márcio túlio viana - conflitos coletivos de trabalho

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  • 8/11/2019 Mrcio Tlio Viana - Conflitos Coletivos de Trabalho

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    Rev. TST, Braslia, vol. 66, n 1, jan/mar 2000116

    CONFLITOS COLETIVOS DO TRABALHO

    Mrcio Tlio Viana*

    Sumrio: 1. Introduo; 2. Conflitos trabalhistas; 3. Conflitos, controvrsias, dissdios;4. Conflitos abertos e regulamentados; 5. Conflitos e interesses individuais e coletivos; 6.Conflitos coletivos econmicos e jurdicos; 7. Os conflitos como rotina; 8. Lutas coleti-vas operrias: seus vrios tipos; 9. A greve; 9.1. Etimologia; 9.2. As greves atravs dotempo; 9.3. Conceito de greve; 9.4. Natureza jurdica; 9.5. Funo e importncia; 9.6.Caracteres gerais; 9.7. Tipos de greves mais conhecidos; 9.7.1. Greve geral; 9.7.2. Grevede solidariedade; 9.7.3. Greve de ocupao passiva (lock-in); 9.7.4. Greve de ocupaoativa; 9.7.5. Greves com trabalho parcialmente arbitrrio; 9.7.6. Greve das horas extras;9.7.7. Greve rotativa; 9.7.8. Greves intermitentes; 9.7.9. Greve-trombose; 9.8. Efeitos ju-rdicos das greves; 9.9. Eficcia das greves; 10. Outros tipos de conflitos; 10.1. Meios deluta preliminares; 10.2. Label; 10.3. Extorso sindical (racketeering); 10.4. Bloqueiode mercadorias; 10.5. Boicotagem; 10.6. Sabotagem; 10.7. Ratterning; 10.8. Ludismo;

    10.9. formas inominadas; 10.10. Lutas dirigidas contra os colegas; 11. Tratamento legaldas lutas coletivas; 11.1. Licitude das greves atpicas e de outros meios de luta; 11.2. Al-gumas lies de Direito Comparado; 12. Outros aspectos polmicos da lei ordinria; 13.O que h em comum nos conflitos trabalhistas; 14. Aes e reaes patronais; 14.1.Presses; 14.2. Meios secundrios; 14.3. Lock-out; 14.4. Listas negras e brancas; 14.5.Prmios antigreve; 14.6. Contrataes de outros trabalhadores; 15. Meios de soluo deconflitos; 16. Conflitos e convnios coletivos: um olhar acadmico; 17. Conflitos e con-vnios coletivos: um olhar crtico; 18. Os convnios transnacionais e os acordos triparti-tes; 19. Algumas idias para um momento de crise; Bibliografia.

    1. INTRODUO

    No princpio... era o Verbo. Estvamos aindapor fazer. Simples possibilidades devida, todos ns - homens, estrelas, samambaias e formigas - nos comprimamos numminsculo ponto de energia, muitssimas vezes menor do que a cabea de um alfinete1.De repente, o Verbo se fez carne: no se sabe como nem por qu, o pequeno ncleo seexpandiu e explodiu, dando luz o Universo.

    Essa nossa origem - comum e explosiva - talvez tenha algo de simblico. Elaparece indicar que a Natureza harmonia, mas tambm conflito; mais propriamente, harmonia que nasce do conflito...

    Mesmo a aparente placidez das florestas esconde terrveis combates. Insetos sealimentam de plantas. H plantas que comem insetos. Pssaros disputam vermes. Trepa-

    deiras sugam o sangue das rvores. Alguns tipos de abelhas saqueiam outras colmias.*Juiz do TRT da 3 Regio. Professor de Direito do Trabalho da UFMG. Membro do

    Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior.

    1Boff, Leonardo. "O despertar da guia", Vozes, Petrpolis, 1998, p. 14.

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    As formigas-amazonas escravizam outras formigas2. FERRI aponta 22 causas de agres-ses praticadas por animais, que vo da cobia vingana, da malvadez ao canibalismo,da autodefesa demncia senil3.

    Como observa BOFF, a Natureza nem sempre dcil, suave e boa: mistura debeleza e dor, unio e rupturas, desacertos e reajustes. So incontveis os vulos, esper-

    mas, sementes e flores que morrem no mesmo instante em que nascem. No subsolo dasmatas, razes se atacam com venenos e bactrias, numa verdadeira guerra qumica embusca de mais espao.4

    At o rio, em seu caminho para o mar, abre feridas na terra. E a prpria Terra, svezes, parece insatisfeita consigo, reacomodando-se com terrveis tremores, ou vomi-tando fogo por seus enormes vulces. Para alm do que nos mostram as fotografias, aNatureza "produz tudo e tambm tudo devora. Nela, h vida e morte em profuso.5" Abusca de equilbrio eterna - no importa o preo.

    Disputando o nosso prprio espao na tnue pelcula de vida que cobre o planeta,tambm ns, seres humanos, somos a prova dessa dualidade. A diferena que - aocontrrio das abelhas e samambaias - podemos escolher as nossas lutas, dirigindo-as

    para o justo ou para o injusto, para oprimir ou para libertar.

    2. CONFLITOS TRABALHISTAS

    Como os sabis e as flores do campo, o homem " um ser para a liberdade"6. Mastal como as formigas-amazonas, tambm um ser que oprime. O sistema capitalistamostra muito bem essa contradio, ao inventar o trabalho livree ao mesmo tempo su-bordinado.

    Atravs do contrato, o trabalhador cede o domnio de seus gestos: como seusasse a sua prpria liberdade para perd-la. Na verdade, porm, mesmo antesdo con-trato a liberdade tem algo de fico: no detendo em suas mos o capital e a matria-

    prima, quem nasceu para ser empregado simplesmente no tem como escolher a auto-nomia, vale dizer, o seu contrrio.Ainda assim - ou talvez por isso - o contrato pea-chave do sistema, posto que o legitima.

    Se fosse realmente livre para vender (ou no) a sua liberdade, o trabalhador amanteria - e o sistema seria outro. Desse modo, para que as relaes de produo seperpetuem, preciso no s que haja liberdade formal para contratar, mas que falteliberdade real para no contratar.

    2Incapazes de cuidar de seus formigueiros e at de se alimentar, elas atacam outros for-migueiros, fazem escravas e vivem s custas delas (cf. Bogea, Antenor. "Do concurso de

    agenes na suposta criminalidade animal", in "Estudos de Direito e Processo Penal emHomenagem a Nelson Hungria", Forense, Rio, 1962, p. 428)3Bogea, Antenor. Op.cit., p. 4294Boff, Leonardo. Op. cit., p. 14.5Boff, Leonardo. Op. cit., p. 15.6A expresso de Pierre Clastres.

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    Sem opo realpara decidir se ser ou no empregado, o trabalhador perde, porconseqncia, o poder de influir no contedo do contrato - e ento que entra em cena olegislador. Note-se que ele no questiona o mito da liberdade de contratar - pois de outromodo afrontaria o prprio sistema. Assim, embora recrie algumas regras do jogo, noaltera a sua lgica, ou o seu resultado final.

    Mas o legislador no regula todo o contrato. Parte dele no passvel de previsoantecipada. Como saber, por exemplo, a ferramenta exata que o empregado usar ama-nh? O legislador s regula o que poderia ter sido previsto (e imposto) pela empresa,no fosse a presena dele - como o caso, por exemplo, da jornada de trabalho. Nomais, o que h so espaos em branco, e nessa faixa que transita o comando.

    Note-se que todo ato humano, ao entrar no mundo jurdico, paga uma espcie detributo - representado pela perda de uma poro de liberdade. 7 No contrato de trabalho,porm, h um algo mais: j no se trata apenas de assumir uma obrigao, mas de cum-pri-la segundo as especificaesdo outro. Assim, a perda de liberdade prossegue e seacentua para alm do momento do ajuste: por entre as clusulas pactuadas que o em-pregador se movimenta. Sob esse ponto de vista, talvez se possa dizer que nem tudo no

    contrato contratado: embora fundado num ajuste, o poder diretivo se concretiza onde oajuste nada previu.8Note-se que o legislador, aqui, j no se limita a dar fora de lei vontade das

    partes - e nem a criar contedos obrigatrios, como tem feito, por exemplo, nas leis doinquilinato. Ele recuapara dentro de suas fronteiras, de certo modo permitindo que umhomem ocupe o seu lugar, com poder de definir comportamentos de outros homens.Teoricamente, o empregado cede apenas a sua energia; mas, como disse algum,no sepode vender um brao: um homem vem sempre junto ... Assim, ele "pessoalmenteatingido" 9.

    Mas h outro dado importante: o empresrio quer acumular. E como esteobjeti-vo estranho ao trabalhador, sua vontade deve ser - a cada momento - estimulada. a

    que entram em cena as variadas tcnicas de organizao empresarial, que fracionam otrabalho, mecanizam os gestos, premiam esforos e castigam falhas, ocupando todos ostempos e espaos disponveis. Cada brao se torna, ento, um prolongamento da mqui-na; e esse conjunto de carne e ferro passa a trabalhar numa nica cadncia.

    Tudo isso faz com que, no campo do trabalho, os conflitos no sejam patolgicos,como supe certa corrente10, mas naturais. Esto no prprio corao do sistema. Almdisso, como afetam o grupo, tendem a se expressar coletivamente - o que tambm au-menta a sua eficcia. Em geral, quando coletivos, no buscam a aplicao, mas a (re)

    7Andrade, Vasco de . "Atos unilaterais no contrato de trabalho", Procuradoria do Tra-balho, Rio, 1943 .8Para um estudo mais amplo do tema, cf. o nosso "Direito de Resistncia", LTr, S. Pau-lo, 1996, pgs. 134-135 e 190-234.9Catharino, J. Martins. "Compndio de Direito do Trabalho", vol. I, Saraiva, S. Paulo,1982, p. 20610Trata-se da chamada "teoria do consenso", segundo a qual a estrutura social umaordem que tende estabilidade.

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    construo do Direito. Assim, em princpio, rejeitariam a soluo pelo juiz11, mas noa do legislador.

    O problema que - aberto o conflito - o choque de interesses to presente, tointenso e to urgente que raras vezes h tempo para que o legislador intervenha; e aconseqncia, inusitada nos outros ramos jurdicos, a sua substituiopelas partes, que

    criam, elas prprias, o Direito que lhes convm.Desaparece, assim, a mediao do Estado. J no h uma separao entre osagentes queproduzema norma e aqueles que a consomem. Na mesma medida, dilui-se adistino entre o fato que faz a norma nascer (fonte material) e o modo pelo qual estase revela (fonte formal). Do mesmo modo que a crislida traz em seu corpo o DNA daborboleta, o conflito carrega nas entranhas os elementos formadores do novo Direito:quando tudo corre bem, ele prprio - o conflito - se transforma em conveno. Osmesmos trabalhadores que, ao se pr em greve, dizem que "a regra ter de ser esta!", sevitoriosos diro, no ajuste com os patres, que "a regra, agora, esta". Naturalmente,tambm a reao patronal pode conter elementos da futura norma.

