parte 2-politica educacuinol do brasil do 4 ao 7 cap

22
Sofin íorc/ie Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias um significado simbólico, assinalando a presença de for- ças de oposição no cenário político. O presidente assume em meio a um estado de desequilíbrio provocado pelo desaquecimento da economia e pelo fim do 'milagre eco- nómico'. A inflação volta a elevar-se, agravada pela crise do petróleo que afeta países ricos e pobres. O Brasil - que cresce sobre rodas, sem petróleo, às custas do financia- mento internacional - é duramente atingido pelas novas circunstâncias económicas mundiais. Aumentam as taxas de juro; diminui o crédito; a dívida externa atinge pata- mares críticos. Diante de um contexto económico adverso e da re- tomada do protagonismo político do partido oposicio- nista, o presidente vislumbra na 'abertura lenta, segura e gradual' uma saída para a crise institucional que vai se de- lineando. Enfrenta, todavia, nos bastidores do regime, a resistência dos segmentos militares mais conservadores. Forças de 'linha dura', encasteladas em comandos milita- res e em órgãos de repressão, lutam contra este processo. Em novembro de 1974 realizam-se eleições para o Congresso. O fortalecimento da oposição é visível. O MDB vence em 79 das 90 cidades com mais de 100 mil habitantes, conquistando 48% dos votos para a Câmara dos Deputados e 59% dos votos para o Senado. Em 1975, é suspensa a censura à imprensa. A luta interna de resistência à abertura, contudo, pros- segue. Duas mortes ocorridas nos subterrâneos da re- pressão chocam a opinião nacional. O jornalista Vladimir Herzog e o operário Manuel Fiel Filho não resistem às torturas infligidas em dependências do DOI-CODI (De- partamento de Operações e Informações e ao Centro de Operações de Defesa Interna), pertencente ao IIo Exérci- to, sediado em São Paulo. Nas eleições de 1976, outra vez, a oposição é vitorio- sa. Como reação, o governo impõe recesso ao Congres- 128 Política Educacional no Brasil: introdução histórica so, decretando um conjunto de medidas com o objctivo de assegurar a manutenção das rédeas do poder pela Are na. O mandato presidencial passa de cinco para seis anos; cria-se a figura do senador biônico, eleito pelas Assem- bleias Legislativas Estaduais. Depois deste retrocesso ocor- rem novos sinais de que o caminho de retorno à demo- cracia começa a ser trilhado. Com o fim da censura prévia a publicações e espetá- culos, intensificam-se movimentos sociais pela recupera- ção de direitos democráticos. Em 1978, ocorrem as pri- meiras greves depois dos eventos que motivaram o fe- chamento maior do regime militar (1968). Luiz Inácio da Silva (Lula), como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, lidera a greve do ABC paulista. Apesar da repressão po- licial, o movimento sindical fortalece-se. Geisel envia ao Congresso uma Emenda Constituci- onal (1978), propondo a extinção do AI-5 e a restaura- ção do habeas corpus. O caminho para a transição segue seu curso. O candidato do governo é ainda um general. Figueiredo tem seu nome aprovado pelo Colégio Eleito- ral, não sem resistências de setores da Arena que empres- tam apoio à outra candidatura (Magalhães Pinto) e do MDB, que lança o nome do general Euler Bentes Monteiro. Figueiredo - "hei de fazer deste país uma democracia" Figueiredo, um general da arma de cavalaria, pouco afeito aos encargos do poder, revela-se fiel aos acordos de retorno gradual ao Estado Democrático. Sob seu go verno é sancionada a lei de anistia (1979), a partir d:i qual centenas de exilados retornam ao País. Também é restabelecido o pluripartidarismo (l')7 ( )), processo que resulta em novas configurações p< >líiic;is. ( >s representantes da Arena agrupam-se sob nova sigla,i> PDS 129

Upload: cleiciane-lima

Post on 07-Aug-2015

52 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofin íorc/ie Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias

um significado simbólico, assinalando a presença de for-ças de oposição no cenário político. O presidente assumeem meio a um estado de desequilíbrio provocado pelodesaquecimento da economia e pelo fim do 'milagre eco-nómico'. A inflação volta a elevar-se, agravada pela crisedo petróleo que afeta países ricos e pobres. O Brasil - quecresce sobre rodas, sem petróleo, às custas do financia-mento internacional - é duramente atingido pelas novascircunstâncias económicas mundiais. Aumentam as taxasde juro; diminui o crédito; a dívida externa atinge pata-mares críticos.

