percepÇÃo ambiental: base para o uso dos recursos naturais em moldes socio-ambientalmente...

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PPGPV 643 Capítulo 30 PERCEPÇÃO AMBIENTAL: BASE PARA O USO DOS RECURSOS NATURAIS EM MOLDES SOCIO-AMBIENTALMENTE SUSTENTÁVEIS João Luiz Lani Alexson de Mello Cunha Bruna Aparecida Marcatti Diego Lang Burak Edson Alves de Araújo 1. INTRODUÇÃO Os principais recursos naturais dentro da cadeia produtiva são escassos e diante disso, há a necessidade de sabedoria para utilizá-los de forma mais sustentável. O conceito de que a natureza precisa ser dominada ou explorada é completamente equivocado. O homem, como todos os organismos vivos diante do processo evolutivo viveram em equilíbrio com a natureza por milhares de anos. Em eras atuais, a humanidade presencia uma ruptura fundamental na relação homem-natureza e ao invés de percebê-la em termos basicamente de suas analogias e semelhanças, o antropocentrismo passa a modelar sua natureza humana e cultural. Quando em outrora elementos naturais (solo, água, vegetação e animais) eram considerados deuses, são então menosprezados a “objetos” de investigação e exploração. Nas lições do criacionismo, Deus cria o homem para lavrar e guardar a terra. Logo, lavrar dá a idéia de manejo e guardar, idéia de sustentabilidade ou preservação. Dentro dos moldes capitalistas, as consequências das transformações do padrão tecnológico da agricultura exploratória, principalmente nas grandes propriedades, induzidas pelos moldes da Revolução Verde teve como consequências os impactos ambientais tais como a degradação dos solos agrícolas, o comprometimento da qualidade e da quantidade dos recursos hídricos, a devastação das lorestas e dos campos nativos, a redução da agrobiodiversidade

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A ênfase está nos indicadores ambientais que podem ser mais nítidos à percepção do homem

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Capítulo 30

PERCEPÇÃO AMBIENTAL: BASE PARA O USO DOS RECURSOS NATURAIS EM MOLDES SOCIO-AMBIENTALMENTE SUSTENTÁVEIS

João Luiz Lani

Alexson de Mello Cunha

Bruna Aparecida Marcatti

Diego Lang Burak

Edson Alves de Araújo

1. INTRODUÇÃO

Os principais recursos naturais dentro da cadeia produtiva são escassos

e diante disso, há a necessidade de sabedoria para utilizá-los de forma mais

sustentável. O conceito de que a natureza precisa ser dominada ou explorada é

completamente equivocado. O homem, como todos os organismos vivos diante

do processo evolutivo viveram em equilíbrio com a natureza por milhares de

anos. Em eras atuais, a humanidade presencia uma ruptura fundamental na

relação homem-natureza e ao invés de percebê-la em termos basicamente de

suas analogias e semelhanças, o antropocentrismo passa a modelar sua natureza

humana e cultural. Quando em outrora elementos naturais (solo, água, vegetação

e animais) eram considerados deuses, são então menosprezados a “objetos” de

investigação e exploração. Nas lições do criacionismo, Deus cria o homem para

lavrar e guardar a terra. Logo, lavrar dá a idéia de manejo e guardar, idéia de

sustentabilidade ou preservação.

Dentro dos moldes capitalistas, as consequências das transformações

do padrão tecnológico da agricultura exploratória, principalmente nas

grandes propriedades, induzidas pelos moldes da Revolução Verde teve como

consequências os impactos ambientais tais como a degradação dos solos agrícolas,

o comprometimento da qualidade e da quantidade dos recursos hídricos, a

devastação das lorestas e dos campos nativos, a redução da agrobiodiversidade

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genética de espécies vegetais e animais, além da contaminação de alimentos pelo

uso exacerbado de agrotóxicos. Estes irradiaram-se a todos os ecossistemas. Esse

uso da natureza para ins econômicos e o sentimento de colônia, onde prevalece o extrair as riquezas da natureza de qualquer forma, tornam a relação homem x

natureza insustentável.

Com os impactos ambientais, causados pela necessidade do crescimento

econômico, surgem questões ambientais e indagações sobre as ações prioritárias

para o desenvolvimento da humanidade e da sustentabilidade da relação homem-

natureza.

Por sua vez, os meios de relação com a natureza precisam de pesquisas e

tomadas de decisões conscientes e equilibradas para que a interação entre o homem

e o meio ambiente não cause nenhuma degradação ambiental. Nesse aspecto, um

ponto importante, é que cada ambiente apresenta as suas peculiaridades que

precisam ser compreendidas e usadas sabiamente. Os indicadores ambientais, que

auxiliam nessa compreensão, na sua grande maioria, são mais eicientes em áreas menores e têm a inalidade de caracterizar e compreender os diversos ambientes. Há a necessidade de uma melhor percepção para sistematizar esta linguagem

(indicadores ambientais) e identiicar o melhor uso dos recursos naturais.Infelizmente, a insensibilidade humana muitas vezes não permite identiicar

as diversas maneiras de comunicação da natureza, como cores, formas, sons,

cheiros, etc. Nesse aspecto, o homem atual em razão da sua menor convivência

com o campo e do seu interesse capitalista, tem perdido essa habilidade de

percepção ambiental ao longo do tempo. Diante disso, este trabalho tem por

im despertar uma maior sensibilidade aos meios de comunicação da natureza. Essa busca por maior sensibilidade ambiental e por indicadores ambientais tem

como fundamento melhorar a percepção humana a im de encontrar melhores condições para o uso adequado e sustentável dos recursos naturais. A ênfase está

nos indicadores ambientais que podem ser mais nítidos à percepção do homem.

2. PERCEPÇÃO (PRIMEIRO PASSO) E INTERPRETAÇÃO

(SEGUNDO PASSO)

O primeiro passo dentro desse processo é o da SENSIBILIDADE ou da

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PERCEPÇÃO que é o procurar enxergar os fenômenos naturais, tais como a cor

da água do lago, do céu, o sentido do vento, a cor dos solos, dos animais, do

tamanho da propriedade, isto é, tudo aquilo que está ao nosso redor.