    3. CONFLITOS, CONTROVRSIAS, DISSDIOS

    Alguns autores se referem, indistintamente, a conflitos, controvrsiase dissdioscoletivos. Mais tcnico, MAGANO prefere distinguir: conflito tem sentido amplo decontraste de interesses; controvrsia o conflito em via de soluo; e dissdio o conflitolevado a juzo. Assim, a greve seria: um conflito, se analisada em si mesma; uma contro-vrsia, se levada arbitragem; um dissdio, se submetida a julgamento.12

    4. CONFLITOS ABERTOS E REGULAMENTADOS

    Os conflitos ou so abertos, ou regulamentados. Dentre os abertos, nem todos

    so ilcitos,j que a mera omisso da lei no implica proibio. Sob outro aspecto, po-demos dividi-los em trs grupos, tendo em vista a estratgia usada: a) recusa ao trabalho;b) recusa subordinao; c) recusa propriedade.13Exemplos: de (a), a greve tpica; de(b), a prtica do "trabalho arbitrrio"; de (c), os atos de sabotagem. Voltaremos ao temamais adiante.

    5. CONFLITOS E INTERESSES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

    No incio, os conflitos eram caticos, dispersos, individualizados. Aos poucos,sufocados pela opresso, os operrios aprenderam a pensar e a agir em grupo: o capita-lismo forjara uma nova classe, que partilhava angstias e esperanas. Mas ainda hoje,

    11Como se sabe, o nosso modelo mantm a soluo judicial dos conflitos. Sobre o temafalaremos adiante.12Magano, Octvio Bueno. "Manual de Direito do Trabalho", vol. III (Direito Coletivodo Trabalho), LTr, S. Paulo, 1984, p. 161.13Viana, Mrcio Tlio. "Direito de Resistncia", cit., p. 283.

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    naturalmente, h conflitos individuais, convivendo ao lado dos coletivos. Como distin-guir uns dos outros?

    Do mesmo modo que vrios homens isolados no caracterizam um grupo, a exis-tncia de mltiplos conflitos individuais no os torna - s por isso - coletivos. s vezes,os interesses de um trabalhador so at opostos aos do grupo, ou seja, podem estar eles

    prprios em conflito... Costuma-se dizer, por isso, que os interesses coletivos so maisumasntese do que umasoma de interesses individuais. verdade que no corpo do grupo pulsam coraes de homens, e so estes que

    provocam a adeso de cada vontade. Por isso, o que se v, quase sempre, um movi-mento de ida e volta: o conflito sobe esfera coletiva, mas - se resolvido com sucesso -desce ao pequeno mundo de cada um. O caminho de volta se d atravs dos contratosde trabalho, que atuam como canais de individuao14.

    Outra diferena entre os conflitos coletivos e os individuais o fato - j observa-do - de que, em geral, os primeiros buscam renegociar as condies de trabalho, aopasso que os ltimos alteram,por si prprios, o modo pelo qual o trabalho se executa.No por outra razo que, em regra, aqueles se dirigem parte ajustada da relao de

    emprego (ou seja, s clusulas do contrato), enquanto estes reagem ao comando(unilate-ral) do empregador. E como esse comando pontual, o conflito individual tende a re-peti-lo: fragmentado, circunstancial, individualizado. Se o patro, com o seu ius vari-andi, modula a prestao do empregado, agora este que tenta re-modular o prprio iusvariandi, sem alterar, no entanto, o prprio contrato - como veremos melhor no itemseguinte.

    Em geral, o conflito coletivo traduz uma luta para o direito - ao contrrio do queacontece em nvel individual, quando usualmente se combatepelo direito. Naturalmente,por detrs de um conflito coletivo h um interesse do mesmo gnero, e possvel identi-fic-lo quando a sua realizao afeta ao grupo de forma indistinta (por ex., um certondice de reajuste salarial) ou indivisvel(como a melhoria das condies de higiene). 15

    6. CONFLITOS COLETIVOS ECONMICOS E JURDICOS

    H os conflitosjurdicos, ou de interesse, que discutem a melhor interpretao deuma norma j existente. E h os econmicos, que por assim dizer se insurgem contra aprpria existncia da norma coletiva, tentando troc-la por outra.

    Os conflitos econmicos - que so os mais freqentes e importantes - podem en-volver o ajuste em si (o contrato proclamado), ou a sua subseqente adequao, por

    14A expresso de Ribeiro de Vilhena.15Na lio de Mazzoni, coletivo o interesse quando "uma situao favorvel no pode

    determinar-se seno em conjunto com outras idnticas situaes favorveis dos restantesmembros de um certo grupo"(Manuale di Diritto del Lavoro", v. II, 1977, Milo, p.1080-1081. Para Monteiro Fernandes (op. cit., p. 210), o interesse coletivo elstico:pode se formar a partir de pretenses individuais. Deduz-se, por isso mesmo, de vriosfatores: a via (sindical) escolhida, o mtodo (a negociao), os efeitos (fixao de umpadro geral), etc.

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    parte do empregador (o contrato executado). Em outras palavras, referem-se a clusulascontratuais ou a aspectos do poder diretivo - como ritmos de trabalho, faltas disciplina-res, etc.

    Em geral, o que se quer, na primeira hiptese, excluir do contratoa clusulaantiga, trocando-a por outra; e, na segunda, incluir nele o que estava parte, tornando

    bilateral o que era unilateral. Em ambos os casos, porm, no contrato que se quertocar e, por isso se tenta pressionar a vontade do outro- ao contrrio do que costuma sedar nos conflitos individuais, em que o empregado, como vimos, j realiza - se bem quebrevemente - o seu projeto de mudana. 16S raras vezes este ltimo modo de luta serealiza em nvel coletivo.

    7. OS CONFLITOS COMO ROTINA

    Ainda que pouco notados, os conflitos individuais esto presentes na rotina dafbrica. De um lado, o empregador tenta por todos os meios domara fora de trabalho;de outro, os operrios aproveitam cada oportunidade para fugir um pouco dominao.

    A resistncia muitas vezes oculta; e, tal como a opresso, acompanha o modo de pro-duzir, fracionando-se. Assim , por exemplo, que os operrios tentam inserir pequenaspausas em suas tarefas, enquanto o empregador procura regular ao mximo cada peque-no gesto - seja atravs da prpria mquina, seja instituindo micropenalidades, comocensuras ou advertncias. De certo modo, cada prestao envolve uma luta - ainda que,muitas vezes, em estado latente.

    Tal como os conflitos individuais, as lutas coletivas foram se moldando, ao longodos tempos, s transformaes da fbrica - e vice-versa. No incio, eram freqentes asdepredaes de mquinas, a sabotagem, a contestao radical ao sistema. Pouco a pouco,no s a agressividade como as ambies diminuram. A prpria ordem jurdica absor-veu a luta mais importante - a greve - e, ao proclam-la como direito, de certo modo a

    domou.No passado, eram comuns os conflitos com objetivo marcadamente poltico,como a greve geral que ajudou os aliados a reconquistarem Paris. Ainda durante a IIGuerra, a CGT da Frana e os estivadores espanhis se prepararam para resgatar OlgaBenrio, mulher de Prestes, caso o navio que a levava Alemanha tocasse em algumporto; mas o navio atravessou o Atlntico, passou pelo Canal da Mancha, penetrou noMar do Norte e entrou no Rio Elba, sem escalas. Olga morreu na cmara de gs, na Ps-coa de 1942. 17No Brasil, pode-se citar como exemplos as lutas pelo monoplio do pe-trleo e criao da Petrobrs.

    16No queremos dizer, com isso, que essa "realizao" seja definitiva: como j disse-mos, deve ser renovada acada dia - como, por ex., no caso do empregado que insere fraes ocultas de descansoem sua prestao.17Brasil, Murilo e Gonalves, Vilma. "3000 anos de sindicalismo", Ed. TrabalhistasS/A, Rio, 1992, p. 78.

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    Em geral, mesmo nos conflitos com forte contedo poltico, o interesse de classeest presente: ora se refere ao salrio, ora ao trabalho, ou a ambos - como aconteceuem 1978, na Volks, quando os grevistas exigiam, alm de reajustes, o direito de suspen-der os prprios chefes, caso cometessem injustias...18

    Em si mesmos, os conflitos encerram um paradoxo - ou, com o perdo da blague,

    um conflito... primeira vista, instabilizam; mas querem re-estabilizar. DAHREN-DORF chega a dizer que so "indispensveis como fator do processo universal de mu-dana social". 19 E IHERING j ensinava que o prprio Direito resultado de umaeterna luta.

    Para CORDEIRO, os conflitos tm at papel psicolgico: so vlvulas que alivi-am o trabalhador da carga constante de subordinao. 20Ainda assim - e apesar da ret-rica oficial - o Estado no os v com bons olhos: que, no fundo, eles questionam a suaautoridade, afirmando a existncia de outros centros (difusos) de poder.

    8. LUTAS COLETIVAS OPERRIAS: SEUS VRIOS TIPOS

    H lutas preliminares, ou preparatrias, como a panfletagem, as assemblias, oboca-a-boca. Naturalmente, tambm elas exigem certa organizao, seja episdica(como no caso das coalizes), seja perene (como as associaes profissionais). No foipor acaso que por longo tempo, na Europa, os lderes operrios eram enviados guerra,s gals ou priso.

    Entre as formas de luta propriamente ditas temos as greves tpicas e atpicas, asabotagem, o ratterning, as listas negras, o boicote e outras tantas, que estudaremos aseguir.

    9. A GREVE

    9.1. Etimologia

    Em Paris, s margens do Sena, havia uma praa onde os operrios esperavamofertas de emprego. Como o rio despejava ali areia e cascalho (=grve, em francs),todos a chamavam de Place de la Grve. Com o tempo, estar naquela praa, valedizer, em Grve,passou a ter o sentido de ficar sem trabalhar, ou seja, em greve.

    Em Espanhol, huelga tem a mesma raiz de huelgo, que significa tomar flego,respirar. J em Ingls - decerto refletindo o esprito da poca - a greve passou a ser cha-mada de strike - sinnimo de ataque, assalto, agresso.

    9.2. As greves atravs do tempo

    18Maroni, Amnris. "A estratgia da recusa", Brasiliense, 1982, p.108.19Apud Palomeque-Lopez. Op. cit, p. 25320Cordeiro, A . Menezes. "Manual de Direito do Trabalho", Alamedina, Coimbra, 1998,p. 362.

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    Dentre as origens mais remotas da greve, alguns lembram a fuga dos hebreus parao Egito. que eles tambm escapavam de trabalhos pesados e humilhantes: para Moiss,aquele era o "pas da servido". J no prprio Egito, os escultores da tumba de RamssIII vrias vezes pararam, pois o salrio - pago in natura - se atrasava. Como eram es-pecializados, no podiam ser substitudos por escravos - da seu poder de fogo. 21 Em

    2100 a.C., em Tebas, as mulheres dos que construam o templo de Mut convenceram osmaridos a exigir dois pes extras por dia. Como o fara no os atendeu, resolveram pa-rar... e foram enforcados. 22 A Grcia no conheceu greves, nem outros sobressaltossociais. Em Roma, no Baixo Imprio, elas no eram raras, especialmente no serviopblico; mas os grevistas sofriam punies.23

    Antes da concentrao operria nas cidades, as greves eram isoladas e desorgani-zadas. Na Frana, nasciam de associaes clandestinas. Eram chamadas de monopolesou cabales (= conspiraes). A represso era violenta. E algumas vezes se fez greve...pelo direito de fazer greve. Com o tempo, a prpria disciplina da fbrica ajudou a disci-plinar as lutas operrias. Na histria das greves, papel importante teve o sufrgio univer-sal, ao dar peso poltico classe trabalhadora. Mas houve ainda a contribuio marcante

    da doutrina social da Igreja, dos pensadores socialistas, da Revoluo Russa.24

    Uma das poucas greves s de mulheres aconteceu em maro de 1857, em NovaIorque, quando as tecels exigiam o mesmo salrio dos homens e reduo da jornada de14 para 10 horas. A represso foi violenta. A fbrica se incendiou e 129 tecels morre-ram queimadas. Por deciso da ONU, o 8 de maro se tornou o Dia Internacional daMulher.

