pensamento social no brasil exemplo de resenha
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Rodrigo Auguto PrandoTRANSCRIPT
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PENSAMENTO SOCIAL NO BRASIL
Rodrigo Augusto Prando1
Um jovem interiorano, nascido em 1926 em Itu. Estudos na capital: um aluno
exemplar, gradua-se em Ciências Sociais em 1954, torna-se Mestre em Sociologia em
1956, doutorou-se em 1961. Sua formação acadêmica deu-se, integralmente, na USP.
Professor brilhante, caráter ilibado, dedicado aos alunos mais jovens, honesto em seus
escritos, debates, conferências e aulas. Foi professor a vida toda. Ensinou Ciências Sociais
para muitas gerações, no Brasil e no exterior. Em 1964 torna-se Livre-Docente. Em 1969,
com o obscurantismo do AI-5 é afastado da universidade e aposentado compulsoriamente.
Com outros professores cassados funda, em 1969, o CEBRAP – Centro Brasileiro da
Análise e Planejamento. Volta às salas de aula em 1977 para trabalhar na PUC e em 1986
transfere-se para a Universidade de Campinas. Na Unicamp, lecionou até poucos dias antes
de sua morte. Foi Professor Emérito da USP e da Unicamp, professor Honoris Causa,
professor visitante e convidado nos EUA, México, Inglaterra e Madri. Escritor premiado:
recebeu por duas vezes o Prêmio Jabuti, o Prêmio da Academia Brasileira de Letras e o
Prêmio Juca Pato da União Brasileira de Escritores, como intelectual do ano de 2000. Em
números: são cerca de quatro dezenas de livros, centenas de artigos científicos e mais de
uma centena de orientação de dissertações e teses.
É difícil qualificar ou render os merecidos tributos a um intelectual da estirpe de
Octavio Ianni. Há, contudo, na bela obra Pensamento Social do Brasil, de Octavio Ianni,
publicado pela EDUSC em co-edição com a ANPOCS, de 2004, uma efetiva e bem
sucedida forma de homenagear a memória de Ianni, falecido em 2004.
Octavio Ianni foi aluno e discípulo de Florestan Fernandes. O grupo constituído na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo com Florestan à
testa foi decisivo para fornecer os alicerces da Sociologia enquanto ciência e consciência
crítica da sociedade brasileira. Sobre a dinâmica de trabalho na Cadeira I de Sociologia
temos em A Sociologia no Brasil (1976) as palavras de Florestan: “A rotina consistia em
uma discussão em um primeiro escalão, na qual participavam comigo Fernando Henrique
1 Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, Mestre em Sociologia e Doutorando em Sociologia – Unesp – FCL – Araraquara.
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Cardoso e Octavio Ianni; havia, em seguida, um desdobramento na discussão em um
segundo escalão, da qual também participavam Marialice Mencarini Foracchi, Maria Sylvia
de Carvalho Franco e, mais tarde, Luiz Pereira, Leôncio Martins Rodrigues Neto e outros
(p.186)”. Ser alçado ao primeiro escalão pelo próprio Florestan é significativo da
importância singular da contribuição de Ianni aos trabalhos desenvolvidos pelo grupo de
professores uspianos.
A obra em tela é, assim, composta de estudos, ensaios, artigos e pesquisas
elaborados pela inteligência de Ianni ao longo de décadas. Embora os escritos sejam frutos
de distintas épocas e objetivos a seleção de Antonio Ianni Segatto e José Antonio Segatto
conseguiu dar uma unidade temática ao conjunto da obra. São 13 capítulos que oferecem
um bom panorama do pensamento de Ianni, mormente sobre o Brasil, no que diz respeito
aos desdobramentos sociais, econômicos, políticos e culturais. A erudição de Ianni fica
patente em seu domínio da obra dos distintos pensadores sociais, cientistas e literatos
brasileiros. Seu esforço interpretativo é, por convicção social e científica, dialético,
histórico-estrutural. Suas análises combinam a sincronia e diacronia captando os grandes
desdobramentos do modo de produção capitalista – a revolução burguesa no Brasil – , bem
como o homem simples, suas formas de sentir, pensar e agir. Seu pensamento dialético não
torna o estilo de sua escrita árida, pelo contrário, seu estilo é fluente e sem a empolação
academicista. A cada capítulo temos rigor científico e comprometimento social, quais
sejam: O Brasil Moderno, Teses sobre o Brasil Moderno, Tipos e mitos do pensamento
brasileiro, A dialética da história, Raça e povo, Multiculturalismo e multietnicidade na
formação do Brasil, Cultura e sociedade, O Brasil-Nação, A revolução burguesa, Ordem e
progresso, Populismo e militarismo e Florestan Fernandes e a formação da sociologia
brasileira. Além dos capítulos, temos ao final do livro uma biobibliografia de Ianni, bem
como uma fonte iconográfica que permite acompanhar algumas etapas da carreira do
sociólogo.
Nas palavras de Ianni: “Os prenúncios do Brasil moderno esbarravam em pesadas
heranças de escravismo, autoritarismo, coronelismo, clientelismo. As linhas de castas,
demarcando relações sociais e de trabalho, modos de ser e pensar, subsistiam por dentro e
por fora das linhas de classes em formação. O povo, enquanto coletividade de cidadãos,
continuava a ser uma ficção política. Ao mesmo tempo, setores do pensamento brasileiro
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vacilavam em face de inclinações um tanto exóticas e demoravam-se para encontrar-se com
a realidade social brasileira (p. 29)”. Estabelecendo interlocução com uma vasta gama de
pensadores, assim destaca a chamada “questão social”: “A história da sociedade brasileira
está permeada de situações nas quais um ou mais aspectos importantes da questão social
estão presentes. Durante um século de “república”, compreendendo a oligarquia, a
populista, a militar e a nova, essa questão se apresenta como um elo básico da problemática
nacional, dos impasses dos regimes políticos ou dilemas dos governantes. Reflete
disparidades econômicas, políticas e culturais, envolvendo classes sociais, grupos raciais e
formações regionais. Sempre põe em causa as relações entre amplos segmentos da
sociedade civil e o poder estatal (p. 103)”.
Os que quiserem se aventurar pelo terreno, às vezes inóspito, da Sociologia e das
Ciências Sociais, tem nesta obra uma bela porta de entrada, essencialmente, na
problemática que o Brasil suscita em relação aos diversos eixos interpretativos que
compõem nossa história. A chave explicativa que Ianni nos fornece em seus escritos são
tributárias de uma tradição de pensamento que, infelizmente, está em desuso nas Ciências
Sociais brasileiras.
Faz-se necessário registrar que na tão bem feita publicação da EDUSC caberia,
também, trazer à tona os estudos de Ianni sobre a América Latina e, mais hodiernamente,
sobre a globalização. É certo de que deve haver barreiras editoriais, mas seria de bom tom –
e de contribuição ímpar – a publicação de sua obra completa. Não são muitos intelectuais
que podem ter ou que merecem uma edição completa de sua obra. Certamente, Ianni está
entre esse seleto grupo da inteligência brasileira.