perspectivas da política social no brasil

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  • 7/14/2019 Perspectivas da poltica social no Brasil

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    Livro 8

    Perspectivas da

    Poltica Social no Brasil

    Projeto Perspectivas doDesenvolvimento Brasileiro

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    Perspectivas da poltica social no Brasil

    Livro 8

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    Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da

    Presidncia da RepblicaMinistro Samuel Pinheiro Guimares Neto

    PresidenteMarcio Pochmann

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalFernando Ferreira

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicase Polticas InternacionaisMrio Lisboa Theodoro

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado,das Instituies e da DemocraciaJos Celso Pereira Cardoso Jnior

    Diretor de Estudos e Polticas MacroeconmicasJoo Sics

    Diretora de Estudos e Polticas Regionais, Urbanas

    e AmbientaisLiana Maria da Frota Carleial

    Diretor de Estudos e Polticas Setoriais, de Inovao,Regulao e InfraestruturaMrcio Wohlers de Almeida

    Diretor de Estudos e Polticas SociaisJorge Abraho de Castro

    Chefe de GabinetePersio Marco Antonio Davison

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoDaniel Castro

    URL: http://www.ipea.gov.brOuvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

    Fundao pbl ica vinculada Secretaria de

    Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica,

    o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s

    aes governamentais possibilitando a formulao

    de inmeras polticas pblicas e programas de

    desenvolvimento brasi leiro e disponibil iza,

    para a sociedade, pesquisas e estudos realizados

    por seus tcnicos.

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    Perspectivas da poltica social no Brasil

    Livro 8

    Braslia, 2010

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    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2010

    Projeto

    Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro

    SrieEixos Estratgicos do Desenvolvimento Brasileiro

    Livro 8Perspectivas da Poltica Social no Brasil

    Organizadores/EditoresJorge Abraho de CastroHelder Rogrio SantAna FerreiraAndr Gambier Campos

    Jos Aparecido Carlos Ribeiro

    Equipe TcnicaAlexandre Arbex ValadaresAlinne BonettiAna Cleusa Serra MesquitaAna Luiza Machado de CodesAndrea Barreto de PaivaAngela Maria Rabelo Ferreira BarretoAntnio Teixeira Lima Junior

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte.Reprodues para fins comerciais so proibidas.

    Perspectivas da poltica social no Brasil / Instituto de PesquisaEconmica Aplicada. Braslia : Ipea, 2010.452 p. : grfs., mapas, tabs. (Srie Eixos Estratgicos do De-

    senvolvimento Brasileiro ; Proteo Social, Garantia de Direitos eGerao de Oportunidades ; Livro 8)

    Inclui bibliografia.Projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro.ISBN 978-85-7811-063-5

    1. Poltica Social. 2. Brasil. I. Instituto de Pesquisa EconmicaAplicada. II. Srie.

    CDD 361.250981

    Brancolina FerreiraEdvaldo Batista de SElizabeth BarrosFbio AlvesFbio Monteiro VazFrederico Augusto Barbosa da SilvaHerton Ellery ArajoJoana MostafaJos Aparecido Carlos RibeiroLeila Posenato GarciaLuciana de Barros JaccoudLuciana Mendes Santos Servo

    Marcelo GalizaMaria Paula Gomes dos SantosNatlia de Oliveira FontouraPaulo Augusto Meyer M. NascimentoPaulo Roberto CorbucciPedro Herculano Ferreira de SouzaRafael Guerreiro OsorioRoberto GonzalezSergei Dillon SoaresSrgio Francisco Piola

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    SUMRIO

    APRESENTAO ................................................................................7AGRADECIMENTOS ..........................................................................11

    INTRODUOPERSPECTIVAS ABERTAS POLTICA SOCIAL NO BRASIL ............................13

    PARTE I

    CAPTULO 1DESENVOLVIMENTO, MODERNIZAO E CONDIES DE VIDA...................25

    CAPTULO 2BALANO DA POLTICA SOCIAL NO NOVO MILNIO ..................................57

    CAPTULO 3EFEITOS ECONMICOS DO GASTO SOCIAL NO BRASIL .............................109

    PARTE II

    CAPTULO 4PERSPECTIVAS PARA PROMOO DA EDUCAO COMODIREITO DE TODOS ...................................................................................163

    CAPTULO 5CENRIOS PARA A CULTURA EM 2022.....................................................191

    CAPTULO 6

    REFORMA AGRRIA E CONCENTRAO FUNDIRIA ...............................213

    CAPTULO 7TRABALHO E RISCOS SOCIAIS NO BRASIL ................................................279

    CAPTULO 8PERSPECTIVAS PARA A TAXA DE MORTALIDADE INFANTIL EM 2022 ........313

    CAPTULO 9

    PERSPECTIVAS PARA O SISTEMA DE GARANTIA DE RENDA NO BRASIL ....345

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    CAPTULO 10DESIGUAIS RESPONSABILIDADES FAMILIARES DE HOMENS E MULHERES ...419

    NOTAS BIOGRFICAS .....................................................................445

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    APRESENTAO

    com imensa satisfao e com sentimento de misso cumprida que o Ipeaentrega ao governo e sociedade brasileira este conjunto amplo, mas obvia-mente no exaustivo de estudos sobre o que tem sido chamado, na ins-tituio, de Eixos Estratgicos do Desenvolvimento Brasileiro. Nascido de umgrande projeto denominado Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro, esteobjetivava aglutinar e organizar um conjunto amplo de aes e iniciativas emquatro grandes dimenses: i) estudos e pesquisas aplicadas; ii) assessoramento

    governamental, acompanhamento e avaliao de polticas pblicas; iii) treina-mento e capacitao; e ivagora plenamente com a publicao desta srie de dez livros apresentados em15 volumes independentes , listados a seguir:

    Conselho de Orientao do Ipea publicado em 2009

    Livro 2 Trajetrias Recentes de Desenvolvimento: estudos de experi-ncias internacionais selecionadas publicado em 2009

    Livro 3 Insero Internacional Brasileira Soberana

    - Volume 1 Insero Internacional Brasileira: temas de pol-tica externa

    - Volume 2 Insero Internacional Brasileira: temas de eco-nomia internacional

    Livro 4 Macroeconomia para o Desenvolvimento

    - Volume nico Macroeconomia para o Desenvolvimento: cresci-mento, estabilidade e emprego

    Livro 5 Estrutura Produtiva e Tecnolgica Avanada e Regional-mente Integrada

    - Volume 1 Estrutura Produtiva Avanada e Regionalmente Inte-

    - Volume 2 Estrutura Produtiva Avanada e Regionalmente Inte-grada: diagnstico e polticas de reduo das desigualdades regionais

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    Perspectivas da Poltica Social no Brasil8

    Livro 6 Infraestrutura Econmica, Social e Urbana

    - Volume 1 Infraestrutura Econmica no Brasil: diagnsticos e

    perspectivas para 2025- Volume 2 Infraestrutura Social e Urbana no Brasil: subsdios

    para uma agenda de pesquisa e formulao de polticas pblicas

    Livro 7 Sustentabilidade Ambiental

    - Volume nico Sustentabilidade Ambiental no Brasil: biodiversi-dade, economia e bem-estar humano

    Livro 8 Proteo Social, Garantia de Direitos e Gerao de Oportunidades

    - Volume nico Perspectivas da Poltica Social no Brasil Livro 9 Fortalecimento do Estado, das Instituies e da Democracia

    - Volume 1 Estado, Instituies e Democracia: repblica

    - Volume 2 Estado, Instituies e Democracia: democracia

    - Volume 3 Estado, Instituies e Democracia: desenvolvimento

    Livro 10 Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro

    Organizar e realizar tamanho esforo de reexo e de produo editorial apenasfoi possvel, em to curto espao de tempo aproximadamente dois anos de intensotrabalho contnuo , por meio da competncia e da dedicao institucional dosservidores do Ipea (seus pesquisadores e todo seu corpo funcional administrativo),em uma empreitada que envolveu todas as reas da Casa, sem exceo, em diversosestgios de todo o processo que sempre vem na base de um trabalho deste porte.

    , portanto, a estes dedicados servidores que a Diretoria Colegiada do Ipeaprimeiramente se dirige em reconhecimento e gratido pela demonstrao de

    esprito pblico e interesse incomum na tarefa sabidamente complexa que lhesfoi conada, por meio da qual o Ipea vem cumprindo sua misso institucionalde produzir, articular e disseminar conhecimento para o aperfeioamento daspolticas pblicas nacionais e para o planejamento do desenvolvimento brasileiro.

    Em segundo lugar, a instituio torna pblico, tambm, seu agradecimentoa todos os professores, consultores, bolsistas e estagirios contratados para oprojeto, bem como a todos os demais colaboradores externos voluntrios e/ouservidores de outros rgos e outras instncias de governo, convidados a compor

    cada um dos documentos, os quais, por meio do arsenal de viagens, reunies,seminrios, debates, textos de apoio e idas e vindas da reviso editorial, enmpuderam chegar a bom termo com todos os documentos agora publicados.

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    Apresentao 9

    Estiveram envolvidas na produo direta de captulos para os livros quetratam explicitamente dos sete eixos do desenvolvimento mais de duas centenasde pessoas. Para este esforo, contriburam ao menos 230 pessoas, mais de uma

    centena de pesquisadores do prprio Ipea e outras tantas pertencentes a maisde 50 instituies diferentes, entre universidades, centros de pesquisa, rgos degoverno, agncias internacionais etc.

    A Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (Cepal) slidaparceira do Ipea em inmeros projetos foi aliada da primeira ltima hora nestatarefa, e ao convnio que com esta mantemos devemos especial gratido, certosde que os temas do planejamento e das polticas para o desenvolvimento temasestes to caros a nossas tradies institucionais esto de volta ao centro do

    debate nacional e dos circuitos de deciso poltica governamental.Temos muito ainda que avanar rumo ao desenvolvimento que se quer para

    o Brasil neste sculo XXI, mas estamos convictos e conantes de que o materialque j temos em mos e as ideias que j temos em mente se constituem em pontode partida fundamental para a construo deste futuro.

    Boa leitura e reexo a todos!

    Marcio PochmannPresidente do Ipea

    Diretoria Colegiada

    Fernando Ferreira

    Joo Sics

    Jorge Abraho

    Jos Celso Cardoso Jr.

    Liana Carleial

    Mrcio Wohlers

    Mrio eodoro

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    AGRADECIMENTOS

    O nascimento deste livro Perspectivas da Poltica Social no Brasil s foi possvela partir da colaborao de diversos colegas, que se empenharam no processo dediscusso e elaborao dos textos, bem como na criao de condies para queesse processo se tornasse vivel.

    De incio, agradecimentos ao ministro da Secretaria de Assuntos Estratgi-cos Samuel Pinheiro Guimares , ao presidente do Ipea Marcio Pochmann e aos diretores Fernando Ferreira, Joo Sics Siqueira, Jorge Abraho de Castro,

    Jos Celso Cardoso, Liana Maria Carleial, Mrcio Wohlers de Almeida e MrioLisboa eodoro. Em um importante e indito esforo de renovao institucio-nal, todos apostaram em um novo eixo de atuao para o Ipea: em vez de apenasse debruar sobre o passado, tentar se projetar tambm para o futuro. Juntamenteaos demais integrantes da srie Eixos Estratgicos do Desenvolvimento Brasileiro,este livro demonstra o sucesso dessa aposta.