Após este primeiro passo, o segundo é o da interpretação. Nas palavras do

prof. Mauro Resende: se a questão é só registrar o fenômeno, como cor, formas etc. a câmera fotográica ou o gravador fazem muito melhor e de maneira mais eiciente do que os olhos ou ouvidos humanos. No caso, agora é preciso após o

processo de perceber as diferentes nuances da natureza, interpretar o que ela nos

ensina. O que aquilo signiica? Este parece ser um assunto que ainda precisa de ser aperfeiçoado. A sensibilidade humana principalmente do cidadino é por

demasiada baixa e a capacidade de uma leitura do todo parece ser algo que se

carece no momento. A tendência da disseminação das especializações cientíicas tem levado a um reducionismo e a menor percepção do todo. Entender as partes

não quer dizer que se entende o todo.

O solo pode ser comparado a organismos vivos de maior grau de

complexidade, no qual todos os órgãos e tecidos devem funcionar bem para que

ele permaneça vivo. Essas partes são somente expressivas devido ao seu papel

como um todo. Entretanto, o solo é visto com diferentes visões pelo químico,

biólogo e ecologista, sendo essas visões divergentes na maioria dos conceitos.

De fato, a ciência surge de uma forma interdisciplinar em que os grandes

ilósofos tinham conhecimento mais integrado da ciência como um todo e com o passar do tempo a ciência foi segmentada em diferentes áreas e especializações. O

conhecimento passou a visar apenas uma dissecação ordenada, metódica, rigorosa,

à qual se submete facilmente qualquer “objeto” de investigação, impedindo uma

visão mais holística. Se em um processo inicial de percepção não se abrange o

todo, a soma dos conhecimentos individualizados nem sempre corresponderá ao

todo. Na percepção do todo, quanto as questões ambientais é possível que o

homem do campo tenha maior sensibilidade, talvez pela visão “menos cientíica” que por outro lado o limita para encontrar a razão das coisas. Atualmente, uma

visão interdisciplinar é necessária para o avanço, principalmente, nas ciências

naturais.

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3. APLICABILIDADE DO CONHECIMENTO (TERCEIRO PASSO)

Nesta etapa, a escritora Cora Coralina traduz muito bem o que deve ser

observado: o saber aprende-se com os mestres, mas a sabedoria, só com o

corriqueiro da vida. Tricotar o conhecimento adquirido na academia de forma

às vezes segmentada não é fácil. Para aplicar o conhecimento é preciso entender

o todo e são estas ações que atualmente são carentes no melhor uso dos recursos

naturais. Diante disso, há alguns pontos que precisam ser reletidos e que às vezes são simples, mas em razão da falta de percepção, não se consegue visualizar os

caminhos a seguir (Quadro 1). Mas o principio é simples, diante de sistemas

complexos é preciso simpliicar, mas sem perder a noção do todo.

Quadro 1. Princípios gerais sobre os ecossistemas e passos de como se pode

simpliicar, sem perder a noção do todo Simpliicar é preciso!

Interações complexas

- Por que será que apesar da complexidade consegue-se fazer algumas predições?

- Será que todos os fatores variam simultaneamente?

- Será que alguns fatores permanecem constantes?

- Mesmo, não sendo constantes, será que a alteração de um fator de um lugar para

o outro será muito signiicativo?

Idéias:

- Em cada local, apenas umas poucas variáveis, geralmente uma, é que limita

mais acentuadamente a produtividade dos ecossistemas;

- A identiicação desses fatores chaves exige uma percepção de todo o sistema;- Em áreas relativamente homogêneas quanto a esses fatores chaves é possível,

em muitas circunstâncias, a construção de chaves de identiicação de ambientes, normalmente indevassáveis para os não especialistas.

Percebe-se que apesar da natureza ser complexa é preciso simpliicar, sem perder a noção do todo. A semelhança da separação de vacas holandesas

das nelores que podem ser facilmente separadas pela cor da pelagem e qualquer

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leigo seria capaz de fazer isto desde que alguém explique que as vacas holandesas

apresentam na sua pelagem cores pretas e brancas e que as nelores são somente

de pelagem branca. Daí, após a separação das referidas raças bovinas pela cor,

as características de cada uma seria facilmente discriminada, como a maior

docilidade da vaca holandesa, maior produtora de leite etc. Conforme explicado

anteriormente, critérios simples podem ser utilizados na separação dos ambientes

e depois se torna fácil elencar as características principais de cada um deles.

Dentro da ciência do solo, a hierarquização das áreas geográicas e de ecorregiões torna-se essencial para o reconhecimento e a avaliação dos solos.

A relação entre processos, gênese e diversidade dos solos pode ser mais bem

entendida estratiicando-se maiores extensões territoriais em áreas menores, dentro das quais os atributos do solo e do ambiente serão elencados em razão

dos objetivos e fatores ambientais de maior interesse (RESENDE & REZENDE,

1983). Este processo de simpliicação precisa ser incentivado e transferido para a sociedade, pois todos estão engajados no melhor uso dos recursos naturais. Porém,

na ciência do solo, às vezes, o sistema de classiicação de solo usa terminologias complicadas para o leigo que utiliza informações dos levantamentos dos solos.

Por exemplo, ao se simpliicar a linguagem e principalmente mostrar a campo as diferenças entre Plintossolo e Neossolo Flúvico, ica fácil compreender a características de ambos e como manejá-los adequadamente, mas englobar todas

as classes de solo torna-se muito difícil para os não-especialistas.

