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1 n ̊ 175 175 Ano 15 Novembro 2012 R$ 10,90 www.revistacult.com.br CAIO TÚLIO COSTA A trajetória do jornalista, escritor, professor e empresário que percorreu os diversos caminhos da comunicação. PERFIL O PRIMEIRO OMBUDSMAN BRASILEIRO

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Uma Grande Reportagem em forma Perfil sobre o Primeiro Ombudsman da Imprensa brasileira, o Jornalista Caio Túlio Costa. Redação: Débora Dias, Jessica Fiuza e Larisse Alves./ Fotografia: Jessica Fiuza, acervo e divulgação./ Revisão: Vicente dos Anjos./ Diagramação: Eleonora Branco e Jessica Fiuza./ Impressão: Soluções Gráficas InPrima./ Orientação: Fabio Silvestre Cardos

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175Ano 15 Novembro 2012 R$ 10,90www.revistacult.com.br

Caio Túlio CosTa

A trajetória do jornalista, escritor, professor e empresário que percorreu os diversos caminhos da comunicação.

PERFIL

O pRimeiRO OmbudsmAN bRAsileiRO

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LEITURA PRIVILEGIADA.JORNALISMOCULTURAL INDEPENDENTE CRÍTICO

Redação:Débora Dias, Jessica Fiuza, Larisse Alves

Fotografia:Jessica Fiuza, imagens de arquivo pessoal e divulgação.

Revisão:Vicente dos Anjos

Diagramação:Eleonora Branco e Jessica Fiuza

Impressão: InPrima Soluções Gráficas

Orientação:Fabio Silvestre Cardoso

Descobrir a verdadeira personalidade de Caio Túlio Costa, o primeiro ombudsman brasileiro, e apresentá-lo ao leitor da Revista Cult mostrou-se uma tarefa complexa, porém insti-gante – mesmo contando com depoimentos de amigos e familia-res ou com as palavras do próprio perfilado. Falar de um jornalista que se destacou como um ícone de sua época, e cuja atuação estendeu-se a tantos segmentos da comunicação, é propor-se a abordar uma variada gama de assuntos e discussões, isto porque até mesmo os amigos mais íntimos o descrevem como uma figura controversa, portadora de diversas faces e feitos. Caio Túlio Costa não dispôs de muito tempo para os encontros e entrevistas, tanto pela agenda cheia de compromis-sos, quanto pela resistência em expor alguns aspectos de sua vida pessoal. Ser o personagem principal talvez o tenha deixado apreensivo, incomodado, ou até mesmo irritadiço e, de maneira contrastante, lisonjeado. Nesse período, a equipe presenciou momentos em que se mesclavam humildade, arrogância e timidez, e, aos poucos, o jornalista foi justificando com as próprias atitudes a complexida-de não só de sua carreira, mas de seu modo de ser: transgressor de limites e, em contrapartida, conservador em sua ideologia. Devido ao caráter multidisciplinar de Caio Túlio Costa, torna-se inviável classificar o ombudsmanato – cargo que lhe deu maior visibilidade – como o ápice da carreira, pois o jornalis-ta não parou por aí e, ainda hoje, mantém uma postura inovadora e empreendedora no mercado. Nas próximas páginas, apresentamos a trajetó-ria desse profissional e suas contribuições nas diversas áreas em que atuou, obtida com valiosos depoimentos de quem acompanhou de perto a trajetória de Caio Túlio Cos-ta, o que ajudou, desta forma, a entender também algumas de suas características pessoais mais peculiares. Nas diver-sas entrevistas, foi possível conhecer e traduzir um pouco de cada traço de sua personalidade: do simpático e descon-traído ao irritado e irônico, retraído e arredio. Há um Caio para cada contexto, para cada situação, do polêmico ao político. Talvez, ele corresponda apenas a uma des-tas faces, a nenhuma delas ou a todas ao mesmo tempo. Caio Túlio Costa nos surpreende a cada encontro e a cada história obtida de amigos, desafetos e familiares. O produto de tudo isso é um relato, pretensamente mi-nucioso, de um Caio Túlio Costa indecifrável!

Uma possível face de caio Túlio cosTa

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perfil

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eNfim, cAiO!

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os 58 anos de idade, o jornalista Caio Túlio Costa mantém o mesmo olhar determinado e firme, o mesmo sarcasmo e irritação camuflados quando

contrariado e, apesar dos cabelos agora já grisalhos, a mesma convicção em seus valores éticos e de seu papel como jornalista, de quando ainda era apenas um jo-vem ativista em início de carreira. Essas características marcantes lhe renderam amigos verdadeiros, algu-mas polêmicas e desafetos ao longo da trajetória. Em seus 40 anos como jornalista, tanto a sua carreira, como a sua perso-nalidade podem ser consideradas paradoxais: não contente em atuar em uma única área, foi da redação à sala de aula sem deixar passar despercebidas suas realizações e contribuições em nenhum desses segmentos. O profissional persistente, com resquícios de teimosia e arrogância, de espírito empreendedor, inovador, e até mesmo revolucionário é, na verdade, o mes-mo menino tímido, de atitude simples e personalidade doce, como é definido por alguns amigos íntimos.

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uem observa o jornalista Caio Túlio Costa trabalhando em uma sede de campanha eleitoral, na Rua Libero Ba-

daró – Centro de São Paulo –, não imagina que está diante de um dos mais influentes jornalistas de sua época. Caio agora é um em-presário de comunicação bem-sucedido, sócio da empresa MVL Comunicação, que, desde 2010, entre outros projetos de renoma-das empresas, está envolvida com marketing político. Apesar da expressão cansada e compenetrada, Caio mantém uma atitude cordial e atenciosa. Sua camisa listrada, ri-gorosamente alinhada, e a pesada armação dos óculos sugerem seriedade. “O melhor momento do Caio é quando ele é menos pretensioso. Não acho que ele atinja o melhor na pretensão, mas sim com o pé no chão, menos sério”, afirma o jornalista Ubiratan Muarrek, amigo de Caio Túlio, que lhe foi apresentado por Bel Kranz, segunda esposa de Caio na época, e ex-colega de redação de Muarrek, na Folha da Tarde. O próprio Caio reconhece ficar irritado em receber críti-cas relacionadas às suas obras e emite uma resposta contraditória: “Eu fico puto às vezes. Bravo, penso que o cara não entendeu nada do que leu. (Risos). Mas eu sou um cara que lida bem

com as críticas. Sou um ser humano normal, mas acho que tenho um estômago mais preparado para receber críticas, pelo fato de criticar muito. Então, lido bem. Algumas coisas, sem dúvida, me emputecem, mas tudo bem. Não tenho grandes dificuldades com isso não”. Apesar da autoconfiança indicada pelos amigos, Caio Túlio mostra-se crítico em relação a si mesmo: “Acho que a tei-mosia pode ser um dos bons defeitos que tenho. Muitas vezes me apresso, no sentido de tentar resolver alguma coisa rapidamente. Isso faz com que as coisas não fiquem muito bem feitas”, afirma ele. O jornalista de ar professoral apresenta diferentes pos-turas e atitudes: da altivez e leve arrogância à humildade e des-contração. São muitas as faces que compõe Caio Túlio Costa. Outra característica que lhe é peculiar é a reserva quan-do o assunto é a vida pessoal. Apesar da voz mansa de tom suave, a postura retraída e a irritação denotam contrariedade ao definir a própria personalidade: “Esse tipo de entrevista é meio sacal, né? Como jornalista, eu nunca fiz esse tipo de pergunta. Acho que sou uma pessoa chata”, afirma Caio, categoricamente.

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De lagartixa a camaleãoEnquanto era ombudsman da Folha de S. Paulo, Caio Túlio Costa comprou uma briga que lhe rendeu o apelido de lagartixa pré-histórica. Vinte e três anos depois, o jornalista mostra-se um “camaleão” adaptável aos diversos contextos e desafios enfrentados na profissão, até hoje.