    Os autores e colaboradores dos textos a seguir tambm merecem todos osagradecimentos. Entre os autores, mencionam-se Rafael Guerreiro Osorio, Sergei

    Dillon Soares e Pedro Herculano Ferreira de Souza, responsveis pelo primeirocaptulo da parte I; Jos Aparecido Carlos Ribeiro, Alexandre Arbex Valadares eMaria Paula Gomes dos Santos, responsveis pelo segundo captulo da parte I;Joana Mostafa, Pedro Herculano Ferreira de Souza e Fbio Monteiro Vaz, res-ponsveis pelo terceiro captulo da parte I; Ana Luiza Machado de Codes, AngelaMaria Rabelo Ferreira Barreto, Paulo Augusto Meyer M. Nascimento e PauloRoberto Corbucci, responsveis pelo primeiro captulo da parte II; FredericoAugusto Barbosa da Silva, Ana Luiza Machado de Codes e Herton Ellery Arajo,responsveis pelo segundo captulo da parte II; Brancolina Ferreira, AlexandreArbex Valadares, Antnio Teixeira Lima Junior e Fbio Alves, responsveis peloterceiro captulo da parte II; Roberto Gonzalez e Marcelo Galiza, responsveispelo quarto captulo da parte II; Srgio Francisco Piola, Edvaldo Batista de S,Luciana Mendes Santos Servo, Leila Posenato Garcia, Andrea Barreto de Paiva eElizabeth Barros, responsveis pelo quinto captulo da parte II; Luciana de BarrosJaccoud, Maria Paula Gomes dos Santos e Ana Cleusa Serra Mesquita, respon-sveis pelo sexto captulo da parte II; e Natlia de Oliveira Fontoura e AlinneBonetti, responsveis pelo stimo captulo da parte II.

    J entre os colaboradores, destacam-se Ana Amlia Camarano, Danielle Cro-nemberg, Fernando Gaiger Silveira, Jhonatan Ferreira, Luana Pinheiro, MatheusStivali, Snia Miguel, Soraya Fleischer, iago Costa Arajo e os demais colegas

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    Perspectivas da Poltica Social no Brasil12

    da Diretoria de Estudos e Polticas Sociais (Disoc) que compareceram s reuniese ocinas de discusso dos textos.

    Agradecimentos tambm a outros colegas da Disoc, que ajudaram a criarcondies para o bom andamento das atividades que resultaram neste livro, entreos quais se mencionam Alberto Pereira da Silva, Maria de Ftima Costa, Ana BeteMarques Ferreira, Alda Pimentel Chaves e Silvnia de Arajo Carvalho.

    Os colegas responsveis pelo processo editorial do Ipea no poderiam seresquecidos, pois seu trabalho foi decisivo para a confeco deste livro, sob vriospontos de vista. Agradecimentos a Daniel Castro, Cludio Passos de Oliveira,Iranilde Rego, Marco Aurlio Dias Pires, Jane Fagundes, Maria Aparecida Taboza,aos demais colegas da Assessoria de Comunicao (Ascom) e aos parceiros reviso-res e diagramadores que se envolveram em todo o processo.

    Por m, os colegas que respondem pela administrao do Ipea tambmmerecem ser lembrados, pois viabilizaram diversos processos administrativos enanceiros, sem os quais este livro certamente no seria possvel. Agradecimentosa todos da Diretoria de Desenvolvimento Institucional (Dides).

    Jorge Abraho de CastroHelder Ferreira

    Andr Gambier CamposJos Aparecido Carlos RibeiroOrganizadores

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    INTRODUO

    PERSPECTIVAS ABERTAS POLTICA SOCIAL NO BRASIL

    Antagnicas, antitticas, antinmicas: eis algumas das qualicaes utilizadaspela literatura para descrever as relaes entre a regulao social e a dinmicaeconmica, ao menos em sociedades que se organizam em torno de mercados.Em tais sociedades, denidas desde o incio da era moderna como capitalistas,

    os mercados so os mecanismos fundamentais de direcionamento dos esforoshumanos e dos recursos naturais disponveis. Mecanismos que atuam medidaque podem se valer do livre confronto entre demanda e oferta de capitais, deterras, de produtos, de servios, de trabalho e assim por diante. Desse confrontoresulta um intrincado conjunto de preos, que sinalizam aos atores qual deveser o sentido da dinmica econmica, no que tange a cada uma das mercadoriascitadas, no tempo presente ou mesmo futuro.

    O mercado de trabalho, especicamente, sempre foi o palco dos maiores

    antagonismos entre a atuao dos atores pblico-estatais e dos atores privados nassociedades capitalistas. As sucessivas tentativas de regulao do mercado laboralpelo Estado foram o resultado de antinomias vrias entre trabalhadores e empre-srios, como atesta a longa histria dos conitos operrios a partir da metadedo sculo XIX. Em boa medida, essas tentativas de regulao versaram sobre amaneira pela qual a capacidade de trabalho seria convertida em uma mercadoria,stricto sensu. Ou seja, versaram sobre a prpria constituio do mercado laboral,que a disponibilizao de pessoas livres para alienar sua potencialidade de traba-lho a outrem, em troca de pagamento de uma contraprestao.

    Seja como for, as iniciativas de regulao do mercado de trabalho peloEstado seguiram dois caminhos paralelos e complementares. Um deles foi a cons-tituio de direitos e garantias diretamente concernentes ao trabalho, em suasdiversas facetas como a contratao, a utilizao, a disposio, a remunerao,a tributao, a demisso, a organizao e a atuao coletiva de trabalhadores. Issoocorreu pelas mos estatais, com a edio de legislao heternoma, e tambmpor meio da negociao direta entre atores empresariais e trabalhistas, que resul-tou em normas autnomas. Outro caminho seguido na regulao laboral foi a

    instituio de direitos e garantias relacionados no propriamente ao trabalho,mas sim possibilidade de no trabalho. Tratou-se da constituio de um rol depolticas sociais, em reas distintas, como educao, sade, alimentao, trabalho,previdncia, assistncia, habitao, saneamento e transporte.

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    Perspectivas da Poltica Social no Brasil14

    Essas polticas sociais atuaram em dois sentidos paralelos e complementares.Um primeiro consistiu na disponibilizao de benefcios monetrios a trabalha-dores que se encontravam, temporria ou permanentemente, em situaes de

    impossibilidade de auferir renda por meio de seu trabalho. Exemplos dessas situ-aes, voluntrias ou involuntrias, esto no desemprego, na gravidez, na reclu-so, na doena, no acidente, na velhice ou na morte. J um segundo sentido deatuao das polticas sociais foi a disponibilizao, pelo Estado, de bens e serviosnecessrios reproduo dos trabalhadores, como os de educao, alimentao,sade, habitao, saneamento e transporte. Com a oferta pblica de tais bens eservios, os trabalhadores deixaram de ter parcela importante de sua reproduovinculada demanda privada nos mercados, o que signicou no s a desnecessi-

    dade de recorrer aos mercados para adquirir esses bens e servios, mas tambm sedirigir ao mercado laboral para auferir a renda exigida para sua aquisio.

    Abrindo um parntese, a regulao do mercado de trabalho exigiu um novotipo de Estado, que se delineou principalmente a partir da metade do sculo XX.O ator estatal do incio da era contempornea caracterizava-se por seus atributosnegativos, ou seja, por se dedicar defesa das liberdades individuais opostasao prprio Estado e consagradas no respeito ao direito de ir, vir e permanecer; liberdade de crena, pensamento e expresso; ao direito de propriedade etc. J noperodo mais recente, o ator estatal denotou-se por seus caracteres positivos, o quesignicou a preocupao com as liberdades e as igualdades coletivas manifestasna extensa normatizao das condies individuais de trabalho, no estmulo organizao e atuao coletiva dos trabalhadores, assim como na proteo/pro-moo destes por meio da instituio de polticas sociais.

    Fechando o parntese, a regulao laboral, por meio da juridicao dotrabalho e tambm do no trabalho , signicou uma desconstruo do movi-mento de mercantilizao antes referido. Ou seja, a criao de direitos e garantiasrelacionados ao trabalho e tambm ao no trabalho, concretizados nas polticas

    sociais descontinuou a dinmica de converso da capacidade laboral em merca-doria, sujeita acumulao capitalista. A literatura apontou algumas razes paraque isto ocorresse, destacando que a potencialidade de trabalho no pode serconsiderada uma mercadoria como outra qualquer, dado que:

    1. No caso de uma mercadoria comum, o suprimento dos vendedores quase sempre dimensionado previamente pela expectativa futura detransao no mercado; ao passo que, no caso da capacidade laboral, noh como seus vendedores dimensionarem e controlarem seu suprimen-

    to ex antepor critrio parecido.2. Os vendedores da capacidade de trabalho no tm como aguardar pela

    melhor condio de venda e majorar seu valor mercantil, dado que

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    Perspectivas Abertas Poltica Social no Brasil 15

    dependem continuamente de meios de sobrevivncia; j os vendedores deuma mercadoria comum muitas vezes conseguem aguardar pela melhoriada condio do mercado, extraindo ento valor mais elevado da venda.

    3. Os compradores da capacidade laboral quase sempre tm como melho-rar a ecincia de sua utilizao na produo de valor; j os vendedoresdessa mercadoria no conseguem aprimorar a ecincia de sua prpriareproduo, pois os meios de sobrevivncia so relativamente constan-tes e integrantes de um amplo padro, denido socioculturalmente emcerto perodo.

    4. Os vendedores da capacidade de trabalho esto sob a ameaa reiteradade envelhecimento material ou simblico, concreto ou abstrato ,hiptese s afastada a partir da intervenincia do Estado, com polticassociais de reeducao, por exemplo; j os vendedores de uma mercado-ria comum e, mais especicamente, os controladores do capital nose encontram sob grau semelhante de tal ameaa, at porque o capitalest envolvido em um padro circular de renovao constante.

    5. As decises dos compradores da capacidade laboral e, mais especi-camente, dos controladores do capital tm impactos coletivos e delarga extenso, pois elas quase sempre alcanam vrios membros desse

    mercado; ao passo que as decises dos vendedores de tal mercadoriacontam com impactos individuais e de raio reduzido, dado que quasesempre envolvem apenas o prprio vendedor exceto quando ele con-segue se articular com semelhantes.

