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PIERO SRAFFA PRODUÇÃO DE MERCADORIAS POR MEIO DE MERCADORIAS JOAN ROBINSON ENSAIOS SOBRE A TEORIA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO LIBERDADE E NECESSIDADE Seleção de textos de Paul Singer Traduções de Elizabeth Machado Oliveira, Paulo de Almeida e Christiano Monteiro Oiticica Disponibilizado por Ronaldo DartVeiga

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  • PIERO SRAFFA

    PRODUO DE MERCADORIASPOR MEIO DE MERCADORIAS

    JOAN ROBINSON

    ENSAIOS SOBRE A TEORIADO CRESCIMENTO ECONMICO

    LIBERDADE E NECESSIDADE

    Seleo de textos de Paul Singer

    Tradues de Elizabeth Machado Oliveira, Paulo de Almeida eChristiano Monteiro Oiticica

    Disponibilizado por Ronaldo DartVeiga

  • FundadorVICTOR CIVITA

    (1907 - 1990)

    Editora Nova Cultural Ltda.

    Copyright desta edio 1997, Crculo do Livro Ltda.

    Rua Paes Leme, 524 - 10 andarCEP 05424-010 - So Paulo - SP

    Ttulos originais:Texto de Sraffa:

    Production of Commodities and Preludeto a Critic of Economic Theory

    Texto de Robinson:Essays in the Theory of Economic Growth Freedom and Necessity:

    An Introduction to the Study of Society

    Texto originalmente publicado e licenciado porMacmillan Press Ltd., Reino Unido

    (Ensaios Sobre a Teoria do Crescimento Econmico, Joan Robinson, 1962)

    Direitos exclusivos sobre a Apresentao:Editora Nova Cultural Ltda.

    Impresso e acabamento:DONNELLEY COCHRANE GRFICA E EDITORA BRASIL LTDA.

    DIVISO CRCULO - FONE (55 11) 4191-4633

    ISBN 85-351-0921-8

  • APRESENTAOConsultoria: Paul Singer

    A revoluo realizada por Keynes (1883-1946) na economia nose limitou corrente marginalista. Com Kalecki (1899-1970), a orto-doxia marxista tambm foi atingida, embora seus efeitos se tenhamfeito sentir algo mais tarde. Mas no h dvida de que o grandedebate que surgiu nos meios marxistas, a partir dos anos sessenta,sobre o carter do Estado capitalista contemporneo e da etapa atualdo sistema, prova de que o imobilismo foi mesmo abandonado.

    A presena de Sraffa e Kalecki em Cambridge serviu para queo intercmbio de idias entre marginalistas e marxistas recomeassepelo menos no plano pessoal. Mas no h dvida de que foi JoanRobinson, mais do que ningum, que fez com que as ltimas barreirasda incomunicao cassem. Educada na ortodoxia marginalista, JoanRobinson comeou por desafiar o pressuposto da livre concorrncia.Em seguida, uniu-se a Keynes como um de seus mais destacadosdiscpulos e ajudou a divulgar e interpretar o novo evangelho.

    JOAN VIOLET ROBINSON

    Embora Keynes tenha destrudo grande parte da consagradadoutrina marginalista, inclusive com argumentos, em parte ao me-nos, anlogos aos de Marx, ele menosprezava completamente aeconomia marxista como cincia. Joan Robinson, no entanto, tinhamenos apego ao capitalismo como sistema e, uma vez verificada afragilidade do mesmo, passou a interessar-se por sua crtica maisradical. Em 1944, no livro intitulado Economia Marxista, ela tentatornar compreensveis para o economista acadmico as principaisteses de O Capital. Ao fazer isso, no entanto, rompe com o marxismo.Sua posio definida, nessa altura, do seguinte modo: Os eco-nomistas ortodoxos, como um todo, identificaram-se com o sistemae assumiram o papel de seus apologistas, enquanto Marx se props

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  • a entender o funcionamento do capitalismo a fim de apressar suaderrubada. Marx estava consciente desse propsito. Os economistas,numa inconscincia total. E mais adiante: Neste nterim, os econo-mistas acadmicos, sem prestar muita ateno a Marx, foram foradospelas experincias dos tempos modernos a questionar muito da apo-logtica ortodoxa, e os progressos recentes da teoria acadmica leva-ram-nos a uma posio que, em algum sentido, assemelha-se muitomais posio de Marx do que de seus antecessores.

    Joan Robinson estava rompendo politicamente com o margi-nalismo, sem se desligar metodologicamente do mesmo. Esse des-ligamento se d nos anos seguintes, sendo marcado pela publicaode A Acumulao do Capital, em 1956, no qual ela empreende umaincurso na anlise do desenvolvimento geral de uma economiacapitalista, tema querido aos clssicos de A. Smith a Marx, masque tinha sido abandonado pelos marginalistas. Realiza a anlisesem aderir a nenhuma teoria do valor, o que evidentemente lheimpede de formular leis que regem a acumulao do capital, sendoobrigada a se limitar a certa casustica de modelos. Nos EnsaiosSobre a Teoria do Crescimento, esse tipo de anlise est bem re-presentado. Ela constitui parte integrante da macro-economia mo-derna, que tenta entender o funcionamento do capitalismo usandoindistintamente conceitos e teses tiradas do marginalismo (ao me-nos em sua verso keynesiana) e do marxismo.

    O grande mrito das anlises da dinmica econmica de JoanRobinson est na crtica aguda e mordaz do pretensioso edifciolgico construdo pelos marginalistas e que, apesar de capenga,continua sendo apresentado como o nico corpo cientfico de co-nhecimentos econmicos. Joan Robinson, em lugar de efetuar acrtica de fora, como o fazem usualmente os marxistas denun-ciando as intenes apologticas e os conceitos inadequados, exa-mina as proposies marginalistas a partir de dentro, de seusprprios pressupostos lgicos, denunciando suas inconsistncias esobretudo suas pretenses injustificadas de dizer algo sobre o mun-do real.

    Joan Robinson abriu caminho para um tipo de pensamentoeconmico que, por se recusar a qualquer ortodoxia, pode ser tidocomo ecltico. Ele tem se adaptado bem poltica amorfa das ins-tituies internacionais, particularmente dos rgos intergoverna-mentais ligados ONU, que tm que conciliar as posies diver-gentes de seus integrantes. Os trabalhos de anlise econmica pro-duzidos pela CEPAL so um bom exemplo de como esse tipo depensamento consegue produzir resultados significativos.

    Em Liberdade e Necessidade, um de seus ltimos livros, Joan

    OS ECONOMISTAS

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  • Robinson traa um grande panorama, das origens da sociedade atos dias de hoje. Trata-se de uma interpretao da histria da hu-manidade e no de uma histria da economia; e seu maior signi-ficado est nisso: mostra a necessidade de reintegrar a chamadacincia econmica no conjunto das cincias do homem e, ao mesmotempo, de que estas estejam solidamente ancoradas nas cinciasda natureza. Sua fraqueza metodolgica revela-se medida que aobra avana em direo ao mundo contemporneo; seu tom torna-secada vez mais opinativo e as anlises perdem em profundidade.

    A grande contribuio de Joan Robinson para o pensamentoeconmico est em sua prpria trajetria intelectual, que abriu vastoshorizontes a toda uma nova gerao de economistas, que, graas aela e a alguns de seus companheiros, pde lanar mo de um acervode conhecimento muito mais rico do que na poca em que todos es-tavam quase que obrigatoriamente filiados a uma ou outra correntedoutrinria, cada qual paralisada em seu prprio dogmatismo.

    SRAFFA: A MERCADORIA-PADRO

    Piero Sraffa escreveu relativamente pouco. Alm de seu famosoartigo The Laws of Returns under Competitive Conditions, publicadoem 1926 no Economic Journal, ele apenas editou as obras de Ricardo,para as quais escreveu um importante prefcio, e publicou, em 1960,A Produo de Mercadorias por Meio de Mercadorias. Constitui esselivro a obra de toda uma vida, pois, como Sraffa mesmo indica noprefcio, ele o comeou em 1925, tendo levado um tempo despropor-cionado para um trabalho to curto. Na verdade, o autor est sendomuito modesto: seu livro de reduzido tamanho j teve enorme reper-cusso no pensamento econmico contemporneo e fcil prever queter repercusso ainda maior no futuro.

    Apesar de fcil leitura, A Produo de Mercadorias por Meiode Mercadorias de difcil absoro, pois os muitos problemas queaborda no esto explicitados, ocultando-se sob uma simplicidadeenganadora. isso que explica por que a repercusso inicial daobra tenha sido modesta. Levou mais de dez anos para que seusignificado tivesse penetrado nas conscincias e passado a fecundarum crescente nmero de estudos e anlises. No exagero dizerque Sraffa possivelmente tenha proporcionado um novo ponto departida lgico para a anlise do capitalismo, estando a maior partede seus frutos ainda por vir.

    A Produo de Mercadorias comea por construir um quadrodo tipo insumo-produto, no qual as relaes de troca entre diferentesvalores de uso so determinadas por coeficientes tcnicos e pelaestrutura da demanda. Mostra a seguir que, havendo um excedente,

    SRAFFA

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  • mesmo que se suponha a mesma taxa de lucro em todos os setores,os preos relativos e essa taxa de lucro se determinam mutuamente.Quando se adiciona o salrio ao sistema, o nmero de equaes menor que o de incgnitas, o que significa que apenas quando fixadoseja o salrio seja o lucro que os preos relativos se determinam.

    Para demonstrar que, num sistema abstrato que apresentaas principais caractersticas da economia capitalista, existe um con-junto de relaes que determinam os preos relativos, os salriose os lucros, Sraffa precisava demonstrar que tais quantias so co-mensurveis, ou seja, que podem ser reduzidas ao mesmo denomi-nador. Para resolver esse problema, Sraffa utilizou um construtoterico a mercadoria-padro que se compe de todas as mer-cadorias bsicas (isto , as que entram na produo de outras mer-cadorias) em tal proporo que o produto e os meios de produoso quantidades da prpria mercadoria composta. A mercadoria-padro tem por caracterstica conservar o mesmo preo em face dequalquer variao dos salrios ou lucros, o que no se d comnenhuma mercadoria simples. Esta ter no s seu custo de tra-balho acrescido, se o salrio aumenta, mas seus insumos tambmsofrero aumentos em propores variveis, conforme a proporodo custo do trabalho em seus custos totais.

    Como essas propores variam entre as diversas indstrias,cada mercadoria ser afetada de modo diferente por um aumentode salrios, de modo que no fim depois que a alterao salarialtiver reajustado os preos mercadorias que eram mais baratasque outras podem ter ficado mais caras, e sucessivamente.

    Com a mercadoria-padro Sraffa descobriu uma espcie depedra filosofal da economia, cuja procura estiveram Ricardo, Marxe muitos outros: a de uma medida invariante do valor. Com estasua descoberta, Sraffa mostrou que uma teoria objetiva do valor perfeitamente possvel e se pode, a partir dela, construir uma visocoerente embora complexa do movimento dos grandes agre-gados econmicos e das leis que os regem. Ele mesmo inicia aaplicao desta sua teoria ao problema da depreciao do capitalfixo, da renda da terra e do deslocamento dos mtodos de produo.