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ara os familiares, era certo que o menino Caio Túlio Costa seguiria os planos de seus pais e se torna-

ria médico. Porém, segundo sua irmã mais nova, Lúcia Emília, desde pequeno ele já dava indícios de que escolheria outros ca-minhos: lia Manoel Bandeira e se interes-sava muito por literatura. Com 16 anos, após a morte do pai, Caio Túlio foi incetivado pela “Tia Léa” - professora e diretora teatral -, a se-guir a carreira de jornalista. Desde sua atuação em Zé Lati-nha – jornal criado por Caio, ainda no co-legial, e editado por ele com a ajuda da tia –, o adolescente já dava indícios do que mais tarde seriam consideradas duas suas principais habilidades: o olhar de editor nato e o interesse por tecnologia. Aos 18 anos, mais uma vez in-centivado por Tia Léa, Caio Túlio deixou a farmácia na qual trabalhava desde os 11 anos e ingressou como redator e colunista em O Imparcial, jornal de Tupi Paulista, dirigido por Belmar Ramos. Também co-nhecido como “Bananeira”, Ramos foi o primeiro professor de jornalismo de Caio. O gosto pelo jornalismo tornou-se evidente e, em 1974, aos 20 anos, Caio Túlio Costa ingressou na Escola de Comu-nicação e Artes, a ECA, da Universidade de São Paulo. Caio destacava-se pela determi-nação e esforço que se faziam necessários na época da universidade: “O Caio sem-pre teve uma característica muito marcan-te. Da nossa turma, ele era o único que

precisava trabalhar para sobreviver. Nós éramos todos da classe média, nossos pais pagavam os estudos, mas o Caio não tinha essa condição. Ele saía de manhã da aula e, na hora do almoço, ia trabalhar”, re-corda Matinas Suzuki, jornalista e amigo de Caio Túlio.

No mesmo período, o Brasil sofria repressão da ditadura militar. Nesse contexto, dentro das universidades, for-mavam-se agremiações dedicadas a lutar contra a censura no País. Ser jornalista e protestar contra a falta de liberdade de ex-pressão certamente exigiria coragem, ca-racterística que foi essencial a Caio Túlio desde o primeiro dia de aula do curso de jornalismo, quando teve o primeiro conta-to com o movimento estudantil. Junto a muitos outros estudantes brasileiros, Caio Túlio participou também da Libelu (Corrente de Liberdade e Luta),

uma das organizações que permitiu impul-sionar e estruturar o movimento etudantil. Criada em São Paulo, na déca-da de 1970, a Libelu era uma corrente de esquerda, cujo propósito era denunciar o que seus integrantes acreditavam ser abusos da ditadura militar e combater a direita reacionária. Também delatavam o que na época era classificado por eles como a “farsa do socialismo burocrático” nos países do leste europeu, assim como os abusos de poder da esquerda em Cuba, conforme apontam os jornalistas Glauco Faria e Thalita Pires na revista Fórum, pu-blicada em 2010. De base trotskista, a Libelu era contra todas as formas de repressão ou luta armada, enfatizava o direito à demo-cracia por meio das publicações indepen-dentes impressas pelo campus da ECA. Nessa época, Caio Túlio ajudou a editar jornais estudantis de boa repercus-são como o Dois Pontos e o Avesso (de 1975 a 1977) e colaborou com a criação do jornal alternativo O Beijo (1978), este último de cunho mais político. Segundo Matinas Suzuki, a per-sonalidade forte e disciplinada e o olhar de editor rapidamente levaram Caio Túlio à frente das publicações: “O Caio sempre foi o cara que organizava o recebimento e o fechamento das matérias, mesmo na-quela bagunça, basicamente sem discipli-na nenhuma. Ele sempre teve o gosto de ajudar na diagramação, acompanhar na gráfica. De certa maneira, ele era um dos responsáveis pelos jornais saírem”.

da ecA à folha de s. paulo

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“em certo momento, durante o movimento estudantil, tivemos que-nos esconder. todos nós demos nossos nomes na gráfica para imprimir ojornal dois pontos. cutu-cávamos a onça com vara curta.” silvia poppovic

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da ecA à folha de s. paulo

Ao mesmo tempo em que se popularizava o jargão Abaixo a Ditadura, a repressão por parte do regime militar aumentava: “Em certo momento, durante o movimento estudantil, tivemos que nos esconder. Todos nós demos nossos nomes na gráfica para imprimir o jornal Dois Pontos, no qual utilizávamos a ilustração feita por um preso político. Cutucávamos a onça com vara curta. Obviamente que, na semana seguinte a polícia estava atrás de to-dos: resolvemos dar uma sumida e fo-mos pra minha casa de Ibiúna. Ficamos lá uns quatro ou cinco dias escondidos. Fazia um frio do cão, era mês de julho, uma umidade danada, e nós passamos os quatro dias ali. Caio, o Mario Sérgio, a Terezoca e eu, toda a turma que fazia o jornal”. A lembrança é de Silvia Poppovic, sobre uma das investidas policiais que o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) fez na USP, em busca dos responsáveis pela publicação. Silvia lembra que, pouco tempo depois, eles passaram por uma grande tur-bulência e enfrentaram um dos maiores medos que um militante daquele período poderia ter, o de ser interrogado pelo de-legado Fleury. Sérgio Fernando Paranhos Fleury, também conhecido como Papa: um homem de estatura média, acima do peso, de olhar compenetrado e domina-dor, era delegado do DOI-CODI. “Levamos um susto, porque naque-la época você entrava ali e não sabia se saía. Nós tínhamos um colega conhecido como Ceará. Ele tinha uma aparência mais pobre, mais rústica, e levou uns sa-fanões do Fleury na cabeça porque foi mais bravão. Nós sentimos muito medo, mas também nos sentimos fazendo a dife-rença”, completa Poppovic. Fleury era famoso na caça aos comunistas e temido por suas requinta-das técnicas de tortura, evidenciadas por casos como o de Frei Tito, que após ser torturado pelo delegado, enlouquecido, suicidou-se anos depois em um convento na França. Em 2003, Caio decidiu recon-tar a história de um dos momentos mais importantes do movimento estudantil por meio do livro Cale-se, no qual relata a saga de Alexandre Vannucchi Leme – um jovem ativista, torturado por Fleury e morto pela repressão.

A obra também retrata a impor-tância das ações de militância estudantil organizadas pela Refazendo, movimento paralelo à Libelu. Ambas discutiam o so-cialismo utópico e tinham nas ações cultu-rais uma forma de reivindicar a redemo-cratização. A truculência policial, a mani-pulação de informações por parte do Esta-do e a vulnerabilidade da mídia emergem das páginas do livro por meio de depoi-mentos de militantes e seus familiares, criando um ritmo quase cinematográfico e revelando grande potência narrativa. Registrar essas histórias foi ideia de Ary Perez, ex-militante da Refa-zendo e adversário político de Caio Túlio na época. Perez procurou Terezoca - ami-ga de Caio Túlio na época da ECA- pedin-do para que ela escrevesse o livro: “Por que você não pede para o Caio? Ele está sem fazer nada mesmo”, respondeu ela. “Se prestar consultoria para clien-tes exigentes, dar palestras, ministrar aulas e ainda preparar as bases de uma nova empresa é fazer nada, então eu es-tava mesmo fazendo nada. Por isso, topei a tarefa quando o Ary me convidou para escrever essa história”, rebate Caio, bem-humorado. Aceitar o convite de Ary deu a Caio duas oportunidades: demonstrar que a rivalidade entre a Libelu e a Refazendo tinha ficado no passado e alfinetar Perez com uma velha brincadeira. “Teria que ser mesmo alguém da Libelu para contar a história da Refazendo, nem isso vocês conseguem!”, afirma Caio nos agradeci-mentos do livro, demonstrando o humor habitualmente irônico e sarcástico, con-