    6. Os vendedores da capacidade de trabalho no conseguem se dissociarobjetivamente de sua mercadoria, o que implica o comprometimentode sua subjetividade, durante sua utilizao na produo de valor; aopasso que, obviamente, o mesmo no ocorre com os compradores dessa

    mercadoria os controladores do capital.Enm, a criao de direitos laborais anteriormente referida como a

    juridicao do trabalho , assim como de direitos sociais juridicao dono trabalho , foi uma resposta aos vrios problemas gerados pelo movimentode mercantilizao do trabalho nas sociedades capitalistas. Problemas de agudaassimetria poltica, social e econmica entre trabalhadores e empresrios, quehistoricamente se manifestaram quase sempre em desfavor dos primeiros.Mas preciso ressaltar que essa criao de direitos, prpria da esfera poltica,

    esteve em contradio permanente com a acumulao de capital, prpria daesfera econmica. Da a assertiva da literatura, de que as relaes travadasentre a regulao social e a dinmica econmica caracterizaram-se por seremantagnicas, antitticas e antinmicas.

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    Entre outros aspectos, este livro questiona at que ponto essa perspectivada literatura d conta da situao atual de pases como o Brasil. Ou seja, at queponto adequada e suciente tal perspectiva, dado que ela est preocupada essen-

    cialmente com as contradies entre a regulao social e a dinmica econmica.Esse questionamento surge a partir da constatao de que a poltica social, comseus diversos vetores e componentes denidos ao m da dcada de 1980, inuisobremaneira na denio dos parmetros vigentes da economia brasileira, de umponto de vista macro, meso ou mesmo micro.

    A m de comear a vericar esse questionamento, o caso de se fazer umasumria referncia evoluo do produto interno bruto (PIB) e, simultanea-mente, dinmica do gasto social que uma espcie de equivalente-geral da

    poltica social nos anos aps a Constituio Federal de 1988 (CF/88).Quanto ao primeiro elemento, depois de reduzidas taxas de crescimento

    entre 1995 e 2003, perodo de preocupaes com a estabilidade do padro mone-trio do pas, o PIB passou a apresentar uma nova dinmica a partir de 2004,quase dobrando seu incremento anual mdio, para 4% reais entre 2004 e 2009.

    Quanto ao segundo, o gasto social apresentou taxas de crescimento no per-odo ps-1995, particularmente expressivas aps 2002, alcanando 21% do PIBem 2006. A explicao desse movimento esteve na progressiva implementao

    das polticas sociais inscritas na CF/88, bem como na gradativa valorizao deparmetros fundamentais dessas polticas como o salrio mnimo.

    Desse rpido cruzamento entre o PIB e o gasto social, deriva um questio-namento sobre a inuncia do segundo sobre o primeiro. Para alm da presenadireta e imediata do gasto estatal na composio do PIB, por quais meios ogasto social poderia se fazer presente, inuenciando os demais integrantes dacomposio do PIB como o consumo dos indivduos/famlias e o investi-mento das empresas? Entre as muitas possibilidades de resposta, destacam-se

    quatro meios bsicos: A oferta de benefcios monetrios as transferncias sociais nas reas

    de previdncia, assistncia e trabalho oferecem, a amplos segmentosda populao, rendimentos diretos, permanentes, regulares e previ-sveis. E, ademais, rendimentos com relevncia crescente, dada suamajoritria vinculao ao salrio mnimo que, ao menos no pe-rodo mais recente de anlise, ganhou valor real em quase todos osanos desde 1995. Supe-se que a maior parte dessas transferncias

    transforma-se em consumo imediato dos indivduos e das famlias,bem como se supe que isto tende a estimular o investimento dasempresas, a ocupao/consumo dos trabalhadores assim como aarrecadao dos tributos em todo o Brasil.

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    Perspectivas Abertas Poltica Social no Brasil 17

    A oferta de bens e servios principalmente nas reas de educao, sade,alimentao, habitao, saneamento e transporte, os bens e os serviossociais consistem, na prtica, em rendimentos indiretos para extensos

    segmentos populacionais que os acessam. Ainda que com problemasvrios de iniquidade de oferta, de insucincia de qualidade, de re-gressividade de custeio etc. , tais servios geram um efeito-desloca-mento relevante, permitindo que a renda que seria neles gasta o seja,de fato, aplicada no consumo de outros bens e servios.

    A contratao de trabalhadores para a prestao de servios os servi-os sociais so intensivos em mo de obra, especialmente nas reas deeducao, sade e assistncia. E so intensivos em mo de obra rela-

    tivamente capacitada, com razovel grau de instruo professores,mdicos, enfermeiros, assistentes sociais etc. , alm de relativamentebem remunerada. Ademais, as oportunidades de trabalho que ofere-cem, com vnculo estatutrio ou contratual, tendem a ser permanentes,pois tais servios ainda podem se expandir dada a demanda socialainda existente no pas.

    A contratao de obras, bens e servios instrumentais em reas comoeducao, sade, alimentao, habitao e transporte, a oferta de bens

    e a prestao dos servios sociais demandam uma srie de meios e deinstrumentos obras, bens e outros servios , que so fornecidos qua-se sempre pelo segmento privado da economia, mediante regime de li-citaes e contrataes prprio do segmento pblico. Como claro, himpactos positivos disso sobre o investimento empresarial, a ocupao/consumo laboral e a arrecadao tributria.

    Alm de uma inuncia sobre o nvel do PIB stricto sensu, que se d pelosquatro meios descritos, o gasto social provavelmente tem inuncia tambm

    sobre a sua distribuio. As evidncias disso advm, por exemplo, do perl sociale territorialmente distributivo da maior parte das transferncias monetrias, quese concentram nos estratos de base da estrutura social e se distribuem por todo oterritrio nacional inclusive pequenas municipalidades das regies mais remo-tas do pas. Ou seja, provvel que essas transferncias incentivem um padromais inclusivo de crescimento do PIB, com menos pobreza e menos iniquidadede renda, com impactos ainda mais positivos em termos de investimento dasempresas, ocupao/consumo dos trabalhadores e arrecadao dos impostos,taxas e contribuies.

    De fato, informaes apresentadas mais frente neste livro evidenciam que,sob diferentes perspectivas, o gasto social tem uma inuncia aprecivel sobre oPIB do pas, em termos de seu montante e em termos de sua distribuio. Sem

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    Perspectivas da Poltica Social no Brasil18

    pretender esgotar um assunto que ser tratado com cuidado logo adiante, os dadosmostram que o incremento de 1% no gasto da rea de educao resulta em um PIB1,85% maior; enquanto que, no caso da sade, esse percentual de 1,7%.

    Esses multiplicadores do PIB no so positivos apenas quando o gasto socialrefere-se prestao de servios. Quando se trata de transferncias monetrias, ofenmeno semelhante. O aumento de 1% no gasto com programas da assistn-cia social resulta em um PIB 1,44% maior no caso do Programa Bolsa Famliae 1,38% maior no caso do Benefcio de Prestao Continuada. Introduzindo astransferncias do Regime Geral de Previdncia Social na anlise, constata-se queo PIB cresce 1,23% quando os benefcios de aposentadorias, penses e auxliosse elevam em 1%.

    Tais multiplicadores so importantes principalmente quando se leva emconta outros tipos de gastos do Estado brasileiro, que no os das reas sociais. Umexemplo est nos gastos com o pagamento de parcelas de juros da dvida pblicamobiliria, que, se mostram incremento de 1%, resultam em um PIB 0,29%menor. Ou seja, a inuncia dos gastos relacionados aos servios da dvida sobreo PIB do pas no s so menos positivos que os gastos sociais, mas so negativos.

    As informaes apresentadas mais frente deixam claro que o gasto socialtem uma inuncia considervel sobre o PIB brasileiro, seja quanto ao seu

    montante, seja quanto sua distribuio. E isso j antecipa uma das possveisconstataes deste livro: ao descrever as relaes entre a regulao social e adinmica econmica, j no basta prender-se s contradies historicamenteexistentes entre ambas.

    preciso considerar que a primeira integrante e constitutiva da segunda,o que signica dizer que, no Brasil de hoje, a poltica social alimenta e retroali-menta decisiva e positivamente a economia. Sem as transferncias previdenci-rias, assistenciais e trabalhistas, sem os servios de educao, sade, alimentao e

    transporte, sem os bens relacionados habitao e ao saneamento, a economia dopas daria vrios e vrios passos atrs.

    Em alguma medida, o Estado social desenhado na Constituio de 1988conseguiu moldar, sua imagem e semelhana, uma economia igualmentesocial. E no uma economia a ser desprezada, dados seus vnculos orgnicoscom a poltica to criticados pela perspectiva liberal, que considera a boaeconomia como aquela livre das determinaes polticas, capaz de se apoiarpuramente na atuao dos mercados. Pelo contrrio, uma economia que, nos

    ltimos anos, tem se mostrado capaz de crescer e distribuir bem-estar a extensasparcelas da populao brasileira, como demonstraro os dados apresentados nosprximos captulos.

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    Obviamente, o mero crescimento dessa economia no afasta a necessidadede um estudo crtico de seus problemas, que no so poucos. Mas as virtualidadesabertas por essa/a essa economia social no podem mais ser ignoradas no debate,

    sob pena de seu depauperamento. E o objetivo deste livro justamente colaborarcom esse debate, abrindo novas possibilidades de anlise de tal economia.

    Este livro est organizado em duas partes distintas, mas tambm comple-mentares. Com um foco geral, a primeira parte se detm em aspectos da relaoestabelecida, ao longo de nossa histria, entre a regulao social e a dinmicasocioeconmica, bem como explora os traos que podem ser assumidos por estarelao em um futuro prximo, tendo como referncia o ano de 2022 bicente-nrio da independncia poltica brasileira.

    O primeiro captulo desta parte dedica-se anlise das principais mudanasocorridas no pas ao longo de sua trajetria de modernizao e desenvolvimento.Verica-se como essas mudanas inuenciaram as experincias cotidianas e ascondies de vida da populao, por meio de uma srie de indicadores socioeco-nmicos das ltimas trs dcadas. Por meio desses indicadores, percebe-se que,mesmo com os diversos problemas trazidos pela modernizao e pelo desenvol-vimento, as condies de vida melhoraram muito, para contingentes cada vezmaiores da populao brasileira.

    O segundo captulo preocupa-se com a regulao social, que ajudou o pas aaprimorar seus indicadores socioeconmicos, especialmente aps o m da dcadade 1980. Mais do que na regulao, lato sensu, o foco da discusso encontra-se napoltica social, cujos parmetros foram aprimorados pela Carta Magna de 1988.Em reas setoriais distintas, observa-se a atual congurao desses parmetros,como o alcance objetivo da poltica social, a sua abrangncia subjetiva, a suaforma de organizao no territrio, o seu modo de articulao institucional, osseus recursos nanceiros e assim por diante. Ressalta-se no apenas os avanos

    alcanados pela poltica social at o presente, mas tambm os desaos que ela terde enfrentar em um futuro prximo.

    O terceiro captulo est calcado nos desdobramentos macroeconmicos dosgastos efetuados por conta da poltica social brasileira. A partir dos multiplicado-res de uma Matriz de Contabilidade Social, examinam-se os efeitos de tais gastossobre dois aspectos: o processo de crescimento da economia e a distribuio darenda gerada neste processo. Esses multiplicadores indicam que incrementos nosgastos em servios de sade e educao, bem como em transferncias assistenciais

    e previdencirias, resultam em um PIB maior e mais bem distribudo pela popu-lao do pas. Ou seja, os desdobramentos macroeconmicos da poltica socialso mltiplos e, alm disso, claramente positivos.