    A TEORIA DO VALOR-TRABALHO

    Na verdade, para Sraffa o construto terico da mercadoria-padro puramente auxiliar. Ela lhe serve apenas para mostrarque a comensurabilidade das quantias logicamente possvel emtermos de valor, mas este tem como medida mais tangvel o tra-balho. Na verdade, o que Sraffa precisa de uma medida do valorque permita descontar preos passados, transformando-os em va-lores presentes, j que cada mercadoria incorpora uma longa srie

    OS ECONOMISTAS

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  • de outras mercadorias, que ajudaram a produzi-la. preciso poisreduzir essas outras mercadorias a um valor atual e nesse processode reduo as mercadorias vo se dissolvendo at que somente restatrabalho datado. Demonstra Sraffa, desse modo, que, num sistemaem que mercadorias so produzidas por meio de mercadorias, os preosrelativos, os salrios e os lucros so determinados, em ltima anlise,pelo tempo de trabalho que gasto na produo dessas mercadorias.

    Verifica-se, pois, que a Teoria do Valor-Trabalho a basenecessria para se poder formular teorias consistentes sobre a alo-cao de recursos entre os diferentes ramos de produo, sobre arepartio da renda entre as diferentes classes sociais, sobre o pro-gresso tcnico e os demais temas cardeais da economia poltica. bom que se diga, no entanto, que essa reabilitao da teoria dovalor-trabalho no se d nos termos simplistas em que seus prpriospartidrios em geral a compreendiam e aplicavam. O clculo ma-tricial, mesmo quando aplicado a casos extremamente simplificadosmediante pressupostos hericos a mesma taxa de lucros e omesmo salrio em todos os ramos , d resultados surpreendentesdo ponto de vista do senso comum. O que no dizer de anlisesque relaxem esses pressupostos e tentem realmente penetrar nosmeandros de um sistema capitalista monoplico, cuja caracterstica a heterogeneidade estrutural? Apesar da complexidade da tarefa,campos fascinantes se abrem ao pensamento terico, armado, apartir de agora, com instrumentos conceituais muito poderosos.

    interessante considerar que o livro de Sraffa no somenteveio desencadear polmicas nos meios marxistas mas tambm animouo dilogo polmico entre as duas correntes. A chamada Controvrsiasobre o capital, que contraps os autores da escola de Cambridgeaos tericos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, foi provocadapelo livro de Sraffa, principalmente quando ele demonstra que ummtodo de produo mais intensivo em capital pode substituir ummenos intensivo, mesmo que o novo sistema implique em um salriomais elevado. Tal possibilidade parecia impossvel do ponto de vistamarginalista e levou descoberta de inconsistncias lgicas na prpriaformulao do conceito de capital por parte dos marginalistas.

    Como se pode ver, a relativa estagnao terica, provocadapelo enrijecimento doutrinrio das duas grandes ortodoxias, acabousendo superada em boa medida graas a Keynes, Sraffa, Kaleckie Robinson. Atualmente a economia poltica est em crise, mas uma crise muito saudvel, de renascimento, desencadeada por umarenovao profunda das bases do pensamento terico. Keynes, Ka-lecki, Robinson e Sraffa varreram os escombros do campo e lana-ram novos alicerces, sobre os quais ser possvel voltar a construir.

    SRAFFA

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  • CRONOLOGIA

    1883 Nasce John Maynard Keynes, em Cambridge.1898 Nasce Piero Sraffa.1899 Nasce Michael Kalecki.1903 Nasce Joan Violet Robinson.1911 Keynes passa a dirigir o Economic Journal.1914 Inicia-se a I Guerra Mundial. O laissez-faire econmico

    substitudo pelos planejamentos.1917 Estoura a Revoluo Comunista na Rssia e o marxismo

    torna-se doutrina econmica oficial nesse pas.1918 Termina a I Guerra Mundial e os pases capitalistas tentam

    voltar ao liberalismo econmico.1919 Keynes representa o Tesouro Britnico na Conferncia

    Internacional de Paz.1924 Inicia-se a Nova Poltica Econmica na URSS.1926 Sraffa publica um artigo que sacode os meios acadmicos

    da Economia, nos pases capitalistas.1929 Crack da Bolsa de Valores de Nova York cria pnico nos

    pases capitalistas.1930 Surge Treatise on Money, de Keynes.1933 Joan Robinson publica The Economics of Imperfect Com-

    petition. Vem luz Tentativa de Teoria da Conjuntura, deMichael Kalecki.

    1934 Inicia-se nos Estados Unidos o New Deal de Roosevelt,para fazer frente crise econmica.

    1936 Keynes publica Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda.1939 Comea a II Guerra Mundial. Surge Ensaios Sobre a Teoria

    das Flutuaes Econmicas, de Michael Kalecki.1940 Kalecki transfere-se para Oxford.1943 Michael Kalecki publica Aspectos Polticos do Pleno Emprego.1944 Surge Economia Marxista de Joan Robinson. Keynes par-

    ticipa da Conferncia Internacional de Bretton Woods.

    11

  • 1945 Termina a II Guerra Mundial.1946 Kalecki trabalha no Secretariado da Organizao das Na-

    es Unidas. O Fundo Monetrio Internacional presididopor Keynes. Morre Keynes.

    1956 Vem luz Acumulao do Capital, de Joan Robinson.1960 Sraffa proporciona um novo ponto de partida para a anlise

    do capitalismo com A Produo de Mercadorias por Meio deMercadorias.

    1983 Joan Robinson falece aos 5 de agosto. Sraffa morre emCambridge no dia 3 de setembro.

    OS ECONOMISTAS

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  • BIBLIOGRAFIA

    HAYEK, F. A.: A Survey of Contemporary Economics, Irwin & Co.,Nova York, 1935.

    SCHUMPETER, J. A.: Business Cycles, McGraw-Hill, Nova York, 1939.KLEIN, L. R.: The Keynesean Revolution, The Macmillan Co., Nova

    York, 1947.HARRIS, S. E.: The New Economics, Knopf & Co., Nova York 1948.DILLARD, D.: The Economics of John Maynard Keynes, Prentice-

    Hall, Nova York, 1948.GALBRAITH, J. K.: The Affluent Society, Little Brown, 1958.LEKACHMAN, R.: A History of Economic Ideas, Harper and Row,

    Nova York, 1959.TAYLOR, O. H.: A History of Economic Thought, MacGraw-Hill,

    Nova York, 1960.WHITTAKER, E.: Schools and Streams of Economic Thought, Rand

    MacNally, Chicago, 1960.GHERITY, J. A.: Economic Thought, Random House, Nova York, 1965.HARCOURT, G. C. e LAING, N. S.: Capital and Growth, Penguin

    Modern Economic Readings, 1971.HARCOURT, G. C.: Some Cambridge Controversies in the Theory

    of Capital, Cambridge, 1972.

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  • PIERO SRAFFA

    PRODUO DE MERCADORIASPOR MEIO DE MERCADORIAS*

    PRELDIO A UMA CRTICA DA TEORIA ECONMICA

    Traduo de Elizabeth Machado de Oliveira

    * Traduzido do original ingls: Production of Commodities by mean of Commodities - Preludeto a Critic of Economic Theory, University Press, Cambridge, 1972.

  • PREFCIO

    Qualquer pessoa acostumada a pensar em termos de equil-brio de demanda e oferta pode inclinar-se a supor, ao ler estaspginas, que a argumentao repousa sobre a suposio tcita derendimentos constantes em todas as indstrias. Se se achar tiltal suposio, no h inconveniente algum em que o leitor a adotecomo uma hiptese temporria de trabalho. De fato, entretanto,no se faz tal suposio. No se considera variao alguma novolume de produo, nem (ao menos nas Partes I e II) variaoalguma nas propores em que os diferentes meios de produoso utilizados por uma indstria, de modo que no surge problemaalgum sobre a variao ou constncia dos rendimentos. A investi-gao ocupa-se exclusivamente daquelas propriedades de um sis-tema econmico que no dependem de variaes na escala de pro-duo ou nas propores dos fatores.

    Este ponto de vista, que o dos antigos economistas clssicos,de Adam Smith a Ricardo, tem estado submerso e esquecido desdeo advento do mtodo marginalista. A razo bvia. O enfoquemarginalista exige que a ateno se centralize na variao, porquesem variao, seja na escala da indstria, seja nas propores dosfatores de produo, no pode haver produto marginal nem customarginal. Num sistema no qual a produo continue invarivelnesses aspectos, dia aps dia, o produto marginal de um fator (ou,alternativamente, o custo marginal de um produto) no seria apenasdifcil de encontrar, mas no se teria onde encontr-lo.

    preciso, entretanto, ter cuidado em evitar a confuso entreas margens esprias e o artigo autntico. Sero encontrados nes-tas pginas exemplos que, primeira vista, podem parecer indis-tinguveis dos exemplos de produo marginalista; mas o sinal se-guro de seu carter esprio a ausncia do tipo de variao re-querido. O caso mais conhecido o do produto da terra marginalna agricultura, isto , quando se cultivam simultaneamente terras

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  • de qualidades diferentes: sobre este ponto basta referir-se a P. H.Wicksteed, o purista da teoria marginalista, que condena a utili-zao do termo marginal como fonte de horrvel confuso.1

    A tentao de pressupor rendimentos constantes no intei-ramente caprichosa. O prprio autor a experimentou quando co-meou estes estudos, h muitos anos e isto o conduziu, em 1925, tentativa de argumentar que apenas o caso dos rendimentos cons-tantes era geralmente consistente com as premissas da teoria eco-nmica. E, alm disso, quando, em 1928, Lord Keynes leu um bor-rador das primeiras proposies deste trabalho, recomendou que,se no se supusessem rendimentos constantes, deveria ser feitauma clara advertncia neste sentido.

    Estas aluses do, incidentalmente, alguma idia sobre o des-proporcional perodo de tempo durante o qual esteve em preparaoum trabalho to breve. Embora as proposies centrais tivessem to-mado forma nos ltimos anos da dcada de 1920, alguns pontos par-ticulares, tais como a mercadoria-padro, os produtos conjuntos e ocapital fixo, foram desenvolvidos durante a dcada de 1930 e nosprimeiros anos da dcada seguinte. A partir de 1955, enquanto estaspginas eram agrupadas de um grande volume de antigas notas,pouco foi acrescentado, alm de preencher algumas lacunas que serevelaram no processo (tais como a adoo da distino entre produtosbsicos e no-bsicos no caso de produtos conjuntos).

    Como era perfeitamente natural, durante um perodo to lon-go, outros autores adotaram, algumas vezes e independentemente,pontos de vista que so similares a um ou outro dos adotados nestetrabalho, e os desenvolveram em maior medida ou em direesdiferentes das aqui seguidas. , entretanto, um trao particulardo conjunto de proposies agora publicadas que, embora no en-trem numa discusso da teoria marginalista do valor e da distri-buio, tm sido destinadas para servir de base a uma crtica detal teoria. Se as bases se sustentarem, a crtica poder ser tentadamais tarde, seja pelo autor, seja por algum mais jovem e melhorequipado para a tarefa.

    Minha maior dvida para com o Professor A. S. Besicovitch,pela inestimvel ajuda matemtica que me prestou por muitos anos.Tambm estou em dvida, por uma ajuda similar em perodos di-ferentes, com o falecido Mr. Frank Ramsey e com Mr. Alister Wat-son. Ficar perfeitamente claro que nem sempre segui os conselhos

    OS ECONOMISTAS

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    1 "Political economy in the light of marginal theory", in Economic Journal, XXIV, 1914, pp.18-20, reimpresso como um apndice de seu Common Sense of Political Economy, ed. LionelRobbins, 1993, pp. 790-792.