forme definido por amigos íntimos como característica específica de sua personali-dade. “Eu acho que ele é uma pes-soa muito engraçada. Você não sabe se ele está brincando ou falando sério. Essa ironia é quase inglesa: às vezes pode ser que ele esteja sendo altamente gozador e quem não conhece não percebe. É muito sutil. Ah, mas preste atenção! Pode ser que vocês já tenham sido vítimas sem te-rem notado”, diz Terezoca. Quem acompanhou a trajetória de Caio Túlio Costa sabe que, por trás do profissional sério e bem-sucedido, existem histórias com tom de humor, a exemplo da lembrança de Silvia Poppovic: “Eu tinha feito uma viagem para a Europa e, pela primeira vez, enfrentado neve para valer. Então, comprei uma botina que tinha um tamanho maior que o meu pé, mas com-prei mesmo assim, porque era um sapato em que não entrava neve. Quando cheguei ao Brasil, não tinha o que fazer com aqui-lo, então passei pro Caio Túlio, que a usou por anos e anos. E a gente sempre brin-cava, ele adorava. Aquilo era importante pra ele e eu jamais iria usar aquilo outra vez”, conta Poppovic. Outra amiga da que recorda aventu-ras e dificuldades é Terezoca: “O primeiro automotor dele foi uma lambreta. A gente saía da USP e almoçava na casa da minha mãe. Depois, íamos trabalhar na Edito-ra Brasiliense, de lambreta. Em uma das primeiras vezes, a lambreta empacou num cruzamento entreas avenidas São João e Rio Branco, foi um horror. Xinguei e fiquei brava. Foram bons momentos juntos”, re-lembra, com carinho.

Silvia Poppovic, em seu apartamento em Higienópolis, relembra momentos vividos com Caio Túlio desde a época da ECA.

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Entre a cultura e o ombudsmanato: os 21 anos de grupo folhaonfesso admirador de poetas mo-dernistas, como Manuel Bandeira e T. S. Eliot, e de cineastas como

Godard, Caio Túlio Costa não esconde o interesse por literatura e arte: “Gosto de ler e quando há tempo sempre tenho um livro à mão”, diz ele. Aos 26 anos, ao lado dos jorna-listas Claudio Abramo e Caio Graco Pra-do, Caio Túlio já dirigia book review: Leia Livros, uma publicação da Editora Brasi-liense, que contava com colaborações mensais dos ex-colegas de ECA, Matinas Suzuki Jr., Rodrigo Naves, Renata Rangel e Mario Sérgio Conti. Nomes que, alguns anos depois, vieram a compor o quadro de funcionários do caderno Ilustrada da Fo-

lha de S. Paulo, sob o comando de Caio Túlio, primeiro jornalista dessa geração da ECA a assumir um cargo de chefia no veículo. Em 1981, aos 27 anos, foi con-tratado pelo jornalista Boris Casoy: “Eu conheci o Caio quando ele me foi reco-mendado por pessoas amigas, porque ele era executivo de uma revista de resenha literária, a Leia Livros, que era muito bem feita. Uma das pessoas foi o Cláudio Abramo, que dirigia a publicação. Ele me disse que tinha um cara ótimo lá. A ideia era trazer o Caio para a Folha para ser editor da Ilustrada e, de fato, eu o trouxe para isso”, relata Boris Casoy, na época diretor de Redação da Folha de S. Paulo.

De fato, a Folha necessitava de um jornalista jovem, disposto a arriscar e que falasse com autoridade e agilidade sobre a agenda cultural, como lembra o próprio Caio Túlio “Até então, os outros jornalistas da Ilustrada tinham um certo desprezo pelo mercado. Desprezo esse que, de certa forma, as pessoas que eu levei para lá e eu combatemos. Nós co-locamos o caderno no mercado. Nós nos preocupávamos com aquilo que as pesso-as estavam consumindo. Não importa se você iria ser crítico ou não, mas teria que estar atento aos movimentos artísticos, mercadológicos, aquilo que estava acon-tecendo, tanto no Brasil quanto fora. Essa foi a grande mudança feita.”

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O jornalista Pepe Escobar afir-mou em entrevista a Marcos Augusto Gonçalves, publicada no livro Pós-Tudo: 50 anos de Cultura na Ilustrada na Folha, lançado em 2008 pela PubliFolha que: “Se Glauber Rocha, na década de 1960, tinha apenas uma câmera na mão e uma ideia na cabeça para reinventar o cinema, Caio teve um jatinho – como era conhecida in-ternamente a Ilustrada – na mão e muitas ideias pra transformar a imprensa”. Caio Túlio ficou no cargo duran-te um ano – de dezembro de 1981 a de-zembro de 1982 – e, segundo Boris Casoy, enquanto editor da Ilustrada foi responsá-vel por uma transformação no caderno: “A Folha Ilustrada, que era voltada, a meu ver, para o passado, era uma espécie de apêndice da Folha, com pouquíssimo con-tato com aqueles novos tempos. O jornal dava pouca importância para ela. O Caio veio e, eu não teria problema em usar o termo, revolucionou a Folha Ilustrada. A Ilustrada de hoje é uma continuação do que o Caio criou. Ele deu um novo impul-so e a inseriu na modernidade de artes e espetáculos. Em arte eu estou incluindo literatura. E, especialmente, trouxe gente muito competente”, analisa Boris. Matinas Suzuki Jr., um dos amigos de Caio chamado para compor a equipe da Folha, reafirma a constatação de Boris: “O Caio é muito organizado, ele é um cara de fechamento, e deu uma estrutu-ra para a organização que funcionava tão bem, sem a qual, eu não teria conseguido fazer as coisas que eu fiz”, diz o sucessor de Caio Túlio e um dos principais editores da história Ilustrada. Outro jornalista que dá desta-que às qualidades de Caio enquanto editor é Leão Serva, recordando um momento quando dava demonstrações dessa capaci-dade: “O Caio estava andando pela reda-ção, então parou na minha mesa e me per-guntou o que eu estava fazendo. Expliquei que estava escrevendo uma matéria sobre o Gil Gomes. Então o Caio falou: “Ah, é?

Aposto que não disse qual é o número da rá-dio dele no dial”. E eu não tinha posto o dial da rádio mesmo. Ele tinha uma capacidade, quase que espírita, de antever os defeitos mais decorrentes da redação e avisava. Com isso, ele antecipava problemas e con-seguia também tornar mais harmônico o fechamento do jornal”. Além disso, o destaque dado por Caio Túlio ao colunista Paulo Francis leva-ra a Folha a conquistar um de seus maiores fenômenos culturais: “O Caio percebeu que o Paulo Francis tava meio encolhido na coluna que ele fazia e abriu uma pá-gina inteira pra ele, com ilustração. Essa foi uma das coisas mais importantes que aconteceram naquele momento”, recorda Matinas. Esse tipo de atuação despertou a atenção do jornal que, em apenas um ano, promoveu Caio Túlio a secretário de reda-ção: “a qualidade do trabalho dele o levou a isso”, observa Boris. O ex-chefe de Caio não dispensa elogios a ele, mas de maneira bem- -hu-morada relembra um “defeito” da época de Folha de S. Paulo: “Ele era um pouco gago. (Risos). É isso”. Enquanto foi secretário de re-dação, um dos desafios que o cargo lhe trouxe foi a informatização da redação em 1983 e a implantação do Manual de Reda-ção em 1984. A despeito dessas conquistas, a responsabilidade trazida pelo cargo, soma-da aos desafios propostos e à pouca idade do jornalista fizeram com que ele se tor-nasse um chefe exigente e com dificulda-des de relacionamento com a equipe. “O Caio era extremamente rigoroso, de um humor muito ácido. As pessoas lidavam com ele com muito medo, com angústia, com insônia, com nervosismo, mas ao mesmo tempo era um chefe muito eficiente, e contribuiu com o nosso aprimoramento

profissional, nós melhoramos muito gra-ças a ele, a essas cobranças”. O próprio Caio reconhece que, na época, tinha pouca experiência no trato com seus subordinados: “Provavelmente, em função da idade, eu era muito insegu-ro, pela própria inexperiência, mas nunca tive dificuldade não. Eu me dei bem. Eu não tive dificuldade. As pessoas tiveram dificuldade comigo, pelo fato de me acha-rem muito autoritário, justamente pela insegurança proporcionada pela juventu-de”, pontua o jornalista. Apesar da postura de certa forma autoritária, na mesma época, alguns ami-gos de redação puderam vislumbrar outra face do jornalista. A face ousada e irôni-ca: “Ás vezes ele incorpora o personagem Caio Túlio. Ele interpreta e é engraçado. Em 1986, estávamos no Festival de Can-nes escrevendo para a Folha e teria uma sessão de estreia de um filme do Godard. Eu cheguei atrasado durante a sessão, e o Caio não conseguiu guardar um lugar pra mim. Então, fiquei em um mezanino no fundo do teatro. Quando acabou o filme, a sala ficou em silêncio e eu, lá de trás, pude ver o Caio se levantar e começar a bater palmas fervorosamente, olhando para os críticos com certo sarcasmo, como se só ele tivesse entendido o filme. Foi pura ma-nifestação de cinismo do Caio Túlio. Só ele para fazer uma coisa dessas de forma engraçada”, revela Matinas. Em 1987, Caio deixou o cargo de secretário de redação e foi para Paris como correspondente internacional, com o objetivo de cobrir a reunião da cúpula do G8. Acabou ficando para a cobertura de todo o Bicentenário da Revolução France-sa e para a cobertura das eleições presiden-ciais que reelegeram François Mitterrand.

