmente em relação à organização dualista e à troca matrimonial. Toda a parte relativa à troca generalizada parece ter sido deixada de lado, e, finalmente, a última parte, “As estruturas do parentesco”, pare-ce ter merecido alguma atenção.

    A questão é que nesse momento ele justamente parece se furtar de discutir com um material que se coloca de forma transversal ao de Mauss, ainda que protoplasmático de toda uma teoria que ganharia mais corpo logo depois, mas que desde seu começo já se mostrava com potencial de abafar toda frequência de onda funcionalista emitida pela teoria da descendência. Que o “problema tupinambá” não tinha gran-de ressonância com linhagens e segmentos isso parece claro. Por que mesmo assim ele resolve uma adesão ao funcionalismo não parece tanto. Por isso mesmo, é de se estranhar que, depois que ele abandona os tupinambá e se volta para todo o programa que o “levou a escolher o Brasil como ‘laboratório’ de nossas [dele e de seus assistentes] pes-quisas”,69 seja justamente aí que ele retoma, acoplando o conceito de dependência ao “conceito de heteronímia [sic]70—que naquela época pensava ser de Weber e hoje sei que é de Marx”.71 Pois então, tudo fica

    Figura 1 – Contracapa de As estruturas elementares do parentesco assinada.

  • 174 A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU ❙❙ Piero C. Leirner

    [72] TalvezexcetoporumapequenareferênciaàMaxWeber,nomomentoemqueLévi-Straussdizque“ascon-dutasindividuaisnormaisjamaissãosimbólicasporelasmesmas”(Lévi--Strauss,1950,p.XVI).

    mais estranho quando se vê que ele já tinha no começo dos anos 1950 toda a condição de aplicar a heteronomia aos tupinambá, mas prefe-riu deixá-la englobada pelo problema da autonomia e da restituição da dádiva (menosprezando, por exemplo, o valor da afinidade e sua potencial ligação com o campo da guerra). Aliás, isso poderia ter sido pensado tanto através de Bateson (que no capítulo 7 de Naven trata da afinidade, integração e fissão) quanto do próprio Lévi-Strauss, que, na célebre “Introdução à obra de Marcel Mauss”, edição francesa de 1950, mostra justamente a “dependência” exterior da dádiva, na troca.

    Finalmente, então, cabe apenas acrescentar frente a essas pistas difusas, algo que ele relaciona na bibliografia da edição de 1950 de Sociologie et anthropologie, de Mauss. Seu exemplar tem a assinatura de Florestan e a data de 5 de dezembro de 1950. Além disso, ele informa que foi um presente de Alfred Métraux, cuja dedicatória está na página anterior. As anotações dele na “Introdução” de Lévi-Strauss são for-mais, indicam ao longo do texto o que certas passagens estão dizendo, como em um fichamento.72 Como podemos recordar, Lévi-Strauss acusa Mauss de se deixar “levar” pela explicação nativa, que confere um poder mágico ao ato da dádiva que impele à reciprocidade. Nessa passagem, fica clara a distinção que Lévi-Strauss pretende estabelecer entre os níveis consciente e inconsciente, e finalmente sabemos como

    Figura 2 – Excerto das Estruturas: o sistema de reci-procidade.

  • Novos estud. ❙❙ CeBRAP ❙❙ sÃo PAuLo ❙❙ v36.02 ❙❙ 159-180 ❙❙ JuLHo 2017 175

    [73] Fernandes,1970,pp.231-232.

    isso estrutura o fenômeno mais geral que seria a troca. As implica-ções mais radicais disso teriam aparecido um ano antes, nas Structures. Pois bem, recordando Florestan, parece que não estamos tão longe assim desse tipo de formulação:

    A guerra constituía, na sociedade tupinambá, como entre os murngin, um mecanismo em que se baseava a poliginia. A competição por valores religiosos ocultava, sob esse aspecto, uma autêntica competição por “ri-quezas”; pois, como observaram alguns cronistas, as mulheres eram as

    “verdadeiras riquezas” daqueles índios. Ao contrário do que supõem certos etnólogos, fatores sociais dinâmicos, e não os efeitos letais da guerra, é que explicam a interdependência dos dois fenômenos na sociedade tupinambá. Doutro lado, a própria natureza dessa interdependência fazia com que a poliginia fosse o elemento estrutural de maior peso na determinação (in-consciente) das impulsões sociais que conduziam aqueles nativos à guerra e à execução dos inimigos.73

    Estranha passagem, sobretudo pelo ar de familiaridade que guar-da com aquilo que já estava no texto de 1942 de Lévi-Strauss e pos-teriormente apareceu na página 86 da edição de 1949 das Structures élémentaires (Figura 3). Mas não é só. Tão logo publicada a Função,

    Figura 3 – Excerto das Estruturas: o sistema de reciproci-dade (teoria da guerra).