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    J a segunda parte deste livro adota um enfoque setorial, oferecendo anlisespara diversas reas de interesse: educao, cultura, reforma agrria, trabalho, sade,garantia de renda e igualdade de gnero. Grosso modo, o intuito em cada uma dessas

    anlises observar em que sentido caminhou a trama social, dados os esforos reali-zados pela poltica social em cada rea especca desde 1988. Ademais, o objetivo vericar como determinados problemas enfrentados em cada rea podem ser supe-rados em um futuro prximo, tendo como referncia o ano de 2022.

    Na rea de educao, os problemas encontram-se na erradicao do analfa-betismo, na expanso do ensino infantil e na concluso do ensino fundamental,bem como na ampliao do acesso ao ensino superior. Note-se que esses quatroproblemas guardam relaes entre si, tendo em vista a natureza sistmica da edu-

    cao. De maneira que aes sobre um deles necessariamente impactaro sobreos demais, ao passo que aes isoladas em qualquer deles tendero a apresentarresultados aqum dos desejados para 2022.

    Na rea de cultura, o problema a ser enfrentado no se refere propriamentea experincias culturais da populao, mas sim a insucincias da poltica socialnesta rea. Em princpio, tais insucincias podem ser superadas por meio daorganizao de um sistema nacional de cultura, que se mostre devidamente arti-culado entre os entes federados, que conte com a participao plural de organis-

    mos da sociedade civil e que seja adequadamente nanciado.Na rea de reforma agrria, h um problema que se destaca dos demais,

    que a concentrao fundiria brasileira. Esta concentrao est na raiz de vriosdilemas do campo e mesmo das cidades, como a pobreza e a desigualdade socioe-conmica. A soluo passa pelo cumprimento da funo social da terra, tal comodenida na Carta Constitucional de 1988, e pela consequente distribuio destebem pblico, de maneira a contemplar um extenso grupo de agricultores fami-liares, de trabalhadores rurais sem-terra e de comunidades tradicionais. E, para

    alm da distribuio da terra, a soluo passa pela implantao de novas polticasde desenvolvimento do mbito rural, voltadas principalmente para a produosustentvel de alimentos para o mercado interno do pas.

    Na rea de trabalho, o problema que merece ateno a desproteo socialdos trabalhadores brasileiros, que se manifesta mediante a ausncia ou a insuci-ncia de mecanismos de garantia de diversos grupos contra vrios riscos laborais.Essa desproteo se mostra vinculada, por um lado, s limitaes histricas doassalariamento no Brasil que, ao contrrio do ocorrido em outros pases, no

    consegue se universalizar como relao de trabalho. Por outro lado, tal desprote-o est associada s disparidades encontradas em meio ao prprio assalariamento que se denota por grupos muito distintos de trabalhadores, no que se refere aospadres de rendimentos e s condies laborais em geral.

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    Na rea de sade, o problema a ser sublinhado a mortalidade infantil,cuja taxa um indicador (negativo) da (ausncia de) sade de uma populao,em determinada poca e determinado territrio. Essa taxa um traador da

    situao da sade e, at mesmo, do desenvolvimento socioeconmico dessapopulao. No Brasil como um conjunto, os dados mostram que a mortalidadeinfantil reduziu-se muito nas ltimas dcadas. No obstante, ela ainda se situa emnveis elevados, alm de se manifestar de forma desigual entre os entes federados.De modo que so discutidas aqui as perspectivas de reduo para a mortalidadeinfantil, no Brasil e nos vrios estados, procurando-se fazer uma anlise a partirda construo de distintos cenrios at 2022.

    Na rea de garantia de renda, que consolida as anlises de previdncia e assis-

    tncia social, o problema encontra-se na presso desestruturadora exercida sobre osistema de proteo social, organizado no pas a partir da CF/88. Essa presso sefaz notar, principalmente, sobre a oferta de benefcios monetrios populao, sejasob a forma de seguro (na previdncia), seja sob a de seguridade (na assistncia).Em linha contrria aos defensores da desestruturao da proteo social, demons-tra-se aqui que os benefcios monetrios mitigam situaes de pobreza, assim comoreduzem desigualdades de condies de vida. E, desde que de modo articulado comoutras iniciativas de poltica econmica e social, podem atuar preventiva e decisiva-mente sobre processos de vulnerabilizao da populao brasileira.

    Na rea de igualdade de gnero, o problema que se destaca a distribuioinqua do trabalho domstico entre homens e mulheres distribuio sustentadapor concepes socioculturais a respeito dos arranjos familiares que se perpetuamno tempo. De acordo com tais concepes, papel das mulheres suprir umasrie de lacunas da poltica social, ofertando servios de cuidados com determi-nados grupos como as crianas e, cada vez mais, os idosos. Contrapondo-sea isso, defende-se aqui uma nova atuao do Estado, das empresas e de outrosatores sociais, no sentido de possibilitar o surgimento de relaes de gnero mais

    igualitrias, de forma a garantir uma insero mais democrtica para homens emulheres nos diferentes espaos da sociedade.

    Enm, na primeira parte deste livro, que conta com uma abordagem geral,analisa-se a relao historicamente estabelecida entre a regulao social e a din-mica socioeconmica, bem como se explora os traos que podem ser assumidospor esta relao at 2022. J na segunda parte, que possui uma perspectiva seto-rial, verica-se em que direo se moveu a sociedade brasileira, levando-se emconta os esforos realizados pela poltica social desde a Constituio de 1988. Em

    paralelo, estima-se a probabilidade de que certos problemas enfrentados em cadarea possam ser superados em um futuro prximo, levando-se em conta a mesmareferncia temporal (o ano de 2022).

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    PARTE I

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    CAPTULO 1

    DESENVOLVIMENTO, MODERNIZAO E CONDIES DE VIDA

    1 INTRODUO

    A metanarrativa das teorias de desenvolvimento estabelece uma promessa: ade que o desenvolvimento transformar as sociedades em lugares em que a

    felicidade a regra e as violncias e as privaes so desconhecidas. emnome desta que as sociedades se engajam em sua modernizao, buscando sedesenvolver para promover o bem comum. A histria da humanidade, infe-lizmente, mostra que nem sempre tudo funciona como preconiza a fbula eque os muitos efeitos colaterais e indesejados do desenvolvimento real damisria injusticada face aos recursos sucientes para super-la destruioinconsequente do meio ambiente frequentemente contradizem a promessa.

    Contudo, parafraseando Sen (2000), se fato que as sociedades contem-

    porneas ainda se encontram distantes de realizar tal meta, algumas mais do queoutras, tambm fato que nunca tantos viveram to bem e por tanto tempoquanto no mundo atual. O Brasil no exceo: se, por um lado, h ainda muitoa ser feito para que se torne uma sociedade mais justa, por outro, houve bastanteprogresso. O pas atual, construo de acertos e erros de vrias geraes, bemmelhor do que o do passado, graas ao desenvolvimento e modernizao.

    A modernizao normalmente entendida como um conjunto de processosque acompanham o desenvolvimento de sociedades industrializadas e urbanas apartir de sociedades tradicionais. Esta, porm, no se resume industrializaoda economia e urbanizao da populao. Tambm envolve grandes mudanasde valores, tecnolgicas, na estraticao social, nos padres de formao de fam-lias, nos arranjos elaborados para darem conta das necessidades quotidianas e nosgostos e hbitos que fazem que a vida no seja apenas um conjunto de obrigaes,mas tambm uma experincia prazerosa. Compreende, ainda, transformaes nopapel do Estado como indutor desses processos e garantidor do bem-estar social.

    O objetivo deste captulo recuperar parte das grandes mudanas pelas quaiso Brasil passou em sua trajetria de desenvolvimento e modernizao, que so ree-tidas pelos indicadores socioeconmicos. D-se nfase aos aspectos relativos s con-dies de vida e experincia cotidiana dos brasileiros. Para tanto, sero abordadasapenas brevemente as mudanas ocorridas at 1980. Depois, o foco passa s ltimas

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    trs dcadas, quando as mudanas identicadas com o desenvolvimento e a moder-nizao continuaram, embora com certo arrefecimento do ritmo em dimenses nasquais as transformaes haviam sido mais intensas no perodo anterior e acelerao

    em outras. Com isso, pretende-se retratar o Brasil como uma sociedade em ebulio,que passou por mudanas profundas e nem sempre sincrnicas, um pas que avan-ou muito e se modernizou, sem, no entanto, atingir o Eldorado previsto pela teoriada modernizao e pelo estrutural-funcionalismo americano (PARSONS, 1974).Um pas que j no mais o que era, mas ainda no chegou ao que gostaria de ser.

    2 DESENVOLVIMENTO, MODERNIZAO E CONDIES DE VIDA AT 19801

    H certo consenso em identicar na Revoluo de 1930 o marco inicial da

    modernizao brasileira. No perodo subsequente ocorrem mudanas estruturais,rpidas e profundas at o incio da dcada perdida, os anos 1980. Conferindoos grandes nmeros disponveis para o perodo, percebe-se que o Brasil passoupor um intenso processo de modernizao. Em 1950, a produo industrial j eraresponsvel por 24,1% do produto interno bruto (PIB), se equiparando agricul-tura, cuja fatia era de 24,3%. Trs dcadas depois, a contribuio da agriculturapara o PIB cara para 10,2% e a da indstria subira para 40,6% (BAER, 2003).

    De 1940 a 1980, a populao brasileira quase triplicou de tamanho, pas-

    sando de 41,2 a 119 milhes de habitantes, e esse crescimento foi acompanhadopor uma urbanizao acelerada: apenas 31% residiam em reas urbanas, em 1940,contra 68%, em 1980. Ou seja, enquanto a populao rural cresceu a uma taxamdia de 0,1% ao ano (a.a.), a urbana teve crescimento mdio de 4,7% a.a. Maisainda, o crescimento das reas urbanas foi tambm bastante concentrado: em1940, as capitais das nove regies metropolitanas (RMs) originalmente institucio-nalizadas em meados dos anos 1970 (Belm, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza,Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e So Paulo) somavam 4,7 milhesde habitantes, o que representava cerca de 11,5% da populao brasileira; em

    1980, j reuniam 22,5 milhes de moradores, ou quase 19% da populao.

    A industrializao e a urbanizao levaram ao fortalecimento do mercadointerno, integrando as regies do pas e demandando os produtos da indstria nas-cente, levando autossustentao desses processos. Porm, houve regies em que sedeu o fenmeno da urbanizao sem industrializao local (LOPES, 1978, p. 31),pois o desenvolvimento e a modernizao foram marcados pelo reforo da desigual-dade regional ento existente, com concentrao dos subsdios e dos nanciamentosdo Estado nas regies Sul e Sudeste poca, comumente designadas Centro-Sul.