“O caio veio e, eu não teria problema em usar o termo, revolucionou a folha

ilustrada.” boris casoy

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Quando alguém é pago para defender o leitor

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pós retornar da França, Caio as-sumiu o cargo que o tornaria

conhecido como o primeiro ombudsman brasileiro. E foi com o título Quando al-guém é pago para defender o leitor que o jornalista deu início, em 24 de se-tembro de 1989, à primeira coluna de seu ombudsmanato – nome dado ao período em que um jornalista exerce a função de ombudsman. Era a primeira vez que um veí-culo brasileiro criava um cargo como esse, no qual o profissional é pago exclusiva-mente para mediar o relacionamento en-tre o veículo e seus leitores, ouvindo suas críticas, representando-os na redação, de-fendendo seus interesses, trazendo as res-postas dadas pelo veículo e, principalmen-te, apontando os erros do próprio jornal, visando, assim, ampliar a transparência e desenvolver um jornalismo cada vez mais preocupado com o seu papel na sociedade. Ou, pelo menos, esse era a o objetivo ofi-cial da função. Mas o cargo não chegou por acaso às mãos de Caio Túlio. Em meados dos anos 80, Otávio Frias Filho, o Ota-vinho, filho do Sr Frias, há pouco tempo fora incumbido de dirigir a redação da Folha de S. Paulo e acompanhava rigoro-samente o trabalho desenvolvido no jornal norte-americano, The Washington Post, e o espanhol El País, ambos então conside-rados como modelos de qualidade jorna-lística para a Folha. Ambas as publicações apresen-tavam um colunista com uma função até então não explorada em sua totalidade na imprensa brasileira, pelo menos não com direito a denominação importada e placa na porta, o Ombudsman. E foi em 1986, durante uma das reformas no prédio da sede da Folha de S. Paulo, na Barão de Limeira, que a placa foi fixada em uma das novas salas da re-dação, na Zona Sul, com direito a ar-con-dicionado, carpete e móveis novos. A sala permaneceu desocupada por três longos anos. Os demais jornalistas pouco sabiam sobre a nova proposta do jornal e a real funcionalidade dela.

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Em seu livro Ombudsman: O Relógio de Pascal, Caio Túlio faz uma avaliação da atuação de seus sucessores

O ombudsman era a versão sueca para o re-presentante do povo, e se o conceito surgiu em 1713 para designar ouvidores públicos em geral, os norte- americanos, em 1967, conferiram a esta designação o press om-budsman, ou seja, criaram o ombudsman de imprensa. A ideia surgiu como uma alternati-va para uma das crises de confiabilidade pela qual as gazetas norte-americanas passavam nos anos 1960. Já na década de 1980, o ofí-cio havia se consolidado e o novo diretor de redação da Folha viu a possibilidade de ino-var a estrutura do jornal. De certa forma, a crítica de mídia já havia sido testada na imprensa brasileira por Alberto Dines, em sua coluna “Jornal dos Jornais”, veiculada pela própria Folha de S. Paulo, na década de 1970 e, posterior-mente, no Pasquim. A dificuldade em encontrar um jornalista disposto a ocupar a nova função fez com que a inauguração do cargo fosse adiada, até que por convocação, em 1989, Caio Túlio Costa foi incumbido de ocupar o posto vago. O próprio Caio Túlio afirma que, naquele momento, não tinha muito in-teresse em assumir a responsabilidade, pois estava trabalhando como correspondente na França e pretendia continuar mais tempo por lá, onde já havia realizado a cobertura do

Bicentenário da Revolução Francesa e das eleições para presidência que reelegeram François Mitterrand. Porém, segundo ele, a Folha de S. Paulo não deixou espaço para recusa: “Eu estava em Paris, pensando em ficar lá mais tempo, quando veio o convite para aceitar a função de ombudsman, que eu tinha tentado preencher com outras pessoas quando era secretário do jornal. Eu tinha convidado vá-rias pessoas, que não aceitaram. Por mim, teria ficado na França, mas não foi bem um ‘oh, você quer?’ foi quase que um ‘você precisa aceitar, começamos em setembro’”, explica Caio. Apesar da visão idealista e defi-nição um tanto quanto poética, na prática, o ombudsman desempenhou um papel muito mais comprometido com a crítica a outros veículos do que com a própria Folha, con-forme afirma Leão Serva, amigo de Caio Tú-lio Costa e secretário de redação da Folha de S. Paulo no período de seu ombudsmanato. Leão aponta que o fato de Caio Túlio criticar outros veículos gerou algumas desavenças: “O Caio entendia que o ombudsman deve-ria criticar a imprensa como um todo, mas ele levou tanta porrada que, a partir de um certo momento, os outros ombudsmen não criticavam mais a imprensa”, comenta.

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Logo nos primeiros meses, Caio Túlio encontraria resis-tência não apenas dos concorrentes, mas também dentro da própria redação, entre jornalistas e até mesmo do público. Muitos leitores não conheciam o verdadeiro objetivo do ombudsman, confundindo-o com o SAC – serviço de atendimento ao cliente –, e usavam o canal para queixas administrativas que variavam desde cobrança dupla da assinatura, até brindes extravia-dos. Em alguns casos, chegavam a ligar até mesmo à procura de emprego. Caio Túlio conhecia os desafios propostos pelo cargo, especialmente da dificuldade de assimilação por parte dos jorna-listas, assim como a forte resistência às criticas. Segundo Caio, enquanto ainda era secretário de redação, teve a missão de obser-var e estudar os ombudsmen dos jornais de outros países para com-preender seu comportamento e encontrar a melhor forma de inserir e adequar o cargo ao jornalismo brasileiro. O ombudsman seria responsável por atender os leitores e encaminhar uma possível solução para cada queixa prestada. Além disso, também teria de ler a publicação do dia anterior e criticá-la, apontando desde os erros gramaticais até erros de informação. E, por fim, compará-la com a publicação dos concorrentes. Sua atua-ção como primeiro ombudsman foi marcada por diversas críticas, polêmicas, erros e acertos. O jornalista ocupou o cargo por dois anos, tempo máximo de permanência na função. Entre os muitos críticos da mídia, jornalistas e pesquisa-dores, é quase unânime a opinião de que o cargo de ombudsman pode ser utilizado como uma estratégia publicitária, como afirma o jornalista e cineasta Mauricio Caleiro. Em 2009, Caleiro chegou a publicar um artigo ‘Ombudsman para quê?’ no Observatório da Imprensa, questionando a posição partidária dos jornalistas que as-sumiram o ombudsmanato: “No Brasil, com raríssimas exceções, a criação do cargo de ombudsman, ou ouvidor, nas empresas, pou-co supera o mero truque de marketing”, diz. Caleiro ainda completa: “Defender o jornal e criticar seus concorrentes foram, desde a implementação do cargo de om-budsman, duas das principais distorções inerentes ao exercício de tal atividade na Folha de S. Paulo – e não por serem proibitivas a um ouvidor (pelo contrário), mas pelo modo excessivo e indis-farçado como passaram a substituir o que deveria ser um misto de visão autocrítica e de tradução das críticas dos leitores em relação ao jornal”. Na época, o principal concorrente da Folha de S.Paulo, o Estadão - dirigido pelo Jornalista Augusto Nunes - era o principal alvo das críticas e apontamentos feitos na coluna de Caio Túlio, e em pouco tempo uma piada passou a circular os meios jorna-lísticos: o Estadão já tem o seu ouvidor, falta a Folha arrumar o dela. O chiste resumia o desconforto com o qual era vista a crítica proposta pela Folha de S. Paulo, pois a função do novo cargo era apontar os erros da própria Folha e não os dos demais veículos.