Diante de um contexto económico adverso e da re-tomada do protagonismo político do partido oposicio-nista, o presidente vislumbra na 'abertura lenta, segura egradual' uma saída para a crise institucional que vai se de-lineando. Enfrenta, todavia, nos bastidores do regime, aresistência dos segmentos militares mais conservadores.Forças de 'linha dura', encasteladas em comandos milita-res e em órgãos de repressão, lutam contra este processo.

Em novembro de 1974 realizam-se eleições para oCongresso. O fortalecimento da oposição é visível. OMDB vence em 79 das 90 cidades com mais de 100 milhabitantes, conquistando 48% dos votos para a Câmarados Deputados e 59% dos votos para o Senado. Em1975, é suspensa a censura à imprensa.

A luta interna de resistência à abertura, contudo, pros-segue. Duas mortes ocorridas nos subterrâneos da re-pressão chocam a opinião nacional. O jornalista VladimirHerzog e o operário Manuel Fiel Filho não resistem àstorturas infligidas em dependências do DOI-CODI (De-partamento de Operações e Informações e ao Centro deOperações de Defesa Interna), pertencente ao IIo Exérci-to, sediado em São Paulo.

Nas eleições de 1976, outra vez, a oposição é vitorio-sa. Como reação, o governo impõe recesso ao Congres-

128

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

so, decretando um conjunto de medidas com o objctivode assegurar a manutenção das rédeas do poder pela Arena. O mandato presidencial passa de cinco para seis anos;cria-se a figura do senador biônico, eleito pelas Assem-bleias Legislativas Estaduais. Depois deste retrocesso ocor-rem novos sinais de que o caminho de retorno à demo-cracia começa a ser trilhado.

Com o fim da censura prévia a publicações e espetá-culos, intensificam-se movimentos sociais pela recupera-ção de direitos democráticos. Em 1978, ocorrem as pri-meiras greves depois dos eventos que motivaram o fe-chamento maior do regime militar (1968). Luiz Inácio daSilva (Lula), como presidente do Sindicato dosMetalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema,lidera a greve do ABC paulista. Apesar da repressão po-licial, o movimento sindical fortalece-se.

Geisel envia ao Congresso uma Emenda Constituci-onal (1978), propondo a extinção do AI-5 e a restaura-ção do habeas corpus. O caminho para a transição segueseu curso. O candidato do governo é ainda um general.Figueiredo tem seu nome aprovado pelo Colégio Eleito-ral, não sem resistências de setores da Arena que empres-tam apoio à outra candidatura (Magalhães Pinto) e doMD B, que lança o nome do general Euler Bentes Monteiro.

• Figueiredo - "hei de fazer deste país umademocracia"

Figueiredo, um general da arma de cavalaria, poucoafeito aos encargos do poder, revela-se fiel aos acordosde retorno gradual ao Estado Democrático. Sob seu governo é sancionada a lei de anistia (1979), a partir d:i qualcentenas de exilados retornam ao País.

Também é restabelecido o pluripartidarismo (l ')7 ()),processo que resulta em novas configurações p< >l í i ic ; i s . ( >srepresentantes da Arena agrupam-se sob nova s i g l a , i > PDS

129

Page 2: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofia / erdie Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias

(Partido Democrático Social). O MDB acrescenta a pala-vra 'Partido' na sua legenda, passando a denominar-sePMDB. Emergem ainda o PT (Partido dos Trabalhado-res), ligado aos movimentos populares e parte do movi-mento sindical; o PDT (Partido Democrático Trabalhis-ta), vinculado a Leonel Brizola; o PTB (Partido Trabalhis-ta Brasileiro); e, o PP (Partido Popular), ligado a antigosremanescentes do PSD, como Tancredo Neves. Outrainiciativa importante é o encaminhamento e aprovaçãode lei que restabelece eleições diretas para governadores.

O projeto de retorno à democracia esbarra, porém,na resistência de segmentos mais conservadores ligados àordem autoritária. Episódios como explosão de cartas-bombas na sede da OAB e o atentado terrorista ao Cen-tro de Convenções do Rio Centro marcam este períodode transição.