    No menos famosa foi a greve de 1 de maio de 1886, em Chicago. A jornadausual era de 16 horas dirias, e a presso operria tinha conseguido reduzi-la para 8.Mas os patres, em contrapartida, haviam diminudo os salrios. Uma central, pocaminoritria - aFederation of Organized Trades and Labor - marcou greve geral; houveviolenta represso e dispensas em massa, seguidas de novos protestos e vrias mortes.

    Em nova manifestao, no dia 4, uma bomba matou 8 policiais e mais de 80 operrios.Cinco lderes sindicais foram condenados morte, dois priso perptua e um a 15 anosde recluso. Em 1889, no centenrio da Revoluo Francesa, o Congresso InternacionalSocialista proclamou o 1de maio como Dia Internacional do Trabalho, em homenagemaos "mrtires de Chicago".25

    Entre ns, h quem diga que a primeira forma de luta coletiva foram os quilom-bos. Mas a primeira greve aconteceu em 1791, envolvendo os operrios da Fbrica deArmas, no Rio. Em 1858, os grficos pararam as oficinas do Correio Mercantil e doJornal do Commercio, e em 1900 os cocheiros cariocas frearam os seus cavalos. Em

    21Sinay, Hlne. "La grve", in "Trait de Droit du Travail", coord. Camerlyinck, G. H.,

    Dalloz, Paris, 1966, p. 13.22Castro, Pedro. "Greve: fatos e significado", tica, S. Paulo, 1986, p. 11.23Sinay, Hlne. Op. cit., p. 15.24Sinay, Hlne. Op. cit., p. 14.25Brasil, Muriloe Gonalves, Vilma. "3000 anos de sindicalismo", Ed. Trab. S/A, Rio,1992, p. 25-31.

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    1903, tambm no Rio, houve a primeira greve geral. Naquele tempo, eram comunsespancamentos e prises.26Sempre que a poltica permitiu, houve surtos de greves (em1917/19, em 1946/53 e em 1959/63).

    A pior fase de represso veio com a ditadura militar, quando as fbricas repetiamo autoritarismo oficial. Naqueles anos difceis, uma conversa inocente ou mesmo uma

    ida ao banheiro podiam valer punies. O poder disciplinar dos patres tinha o apoioimplcito dos rgos de represso, e, segundo relatos da poca, "at a palavra greve eradifcil de sair"... Falava-se emparalisao, tal como fazem ainda hoje certos setores dofuncionalismo.

    Mas pouco a pouco, aqui e ali, germinou a resistncia.27Em maio de 1978, ex-plodiu a maior onda de greves de nossa Histria. Integrando-se luta do povo contra oregime 28, elas nasceram a partir de comisses de fbrica, quase sempre clandestinas;seus militantes vinham muitas vezes das oposies sindicais e das pastorais operrias. Aonda comeou com os operrios da Scania-Vabis, logo imitados por outros do ABC e demunicpios vizinhos. Depois, alastrou-se. Naquela poca, como disse um lder operrio,"o ato de fazer greve j era, em si, uma estupenda vitria".29As lutas coletivas renasciam

    "da necessidade que o trabalhador tem de respirar"30

    . Mais tarde, muitas empresas im-plodiram as comisses, dispensando os lderes. Outras se institucionalizaram, mas comperda do potencial de luta.31

    9.3. Conceito de greve

    H um conceito comume um conceitojurdicode greve. Na acepo popular, fa-zemos greve toda vez que recusamos a cumprir nossas funes normais - como estudar,comer e, naturalmente, trabalhar, seja por conta prpria ou alheia.32J o conceito jurdi-co varia de acordo com a opo legislativa de cada pas e a postura poltica do intrpre-te.

    Em doutrina, costuma-se reduzir a greve suspenso temporria da prestao deservios, com o fim de pressionar o empregador a ceder diante de reivindicaes profis

    26Cf., por todos, Brasil, Murilo e Gonalves, Vilma. Op. cit., p. 51-52.27Viana, Mrcio T. "Direito de Resistncia: possibilidades de autodefesa do empregadoem face do empregador", LTr, S. Paulo, 1986, p. 287. No particular, o livro se baseia emanotaes de Abramo, L. W. , in "Greve metalrgica em S. Bernardo", Paz e Terra, S.Paulo, 1991.28A propsito, v. o timo livro de Maroni, Amnris: "A estratgia da recusa", Brasilien-se, S. Paulo, 1982, p.8.29Antunes, Ricardo. Op. cit., p. 36.30Antunes, Ricardo. "A rebeldia do trabalho: o confronto operrio no ABC paulista - asgreves de 1968 a 1980", Unicamp/Ensaio, Campinas, 198831Sobre o tema, cf. o excelente livro de Amns Maroni, "A estratgia da recusa", Brasi-liense, S. Paulo, 1982.32Em algumas regies do nordeste, por ex., temos agreve do balaio, em que as prosti-tutas se negam a trabalhar em feriados e dias santos (Castro, Pedro. Op. cit., p. 19).

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    sionais. o que ensinam juristas como CAEN, OLEA, TREU, MASCARO NASCI-MENTO.

    Mas - como anota PINHO PEDREIRA - este conceito est em crise.33J no cor-responde realidade social. Por isso, autores como JAVILLIER e PALOMEQUE L-PEZ tentam aproxim-lo do seu sentido comum, identificando a greve com toda e qual-

    quer ruptura com o cotidiano. Para ns, a lio parece correta, desde que se acrescenteque aquele cotidiano rompido o da prestao de servios. Assim, o conceito abrangegreves como a de zelo, mas no atos como a sabotagem. 34

    A matria ser melhor examinada adiante. Mas desde logo, para facilitar a nossaexposio, chamaremos de greve tpica aquela que importa suspenso da prestao detrabalho;greve atpica a que implica outro tipo de ruptura com o cotidiano da prestaode servios; e outros meios de luta as demais formas de conflitos coletivos.

    9.4. Natureza jurdica

    Para uns, como CARNELUTTI, a greve como a guerra: um ato de violncia.

    Por isso, falar em direito de greve cair em contradio. Outros, como PLANIOL, falamem direito contra direito. Para TRINDADE, a greve o meio mais eficaz de "denunciaruma dose insuportvel de injustia na lei".35Nesse sentido, tambm um modo de ex-presso.

    Em termos legais, a greve tem sido tratada ora como delito, ora como liberdade,ora como direito36- e nem sempre nessa seqncia histrica. Nos Estados democrticosmodernos, a tendncia consider-la um direitofundamental. E natural que assim seja,j que ela d vida e eficcia a outros direitos (como o salrio) to fundamentais quantoela.

    Na lio de DEL CASTILLO, a greve comporta trs enfoques: do ponto de vistacontratual, direito que imuniza o trabalhador contra o poder disciplinar; sob a tica

    sindical, mecanismo de presso contra o empregador; sob o aspecto social, rennciado Estado ao monoplio da soluo de conflitos.37

    9.5. Funo e importncia

    J disse algum, com razo, que as greves se justificam menos por seus resultadosdo que pelas apreenses que semeiam... que as apreenses,por si mesmas, so capazes

    33Pedreira, Luiz de P. "A greve com ocupao de locais de trabalho", S. Paulo, 1993, p.98.34Viana, Mrcio T. "Direito de Resistncia", cit., p. 285.35Trindade, Washington L. da. "O superdireito nas relaes de trabalho", De Livros,Salvador, 1982.36Na Babilnia, o Talmud j reconhecia o direito de greve, em razo da liberdade indi-vidual de cada um; mas era preciso levar antes a causa ao tribunal e esperar pela arbitra-gem. Caso o patro a recusasse, a greve se tornava lcita.37Del Castillo, Santiago P. "O direito de greve", S. Paulo, LTr, 1994.

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    de gerar resultados, e quase se poderia dizer que os da greve so a prpria legislaotrabalhista.38

    Mais que um direito, a greve "o mais eficiente processo de conquista de direitosda classe trabalhadora". E no s: atuando como verdadeira sanoparalela, refora aeficcia tanto das convenes coletivas como da prpria norma estatal. Para SINAY,

    ela "essencialmente inovadora; tende mutao, transformao".39

    Nas palavras deLOBO XAVIER, ao... sem jurisdio.Ensina ROBERTO A. O. SANTOS que, ao contrrio das outras mercadorias, que

    podem ser trocadas de forma estratgica, o trabalho depende de variveis sem controle -a comear da taxa demogrfica. Com a greve, porm, os trabalhadores afirmam suainteno de armazenar temporariamente a sua prpria mercadoria...40 . Para RU-PRECHT, ela a conseqncia "dos desequilbrios econmicos e de seus dficits dejustia".41E o que mais interessante: apesar de sua carga agressiva, leva a uma reapro-ximao das partes.42

    A greve ao mesmo tempo instrumento de pressopara construir a norma esan-opara que ela se cumpra. Ainda quando no passa de uma simples possibilidade, pode

    servir ao Direito de trs modos sucessivos: primeiro, como fonte material43

    ;em seguida,se transformada em conveno, como fonte formal;por fim, como modo adicional degarantir que as normas ajustadas efetivamente se cumpram.

    Para GARCIA, "o Direito no pode entender nem desejar a greve. Sempre a teme,e sua consagrao um pretexto para conjur-la, para atra-la e engan-la, para apoderar-se dela e desativ-la. Foi por isso, para torn-la sua e poder compr-la, que fez a greveentrar no reino dos direitos. Sua consagrao, cheia de ardis, a realizou seu pior inimigo.Como tantas outras consagraes..." 44Na verdade, ocupam as greves um lugar to im-portante, to estratgico, que sem elas "no possvel entender a Histria contempor-nea".45

    9.6. Caracteres gerais

    38Viana, Mrcio T. "Direito de Resistncia", cit., p. 297.39Sinay, Hlne. Op. cit., p. 142.40Santos, Roberto A . O . "Uma contribuio sociolgica renovao da teoria jurdicada greve", in "Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho", ano I, no. 1, Ltr.S. Paulo, 1993, p. 123-124.41Ruprecht, Alfredo. Ruprecht, Alfredo. "Conflitos coletivos de trabalho", LTr, S. Pau-lo, 1979, p. 57.42Treu, Tiziano. "Compiti e strumenti delle relazioni industriali nel mercato globale", inLavoro e Diritto, ano XIII, n. 2, 1999, Bolonha.43Para o Leitor que no bacharel em Direito, esclarecemos quefontes materiais so osfatos sociais que fazem nascer a norma, forjando a sua matria; efontes formais so asformas pelas quais a norma se revela (lei, conveno coletiva, etc.)44Martinez Garca, J. Igncio. Prefcio in"La Huelga ante el derecho - conflictos, valo-res y normas," M. Olga Martnez, Dykinson, Madri, 199745Martinez, M. Olga. Op. cit., p. 14.