  • expertos que me foram dados; particularmente, referentes ao sis-tema de notao adotado que insisti em manter para que pudesseser seguido facilmente por leitores no matemticos (embora admitoque esteja sujeito a objees em alguns aspectos).

    P.S.

    Trinity College, Cambridge, Maro de 1959

    SRAFFA

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  • PARTE I

    INDSTRIAS DE UM S PRODUTOE CAPITAL CIRCULANTE

  • CAPTULO I

    Produo de Subsistncia

    1. Consideremos uma sociedade extremamente simples queproduza apenas o suficiente para se manter. As mercadorias soproduzidas por indstrias distintas e so intercambiadas num mer-cado que se realiza depois da colheita.

    Suponhamos, inicialmente, que apenas duas mercadorias soproduzidas: trigo e ferro. Ambas so utilizadas, em parte, para osustento dos que trabalham e o restante como meios de produo o trigo como semente e o ferro em forma de ferramentas. Su-ponhamos que, no conjunto e incluindo as necessidades dos traba-lhadores, utilizam-se 280 arrobas de trigo e 12 toneladas de ferropara produzir 400 arrobas de trigo; enquanto que so empregadas120 arrobas de trigo e 8 toneladas de ferro para produzir 20 to-neladas de ferro. As operaes de um ano podem ser tabuladas doseguinte modo:

    280 arrobas de trigo + 12 t de ferro 400 arrobas de trigo120 arrobas de trigo + 8 t de ferro 20 t de ferro.

    Nada foi acrescentado, pela produo, s posses da sociedadeem seu conjunto: foram absorvidas 400 arrobas de trigo e 20 to-neladas de ferro, no total, e produziram-se essas mesmas quanti-dades. Mas cada mercadoria, que inicialmente estava distribudaentre as indstrias, de acordo com suas necessidades, aparece nofinal do ano inteiramente concentrada nas mos de seu produtor.

    (Denominaremos estas relaes de mtodos de produo e deconsumo produtivo, ou, para abreviar, mtodos de produo.)

    H um nico conjunto de valores de troca que, se adotadopelo mercado, restabelece a distribuio original dos produtos etorna possvel que o processo se repita; tais valores surgem dire-

    23

  • tamente dos mtodos de produo. No exemplo particular que to-mamos, o valor de troca requerido 10 arrobas de trigo para 1tonelada de ferro.

    2. O mesmo se aplica ao caso de trs ou mais mercadorias.Acrescentando um terceiro produto, porcos:

    240 arrobas de trigo + 12 t de ferro + 18 porcos 450 arrobas de trigo

    90 arrobas de trigo + 6 t de ferro + 12 porcos 21 t de ferro120 arrobas de trigo + 3 t de ferro + 30 porcos 60 porcos

    Os valores de troca que asseguram a reposio completa so10 arrobas de trigo = 1 t de ferro = 2 porcos.

    Pode-se notar que, enquanto no sistema de duas indstrias,a quantidade de ferro utilizada para produzir trigo tinha necessa-riamente o mesmo valor que a quantidade de trigo utilizada nafabricao de ferro. Isto deixa de ser necessariamente verdade paraqualquer par de mercadorias, quando h trs ou mais produtos.Assim, no ltimo exemplo, no se registra tal igualdade, e a repo-sio apenas pode ser efetuada atravs de um comrcio triangular.

    3. Formulando a posio em termos gerais, temos as merca-dorias a, b, ..., k, cada uma das quais produzida por uma indstriadistinta.

    Chamamos A quantidade anualmente produzida da merca-doria a; B quantidade produzida da mercadoria b, e assim su-cessivamente.

    Denominamos, tambm, Aa, B

    a, ..., K

    as quantidades de a,

    b, ..., k utilizadas anualmente pela indstria que produz A, edenominamos A

    b, B

    b, ..., K

    bs correspondentes quantidades utili-

    zadas para produzir B, e assim sucessivamente.Todas estas quantidades so conhecidas. As incgnitas a de-

    terminar so pa, p

    b, ..., p

    k, que indicam, respectivamente, os valores

    unitrios das mercadorias a, b, ..., k que, se forem adotados,restabeleceriam a posio inicial.

    As condies de produo so agora as seguintes:

    Aa

    pa + B

    ap

    b + ... + K

    ap

    k = Ap

    a

    Ab

    pa + B

    bp

    b + ... + K

    bp

    b = Bp

    b

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A

    kp

    a + B

    kp

    b + ... + K

    kp

    k = Kp

    k

    onde, visto que se supe que o sistema esteja num estado de auto-reposio, A

    a + A

    b + ... + A

    k = A; B

    a + B

    b + ... + B

    k = B; ...; e K

    a

    + Kb + ... + K

    k = K. Isto , a soma da primeira coluna igual

    OS ECONOMISTAS

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  • da primeira linha; a da segunda coluna igual da segunda linha,e assim sucessivamente.

    No necessrio supor que cada mercadoria entre diretamentena produo de todas as demais; sendo assim, algumas das quan-tidades do lado esquerdo, isto , do lado dos meios de produo,podem ser zero.

    Toma-se uma mercadoria como medida de valor e iguala-seseu preo unidade. Isto nos deixa com k 1 incgnitas. Vistoque, no total das equaes, as mesmas quantidades aparecem emambos os lados, qualquer uma das equaes pode inferir-se da somadas demais.2 Assim, ficamos com k 1 equaes lineares indepen-dentes que determinam univocamente os k 1 preos.

    SRAFFA

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    2 Esta formulao pressupe que o sistema esteja num estado de auto-reposio; mas todosistema do tipo considerado pode ser levado a tal estado simplesmente mediante a variaodas propores em que as equaes individuais entram nele. (Os sistemas que assim secomportam, com um excedente, sero discutidos na seo 4 e seguintes. Sistemas que soincapazes de se comportar assim como quaisquer propores e que apresentam um dficitna produo de algumas mercadorias em relao a seu consumo, mesmo que nenhumativer um excedente, no representam sistemas econmicos viveis e no so considerados.)

  • CAPTULO II

    Produo com um excedente

    4. Se a economia produz mais do que o mnimo necessrio paraa reposio e existe um excedente a ser distribudo, o sistema torna-seautocontraditrio. Com efeito, se somarmos todas as equaes, o ladodireito da equao-soma resultante (ou produto nacional bruto) con-ter, alm de todas as quantidades que se encontram no lado esquerdo(ou meios de produo e subsistncia), algumas adicionais que l noesto. Contando, como na seo 3, teremos agora k equaes inde-pendentes com apenas k 1 incgnitas.

    A dificuldade no pode ser superada com a separao do exce-dente antes que os preos sejam determinados, como se faz com areposio de matrias-primas, bens de subsistncia etc. Isto aconteceporque o excedente (ou lucro) deve ser distribudo em proporo aosmeios de produo (ou capital) adiantados em cada indstria, e talproporo entre dois agregados de bens heterogneos (em outras pa-lavras, a taxa de lucro) no pode ser determinada antes que conhe-amos os preos dos bens. Por outro lado, no podemos acatar a se-parao do excedente at que conheamos os preos, porque, comoveremos, os preos no podem ser determinados antes de se conhecera taxa de lucro. O resultado que a distribuio do excedente deveser determinada atravs do mesmo mecanismo e ao mesmo tempoem que se determinam os preos das mercadorias.

    Sendo assim, introduzimos a taxa de lucro (que deve ser uni-forme para todas as indstrias) como uma incgnita que denomi-namos r, e o sistema se converte em

    (Aa

    pa + B

    ap

    b + ... + K

    ap

    k) (1 + r) = Ap

    a

    (Ab

    pa + B

    bp

    b + ... + K

    bp

    k) (1 + r) = Bp

    b

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .(A

    kp

    a + B

    kp

    b + ... + K

    kp

    k) (1 + r) = Kp

    k

    27

  • onde, visto que se supe que o sistema esteja num estado de auto-reposio, A

    a + A

    b + ... + A

    k A; B

    a + B

    b + ..., + B

    k B; ...; K

    a +

    Kb + ... + K

    k K; isto , a quantidade produzida de cada mercadoria

    no mnimo igual quantidade da mesma que utilizada portodos os ramos de produo em seu conjunto.

    Este sistema contm k equaes independentes que determi-nam os k 1 preos e a taxa de lucro.

    5. Como exemplo podemos aumentar, no caso de duas mer-cadorias (seo 1), a produo de trigo de 400 arrobas para 575arrobas, deixando sem variao as demais quantidades. Isto deter-mina um excedente social de 175 arrobas de trigo e a posio re-sultante :

    280 arrobas de trigo + 12 t de ferro 575 arrobas de trigo120 arrobas de trigo + 8 t de ferro 20 t de ferro.

    A relao de troca que permite que os adiantamentos sejamrepostos e que os lucros sejam distribudos a ambas as indstriasem proporo aos seus adiantamentos 15 arrobas de trigo por 1tonelada de ferro; e a correspondente taxa de lucro em cada in-dstria de 25%.

    (Faamos, como ilustrao, o clculo aritmtico para a inds-tria do ferro. Das 20 toneladas produzidas, 8 vo repor o ferroutilizado e 12 so vendidas ao preo de 15 arrobas de trigo portonelada, obtendo-se, por conseguinte, 180 arrobas de trigo; destas,120 arrobas vo repor o trigo utilizado e 60 arrobas so o lucro, taxa de 25% sobre as 240 arrobas de trigo, que o valor agregadodo trigo e o ferro utilizados como meios de produo e de subsistnciana indstria do ferro.)

    6. preciso advertir sobre um efeito da ocorrncia de umexcedente. Anteriormente, todas as mercadorias estavam em p deigualdade, cada uma delas aparecendo tanto entre os produtos comoentre os meios de produo; em conseqncia, cada uma delas en-trava, direta ou indiretamente, na produo de todas as demais,e cada mercadoria desempenhava um papel na determinao dospreos. Mas agora surge a possibilidade da existncia de uma novaclasse de bens de luxo que no so utilizados nem como instru-mentos de produo nem como artigos de subsistncia, na produode outras mercadorias.

    Estes produtos no tm participao alguma na determinaodo sistema. Seu papel puramente passivo. Se uma inovao viera reduzir metade a quantidade de cada um dos meios de produoque so necessrios para produzir uma unidade de bem de luxodeste tipo, o preo desta mercadoria cairia pela metade, mas no

    OS ECONOMISTAS

    28

  • se registrariam conseqncias posteriores; as relaes de preosdos outros produtos e as taxas de lucro permaneceriam inalteradas.Mas, se isso ocorresse na produo de uma mercadoria do tipooposto, que entra nos meios de produo, todos os preos ficariamafetados e a taxa de lucro variaria. Isto pode ser visto se elimi-narmos do sistema a equao que representa a produo de umbem de luxo. Visto que, ao fazer isto, eliminamos uma incgnita(o preo deste bem) que apenas aparece nessa equao, as equaesrestantes continuaro formando um sistema determinado que sersatisfeito pelas solues do sistema mais amplo. Por outro lado, seeliminarmos uma das outras equaes, correspondentes a bens queno so de luxo, o nmero de incgnitas no ficaria reduzido,pois a mercadoria em questo aparece como meio de produo nasoutras equaes, e o sistema ficaria indeterminado.

    O que acabamos de dizer sobre o papel passivo dos bens deluxo pode facilmente estender-se s outras superfluidades queso apenas utilizadas em sua prpria reproduo, seja diretamente(por exemplo, cavalos de corrida), seja indiretamente (por exemplo,as avestruzes e os ovos de avestruz), ou simplesmente para a pro-duo de outras superfluidades (por exemplo, seda bruta).