4. PERCEPÇÃO AMBIENTAL DA LINGUAGEM DA NATUREZA

Como dito, a natureza comunica-se de diferentes maneiras. Nos Domínios

Morfoclimáticos dos Mares de Morro, tendo como exemplo o da Zona da Mata

de Minas Gerais e de algumas regiões serranas do sul do Espírito Santo, pode-se

perceber os diferentes ambientes que podem ser separados pela pedoforma (formas

da paisagem associada à tipologia de solo e ambiente) e também pela localização

(Figura 1). Cada um deles tem suas características e seu comportamento peculiar.

Identiicá-los parece que não é complicado ou tão difícil assim.

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Figura 1. Diferentes ambientes de ocorrência na Zona da Mata Mineira (Fonte,

RESENDE et al., 2007). Desenho: Sérvulo Batista de Rezende.

Veriica-se, quanto ao relevo, que há uma parte plana no topo e outra, no fundo do vale. A parte plana, no fundo do vale (em primeiro plano) o qual

se denomina de Terraço, ocorre, em geral, o Argissolo Vermelho-Amarelo.

Este ambiente é o mais intensamente habitado e usado agricolamente pelos

agricultores. Normalmente, é o mais rico em nutrientes. Caracteriza-se por ser um

ambiente “conservador”. São áreas também utilizadas com construções, embora

sejam as melhores terras e que serão imprescindíveis no futuro para a produção de

alimentos. Estas, contudo não serão possíveis de serem utilizadas se não houver

planejamento adequado. Restará somente terras declivosas, de menor fertilidade,

que irão requer para serem produtivas, uma alta demanda de insumos agrícolas e

alto nível tecnológico.

O inconveniente desse ambiente (Terraço) é que no período de muitas

chuvas, devido à sua gênese, não há uma boa drenagem o que pode acarretar a

deiciência de oxigênio para plantas sensíveis. Assim, plantas mais suscetíveis a ausência de aeração tendem a não se adaptarem a esta condição. Tem, como por

exemplo, o tomate. Sabedor disso, o agricultor que tem experiência não cultiva

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tomate no período de verão (chuvoso) neste ambiente. Ele procura normalmente

cultivar nas partes mais declivosas da encosta, no caso, o terço inferior. Logo,

associar a estratiicação dos ambientes (drenagem) com a sensibilidade da cultura e as estações do ano (período seco ou chuvoso) é necessário. Diante disso, há

ainda a necessidade de relacionar as diversas variáveis ambientais e econômicas

(transporte, comercialização, etc) para se ter sucesso no empreendimento. Estas

interações, às vezes, passam despercebidas e são altamente importantes para

quem lida com a terra.

Há outro ambiente (Figura 1) que é conhecido como “grota”. É a parte intermediária, côncavo-côncava, de declividade mais amena, ainda mais úmida

e que recebe os nutrientes da parte superior. Nela ocorre o Argissolo Vermelho-

Amarelo, mas já transicionando para o terço superior da encosta. Nesta parte, o

agricultor normalmente usa com o cultivo de milho, feijão e outras culturas anuais

devido à melhor fertilidade e à maior disponibilidade de água. Percebe-se que

na região da Zona da Mata diicilmente o milho ou o feijão é plantado na parte superior da encosta. Nestas ocorrem solos muito pobres em nutrientes.

Na parte superior (Figura 1) pode-se identiicar dois grandes ambientes: a parte convexo-convexa e a plana. Nestes ambientes ocorrem o Latossolo

Vermelho-Amarelo distróico (muito pobre quimicamente) que é usado, em sua maioria, com pastagens que já chegaram ao seu limite de produção (MACEDO,

2005; NASCIMENTO et al., 2006; VENÂNCIO et al, 2012). Não há como

recuperá-los sem o uso de calagem e adubações e estas são, na sua maioria,

inviáveis economicamente. Estas pastagens são atualmente áreas em processo

acentuado de degradação sem nenhuma outra opção, em condições naturais, senão

de serem dominadas por plantas como o sapé (Imperata brasiliensis) e o capim

rabo-de-burro (Andropogon bicornis). Normalmente, em áreas restritas cultivam-

se cafezais, dependentes de fertilizações e ultimamente, o eucalipto, que também

carece de fertilizações de correção e de manutenção.

As outras, são áreas côncavas e de declividade acentuada, nas quais se

identiicam os Cambissolos, com características latossólicas (EMBRAPA, 2006). Estes solos foram erodidos durante sua evolução e apresentam um solum (horizonte

A + B) estreito. São os mais fáceis de serem degradados por erosão. São os grandes

produtores de sedimentos para os corpos hídricos. Deveriam, prioritariamente,

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serem deixados como áreas de reserva natural com enriquecimento com o plantio

de eucalipto.

Logo, o que se veriica é que é possível (Figura 1) separar nitidamente os ambientes e cada um deles apresenta um comportamento peculiar. O principio é:

se são diferentes merecem manejos diferentes. Esta parte montanhosa representa

aproximadamente 85% da área total. Ela é o grande desaio no melhor uso dos recursos naturais da Zona da Mata. Transformar pastagens degradadas em

áreas que apresentem sustentabilidade e possam dar um retorno econômico aos

proprietários parece que não é tão fácil nos modelos atuais de compreensão e de

manejo dos solos.

5. INDICADORES AMBIENTAIS

A ocorrência de ambientes distintos torna fundamental o tratamento

também diferenciado destes com vista ao uso e manejo adequado do solo e a

necessidade de separação das regiões de grande heterogeneidade em áreas mais

homogêneas. A partir do levantamento e classiicação dos solos, que são baseados em estratiicações do ambiente, pode-se inferir sobre as classes de solos. Contudo, considerando-se a quase ausência de levantamentos de solos mais detalhados, a

estratiicação do solo localmente a partir de indicadores ambientais, tem grande importância prática no sentido de facilitar a campo o reconhecimento das classes

de solo ou de atributos importantes para o seu manejo. Assim, a percepção é

necessária para compreender aquele ambiente localizado ou o regional. Existem

diversos indicadores que se poderia chamar de clássicos na área da pedologia

como cor (nem sempre é eiciente), pedoforma (plano, côncavo-concava, convexo-convexa etc.), espessura do solum (horizonte A + B) e as plantas. De

forma simpliicada, os principais indicadores ambientais e a interpretação dos mesmos são apresentados nos Quadros 2, 3, 4 e 5.