    1. Os dados desta seo foram majoritariamente retirados dos Anurios Estatsticos em especial, das edies refe-rentes aos anos de 1936, 1949, 1952, 1962, 1972 e 1983 e outras publicaes do Instituto Brasileiro de Geograae Estatstica (IBGE) (1950a, 1950b, 1953, 1962, 1972, 1984, 2003, 2006, 2007) e do Instituto Nacional de Estatstica(INE) (1936), exceto nos casos em que a fonte indicada explicitamente.

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    Estas ltimas haviam se tornado os eixos dinmicos da economia ao longo do sculoXIX, e seus empresrios detinham, por riqueza e proximidade geogrca da capital,maior poder poltico e capacidade para exercer presso junto s autoridades compe-

    tentes (LOPES, 1978, p. 12) e obter vantagens diversas de emprstimos generososa licenas de importao que contornavam o fechamento da economia permitindo aaquisio de mquinas modernas. O ritmo diferente de desenvolvimento e moderni-zao dividiu o pas em um Brasil moderno, adiantado, e em um Brasil tradicional,atrasado, com consequncias duradouras sobre os indicadores sociais das regies.

    Malgrada a desigualdade regional, a urbanizao e a industrializaoforam acompanhadas por inequvocos ganhos de bem-estar, at mesmo nasregies atrasadas. Entre os mais expressivos, guram as diminuies nas taxas

    de mortalidade. Estas ltimas para o perodo anterior a 1980 esto sujeitas aimprecises por causa da precariedade dos registros de nascimentos e de bi-tos, mas as estimativas censitrias autorizam a armao de que se reduziram.A taxa de mortalidade bruta, a razo entre o nmero de bitos ocorridos emum ano e a populao total no meio deste, cai de 19,7% em 1950 para 8,9%em 1980. Taxas de mortalidade infantil o nmero de bitos de crianas demenos de um ano para cada mil nascidas vivas so raras para esse perodo.Estimativas sugerem que a taxa de mortalidade infantil em So Paulo tenhasubido de 69,9, em 1963, para 94,6 bitos por mil nascimentos, em 1973,para depois declinar para 64,6 bitos por mil nascimentos em 1979 (WOOD;CARVALHO, 1994). razovel supor que os nmeros nos demais estadosadiantados fossem semelhantes aos de So Paulo e ainda maiores no Brasilatrasado. Desconsiderando a impreciso das taxas, a queda na mortalidadelevou ao brusco aumento da esperana de vida ao nascer, constatado a partir doscensos demogrcos, passando de 42,7 anos em 1940 para 61,7 anos em 1980.

    A esperana de vida ao nascer, por ser determinada pela mortalidade, que,por sua vez, depende tanto de caractersticas dos indivduos quanto dos servi-

    os de que dispem, sejam estes ltimos proporcionados pelo mercado ou peloEstado, considerada uma medida sumria da qualidade de vida que prevaleceem meio a uma populao (WOOD; CARVALHO, 1994). Pode-se ir alm econsiderar que tambm uma medida sumria do grau de desenvolvimento emodernizao. A urbanizao, a evoluo tecnolgica, a formao de mercadosinternos, o aumento do nvel da educao, o estabelecimento e a ampliao doalcance dos meios de comunicao de massa, as mudanas de valores, e a reduoda desigualdade que se espera acompanhar a mudana no sistema de estraticao

    social e na diviso do trabalho, todos esses fatores, normalmente apontados comocaractersticos da transio das sociedades tradicionais para as modernas (KAHL,1970) podendo-se acrescentar a construo de um conjunto de polticas sociais ,contribuem para a reduo da mortalidade e o aumento da esperana de vida.

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    Uma parcela desse ganho de 19 anos na esperana de vida ao nascer se deve expanso dos servios de sade, em quantidade e qualidade, em parte possvelgraas concentrao da populao nas crescentes reas urbanas. Embora servios

    de sade no se restrinjam assistncia hospitalar e ambulatorial, e haja diferenasna apurao desses dados ao longo do tempo, algumas estatsticas histricas desseaspecto da sade pblica auxiliam a dimensionar a expanso.

    Em 1946, segundo o levantamento de estabelecimentos e leitos da assistnciamdico-sanitria, havia no Brasil apenas 3.420 estabelecimentos de sade ofertando144.417 leitos. Esse nmero inclui hospitais gerais, maternidades, estabelecimentosvoltados ao atendimento das crianas, os mantidos por organizaes industriais,leprosrios, os para doentes mentais e nervosos, tuberculosos e militares e os ser-

    vios ociais de sade pblica, independentemente do tipo da entidade mantene-dora. Havia, portanto, sete estabelecimentos e 305 leitos para cada grupo de 100mil habitantes.2 Em 1980, o nmero de estabelecimentos de sade de qualquer tipohavia passado a 18.489, ofertando 509.104 leitos: respectivamente, 16 e 428 destespara cada 100 mil habitantes. Outro aspecto comumente apontado como fator toimportante para a reduo da mortalidade quanto o acesso, porm mais difcil deapurar, a mudana da tecnologia e da qualicao dos trabalhadores da sade.

    A melhoria das moradias e dos bairros nas quais se situam tambm contri-

    buiu para o aumento da qualidade de vida traduzida pela esperana de vida aonascer. Em que pese a diculdade de se obterem dados de populao cujos domi-clios se situam em ruas pavimentadas, com iluminao pblica, contando comgua canalizada e esgotos sanitrios, para anos anteriores a 1970,3 algumas estats-ticas precrias podem dar a dimenso da evoluo dos melhoramentos urbanos.Dos 119.508 logradouros em que o IBGE dividia o Brasil em 1947, apenas 17%contavam com pavimentao e, menos ainda, 1% tinha pavimentao de con-creto ou asfalto; 29% dos logradouros contavam com gua canalizada; 15%, comesgotos sanitrios; e 51%, com iluminao pblica o que d uma ideia grosseira

    da disponibilidade de energia eltrica para ns residenciais.

    Os melhoramentos nas condies de urbanizao desde ento foram gran-des. Em 1980, o Censo Demogrco apurou que 55% dos domiclios possuamgua canalizada de rede geral de distribuio e 43% contavam com escoadouroadequado dos esgotos para rede ou fossa sptica. Em termos de populao, essasporcentagens eram, respectivamente, 52% e 40%. Na ausncia de informaesconveis para anos anteriores, registre-se que em 1970 as porcentagens respecti-vas, para domiclios, eram 33% e 27%.

    2. Considerando uma populao de 47,4 milhes de habitantes em 1946, obtida por interpolao geomtrica a partirdas populaes totais dos Censos de 1940 e 1950 divulgadas pelo IBGE (2007).3. Para o qual o Censo de Populao em microdados est disponvel, permitindo a elaborao de qualquer tabulaoou indicador a partir da informao coletada pelos questionrios.

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    A energia eltrica, sem a qual impossvel a vida moderna e cuja disponibi-lidade para as indstrias e a populao simultaneamente condio e consequn-cia do desenvolvimento, merece um comentrio particular. Em 1948, a potncia

    estimada de todas as usinas geradoras instaladas no pas, hidro e termoeltricas,estatais ou privadas, era de 1.616 MW. Em 1980, a capacidade das geradorasj era de 33.229 MW. Nesse ano, o Censo registrou que 69% dos domiclioscontavam com energia eltrica, servindo a 66% da populao. Dez anos antes,o de 1970 contabilizara acesso energia eltrica em apenas 48% dos domiclios.

    Entre as caractersticas individuais, a educao um grande marcadorda transio para modernidade e um significativo determinante do aumentoda esperana de vida. Pessoas alfabetizadas tm maior acesso informao

    por poderem receb-la de forma escrita, e geralmente a educao propor-cionada pelo sistema de ensino transmite noes bsicas de higiene, comolavar as mos e filtrar e/ou ferver a gua usada para cozinhar e beber, e aimportncia do asseio das casas e do prprio corpo.

    A sociedade tradicional brasileira, como tantas outras na Amrica Latina,era marcada pela presena de uma microscpica elite altamente letrada, umapequena camada pouco educada e uma grande massa de analfabetos. Em1900, 75% da populao de 15 ou mais anos no sabiam ler e escrever; em

    1940, a porcentagem de analfabetos nessa populao havia baixado a 56%;em 1980, se reduzira a 25%. Assim, nas quatro primeiras dcadas do sculoXX, a taxa de analfabetismo decresceu ao ritmo mdio de 1/2 ponto percen-tual (p.p) a. a. e a quase 1 p.p. a.a. nas quatro dcadas seguintes.

    A despeito das reformas na estruturao do sistema de ensino, e da pre-cariedade e impreciso dos dados sobre o nvel educacional da populao doCenso de 1940, possvel elaborar alguns indicadores para aquele ano a partirdas tabelas divulgadas. Apenas 8% da populao de 20 ou mais anos de idade

    possua diploma ou havia completado algum curso; para 5%, o grau mais ele-vado era o elementar; para 2%, o mdio;4 e apenas 0,5% tinha grau superior.A perspectiva para os mais jovens tambm no era animadora, com as informa-es disponveis sugerindo que para a maior parte dos poucos que chegavam areceber alguma instruo, esta era provavelmente limitada alfabetizao. Nafaixa etria dos 5 aos 9 anos, apenas 20% recebiam algum tipo de instruono necessariamente em escolas; dos 10 aos 14 anos, a porcentagem era maiselevada, 32%; e dos 15 aos 19 anos, apenas 9% mas os dados tabulados doCenso de 1940 revelam que grande parte desses alunos no sabia ler e escrever.

    4. O grau elementar corresponde, grosso modo, s quatro ou cinco sries iniciais do atual ensino fundamental; omdio possua dois ciclos, o primeiro corresponde segunda metade do ensino fundamental e o segundo, ao ensinomdio a documentao no clara sobre se a populao com ensino mdio completo compreende os que haviamcompletado o primeiro ciclo. Os diplomas poderiam se referir a cursos tcnicos ou prossionalizantes.

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    Em quatro dcadas, a populao de 20 ou mais anos de idade com ao menoso equivalente ao elementar passou para 33%: 5% com elementar completo; 15%haviam completado o primeiro ciclo do ensino mdio, o primrio ou o primeiro grau;

    9%, o ensino mdio ou o equivalente; 4% possuam um diploma de curso superior;e 0,1%, ttulos de mestre ou doutor. A escolarizao se expandiu em ritmo acelerado,e, em 1980, frequentavam escola 47% das crianas de 5 a 9 anos de idade, 70% dasde 10 a 14 anos e 42% dos jovens de 15 a 19 anos. O fato de a taxa de escolarizaona faixa etria dos 10 a 14 anos ser consideravelmente maior do que na anterior indicaque ainda era baixa a porcentagem de crianas que comeavam a frequentar a escolaem idade adequada e a alfabetizao era em regra atrasada. Mesmo assim, a mudanano perl educacional da populao de 1940 a 1980 foi substantiva, e por certo foi um

    dos principais fatores a levar ao aumento da esperana de vida.Um aspecto frequentemente esquecido nas caracterizaes das transforma-

    es estruturais profundas por que passou o Brasil a mudana nas tecnologias decomunicao. A instalao de linhas telefnicas comeou cedo, mas era altamenteconcentrada em So Paulo, no Rio Grande do Sul e no municpio do Rio de Janeiro(antigo Distrito Federal DF). Em 1907, havia 15.203 aparelhos telefnicos no pas(71,6 para cada 100 mil habitantes);5 e em 1935, j existiam 70.281 destes apenas nomunicpio do Rio de Janeiro. A expanso da telefonia foi rpida nos anos seguintese, em 1948, existiam 188.388 aparelhos no ento DF para 130.991 assinantes; nesseltimo ano, registravam-se 492.231 aparelhos instalados no Brasil (992,4 para cada100 mil habitantes) e 371.111 assinantes (748,2 para cada 100 mil habitantes).6 Em1980, o nmero de terminais telefnicos em servios chegara a 4.084 para cada 100mil habitantes e o de terminais residenciais a 2.865 para cada 100 mil habitantes.Alm da expanso da cobertura, em 1980, apenas 4% dos municpios no contavamcom ao menos um posto telefnico oferecendo ligaes interurbanas; em 71% dosmunicpios, a rede telefnica permitia ligaes interurbanas via discagem direta ouoperadora; e 28% dos domiclios contavam com discagem direta internacional.