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    Na lio de TARSO GENRO, a greve se escora num trinmio: "ruptura da nor-malidade da produo; prejuzo para o capitalista; proposta de restabelecimento da nor-malidade rompida". 46

    Quem faz greve recusa o contrato posto: nega a sua obrigao, como se naquele

    momento voltasse a ser um simples candidato a emprego.47

    Em certo sentido, a greve uma reavaliao do contrato, feita coletivamente. Por isso, boa parte da doutrina excluide seu conceito a auto-satisfao (mesmo coletiva) de interesses, como quando os oper-rios, reivindicando a Semana Inglesa, deixam de trabalhar nos sbados. Sob essa tica -e com razo maior - tambm no seria greve a recusa de cumprir horas extras no con-tratadas. O mesmo se pode dizer quando o movimento conta com a adeso oculta doprprio empregador - como s vezes acontece com os concessionrios de nibus, quan-do querem subir as tarifas. que a greve tem como um de seus elementos o prejuzo;no pode, logicamente, beneficiar a gregos e troianos.

    Observe-se que o trabalhador individual tambm pode se recusar ao trabalho,para defender um direitoj posto: o que acontece, por exemplo, quando o patro no

    lhe paga o salrio, ou lhe nega equipamentos de segurana. Mas a lutapara se pr odireito s imuniza o trabalhador contra o poder disciplinar quando exercida coletiva-mente. Nesse aspecto, curioso notar como o ato ilcito, em termos individuais (recu-sar-se ao trabalho contratado) pode-se tornar lcito, em nvel coletivo (participar degreve).

    Na Frana, admite-se no s a greve de uma minoria, como a de um s - quandoum nico trabalhador da empresa adere luta da categoria. que no se trata de privil-gio sindical, mas de direito individual - ainda que exercido coletivamente. No h umpr-aviso, exceto no setor pblico. Os grevistas devem apresentar suas reivindicaes,mas no so obrigados a esperar pela resposta patronal.48

    9.7. Tipos de greves mais conhecidos

    9.7.1. Greve geral

    Tem, quase sempre, marcante fundo poltico. Pode-se dizer que nasceu no pero-doherico do sindicalismo revolucionrio, entre 1890 e 1914. O ardor da luta se inten-sificava: de um lado, a caa aos grevistas, de outro, a caa aos fura-greves. Entre 1906 e1910, os anos de priso de lderes sindicais somavam 104 nos tribunais franceses. 49

    Como escreveu SOREL, os sindicatos revolucionrios viam em cada greve "uma imita

    46Genro, Tarso F. Op. cit., p. 18.47Talvez tenha sido tambm por isso que a doutrina, no incio, costumava ver na greveuma causa de cessao do contrato de trabalho, com vistas a um novo contrato.48Teyssi, Bernard. "Droit du Travail - Relations Collectives de Travail", Litec, Paris,1993, p. 419.49Sinay, Hlne. Op. cit., p. 21.

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    o reduzida, um ensaio, uma preparao da grande subverso final". 50LNIN via essasgreves como uma "escola de guerra do proletariado". 51Em 1914 vem a guerra, que, noincio, rarefaz os conflitos; mas depois os exarceba, em razo da alta do custo de vida.Aos poucos, depois de sucessivas derrotas, a greve revolucionria vai cedendo passo reivindicativa.

    9.7.2. Greve de solidariedade

    a que mostra, com mais fora, a identidade e os interesses que unem a classetrabalhadora.52 Aqui, os trabalhadores defendem interesses que so de outros, emborapossam estar (e em geral esto) conectados com os seus prprios interesses. 53

    9.7.3. Greve de ocupao passiva (lock-in)

    A primeira greve de ocupao parece sido a de Lyon, na I Revoluo Industrial,quando os teceles se apossaram no s das fbricas, mas do prprio governo da cidade.

    Acabaram derrotados pelas tropas do governo. Ainda na Frana, em 1936, essa forma degreve envolveu dois milhes de trabalhadores, que tentavam se aproveitar da vitria dasesquerdas para afirmar seu direito co-gesto. 54

    O objetivo bsico dessas greves impedir que os patres usem mo-de-obra dereserva; por isso, so mais comuns em tempos de desemprego. Em vez de se usar pi-quetes para pressionar os no-grevistas, ocupa-se o local onde eles iriam trabalhar. Al-gumas vezes, usa-se o lock-in para evitar que a empresa se feche - seja em razo delock-out, seja por outro motivo. De certo modo, os trabalhadores usam a recusa ao tra-balho como modo de afirmar o emprego: ao contrrio do que ocorre nas greves tpicas,manifestam-se "exatamente por sua presena".55A ocupao serve tambm para mantera coeso do movimento coletivo. 56

    Para SINAY, o lock-in "o ponto mximo" das lutas coletivas, em termos de or-ganizao: alm das medidas usualmente adotadas em toda greve, aqui o sindicato tem

    50Sorel, Georges. "Reflexes sobre a violncia", Martins Fontes, S. Paulo, 1992, p. 138.51Castro, Pedro. Op.cit., p. 25.52Lpez, M.-Carlos Palomeque. "Derecho sindical espaol", Tecnos, Madri, 1994, p.279.53Na Espanha, j decidiu a Corte Constitucional que s lcita a greve quando o gre-vista "defende reivindicaes que se referem sua prpria relao de trabalho com opatro e que este possa atender".54A propsito, Simone Weil dizia: "Independentemente das reivindicaes, esta greve ,

    em si mesma, uma alegria. Uma alegria pura. Uma alegria sem mistura(...) Que alegria,entrar na fbrica com a autorizao sorridente de um operrio que vigiava a porta. Ale-gria de encontrar tantos sorrisos, tantas palavras de acolhimento fraterno." ("A condiooperria e outros estudos sobre a opresso", Paz e Terra, S. Paulo, 1996, p. 127.55Idem, p. 37.56Lpez, M.-Carlos Palomeque. Op. cit., p. 280.

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    de exercer poder de polcia, para evitar danos; dirigir todo o ritmo de vida dos grevistas -com repousos, distraes, etc. - e ao mesmo tempo manter alto o moral, j que eles seencontram na situao de "ociosos e voluntariamente prisioneiros".57

    s vezes, ao ocupar a fbrica, os operrios se "apropriam" de seu instrumental,invertendo a sua lgica - como aconteceu h alguns anos, em S. Paulo, quando operrios

    da Volks usaram as sirenes para marcar o horrio de suas prprias atividades. At oespao - utilizado normalmente pelo empregador, como um apndice do sistema de do-minao - pode passar ao controle operrio: numa das greves de julho de 1981, naFord, uma das praas internas foi rebatizada, simbolicamente, de 1de maio... 58

    9.7.4. Greve de ocupao ativa

    Ocorre quando "os trabalhadores tomam o processo de produo em suas mos econtinuam trabalhando, margem de toda vontade empresarial".59Assim, no h recusaao trabalho, mas ao trabalhosubordinado. s vezes, abrange a venda selvagem de pro-dutos, para alimentar os grevistas ou mostrar que a empresa vivel - e, por isso, no

    deve se fechar.Tambm chamada desciopero a rovescio (=greve s avessas) pelos italianos, essaforma de luta tem suas origens na Revoluo Russa, como resposta ao fechamento de820 fbricas, de maro a novembro de 1917. Segundo ARSKY, "os trabalhadores, porinstinto de conservao, no tinham outro remdio seno se converterem em patres". 60

    Seguiram-se ocupaes na Itlia, em 1919-1920, quando as indstrias metalrgicas serecusaram a negociar salrios; e na Espanha, durante a guerra civil. Em Portugal, porvolta de 1975, quando eram freqentes as falncias e o lock-out, muitos patres foramexpulsos pelos operrios, que tentavam assegurar assim a sua prpria sobrevivncia.

    Mas pode o trabalho se tornar apenas parcialmente arbitrrio: o que veremos aseguir.

    9.7.5. Greves com trabalho parcialmente arbitrrio61

    Se, na ocupao ativa, os empregados se recusam a trabalhar por conta alheia,apossando-se dos instrumentos de produo, aqui se limitam a ignorar o poder diretivo,ou partes dele. s vezes, a hiptese se aproxima ou at se confunde com a sabotagem.Outras vezes no chega a isso, como no caso da operao tartaruga. usada com maisfreqncia nas atividades essenciais, exatamente para canalizar a impacincia do pblicocomo forma de presso sobre o empregador.

    57Ibidem, p. 41.58Maroni, Amns. Op. cit., p. 52-54.59Perrote-Escartin, apud Pinho Pedreira, L. de. Op. cit., p. 94.60Apud Pinho Pedreira, Luiz de. Op. cit., p. 95.61Parte deste tpico e dos seguintes foi extrada de nossa obra "Direito de Resistncia",j citada (pgs. 312-314).

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    Outros exemplos so a operao-acidente, em que se reduz o ritmo a pretexto decumprir normas de segurana, e a operao-soluo, quando grupos de trabalhadores sealternam na lentido. Na Frana, tem-se entendido que em todas as hipteses de grevescomo essas, de rendimento, o empregador pode baixar o salrio, tomando por basecomparativa o rendimento habitual do trabalhador. s vezes, as prprias partes em

    conflito firmam acordos provisrios, fixando limites para a quebra do ritmo.Hiptese tambm curiosa agreve de zelo. Em regra, acontece nas empresas cu-jos regulamentos so rgidos em excesso, no se ajustando realidade. Nesses casos, ascoisas s funcionam bem na medida em que os prprios trabalhadores vo reinterpre-tando pequenas regras, com base em sua experincia diria. O fenmeno revela que osistema no capaz de desapropriar todo o saber operrio e - paradoxalmente - podeganhar com isso. Assim, em vez de no trabalhar, ou de trabalhar menos, o grevistacumpre o regulamento risca - o que acaba trazendo problemas, especialmente de atra-so, como se d com o controle de trfego areo. Assim, h uma "recrudescncia da ativi-dade".62 Outras vezes, os trabalhadores passam a executar sistematicamente as tarefasque, segundo o prprio regulamento, podiam ser praticadas com certa discricionariedade

    - como acontece com o pessoal da alfndega, que passa a revistar todas as malas. Agreve de zelo mais comum no setor pblico, onde os regulamentos so mais rgidos e oimpacto maior.

    9.7.6. Greve das horas extras

    Serve no s para protestar contra o trabalho suplementar, como para reivindicarpagamento maior. comum na Europa, nos servios pblicos.

    9.7.7. Greve rotativa

    Em vez de afetar todos de uma vez, praticada por grupos, de forma sucessiva.De certo modo, uma rplica ao trabalho parcelado63. Ataca a racionalidade do sistemaprodutivo, usando a mesma dose de organizao: preciso planejar cada passo, contro-lar os movimentos. Lembra uma guerrilha ou guerra de desgaste, com ataques curtos erepetidos. 64Os grevistas se alternam no prejuzo (salarial) que sofrem, ao passo que oempregador se v s voltas com uma desorganizao crescente da produo. Nesse tipode greve, e em outras semelhantes, mantm-se uma aparente (e falsa) disponibilidade

    62Idem, ibidem.63Sinay, Hlne. Op. cit., p. 35.64Sinay, Hlne. Op. cit., p. 35. Observa Mallet, citado pela autora, que "um, dois outrs meses de ao repetida, coordenada, desenvolvendo-se segundo um plano bem esta-belecido, tero uma repercusso mais importante sobre a marcha da empresa que umagreve ilimitada".

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    para o trabalho, por parte de alguns empregados. 65 como se dissessem: "queremostrabalhar; mas como? "

    9.7.8 Greves intermitentes

    Os trabalhadores deixam a fbrica antes da hora, ou se atrasam. s vezes perma-necem no local de trabalho: o que os franceses chamam de dbrayage (de dbrayer =interromper a ligao entre o motor e as rodas). Grevistas e no-grevistas se colocamento face a face, ao contrrio do que acontece na greve clssica (quando os grevistasficam em casa, e os outros no trabalho) e na greve com ocupao propriamente dita(quando os no-grevistas ficam em casa, e os outros na fbrica)66. Em relao ao empre-gador, essa greve chega de surpresa; para os trabalhadores, exige minucioso planeja-mento.67

    9.7.9 Greve-trombose

    Trabalhadores paralisam um setor-chave da empresa, ou ento, alternadamente,setores dos quais dependem os demais: assim, numa empresa de nibus, um dia paramos bilheteiros, outro dia os motoristas, outro dia os cobradores, e assim por diante. Tam-bm aqui, a disponibilidade dos que no esto tecnicamente parados pode ser apenasaparente.