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Quadro 2. Cor dos solos e a sua interpretação ambiental Cor Indicação

Vermelho

Prevalece a cor da hematita e normalmente, a depender do material de origem, são solos melhores em termos de produtividade em relação aos demais. Em geral denotam solos bem drenados durante sua formação pedogenética;

AmareloPredomina a goethita. Normalmente são solos mais pobres e se cauliníticos, com baixo teor de ferro, são muitos propensos a alta coesão e a compactação;

Esbranquiçado

Ausência completa de óxidos de ferro, quer hematita ou goethita. Quando secos são extremamente duros e apresentam normalmente altos teores de alumínio trocável. Não deveriam ser drenados por apresentarem posteriormente altas densidades;

Vermelho-AmareloMistura de goethita com hematita. Normalmente são solos mais porosos e mais resistentes à erosão, tanto laminar como em sulcos.

Quadro 3. Principais tipos de pedoforma e sua interpretaçãoPedoforma Interpretação

Convexo-convexo Facilitam a iniltração da água. Apresentam as formas de equilíbrio e identiicam os solos mais intemperizados, normalmente, os Latossolos;

Côncavo-côncavo Apresentam maior instabilidade nos pontos mais altos e declivosos (maior susceptibilidade a erosão laminar e ao expor o horizonte C facilita ao voçorocamento);

Plana, com alta densidade do solo

Ambientes conservadores. A manutenção dos nutrientes (reciclagem é mais fácil, mas a densidade do solo elevada diiculta a penetração da água). Ocorre em ambientes anóxicos, temporariamente, e pode também disponibilizar o ferro e manganês em maior quantidade, o que pode ser tóxico à plantas mais sensíveis;

Plana, com baixa densidade do solo

Normalmente são os solos arenosos ou gibsíticos ou com altos teores de ferro. A penetração da água é facilitada e pode ocorrer maior facilidade de contaminação do lençol freático. A reciclagem ou a manutenção dos nutrientes no sistema é mais difícil.

Fonte: Resende et al., 1992.

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Quadro 4. Profundidade dos horizontesProfundidade dos horizontes

Características

B e C profundos Intemperismo acentuado, com risco de erosão nas áreas com declive acentuado;

B ausente e C profundo

Ocorrem nos Neossolos Flúvico e Quartzarênico e tem o mesmo comportamento do anterior, mas normalmente devido a alta permeabilidade e de ocorrerem em relevo plano são menos susceptíveis a erosão (laminar e voçorocas), mas pode ocorrer o solapamento;

B pouco espesso

Área naturalmente instável. Ocorre nos Cambissolos Latossólicos. São facilmente erodidos e os grandes produtores de sedimentos, além, de nos períodos de muita chuva terem facilidade de deslizamento;

B pouco espesso sobre rocha

Na maioria das vezes se a rocha é rica são também eutróicos, mas se a rocha é pobre (quartzito, micaxisto ou pelíticas) criam ambientes extremamente pobres (falta de nutrientes e de água – solos pouco profundos).

Fonte: Resende et al., 1992.

Embora estes indicadores sejam úteis na compreensão dos ambientes,

nem sempre são verídicos. Por exemplo, nem todo solo vermelho é fértil e nem

sempre a presença de sapé indica baixa fertilidade. Há exceções e muitas. Diante

disso, recomenda-se que uma série de atributos pode funcionar como indicadores

ambientais, mas poucos, às vezes, tem uma validade genérica. Normalmente, os

pequenos agricultores (agricultura familiar) têm maior sensibilidade a pequenas

variações locais ambientais, pois eles procuram conviver mais com a natureza

em razão da menor disponibilidade de recursos inanceiros. Plantar a banana, o milho ou a taioba nos lugares mais úmidos é comum entre eles. Eles identiicam na propriedade cada nicho onde plantam as diversas culturas criando um mosaico

de uso da terra. Prevalece, em razão, da menor disponibilidade inanceira ou “tecnológica” o sistema de convivência com a natureza ao invés das práticas de

redução. Procuram adaptar as culturas ao ambiente e não utilizam o processo de

redução das limitações que procura adaptar o ambiente à cultura. Por exemplo,

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Quadro 5. Vegetação e os indicativos ambientais

Vegetação Nome cientíico Características

Colonião Panicum maximum

Ocorre predominante em solos eutróicos ou epieutróicos onde a reciclagem de nutrientes é eiciente. É uma excelente forrageira, mas expõe mais o solo, pois ocorre em touceiras. Em razão do seu rápido crescimento há sobra de pastagens no período de verão e depois da semeadura a planta seca e ica os estolões que diicultam no próximo período de chuva que o animal venha a pastoreá-lo. Diante disso, o fogo é usado como manejo. Esta prática é sustentável, se o solo for eutróico, mas em ambiente distróicos são rapidamente substituídos por outras gramíneas mais resistentes ou menos exigentes;

Gordura Mellinis minutilora

Ocorre em Latossolos pobres nas regiões de clima mais ameno. Não suporta fogo e nem pisoteio. São pastagens excelentes principalmente para vacas de leite. O teor de gordura do leite é maior. Ocorrem mais em solos porosos e íngremes, pois o pisoteio dos animais passa a ser localizado (caminhos) e a gramínea ica preservada sendo sujeita apenas ao pastoreio;

Braquiárias Brachiaria sp.