Com o aprofundamento da crise económica, o Paísmergulha num quadro recessivo, ao mesmo tempo emque aumenta a inflação. Cresce a insatisfação popular, as-sim como as pressões pela volta à democracia. Em 1983,partidos, sindicatos, entidades populares mobilizam-sepressionando pelo retorno de eleições diretas para a pre-sidência da República. Milhares de pessoas vão às ruas namaior campanha de todos os tempos. Mesmo com ogrito de "Diretas-Já" ecoando pelas ruas e cidades de todoo País, o movimento é derrotado no Congresso por pe-quena diferença de votos (25/04/1984). Aquele que seriao primeiro presidente civil depois do longo período daditadura - Tancredo Neves (PP) - ainda é eleito pelo siste-ma de votação indireta. Seu vice é José Sarney, represen-tante da ala governista que optou por apoiar o candidatoda conciliação. Tancredo, porém, morre sem assumir apresidência da República. Em seu lugar, governa JoséSarney - o presidente da transição. Com ele, tem inícioum novo período, o qual será tratado no próximo e últi-mo capítulo. Antes disso, porém, é oportuno refletir so-

130

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

bre os principais delineamentos da política educacionalconduzida no regime militar.

<' 6.2. Educação brasileira no regime militar -a estratégia das grandes reformas

Vários autores têm se dedicado ao estudo da educa-ção no regime militar. Para citar alguns dos estudos maisconhecidos, lembremos aqueles de Saviani (1987); Cunha(1973, 1978 e 1988); Germano (1993); Romanelli (2002);Freitag (1978 e 1987); e Vieira (1982).

Como já se disse na introdução deste capítulo, as gran-des reformas constituem o principal fato da educação noregime militar. É óbvio que estes não são os únicos temasda agenda da política educacional do período mas, semsombra de dúvida, são os mais marcantes. Diferentementede grupos políticos no poder em outros momentos his-tóricos, mais do que promessas, tais reformas se tradu-zem em fatos. Na verdade, como veremos a seguir, areforma universitária (1968) representa um projeto bus-cado desde há muito no Brasil. A grande 'novidade' doregime militar, portanto, se configura na reforma do en-sino fundamental e médio (1971), que pretende introdu-zir a profissionalização neste nível da educação, fracassan-do em seus principais objetivos. Considerada a relevânciadas duas iniciativas, passemos a um exame mais detalha-do de cada uma delas.

• Reforma Universitária - racionalizar paraatender a demanda

A reforma universitária, introduzida pela Lei n." 5.541)/68, vinha sendo perseguida desde o final da década de 40.Tal interpretação pode ser resumida nos seguintes KTIIK is:

"A concepção de universidade calcada nos modelos mirte iinie-ricanos não pi imposta pela USAID, anu d mnnvnciti dtiburocracia da ditadura, mas, antes, de tudo, J»/ l>ii.tnid,i desde

1 3 1

Page 3: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Snflii Iru/ir Virira e Isabel Maria Sob/no de Farias

fins da década de 40por administradores educadonais, profes-sores e estudantes, prindpalmente aqueles, como um imperativoda modernização, até mesmo, da democratização do ensinosuperior em nosso país. Quando os assessores norte-americanosaqui desembarcaram, encontraram um terreno fértil para adu-bar suas ideias" (Cunha, 1988, p. 22).

O projeto da reforma de 1968 deve ser compreen-dido à luz de diversos elementos3. Do ponto de vistapolítico, constitui resposta a uma pressão por acesso aoensino superior, demanda claramente colocada no seioda sociedade civil, de modo específico entre suas cama-das médias. Do ponto de vista técnico, procura atender auma exigência de racionalização — tanto no sentido deconter a expansão desordenada deste nível de ensino, quan-to de prover os meios para que as instituições pudessemvir a oferecer mais e melhor ensino, num ambiente ondea participação estudantil fosse posta sob controle.

Para dar resposta a esses ambiciosos objetivos, o go-verno constitui um Grupo de Trabalho encarregado de,no prazo de 60 dias, "estudar a Reforma da Universida-de Brasileira, visando sua eficiência, modernização, flexi-bilidade administrativa e formação de recursos humanosde alto nível para o país" (Brasil. Decreto n.° 62.397, de02 de julho de 1968).

O debate sobre a reforma universitária vinha sendoaprofundado em vários fóruns desde o início dos anos60, tanto em eventos da UNE, como no próprio interiordos grupos ligados ao poder constituído. Importantesdocumentos prévios ao projeto do Grupo de Trabalhode 1968, assinalam o interesse do regime militar na ques-tão da reforma.

' Para um aprofundamento do tema, conferir: Vieira (l 982) e Cunha(1988).

