peça teatral apareceu a margarida

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Apareceu a Margarida Monólogo tragicômico para uma mulher impestuosa Roberto Athayde Primeira Aula Bom dia para todos. Eu sou a nova professora de vocês. Como vocês já devem saber, eu sou a Dona Margarida. Vou escrever no quadro negro que é para vocês se lembrarem. Agora, antes de mais nada, eu gostaria de me familiarizar um pouco com vocês. Antes de eu dizer algumas palavras sobre a importância do magistério. Tem alguém aí chamado Jesus? Não? E Messias? Tem alguém aí chamado Messias? Ainda bem. Alias o Diretor já tinha me dito que vocês eram uma classe ótima. Não há boa professora sem uma boa classe. ... Mas como eu ia dizendo, é preciso dar relevo e mostrar para vocês a importância da função da professora, da minha função. Por que afinal de contas nenhum de vocês está aqui por livre e expontânea vontade. Todos foram obrigados pelos pais a vir para cá. Todos, sem exceção, não é? Todos estão aqui obrigados: quer queriam, quer não queiram. Deve haver uma boa razão para isso. A razão é muito simples. Dona Margarida explica logo a vocês. Vocês já notaram que comigo é assim. Dona Margarida vai logo explicando as coisas para vocês. Mas a razão que eu ia dizendo é muito simples. É que a escola é um segundo lar. Algum de vocês pediu pra nascer? Não? Algum de vocês foi consultado sobre a conveniência do seu nascimento? Não? Então! Já viram então vocês que a escola, sendo um segundo lar, é a mesma coisa. Que coisa bonita! Vocês têm que se conformar que aqui dentro dessas paredes vocês não mandam nada. É como se vocês não existissem. É claro que vocês tem que pagar, vocês são obrigados a pagar. Vocês para entrarem aqui foram forçados a pagar, a mostrar suas cadernetas ao porteiro. Cada um de vocês com sua cadernetinha na mão. E no entanto, chegando aqui vocês têm que fazer o que foi estabelecido pelo Diretor e aquilo que EU disser. Vocês foram obrigados a entrar e agora também não podem sair. Só quando Dona Margarida disser. Mas eu não quero ser dura com vocês...

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Page 1: Peça teatral Apareceu a Margarida

Apareceu a MargaridaMonólogo tragicômico para uma mulher impestuosaRoberto Athayde

Primeira AulaBom dia para todos. Eu sou a nova professora de vocês. Como vocês já devem saber, eu sou a Dona Margarida. Vou escrever no quadro negro que é para vocês se lembrarem. Agora, antes de mais nada, eu gostaria de me familiarizar um pouco com vocês. Antes de eu dizer algumas palavras sobre a importância do magistério. Tem alguém aí chamado Jesus? Não? E Messias? Tem alguém aí chamado Messias? Ainda bem. Alias o Diretor já tinha me dito que vocês eram uma classe ótima. Não há boa professora sem uma boa classe. ... Mas como eu ia dizendo, é preciso dar relevo e mostrar para vocês a importância da função da professora, da minha função. Por que afinal de contas nenhum de vocês está aqui por livre e expontânea vontade. Todos foram obrigados pelos pais a vir para cá. Todos, sem exceção, não é? Todos estão aqui obrigados: quer queriam, quer não queiram. Deve haver uma boa razão para isso. A razão é muito simples. Dona Margarida explica logo a vocês. Vocês já notaram que comigo é assim. Dona Margarida vai logo explicando as coisas para vocês. Mas a razão que eu ia dizendo é muito simples. É que a escola é um segundo lar. Algum de vocês pediu pra nascer? Não? Algum de vocês foi consultado sobre a conveniência do seu nascimento? Não? Então! Já viram então vocês que a escola, sendo um segundo lar, é a mesma coisa. Que coisa bonita! Vocês têm que se conformar que aqui dentro dessas paredes vocês não mandam nada. É como se vocês não existissem. É claro que vocês tem que pagar, vocês são obrigados a pagar. Vocês para entrarem aqui foram forçados a pagar, a mostrar suas cadernetas ao porteiro. Cada um de vocês com sua cadernetinha na mão. E no entanto, chegando aqui vocês têm que fazer o que foi estabelecido pelo Diretor e aquilo que EU disser. Vocês foram obrigados a entrar e agora também não podem sair. Só quando Dona Margarida disser. Mas eu não quero ser dura com vocês...Pois bem, no fim de cada ano existe uma coisa chamada exames, provas. E ai daquele que passar o ano inteiro na vagabundagem, sem ouvir as minhas explicações, sem tremer diante da responsabilidade que pesa sobre a sua cabeça. E principalmente este ano. Vocês estão aqui no terceiro ano CIENTÍFICO. Lembrem-se bem, isso aqui não é mais primeiro ano, nem segundo, mas o terceiro ano CIENTÍFICO! Também não é novidade pra ninguém o fato de que esse terceiro ano é o que antecede o vestibular. O que vem a ser vestibular? O vestibular, meus queridos alunos, é nada menos que a prova mais difícil de quantas vocês já fizeram. Ela compreende toda a matéria dada ao longo de toda a vida escolar. Não passar no vestibular é uma desgraça que marcará para sempre a vida de cada um de vocês. São as portas da universidade e do ensino SUPERIOR que se fecham irremediavelmente diante de vocês. É todo um mundo de conhecimentos, é toda a cultura e a sabedoria humanas que se tornam inacessíveis a vocês. É a vergonha que cai como um manto negro sobre o nome da família de cada um de vocês. O que fazer para evitar essa desgraça? É para isso que eu, Dona Margarida, estou aqui. É preciso apenas obedecer a Dona Margarida. É preciso fazer silêncio. Eu quero poder ouvir o zumbido de uma mosca dentro desta sala de aula. Vocês estão aqui para aprender. Vocês estão pagando para aprender. Isso quer dizer que vocês não sabem nada. NADA. Ouviram bem?