  • 176 A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU ❙❙ Piero C. Leirner

    [74] CartadeLévi-StraussaFlores-tanFernandes,doc.02.07.0165,Cole-çãoDecore/FundoFlorestanFernan-des,Bco/UFSCar.VerFigura4.

    [75] Curiosamente,do ladode lá,nos “Fonds Claude Lévi-Strauss”,onde estão registradas correspon-dênciascomcentenasdepessoas,nãoconstanenhumacomFlorestan(verhttp://archivesetmanuscrits.bnf.fr/ark:/12148/cc134071/ca124, acessoem:4maio2017).

    Florestan enviou um exemplar para Lévi-Strauss. Em correspon-dência datada de 9 de dezembro de 1952, este agradece o envio de

    “seu monumental estudo sobre a guerra entre os tupinambá”; mas, sutilmente, ele ainda diz:

    Eu conhecia apenas os fragmentos já publicados, mas a tese que o senhor desenvolve de maneira tão magistral fica evidente; e ela me pareceu muito próxima àquela que eu esboçava, de forma cursiva e modesta, em um peque-no artigo traduzido já há 10 anos na Revista do Arquivo Municipal por não ter retido minha simpatia e toda minha atenção.74

    Há ainda duas outras correspondências entre eles, ambas com negativas de Lévi-Strauss a convites feitos por Florestan para ele vir ao Brasil.75

    O que poderia ter acontecido em relação a Lévi-Strauss? Teria sido um “choque de percepções”? Temos ainda poucas, mas boas, pistas. Em A condição de sociólogo, Florestan diz, em entrevista, que os livros sobre os tupinambá

    […] Não são perfeitos—é certo! Não existe obra perfeita na ciência. Con-tudo, nem a investigação, nem os seus resultados, como eles aparecem nos

    Figura 4 – Carta de Lévi-Strauss para Florestan, 1952.

  • Novos estud. ❙❙ CeBRAP ❙❙ sÃo PAuLo ❙❙ v36.02 ❙❙ 159-180 ❙❙ JuLHo 2017 177

    [76] Fernandes,1978,p.89,grifosmeus.

    [77] Na página 603, está umtrecho sublinhado, e a anotação“Durkheim”.

    [78] Florestan tinha uma atitudealgo,digamos,“holista”(emsentidodumontiano)emrelaçãoàshierar-quiasacadêmicas.Emváriosdeseusdepoimentos,relatadosporexemploemGarcia(2002,pp.84ess.),ficampatentesos filtrosquedistinguemasgradaçõesentreospolosmestre–aprendizeotipoderespeitoeprece-dênciaquesedeveinterporentreeles.

    dois livros, devem ficar sujeitos às oscilações da moda, às implicações da substituição da análise estrutural-funcionalista por não sei que tipo de

    “estruturalismo” […]76

    Além disso, há suas anotações de seu exemplar de Anthropolo-gie structurale, de 1958. Lá, a irritação é bem mais evidente do que aparece em um único momento das suas anotações de Les Structures élémentaires de la parenté: neste livro, à página 601, aparece “crítica simplista de Durkheim. Ver pg. 603”77; já naquele livro posterior, há menções como “pistas falsas de problemas falsos” (p. 42), “sem exemplo” (p. 50), muitas interrogações e algo que parece ser uma ironia, uma interjeição não conclusiva, se é de espanto, admiração ou desaprovação: “safa!!” (Figura 5). Além disso, vemos, à página 40, uma anotação sugestiva: diante de uma referência a A fonologia atual de Trubetzkoy de 1933, ele escreve: “1933 – muito antes na so-ciologia!” (Figura 5).

    Embora seja um palpite algo arriscado, parece-me que esses exemplos de anotações dão uma pista do problema: Florestan tal-vez não concorde com a relação que Lévi-Strauss estabelece com este

    “pai” da sociologia, Durkheim, extensível ainda, e talvez sobretudo, a Mauss78—no sentido daquele apontar “erros teóricos críticos” em

    Figura 5 – Comentários em Anthropologie structurale.

  • 178 A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU ❙❙ Piero C. Leirner

    [79] Fernandes,1975,p.171.

    [80] Ver,porexemplo,SouzaeFaus-to(2004).