    Antes desse grau de integrao ser atingido via servios telefnicos, o principalmeio para a comunicao rpida de longa distncia no Brasil era o telegrama. A redetelegrca era a responsvel pela integrao nacional e tambm pela comunicao entreempresas e as famlias separadas pela migrao de seus membros, seja para as reas urba-nas prximas, seja para as eventualmente distantes zonas de dinamismo econmico.Em 1934, foi enviado um telegrama para cada 3,7 habitantes,7 razo que chegou a umpara cada 1,6 habitantes em 1948. Desde ento, a perda de importncia do telegrama

    5. Considerando uma populao de 21,2 milhes de habitantes em 1907, obtida por interpolao geomtrica a partirdas populaes totais dos Censos de 1900 e 1920 divulgadas pelo IBGE (2007).6. Considerando uma populao de 49,6 milhes de habitantes em 1948, obtida por interpolao geomtrica a partirdas populaes totais dos Censos de 1940 e 1950 divulgadas pelo IBGE (2007).7. Considerando uma populao de 32,5 milhes de habitantes em 1934, obtida por interpolao geomtrica a partirdas populaes totais dos Censos de 1920 e 1940 divulgadas pelo IBGE (2007).

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    como meio de comunicao longa distncia foi tal que em 1980 foi enviado apenasum telegrama para cada 7,7 habitantes, sendo que um quarto eram telegramas fonados.

    Quanto comunicao impressa, no Brasil iletrado das primeiras dcadas dosculo XX, a leitura de jornais era para poucos: em 1933, apenas 100 jornais decirculao diria foram contabilizados em todo o pas, 3,1 para cada milho dehabitantes.8 Em 1980, o nmero de jornais dirios era de 343, mas a razo pormilho de habitantes cara um pouco, para 2,9, com uma tiragem total de 1,4milhes de exemplares/dia. Em que pese o fato de que, considerando a tiragem,informao no disponvel para 1933, o acesso aos jornais tenha provavelmenteaumentado, a evoluo nesse quesito parece no corresponder de outros j vistos.

    Dos meios que facilitam a difuso dos valores associados vida moderna levandoa mudanas comportamentais, o rdio e a TV tiveram expanso e inuncia muitomais pronunciadas do que os jornais. As primeiras rdios do Brasil foram instaladasna primeira metade dos anos 1920, e em 1935 s havia 44 empresas funcionando, amaior parte concentrada no municpio do Rio de Janeiro e em So Paulo. Em 1950,comeou a operar o primeiro canal comercial de TV, a Tupi, em So Paulo. Nesse ano,j existiam 300 rdios no Brasil, das quais 185 haviam comeado a operar a partir de1946. Em 1960, j havia 605 rdios e 15 TVs; e em 1971, o nmero de rdios che-gava a 1.008 e o de TVs a 52. Em apenas uma dcada, o nmero destas mais do que

    dobrou, chegando a 114 em 1980, ano em que havia 1.263 rdios registradas no pas.A expanso das rdios e das televises foi acompanhada pela evoluo tecnolgica.

    Houve aumento da qualidade e da cobertura territorial das transmisses, representado,no caso das rdios, pelo progressivo aumento do nmero destas transmitindo em frequ-ncia modulada (FM). No caso da TV, ocorreu a adoo do videoteipe e da transmissocolorida. Em 1980, j havia canais de TV transmitidos por satlite e repetidos em todoo territrio nacional. E tanto nesta quanto no rdio, trs tipos de programas se conso-lidaram como campees de audincia: as novelas, os de auditrio e os jornalsticos.

    Em suma, o Brasil que chegou aos anos 1980 era radicalmente diferente daqueledo comeo do sculo XX. No lugar de um pas rural e fragilmente integrado, com umapopulao majoritariamente analfabeta, emergiu um pas predominante urbano e emrpida industrializao, muito mais integrado e testemunhando a rpida difuso tanto deservios quanto de valores considerados tipicamente modernos. A ecloso da crise dadvida externa e toda a instabilidade econmica subsequente, no entanto, modicaramrapidamente o panorama e sinalizaram o esgotamento do modelo por trs do milagreeconmico. Os anos 1980 rapidamente viraram a dcada perdida, de crescimento

    econmico medocre e hiperinao. Diagnsticos e propostas claramente divergentesemergiram, opondo os que defendiam reformas econmicas liberalizantes e em prol do

    8. Considerando uma populao de 32 milhes de habitantes em 1933, obtida por interpolao geomtrica a partirdas populaes totais dos Censos de 1920 e 1940 divulgadas pelo IBGE (2007).

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    livre comrcio e os que propunham solues keynesianas ou de inspirao cepalina, paraquem a crise resultava mais dos desequilbrios da economia internacional do que depolticas equivocadas dos governos nacionais, e os ajustes estruturais recomendados pelo

    Fundo Monetrio Internacional (FMI) apenas agravavam os problemas (KIELY, 2007).No cabe neste estudo entrar no mrito de tais diagnsticos nem avaliar as teo-rias por trs do Plano Real e da abertura econmica da segunda metade dosanos 1990. O ponto central da prxima seo o de mostrar que, apesar deo Brasil no ter recuperado o ritmo de crescimento econmico da dcada de1970, os ltimos 30 anos continuaram a ser de profundas mudanas estrutu-rais, que se encaixam perfeitamente no scriptda transio para a modernidade.

    Assim, enquanto algumas dimenses, como a industrializao, perderam vigor,

    em outras, principalmente as relacionadas esfera dos valores, as transformaesforam bastante aceleradas.

    3 AS LTIMAS TRS DCADAS9

    Entre 1980 e 2000, data do ltimo censo, a populao brasileira aumentou mais de50 milhes de pessoas, mas o ritmo do crescimento populacional (em mdia, 1,8%a. a.) foi bem inferior ao das duas dcadas anteriores: mesmo j tendo comeadoa cair nos anos 1970, o crescimento mdio entre 1960 e 1980 foi de 2,7% a. a.

    Como mostra a tabela 1, a urbanizao continuou acelerada, com uma diminuiosignicativa em termos absolutos e relativos da populao em reas rurais. Assim,em 1970, 56% dos brasileiros viviam em reas urbanas; em 2000, j eram 81%.

    TABELA 1Populao total e crescimento mdio anual por reas e regies Brasil, 1970-2000

    Populao (milhes) Crescimento mdio anual (%)

    1970 1980 2000 1970-1980 1980-1991 1991-2000

    reas

    urbana 52,1 80,4 137,9 4,0 3,0 2,4

    rural 41,1 38,6 31,8 -0,6 -0,7 -1,1

    Regies

    Metropolitanas 23,8 34,5 51,1 3,8 1,9 2,0

    CapitaisPeriferias

    16,5 22,5 28,8 3,2 1,4 1,1

    Resto do Brasil 7,3 12,0 22,4 5,1 3,0 3,4

    69,3 84,6 118,7 2,0 1,9 1,5

    Total 93,1 119,1 169,8 2,5 1,9 1,6Fonte: Censos de populao/IBGE.

    9. Todos os dados citados nesta seo so resultados de tabulaes prprias com base nas Pesquisas Nacionais porAmostra de Domiclios (PNADs), exceto nos casos em que a fonte explicitamente mencionada.

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    O que mudou bastante, contudo, foi a forma de urbanizao, na medidaem que esta deixou de ser um sinnimo de metropolizao:10 o crescimentomdio anual das grandes cidades brasileiras caiu bruscamente nos anos 1980,

    em especial nas capitais, onde o crescimento percentual caiu abaixo da mdianacional pela primeira vez desde 1920. As periferias tambm passaram porprocesso semelhante, embora com muito menos intensidade, o que, de todamaneira, alterou a distribuio relativa da populao nas RMs: em 1970,quase 70% dos moradores residiam nas capitais; em 2000, apenas 56%.

    De forma geral, a urbanizao trouxe consigo o acesso crescente a alguns equi-pamentos bsicos da vida moderna. Como se v no grco 1, em 1981, o acessoao saneamento bsico era mais um luxo do que um direito e, at mesmo em 2008,

    apenas a coleta de lixo chegou mais prximo da universalizao. O acesso redegeral de esgoto, que depende muito mais de iniciativas do setor pblico do que darenda familiar, continua um grande problema nacional: embora os ltimos 15 anostenham apresentado avanos expressivos e em um ritmo razoavelmente constante,estimativas recentes reforam a necessidade de ainda mais investimentos, pois, casocontrrio, ainda se ter de esperar algumas dcadas at a universalizao desse tipode servio. Felizmente, as perspectivas so melhores para os dois outros itens dogrco 1. O acesso energia eltrica tornou-se praticamente universal nos ltimosanos e, da mesma forma, quase todos os brasileiros vivem em domiclios com gela-deiras, um dos bens de consumo durveis mais fundamentais para a vida moderna.

    GRFICO 1Populao em domiclios ligados rede geral de gua e esgoto, com coleta de lixo,energia eltrica e geladeira Brasil, 1981-2008(Em %)

    Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.

    10. Neste captulo, por RMs, entendemos as nove regies originalmente institucionalizadas por lei federal no binio 1973-1974: Belm, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e So Paulo. Para consideraessobre o processo de institucionalizao e seus desdobramentos, ver Souza (2003) e Moura et al. (2003). Vale observar que, apartir da Constituio Federal de 1988 (CF/88), a responsabilidade pela criao e regulao das RMs passou aos estados, oque levou no s institucionalizao de inmeras outras, como tambm, em alguns casos, a mudanas na composio dasregies j existentes. Dessa forma, para 1970, contabilizar-se- todos os municpios que vieram a fazer parte da composiooriginal das RMs e, nos anos seguintes, incluir-se-o todos os municpios que faziam parte destas no momento do Censo.