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

O primeiro texto que antecipa a reforma c um csiudo de Rudolph Atcon (1966), assessor da USAID (UnitedStates Agency for International Development), que prestaassessoria ao governo brasileiro no período. Neste escri-to, denominado Rumos à reformulação estrutural da uni-versidade brasileira, mais conhecido como Plano Atcon,o autor apresenta um diagnóstico e uma série de suges-tões sobre o tema (Atcon, 1974). O segundo documentogovernamental é o Relatório da Equipe de Assessoria aoPlanejamento do Ensino Superior, publicado pelo MEC(Brasil, 1969) depois da promulgação da Lei n.° 5.540/68, mas de produção anterior à mesma e subsídio à suaelaboração. O terceiro registro de relevo sobre o assuntoé o Relatório Meira Matos (1968), elaborado por grupocomposto pelo governo federal em final de 1967 e con-cluído em maio de 1968.

O projeto encaminhado pelo Grupo de Trabalho de1968, que se explicita na Lei n.° 5.540/68, aprovada emregime de urgência pelo Congresso Nacional, em plenavigência do estado de exceção, introduz várias novidadesna organização do ensino superior. As medidas mais im-portantes nesse sentido são: a estrutura departamental, osistema de créditos e de matrículas por disciplinas, o ciclobásico, a carreira universitária única, a indissociabilidadeentre o ensino e a pesquisa, dentre outras.

Como observamos em estudo anterior, "a reforma,cujos princípios básicos foram definidos sob as ideias deracionalização, expansão, flexibilidade, integração e auto-nomia, não trazia em seu bojo uma proposta pedagógica". Na verdade,

"...inscrevia-se (...) numa lógica coerente com o pcrí/nln cmque foi concebida, quando houve o predomínio i/c soliicòrstécnicas e prevaleceram fórmulas que privikgtíftUH « <//><:/<> <imedidas de cunho administrativo e orgfHlitftiOHãL

Concebida em plena vigência do governo iiii/nri/iiri/i, ,/ ir/m:

ma anunciou novos tempos paru n t'slniliu;i <lu iiiui/n I///T

132 133

Page 4: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofio Lcrche Vieira e Isabel Maria Sob/no de PoriasPolítica Educacional no Brasil: introdução histórica

rior no país sem que, entretanto fossem alterados em essênda

seus fundamentos" (Vieira, 1990, p. 11).

Se a racionalidade técnica que se pretende conferir àorganização do ensino superior através da reforma uni-versitária é alcançada apenas em parte, pode-se dizerque em muitos aspectos os objetivos do projeto sãoatingidos. A expansão da oferta de matrículas superaquaisquer expectativas de crescimento. Em 1968, o Paísconta com 88.588 vagas em estabelecimentos de ensinosuperior, passando este valor para 405.367, em 1978.No que se refere ao número de estabelecimentos, o sal-to é de 372 unidades para 862 no mesmo período(Vieira, 1982, p. 112 e 118).

A contenção da "expansão desordenada", objetivodeclarado do Grupo de Trabalho da Reforma Univer-sitária, em verdade, não ocorre, pois o crescimento sedá em ritmo acelerado e sem observância às exigênciasdo modelo que se pretende implantar a partir de 1968.O aumento de vagas acontece, sobretudo, às expensasde estabelecimentos isolado de ensino, em cursos debaixo custo, muitas vezes, sem perspectivas de inserçãode seus egressos no mercado de trabalho. A oferta deuma educação de tal natureza, todavia, parece satisfazerà demanda reprimida por educação de nível superiorpor parte das camadas médias da população. Enquantoperdura o 'milagre económico' e a demanda de empre-go para profissionais com título universitário, pressõespor aumento ou melhoria dos serviços de 3° grau nãovoltam a cena.

• Reforma do Ensino de Io e 2° Graus - atentativa de profissionalização

Não por acaso a reforma do antigo ensino primário esecundário é aprovada quase três anos depois da reformado ensino superior. Com efeito, o principal foco da_pplítij-

134

ca^alucadc^al_desenyolvida pelo regime mi l i l a r <.'• < > ensine >superior, para onde convergem atenções c rcvursi is. Sr o >ma reforma universitária objetiva-se racionalixar <» modusoperandi das instituições de ensino superior, de manei m ;iatender um maior número de alunos; com relação à rctorma do ensino de T e 2° graus procura-se conter esta de-manda através da formação de quadros técnicos de nívelmédio - razão pela qual se acena com a ideia daprofissionalização no projeto da I^i n.° 5.692/71 (Art.5°).Segundo o entendimento dos legisladores do período, talalternativa permitiria que muitos jovens em busca de quali-ficação profissional se contentassem com a formação denível médio. Consequentemente, diminuiria a pressão peloaumento de vagas no ensino superior (Cunha, 1988).