    [81] Ab’Saber,2004,p.500.

    relação a esses; ao mesmo tempo, tudo aquilo que ele sempre co-locou sobre o “rigor com dados empíricos” parece ser, do seu pon-to de vista, desprezado pelo ex-professor da usp. Isso me parece ser reforçado ainda pelo fato de que no artigo “Tendências teóricas da moderna investigação etnológica no Brasil”, de 1957, Florestan menciona a colaboração de Lévi-Strauss no conhecimento sobre os bororo e nambiquara, mas que por

    […] razões diversas aconselhariam longa permanência, se possível de modo contínuo por lapsos determinados de tempo […]. Como essa con-dição não pôde ser preenchida, ambas as pesquisas foram mais ou menos prejudicadas por limitações que o denodo pessoal e o poder da inteligência não podem remover.79

    De fato, a crítica sobre uma certa falta de rigor com os dados em-píricos revela algo: que talvez Lévi-Strauss tenha dado menos crédito do que deveria aos dados etnográficos sul-americanos que ele mes-mo viu e obliterou em As estruturas elementares. Este é um ponto que não está explícito, mas sugere que aquilo que visões contemporâneas estão colocando—afinal, o que Lévi-Strauss deve aos índios?80 —po-deria ter passado pela cabeça de Florestan, evidenciando ainda mais a relevância de se retomar seu material sobre os tupinambá. Mesmo assim, não deixa de ser estranha a crítica, sobretudo partindo de quem realizou um estudo a partir de fontes escritas, pouco “confiáveis” nos termos do rigor empírico exigido por Florestan. Tenho a impressão, então, que a Função é, além do espetacular exercício de intuição sobre fontes históricas; do corpus de dados etnográficos colocados em um conjunto consistente; da intuição magistral que se coloca na trama de elementos tão aparentemente dicotômicos como parentesco e guerra; do rigor absoluto com que ele embaralhou os dados com a sociologia da época; é, também, uma defesa do método sociológico dukheimia-no-maussiano, além de uma adesão a um certo funcionalismo ma-linowskiano (que, tenho a impressão, encanta mais Florestan pelo tratamento do material empírico coletado).

    Porém, para Florestan, fica patente que a atitude de Lévi-Strauss perante às fontes e ao que ele achava que era uma falta de rigor com os dados talvez tenha falado mais alto. Uma história, que Aziz Ab’Saber conta, mostra de maneira precisa como se atingia Florestan: “Darcy [Ribeiro], quase ao fim de sua longa, ativa e atribulada existência, sem-pre matreiro, atirou farpas em Florestan, dizendo que enquanto ele (Darcy) trabalhava no campo, o colega (Florestan) exercia pesquisas de gabinete”.81 Isso é irônico, sabendo da (injusta) fama de “teórico à distância” que pairava sobre Lévi-Strauss e que Florestan parece en-dossar. Os livros posteriores de Lévi-Strauss não estão anotados; pa-

  • Novos estud. ❙❙ CeBRAP ❙❙ sÃo PAuLo ❙❙ v36.02 ❙❙ 159-180 ❙❙ JuLHo 2017 179

    rece que temos finalmente uma evidência a mais da progressiva perda de interesse de Florestan pela etnologia. Nada, enfim, que não pudesse ter sido recuperado anos mais tarde, e que ainda hoje vemos os frutos interessantes retomando o “problema tupinambá”.

    Piero C. Leirner é professor associado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e

    do Departamento de Ciências Sociais da ufscar.

    REFERênCiAS BiBLiOgRáFiCAS

    Ab’Saber, Aziz N. São Paulo: ensaios entreveros. São Paulo: Edusp, 2004.Albert, Bruce. Temps du sang, temps des cendres: représentation de la maladie, système rituel et espace politique chez les Yanomami

    du Sud-Est (Amazonie brésilienne). Tese (doutorado)—Université de Paris X, Paris, 1985.Ayrosa, Plínio. “Resenha de A organização social dos tupinambá”. Revista de História, São Paulo, v. 1, n. 1, pp. 112-115, 1950.Balée, William. “Charles Wagley on Changes in Tupí-Guaraní Kinship Classifications”. Boletim do Museu Paraense

    Emílio Goeldi—Ciências Humanas, Belém, v. 9, n. 3, pp. 645-659, 2014.Bateson, Gregory. Naven. São Paulo: Edusp, 2008.Biguelman, Paula. “Resenha de ‘A função social da guerra na sociedade tupinambá’”. Revista de Antropologia, São

    Paulo, n. 3, pp. 74-77, 1953.Candido, Antonio. “Resenha de ‘A organização social dos tupinambá’”. Revista do Museu Paulista, São Paulo, n. 3,

    pp. 472-476, 1949. . “O jovem Florestan”. Estudos Avançados, São Paulo, v. 10, n. 26, jan./abr. 1996.Cardoso, Fernando H. “Fernando Henrique Cardoso. Entrevista concedida a Elide Rugai Bastos, Fernando Abru-

    cio, Maria Rita Loureiro e José Marcio Rego”. In: Bastos, Elide R. et al. Conversas com sociólogos brasileiros. São Paulo: Ed. 34, 2006.