    9.8. Efeitos jurdicos das greves

    Como vimos, as greves imunizam o trabalhador contra o poder disciplinar. Talcomo as excludentes de criminalidade, transformam um ilcito (contratual) em lcito.Ainda assim, no cabem salrios - exceto se h ajuste em contrrio, ou (a nosso ver)

    quando o prprio empregador as provoca, ao descumprir normas. Ensina RUPRECHTque os pagamentos devidos pelo Estado devem continuar. Seria o caso do salrio-maternidade, pois, embora o empregador faa os pagamentos, pode depois deduzi-losde seus dbitos previdencirios.

    Conta-se o tempo de servio? Uns, como ABELLN, acham que sim; outros,como RUPRECHT, entendem que preciso distinguir as greves lcitas das ilcitas. Ora:a suspenso do contrato no gera contagem de tempo; j a interrupo, sim. Assim,quando os salrios so devidos, o tempo se contaria. Entre ns, na prtica, tem-se com-putado o tempo. Pergunta-se, ainda: pode a empresa exigir a reposio das horas notrabalhadas? Se no pagou os salrios, negativa a resposta.

    65Monteiro Fernandes, Antnio. "Direito do Trabalho - II: Relaes Colectivas de Tra-balho", Alamedina, Coimbra, 1991, p. 254.66Sinay, Hlne. Op. cit., p.37.67Sinay, Hlne. Op. cit., p. 38. Conta a autora que, na Frana, uma dessas greves durou7 meses; as paradas variavam de meia hora a meio dia

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    Se os grevistas impedem o trabalho dos fura-greve, o empregador deve tomar asmedidas necessrias, segundo LYON-CAEN. S se o trabalho se tornar invivel oumuito custoso que haver fora maior, excluindo aquela obrigao.68Entre ns, a foramaior autoriza a reduo geral de salrios, at 25%; mas a doutrina o considera invlido,em face do art. 7, VI, da CF, que s permite a reduo via negociao coletiva.69Assim,

    so devidos os salrios.

    9.9. Eficcia das greves

    A eficcia das greves depende do contexto poltico, jurdico, econmico e social,assim como do apoio (ou desaprovao) da coletividade, quase sempre condicionadopela mdia. Mas h outras variveis igualmente importantes, como o nvel de organiza-o sindical, a homogeneidade da categoria e sobretudo a intensidade do prejuzo queelas podem causar: h alguns anos, por exemplo, 20 trabalhadores de um centro de com-putao da cidade italiana de Latina atrasaram o pagamento de dois milhes de funcion-rios pblicos...

    interessante notar que as empresas tendem a aceitar mais facilmente as grevesda categoria do que as chamadas greves "internas", pois aquelas nivelam os prejuzos, aopasso que estas ajudam a concorrncia.

    9.10. Peculiaridades e estratgias

    Como nas guerras, cada greve tem as suas peculiaridades e estratgias, envolven-do as vrias fases do movimento: a) deflagrao; b) entrada; c) permanncia: d) sada.

    Assim , por exemplo, que muitas greves surgem revelia dos sindicatos, comoexpresso de novas fontes de poder - como comisses ou comits. Mesmo durante agreve, nem sempre a assemblia geral o principal foro deliberativo: so comuns as

    assemblias menores, as decises de lideranas, etc. Assim, h greves mais ou menosdemocrticas. 70

    Por outro lado, quanto mais tempo a greve durar, mais difcil ser manter os tra-balhadores e suas famlias; assim, tm importncia decisiva os fundos de greve. E comoum dos efeitos da greve reforar a solidariedade, pode ser uma boa estratgia desistir,mesmo sem ganhos concretos, apenas para garantir "o saldo organizativo"71.

    10. OUTROS TIPOS DE CONFLITOS

    68Camerlynck, G.H. e Lyon-Caen, G. "Derecho del Trabajo", Aguillar, Madri, 1972, p.

    395.69Nesse sentido, por ex., Oliveira, J. Csar de. "Factum principis, fora maior e temascorrelatos", in "Curso de Direito do Trabalho - estudos em homenagem a Clio Goiat",coord. Alice M. de Barros, vol. II, LTr, S. Paulo, 1997, p. 476.70Castro, Pedro. Op. cit., p. 28 e segs.71Idem, p. 28

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    10.1. Meios de luta preliminares

    So as reunies, assemblias, distribuio de panfletos, etc. Em geral, esses meiosse fazem acompanhar de um clima de insatisfao, com reduo da produtividade.72

    10.2. "Label"

    O "label", ou "selo sindical", tanto serve para recomendar um produto - quando aempresa cumpre normas coletivas - como para dificultar sua venda. 73

    10.3. Extorso sindical ("racketeering")

    Comum nos Estados Unidos. D-se quando um sindicato constrange a empresa acelebrar um acordo, em troca de "quota de proteo" - como as velhas quadrilhas damfia. 74

    10.4. Bloqueio de mercadorias

    Com essa forma de luta, descrita por GIUGNI, os trabalhadores tentam evitar asada dos produtos, seja persuadindo os transportadores, seja impedindo que eles faamo seu trabalho. lcita na primeira hiptese e ilcita na segunda.75

    10.5. Boicotagem

    A palavra vem de Jaime Boycott, capito irlands que cuidava das terras de umlorde, no sculo XVIII.Boycott tratava to duramente os seus empregados que eles con-venceram os clientes da fazenda a no comprarem os produtos.

    Em regra, a boicotagem pressupe trs sujeitos: o que a incita, o que a exerce e oque a sofre.76Pode serpositiva ou negativa: no primeiro caso, quando no se compra oproduto; no segundo, quando se induz a no comprar o do concorrente77.

    10.6. Sabotagem

    72A propsito, Beltran, Ari P. Op. cit., p. 158.73Idem, p. 180.74Abellan, J. Garcia.Apud Beltran, Ari P. Op. cit., p. 19175Giugni, Gino. Op. cit., p. 277.76Ruprecht, A . Op. cit., p. 160.77Na Itlia, o art. 507 do Cdigo Penal pune quem "mediante proganda, valendo-se dafora de partidos, ligas ou associaes, induza uma ou mais pessoas a no estipular pac-tos de trabalho ou a no fornecer materiais ou instrumentos necessrios ao trabalho ouainda a no comprar produtos agrcolas ou industriais de outros".

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    A palavra vem do francssaboter,derivado desabot, que por sua vez vem do di-aletal bot, espcie de calado. Mais precisamente, eram tamancosque os trabalhadoreslanavam dentro das mquinas, para destru-las. Em termos amplos, "tudo aquilo quetende a desacreditar, danificar ou prejudicar a empresa".78 Entre ns, a lei omissa,razo pela qual, na lio de GOMES e GOTTSCHALKK, no ilcita.79

    FREDERICO, citado por ANTUNES80

    , alinha as formas de sabotagem mais usa-das no Brasil:"1. dar o tranco na mquina: aumentar a rotao da mquina para quebr-la com

    o uso forado; 2. trombar a mquina: mudar a posio da mquina para provocar uma trom-

    badaquando da entrada de materiais, ou ento jogar um corpo estranho para forar umcrepe;

    3. matar peas: fazer a pea com pequenos defeitos para torn-la imprestvel;4.fazer um gato: roubar peas para vender nas oficinas particulares;5. desgastar as ferramentas:principalmente as j precrias pelo uso, que poderi-

    am ser utilizadas;

    6. desateno: empilhar mal as peas para que elas caiam no cho "sem querer" efiquem danificadas; no tomar cuidado com os instrumentos mais delicados, etc.7.fazer cera: enviar as peas solicitadas para os locais errados, parar o funciona-

    mento da mquina por algum tempo, alegando defeito inexistente; fazer o servio malfeito para ter que fazer tudo de novo, etc."

    10.7. Ratterning

    O vocbulo vem do verto to ratten, que significa "privar de ferramentas os traba-lhadores, com o objetivo de que as tarefas no se desenvolvam normalmente."81

    10.8. Ludismo

    O nome lembra um lder sindical -Ned Ludd - que, nos primeiros tempos da Re-voluo Industrial, pregava a quebra de mquinas. Para MARONI, nesse tipo de reaose expressa a revolta do trabalho vivo contra o trabalho morto: "ao quebrar mquinas, osoperrios se diferenciam dos objetos mostrando que no aceitam o processo de reificaoque visa a transformar tudo em mercadoria".82

    10.9. Formas inominadas

    78Ruprecht, Alfredo. Op. cit., p. 159.79Gomes, Orlando e Gottschalk, Elson. "Curso de Direito do Trabalho", Forense, Rio,1994, p. 640.80Antunes, Ricardo. Op. cit., p. 15.81Ruprecht, Alfredo. Op. cit., p. 16382Maroni, Amns. Op. cit., p. 46.

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    Dentre as formas inominadas de resistncia, pode-se lembrar o fato descrito porCHAU. Aconteceu na Cosipa, nos anos 70. A empresa era "zona de segurana nacio-nal", com regras estritas - inclusive crachs. A greve era sempre tida por ilegal. Usandoas portas dos banheiros como jornais para divulgar o movimento, os empregados plane-jaram chegar sem o crach. Resultado: identificao difcil, filas imensas e altos-fornos

    ameaando apagar. Rapidamente, a empresa negociou. O movimento ganhou o nome deDia da Amnsia...

    10.10. Lutas dirigidas contra os colegas

    Algumas vezes, para viabilizar as lutas coletivas, os trabalhadores se voltam con-tra os prprios colegas. o caso, por exemplo, dospiquetes. Pela lei, podem ser persua-sivos, ou de propaganda, mas no coativos. Na Itlia, considera-se ilcita a barreirahumana. 83

    Outro exemplo so as listas negras: os sindicatos divulgam nomes de operriosno sindicalizados, para for-los sindicalizao. No mesmo sentido, um tipo especial

    de boicotagem: o sindicato pede aos associados que no se relacionem com os colegas.84

    Conta-se que nos EUA, na poca da Grande Depresso, lderes sindicais quebra-ram as mos de vrios msicos que aceitavam tocar a preos vis.

    11. TRATAMENTO LEGAL DAS LUTAS COLETIVAS

    11.1. Licitude das greves atpicas e de outros meios de luta

    Entre ns, a CF trata a greve como direito fundamental, cabendo aos trabalhado-res decidir sobre a oportunidade de exerc-lo e os interesses a serem defendidos (art. 9 ).Quanto aos servidores pblicos, o direito de greve "ser exercido nos termos e nos limi-

    tes definidos em lei complementar" (art. 37, VII). Os militares esto excludos (art. 42, 5)Mas a que tipo de greve se refere a Constituio? sua forma clssica, de recusa

    coletiva ao trabalho? Ou tambm a outros modos de ruptura do cotidiano da prestaode servios? A maioria prefere a interpretao restritiva - que refutamos. 85 que, comoensina HESSE, a Constituio "no tem existncia autnoma em face da realidade (...)".Sua interpretao se submete ao princpio "da tima concretizao da norma"86.