A reforma de 1971 apresenta algumas inovações sig-nificativas em relação à organização prevista pela LDB,de 1961. Pela^nova lei, os antigos cursos primário e gina-sial são substituídos pelo ensino de 1° grau, destinado àformação da criança e do pré-adolescente, com 8 anosde duração e obrigatório dos 7 aos 14 anos (Art. 17, 18 e20). O ensino médio passa a chamar-sé ensino de 2° grau,destinando-se à formação integral do adolescente, comtrês ou quatro anos de duração (Art. 21 e 22).

Introduz também a nova legislação um

"... núcleo comum, obrigatório em âmbito nacional, e uma

parte diversificada para atender, conforme as necessidades c

possibilidades concretas, às peculiaridades locais, aos planos

dos estabelecimentos e às diferenças individuais dos alunos"

(Art. 4", Grifo nosso).

Com isto pretende-se reestruturar o ensino cm m < > !dês de uma escola integrada onde, além das maicnas < ibr igatórias previstas pelo núcleo comum, o a l u i u > po< l r r i ; ioptar por aquelas de sua livre escolha. C ) Núcleo ( . < >mum para os currículos de 1° e 2" Cl raus r l ixado peloParecer 853/71, do Conselho Federal ilr l• ' .<Inçarão.

135

Page 5: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

i(i|in II - I I /PI- Vinni e /sabe/ Maria Sob/no de For/os

Na perspectiva da reforma de 1971, é concebido umcurrículo pleno do ensino de 1° e 2° Graus, o qual com-preende uma parte de educação geral e outra de forma-ção especial (Art. 5° § 1°. Grifo nosso). No 2° Grau, aformação especial tem o caráter de "habilitaçãoprofissional" (Art. 4° § 3° e Art. 5° § 2°). A ideia deprofissionalização representa a principal inovaçãointroduzida pela Lei n.° 5.692/71. A intenção do legisla-dor é que a qualificação para o trabalho viesse a permeartodo o 2° Grau, imprimindo-lhe um sentido de"terminalidade". Ou seja, qualquer jovem com "habilita-ção profissional" de nível médio estaria apto a ingressarcomo técnico no mundo do trabalho. Os mínimos a se-rem exigidos de cada habilitação profissional ou conjun-to de habilitações afins no ensino de 2° Grau foram fixa-dos pelo Parecer 45/72, do Conselho Federal de Educa-ção e, depois, modificados pelo Parecer 76/75.

A despeito dos esforços de profissionalização, pode-se dizer que esta foi uma promessa que ficou no papel. Averdade é que poucas unidades escolares se mobilizarampara adaptar-se a esta perspectiva, preferindo optar porhabilitações de "faz de conta". Como consequência, apósconcluir o 2° Grau, a maioria dos alunos não se sentiaapto a candidatar-se a ocupações no mercado de traba-lho para as quais formalmente teriam sido habilitados.Depois de dez anos, a reforma é alterada pela Lei n.°7.044/82, que elimina a obrigatoriedade da oferta de "ha-bilitações profissionais" pelas escolas.

As razões do fracasso da reforma do ensino de 1° e2° Graus teriam sido decorrentes de vários fatores:

"Um deles, certamente, foi o total despreparo físico, humano

e ideológico das escolas para assumir a tarefa que a lei auto-

ritariamente impusera (nenhuma das categorias envolvidas

nesse processo de reforma educacional tinha sido consultada).

Faltavam instalações de oficinas, professores (profissionais)

preparados para 'profissionali^arem' as crianças e adoles-

136

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

centes, assim como não havia os recursos liiiiiiurims //<•/// j/i

ram feitos os esforços devidos para canatixr mw.w c Inr

nar funcional tal proposta" (Freitag, 1987, p. 41).