    O critrio consiste em saber se uma mercadoria entra (diretaou indiretamente) na produo de todas as mercadorias. As que ofazem sero denominadas produtos bsicos e as que no o fazemsero denominadas produtos no-bsicos.

    Suporemos que qualquer sistema contm, no mnimo, um pro-duto bsico.

    7. Parece oportuno, chegado a este estgio, explicar por queas relaes que satisfazem as condies de produo tm sido de-nominadas valores ou preos e no, como poder-se-ia pensarser mais apropriado, custos de produo.

    Esta ltima denominao seria adequada em relao aos pro-dutos no-bsicos, pois, conforme o que foi visto na seo anterior,sua relao de troca simplesmente um reflexo do que deve serpago pelos meios de produo, trabalho e lucro para produzi-los no h dependncia mtua.

    Mas, no caso de um produto bsico, h um outro aspecto aser considerado. Sua relao de troca depende tanto do uso quedele se faz na produo de outras mercadorias bsicas, como dograu em que aquelas mercadorias entram em sua prpria produo.(Algum poderia ser tentado a dizer embora desse lugar a pos-sveis erros que sua relao de troca depende tanto do lado dademanda como do lado da oferta.)

    Em outras palavras, o preo de um produto no-bsico depende

    SRAFFA

    29

  • dos preos de seus meios de produo; mas estes no dependemdele. Entretanto, no caso de um produto bsico, os preos de seusmeios de produo dependem de seu prprio preo no menos doque este ltimo depende daqueles.

    Por isso, necessria uma denominao menos unilateral quea de custo de produo. Embora sejam apropriados termos clssicoscomo preo necessrio, preo natural ou preo de produo,foram preferidos valor e preo por serem expresses mais curtase no mais ambguas no presente contexto (que no contm refe-rncia a preos de mercado).

    Pode ser acrescentado que, no apenas neste caso, mas emgeral, o uso do termo custo de produo, foi evitado neste trabalho,assim como o termo capital em sua conotao quantitativa, s custasde algum cansativo circunlquio. Isto porque estes termos acabaramficando ligados inseparavelmente suposio de que representamquantidades que podem ser medidas independentemente e antesda determinao dos preos dos produtos. (Recordem-se dos custosreais de Marshall e da quantidade de capital implcita na teoriae produtividade marginal.) Visto que um dos objetivos deste tra-balho consiste em libertar-se de tais pressupostos, a eliminaodos termos pareceu ser o nico modo de no prejudicar o tema.

    8. At o momento, consideramos os salrios como consistentesnos bens necessrios para a subsistncia dos trabalhadores, en-trando, ento, no sistema em p de igualdade com o combustvelpara os motores ou os alimentos para o gado. Devemos agora levarem conta o outro aspecto dos salrios, pois, alm do sempre presenteelemento de subsistncia, eles podem incluir uma parcela do produtoexcedente. Tendo em vista este duplo carter dos salrios, seriaapropriado, quando considerarmos a diviso do excedente entrecapitalistas e trabalhadores, separar as duas partes componentesdo salrio e considerar apenas a parte do excedente como varivel;enquanto que os bens necessrios para a subsistncia dos traba-lhadores continuariam aparecendo entre os meios de produo, comoo combustvel etc.

    Evitaremos, neste livro, entretanto, toda intromisso no con-ceito tradicional de salrio e seguiremos a prtica usual de tratartodo salrio como varivel.

    A desvantagem deste proceder consiste em que implica emrelegar os bens necessrios de consumo ao limbo dos produtos no-bsicos. Isto porque no mais aparecem entre os meios de produodo lado esquerdo das equaes: de modo que uma melhora nosmtodos de produo dos bens necessrios para a vida no maisafetar diretamente a taxa de lucro e os preos dos outros produtos.

    OS ECONOMISTAS

    30

  • Os bens de primeira necessidade so, entretanto, essencialmentebsicos, e, se se impede que exeram sua influncia sobre os preose lucros sob essa denominao, preciso permitir que a exerampor caminhos tortuosos (por exemplo, estabelecendo um limite sobo qual os salrios no podem descer; um limite que cairia comqualquer melhora nos mtodos de produo dos bens de primeiranecessidade, trazendo consigo um aumento na taxa de lucros euma mudana nos preos dos demais produtos).

    Em qualquer caso, a discusso que se segue pode ser facil-mente adaptada interpretao mais apropriada do salrio, emborano convencional, sugerida acima.

    9. Suporemos tambm, a seguir, que o salrio pago postfactum como uma participao do produto anual, abandonando-seassim a idia dos economistas clssicos de um salrio adiantadodo capital. Manteremos, entretanto, a suposio de um ciclo anualde produo com um mercado anual.

    10. A quantidade de trabalho empregada em cada indstriatem que ser agora representada explicitamente, ocupando o lugardas correspondentes quantidades de bens de subsistncia. Supomosque o trabalho uniforme em qualidade, ou, o que vem a ser omesmo, assumimos que quaisquer diferenas em qualidade forampreviamente reduzidas a diferenas equivalentes em quantidade,de modo que cada unidade de trabalho recebe o mesmo salrio.

    Denominamos La, L

    b, ..., L

    k as quantidades anuais de trabalho

    empregadas respectivamente nas indstrias produtoras de A, B,...,K e as definimos como fraes do trabalho anual da sociedade, quesomamos como a unidade, de modo que

    La + L

    b + ... + L

    k = 1.

    Chamamos w o salrio por unidade de trabalho, que serexpresso, como os preos, em termos da medida de valor escolhida.(Ver, sobre a escolha de uma medida de valor, seo 12.)

    11. Sobre estas bases, a equao adota a forma:

    (Aa

    pa + B

    ap

    b + ... + K

    ap

    k) (1 + r) + L

    aw = Ap

    a

    (Ab

    pa + B

    bp

    b + ... + K

    bp

    k) (1 + r) + L

    bw = Bp

    b

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .(A

    kp

    a + B

    kp

    b + ... + K

    kp

    k) (1 = r) + L

    kw = Kp

    k

    onde, como nos casos anteriores, supe-se que o sistema esteja numestado de auto-reposio tal que A

    a + A

    b + ... + A

    k A; B

    a + B

    b +

    ... + Bk

    B; ...; Ka + K

    b + ... + K

    k K.

    12. A renda nacional de um sistema num estado de auto-re-posio consiste no conjunto de mercadorias que restam aps se

    SRAFFA

    31

  • ter extrado do produto nacional bruto, item por item, os bens quevo repor os meios de produo absorvidos em todas as indstrias.

    O valor deste conjunto de mercadorias, ou mercadoria com-posta, como podemos cham-la, que forma a renda nacional, igua-lamos unidade. Converte-se, assim, na medida de valor em termosda qual se expressam os salrios e os k preos (ocupando o lugarda mercadoria nica arbitrariamente selecionada em termos daqual eram expressos os k 1 preos, alm do salrio).

    Teremos, portanto, a equao adicional:

    [A (Aa + A

    b + ... + A

    k)]p

    a + [B (B

    a + B

    b, + ... + B

    k)]p

    b+ ...

    + [K (Ka + K

    b + ... + K

    k)]p

    k = 1.

    ( impossvel que a quantidade agregada de qualquer mer-cadoria representada nesta expresso seja negativa, devido con-dio de auto-reposio suposta na seo 11.)

    Isto nos proporciona k + 1 equaes que se comparam com k+ 2 variveis (k preos, o salrio w e a taxa de lucro r).

    O resultado de acrescentar o salrio como uma das variveis que o nmero destas excede em uma agora o nmero de equaese que o sistema pode mover-se com um grau de liberdade; e seuma das variveis fixada, as demais tambm estaro fixadas.

    OS ECONOMISTAS

    32

  • CAPTULO III

    Propores entre o trabalho e os meios de produo

    13. Prosseguimos dando ao salrio w sucessivos valores, quevo de 1 a 0; estes representam agora fraes da renda nacional(consultar seo 10 e 12). O objetivo observar o efeito de variaesno salrio sobre a taxa de lucro e sobre os preos das mercadoriasindividuais na suposio de que os mtodos de produo permane-am inalterados.

    14. Quando fazemos w = 1, toda a renda nacional vai paraos salrios, e r eliminado. Retornamos assim, de fato, ao sistemade equaes lineares de que partimos, com a diferena de que asquantidades de trabalho aparecem agora explicitamente, em vezde serem representadas por quantidade de bens necessrios paraa subsistncia.

    A este nvel de salrios, os valores relativos das mercadoriasso proporcionais a seus custos trabalho, isto , quantidade detrabalho que foi usada, direta ou indiretamente, para produzi-las.3

    Os valores no seguem uma regra simples para nenhum outronvel de salrios.

    15. Partindo da situao em que toda a renda nacional vaipara o trabalho, imaginemos que os salrios sejam reduzidos: comoconseqncia, surge uma taxa de lucro.

    A chave do movimento de preos relativos que segue a umavariao no salrio consiste na desigualdade das propores emque o trabalho e os meios de produo so empregados nas distintasindstrias.

    claro que, se a proporo fosse a mesma em todas as in-

    33

    3 Ver Apndice A: Sobre os subsistemas.

  • dstrias, no poderia acontecer variao alguma de preos por maiorque fosse a diversidade da composio-mercadoria dos meios deproduo nas diferentes indstrias. Porque em cada indstria umareduo igual do salrio proporcionaria apenas o necessrio parapagar os lucros sobre seus meios de produo a uma taxa uniforme,sem necessidade de alterar os preos existentes.4

    16. Pela mesma razo, impossvel que os preos permaneaminalterados quando h desigualdade de propores. Suponhamosque os preos permaneceram invariveis, enquanto os salrios sereduziram e surgiu uma taxa de lucro. Visto que, em qualquerindstria, a poupana derivada da reduo salarial dependeria donmero de homens empregados, enquanto que o necessrio parapagar lucros a uma taxa uniforme dependeria do valor total dosmeios de produo utilizados, as indstrias com uma proporosuficientemente baixa de trabalho em relao aos meios de produoteriam um dficit, enquanto que as indstrias com uma proporosuficientemente alta teriam um excedente sobre seus pagamentospor salrios e lucros. (No momento, nenhuma suposio est sendofeita a respeito de que taxa de lucro corresponde a uma reduosalarial; tudo o que necessitamos neste estgio de anlise queexiste um salrio uniforme e uma taxa de lucro uniforme em todoo sistema.)

    17. Haveria uma proporo crtica entre o trabalho e osmeios de produo que marcaria a fronteira entre as indstriascom dficit e com excedente.

    Uma indstria que empregasse essa proporo particularmostraria um equilbrio a poupana procedente da reduo sa-larial proporcionaria exatamente o necessrio para o pagamentode lucros taxa geral. Qualquer que seja o valor preciso destaproporo num sistema particular, pode-se dizer, a priori, quenum sistema que inclua duas ou mais indstrias bsicas, a indstriacom a mais baixa proporo entre o trabalho e os meios de produoseria uma indstria com dficit e a que tivesse a proporo maisalta seria uma indstria com excedente.