Primeira coluna de Caio Túlio Costa como Ombudsman na Folha de S.Paulo.

Um dos casos que mais geraram alfinetadas entre os dois veículos ocorreu em 8 de outubro de 1989. Caio Túlio pu-blicara em sua coluna uma crítica à influência da política edito-rial na cobertura das eleições para presidente, noticiando que a redação do Estadão teria se reunido com uma equipe da Gallup – Instituto de Pesquisa, Consultoria e Gestão de Negócios – para registrar análises sobre a candidatura de Afif Domingos à presi-dência. Augusto Nunes afirmou que essa reunião nunca existiu e que o fato não passava de invenção: “Não houve a reunião, eu não faria isso. Mas, como nós éramos amigos, eu mandei um bilhete”, reafirma o jornalista 21 anos após o incidente. Caio Tú-lio, no entanto, acreditou que aquela seria uma boa oportunidade para debater a resistência à crítica na imprensa brasileira e publi-cou o bilhete de Nunes na íntegra, atitude que desagradou muito o diretor do Estadão. Nos meses seguintes, muitas farpas foram trocadas en-tre os dois veículos, como acusações de que o Estado de S. Paulo “cozinhava” notícias de outro jornal; e de que a Folha ficcionava notícias, e até mesmo, a divulgação equivocada de um suposto ataque a Israel com armas químicas feitas pela Folha de S.Paulo.

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A acusação sobre o ataque a Israel aconteceu em 18 de novem-bro de 1989. Durante um plantão no Jornal Nacional, noticiário exibido pela Rede Globo, um correspondente internacional – cujo nome não foi di-vulgado – afirmou que o Iraque havia atacado Israel com armas químicas, porém, poucos minutos depois, essa informação foi desmentida. A redação da Folha de S. Paulo estava em horário de fecha-mento no momento do anúncio e de sua retificação, mas não corrigiu a notícia a tempo, por isso, parte da edição do dia seguinte circulou com a manchete: “Saddam lança armas químicas, Israel reage e entra na guerra”. Em resposta ao erro come-tido pela Folha, Augusto Nunes pu-blicou uma matéria no Estadão apro-veitando a oportunidade para criticar não apenas o veículo, mas também o posicionamento do ombudsman: “Eu ilustrei a reportagem com a manche-te e coloquei assim: Folha ataca Is-rael com armas químicas, mas não se preocupem que o ombudsman explica tudo no domingo”, recorda Nunes. Após o incidente, coube ao ombudsman da Folha de S. Paulo ex-plicar a causa da distribuição de 80 mil exemplares, que correspondiam a 20% da tiragem, com a informação incorreta. Em sua coluna, Caio Túlio Costa registrou o erro por parte do secretário de redação: “Foi uma in-formação errada que nós demos ao leitor a partir do confuso e contradi-tório noticiário televisivo”, afirmou o jornalista. Outro jornalista que dis-para fortes críticas com relação à atuação dos ombudsmen brasileiros é Celso Lungaretti. Ele trabalhou como jornalista da Folha de S. Paulo e, em 1970, foi preso após ser acusado

injustamente, inclusive pela grande mídia, de ser delator de um grupo an-tiditadura. A Folha demitiu o jorna-lista e, só após 34 anos, Lungaretti conseguiu provar que a acusação era falsa. Mesmo assim, o jornalista teve pouca assistencia da Ombudsman, Suzana Singer, para conseguir uma retificação : “Eu tive vários contatos com o ombudsman e o que me trans-mitiam era um sentimento de impo-tência e, realmente, o Frias Filho achou que aquilo daria certo valor à imagem da Folha, mas ele nunca respeitou a autonomia do cargo”, co-menta Lungaretti. Além de polêmicas que en-volviam outros veículos, o primeiro ombudsman brasileiro enfrentou pro-blemas internos. Um dos mais conhe-cidos foi o que envolveu o jornalista Paulo Francis, o colunista da Folha mais lido da época, que escrevia so-bre assuntos polêmicos de forma irre-verente e audaciosa. Francis era dono de um humor cáustico e caráter pouco ortodoxo. Justamente por apresentar suas opiniões de forma nada mode-rada, Paulo Francis dividia relações de amor e ódio com os leitores e opi-niões opostas bem delimitadas entre os críticos, o que lhe trouxe impasses, como com o então na época ombuds-man da Folha, Caio Túlio Costa. Durante a campanha para as eleições presidenciais, no final de 1989 – primeira eleição com voto di-reto desde o fim da ditadura – o pú-blico dividia-se entre os candidatos Lula e Collor. A Folha de S. Paulo procurava imparcialidade, porém, Francis criticava duramente Lula e ao eleitorado petista, o que revoltou alguns dos leitores e trouxe uma série de reclamações ao ombudsman.

Augusto Nunes conhecera Caio Túlio Costa muito antes de virar diretor de redação do Estado de S.Paulo. Os dois se conheceram em uma viagem para Atlanta em 1986, em comemoração ao centenário da Coca-Cola. A lembrança de Nunes é diversos shows e bons jantares oferecidos aos gru-pos de jornalistas brasileiros. O coleguismo e a reputação profissional de Nunes, levou até mesmo á um inusitado convite naquele mesmo ano, feito por Caio Túlio. Durante um almoço, Caio ao lado de Otavio Frias Filho, con-vidara Nunes para ocupar o recém formulado cargo de Ombudsman na Folha de S.Paulo. Augusto Nunes tinha acabado de sair da Revista Veja, onde trabalhava há 13 anos, queria ex-pandir sua experiência em uma redação de jornal. Mas não daquele modo: “A conversa foi ótima, mas eu achei que não me agradaria ocupar um cargo que só me permitiria interferir a posteriores no jor-nal. É muito fácil ser engenheiro de obras prontas” Mais tarde, já na época de seu defato com Caio Túlio - quando Túlio era Ombudsman da Folha - Nunes deixava claro seu descontentamento com o media criticism como uma das principais funções do Ombudsman. Em uma de suas cartas á Caio, Nunes escrevera: “No Estado o trabalho de um Ombuds-man é feito por quem dirige a Redação. Se algum dia esse cargo existir por aqui, será contratado al-guém que saiba escrever, não seja grosseiro e tenha independência: não é o seu caso, evidentemente. Não se esqueça de mandar cópia do seu bilhete ao Otavinho: ele talvez fique grato por tamanha sa-bujice. Um último conselho: esqueça o Estado e se preocupe com a Folha, ela merece.” Hoje 21 anos depois, é a primeira vez que Augusto Nunes conversa sobre o ocorrido, e reafir-ma sua posição: “Porque se você precisa de uma pessoa pra dizer no dia seguinte o que saiu de erra-do, e melhor você botar essa pessoa na direção de redação. E incumbi-la de invés de criticar a edição que saiu, impedir que saia o erro. Tantos anos de-pois, eu recusaria o cargo de novo”.