    Ora: o que nos diz a realidade?

    83Beltran, Ari P. "A autotutela nas relaes de trabalho", LTr, S. Paulo, 1996, p. 159.84Ibidem, p. 180.85 interessante notar que a Constituio portuguesa, que nos inspirou, tem regra ex-pressa impedindo a limitao do direito via legislao ordinria. Em nossa CF, essa regradeve ser considerada implcita.86Hesse, Konrad. "A fora normativa da Constituio", Srgio A Fabris, P. Alegre,1991, p.14.

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    Ela nos diz que o novo modo de acumulao capitalista j no se baseia em fbri-cas grandes, operrios em massa, direitos crescentes e Estado interventor, mas no con-trrio de tudo isso, o que significa fbricas terceirizadas, direitos esfacelados, Estadofragilizado e trabalhadores dispersos. assim que a nova empresa consegue baixar oscustos e aumentar os lucros; desse modo que resolve a velha contradio de ter de

    reunir os trabalhadores em volta da mquina e ao mesmo tempo ter de enfrentar a solida-riedade nascida dessa mesma unio. 87 Com o rompimento do velho pacto social, oequilbrio de foras tambm se rompeu: hoje, e cada vez mais, fazer greve passa a ser umrisco muito maior do que sofrer greve. Para reequilibrar a balana, s abrindo maisespao ao coletiva.

    Note-se que a greve tpica o modo de luta menos elaborado de todos: corres-ponde a um perodo histrico em que a prpria organizao fabril era simples. Os meiosmais eficazes so os que se valem da racionalidade crescente do sistema, invertendo-lheos mecanismos.

    verdade que a lei ordinria considera legtimo exerccio da greve a suspensodos servios (art. 2), o que parece afastar greves atpicas. Mas a lei diz tambm que a

    suspenso pode ser parcial. Logo, aqui se pode encaixar a execuodefeituosa, como,por exemplo, a operao-tartaruga. Admitimos que no foi esta a inteno do legislador- mas o que importa? De resto, ainda que assim no se entenda, pode-se apelar para aanalogia. Ou, mais simplesmente, para a exegese ampla da Constituio...

    Em nossa opinio, at a greve de ocupao ativa pode ser excepcionalmentelcita,como resposta ao lock-out, desde que: a) seja pacfica; b) no impea a eventual retoma-da do estabelecimento pelo empregador; c) revele-se indispensvel para garantir a sub-sistncia imediata dos trabalhadores.

    Quanto greve poltica, ser lcita se tiver um componente - ainda que indireto -de natureza trabalhista. Mas ainda que isso no se d, poder se encaixar no espectro dodireito poltico de resistncia, como na hiptese em que os trabalhadores se unem contra

    uma ditadura. A propsito das greves polticas, interessante lembrar ainda que o Di-reito do Trabalho tem dupla fonte - a norma estatal e a negociada, vale dizer, a autono-mia e a heteronomia - o que torna tanto o empregador como o legislador passveis depresso.

    Quanto boicotagem, apenas a violenta, entre ns, criminalizada (art. 198 doCP). Em termos trabalhistas, pode-se concluir, com RUPRECHT, que lcita quandodefende interesses profissionais, como na hiptese em que alguns trabalhadores aceitamtrabalhar em condies inferiores s previstas em conveno coletiva. Mas tambm serlcita em caso de solidariedade, quando, por exemplo, toda uma categoria se recusa aadquirir produtos de certa empresa, em protesto contra a falta de equipamentos de segu-rana.

    87Dedicaremos mais algumas palavras sobre o tema no tpico sobre os meios de soluodos conflitos. Para um estudo mais detalhado, porm, cf. a 1parte de nosso "O novocontrato a prazo" (LTr, S. Paulo, 1998, em coautoria com Fernanda M. Dias e Luiz Ot-vio L. Renault)e especialmente o artigo: "A proteo social do trabalhador no mundoglobalizado - o Direito Trabalho no limiar do sc. XXI", in Revista LTr de julho/99. "

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    Quanto sabotagem, o nosso CP pune com recluso de um a trs anos e multaquem, "com o intuito de embaraar o curso normal do trabalho (...) danificar estabeleci-mento ou as coisas nele existentes ou delas dispor"(art. 202 do CP). Mesmo sem o doloespecfico, s vezes configura crime de dano (art. 163). Ainda assim, em casos raros,pode ser lcita, mesmo em termos trabalhistas, como na hiptese em que os empregados

    cortam os fios eltricos de uma caldeira que ameaa explodir.Quanto ao ratterning, no punvel criminalmente - pois caracteriza merofurtode uso. Mas como atenta contra o direito de propriedade, s ser lcito em casos excep-cionais - como na hiptese da ocultao de determinada pea da mquina, que a tornaextremamente perigosa, at a chegada da fiscalizao.

    11.2. Algumas lies de Direito Comparado

    Como ensina ROBERTO A. O. SANTOS, o contexto em que vivemos, muitomais desigual que o europeu, reclama a elaborao de uma nova teoria da greve, maisajustada nossa realidade. De todo modo, interessante notar como a doutrina estran-

    geira, s vezes, consegue ser mais aberta que a nossa...Observa SINAY, por exemplo, que nas greves atpicas o animus o mesmo quenas greves comuns. 88 Por isso, na Frana, entende-se que, em princpio, toda greve lcita; mesmo as intermitentes, exceto quando h desorganizao grave na produo.. Domesmo modo, asselvagens. No caso dagreve rotativa, a jurisprudncia a admite, salvono setor pblico ou quando h execuo defeituosa do trabalho. A greve com ocupao("sur le tas") admitida, pelo menos durante a jornada de trabalho, pois "no importa olugar onde os grevistas exercitam o seu movimento". Mas no pode impedir o trabalhodos no grevistas. Quando a ocupao se prolonga alm da jornada usual, a Corte deCassao s vezes emite uma "ordonnance d'expulsion".89A doutrina francesa conside-ra lcita a greve mesmo na vigncia de conveno coletiva, se o seu objetivo a inter-

    pretao de clusula normativa. J a greve de zelo tende a ser considerada ilcita: o zelo" assimilado a uma falta"90.Na Itlia, entende-se que o trabalhador no pode ser considerado estranho fbri-

    ca; assim, embora a lei criminalize a ocupao91 , a jurisprudncia tem entendido quefalta o animus. Pouco importa a natureza das reivindicaes - desde que sejam profissio-nais, ainda que indiretamente (como a greve para defender o emprego em geral). No preciso que a reivindicao se refira empresa e sua satisfao dependa do empregador.Por tudo isso, a greve poltica (inclusive a geral) pode ser lcita, desde que tenha umcomponente profissional - como no caso em que se luta em favor de polticas de empre-go.

    88Sinay, Hlne. Op. cit., p. 39.89Lyon-Caen, G.; Plissier, J.; Supiot, A. "Droit du Travail", Dalloz, Paris, 1996, p. 929e 943-944.90Teyssi, Bernard. Op. cit., p. 417.91O cdigo penal italiano pune quem "com o nico escopo de impedir ou turbar o nor-mal desenvolvimento do trabalho"invade ou ocupa empresa.

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    Quanto greve de solidariedade,distingue-se a greve internada externa. Se in-terna, ser ilcita caso no haja reivindicaes prprias dos grevistas; e lcita na hiptesecontrria. A greve de solidariedade externa j foi julgada lcita, mesmo quando tinhaobjetivos genricos, como ampliar o poder de compra ou defender o direito sindical. Ajurisprudncia tende a excluir da definio de greve a execuo das tarefas de forma

    defeituosa ou em marcha lenta.92

    Costuma-se dizer, ali, que "a greve deve ser franca: aperda do salrio podendo ser calculada em funo da durao da interrupo do traba-lho" 93.

    12. OUTROS ASPECTOS POLMICOS DA LEI ORDINRIA94

    1. Seja total ouparcial, a greve deve ser pacfica; mas a violncia capaz de ilegi-tim-la no a individual, e sim a coletiva, como nota com inteligncia MASCARONASCIMENTO.95

    2. A lei exige que os empregados pr-avisem o empregador com antecedncia de48 e de 72 horas nas atividades no essenciais e essenciais, respectivamente (art. 3). Mas

    quanto s atividades no essenciais, sua constitucionalidade discutvel - j que, segun-do a CF, cabe aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade do movimento.3. A lei probe a contratao de substitutos (art. 7, nico), mas ela prpria ex-

    cepciona a regra, quando no se chega a um acordo para manter os servios cuja inexe-cuo acarreta dano irreparvel (art. 9).

    4. A lei considera abusivaa greve em desacordo com as suas regras, bem como aque se mantm aps convnio coletivo ou sentena normativa (art. 14), salvo havendofato novo ou imprevisto, que modifique substancialmente a relao de emprego. Comoensina ROBERTO A . O . SANTOS, porm, a CF no se refere ao abuso do direito degreve, em si, mas aos abusos perifricos (como piquetes violentos, por ex.). Os prati-cantes desses abusos podero ser eventualmente punidos, mas isso no afetar a greve,

    como um todo.96

    Para BARBAGELATA, a greve menos sensata to legal quanto amais razovel. S seria ilcita a greve feita numa empresa por sindicatos marrons, parafavorecer a concorrente.97

    5. Entende o STF que a simples adeso greve ilegal no justa causa (Smula316).

    92. Idem, p. 929-930. Assim, por ex., ser ilcita se tiver por objetivo a dispensa (normal)de um colega, mas lcita se tal dispensa se relacionar, de algum modo, com uma reivin-dicao coletiva, ou se for ilcita.93Ibidem, p. 933.94Parte das concluses alinhadas foram extradas de nosso "Direito de Resistncia", cit.,pp. 302 e segs.95Mascaro Nascimento, A . "Comentrios lei de greve", LTr, S. Paulo, 1989, p. 45.96Palestra proferida no II Congresso Brasileiro de D. Processual do Trabalho, promooda LTr, S. Paulo, 199097Apud Camerlynck, G. H. e Lyon-Caen, G. Op. cit., p. 128-129.

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    6. A lei prescreve o respeito aos outros direitos fundamentais, proibindo ameaaou dano propriedade e pessoa (art. 6, 1e 3)

    7. A lei no garante salrios aos grevistas - mas deve-se entender que so eles de-vidos quando a greve decorre do descumprimento do prprio contrato. que, na verda-de, o que haver na hiptese o exerccio da exceptio non adimpleti contractus.

    8. A lei protege o fura-greve (art. 6o

    , 3

    ). Embora a grande maioria justifiqueessa proteo, h os que entendem - a nosso ver, com razo - que no se pode privilegiaro individual, em detrimento do coletivo, especialmente quando este busca a correo dedesigualdades sociais.98

    13. O QUE H EM COMUM NOS CONFLITOS TRABALHISTAS

    Em todas as formas de luta examinadas, nota-se um trao comum: elas negam, dealguma forma, o pressuposto bsico da relao de emprego, que a subordinao. Sejana greve, seja no boicote, seja na sabotagem, o trabalhador se coloca fora do contrato,afirmando - ainda que de forma indireta - a sua autonomia. De certo modo, como diza-

    mos, ele contrata de novo, via sindicato, e para isso acaba nega a prpria posio deobrigado - ou de empregado. Liberta a si prprio para que possa lutar por mais liberda-de.

    Outro aspecto interessante que, ao longo da Histria, os grupos foram se apro-priando de vrias espcies de lutas individuais - como a sabotagem. Ao mesmo tempo,nasceram novos objetivos (inclusive gestionrios) e os trabalhadores se apropriaram deconquistas de seu tempo - como a racionalizao cientfica, a importncia da publicida-de, etc.99Os conflitos foram assumindo tambm o aspecto de denncia, de conversa coma sociedade.