    Carneiro da Cunha, Manuela; Viveiros de Castro, Eduardo. “Vingança e temporalidade: os tupinamba”. Journal de la Société des Américanistes, v. 71, n. 1, pp. 191-208, 1985.

    Clastres, Pierre. Arqueologia da violência. São Paulo: Brasiliense, 1980. DaMatta, Roberto. “A Reconsideration of Apinayé Social Morphology”. In: Gross, Daniel R. (Org.). Peoples and

    Cultures of Native South America. Nova York: Doubleday; The Natural History Press, 1973. pp. 277-291.Dumont, Louis. “Préface”. In: Evans-Pritchard, Edward. Les Nuer: description des modes de vie et des institutions politiques

    d’un peuple nilote. Paris: Gallimard, 1994. . Groupes de filiation et alliance de mariage: introduction à deux théories d’anthropologie sociale. Paris: Gallimard, 1997.Fausto, Carlos. “De primos e sobrinhas: terminologia e aliança entre os parakanã (tupi) do Pará”. In: Viveiros de

    Castro, Eduardo (Org.). Antropologia do parentesco: estudos ameríndios. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995. . Inimigos fiéis: história, guerra e xamanismo na Amazônia. São Paulo: Edusp, 2001.Fernandes, Florestan. “La Guerre et le sacrifice humain chez les Tupinamba”. Journal de la Société des Américanistes,

    v. 41, n. 1, 1952, pp. 139-220. . A função social da guerra na sociedade tupinambá. 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1970. . A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios. Petrópolis: Vozes, 1975. . A condição de sociólogo. São Paulo: Hucitec, 1978. . A organização social dos tupinambá. São Paulo; Brasília: Hucitec; UnB, 1989. . “Florestan Fernandes, história e histórias: depoimento a Alfredo Bosi, Carlos Guilherme Mota e Gabriel

    Cohn”. Novos Estudos—Cebrap, n. 42, São Paulo, pp. 3-31, 1995. . “Florestan Fernandes. Entrevista concedida a Elide Rugai Bastos, Fernando Abrucio, Maria Rita Loureiro e

    José Marcio Rego”. In: Bastos, Elide R. et al. Conversas com sociólogos brasileiros. São Paulo: Ed. 34, 2006. Freitag, Barbara. “Florestan Fernandes por ele mesmo”. Estudos Avançados, v. 10, n. 26, jan./abr. 1996.Garcia, Sylvia G. Destino ímpar: sobre a formação de Florestan Fernandes. São Paulo: Ed. 34, 2002. Geiger, Amir. “Apresentação”. In: Bateson, Gregory. Naven. São Paulo: Edusp, 2008.Héritier, Françoise. L’Exercice de la parenté. Paris: Gallimard, 1981.Houaiss, Antônio; Villar, Mauro; Franco, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio

    de Janeiro: Objetiva, 2009, Hugh-Jones, Stephen. “Inside-out and Back-to-front: The Androgynous House in Northwest Amazonia”. In: Carsten, Janet; Hugh-Jones, Stephen (Orgs.). About the House: Lévi-Strauss and Beyond. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.

    Jackson, Luiz Carlos. A tradição esquecida: Os parceiros do rio Bonito e a sociologia de Antonio Candido. Belo Horizonte: Ed. UFMG; Fapesp, 2002.

    Kaplan, Joanna Overing. 1975. The Piaroa: A People of the Orinoco Basin. A Study in Kinship and Marriage. Oxford: Cla-rendon, 1975.

    Laraia, Roque de Barros. 1972. Organização social dos tupi contemporâneos. Tese (doutorado)—Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1972.

    Rece bido para publi ca ção em 8 de setembro de 2016.

    Aprovado para publi ca ção em 24 de fevereiro de 2017.

    NOVOS ESTUDOSCeBRAP

    108, julho 2017pp. 159-180

  • 180 A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU ❙❙ Piero C. Leirner

    Leach, Edmund. “Complementary Filiation and Bilateral Kinship”. In: Goody, Jack (Org.): The Character of Kinship. Cambridge: Cambridge University Press, 1973. pp. 53-58.