A rejeição ao trabalho manual por parte das cama-das médias e altas da sociedade brasileira, como tam-bém das próprias camadas trabalhadoras, seria um ou-tro elemento:

"...a educação para o trabalho não cabia na concepção de

mundo das classes média e alta da sociedade brasileira. O

trabalho manual era, para essas classes, algo que competia

aos trabalhadores e filhos de trabalhadores (...) A proposta

profissionali^ante, por isso mesmo, também desagradou à

classe operária e rural. Ir para a escola era identificado como

'liberação do trabalho braçal', e o pai operário que fatiei

esforços para manter seu filho na escola esperava vira ter um

filho 'doutor', que mandasse nos outros e não fosse, como e/e,

um trabalhador manuaf (Idem, p. 41-42).

Diante de tantos obstáculos materiais e ideológicos,não é de se estranhar o malogro da reforma. O que sur-preende, talvez, é que isto se suceda num momento emque o País vivência seus primeiros ensaios de planejamen-to educacional. Nesse sentido, cabe fazer uma breve refe-rência sobre o tema.

• Planejamento - a política educacional nostrilhos

O planejamento chega ao Brasil ao final da década t Ir40, com o Plano SALTE, durante o governo Dutni. < > utros planos globais foram elaborados durante os J M I V I Tnos de Vargas, Juscelino e João Goulart. Hsk1 ú l i i u m < «primeiro a focalizar a necessidade de formar ivc m • , < > • ,humanos para o desenvolvimento. E nos governo-, m i l itares, entretanto, que o planejamento at ingi- M - U n u m u t u . •áureo, passando a ser adotado em larga CM a l . i , I H I M . u n i >se imprimir um cunho científico c uVnu» .1 i.m l . i < l | > i iver as demandas do País.

Page 6: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofia tcrc/ie Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias Política Educacional no Brasil: introdução histórica

O regime militar enfatiza o planejamento como ins-trumento de governo que parte da esfera decisória cen-tral (União) para as unidades federadas (Estados e Distri-to Federal). Ao planejamento global corresponde um pla-nejamento setorial, por área de atuação. Assim, o planeja-mento educacional é um setor do Plano Nacional deDesenvolvimento (PND), daí a expressão Plano Setorialde Educação, Cultura e Desporto (PSECD), utilizada emalguns dos documentos de planejamento educacional doperíodo. Como se vê no Quadro XXIV, há uma estreitaarticulação entre as iniciativas que ocorrem nos âmbitosfederal e estadual, assim como global c setorial.

Quadro I

Planejamento Governamental — Global e SetorialPresidentes

Castcllo Branco(1964-1967)

Costa c Silva(1967-1969)

Emílio Mediei(1969-1974)

Ernesto Gciscl(1974-1979)

Joiio Figueiredo(1979-1985)

GlobalPlano Dccciiiil de Dcscmoh íiucntoEconómico e Social (66)Programa de Aç.lo Económica doGoverno- PAEG (64-66)

Plano Decenal de Dcscmolvimcnto(67-76)Programa Estratégico de Desenvolvi -mento -PED (68-70)

Programa de Metas e Bases para aAçào de Governo (70-72)Plano Nacional de DesenvolvimentoEconómico c Social - I PND (72-74)

Plano Nacional de Desenvolvimento -d PND (75-79)

Plano Nacional de Desenvolvimento -IIIPND(8()-X5)

SetorialPlano Trienal (63 -6Í)

Diagnóstico Preliminar Educação (66)

Plano Nacional de Educaçao/PNE1

Plano Setorial de Educação e Cultura -PSEC (72-74)

II Plano Setorial de Educaçito c Cultura -II PSECD (75-79)

III Plano Setorial de Educação. Cultura cDesporto - III PSECD (XO-85)Educação para Todos: caminho panimudança (85)

O planejamento adotado pelo regime militar inspira-se no Planejamento Normativo Tradicional (PNT),

"marcado pela concepção tecnocrática e economirista que de-

preda a dinâmica das relações sociais. Fortalece-se aqui um

4 Na verdade, o PNE foi publicado em 1962 pelo Conselho Federal deHducação/CFE, revisto em 1965, ressurgindo em 1967. Para outrasinformações, conferir: Veras (1990, p. 211).

138

planejamento voltado para o desenvolvimento económico, via

financiamento internacional" (Vieira, Albuquerque, 2()()2<t,

p. 33 e 34).

Este modelo tem fortes repercussões sobre o con-texto educacional brasileiro, constituindo-se mesmonuma marca da gestão pública em geral e, da educaçãocm particular.