    18. Disto se deduz que com uma reduo salarial seriam ne-

    OS ECONOMISTAS

    34

    4 Nestas propores os meios de produo devem ser medidos por seus valores, mas, vistoque os valores podem mudar com uma variao no salrio, surge a questo: quais valores?A resposta que, em relao ao estabelecimento da igualdade ou no igualdade das pro-pores (que tudo o que nos preocupa, no momento), todos os conjuntos possveis devalores do o mesmo resultado. Com efeito, como vimos, se as propores de todas asindstrias so iguais, os valores, e, portanto, as propores, no variam com o salrio; distose deduz que, se as propores so desiguais, o conjunto de valores correspondentes a umsalrio no podem ser iguais a qualquer outro, de modo que so desiguais para todos osvalores.

  • cessrias variaes nos preos para restabelecer o equilbrio emcada uma das indstrias com dficit e em cada uma das indstriascom excedente.

    Para alcanar este objetivo espera-se que, em primeiro lugar,entre em jogo a relao de preos entre cada produto e seus meiosde produo. Consideremos a situao de uma indstria com d-ficit, quando o salrio reduzido. Uma elevao no preo do produtoem relao aos meios de produo ajudaria a eliminar o dficit,visto que liberaria uma parte da cota do produto bruto da indstriaque estava sendo destruda para financiar a reposio dos meiosde produo agora mais baratos; e assim se incrementaria a quan-tidade disponvel para ser distribuda como salrios ou lucros. Aalta do preo levaria, por si mesma, a um incremento na magnitude(e no simplesmente no valor) daquela parte do produto da indstriaque fica disponvel para ser distribuda, apesar do fato de os mtodosde produo terem permanecido invariveis.

    Outro efeito da elevao do preo do produto em relao aosmeios de produo consistiria, naturalmente, em ajudar a que umadada quantidade do produto tenda a alcanar a taxa de lucro requerida.

    Em segundo lugar, e independentemente disto, quanto maisforte fosse a elevao no preo do produto relativo ao trabalho,menor seria a quantidade do mesmo absorvida pelo salrio.

    De modo semelhante, os movimentos de preos numa direooposta poderiam levar absoro do excedente que, em outro caso,apareceria numa indstria que utilizasse uma alta proporo en-tre trabalho e meios de produo.

    19. No se conclui disto, entretanto, que o preo do produtode uma indstria com uma baixa proporo entre trabalho e meiosde produo (e, por conseguinte, com um dficit potencial) se ele-varia necessariamente, com uma reduo salarial, em relao aseus prprios meios de produo. Pelo contrrio, possvel quedesa. A razo desta contradio aparente que os meios de pro-duo de uma indstria so, em si mesmos, produto de uma oumais indstrias, que podem empregar, por sua vez, uma proporoainda mais baixa entre trabalho e meios de produo (e o mesmopode ocorrer com estes ltimos meios de produo, e assim suces-sivamente); em tal caso, o preo do produto, embora produzido poruma indstria com dficit, poderia baixar em termos de seusmeios de produo, e seu dficit teria que ser coberto medianteuma elevao particularmente forte em relao ao trabalho.

    O resultado que quando os salrios descem, o preo do pro-duto de uma indstria com baixa proporo entre trabalho e seusmeios de produo (ou indstria com dficit) pode elevar-se ou

    SRAFFA

    35

  • pode cair ou pode, inclusive, elevar-se e descer alternativamente,em relao a seus meios de produo; enquanto que o preo doproduto de uma indstria com alta proporo entre o trabalho eseus meios de produo (ou indstria com excedente) pode cair,elevar-se ou mover-se alternativamente. O que nenhum de taisprodutos pode fazer, como veremos agora (sees 21 e 22), manterseu preo estvel em relao a seus meios de produo, qualquerque seja a amplitude, longa ou curta, da variao salarial.

    20. Para concluir esta viso preliminar do tema, deve serdestacado que estas consideraes dominam no apenas a relaode preos de um produto com seus meios de produo, mas tambmsuas relaes com qualquer outro produto. Em conseqncia, osmovimentos de preos relativos de dois produtos vm a dependerno apenas das propores entre trabalho e meios de produopelas quais foram respectivamente produzidos, mas tambm daspropores pelas quais estes meios foram, por sua vez, produzidose tambm das propores mediante as quais os meios de produodaqueles meios de produo foram produzidos, e assim sucessiva-mente. Resulta, assim, que o preo relativo de dois produtos podemover-se, com uma baixa de salrios, em direo oposta da queseria esperada com base em suas propores respectivas; almdisso, os preos de seus respectivos meios de produo podem mo-ver-se de modo tal que invertam a ordem dos dois produtos quantoa propores mais altas e mais baixas; e ainda surgem mais com-plicaes que sero consideradas subseqentemente.

    Por mais complexo que seja o esquema das variaes de preosderivados de uma variao na distribuio, seu resultado lquido(e sua completa justificao) consiste simplesmente em restabelecero equilbrio em cada indstria. Alcanam completamente tal objetivoe no poderia ser alcanado por menos.

    21. Voltemos agora proporo crtica que j mencionamos(seo 17) e que constitui a fronteira entre as indstrias com dficite as indstrias com excedente. Suponhamos que exista uma in-dstria que empregue trabalho e meios de produo em tal pro-poro precisa, de modo que, com uma reduo salarial, e com basenos preos iniciais, mostra um perfeito equilbrio de salrios e lu-cros. Suponhamos, alm disso, que os meios de produo que utilize,tomados em seu conjunto, foram por sua vez produzidos mediantetrabalho e meios de produo em tal proporo; e suponhamos,finalmente, que se aplique a mesma proporo produo de meiosde produo totais pelos quais estes meios de produo foram pro-duzidos, e de modo similar, com os sucessivos estratos de meiosde produo envolvidos medida que seguimos para trs.

    OS ECONOMISTAS

    36

  • A mercadoria produzida por tal indstria no experimentariaa necessidade resultante das condies de produo da prpria in-dstria, de aumentar ou diminuir em valor com relao a qualqueroutra mercadoria quando os salrios se elevassem ou descessem;porque, como vimos, tal necessidade apenas pode derivar-se de umdficit ou de um excedente potencial, e uma indstria que operenas condies descritas estar ipso facto em equilbrio. Uma mer-cadoria deste tipo seria incapaz, em qualquer caso, de variar emvalor com relao ao total de seus prprios meios de produo,visto que a recorrncia da mesma proporo se aplicaria igual-mente a estes.

    Duas condies distintas foram supostas para alcanar esteresultado, a saber: 1) que se utilize a proporo equilibradora e 2)que a mesma proporo se repita sem limite nos sucessivos estratosdos meios de produo totais da indstria.

    Veremos, entretanto, que a primeira condio est necessa-riamente implcita na segunda, porque, como agora mostraremos(seo 22), a recorrncia completa no sistema apenas possvelcom a proporo equilibradora. De modo que, de fato, apenas huma condio: a de recorrncia.

    22. Ao tratar de identificar a proporo equilibradora con-veniente substituir a hbrida proporo entre a quantidade detrabalho e o valor dos meios de produo, que temos utilizado atagora, por uma das correspondentes razes puras entre quanti-dades homogneas. H duas razes correspondentes, a saber: a ra-zo-quantidade entre trabalho direto e indireto empregado e arazo-valor entre o produto lquido e os meios de produo5. Aquiadotaremos esta ltima.

    Enquanto a taxa de lucro uniforme em todas as indstrias edepende apenas do salrio, a razo-valor entre o produto lquido e osmeios de produo , em geral, diferente em cada indstria e dependeprincipalmente de suas circunstncias particulares de produo.

    H, entretanto, uma exceo. Quando fazemos o salrio igualara zero e a totalidade do produto lquido ir para os lucros, a razo-valorentre o produto lquido e os meios de produo em cada indstriacoincidem necessariamente com a taxa geral de lucro. Por mais dife-rentes que possam ser entre si a outros nveis de salrios, neste nvelas razes-valor de todas as indstrias so iguais.

    Daqui se conclui que a nica razo-valor que pode no variar

    SRAFFA

    37

    5 Em geral (isto , para todas as indstrias que no utilizam a proporo equilibradora)estas duas razes coincidiro apenas quando a razo-valor se calcula para os valores cor-respondentes a w = 1.

  • ante mudanas no salrio, e que , portanto, capaz de ser re-corrente no sentido definido na seo 21, aquela que igual taxa de lucro que corresponde ao salrio zero. E essa a razoequilibradora.

    Denominaremos taxa mxima de lucro taxa de lucro quese registraria se toda a renda nacional fosse para os lucros. Eexpressaremos mediante uma letra apenas, R, as duas razes coin-cidentes, a saber, a taxa mxima de lucro e a razo equilibradoraentre o produto lquido e os meios de produo.

    OS ECONOMISTAS

    38

  • CAPTULO IV

    A mercadoria-padro

    23. A necessidade de ter que expressar o preo de uma mer-cadoria, em termos de outra que escolhida arbitrariamente comopadro, complica o estudo dos movimentos de preos que acompa-nham a uma variao na distribuio. Torna-se impossvel dizer,ante qualquer flutuao particular de preos, se ela surge comoconseqncia das peculiaridades da mercadoria que est sendo me-dida, ou se surge das peculiaridades da mercadoria adotada comopadro de medida. As peculiaridades relevantes, como acabamosde ver, podem consistir apenas na desigualdade das proporesentre o trabalho e os meios de produo nos sucessivos estratosem que se podem analisar uma mercadoria e o total de seus meiosde produo; porque tal desigualdade, que torna necessrio queuma mercadoria mude de valor em relao a seus meios de produoquando o salrio se modifica.

    A mercadoria equilibrada que acabamos de considerar (seo21) no apresentaria peculiaridades deste tipo, visto que se regis-traria a mesma proporo em todos os seus estratos. verdadeque, medida que os salrios descem, tal mercadoria no seriamenos susceptvel que qualquer outra de aumentar ou descer empreo com relao a outras mercadorias individuais; mas saberamoscom certeza que tal flutuao teria sua origem exclusivamente naspeculiaridades da produo da mercadoria que estava sendo com-parada com ela e no nas de sua prpria produo. Se pudssemosdescobrir tal mercadoria, nos encontraramos em posse de um pa-dro capaz de isolar os movimentos de preos de qualquer outroproduto, de modo que pudessem ser observados como num vcuo.

    24. No provvel que se possa encontrar uma mercadoriaindividual que no possua, nem sequer aproximadamente, os re-

    39

  • quisitos necessrios. Entretanto, uma combinao de mercadorias,ou uma mercadoria composta, poderia funcionar igualmente bem;poderia mesmo funcionar melhor, j que seria possvel combin-lade modo adequado a nossas exigncias, modificando sua composio,de forma que se suavizasse uma tenso altista de preos a umnvel de salrios ou se evitaria uma queda a outro nvel.

    Entretanto, no iramos muito longe na tentativa de projetartal combinao, antes de dar-nos conta que a perfeita mercadoriacomposta deste tipo, em que os requisitos se cumprem ao p da letra, a que se compe das mesmas mercadorias (combinadas nas mesmaspropores) que o conjunto de seus prprios meios de produo; emoutras palavras, uma combinao tal, que o produto e os meios deproduo so quantidades da prpria mercadoria composta.

    O problema : pode tal mercadoria ser construda?25. O problema afeta mais as indstrias do que as mercadorias

    e melhor abord-lo a partir daquele ngulo. Suponhamos que sesegregue do sistema econmico existente aquelas fraes das in-dstrias bsicas individuais que juntas formam um sistema com-pleto em miniatura, dotado da propriedade de que as diferentesmercadorias esto representadas entre seus meios de produo to-tais, nas mesmas propores em que o esto entre seus produtos.