Augusto Nunes 21 anos depois

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Apesar do caráter ético da função de ombudsman ser frequentemente colocado em cheque, foi justamente o cargo que levou Caio a pensar, discutir, escrever e, mais tarde, dar aulas sobre ética jornalística. Caio conta que a questão ética apareceu com mais intensidade quando ocupou o cargo de ombudsman, o que o fez voltar à discussão. Já lecionar foi algo fortuito: “O Eugênio Bucci foi chamado para assumir a Radiobrás, quando o Lula foi eleito, em 2002, e ele era professor de ética na Cásper Líbero. Tanto ele quanto o coordenador de jornalismo, que na época era o Mario Vitor Santos, me chamaram para preencher o buraco deixado pelo Eugênio. Então essa é uma aproximação que começou quando eu era ombudsman, e se aprofundou em função de eu ter aceitado o convite para dar aula de ética na Cásper Líbero naquele momento”. As amplas discussões sobre ética renderam a Caio Túlio uma tese de Doutorado – pautada pela ementa das aulas de Eugênio Bucci – e o livro Ética, Jornalismo e Nova Mídia, publicado pela Editora Zahar. Para Caio, a reflexão é importante porque, segundo ele, no mundo inteiro existem regras de condu-ta para os jornalistas: “Eu acho essas regras de conduta meio discutíveis, porque, quando você se aprofunda na questão da ética, se você faz alguma coisa para parecer ético, isso já não é ético. Se você faz com medo de não parecer que está sendo ético, também não é ético. Ético é aquilo que você faz porque tem a convicção, a certeza da correção daquela atitude que você está tomando em um momento que exige uma definição. Num mo-mento em que há um dilema. É aí que a ética aparece”, enfatiza.

Em resposta, Caio escreveu um artigo em sua coluna dominical, no qual procurava apaziguar os ânimos, afirmando que Francis escrevia crônicas – tipo de texto que não exige precisão jornalística - e que por isso não deveria ser cobrado exatidão de suas publicações. Para Francis, a atitude de Caio foi condescen-dente com o eleitorado petista, sentiu-se ofendido ao ser chamado de cronista pelo próprio amigo. A partir de então, passou a atacar fortemente Caio Túlio. Entre as ofensas, declarou que ele seria apenas um bedel de jornal e que es-tava “despontando para o anonimato”. Caio Túlio não deixava por menos e afirmava que Francis sofria de insegurança e desequilíbrio mental. “Fico imaginando aquela cara ferrujosa de la-gartixa pré-histórica se encolhendo às minhas pauladas. Caio Túlio me causa asco indescritível, não posso garantir que se o encontrar não lhe dê uma chicotada na cara, ou, não, palmadas onde guarda seu intelecto”, afirmou Fran-cis em um dos textos publicados em sua coluna naquele período. As ofensas passaram a ser constantes, e a revis-ta Veja São Paulo chegou a publicar que raras vezes se viu esse tipo de ofensa na imprensa brasileira. A polêmica chegou ao fim em 25 de fevereiro de 1990, com uma inter-venção da direção da Folha e com o pedido de demissão feito por Paulo Francis, após 14 anos escrevendo para a Folha de S. Paulo. Francis rompeu seu contrato e passou a escrever para jornal O Estado de S. Paulo. Atualmente, a Folha de S. Paulo é o único jornal impresso que conta com um ombudsman em sua redação. No entanto, a reavaliação de tantos anos não é muito po-sitiva, ainda é possível se deparar com as mesmas contro-vérsias e questionamentos a respeito da independência de atuação. Segundo afirma Mauricio Caleiro: “Em termos de jornalismo, mesmo a experiência pioneira da Folha de S. Paulo, que, malgrado desde o início ter se mostrado passível de críticas e de ironias, tenderia a se destacar no horizonte, sofreu um retrocesso grave nos últimos quatro anos. Eu não estou afirmando que o ombudsman, como profissional, é uma inutilidade, mas apontando para o fato de que, sem liberdade para exercer sua tarefa e sem que seus pareceres efetivamente repercutam na conduta da pu-blicação, sua função fica desprovida de sentido”.

“fico imaginando aquela cara ferrujosa delagartixa pré-histórica se encolhendo às minhas pauladas.”

paulo francis

O jornalista e comentárista Paulo Francis Foto: Divulgação.

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Leão Serva e Caio Túlio, no lançamento do livro Ética, jornalismo e nova mídia, em São Paulo

O ex-ombudsman afirma que os códigos de ética pecam um pouco por isso, e que são mui-to positivistas. Como se muitas vezes afirmações generalizadas e pouco substanciais dessem conta de explanar e justificar questões mais complexas, e conta que, durante os nove anos em que deu aula, nunca deu um código de ética para os alunos lerem: “No final, eles faziam um trabalho importante: a prova final era o juramento do jornalista, mas com base na discussão e nas ferramentas que eles apren-deram a usar no curso. Não era um curso de forma-ção de caráter”, completa Caio. Dando continuidade à discussão, Caio acredita que há momentos em que é necessário usar uma câmera oculta, por exemplo. Mas a questão não é discutir se isso está certo ou errado: “Não é assim a vida. Se fosse assim, os códigos de conduta resol-veriam todos os problemas de todas as sociedades. Se fosse assim, o imperativo categórico do Kant da-ria conta dos males do mundo. No entanto, o imperativo categórico não dá conta dos problemas do mundo. E o mundo é o mundo, uma maneira de vulgarizar é o cada caso é um caso”, finaliza Caio. O autor do livro Sobre Ética e Imprensa e integrante da banca da tese de Doutorado de Caio Túlio Costa, Eugênio Bucci é especialista em ética e compartilha da mesma análise de Caio: “Eu diria que o fundamental é o que está nas declarações da ONU (Organização das Nações Unidas), como as declarações sobre os Direitos Humanos, declara-ções sobre a tolerância e com a legislação do país, mas não é recomendável que a atividade seja exerci-da por lei. O jornalista não pode praticar um crime, mas isso já está disposto na legislação ordinária e nas normas constitucionais”. Bucci conclui sua reflexão lembrando que atualmente existe o Código de Ética do Jorna-lista Brasileiro, aprovado pela FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas): “O Código de ética não tem força de lei, deriva de uma éspecie de código de conduta, de etiqueta. Tem uma força moral. Portan-to, a ética jornalística cuida exatamente daquilo que a lei não disciplina. É além da lei”, diz ele.

Já para Muarrek, o atual cenário do jornalismo brasileiro exige um código de ética bem pontuado: “Há uma visão romântica que cerca os jornalistas. A verdade é que hoje em dia você tem uma esfera pública dominada por no-vos atores - empresas de comunicação e assessorias - todos com direito de emitir suas informações no espaço público e o jornalista, que antes, representava uma determinada ver-dade, que hoje está cada vez mais questionada, torna-se um mediador de múltiplas verdades. Mas, de qualquer maneira, esse é um mercado novo, promissor do ponto de vista de trabalho, de remunera-ção, de desafios, de oportunidades, de tudo o mais. E precisa ser entendido e eventualmente ter um código de ética mais explícito”, observa. Os aspectos discutíveis são muitos, as questões éticas requerem análise profunda caso a caso, para que não se caia em dualismos ou generalizações. Além disso, a questão ética ainda pode e deve ser expandida para a atuação do jornalismo corporativo e sua influencia sobre o perfil do profissional multifuncional no século XXI. Uma das formas de inserir a ética como pauta fun-damental para a prática do jornalismo é analisá-la continua-mente, da universidade às redações. E apesar de não existirem respostas objetivas a maioria das questões éticas, o exercício crítico e o dialo-go de uma forma analítica sobre o assunto - tanto entre os profissionais da área, como nos centros acadêmicos e entre o público - propõe criar abordagens mais próximas das de-mandas e expectativas.