-ÍT É oportuno mencionar que os temas tratados nestetópico sobre a educação brasileira, de nenhum modo, es-gotam a agenda das reformas perseguidas entre 1964 e1985. A educação de jovens e adultos, materializada noMOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) e naforte ênfase depositada no ensino supletivo é uma das pri-oridades do período. Destaca-se ainda a assistência ao es-tudante, através de programas de oferta de merenda esco-lar e de aquisição de material didático, empreendimentoque se explicita na criação da FAE (Fundação de Assistên-cia ao Estudante), já no final do regime militar (1983).

Outro aspecto que merece registro, considerando apreocupação do período em reorganizar a educação bra-sileira, reporta-se ao movimento de matrícula e de expan-são do ensino, para o qual abrimos um tópico específico.

• Movimento de matrículas - a expansãocomo resposta à demanda social

No capítulo anterior (5.2. Educação brasileira - embusca de um novo projeto) destacou-se que a LDB de1961 abriu caminho para subvenções estatais ao ensinoprivado, estimulando seu crescimento. Considerado os dados examinados antes, é possível dizer que se no início tiadécada de 60 o Poder Público é o principal responsávelpela oferta de educação básica, nos anos subsequentes ;ilgumas diferenças substantivas começam a ser estabelecidas.

Os dados sobre a oferta de ensino fundamenta) n < >período revelam que as matrículas passam de 7.428.002,cm 1960, para 12.812.029, em 1970. Observa se nesse

139

Page 7: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sob/no de Farias

momento que a oferta de matrículas públicas aumenta de88,4% para 91,0%. O que esses dados não mostram éque após uma fase de franca expansão na década de 50, apartir dos anos 60 há um decréscimo nos investimentosreferentes ao ensino fundamental, havendo momentos emque sua expansão não acompanha sequer os índices decrescimento populacional.

Se no período correspondente ao Estado populistahá uma política de expansão da educação básica, com oadvento do Estado burocrático autoritário, em 1964, háuma crise da educação básica, manifesta tanto em termosde uma queda nas taxas de crescimento, como em ter-mos de uma "qualidade precária" (Silva, 1988, p. 59).

De todo modo, os números mostram que no ensi-no fundamental e médio a tendência do período é decrescimento da oferta no sistema público, movimentotambém acompanhado pela rede privada. Em lento masprogressivo processo de crescimento o ensino públicoprimário passa de 92,23%, em 1965, para 93,63%, em1970. Convém lembrar que nesse nível de ensino o se-tor privado tinha 23,65% das unidades, em 1935, che-gando a 6,37%, em 1960. Há uma total predominânciado ensino público primário. No ensino médio a ofertapública também se amplia: esta representa 32,86% daoferta, em 1955, passando para 33,83%, em 1960. Acurva permanece ascendente, chegando a 35,52%, em1965 e alcançando 42,61%, em 1970. Seria possível iden-tificar movimento semelhante no que se refere ao ensi-no superior?

Se com relação ao ensino fundamental e médio háuma expansão maior na oferta pública, no ensino superi-or a tendência se inverte. Há, na verdade, um boom noperíodo compreendido entre 1962 e 1973, que ocorretanto no ensino público quanto no ensino privado, mas ésignificativamente maior neste que naquele.

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

Em 1962, a oferta pública representava 59,6%, decres-cendo para 39,3%, em 1973. Vale dizer que as muiríoihisliteralmente explodem nesse período: de 105.181 ulmios,em 1962, o País passa para 811.667, em 1973. A olerinprivada nesse período deixa de concentrar-se em universi-dades, passando a priorizar como forma de organixaçàoos estabelecimentos isolados. Entre 70 e 80 essa curva as-cendente se mantém3, apresentando um ritmo de cresci-mento de 223,7%, movimento bastante diferente daqueleregistrado no ensino fundamental e médio quando a ex-pansão é reduzida à metade. Tal situação se explica emfunção do próprio deslocamento dos canais de ascensãosocial6 desse período. As camadas médias exercem pressãoe o aumento de vagas acima sinalizado corresponde a uminteresse efetivo do Estado autoritário em fazer face a es-sas demandas. Nesse quadro, o recurso à parceria da inici-ativa privada representa uma opção estratégica.

Os dados analisados permitem perceber que, embo-ra a rede privada registre uma expansão nos anos subse-quentes à LDB de 1961, a tendência de predomínio doPoder Público na oferta se afirma também nesse perío-do. O crescimento da oferta na rede privada é expressi-vo, sobretudo, no ensino superior, carro-chefe da políticaeducacional do período autoritário.