São utilizadas normalmente no processo de recuperação de pastagens degradadas. Dentre elas, a braquiária quicuio é mais resistente a solos extremamente pobres;

Sapé Imperata brasiliensis

Ocorre em pastagens degradadas e normalmente em solos extremamente pobres em nutrientes;

Rabo-de-burro Andropogon bicornis

Ocorre em pastagens degradadas e normalmente em solos extremamente pobres em nutrientes;

Taboa Thyphado minguensisComum em áreas alagadiças e com baixos teores de ferro;

Vassoura Cida sp.Ocorre em solos compactados ou que apresentam alta coesão;

GervãoStachytarpheta

cayennensis

Desenvolve-se em solos secos, areno-argilosos, férteis em matéria orgânica e nutrientes minerais, planos ou levemente inclinados. Uso medicinal;

Cipó cravo Tynanthus fasciculatusOcorrem em solos de baixada, solos mais drenados;*

CaruruAmaranthus retrolexus; Amaranthus hybridus, ou

Amaranthus spp.

Indicam solos com boa fertilidade natural e bem estruturados e com presença de altos teores de matéria orgânica;*

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Quadro 5. Vegetação e os indicativos ambientais (continuação)

Arranha gato Acácia spp.Ocorrem em locais úmidos e ricos em matéria orgânica;*

Capim angola Brachiaria mutica

Intolerância a solos secos e resistem bem, em solos sob inundações prolongadas, indica solos úmidos.

Urtiga Urtica spp.

Planta exigente em matéria orgânica e solos com estrutura granular. Indica boa fertilidade. Tem ação inseticida contra pulgões.

CarrapichoXanthium cavanillesii

Cenchrus sppIndica solos erodidos e compactados;*

Pindoba Attalea humilis Mart.Comuns em encostas nuas e ensolaradas na beira de estradas; *

Fumo bravoSolanum mautitianum

Scopoli

Áreas antropizadas, germinação estimulada pelo fogo, rápido crescimento e representa um problema ambiental pela agressividade, rusticidade;*

Rabo de Burro Andropogon spp.

Ocorre em solos de pior fertilidade. Típico de terras abandonadas e degradadas. Indica solos ácidos com baixo teor de nutrientes;

Assa PeixeVernonia tweediana

Bak.Indica a solos de baixa fertilidade;

VassourinhaMalvastrum

coroman delianum (L.)

Sida rhombifolia L.

Encontrada em solos degradados, compactados, apresentando intolerância hídrica.*

Fontes: Resende et al., 1988; Campos et al., 2003; Araújo et al., 2005; Machado, 2004; Silva, 2010; Ricci e Neves, 2008;* Uso e ocorrência segundo assentados P.A.Roseli Nunes- Piraí- RJ.

no plantio da soja modiica-se o ambiente com calagem e adubações pesadas para o plantio da mesma. É inegável que para cada ambiente há a necessidade de se perceber ou encontrar os indicadores ambientais.

Na Zona da Mata mineira podem-se encontrar vários indicadores. A

pedoforma e a vegetação (tipo de capim – colonião ou gordura), associadas à

profundidade dos solos, são bons indicadores. Nesse sentido, diversos trabalhos

são realizados em relação à construção de conhecimentos etnopedológicos e sua

relação com atributos do solo, principalmente para melhor entendimento da forma

de organização do espaço por agricultores familiares e assentamentos rurais.

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6. PERCEPÇÃO E ESTRATIFICAÇÃO DO AMBIENTE:

EXPERIÊNCIAS EM ASSENTAMENTOS RURAIS

Na atual conjuntura com o aumento da preocupação com a segurança

alimentar, em razão da consequência do avanço do agronegócio sobre as

comunidades rurais, a reforma agrária e o incentivo à agricultura familiar precisa

ser considerada como política central para o desenvolvimento socioeconômico e

ambiental sustentável .

Em meio a estes desaios, algumas experiências que possibilitem a co-evolução dos sistemas ecológicos e socioeconômicos tem sido implementadas

por iniciativas de pesquisadores e movimentos sociais que anseiam por

um desenvolvimento rural sustentável. Essas experiências mostram que o

conhecimento local que os assentados incorporam do ambiente em que vivem

colabora para o uso racional e sustentável dos recursos naturais. As famílias

assentadas adquirem através do contato com o ambiente e a troca de saberes o

conhecimento agroambiental importante para identiicação e manejo dos recursos naturais (FREITAS, 2009).

As decisões de uso e manejo dos solos devem ser calcadas em atributos

físicos, químicos e biológicos que variam de forma complexa ao deinir padrões pedoambientais; e característica do próprio manejo das terras que inluencia diretamente a sua resposta ambiental, ou seja, sustentável ou não naquele

determinado ambiente. Sistemas de cultivo ou de uso de terras que não considerem

a capacidade de suporte e sustentabilidade das áreas pode levar os ecossistemas

a estádios de degradação irreversíveis. É nesse sentido que a ordenação e estratiicação ambiental a partir de atributos naturais facilmente observáveis pelos agricultores assentados podem permitir a adequação de uso das terras,

constituindo-se na melhor estratégia para diminuir impactos ambientais. De fato,

essas estratégias são utilizadas pelo homem do campo, que passa de geração em

geração o conhecimento, de como obter o alimento e de como se relacionar com

a natureza de maneira sustentável.

Entra em cena a etnopedologia, cujo objetivo é documentar e compreender as

abordagens locais que o homem na condição de agricultor tem sobre a classiicação, uso e manejo do solo. É o conjunto de estudos interdisciplinares dedicados ao

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entendimento das interfaces existentes entre os solos, a natureza humana e os

outros componentes do ecossistema (ALVES & MARQUES, 2005). Assim

descrita, a etnopedologia torna-se um instrumento que facilita a comunicação e

registros sobre a qualidade dos solos inseridos em determinado território. Inclui

os saberes dos agricultores quanto às propriedades do solo, descrevendo-as com

maior sapiência, já que estas “estão sob o olhar continuo” do agricultor, não

impedindo, segundo Vale Junior et al. (2011), que eles manifestem e documentem

a sua maneira, conhecimentos sobre as características de fertilidade e quanto as

formas de uso dos solos.