    Lévi-Strauss, Claude. “Guerra e comércio entre os índios da América do Sul”. Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, n. 87, pp. 131-146, 1942.

    . “The Social Use of Kinship Terms among Brazilian Indians”. American Anthropologist, v. 45, n. 3, pp. 398-409, jul.-set. 1943.

    . Les Structures élémentaires de la parenté. Paris: PUF, 1949. . “Introduction à l”œuvre de Marcel Mauss”. In: Mauss, Marcel. Sociologie et anthropologie. Paris: PUF, 1950.

    pp. IX-LII.Limongi, Fernando. “Mentores e clientelas da Universidade de São Paulo”. In: Miceli, Sergio (Org.). História das

    ciências sociais no Brasil, v. 1. São Paulo: Sumaré, 2001a. . “A Escola Livre de Sociologia e Política em São Paulo”. In: Miceli, Sergio (Org.). História das ciências sociais no

    Brasil, v. 1. São Paulo: Sumaré, 2001b.Lowie, Robert. “A Note on the Northern Ge of Brazil”. American Anthropologist, Chicago, n. 43, 1941.Martins, José de Souza. Florestan: sociologia e consciência social no Brasil. São Paulo: Edusp, 1998.Merton, Robert K. Social Theory and Social Structure. 2. ed. Nova York: Free Press, 1957.Miceli, Sergio (Org.). História das ciências sociais no Brasil, v. 1. São Paulo: Sumaré, 2001.Murphy, Robert. “Resenha de ‘A função social da guerra na sociedade Tupinambá’”. Ciencias Sociales, Washington,

    v. 7, n. 31, pp. 234-236, 1956.Peirano, Mariza. The Anthropology of Anthropology: The Brazilian Case. Tese (doutorado)— Department of Anthropo-

    logy, Harvard University, Cambridge, 1981. . “A antropologia esquecida de Florestan Fernandes: os tupinambá”. Anuário Antropológico, n. 82, 1984. . Uma antropologia no plural: três experiências contemporâneas. Brasília: Ed. UnB, 1991.Peixoto, Fernanda A. “Franceses e norte-americanos nas ciências sociais brasileiras (1930-1960)”. In: Miceli,

    Sergio (org.). História das ciências sociais no Brasil, v. 1. São Paulo: Sumaré, 2001.Pontes, Heloísa. Destinos mistos: o “Grupo Clima” no sistema cultural paulista. Tese (doutorado)—Departamento de

    Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.Sahlins, Marshall D. “On the Sociology of the Primitive Exchange”. In: Banton, Michael (Org.). The Relevance of

    Models for Social Anthropology. Londres: Tavistock, 1968.Silva, Marcio F. “Um pequeno, mas espinhoso, problema do parentesco”. Ilha, Florianópolis, v. 12, n. 2, 2012.Souza, Marcela Coelho. O traço e o círculo: o conceito de parentesco entre os jê e seus antropólogos. Tese (doutorado)—Mu-

    seu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.Souza, Marcela Coelho; Fausto, Carlos. “Reconquistando o campo perdido: o que Lévi-Strauss deve aos amerín-

    dios”. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 47, n. 1, 2004.Sztutman, Renato. “Do dois ao múltiplo na terra do um: a experiência antropológica de David Maybury-Lewis”.

    Revista de Antropologia, São Paulo, v. 45, n. 2, 2002. . O profeta e o principal. São Paulo: Edusp, 2012.Vander Velden, Felipe. “O retorno dos ancestrais, ou alguma coisa que sei sobre o Florestan dos antropólogos”.

    Florestan, São Carlos, v. 1, n. 1, 2014.Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais. Rio de Janeiro: Zahar, 1986. . “Princípios e parâmetros: um comentário a ‘L’Exercice de la parenté’”. Comunicações do PPGAS, Rio de

    Janeiro, n. 17, 1990. . “Alguns aspectos do dravidianato amazônico”. In: Viveiros de Castro, Eduardo; Carneiro da Cunha, Manue-

    la (Orgs.). Amazônia: etnologia e história indígena. São Paulo: NHII/USP; Fapesp, 1993. . “Ambos os três: sobre algumas distinções tipológicas e seu significado estrutural na teoria do parentesco”.

    Anuário Antropológico/95. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. . “Etnologia brasileira”. In: Miceli, Sergio (org.). O que ler na ciência social brasileira (1970-1995): antropologia.

    São Paulo: Sumaré, 1999.

  • Este número foi financiado pela

    Fundação Carlos Chagas