    Note-se que a norma estatal procura enquadrar os conflitos, absorvendo-os. Poroutro lado, ao impor contedos mnimos, acaba demarcando o seu campo. 100 Assim,

    quanto menores os contedos legais, maior a conflitualidade, pelo menos em termospotenciais.

    14. AES E REAES PATRONAIS

    14.1. Presses

    Relatos das greves no ABC, em 1978, mostram como as empresas se servem dosmais variados meios de presso para esvaziar a luta operria. Um desses relatos diz que"os guardas ficavam na porta de cada uma das alas, todos armados, e as chefias na

    porta perguntando: - Como , voc vai entrar para trabalhar?"Naturalmente, tambm

    se pressionava do outro lado, como se percebe desse relato: "O operrio parado ao lado98Nesse sentido, Coelho, Rogrio. "A greve, os grevistas e os no grevistas", in "RevistaLTr", 53-11/1341.99Sinay, Hlne. Op. cit., p. 33.100Monteiro Fernandes, Antnio de Lemos. Op. cit., p. 244

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    da mquina ficou entre dois fogos: levantando a cabea, via a seo inteira de braoscruzados, os olhos cravados nele, espera de sua reao. A seu lado, protegido por um

    guarda de segurana, um gerente da fbrica gritava: "- Vamos, trabalhe. Voc no quer

    trabalhar? Vamos, trabalhe! O gerente ligava a maquina e mandava o operrio traba-lhar".So comuns as perguntas como: "Por que voc no est trabalhando?"Tambm

    comum a prtica de ligar as mquinas, revelia dos operrios, "quebrando o siln-cio".101

    14.2. Meios secundrios

    As formas de reao da empresa variam muito. s vezes, recusa ao dilogo e aqualquer tipo de colaborao com a entidade profissional. Ou se utiliza de ameaas,como a extino de postos de trabalho. Outras vezes, radicaliza - como na Alemanhaem meados do sculo, quando as fbricas da indstria pesada passaram a investir emoutras atividades, para escapar lei da co-gesto, de 1951; ou nos Estados Unidos, maisrecentemente, com a migrao das fbricas do norte para o sul102

    14.3. Lock-out

    Na definio de GIUGNI, a "recusa de aceitar a prestao laborativa e, conse-qentemente, de pagar a retribuio". 103Seus antecedentes remontam a 1890, quando ascompanhias de navegao alem reagiram contra os porturios que festejavam o 1demaio. No incio, proclamado o direito de greve, costumava-se justific-lo pelos princ-pios (civilistas) de justia comutativa. 104Hoje, na Europa, s a Alemanha o permitegenericamente: a "paridade de armas". 105 Essa assimetria de tratamento nos mostraque mesmo em nvel coletivo no h, em geral, igualdade de foras. O que as torna maisou menos equilibradas um conjunto de fatores: um bom nvel de emprego, obstculos

    legais despedida e o estabelecimento de patamares mnimos indisponveis. Ao contr-rio da greve, o lock-out no fim "progressista", de criar direitos; ao contrrio, quer extin-gui-los.

    O lock-out pode ser defensivo, preventivo ou retorsivo. Se defensivo, usadocontra o lock-in. Pode envolver uma ou mais empresas. No primeiro caso, para forarnovas condies de trabalho. No segundo, para pressionar o Estado a adotar ou no certamedida. s vezes, "supe despedida coletiva, com proposta de reincorporao atravs decondies impostas pela empresa".106Entre ns, no se pode us-lo para inviabilizar agreve ou a negociao.

    101Maroni,. Amnris. Op. cit., p. 100-108.102Beltran, Ari P. Op. cit., p. 194.103Giugni, Gino. "Diritto Sindacale", Cacucci, Bari, 1997, p. 281.104Ruprecht, A . Op. cit., p. 177.105O Tratado de Maastrich o menciona, mas s para sinalizar que, a propsito, deve serrespeitado o ordenamento jurdico de cada pas.106Marquez, Hernanz.Apud Ruprecht, Alfredo. Op. cit., p. 169.

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    Se ilcito, como quase sempre acontece, o lock-outd ao empregado o direito nos aos salrios, mas (em princpio) chamada "despedida indireta" - no tanto pela faltade oferta de trabalho, mas em razo da ausncia de pagamento.

    14.4. Listas negras e brancas

    Outro modo usual de luta, j citado, so as listas negras, contendo, nessa hipte-se, nomes e/ou fotografias de grevistas. So ilcitas. Menos comuns so as listas bran-cas, que relacionam os confiveis. H empresas que trocam entre si os seus cadastros,como j relatava VIANNA.107 Mas o modo mais eficaz de luta patronal talvez seja aterceirizao: ela fragmenta a classe operria, criando segmentos de empregados queno se integram aos que trabalham nas empresas-clientes (pois seus problemas e reivin-dicaes so diferentes), e nem sequer entre si (dada a sua alta rotatividade).

    14.5. Prmios antigreve

    Em regra, nos pases mais evoludos, so tidos como discriminatrios. Na Fran-a, so expressamente proibidos108, a no ser quando criados antes da greve e concedi-dos, indistintamente, aos que no faltam ao trabalho de uma forma geral.109

    14.6. Contrataes de outros trabalhadores

    A nossa lei no as permite, durante as greves. Pergunta-se: pode a empresa con-tratar atravs de outra, terceirizando? Na Frana, a lei responde negativamente110. Entrens, embora a lei seja omissa, a resposta deve ser a mesma, por analogia.

    15. MEIOS DE SOLUO DE CONFLITOS

    Os procedimentos-padro so a negociao coletiva, a conciliao, a mediaoea arbitragem. Em todos eles, as partes so as mesmas do conflito. Os trs primeiros tmpor fim alcanar a convenoou o acordo coletivo.111Vejamos as caractersticas de cadaum.

    O termo negociao coletiva costuma ser usado em acepo ampla, abrangendotambm a conciliao e a mediao. Em sentido mais tcnico, distingue-se delas porenvolver apenas as partes, sem a participao de terceiros. Em regra, tem forma livre. Eserve tanto para os conflitos de interesse como para os jurdicos. Como as partes atuam

    107Vianna, Segadas. Op. cit., p. 86.108Art. L.521-1 do Cdigo do Trabalho.109Javillier, J. C. "Manual de Direito do Trabalho", LTr, S. Paulo, 1988, p.224.110Art. L.124-2-3 do Cdigo do Trabalho.111De acordo com a CLT, as convenes e os acordos se distinguem pelo fato de que asprimeiras envolvem sindicatos profissionais e econmicos, ao passo que os ltimos tmde um lado um sindicato profissional e de outro uma ou mais empresas.

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    por si, no h rgos destinados a esse fim. s vezes, o Estado lhe impe certas limita-es.

    A negociao pode ser esttica ou dinmica. A primeira, prpria dos pases con-tinentais europeus, cria regras precisas, bem delineadas; celebrado o convnio, as partesno mais negociam, at o fim de seu prazo. J a segunda, mais comum na Gr-Bretanha,

    pressupe instituies de carter permanente, que vo adaptando o pacto a cada novacircunstncia. mais um modo de administrao coletiva do que propriamente de con-tratao.112

    J a conciliao negociao assistida: tal como a mediao, meio de aproxi-mao das partes.113Com ela, elimina-se um processo por meio de outro processo114. Oconciliador representa o Estado ou escolhido livremente. Sua interveno varivel:pode ir desde o mero apoio procedimental at formulao de uma ou outra sugesto,com base nos indcios que as partes fornecem quanto a possveis transigncias. A tenta-tiva de conciliao pode ser voluntria ou obrigatria. No Brasil, indispensvel para odissdio coletivo.

    A mediao fica a meio caminho. Nela, h tambm um terceiro, que depois de

    analisar os fatos e as alegaes faz uma proposta. Para DEVEALI, forma "especial-mente intensa de conciliao", j que o mediador no se limita a ouvir: pode exigir dadose informes e atua com freqncia como um rbitro, s que sem laudo obrigatrio. 115Nasua forma mais simples, as partes aceitam ou recusam em bloco sua sugesto; quasesempre, porm, forma-se uma rede de propostas e contrapropostas, envolvendo o media-dor e as partes. O mediador no se prende a princpios de equidade ou de conveninciaeconmica; apenas descobre "o ponto exato de maior aproximao possvel entre asposies".116 Esse sistema pouco empregado; e seu xito depende, muitas vezes, doprestgio do mediador. Tal como a conciliao, pode ser voluntria ou obrigatria; pbli-ca ou privada. A publicidade tem papel relevante: mobiliza a opinio pblica, comoinstrumento de presso117. O mediador expe informe fundamentado e conclui; em al-

    guns pases, a resposta deve ser expressa.Na arbitragem, h tambm um terceiro, mas o objetivo j no um convnio, esim uma deciso vinculante - o laudo arbitral, pronunciado com ou sem a audincia daspartes e fora de modelos processuais estritos. Como a deciso por equidade, pode nocoincidir inteiramente com qualquer das pretenses. Mas a prpria equidade deve sertemperada com razes de viabilidade econmico-social: nesse caso, so introduzidos, nojuzo de equidade, "interesses aparentemente exteriores aos que se acham em confronto

    112A propsito, cf. Palomeque, Manuel-Carlos."Derecho Sindical Espaol", Madri,

    1986, pgs. 229/230.113Ruprecht, Alfredo. Op. cit., p. 209.114Garcia, Alonso.Apud Ruprecht, op. cit., p. 206.115Deveali, Mario.Apud Ruprecht, op. cit., p. 212.116Idem, p. 228.117Durand, Paul. "Trait de Droit du Travail", Dalloz, Paris, vol. III, p. 977.

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    direto".118A arbitragem pode decorrer de lei (como na Austrlia), com ou sem a presen-a do Estado.

    No direito comparado, outras solues existem, como as decises administrati-vas, as comisses paritrias, o inqurito e a investigao de fatos. 119

    No sistema da deciso administrativa, so rgos pblicos que decidem o conflito

    - sempre com o risco de ingerncia do poder executivo. No sistema das comisses pari-trias,prprio para conflitos de natureza jurdica, essa tarefa fica a cargo de rgos querepresentam as partes, criados em convenes coletivas precedentes. Em alguns pases,so presididos por autoridade administrativa. O sistema do inqurito, previsto na LeiTaft-Hartley, dos EUA, usado em pases anglo-saxes, nos quais a opinio pblicatem peso muito grande. No depende de autorizao ou pedido das partes. O governotoma a iniciativa, convidando-as a fornecer dados. A comisso de inqurito apresentaento um informe com recomendaes; e expede uma ordem (injunction), para que agreve no se inicie ou pare, por 80 dias, prazo chamado de "arrefecimento" (cooling off).Caso a trgua seja em vo, a ordem esgota sua eficcia e a greve se torna lcita. Essainterveno tem ocorrido em mdia uma vez por ano.

    No Brasil, o conflito coletivo pode ser mediado ou conciliado tanto na esfera pri-vada como por meio da Procuradoria ou do Ministrio do Trabalho. A arbitragem podese fazer atravs de rbitros de livre escolha das partes; o Ministrio do Trabalho mantmum cadastro de nomes, para esse fim. Se uma das partes se julga incapaz de negociar porsi s, pode requerer tambm a interveno do Ministrio do Trabalho, por meio de seusagentes.