    Suponhamos, por exemplo, que o sistema existente, do qualpartimos, inclua apenas indstrias bsicas, e que estas produzam,respectivamente, ferro, carvo e trigo na seguinte forma:

    90 t ferro + 120 t carvo + 60 arrobas trigo + 3

    16 trabalho

    180 t ferro

    50 t ferro + 125 t carvo + 150 arrobas trigo + 5

    16 trabalho

    450 t carvo

    40 t ferro + 40 t carvo + 200 arrobas trigo + 8

    16 trabalho

    480 arrobastrigo

    Totais 180 285 410 1

    onde, visto que o ferro se produz numa quantidade apenas suficientepara sua reposio (180 toneladas), a renda nacional inclui somentecarvo e trigo e se compe de 165 toneladas do primeiro e de 70arrobas do segundo.

    Para obter, a partir deste sistema, um sistema de escala re-duzida nas propores requeridas, devemos tomar, com o total da

    OS ECONOMISTAS

    40

  • indstria do ferro, 3/5 da indstria do carvo e 3/4 da indstriaque produz trigo. O sistema resultante :

    90 t ferro + 120 t carvo + 60 arrobas trigo + 3

    16 trabalho

    180 t ferro

    30 t ferro + 75 t carvo + 90 arrobas trigo + 3

    16 trabalho

    270 t carvo

    30 t ferro + 30 t carvo + 150 arrobas trigo + 6

    16 trabalho

    360 arrobastrigo

    Totais 150 225 3001216

    As propores em que so produzidas as trs mercadorias nonovo sistema (180 : 270 : 360) so iguais quelas em que entramem seus meios de produo totais (150 : 225 : 300). A mercadoriacomposta procurada est formada, portanto, nas propores,

    1 t de ferro : 112

    t de carvo: 2 arrobas de trigo.

    26. Denominaremos a uma combinao deste tipo merca-doria composta padro, ou, para abreviar, mercadoria-padro; e oconjunto de equaes (ou de indstrias) tomadas nas proporesque geram a mercadoria-padro ser denominado sistema-padro.

    Pode-se dizer que em qualquer sistema econmico est en-cerrado um sistema-padro em miniatura que poderia ser trazido luz eliminando as partes no requeridas. (Isto se aplica tanto aum sistema que no esteja num estado de auto-reposio como aum que esteja em tal estado.)

    Em geral, acharemos conveniente tomar como unidade da mer-cadoria padro a quantidade da mesma que formaria o produtolquido de um sistema padro que empregasse o trabalho anualtotal do sistema existente. (Para que tal unidade formasse o produtolquido no exemplo anterior, cada indstria deveria ser acrescidaem 1/3, elevando-se, por conseguinte, o trabalho total de 12/16 a16/16; conseqentemente, a unidade se comporia de 40 toneladasde ferro, 60 toneladas de carvo e 80 arrobas de trigo.) Tal unidadeser denominada produto lquido padro ou renda nacional padro.

    27. O fato de que, num sistema-padro, as diversas merca-dorias so produzidas nas mesmas propores em que entram nos

    SRAFFA

    41

  • meios de produo totais, implica que a taxa a que a quantidadeproduzida excede quantidade absorvida na produo a mesmapara cada uma delas. No exemplo anterior, a taxa de 20% paracada mercadoria, como pode ser visto se as cifras forem reordenadasde modo que a quantidade total de cada mercadoria que entra nosmeios de produo seja confrontada com a quantidade da mesmaque produzida:

    (90 + 30 + 30) (1 + 20100

    ) = 180 t ferro

    (120 + 75 + 30) (1 + 20100

    ) = 270 t carvo

    (60 + 90 + 150) (1 + 20100

    ) = 360 arrobas trigo

    28. A taxa que se aplica s mercadorias individuais tambm,naturalmente, a taxa pela qual o produto total do sistema-padroexcede a seus meios de produo totais, ou a razo entre o produtolquido e os meios de produo do sistema. Esta razo ser deno-minada razo-padro.

    A possibilidade de falar de uma razo entre duas colees demercadorias heterogneas, sem necessidade de reduzi-las a umamedida comum de preo, deriva naturalmente de que ambas ascolees esto construdas nas mesmas propores isto , de queso, de fato, quantidades da mesma mercadoria composta.

    Portanto, o resultado no seria afetado se se multiplicassemas mercadorias individuais componentes por seus preos. A razoentre os valores dos dois totais seria inevitavelmente sempre igual razo entre as quantidades de seus diversos componentes. E,uma vez que as mercadorias tivessem sido multiplicadas pelos seuspreos, tambm no seria afetada a razo se aqueles preos indi-viduais comeassem a variar de todos os modos imaginveis.

    Assim, no sistema-padro a razo entre o produto lquido e osmeios de produo seria a mesma, quaisquer que fossem as variaesregistradas na diviso do produto lquido entre salrios e lucros, equaisquer que fossem as conseqentes variaes de preos.

    29. O que acabamos de dizer sobre a razo entre o produtolquido e os meios de produo no sistema-padro se aplica igual-mente, se substituirmos o produto lquido por qualquer frao domesmo: a razo entre tal frao e os meios de produo no seriaafetada pelas variaes dos preos.

    Suponhamos agora que o produto lquido padro esteja divi-

    OS ECONOMISTAS

    42

  • dido entre salrios e lucros, tendo cuidado para que a participaode cada um se componha sempre, como acontece no conjunto, damercadoria-padro: a taxa de lucro resultante estaria na mesma pro-poro em relao razo padro do sistema, em que estava a partedestinada aos lucros em relao ao produto lquido total. No exemplodado anteriormente, onde a razo-padro era de 20%, se 3/4 da rendanacional padro fosse para salrios e 1/4 fosse para lucros, a taxa delucro seria de 5%; se a metade fosse para cada um deles, seria de10%; e se o total fosse para lucros, a taxa de lucro teria alcanadoseu nvel mximo de 20% e coincidiria com a razo-padro.

    A taxa de lucro no sistema padro aparece assim como umarazo entre quantidades de mercadorias, independentemente deseus preos.

    30. Reformulando a posio em termos gerais, no que se refereao sistema-padro, podemos dizer que se R a razo-padro outaxa mxima de lucro e w a proporo do produto lquido quevai para os salrios, a taxa de lucro

    r = R (1 - w)

    Fig. 1. Relao entre os salrios (como proporo do produto lquidopadro) e a taxa de lucro.

    Assim, medida que o salrio se reduz gradualmente de 1para 0, a taxa de lucro aumenta em proporo direta deduototal feita do salrio. A relao pode ser representada graficamentepor uma linha reta, tal como aparece na figura 1.

    31. Tal relao de interesse apenas se se puder demonstrarque sua aplicao no est limitada ao sistema-padro imaginrio,mas sim que capaz de ser estendida ao sistema econmico efetivode observao.

    Isto depende de que o papel decisivo que a mercadoria-padrojoga nesta relao consista em ser o material constitutivo da rendanacional e dos meios de produo (que peculiar ao sistema-padro)

    SRAFFA

    43

  • ou em proporcionar o meio em que so estimados os salrios. Porqueesta ltima uma funo que a mercadoria-padro apropriada podedesempenhar em qualquer caso, esteja ou no o sistema nas pro-pores-padro.

    verdade, agora, que as aparncias esto contra a segundaalternativa. No sistema-padro, a circunstncia de que o salrioseja pago na mercadoria-padro parece derivar sua significaoespecial do fato de que o resduo que sobra para lucros ser umaquantidade da mercadoria-padro, e, por conseguinte, similar emcomposio aos meios de produo: o resultado que se pode vercomo a taxa de lucro, sendo a razo destas duas quantidades ho-mogneas, eleva-se em proporo direta a qualquer reduo feitano salrio. No pareceria, portanto, haver razo alguma para es-perar que no sistema efetivo, quando o equivalente de mesma quan-tidade de mercadoria-padro tiver sido pago como salrios, o valordo que sobra para lucros devesse se manter na mesma razo como valor dos meios de produo em que esto as quantidades cor-respondentes no sistema-padro.

    Mas o sistema efetivo compe-se das mesmas equaes bsicasque o sistema-padro, apenas em diferentes propores; de modo que,uma vez dado o salrio, a taxa de lucro se determina em ambos ossistemas, independentemente das propores das equaes em cadaum deles. Propores particulares, tais como as propores-padro,podem dar transparncia a um sistema e tornar visvel o que estoculto, mas no podem alterar suas propriedades matemticas.

    A reao linear entre o salrio e a taxa de lucro manter-se-portanto, em todos os casos, com a nica condio de que o salriose expresse em termos do produto-padro. A mesma taxa de lucroque no sistema-padro se obtm como uma razo entre quantidadesde mercadorias, resultar, no sistema efetivo, da razo de valoresagregados.

    32. Voltando ao nosso exemplo, se no sistema efetivo (tal comofoi delineado na seo 25 e seguintes, com R = 20%) o salrio fixado em termos de produto lquido padro, a w = 3/4 corresponderr = 5%. Mas, enquanto a participao dos salrios ser igual emvalor a 3/4 da renda nacional padro, no se deduz que a partici-pao dos lucros ser equivalente ao 1/4 restante da renda-padro.A participao dos lucros consistir no que tenha sobrado da rendanacional efetiva, depois de deduzir dela o equivalente de 3/4 darenda nacional padro para salrios: e os preos devero ser taisque faam com que o valor do que v para lucros seja igual a 5%do valor dos meios de produo efetivos da sociedade.

    33. Para reformul-lo em termos gerais, o problema de cons-

    OS ECONOMISTAS

    44

  • truir uma mercadoria-padro equivale a encontrar um conjunto dek multiplicadores adequados que podem ser denominados q

    a, q

    b,

    ..., qk, para serem aplicados respectivamente s equaes de pro-

    duo das mercadorias a, b, ... k.Os multiplicadores devem ser tais que as quantidades resultan-

    tes das vrias mercadorias mantero entre si as mesmas proporesno lado direito das equaes (como produtos) que as que mantm nototal do lado esquerdo das mesmas (como meios de produo).

    Isto implica, como vimos, que a porcentagem em que o volumede produo de uma mercadoria excede quantidade da mesmaque entra no total de meios de produo igual para todas asmercadorias. Temos denominado a esta porcentagem razo-padro,e a temos representado pela letra R.

    Tal condio se expressa mediante um sistema de equaesque mantm as mesmas constantes (representando quantidades demercadorias) que as equaes de produo, mas ordenadas de mododiferente (as linhas de um sistema correspondem s colunas dooutro). Este sistema de equaes a que nos referiremos como osistema q o seguinte:

    (Aaq

    a + A

    bq

    b + ... + A

    kq

    k) (1 + R) = Aq

    a

    (Baq

    a + B

    bq

    b + ... + B

    kq

    k) (1 + R) = Bq

    b

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .(K

    aq

    a + K

    bq

    b + ... + K

    kq

    k) (1 + R) = Kq

    k

    Para completar o sistema necessrio definir a unidade em quevo ser expressos os multiplicadores; e visto que desejamos que aquantidade de trabalho empregada no sistema-padro seja a mesmaque no sistema efetivo (seo 26), definimos a unidade mediante umaequao adicional que incorpora esta condio, a saber:

    Laq

    a + L

    bq

    b + ... + L

    kq

    k = 1

    Temos, assim, k + 1 equaes que determinam os k multipli-cadores e R.