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    O acesso ampliado ao saneamento bsico, aos ganhos educaionais e difu-so de valores tipicamente modernos, entre outros fatores, modicaram profun-damente as taxas de mortalidade e de natalidade no pas, de modo que, em apenas

    30 anos, entre 1978 e 2008, a composio etria da populao brasileira apresen-tou um visvel processo de envelhecimento (grco 2). As crianas com menos de10 anos de idade, por exemplo, representavam 27% da populao masculina em1978 e apenas 16,2% em 2008; tambm entre os homens, os idosos com 65 anosou mais passaram de 3,7% para 6,8%; em termos absolutos, um aumento de 2milhes para 6,25 milhes. Fenmenos parecidos ocorreram entre as mulheres.

    GRFICO 2Composio etria da populao brasileira, por faixas e gnero Brasil, 1978 e 2008

    (Em %)

    Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.

    Tudo isso fez a composio dos domiclios mudar rapidamente. O nmeromdio de pessoas por domiclio diminuiu bastante, de 5,8% em 1981 para4,1% em 2008, uma queda de quase 30%. Os arranjos familiares, por sua vez,se tornaram mais heterogneos e, apesar de casais com lhos ainda serem predo-minantes, domiclios com casais sem lhos, monoparentais femininos e unipes-soais passaram a ser muito mais comuns (MEDEIROS; OSORIO, 2002). Estaincipiente reorganizao da intimidade, por sinal, particularmente interes-sante e duplamente moderna, na medida em que se afasta tanto das famliasestendidas tpicas de sociedades tradicionais quanto dos modelos nucleares comlhos consagrados pela modernidade no sculo XX. Ora, o questionamento dos

    seus prprios pressupostos justamente um dos traos mais tpicos daquilo quemuitos autores chamam de modernidade tardia ou terceira fase da moderni-dade (BECK; BONSS; LAU, 2003; WAGNER, 1996).

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    As mudanas nas relaes de gnero reetem bem essa modernizao dasociedade brasileira. Embora certamente ainda haja um longo caminho a per-correr at a superao das assimetrias de poder, inegvel que as mulheres con-

    quistaram amplos espaos de liberdade, principalmente em comparao com ovelho esteretipo da dona de casa acossada por uma sociedade patriarcal. A par-ticipao no mercado de trabalho possivelmente o melhor exemplo disto. Em1981, cerca de 75% dos homens e 33% das mulheres com 10 anos ou mais erameconomicamente ativos;11 em 2008, o percentual de homens economicamenteativos caiu para 71%, enquanto o de mulheres atingiu 50%. Para os homens, oque houve, essencialmente, foi uma leve diminuio na participao dos maisnovos e dos mais idosos; entre as mulheres, a entrada macia na PEA deu-se por

    uma combinao de efeitos de perodo e de coorte. Em conjunto, essas mudan-as implicam uma recongurao do mercado de trabalho, pois, em 1978, cercade 69% dos indivduos ocupados eram homens, mas, em 2008, este percentualj havia cado para 59%. Mais importante ainda, trata-se de uma tendncia queno apresenta nenhum sinal de arrefecimento e tambm se reetiu na diminui-o dos diferenciais salariais entre homens e mulheres. Em 1981, a remuneraomdia das mulheres ocupadas equivalia a 54% da remunerao dos homens; em2008, 71%, um percentual ainda muito baixo e que sinaliza a relevncia dasdesigualdades de gnero, mas que, de todo modo, denota a diminuio desta.

    As ramicaes desses fenmenos so amplas e ilustram bem a importnciados servios pblicos no combate s desigualdades de gnero. O encolhimentodas famlias e seus novos arranjos e a entrada das mulheres no mercado de traba-lho, por exemplo, criam um novo problema: quem vai cuidar das crianas? Em1978, quase 69% das de at 14 anos viviam com mes ou madrastas que notrabalhavam e que, portanto, ao menos em teoria, podiam dedicar-lhes atenointegral. Em 2008, este nmero caiu para 39% e, se a tendncia prosseguir, pro-vavelmente vai diminuir ainda mais. Na ausncia de servios e instituies que

    ajudem na difcil tarefa de criar lhos, o resultado inevitvel, em uma sociedadeem que papis masculinos e femininos ainda so bem delimitados, seria um fardoadicional imposto s mes que trabalham, a j conhecida dupla jornada.

    Em boa medida, isso poderia ser aliviado pela expanso da educao, emespecial das pr-escolas, o que se vericou apenas parcialmente. Entre crianas de6 a 14 anos, de fato, o acesso educao universalizou-se: em 1978, apenas 64%destas nesta faixa etria frequentavam a escola, contra 98%, em 2008. A creche ea pr-escola, contudo, continuam longe de serem universais: em 1995, somente

    19% das crianas de at 5 anos frequentavam instituies desse tipo, percentual

    11. Consideramos como PEA os indivduos com 10 anos ou mais de idade que estavam empregados ou procurandoemprego na semana de referncia da PNAD.

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    que subiu para 38% em 2008 ainda muito longe do desejvel. Isto impe umapresso adicional s famlias mais pobres, que acabam tendo que contratar priva-damente ajuda ou se desdobrar entre as tarefas domsticas e o mundo do trabalho.

    Assim, entre os 10% mais pobres, pouco menos de 30% das crianas com menosde 6 anos frequentam a escola, enquanto entre os 10% mais ricos este percentual de quase 59%. Trata-se de uma forma de desigualdade perversa e muitas vezesinvisvel, que, no entanto, acarreta graves consequncias tanto para o bem-estarpresente das famlias quanto para o futuro de seus lhos, especialmente quando seleva em conta que o desenvolvimento de recursos cognitivos na primeira infnciatem repercusses importantes para as chances de vida das crianas, tanto para oacmulo posterior de capital cultural quanto para um bom desempenho escolar

    (ESPING-ANDERSEN, 2004). Investimentos pblicos em servios para estafaixa etria poderiam, portanto, contribuir bastante para a reduo das desigual-dades de oportunidades. Neste aspecto, o Brasil ainda est muito longe do ideal.

    Em outras frentes, felizmente, os avanos foram maiores. Entre crianasde 10 a 14 anos, no apenas a frequncia escola se tornou praticamenteuniversal, como tambm o trabalho infantil diminuiu bastante, embora aindano tenha sido completamente erradicado: em 1978, 19% das crianas nestafaixa etria trabalhavam ou estavam procurando emprego; em 2008, eram 6%.Entre os jovens de 15 a 19, a frequncia escolar tambm aumentou, de 45%para 69%. Melhor ainda, at mesmo para o ensino superior houve melhoriasexpressivas: em 1978, menos de 4% da populao de 20 anos ou mais estavacursando ou j tinha cursado este nvel; dez anos depois, em 1988, j eram8%. Entre 1988 e 1998, contudo, quase no houve mudanas; no entanto,entre 1998 e 2008, o percentual subiu de 9% para quase 15%. Em termosabsolutos, isso signica um salto de 1,9 para 17,1 milhes de pessoas emapenas 30 anos. A expanso, por sinal, se fez acompanhar por uma mudanasignicativa na composio do grupo com acesso ao ensino superior, com a

    ascenso das mulheres: em 1978, 58% eram homens; em 2008, apenas 44%.Um dos aspectos marcantes da modernidade como Utopia a perda de

    influncia das caractersticas individuais adscritas (aquelas que os indivduosno escolhem, como a cor, o sexo e a famlia em que nascem) na determina-o da posio social. Em sociedades desenvolvidas, idealmente, a posioocupada por indivduos depende menos da classe ou raa na qual nascerame mais de seus talentos e seus prprios esforos. Infelizmente, no h tantoo que se comemorar neste aspecto, pois estas caractersticas permanecem

    sendo fatores importantes para a determinao do sucesso dos indivduos.Isso pode ser visto, por exemplo, nas diculdades para a superao das desi-

    gualdades raciais de acesso ao ensino superior. A evoluo foi moderada nesta rea

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    e ocorreu basicamente nos ltimos 10 anos, quando a porcentagem de brancosentre aqueles que estavam cursando ou j tinham cursado o ensino superior caiu de85% para 73%, como mostram os grcos 3A e 3B. De qualquer forma, mesmo

    este aumento dos ltimos dez anos deriva no s de menor desigualdade de opor-tunidades, mas tambm de mudanas na composio racial da populao: mesmoque as probabilidades de acesso em 1988 fossem mantidas, apenas as alteraesobservadas na composio racial da populao derrubariam de 85,5% para 81%o percentual de brancos entre aqueles com acesso. Ou seja, os avanos da ltimadcada podem ser comemorados, mas preciso manter os ps no cho, pois aindah muito a ser feito, pelo menos no campo educacional, at que as desigualdadesraciais possam ser superadas, e no s no que diz respeito educao superior. Tais

    diferenas gritantes no acesso de negros e brancos a algo to importante como oensino superior no so coerentes com as promessas da modernidade.

    GRFICO 3Populao com acesso ao ensino superior, por cor ou raa, e composio racial dosque tm ou tiveram acesso Brasil, 1988-200812

    (Em %)

    12. Por brancos, entendemos os indivduos que se autodeclararam brancos ou amarelos; por no brancos, ospretos, pardos e indgenas. Ter acesso ao ensino superior signica estar cursando ou j ter cursado este nvel.

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    Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.

    4 A OFERTA DE TRABALHO

    Em termos absolutos, a PEA aumentou de 42,4 para 78,1 milhes de pessoas; emtermos relativos, de 53% para 60% da populao em idade ativa. Mas, entre mui-tos outros fatores, o prolongamento da passagem pela escola e como ser visto

    a expanso das aposentadorias e da rede de proteo social brasileira, por um lado,e a entrada das mulheres no mercado de trabalho, por outro, exerceram efeitosdiscrepantes sobre a oferta da mo de obra, como se v no grco 4. Entre 1978 e2008, tanto os indivduos abaixo de 20 anos quanto os acima dos 60 diminuramsua taxa de participao, enquanto aqueles entre os extremos aumentaram.

    GRFICO 4Participao na PEA, por idade Brasil, 1978 e 2008

    Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.

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    Infelizmente, o mercado de trabalho brasileiro se mostrou, durantea maior parte das ltimas trs dcadas, incapaz de gerar postos de trabalhoem quantidade e qualidade suciente para absorver o crescimento da PEA.

    justamente nesse ponto, por sinal, que mais nos afastamos da narrativa moder-nizante ou pelo menos de sua verso desenvolvimentista, que sonhava com acontinuidade da trajetria de industrializao e de formalizao do trabalho.