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A era digital:

informatização da redação, UOL e IGuando fala sobre os principais pontos de sua carreira, Caio Túlio não deixa de citar dois grandes

feitos: a informatização da redação do jor-nal Folha de S. Paulo e o desenvolvimento do Universo Online, o UOL, primeiro por-tal de informações da América Latina. A informatização da Folha de S. Paulo data de quando ele ainda trabalhava como secretário de redação em 1987. Na época, o Brasil passava por um momento de transição, no qual os computadores co-meçavam a chegar ao País, mas ainda não faziam parte da rotina das pessoas. Segundo Boris Casoy, trazer o computador para a redação e redefinir o método de trabalho foi uma tarefa compli-cada. Primeiro porque era algo novo, com o qual ninguém tinha experiência; e segun-do porque havia rejeição por parte das pes-soas que acreditavam que perderiam seus empregos sendo substituídas pela nova máquina: “Era uma grande novidade, e a Folha foi desbravadora nisso. Não tinha sistema de computadores nas redações e havia um preconceito muito grande, por-que se imaginava que iria tirar muitos em-pregos. Nós havíamos feito uma tentativa de implantação com outras pessoas, mas realmente era uma tarefa muito complica-da”, recorda Boris. Com o projeto concluído, uma das principais mudanças, na opinião de Caio Túlio, é que o cargo de revisor dei-xou de existir. Cada jornalista passou a ter o próprio computador e cabia a cada um escrever o próprio texto de forma correta. Segundo ele, isso foi bom, pois os jornalis-tas estavam desaprendendo a escrever: “O jornalista não se preocupava em escrever corretamente, pois sabia que o texto pas-saria por revisão. Com a chegada do com-

putador, cada um passou a ser responsável pela qualidade de seu texto, eliminando assim o cargo de revisor”, diz. Já a criação do UOL data de 1996, mas teve início em 1995, quando, ainda no Grupo Folha, Caio, que era di-retor da Revista da Folha – a revista foi idealizada por Caio Túlio e criada em 1992 – ao perceber que a internet era uma ten-dência em ascensão e uma oportunidade de trabalho, Caio Túlio deu forma e vida ao portal, em parceria com sua equipe e com a jornalista Marion Strecker. “Lembro-me de quando come-çamos a contratar as equipes que nos aju-daram a criar a empresa, das discussões sobre quais serviços prestaríamos, qual seria a arquitetura do portal e quais par-ceiros buscaríamos. Lembro-me de todas as dificuldades técnicas que enfrentamos no dia do lançamento e de todos os prê-mios que ganhamos nos anos seguintes. O Caio gostava de reunir a equipe para bus-cá-los nas cerimônias e trazermos as esta-tuetas para a redação. Caio era um chefe que sabia agradar as equipes”, relembra Marion. Hoje é fácil dimensionar a im-portância da internet para a divulgação de informações. Porém, em 1995, o pionei-rismo em propor a criação de um portal noticioso no Brasil era uma ideia inusita-da, fruto de uma mente jovem e disposta a arriscar. Caio Túlio Costa, aos 45 anos de idade, deu forma e vida ao UOL. Há um consenso entre jornalis-tas, como Boris Casoy e Ubiratan Muar-rek, de que a participação de Caio na dire-toria do UOL foi um dos principais marcos de sua carreira: “O maior legado do Caio foi o UOL, pelo pioneirismo na área digi-tal e a ousadia. Inclusive, considerei uma

certa irresponsabilidade quando ele escre-veu um texto chamado O jornalismo aca-bou – eu fiz ele mudar esse título –, mas ele é um pioneiro nessa reflexão”, analisa Ubiratan. Caio foi diretor geral do UOL durante sete anos, de 1995 a novembro de 2002. E em 2006, assumiu a presidência do Internet Group – empresa da Brasil Te-lecom – onde administrava os portais IG, iBest e BrTurbo, deixando a empresa ape-nas em 2009, quando o Grupo OI passou a controlar o portal IG. Desde quando começou a traba-lhar com a internet, o jornalista dedica-se a estudar a área, principalmente no que diz respeito às novas mídias. Em 2011, tor-nou-se professor de Informação e Comuni-cação na Era Digital, em um curso de pós-graduação da ESPM e, ao contrário do que muitos apaixonados pelo jornal impresso pensam, acredita que a facilidade de aces-so às informações estabelece um risco para o meio impresso: “Significa um risco, porque hoje nós vivemos um momento de transição. Daqui a pouco a plataforma vai ser quase 100% digital. Nós estamos ca-minhando para isso”, analisa.

propor a criação de um portal noticioso no bra-sil era uma ideia inusita-da, fruto de uma mente jovem e disposta a ar-riscar.

Q

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urante muito tempo, era comum que profissionais colo-cassem seus cargos à disposição da chefia como forma de

manifestar solidariedade a algum colega que fosse demitido por motivo injusto. Para quem se propõe a lecionar e discutir ética e ainda carrega consigo a ideologias e o companheirismo adquirido na época da ECA, certos valores são atemporais. Foi com essa convicção que, em março de 2012, o jor-nalista Caio Túlio Costa apresentou sua carta de demissão à Cás-per Líbero, faculdade da qual era professor desde 2003. No texto apresentado por Caio, ele expõe sua indig-nação pela demissão do professor Edson Flosi, afastado de seu cargo na instituição mesmo estando doente – Flosi já lutava con-tra um câncer há dois anos, porém continuava exercendo funções administrativas. Além desse motivo, a carta de Caio ressalta seu descon-tentamento com outros problemas apresentados pela faculdade, principalmente no que dizia respeito à infraestrutura oferecida aos alunos: “Eu fiz uma carta em que dizia que o principal motivo era a demissão do Flosi, mas não era só isso. Tinha uma série de criticas à maneira como a escola estava sendo administrada. A demissão do Flosi não foi apenas a gota d’água, foi uma tempes-tade. Me senti muito mal em uma escola que tomou uma atitude como aquela, com um professor nas condições de doença, em que estava o Flosi”, explica Caio Túlio.

Para o professor Edson Flosi, a atitude de Caio veio como uma surpresa boa, pois os dois não conversavam há muito tempo: “Eu fiquei sensibilizado porque não combinei nada com ele, nós nem conversávamos muito e ele tomou essa atitude que eu considerei de uma solidariedade muito grande e de um perfeito professor de ética. Ele achou que o colega dele foi injustiçado e se solidarizou, pedindo demissão”, afirma Flosi. Ainda segundo o ex-professor da Cásper Líbero, a ati-tude de Caio serviu para mobilizar os alunos, que se reuniram para exigir melhorias na instituição: “Com as nossas demissões, o Centro Acadêmico Vladimir Herzog, grupo formado pelos alu-nos que representam o corpo docente (ou discente?), se levantou. Algumas pessoas dizem que os alunos da Cásper Líbero nunca tinham feito um movimento igual. Eles fizeram assembleias com 400, 500 pessoas”, disse. Para Silvia Poppovic, a atitude de Caio causou estra-nhamento e ganhou a atenção da mídia porque hoje as pessoas não costumam se solidarizar a esse ponto, porém, na época em que eles começaram a trabalhar, era uma atitude natural: “Para a nossa geração, isso era uma coisa muito comum. Muitas vezes as pessoas pediam demissão em solidariedade à outra pessoa. Era uma coisa assim: um por todos e todos por um. Essa mentalidade era muito constante em todos nós”, destaca.

Diversas faces D

Edson Flosi foi demitido da Cásper Líbero, em 2012

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A exposição midiática do caso fez com que a Cásper Líbero se retratasse publicamente, convidando Flosi a retomar suas atividades, porém, ele não aceitou o convite: “A faculdade mandou uma nota para os jornais me chamando para voltar. Então, eu também fiz uma nota, dizendo que não aceitava e que eu entendia que aquele convite era apenas para abrandar o movimento dos alunos e esvaziar o movimento estudantil. Eu denunciei isso na nota e não aceitei voltar”, diz Flosi. Após sua demissão, Caio Túlio continuou lecionando no cur-so de pós-graduação da ESPM e dedicando-se à MVL Comunicação, em que assumiu uma posição diferente da que exercia nas redações e na sala de aula: o de executivo de comunicação. Sobre esse trabalho, alguns amigos afirmam que Caio tem as características ideais de um empresário: “Eu acho que ele tem tino, ele sabe se organizar. É muito disciplinado e estudioso. Agora ele tem experiência – passou por vários cargos de chefia – eu acho que ele tem total capacidade. É uma característica dele: ir atrás do que não sabe, tentar, fazer e conseguir”, comenta. Apesar da trajetória bem-sucedida, Caio afirma que foi le-vado a ser empresário da comunicação: “Eu fui sendo chamado para estas responsabilidades, e fui aceitando. Foi acontecendo”. Para João Batista Natali, jornalista, professor da Cásper Li-bero e amigo de Caio Túlio, isso ocorre pela facilidade de adaptação do perfil profissional jornalístico: “Eu diria, simplesmente, que os jor-nalistas são flexíveis em seus talentos. Ou seja, conseguem adaptar-se com maior facilidade a outros mundos que não sejam os das redações.” Outra opinião que reforça a imagem de um Caio Túlio em-preendedor é a de Ubiratan Muarrek, que considera que as empresas de comunicação estão aproveitando uma oportunidade de mercado: “As empresas de comunicação atendem uma nova demanda do mercado, pois a sociedade precisa se comunicar mais”, diz.