    34. Resolvendo este sistema de equaes, obtemos um conjuntode nmeros para os multiplicadores (podemos denominar tais n-meros q

    a, q

    b, ..., q

    k). Aplicamos estes nmeros s equaes do

    sistema de produo (seo 11) e o transformamos assim num sis-tema-padro tal como o seguinte:

    qa[(A

    ap

    a + B

    ap

    b + ... + K

    ap

    k) (1 + r) + L

    aw] = q

    aAp

    a

    qb[(A

    bp

    a + B

    bp

    b + ... + K

    bp

    k) (1 + r) + L

    bw] = q

    bBp

    b

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .q

    k[(A

    kp

    a + B

    kp

    b + ... + K

    kp

    k) (1 + r) + L

    kw] = q

    kKp

    k

    SRAFFA

    45

  • Daqui derivamos a renda nacional padro, que de agora emdiante adotaremos como unidade de salrios e preos no sistemaoriginal de produo. A equao-unidade da seo 12 , portanto,substituda pela seguinte equao, onde os q representam nmerosconhecidos, enquanto que os p so variveis:

    [qaA (q

    aA

    a + q

    bA

    b + ... + q

    kA

    k)]p

    a+ [q

    bB (q

    aB

    a+ q

    bB

    b + ...

    + qkB

    k)]p

    b + ... + [q

    kK (q

    aK

    a + q

    bK

    b + ... + q

    kK

    k)]p

    k = 1.

    Esta mercadoria composta o padro de salrios e preosque estivemos buscando (seo 23).

    35. evidentemente impossvel que aqueles produtos no-b-sicos que esto completamente excludos do papel de meios de pro-duo satisfaam estas condies e encontrem um lugar no siste-ma-padro. O multiplicador apropriado para suas equaes s podeser, portanto, zero.

    O mesmo verdade, embora um tanto menos obviamente,para aqueles outros produtos no-bsicos que, embora no entremcomo meios de produo das mercadorias em geral, so utilizados,entretanto, na produo de um ou mais produtos no-bsicos, entreos quais podem ser includos eles mesmos (por exemplo, matrias-primas especiais para bens de luxo e animais ou plantas de luxo).

    Na medida em que mercadoria deste tipo entra apenas na pro-duo de um produto no-bsico do tipo previamente considerado, se-guiria claramente a sorte deste ltimo e teria um multiplicador zero.

    E na medida em que entra em sua prpria produo, a razoentre sua quantidade como produto e sua quantidade como meio deproduo seria determinada exclusivamente por sua prpria equaode produo e, portanto, estaria em geral no relacionada com R eseria, por conseguinte, incompatvel com o sistema-padro. O multi-plicador apropriado para a mesma seria, portanto, tambm zero.6

    Podemos simplificar conseqentemente a discusso supondo quetodas as equaes no-bsicas sejam eliminadas desde o princpio, demodo que apenas entram em nossa considerao as indstrias bsicas.

    Deve-se notar que a ausncia das indstrias no-bsicas dosistema-padro no impede que este seja equivalente em seus efei-tos ao sistema original, visto que (seo 6), sua presena ou ausnciano supe diferena alguma para a determinao dos preos e dataxa de lucro.

    OS ECONOMISTAS

    46

    6 Falando num sentido estrito, o multiplicador seria zero para todo valor possvel de R, excetopara aquela que foi igual razo entre a quantidade desse produto no-bsico no produtolquido e sua quantidade nos meios de produo. Este um dos casos raros do tipo a quese refere o Apndice B: a esse valor particular de R, todos os preos seriam zero em termosdo produto no-bsico em questo.

  • CAPTULO V

    Carter nico do sistema-padro

    36. Nas cinco sees seguintes tratar-se- de provar que sem-pre h um modo, e no mais do que um modo, de transformar umdado sistema econmico em um sistema-padro: em outras palavras,que h sempre um conjunto de multiplicadores, e apenas um, que,se aplicado s vrias equaes ou indstrias que compem o sistema,ter o efeito de reorden-las em tais propores que a composio-mercadoria dos meios de produo totais e a do produto total sejamidnticas.

    37. Pode ser demonstrado, mediante um experimento imagi-nrio, que qualquer sistema econmico efetivo do tipo que temosconsiderado pode ser sempre transformado num sistema-padro.

    (O experimento implica em dois tipos de passos alternativos.Um tipo consiste em variar as propores das indstrias; o outroconsiste em reduzir na mesma proporo as quantidades produzidaspor todas as indstrias, deixando sem variaes as quantidadesutilizadas como meios de produo.)

    Comecemos ajustando as propores das indstrias do sis-tema, de tal modo que se produza de cada mercadoria bsicauma quantidade maior do que a estritamente necessria parasua reposio.

    Imaginemos, depois, que o produto de todas as indstrias sereduz gradualmente mediante sucessivos e pequenos cortes pro-porcionais, sem interferir nas quantidades de trabalho e meios deproduo que empregam.

    To logo os cortes reduzam a produo de qualquer mercadoriaao nvel mnimo requerido para a reposio, reajustamos as pro-pores das indstrias de modo que se registre de novo um exce-dente de cada produto (enquanto se mantm constante a quantidade

    47

  • de trabalho empregado no total). Isto pode ser feito sempre quehouver um excedente de algumas mercadorias e nenhum dficit.

    Continuemos com tal alternao de redues proporcionaiscom o restabelecimento de um excedente para cada produto, atque alcancemos o ponto em que os produtos tenham sido reduzidosem tal medida, que exatamente possvel a reposio geral semdeixar nada como produto excedente.

    Visto que os produtos de todas as indstrias foram reduzidosna mesma proporo para alcanar esta posio, podemos agorarestabelecer as condies originais de cada produo aumentandoa quantidade produzida em cada indstria a uma taxa uniforme;por outro lado, no perturbamos as propores s quais as inds-trias foram trazidas. A taxa uniforme que restabelece as condiesoriginais de produo R e as propores alcanadas pelas inds-trias so as propores do sistema-padro.

    38. Consideremos agora a questo de saber se o sistema-pa-dro em que pode ser transformado um dado sistema de indstrias nico ou se pode haver modos alternativos de reordenao quesatisfaam as condies.

    As equaes do sistema q (seo 33) so redutveis a umaequao de grau k em R e, portanto, pode haver at k valores deR (cada um com seu correspondente conjunto de valores de q) queas satisfaam. Para demonstrar que apenas um destes conjuntosrepresenta um modo possvel de reordenao das indstrias numsistema-padro, suficiente provar que no pode haver mais doque um valor de R ao qual corresponde um conjunto de valores deq, todos positivos.

    39. Como passo preliminar para se fazer isto, devemos de-monstrar que, assim como h sempre um possvel conjunto de mul-tiplicadores (seo 37), existe tambm para todos os valores dosalrio, inclusive zero, um conjunto de preos que satisfazem acondio de reposio dos meios de produo com lucros uniformes:isto , sempre existe um conjunto de valores positivos de p.

    Comecemos pelo nvel de w = 1, onde, sendo os preos pro-porcionais ao custo de trabalho (seo 14), os valores de p devemser necessariamente todos positivos. Se o valor de w se move con-tinuamente de 1 para 0, os valores de p tambm se moverocontinuamente, de modo que, para qualquer p se tornar negativo,deve passar por zero. Entretanto, enquanto os salrios e lucrosforem positivos, nenhum preo de qualquer mercadoria pode setornar zero at que o preo, de pelo menos uma das outras mer-cadorias que entram em seus meios de produo, tenha se tornado

    OS ECONOMISTAS

    48

  • negativo. Assim, visto que nenhum p pode tornar-se negativo antesde qualquer outro, nenhum pode tornar-se negativo.7

    40. Como segundo e ltimo preliminar, conveniente escreveragora, para propsitos de comparao, as equaes de produo talcomo aparecem quando os salrios se tornam iguais a zero. Ostermos relativos ao trabalho, tendo sido multiplicados por zero,podem ser omitidos, e em vez de r podemos escrever R, que repre-senta a taxa mxima de lucro. Podemos tomar o preo de qualqueruma das mercadorias como unidade.

    O sistema de produo torna-se ento

    (Aap

    a + B

    ap

    b + ... + K

    ap

    k) (1 + R) = Ap

    a

    (Abp

    a + B

    bp

    b + ... + K

    bp

    k) (1 + R) = Bp

    b

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .(A

    kp

    a + B

    kp

    b + ... + K

    kp

    k) (1 + R) = Kp

    k.

    41. Finalmente, podemos proceder demonstrao de que nopode haver mais do que um conjunto de multiplicadores positivos.Seja R um valor possvel de R ao qual correspondem os preospositivos p

    a, p

    b, ..., p

    k e os multiplicadores positivos q

    a, q

    b, ...,

    qk,. Seja R" outro valor possvel de R ao qual correspondem os

    preos pa, p

    b, ..., p

    k e os multiplicadores q

    a, q

    b, q

    k. Devemos

    provar que impossvel que todos os q sejam positivos.Pondo nas equaes de produo (tal como reescritas para w

    = 0 na seo anterior) R em lugar de R e pa, p

    b, ..., p

    k em lugar

    de pa, p

    b, ..., p

    k e multiplicando-as respectivamente por q

    a, q

    b, ...,

    qk, obtemos o sistema

    qa(A

    ap

    a + B

    ap

    b + ... + K

    ap

    k) (1 + R) = q

    aAp

    a

    qb(A

    bp

    a + B

    bp

    b + ... + K

    bp

    k) (1 + R) = q

    bBp

    b

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .q

    k(A

    kp

    a + B

    kp

    b + ... + K

    kp

    k) (1 + R) = q

    kKp

    k

    e, somando, obtemos

    [qa(A

    ap

    a + B

    ap

    b + ... + K

    ap

    k) + q

    b(A

    bp

    a + B

    pp

    b + ... + K

    bp

    k) + ...

    + qk(A

    kp

    a + B

    kp

    b+ ... + K

    kp

    k)] (1 + R) = q

    aAp

    a + q

    bB

    pb + ... +

    qkKp

    k (1)

    Agora, pondo nas equaes q (como dadas na seo 33) R"

    SRAFFA

    49

    7 Para que a prova seja completa necessrio mostrar ainda que os p que representampreos de produtos bsicos no podem tornar-se negativos, tornando-se infinitos ao contrriodos p de produtos no-bsicos, que podem. Isto demonstrado na nota sobre produtosno-bsicos que se auto-reproduzem (Apndice B).

  • em lugar de e qa, q

    b, ..., q

    k em lugar de q

    a, q

    b, ... q

    k, e multipli-

    cando-as respectivamente por pa, p

    b, ..., p

    k obtemos

    pa(A

    aq

    a + A

    bp

    b + ... + A

    kq

    k) (1 + R) = p

    aAq

    a

    pb(B

    aq

    a + B

    bq

    b + ... + B

    kq

    k) (1 + R") = p

    bBq

    b

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .p

    k(K

    aq

    a + K

    aq

    b + ... + K

    kq

    k) (1 + R") = p

    kKq

    k

    e, somando, obtemos

    [pa(A

    aq

    a + A

    bq

    b + ... + A

    kq

    k) + p

    b(B

    aq

    a + B

    bq

    b + ... + B

    kq

    k) +

    ... + pk(K

    aq

    a + K

    bq

    b + ... + K

    kq

    k)] (1 + R) = p

    aAq

    a + p

    bBq

    b +

    ... + pkKq

    k (2)

    Os termos da equao-soma (1) so idnticos aos da equao-soma (2) (embora estejam agrupados de modo diferente), com aexceo de que R e R" so nmeros distintos. Por conseguinte,para que as equaes sejam verdadeiras, ambos os lados de ambasas equaes devem ser iguais a zero: o que denota, visto que todosos p so positivos, que alguns dos q" devem ser negativos.