    Ainda assim, importante salientar como, de forma geral, o comportamentodo mercado de trabalho no foi homogneo nos anos 1980, 1990 e 2000 e, almdisso, como o desempenho das RMs destoou do resto do Brasil, principalmentenos anos 1990. Os grcos 5A e 5B exibem a evoluo de dois dos aspectos maisvisveis tanto da crise quanto da recuperao, o ndice de desemprego e a remune-

    rao mdia do trabalho.13 Em conjunto, eles contam uma histria diferente paracada dcada: nos anos 1980, delineia-se um cenrio de baixo desemprego, mascom hiperinao durante boa parte do tempo,14 gerando utuaes abruptasna remunerao do trabalho, o que, inclusive, recomenda extrema cautela nacomparao dos valores reais daquela poca com os observados depois de 1995.Nos anos 1990, o perodo pr-Plano Real tambm foi marcado pela hiperin-ao, mas com queda signicativa da renda ao longo do perodo 1990-1993e com aumento do desemprego, que passou a oscilar entre 6,5% e 7%, contraos cerca de 3% observados no m da dcada de 1980. Com este plano econ-mico e o controle da inao, as remuneraes mdias reais aumentaram cerca de20% entre 1993 e 1995, passaram por um perodo de estagnao e, a partir de1998, entraram em uma trajetria de queda que perdurou at 2003. Da mesmamaneira, o desemprego comea a subir de 7% at chegar a mais de 10% em 1999.Apenas em meados dos anos 2000, mais particularmente a partir do binio 2004-2005, que ambos os indicadores passam a apresentar comportamento positivo:o ndice de desemprego cai dos 10% para menos de 8% e a remunerao mdiado trabalho acumula um ganho real de 17% entre 2004 e 2008, chegando a R$

    1.042,00. Apesar disso, no entanto, ambos continuam piores do que o observadoanteriormente. O ndice de desemprego ainda no voltou a se aproximar dospercentuais obtidos na dcada de 1980 e a remunerao do trabalho continuaem um nvel inferior ao vericado entre 1995 e 1998. A boa notcia, contudo, que, pela primeira vez em muito tempo, tambm o percentual de trabalhadores

    13. O ndice de desemprego o percentual de pessoas que no tinham trabalho, mas estavam procurando na semanade referncia da PNAD. A remunerao mdia do trabalho calculada apenas para aqueles trabalhadores remunera-dos e deacionada de acordo com a sugesto de Corseuil e Foguel (2002). Os dados para 1991, 1994 e 2000 foram

    obtidos por interpolao.14. Na verdade, a inao, medida pelo ndice Nacional de Preos ao Consumidor (INPC), cou razoavelmente estvel,porm em um patamar elevado (entre 95% e 100% a. a.), entre 1980 e 1982; disparou entre 1983 e 1985, chegandoa 239% a. a. Com o Plano Cruzado, em 1986, a inao foi momentaneamente controlada, caindo para 59% a. a. Nosanos seguintes, contudo, houve novo descontrole inacionrio e, em 1989, o INPC acumulado foi de 1.863% a. a. Operodo pr-Plano Real foi tambm de bastante instabilidade, com novo recorde inacionrio em 1993 (2.489% a. a.).

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    formais15 subiu de forma consistente nos ltimos anos, chegando a 42,8% daPEA em 2008, depois de patinar em torno de 36% nos anos 1990 e de atingir umvalor mnimo de 34,2% em 199916.

    GRFICO 5ndice de desemprego aberto e remunerao mdia real dos ocupados Brasil,1981-2008(Em &)

    Fonte: Microdados da PNAD/IBGE.

    15. Consideramos neste estudo como trabalhadores formais todos os empregados com carteira assinada, os funcion-rios pblicos estatutrios e os militares.16. Vale observar que o percentual de empregadores e de trabalhadores por conta prpria na PEA no apresentaramgrandes variaes entre 1981 e 2008. O primeiro oscilou entre 3% e 4% ao longo de todo o perodo; o segundo variouem torno de 21% e 22% at meados dos anos 2000, quando passou a declinar lentamente, de modo que, em 2008,os trabalhadores por conta prpria representavam 19,6% da PEA.

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    preciso ter em mente, de qualquer maneira, que a crise no mercado detrabalho no afetou o Brasil todo por igual. Os maus resultados dos anos 1990foram inuenciados principalmente pelo pssimo desempenho das RMs. Assim,

    por exemplo, entre 1995 e 2003, a remunerao mdia do trabalho nestas regiesdespencou 25,7%, de R$ 1.501,00 para R$ 1.115,00. No Brasil no metropoli-tano, tambm houve queda, mas bem menor, de cerca de 11,4%, de R$ 892,00para R$ 790,00. Nesse intervalo de tempo, o ndice de desemprego aumentou de8,3% para 14,1% no Brasil metropolitano e apenas de 5,7% para 8,5% no resto dopas. Da mesma maneira, at mesmo a recuperao econmica entre 2003 e 2008beneciou menos as RMs: nestas, a renda mdia do trabalho cresceu pouco menosde 12% em cinco anos, contra praticamente 20% do Brasil no metropolitano.

    Em outras palavras, alm de um perodo de crise e outro mais curto de cresci-mento, o que os dados parecem mostrar uma tendncia de recongurao espacialdo mercado de trabalho brasileiro. Durante boa parte do sculo XX, as RMs foram asgrandes propulsoras do crescimento, recebendo muito mais investimentos pblicos eprivados do que o resto do pas, o que, por sua vez, tambm estimulou a migrao emmassa. O que as ltimas duas dcadas mostram uma diminuio da distncia entre elase o Brasil no metropolitano, com uma distribuio menos concentrada dos postos detrabalho e, at mesmo, um crescimento populacional mais homogneo, como foi visto.Os dados de Ramos e Ferreira (2005), por exemplo, reforam a tese da despolarizao eda realocao geogrca do emprego formal, em especial do emprego industrial: entre1995 e 2003, houve um aumento de 12% no nmero de postos de trabalho formaisnas RMs, contra 37% no resto do pas; j o emprego industrial caiu 13% nelas e cresceu27% no Brasil no metropolitano. Um efeito colateral desta recongurao espacial, porsinal, o de que o tom apocalptico adotado por muitos autores ao falar do mercado detrabalho nos anos 1990 provavelmente pode ser atribudo, em parte, anlise exclusivade dados da Pesquisa Mensal do Emprego (PME), cuja cobertura restrita a apenasseis RMs e que, portanto, tem resultados muito inuenciados, sobretudo, por Rio de

    Janeiro e So Paulo, que foram as regies que mais sofreram com a crise. Isso no sig-nica, naturalmente, que os diagnsticos destes autores estivessem errados: com efeito, possvel imaginar que parte da frustrao e do malaisemuitas vezes encontrados nasRMs resulte da incapacidade de realizao de expectativas tipicamente modernas em umcenrio de relativa estagnao econmica. O que no se pode, contudo, extrapolar estecenrio para o resto do pas, que vivenciou uma trajetria bastante distinta.

    Esses movimentos cam bem ntidos nos grcos 6A, 6B e 6C, a seguir,que mostram o percentual de trabalhadores por setor econmico.17 A diminuio

    17. Para garantir a compatibilidade das PNADS 1981-2008, foi preciso recorrer a esta classicao bastante avtgrega-da, que infelizmente acaba ocultando as transformaes ocorridas em um mesmo setor. Vale lembrar que, em inds-tria, inclumos tanto os trabalhadores da indstria da transformao quanto os da construo civil e de outras ativi-dades industriais e que os servios consideram prestadores de servios, empregados domsticos e outros exemplos.

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    brutal da participao do setor agrcola uma tendncia que vem de longa datae que manteve praticamente o mesmo ritmo entre 1981 e 2008, puxado quaseexclusivamente pelo Brasil no metropolitano. O crescimento do trabalho no

    setor de servios outra tendncia forte e razoavelmente constante dos ltimos 30anos: entre 1981 e 1999, a variao em p. p. foi idntica nas RMs e no resto doBrasil; s nos ltimos dez anos que houve divergncia, com o setor de serviosno Brasil no metropolitano continuando a absorver relativamente mais mo deobra enquanto as RMs se mantiveram estveis.

    Mais interessante o comportamento do trabalho industrial. Em 1981, opercentual nessas regies era muito maior do que nas do resto do pas; no entanto,com todas as transformaes mencionadas anteriormente, a participao percentual

    do emprego na indstria convergiu e se tornou praticamente idntica em ambasem 2008. No total, tomando o Brasil como unidade de anlise, v-se que as duastrajetrias opostas acabam quase se anulando, com apenas uma pequena queda daparticipao da indstria menos do que a desindustrializao, o movimento quemais chama a ateno o esvaziamento do setor agrcola e a subsequente absoro detrabalhadores no setor de servios. Por m, o percentual de trabalhadores envolvidosna administrao pblica subiu bem levemente, tambm como resultado de duastendncias opostas (queda relativa nas RMs e aumento relativo no resto do Brasil).

    GRFICO 6Distribuio dos trabalhadores por setores econmicos Brasil, regies metropoli-tanas e no metropolitanas, 1981-2008(Em %)

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    Felizmente, esse comportamento errtico do mercado de trabalho pdeser pelo menos parcialmente atenuado pela expanso e consolidao do sistemabrasileiro de proteo social, principalmente depois da CF/88. No cabe nesteestudo, claro, fazer um balano de todas as conquistas e os obstculos surgidosdesde ento (IPEA, 2009), mas vale a pena repassar alguns nmeros que ilustramo impacto das mudanas, pelo menos no que diz respeito garantia de renda. 18

    18. Por motivos de espao, no ser possvel abordar neste estudo outros trunfos da poltica social nas ltimas dca-das, como a institucionalizao do Sistema nico de Sade (SUS) e a expanso do ensino pblico.

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    Em primeiro lugar, notvel a ampliao do papel cumprido pela Pre-vidncia Social, tanto em termos do nmero de beneficirios quanto dovalor mdio dos benefcios. Em 1981, 6,5% da populao recebia aposenta-

    dorias ou penses; e entre a populao com 65 anos ou mais, cerca de 72%eram beneficirios. Em 1995, o percentual de aposentados j estava prximodos 10%, chegando a 12% em 2008. A cobertura entre a populao idosatambm melhorou: nesse ltimo ano, quase 86% das pessoas com 65 anosou mais recebiam aposentadorias ou penses. Enquanto a renda mdia realdo trabalho permaneceu estagnada na comparao entre 1981 e 2008, a dasaposentadorias e penses somadas cresceu 50%, em especial por causa dosaumentos reais do salrio mnimo (SM). Logo, enquanto na PNAD 1981 a

    renda do trabalho representava 85% do total e as aposentadorias e pensescorrespondiam a 9,5%, na PNAD 2008 a participao do trabalho caiu para76% e a das aposentadorias e penses chegou a 18% da renda total.

    Alm disso, os benefcios no contributivos tambm se expandiram. OBenefcio de Prestao Continuada (BPC) um bom exemplo: previsto naCF/88 e regulamentado em 1993 pela Lei Orgnica de Assistncia Social(Loas), um benefcio mensal no contributivo e incondicional no valor deum SM destinado a idosos com 65 anos ou mais e pessoas com deficinciaincapacitante cuja renda familiar per capita seja inferior a um quarto deSM.19 De acordo com dados administrativos,20 entre 1996 ano em quecomeou a ser concedido e 2009 o programa cresceu quase dez vezes.No fim de seu primeiro ano, foram emitidos quase 350 mil benefcios; emdezembro de 2009, j eram quase 3,2 milhes. O montante das transfern-cias do programa atingiu R$ 16,8 bilhes em 2009, cerca de 0,55% do PIB.Trata-se, sem dvida, de um dos grandes feitos da poltica social brasileirados ltimos tempos, sobretudo quando se considera todas as evidnciasque apontam para um excelente grau de focalizao nos mais pobres, que

    permite que o progr