O conhecimento pedológico em áreas de reforma agrária é um processo

de construção constante que exige metodologias participativas que integrem as

diferentes origens sociais ocupadas anteriormente à entrada dos trabalhadores

rurais e urbanos nos assentamentos e os distintos projetos produtivos com

vistas à manutenção da família e da produção do excedente agrícola. Estudos

etnopedológicos desenvolvidos com etnias indígenas na região Amazônica

permitiram o diálogo entre pedólogos e comunidade indígena, possibilitando a

troca de saberes pela interação in loco. Isso permitiu a relexão sobre “como” e “por que” cada grupo identiicava um dado tipo de solo. Além disso, foi possível o esboço da distribuição dos solos com base no saber indígena, utilizando a

extrapolação cartográica disponível ao pedólogo; esse fato facilitou o próprio mapeamento convencional de solos, especialmente no reconhecimento de

inclusões e associações de solos (VALE JÚNIOR et al, 2011). Estes estudos

reforçam que a construção do conhecimento pedológico deve ser permeada por

uma abordagem holística que não seja restrita à síntese água-solo-planta, mas

que tenha a amplitude da participação do homem em todo o planejamento do ciclo

produtivo. Para o estudo do conhecimento pedológico que os assentados rurais

possuem sobre o espaço do assentamento é necessário haver um diagnóstico

envolvendo: 1) sujeitos, que expressam através de suas ações um caldeamento

cultural e de; 2) peris sociais, que explicitam as formas heterogêneas de uso e manejo do solo.

A pesquisa etnopedológica deve ter como premissa básica a participação

das famílias agricultoras na construção do conhecimento, por meio da validação

das suas percepções acerca das características regionais. Constitui um processo de

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investigação-ação como proposta que vise fortalecer as mudanças de paradigmas

da agricultura (MANCIO, 2007).

6.1. Estratiicação de ambientes

O conceito sobre paisagens muitas vezes é deinido pelo senso comum como parte estática da natureza localizada no tempo e no espaço. Este conceito

é insuiciente e segundo Bertrand (2007) a paisagem constitui-se em um sistema dinâmico em função de fenômenos naturais e sócio-econômicos resultados da

interação homem e natureza. Aspectos culturais, ecológicos e geológicos, por

meio da ação do tempo e das ações antrópicas regem a complexa coniguração de formas e de processos que compõem a paisagem e sua diversidade de ambientes.

As características físicas, químicas e biológicas da paisagem são importantes para

o homem, pois implicam sob as formas do uso do solo e dos recursos naturais.

As formas de uso do solo, por sua vez, também caracterizam a paisagem. Apesar

da diversidade das paisagens que compõem o espaço geográico, é possível estratiicá-las em áreas com relativa homogeneidade e correlacioná-las com os elementos rocha, relevo, solo, vegetação, uso e ocupação do solo.

O processo de identiicação e espacialização das unidades de produção camponesa deve ser baseado na estratiicação ambiental. Estratiicar um ambiente signiica delimitar compartimentos ou unidades que apresentem características comuns sob o ponto de vista físico, considerando também as formas de uso e

ocupação encontradas na área analisada. Dessa forma, é imprescindível a

combinação entre os saberes técnicos e locais. Além de complementares, eles

podem gerar um planejamento compartilhado, diferente da forma verticalizada

e imposta dos planejamentos conservacionistas convencionais. Exempliicam-se estes últimos com os usos do solo deinidos pelos sistemas de capacidade de uso ou aptidão agrícola.

O método de deinição de classes de capacidade de uso é utilizado pelo INCRA para avaliar imóveis e deinir sua viabilidade para ins de criação de assentamentos. No entanto, o esse sistema é inadequado para ins de reforma agrária e planejamento de atividades agropecuárias nas propriedades rurais de

agricultores familiares em geral. Isto porque este método foi desenvolvido nos

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658

Estados Unidos, cujas condições edafoclimáticas, sócio-produtivas e de solos não

correspondem com as condições naturais encontradas no Brasil (LEPSCH et al,

1991). A ênfase deste sistema é no relevo como limitante à mecanização e com o

objetivo de preconizar as demandas de práticas de conservação do solo. Com isso,

acaba-se por propor a destinação das áreas de pior qualidade (mais acidentadas,

solos mais pobres, com aloramentos rochosos) à preservação ambiental (LEPSCH et al, 1991), sem levar em consideração as peculiaridades do modo de produção

do agricultor.

6.1.1. Estratiicação em estudos etnopedológicos: alguns exemplos

Para estratiicação ambiental utilizando-se os saberes do homem do campo local, são utilizadas diversas metodologias participativas importantes para um

resgate histórico do uso do solo junto às famílias. Com isso, pode-se conhecer

e discutir sobre os manejos anteriormente adotados e aqueles mais adotados

atualmente, buscando levantar as possíveis implicações e/ou impactos no solo e no

ambiente. Após o pesquisador ter contato com a história do assentamento, sugere-

se freqüentemente como ferramenta metodológica de estratiicação ambiental a caminhada transversal (ALENCAR & GOMES, 2001; VERDEJO, 2006). É neste momento coletivo que poderão ser observados os ambientes e sua relação com o

uso dos solos. Informações adquiridas como problemas ambientais, localização

dos cursos hídricos, formas de manejo adotadas, culturas mais abrangentes e tipo

de relevo, facilitam o entendimento das questões que o pesquisador está buscando

compreender para relacionar com o conhecimento técnico.