    Isto prova que, se existe um conjunto de valores positivospara os p, no pode existir mais do que um conjunto de valorespositivos para os q.8

    Havamos visto anteriormente (na seo 37), que h sempreum conjunto de positivos e (na seo 39) que h sempre um conjuntode q positivos. Podemos concluir, portanto, que sempre h um valorde R, e apenas um, ao qual corresponde um conjunto de multipli-cadores positivos (os q) que transformaro um dado sistema eco-nmico num sistema-padro.

    42. Como conseqncia imediata do acima exposto, pode-sedemonstrar que o valor de R ao qual correspondem todos os preospositivos (e ao qual continuaremos denominando R) o mais baixode todos os k possveis valores de R.

    Com efeito, suponhamos que isto no fosse verdade; existiria,ento, um valor de R menor que R, ao qual denominaremos R".Faamos, por exemplo, R = 15% e R" = 10%.

    Para verificar se isto possvel, voltemos ao sistema com w er (seo 11). Designamos como salrio uma quantidade da mercado-ria-padro, que, como sabemos, corresponde a R. Substitumos assim

    OS ECONOMISTAS

    50

    8 Mediante argumentao similar simplesmente introduzindo os p" e os q" em lugar dos pe q", demonstra-se que, se h um conjunto de valores positivos para os q, no pode sermaior do que um conjunto para os p.

  • os termos do trabalho (Law, L

    bw etc.) por quantidades proporcionais

    da mercadoria-padro, de modo que seu total uma frao

    1 RR

    (no exemplo que escolhemos, 1/3) da renda nacional padro. Ao mesmotempo, tomamos como padro de preos uma mercadoria bsica a,escolhida arbitrariamente, e igualamos seu valor unidade.

    Consideremos agora dois conjuntos de solues do sistemaresultante. Um corresponde a R, dando

    r = R(1 13

    ) = 10%

    e todos os preos positivos (visto que, sendo positivos para r = Ro sero para todos os valores de r at zero; ver seo 39).

    O segundo conjunto de solues corresponde a R". Sabemos,pela ltima seo, que aos preos correspondentes a R", o valor damercadoria padro, que se forma nas propores que correspondema R, zero, de modo que o salrio desaparece e

    r = R" = 10%.

    Isto implica, como de fato j dissemos na seo anterior, queentre os preos que correspondem a R", alguns devem ser negativose outros positivos.

    Os dois conjuntos de solues do assim o mesmo valor (10%)para r; mas do dois conjuntos diferentes de preos.

    Isto , entretanto, impossvel, visto que para qualquer valorde r apenas pode corresponder um conjunto de preos; de fato,quando r substitudo por um nmero conhecido, tal como 10%,as equaes formam um sistema linear e h um conjunto nico desolues para as incgnitas restantes.9

    Assim R, o valor de R ao qual correspondem todos os preos,no pode ser maior e, portanto, deve ser menor do que qualqueroutro valor R", ao qual correspondem alguns preos positivos ealguns preos negativos.10

    SRAFFA

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    9 Nestas condies, uma das equaes est implcita nas outras (ver seo 3, ltimo pargrafo),e o nmero de equaes independentes (k - 1) igual ao nmero das incgnitas restantes.

    10 Pode ser notado que a relao linear representada por r = R (1 - w) continuaria se mantendo,se o salrio fosse medido em qualquer das outras mercadorias-padro que correspondamaos valores possveis de R maiores do que R (se possvel conceber mercadorias-padroque incluam componentes negativos; e este um ponto sobre o qual falaremos no captuloVIII). Os preos das vrias mercadorias-padro mover-se-iam entre si com a variao der, de tal modo que o salrio, a qualquer valor dado de r, representaria diferentes propores

  • 43. O sistema-padro uma construo puramente auxiliar.Deveria ser, portanto, possvel apresentar os elementos essenciaisdo mecanismo que estamos considerando sem recorrer a ele.

    Sabemos que, se igualamos o produto lquido Padro uni-dade, de modo que o salrio seja medido em termos dele, se esta-belece uma relao de proporcionalidade entre uma reduo dosalrio e a correspondente adio taxa de lucro, de acordo coma expresso

    r = R(1 w),

    onde R a razo entre o produto lquido padro e seus meios deproduo que resulta das equaes q.

    Esta proposio reversvel, e se tornamos uma condio dosistema econmico que w e r devam obedecer norma de propor-cionalidade em questo, o salrio e os preos das mercadorias so,ento, expressos ipso facto em produto lquido padro sem neces-sidade de definir sua composio, visto que no se pode cumprira norma de proporcionalidade com nenhuma outra unidade.

    Para fazer isto, basta substituir a equao (pg. 24) que igualao produto lquido padro unidade pela relao anterior, que ligaw e r com R. E para encontrar R, isto , o valor de R ao qualcorrespondem multiplicadores positivos e preos positivos, no te-mos necessidade de recorrer s equaes q; podemos encontr-locomo a taxa mxima de lucro a partir da equao de produotornando w = 0.

    A condio anterior suficiente para assegurar que o salrioe os preos das mercadorias expressam-se em termos do produtolquido padro. E curioso que fiquemos, assim, capacitados parausar um padro sem saber do que se compe.

    Dispomos, entretanto, de uma medida mais tangvel para ospreos das mercadorias que tornam possvel deslocar o produtolquido padro mesmo desta funo atenuada. Esta medida, comoveremos agora, a quantidade de trabalho que pode ser compradapelo produto lquido padro. De fato, to logo tenhamos fixado ataxa de lucro, e sem necessidade de conhecer os preos das mer-cadorias, uma paridade se estabelece entre o produto lquido dopadro e uma quantidade de trabalho que depende apenas da taxa

    OS ECONOMISTAS

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    das respectivas rendas nacionais padro, embora estas diferentes fraes das diferentesrendas-padro teriam todas o mesmo valor.Quando r fosse igualado a R, o salrio em termos de qualquer das outras mercadorias-padroconsistiria em uma quantidade no nula de tal mercadoria-padro, mas o valor desta ltimaseria zero, se expresso em termos da mercadoria-padro formada por meio dos multiplica-dores, todos eles positivos, e que corresponde a R.

  • de lucro; e os preos resultantes das mercadorias podem ser con-siderados indiferentemente como expressos no produto lquido pa-dro ou na quantidade de trabalho que, ao dado nvel da taxa delucro, sabemos que equivalente a ele. Esta quantidade de trabalhovariar inversamente com o salrio padro (w) e diretamente coma taxa de lucro. Se se toma como unidade o trabalho anual dosistema, esta quantidade equivalente de trabalho, derivada da re-lao anterior,

    1w

    = RR r

    Assim, todas as propriedades de um padro de valor inva-rivel, como descrito na seo 23, encontram-se numa quantidadevarivel de trabalho que, entretanto, varia segundo uma normasimples que independente dos preos: esta unidade de medidaaumenta em magnitude com a queda do salrio, isto , com a ele-vao da taxa de lucro, de modo que, sendo igual ao trabalho anualdo sistema quando a taxa de lucro zero, aumenta sem limite medida que a taxa de lucro se aproxima de seu valor mximo R.

    A ltima utilizao restante do produto lquido padro comomeio em termos do qual se expressa o salrio; e neste caso noparece que exista algum modo de substitu-lo. Se desejarmos eli-min-lo completamente, deveremos deixar de considerar w comouma expresso do salrio e trat-lo, em vez disso, como um nmeropuro que ajude a definir a quantidade de trabalho que, taxa delucro dada, constitua a unidade de preos: ento, sendo expressosos preos das mercadorias em termos da quantidade de trabalho,poderemos encontrar seu salrio em termos de qualquer mercado-ria, tomando o recproco do preo dessa mercadoria.

    44. Os ltimos passos do argumento anterior conduziram-nosa inverter a prtica, seguida desde o princpio, de tratar o salrio,mais do que a taxa de lucro, como a varivel independente ouquantidade dada.

    A escolha do salrio como a varivel independente nas fasespreliminares foi devida ao que considervamos como consistenteem mercadorias de primeira necessidade especficas, determinadaspor condies fisiolgicas ou sociais que so independentes dos pre-os ou da taxa de lucro. Mas to logo se admita a possibilidade devariao na diviso do produto, esta considerao perde grandeparte de sua fora. E quando o salrio considerado como dadoem termos de um padro mais ou menos abstrato, e no adquireum significado definido at que os preos das mercadorias so de-terminados, a posio se inverte. A taxa de lucro, como uma razo,

    SRAFFA

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  • tem significado que independente de qualquer preo e pode ser,portanto, dada antes que os preos sejam fixados. , assim, sus-cetvel de ser determinada de fora do sistema de produo, emparticular pelo nvel das taxas monetrias de juros.

    Nas sees seguintes a taxa de lucro ser, portanto, tratadacomo varivel independente.

    OS ECONOMISTAS

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  • CAPTULO VI

    Reduo a quantidades de trabalho datadas

    45. Neste captulo consideramos os preos a partir de seuaspecto de custo de produo e examinamos a forma na qual sedecompem em salrios e lucros. Se no fosse pela necessidadede seguir uma linha de argumentao por vez, o tema teria sidointroduzido anteriormente na discusso. E, embora no tenha sidoadequadamente introduzido, foi antecipado nas aluses quanti-dade de trabalho que direta e indiretamente entra em um produto.

    46. Denominaremos Reduo a quantidades de trabalho da-tadas (ou, para abreviar, Reduo) a uma operao mediante aqual, na equao de uma mercadoria, os diferentes meios de pro-duo utilizados so substitudos por uma srie de quantidades detrabalho, cada uma das quais com sua data adequada.

    Tomemos a equao que representa a produo da mercadoriaa (e onde os salrios e os preos se expressam em termos damercadoria-padro):

    (Aa

    pa

    + Ba

    pb

    + ... + Ka

    pk) (1 + r) + L

    aw = Ap

    a.

    Comearemos substituindo as mercadorias que formam osmeios de produo de A por seus prprios meios de produo equantidades de trabalho; isto , substitu-las-emos pelas mercado-rias e o trabalho que, como se deduz de suas respectivas equaes,devem ser empregadas para produzir aqueles meios de produo;e visto que foram gastos um ano antes (seo 9), sero multiplicadospor um fator de lucro, a uma taxa composta para o perodo ade-quado, a saber: os meios de produo por (1 + r)2 e o trabalho por(1 + r). (Pode ser notado que A

    a, a quantidade da prpria mercadoria

    a que utilizada na produo de A, tratada como qualquer outro

    55

  • meio de produo, isto , substituda pelos seus prprios meios deproduo e trabalho.)

    Tratamos depois de substituir estes ltimos meios de produopor seus prprios meios de produo e trabalho, e a estes seraplicado um fator de lucro por mais um ano, isto , aos meios deproduo (1 + r)3, e ao trabalho (1 + r)2.

    Podemos continuar esta operao at onde desejarmos, e, sejunto ao trabalho direto, L

    a, colocamos as sucessivas quantidades

    totais de trabalho que recolhemos em cada passo, e que denomi-naremos, respectivamente, L

    a1, L

    a2, ..., L

    an

    , ..., obte