Em 2010, Caio Túlio dirigiu a campanha digital da candidata a presidência, Marina Silva. Uma das estratégias desenvolvidas pela equipe foi a de criar um jogo on-line, intitulado “Construa um mundo melhor”, expondo as prioridades sociais da plataforma de governo de Marina, por meio da web 2.0. Em junho daquele mesmo ano, Caio Túlio conheceu sua atual esposa, Stephanie Jorge. A publicitária, que hoje trabalha ao lado do marido como sócia na empresa MVL Comunicação, relembra: “Nós nos conhecemos na campanha da Marina Silva à presidência, em junho de 2010. O Caio era coordenador da campanha e eu trabalhei em sua equipe de mídias sociais. Ele é um excelente chefe, professor, seja na sala de aula ou na sala de reunião. E seja com um estagiário ou com um CEO, ele nunca critica uma ideia se ele não tem uma resolução melhor para o problema”. Pouco tempo depois, Stephanie começou a ler uma de suas obras, o que a aproximou ainda mais de Caio: “Quando não éramos casados eu li seu livro Cale-se. Enquanto eu lia o livro, nós trocávamos e-mails sobre as minhas impressões e ânsias. Era o escritor e o leitor lendo juntos a mesma obra. Foi uma experiência bastante bacana”. A experiência aproximou Caio e Stephanie e impulsionou o início de um novo relacionamento entre os dois. Em 2011, Caio Túlio Costa se casava pela terceira vez. Comenta Silvia Poppovic: “Depois que o Caio terminou o casamento dele com a Célia, ele casou-se com a jornalista Bel Kranz e ficou casado 30 anos com ela. Recentemente, eles se separaram e ele se casou com a Stephanie, uma moça bem jovem, quase 30 anos mais nova que ele. Quando fui ao último casamento, falei pra ele: é o seu terceiro casamento a que eu vou, então, chega de casamentos. Fui madrinha do primeiro e do segundo. Agora chega, né?”, conclui, com humor.

Caio Túlio e sua atual esposa, Stephanie Jorge

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Enfim, Caio!

Como eu vou acabar os meus dias?

Provavelmente vai ser escrevendo, estudando e ensinando.

caio túlio costa

Palestra no FORO IBEROAMÉRICA – 2011

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PERFIL

cRONOlOgiA

1954

1976

1981

1982

1989

1989

1992

1995

2003

2006

2010

2010

Nasce em Alfenas – MG

É diretor do book review Leia Livros

Se torna editor do caderno Ilustrada da Folha

Secretário de Redação da Folha de S. Paulo

Correspondente Internacional na França

Assume o cargo de ombudsman, o primeiro no Brasil

Cria a revista da Folha

Fundador do Portal UOL

Professor de ética jornalística pela Cásper Libero

Assume a presidência do IG

Dirige a campanha digital de Marina Silva à presidência

Associa-se à MVL Comunicação

2012 Dirige a campanha digital de Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo

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liVROs

1981

1991

2003

2009

O que é anarquismo

Ombudsman: O relógio de Pascal – 1ª Edição

Cale-se

Ética, jornalismo e nova mídia, uma moral provisória

lançado pela editora brasiliense, da coleção primeiros passos – série que explica diversos conceitos como cultura, rock e psicologia social – O Que é Anarquismo, primeiro livro de caio túlio costa, propõe-se de maneira simples e didática expli-car as correntes políticas que lutaram em defesa dessa ideia, narrando a história dessas lutas, na europa e na América, de seus principais articuladores e da re-pressão às atividades, desmistificando desta forma, a ideia de anarquismo como desordem.

lançado pela geração editorial, o livro com os relatos e experiências de caio túlio costa, o primeiro ombudsman brasileiro. por meio de uma narrativa minuciosa, caio retrata os desafios e dificuldades do cargo, além de esclarecer as diversas polêmicas em que se envolveu nos dois anos (de 1989 a 1991) que esteve no cargo pela folha de s. paulo. O livro traz ainda uma perspectiva da imprensa bra-sileira e estrangeira, da época.

livro mais recente de caio túlio costa, lançado pela editora zahar, é baseado em sua tese de doutorado. O livro traz à tona, de maneira pioneira, aliando arte, filosofia e dramaturgia, discussões sobre ética e o modo de fazer jornalismo. sem estabelecer verdades absolutas, o autor leva o leitor a uma reflexão aprofundada sobre o modo de fazer jornalismo, os princípios e valores que regem a profissão e a influência das novas mídias neste processo. uma análise aprofundada sobre o jornalismo atual e seus limites éticos.

um retrato sobre o movimento estudantil no brasil, durante ditadura militar. A narrativa retrata a morte do estudante Alexandre Vanucchi lemte, em 1973, e a influência do fato na reorganização e revitalização do movimento. A morte de leme resultou também num show clandestino de gilberto gil na usp, como for-ma de denúncia e protesto às prisões de estudantes, torturas e mortes da época. baseado e depoimentos, a obra traz um panorama da época e retrata a luta de militantes contra a ditadura.

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esde a infância na pequena cidade de Alfenas, MG, até o patamar atual, não faltaram mudanças, dificul-dades, desafios, polêmicas e conquistas na vida de

Caio Túlio Costa. O adolescente de futuro promissor não se tornou um médico, mas, seguindo outros caminhos, hoje também carrega o título de Doutor. A trajetória profissional é marcada por mais elo-gios do que críticas, mas, no âmbito pessoal, também é ad-mirado pelos amigos: “Quando ele assumiu a direção da Folha e fez a primeira edição da revista da Folha, eu estava na televisão, num momento difícil. Ele falou que iria fazer uma capa comigo e orientou o fotógrafo para tirar uma foto minha – como se fosse uma atriz americana – com a escada, de cima para baixo. A gente se divertiu muito, sempre na base da confiança, sabendo que jamais iríamos prejudicar o outro. Nós temos uma relação de amizade, que se construiu na experiência de uma vida política e do aprendizado do que era o mundo adulto”, diz Silvia Poppovic. Muitas são as recordações citadas pelos amigos e colegas de Caio Túlio, que auxiliam na criação de um conceito sobre este profissional complexo: uma mescla de seriedade ao humor refinado, de exigência com os colegas de trabalho à doçura com os amigos pessoais. Inúmeras são, também, as contribuições e reflexões feitas por ele em todas as áreas em que ingressou. Após ter passado por tantos segmentos dentro da profissão que escolheu, hoje, Caio Túlio sabe mensurar a re-levância de todas as suas realizações. Porém, contrariando o senso comum, reconhece a importância de seu trabalho como o primeiro ombudsman do jornalismo brasileiro, mas não o considera sua contribuição mais notável: “O ombuds-man é o (cargo) que teve mais destaque, mas fiz outras coi-sas tão marcantes quanto. A função do ombudsman dá muita visibilidade e, como eu era o primeiro, uma novidade, eu era muito ‘cri-cri’, as pessoas não esquecem”. Atualmente, Caio faz parte de conselhos, como o da Fundação Padre Anchieta, do Transparência Brasil e do Instituto Vladimir Herzog. Também é frequentemente convi-dado para palestrar sobre mídias sociais, ética ou jornalismo na era digital. Quando reavalia sua trajetória profissional, na tentativa de definir se gostou mais de trabalhar na reda-ção, como empresário ou professor, Caio conclui algo que confirma as impressões reveladas pelos amigos, colegas de trabalho e familiares: “Eu só assumo alguma coisa quando vejo que gosto de fazer aquilo. Então, eu gosto de tudo isso. Como eu vou acabar os meus dias? Provavelmente vai ser escrevendo, estudando e ensinando”.

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