Em estudo realizado no Assentamento Olga Benário, localizado no município

de Visconde do Rio Branco, na Zona da Mata mineira, Mancio (2007) percebeu

por meio do resgate histórico de uso e ocupação da terra e das caminhadas de

percepção ambiental que o problema central na área do assentamento são as

voçorocas. Durante a caminhada com as famílias, perguntas foram realizadas

de forma a se obter informações sobre possíveis causas e consequências dessas

voçorocas e como identiicar os ambientes semelhantes presentes no assentamento. Tais ambientes foram inicialmente diferenciados quanto ao relevo, posição na

paisagem e pedoforma (MANCIO, 2007). Segundo Mancio (2007) a partir dessa

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identiicação foi possível correlacionar os atributos físicos e químicos do solo com os respectivos tipos de horizontes diagnósticos e as potencialidades de uso,

resultando em uma chave de identiicação dos ambientes para o local. Fernandes et. al. (2008) em estudo realizado para o parcelamento dos

lotes no Projeto de Assentamento Americana, Grão Mogol, MG, comprovou

que o conhecimento pedológico dos assentados tem íntima valoração cultural e

econômica quanto ao uso dos ambientes, sendo em algumas vezes, contraditório

aos sistemas de capacidade de uso e de aptidão agrícola. No ambiente identiicado pelas famílias assentadas como “Chapadas” o relevo varia de plano a ondulado.

A vegetação é de cerrado típico e ocorre nas partes mais altas da paisagem.

Historicamente, essas áreas são utilizadas para extração de espécies vegetais de

frutos nativos, óleos, ibras, plantas medicinais, madeira e lenha, e também para criação extensiva de animais o que pelos sistemas de capacidade de uso e de

aptidão agrícola tais áreas seriam direcionadas provavelmente para usos mais

intensivos.

Conscientemente, os “geraizeiros1” da região bem como os assentados

que participaram do estudo de Fernandes et al. (2008), tentam garantir

a preservação dessas áreas de chapadas por entenderem com base em

indicadores da paisagem que o ambiente funciona como reservatórios de água

no sertão. No entanto, inúmeros projetos de relorestamento se instalaram nas “Chapadas” da região devido à facilidade de mecanização e incentivos

governamentais. Esses projetos foram apoiados no Sistema de Capacidade

de Uso, que classiicaram as chapadas como classe “IVs, c, – terras passíveis de utilização com culturas anuais e perenes apenas ocasionalmente, mas

adaptadas para pastagens e, ou, relorestamento e, ou, vida silvestre”. Pelos relatos de agricultores, com a chegada destes projetos e de empresas de

relorestamento o luxo hídrico regional diminuiu, provocando a seca no leito de rios, o que era de se esperar segundo o conhecimento dos agricultores

locais (FERNANDES et. al., 2008). Dessa forma, eleva-se a importância de

se considerar o conhecimento local que os agricultores têm sobre o ambiente

como uma ferramenta para aprimorar ou elaborar um sistema de classiicação 1Trata-se de população tradicional do Norte de Minas Gerais, que habitam a região da Serra Geral conhecida popularmente como “gerais”, em que o gado é criado a solta e ocorre o extrativismo de espécies do cerrado.

Tópicos Especiais em Produção Vegetal IV

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da aptidão das terras de forma mais representativa e adequada aos modos de

produção sustentável da agricultura familiar.

Em outro estudo etnopedológico desenvolvido por Silva (2010) no

assentamento Roseli Nunes, localizado no município de Piraí, RJ, nos Domínios

Morfoclimáticos de Mares de Morro, com topograia predominantemente ondulada a forte ondulada, as famílias assentadas após estratiicarem o ambiente conforme o relevo e a vegetação avaliaram as características cor,

estrutura e práticas agrícolas. Assim, organizaram-se tais atributos dentro

de uma topossequência para facilitar a visualização dos ambientes. Como

exemplo, as características dos dois pedoambientes nomeados pelas famílias

como “topo de morro” (parte alta e convexa – Figura 1) e “baixada” (Terraço

– Figura 1) foram descritos como solos de atributos distintos e com diferentes

aptidões no assentamento, os quais apresentaram consonância com atributos

típicos das classes de solos.

No topo de morro, onde se encontra os Latossolos, as características

foram de: baixa fertilidade natural, baixa saturação de bases e acidez elevada.

Em alguns locais foram encontradas espécies arbóreas variadas em processo

de formação de capoeira, pastagem como capim colonião (Panicum maximum)

e maior quantidade de sapê (Imperata exaltata) e Eucalipto. Já para o solo de

baixada, onde se encontram os Argissolos, foi observada fertilidade natural

bastante elevada, acidez nula e saturação de bases acima de 60%. Este é o

local mais utilizado pelas famílias com produção de culturas temporárias

como milho, feijão, abóbora e hortaliças (SILVA, 2010). As áreas próximas

aos corpos hídricos são ambientes utilizados pela agricultura familiar nas

regiões onde predominam o relevo movimentado, como no domínio dos

Mares de Morros ou nas regiões ribeirinhas da Amazônia. No entanto, a prática

agrícola nessas áreas é questionada pela legislação ambiental, que as classiica como Áreas de Preservação Permanente, apontando outra contradição entre a

percepção dos agricultores e indicações de usos por regulamentações técnicas

e legais.

PPGPV

661

6.1.2. Indicadores de qualidade de solos em estudos etnopedológicos: alguns

exemplos

Os indicadores qualitativos servem de orientação para o uso e manejo de

solos agrícolas, e estes fazem parte da vida cotidiana dos agricultores. Esses

indicadores devem ser de fácil obtenção e trazer informações importantes para

a tomada de decisões quanto ao uso e manejo dos recursos naturais. A seguir

serão descritas a experiência de dois assentamentos, onde utilizaram-se plantas e

coloração como indicadores de qualidade de solo.

6.1.2.1. Plantas como indicadoras

O uso de plantas espontâneas indicadoras da qualidade do solo é elemento

comum ao trabalho do agricultor. A percepção sobre o ambiente a partir do tipo de

vegetação contribui para a classiicação empírica, a qual facilita a escolha do manejo mais adequado dos solos e das culturas a serem utilizadas. As plantas espontâneas

exercem a função de indicadoras da qualidade dos solos. Os assentados associam

ao manejo das espécies agrícolas o conhecimento itossociologico que possui sobre as espécies espontâneas. O processo de escolha da plantas indicadoras de

“fertilidade”, não se restringindo somente à disponibilidade de nutrientes, está

correlacionado a fatores como umidade do solo, altitude e temperatura, vegetação

arbórea nativa. Altieri & Nicholls (2012) airmam que plantas espontâneas quando manejadas de forma sustentável modiicam a microbiota do solo e a abundância de fungos simbióticos, melhorando a estruturação do solo e dispensando o uso de

implementos como subsolador, além de servir de refúgio e fonte de alimento para

insetos benéicos que polinizam culturas e predam pragas das lavouras. Segundo Silva (2010), um zoneamento cultural e agroecológico das plantas indicadoras de

ambientes poderão ser úteis no planejamento e mapeamento para ins de uso das terras.