    Existe ainda a possibilidade de interveno da Justia do Trabalho, via sentenanormativa. Mas o instituto parece em via de extino: quando escrevamos essas pginas,tramitava emenda constitucional que a transformava em arbitragem facultativa. 120

    16. CONFLITOS E CONVNIOS COLETIVOS: UM OLHAR ACADMICO

    Como escrevemos em outras paragens, a conveno coletiva substitui a fragili-dade do indivduo pela fora sempre maior do grupo. 121Nos pases da common law, virtualmente o nico direito escrito; nos outros, tem funo complementar, maior oumenor, conforme o caso. Assim, aqui e ali, exemplo de pluralismo jurdico.

    118Ibidem, p. 229.119A propsito, Ruprecht, Alfredo. Op. cit., p. 222 e segs.120Na verdade, os prprios tribunais do trabalho foram minando o seu poder normativo,atravs da criao de minuciosos precedentes. Em vez de criar a norma para o caso con-creto, como deveriam fazer, passaram a julgar quase mecanicamente, aplicando aquelesverdadeiros cdigos.121Lyon-Caen, G.; Plissier, J.; Supiot, A . "Droit du Travail", Dalloz, Paris, 1996, pg.644.

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    Mas no s. Ao longo do tempo, tem atuado para alm de seus limites formais,seja atuando sobre o legislador122, seja inspirando outras categorias123, seja pressionandoempregadores no afetados diretamente por seu raio de ao.124 o que alguns chamamde efeitos de contgio das lutas coletivas.125

    Qualquer que seja a sua espcie, a conveno coletiva expressa um ajuste entre

    capital e trabalho. o fiel da balana; o ponto de equilbrio entre o interesse do empres-rio em manter ou aumentar a mais-valia e a luta dos trabalhadores para conservar ouresgatar pores de dignidade.

    Do ponto de vista de sua estrutura, contrato. Em termos desubstncia, nor-ma. 126 Por isso, no se concretiza por si mesma: depende dos ajustes individuais. 127

    Analisado em conjunto, o convnio coletivo ambguo como uma sereia: tem corpodecontrato e almade lei, na lio de CARNELUTTI.

    Observa MONTEIRO FERNANDES que, quanto maior o contedo das conven-es, mais se multiplicam as reas potencialmente litigiosas. 128Nesse sentido, o conv-nio coletivo entra em contradio consigo prprio: em vez de superar os conflitos, ali-menta as circunstncias de outros.129 harmonia que desarmoniza, para de novo harmo-

    nizar.

    17. CONFLITOS E CONVNIOS COLETIVOS: UM OLHAR CRTICO

    Quando o jogo de foras favorvel, os conflitos coletivos tm papel decisivono s para criara norma, como para mant-la vivae atuante. que o Direito no secompleta no momento de sua proclamao: afirmado, negado e transformado a cada

    122 o caso, por exemplo, do nosso banco de horas,que - embora no seja propriamenteoriginal - tornou-se texto de lei a partir de (e para respaldar) convenes firmadas porsindicatos daFora Sindical, que (ilicitamente) o previam.123A "quebra de caixa" dos bancrios, por exemplo, serviu de modelo para vrias outrascategorias com trabalhadores na mesma situao.124 o que acontece com frequncia nos Estados Unidos, onde o percentual de trabalha-dores alcanados pelos convnios baixo (18%), mas muitas empresas situadas fora deseu campo de abrangncia acabam concedendo os mesmos reajustes, exatamente paraimpedir que os seus empregados se filiem aos sindicatos.125Zapatero, Ranz J. "Sindicalismo y Evolucin: una perspectiva espaola", in "El Nue-vo Sindicalismo", de Heckscher, Charles C. Ministerio de Trabajo e Seguridad Social,Madri, 1993, pg. 96.126Para uns, como Mazzioti, norma tambm no sentido de obrigar pessoas diversas dasque o firmaram ("Diritto del Lavoro", Jovene, Napoles, 1983, pgs. 420 e segs.).127Se pensarmos a lei como resultado de umpacto, ainda que implcito, e observarmosque os parlamentos compem, quase sempre, interesses em conflito, sero ainda menoresas diferenas entre lei e convnio coletivo.128Monteiro Fernandes, A. "Direito do Trabalho - III. Relaes colectivas de trabalho",Almedina, Coimbra, 1991, p. 201.129Weiss, D.Apud Monteiro Fernandes. Op. cit., p. 202.

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    dia, pelas mos dos homens que o operam. Para que ele tenha eficcia real, as fontesmateriais que o fizeram brotar devem continuar atuando.

    Na mesma hiptese - ou seja, em conjuntura favorvel - os conflitos coletivoselevam o contrato mnimo legal130 , permitindo a renegociao coletiva de contratosindividuais. Tudo aquilo que as partes haviam ajustado individualmente passa a ser ob-

    jeto de novo olhar, em ambiente oposto. Se o empregado no pde discutir, o sindicato,agora, discute por ele. A presso silenciosa que o empregador - pelo simples fato dedeter os postos de trabalho - exerceu ao firmar o contrato agora utilizada contra ele, namedida em que o grupo assume, de certo modo, o controle dos mesmos postos e ameaanegar - ou nega, efetivamente - a prestao de servios.

    O problema que, hoje, aquela correo coletivados contratos individuais estvirando pelo avesso. Graas ameaa latente de uma espcie de lock-out disfarado - amigrao da unidade produtiva - os empresrios j no se limitam a se defender: soeles, agora, que exigem reajustes em suas taxas de lucro, atravs da precarizao cres-cente dos contratos.

    Esse novo papel dos convnios coletivos viabilizado pela ordem jurdica, ao

    transformar normas imperativas em normas dispositivas em nvel coletivo - como ocaso, por exemplo, daquela que permite a reduo salarial. Infelizmente - e tal como agreve, que vale mais pelo temor que semeia - reaes patronais desse tipo so muitoeficazes.

    Naturalmente, essas transformaes no acontecem por acaso. Como dizamos,elas se encaixam no novo modo de acumulao capitalista, que tem como pea-chave afragmentao do universo operrio, seja desempregando, seja terceirizando, seja reorga-nizando o trabalho. No limite, esse novo modelo tende a expulsar no s a lei, mas oprprio sindicato e - por conseqncia - todos os meios clssicos de luta coletiva. Note-se que a conveno coletiva mais do que um processo de conquista de direitos: meiode adaptar regras. Por isso, suas crises so tambm "crises de certeza do Direito"131

    Se, na Europa, os sindicatos conservam boa parte da fora antiga, h pelo menosdois bons motivos para isso. O primeiro o de que a sociedade, ali, os valoriza: sabe queforam eles os principais construtores de sua estrutura social e de sua prpria democracia.O outro o de que se vai costurando um novo pacto, em que os sindicatos trocam suaprpria sobrevivncia por dois tipos de concesses: a) quanto aos trabalhadores de baixaqualificao, uma certa dose de precarizao dos contratos individuais; b) quanto aosmais qualificados, um grau crescente de envolvimento nas novas tcnicas produtivas,como exigem os tericos dojust in time. Assim, a idia de que a negociao coletiva sempre mais justa ou adequada do que a lei, tem hoje algo de mito - mesmo nos pasesde ponta.

    18. OS CONVNIOS TRANSNACIONAIS E OS ACORDOS TRIPARTITES

    130A expresso de La Cueva.131Monteiro Fernandes, Antnio de Lemos. Op. cit., p. 225.

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    Com a globalizao da economia, tem-se tentado globalizar tambm as conven-es coletivas, especialmente em nvel de Unio Europia. O objetivo reduzir o dum-ping social. Mas a tarefa no fcil. De um lado, atuam fatores como a diversidade le-gislativa, a falta de interesse patronal (quando a conveno transnacional mais favor-vel) e a crise que afeta os sindicatos.132 De outro, a dificuldade de se globalizarem os

    prprios conflitos, exatamente porque as reivindicaes se baseiam em realidades dife-rentes. Assim, o ideal para uma negociao desse porte seria o nivelamento prvio dascondies de trabalho - o que nos levaria a um crculo vicioso. 133

    Ao mesmo tempo, a Unio Europia tem tentado valorizar os acordos tripartites.A idia fazer com que os atores sociais participem da reconstruo (ou, em certo senti-do, da desconstruo) das normas trabalhistas e das polticas pblicas. O objetivo aumentar a dose de legitimidade e o grau de eficcia das reformas, pois elas implicamperdas e sua execuo depende de Estados cada vez mais fragilizados pelo poder docapital.

    Alis, a prpria UE, tambm s voltas com um certo dficit de legitimidade134,criou para si um interessante mecanismo: antes de emitir uma diretiva,135consulta os que

    sero por ela atingidos, atravs de entidades representativas. Caso o queiram, esses inte-ressados podem suspender e mesmo evitar a diretiva, adotando em seu lugar um conv-nio.136

    Tambm a OIT tem tentado incentivar os convnios coletivos, mas sem dar gran-de importncia ao contedo que possam ter: basta que obedeam s suas prprias con-venes, que em geral comportam uma leitura ampla. Ao mesmo tempo, procura afiaras garras dos lderes sindicais, ensinando-lhes novas tcnicas de negociar, e divulgan-do as experincias mais positivas. Outra preocupao da OIT tem sido a de fomentar oaparecimento de sindicatos no setor informal da economia, j existentes em alguns pa-ses.137

    132Cf., a propsito, Franco Filho, Georgenor de Sousa. "Globalizao & desemprego:mudanas nas relaes de trabalho", LTr, S. Paulo, 1998, p. 65-79.133Ainda assim, aqui e ali, h sinais encorajadores - como uma recente ameaa de grevede rendimento de operrios alemes, quando a filial de uma multinacional de automveisameaou se deslocar da Espanha para a Alemanha, caso os espanhis persistissem emgreve.134Nesse sentido, dentre outros, Romagnoli, esclarecendo que as diretivas dependemprioritariamente no do Parlamento, eleito pelos europeus, mas do Conselho.135Diretivas so normas genricas, que obrigam os Estados a alcanar certos resultados,deixando a critrio deles a escolha dos instrumentos necessrios para isso.136Se referendado pela UE, este convnio pode: a) ser aplicado, diretamente, em cada

    Estado, atravs dos mecanismos que ali existirem; ou b) ser transformado, ele prprio,em diretiva, hiptese em que ser mais correto falar em "lei negociada" do que em "con-vnio" ou "conveno".137Informaes prestadas pelo Prof. Tayo Fashoyin, representante do rgo, no ltimocurso para expertos latinoamericanos sobre negociaes coletivas, realizado em setem-bro/99, em Turim-Bolonha-Toledo.

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    19. ALGUMAS IDIAS PARA UM MOMENTO DE CRISE

    Concluiu certa vez a OIT 138 que a conveno coletiva exige pr-requisitos fti-cos - como instruo bsica, certo grau de industrializao e razovel estabilidade da

    fora de trabalho. Hoje, entre ns, esses pr-requisitos parecem cada vez mais distantes.J no se trata, por isso, de lutar apenaspela liberdade sindical. O grande problema dosindicato j no a liberdade, mas a igualdade - e igualdade real. Repete-se, no planocoletivo, a hipossuficincia de que nos falava CESARINO JUNIOR, quando se referiaao trabalhador.

    Como j escrevemos em outras paragens..."... a nova realidade econmica exige, mais uma vez, que o Estado arregace as

    mangas, mas no para legitimar o trabalho precrio (como vem fazendo), nem apenaspara libertar o sindicato das amarras legais (como est ensaiando), maspara permitir,efetivamente, a ao coletiva. A lg