No estudo de Silva (2010), as famílias assentadas no Assentamento Roseli

Nunes atribuíram diferentes indicadores para qualiicarem os solos do assentamento denominando as terras como “boas” e “ruins”. As terras boas descritas por

Silva (2010) correspondem às condições favoráveis ao manejo e as terras ruins

Tópicos Especiais em Produção Vegetal IV

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restrições ao manejo. Estas denominações estão relacionadas principalmente a

estrutura do solo, excesso ou deiciência de água, presença da matéria orgânica, relevo, temperatura e espécies vegetais. Nos lugares mais úmidos a terra é mais

solta, com maior presença de matéria orgânica e de espécies vegetais como capim

colonião (Panicum maximum), gervão (Stachytarpheta cayennensis), Capçoba

(Erechitite ssp). As “terras ruins” são mais secas, endurecidas, degradadas e

apresentam-se descobertas, cuja vegetação é rasteira e amarelada; além disso,

apresentam cupinzeiros e formigueiros, os quais são comumente encontrados nos

morros, onde não há mata.

6.1.2.2. Cor do solo e matéria orgânica

O estudo realizado por Mancio (2008) no Assentamento Olga Benário

relacionou a percepção que os assentados têm sobre o ambiente, com relação à cor

do solo, posição na paisagem e estrutura do solo. O objetivo principal deste estudo

junto aos assentados foi buscar soluções para a recuperação de áreas degradadas e

traçar o planejamento das práticas de manejo mais adequadas à especiicidade dos solos. Após a estratiicação e técnicas participativas de classiicação dos solos, os assentados concluíram que o topo do morro apresenta cores mais escuras e

estrutura granular, sendo considerado pedoambiente com maior susceptibilidade

a erosão. Quanto às áreas de encostas, perceberam a presença de solos mais

avermelhados e com estrutura em blocos. Os solos mais amarelados estão na

baixada e; solos esbranquiçados encontrados nos brejos. A matéria orgânica foi o

atributo de qualidade do solo mais observado, por promover a estruturação do solo

e por correlacionar-se com todos outros atributos analisados pelos assentados.

No Assentamento Roseli Nunes os assentados indicaram que cor escura da

terra no ambiente da baixada é devida à maior presença de matéria orgânica. Neste

ambiente há maior umidade restringindo a ação de microorganismo aeróbicos

decompositores da matéria orgânica. A cor branca ocorre em conseqüência da

ausência de pigmentos mais fortes (matéria orgânica, hematita e goethita) e pela

presença dos silicatos. Nesse Assentamento, os agricultores avaliaram que a terra

mais escura é também onde as plantas se desenvolvem bem, sendo mais propicia

para os cultivos (SILVA, 2010).

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Conforme a inclinação do relevo diminui, a presença de óxido de ferro mais

cristalinos, como hematita, também diminui, prevalecendo a forma reduzida (Fe+2

). A redução do Fe+3 ocorre devido ao excesso de água no ambiente. Em ambos

os Assentamentos, os ambientes localizados na parte mais baixa foram apontados

como mais férteis devido à maior deposição de matéria orgânica. Em razão disso,

esse ambiente foi considerado próprio para o plantio de culturas anuais. No

entanto, segundo os relatos dos agricultores, há grande diiculdade de se manejar os solos dessas áreas em profundidade, devido à estrutura física do solo.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se houver sensibilidade na percepção ambiental pode-se com isto evitar

etapas desnecessárias e facilitar as tomadas de decisões. Nesse aspecto, os

indicadores ambientais, que possuem caráter preditivo, são muito úteis na

percepção ambiental. Com isto, se ganha tempo na compreensão dos fenômenos

naturais. Se houver sensibilidade o experimento pode ter sido já instalado pela

natureza, precisando às vezes apenas percebê-los.

A natureza tem a sua maneira particular de comunicação e tentar compreende-

la faz parte no melhor uso dos recursos naturais e, nesse sentido, o conhecimento

cientíico não é tão importante na percepção ambiental. Às vezes o homem do campo, mesmo sem formação acadêmica, é capaz de desenvolver sensibilidade

para interpretar ambientes, o que facilita a aplciação dos conhecimentos para um

mlehor uso dos recursos.

Estudos etnopedológicos têm mostrado que agricultores familiares e outras

comunidades tradicionais que possuem convívio mais íntimo com a natureza

possuem habilidade em leitura de ambientes e que estes estabelecem seus próprios

indicadores como forma de interpretação ambiental. A sensibilidade da percepção

para estratiicações ambientais a partir de indicadores dos ambientes tem a sua maior eiciência dentro dos aspectos locais e regionais, facilitando as tomadas de decisões.

Regulamentações técnicas e classiicações interpretativas das potencialidades do uso dos solos passam a ser menos eicientes em face à realidade econômica-sócio-ambiental do homem do campo, que tem a natureza como forma de

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percepção para o melhor uso dos recursos naturais. Isto tem sido alcançado por

agricultores familiares adequando-se o tipo de uso aos diferentes ambientes ou

classes de solo e, levando-se em consideração suas potencialidades ao invés de

tentar adequar as condições do solo às exigências das culturas. É nessa direção que a integração entre a percepção ambiental, muitas vezes contidas nos saberes

locais do homem do campo, e informações técnicas fortalece as bases para o uso

dos recursos naturais em moldes socio-ambientalmente sustentáveis, contribuindo

em muito para o restabelecimento das relações homem-natureza.

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