Pelo que se viu, é possível perceber que o regimemilitar foi pródigo em medidas de impacto j u n t o nosdiferentes setores da sociedade. No cenário cdiicaaon;il ;ireforma universitária e a reforma do ensino de l" e 2"Graus assinalam tais intenções, embora também sej:i megável o fracasso desta última em relação à formac;i< > pr< >fissionalizante. A centralização é retomada com lc> i \ : i n:igestão educacional através do planejamento srtori;il dr

5 A respeito, conferir: Silva (1988, p. 60-61).6 Ver a esse respeito, Cunha (l 975, p. 25-58).

1401 4 1

Page 8: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sob/no de FanasPolítica Educacional no Brasil: introdução histórica

cunho técnico e racionalizador, imprimindo uniformida-de à política educacional em curso no País. Entretanto, sea tentativa de adequação do projeto educacional ao mo-delo desenvolvimentista parece triunfar, a história em seudevir reafirmará a democracia como condição soberana.Mas este é um assunto para o próximo capítulo.

CAPÍTULO 7

NOVOS RUMOSPARA A EDUCAÇÃO -retorno ao Estado democrático

Como se viu, a eleição de Tancredo Neves para apresidência da República assinala o encerramento de umciclo que se completa com a volta dos militares à caserna.Com José Sarney, inicia-se a transição para o retorno aum Estado democrático. Em 1990, assume o poder oprimeiro presidente eleito pelo voto direto (FernandoCollor de Mello), depois do regime militar. Por estar tãopróximo, o intervalo compreendido entre 1985 e 2000,ainda não possibilita a visão própria dos estudos de cu-nho histórico, que pedem um olhar de "longa duração"(Braudel, 1982).

Estando o momento atual em processo de constru-ção, algumas de suas características ainda são difusas. As-sim, aqui se presta melhor o olhar de "curta duração",peculiar às análises das políticas públicas contemporâneas.Cientes de tais limites, optou-se por trazer à luz algunselementos da história recente da educação brasileira sob aperspectiva de uma aproximação parcial e provisória. Como tempo e a isenção que esta distância crítica há de p n >piciar, o que hoje parece essencial pode vir a tornar-se accssório e vice-versa. Quando este horizonte estiver mais ciaro, outros intérpretes, por certo, hão de escrever n c > v ; i sversões para esta mesma história.

Conforme observado no capítulo 6, os an< >s n< >s quaiso País viveu sob a ditadura militar trouxeram p a i a a c< lucação um projeto político claro, expresso em duas ivloimas de grande impacto — a reforma univers i t á r ia ( l ' ) ( i H ) c

142 143

Page 9: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias

a profissionalização do ensino médio (1971). Diferente-mente do regime militar, os "tempos de transição" (Vieira,2000), como a própria expressão sugere, não têm umprojeto com contornos definidos desde seu nascedouro.O consenso desta fase inicial, em verdade, é a vontadepolítica de mudar e de estabelecer a plenitude do estadode direito.

O retorno à democracia no Brasil, não se dá por sim-ples outorga ou concessão dos militares. Como já obser-vado, trata-se de conquista lenta, forjada no território dosmovimentos sociais, iniciados desde o final da década de70, com as greves dos metalúrgicos do ABC paulista (1978)e outras lutas políticas pelo direito a uma cidadania plena.

O capítulo ora apresentado, o último do livro, discuteos contornos desse período, quando empreende-se a tra-vessia dos "tempos de transição" para os "tempos deexplicitação". Nele procura-se delinear as principais carac-terísticas do intervalo iniciado em meados da década de80, quando José Sarney assume a presidência da Repúblicaem substituição ao presidente eleito, Tancredo Neves (1985),até a metade do segundo governo de Fernando HenriqueCardoso (2000). A análise avança no sentido de identificaros contornos desta nova fase de redemo-cratização do País,focalizando de modo específico as reformas educacionaisdesencadeadas a partir de 1996. Alguns dos argumentosaqui destacados sobre a política educacional brasileira entre1985 e 1995, tomam por base a reflexão do estudo Políticaeducacional em tempos de transição (Vieira, 2000), onde estatemática é abordada com maior profundidade.

No intervalo desses 15 anos (1985-2000), o Brasil épalco de mudanças em sua ordem económica, política,social e cultural. As origens das transformações vividasno período nem sempre têm sido determinadas por cir-cunstâncias intrínsecas ao País. Ao contrário, grande partedelas deve ser tributada a um movimento mais amplo da

144

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

globalização. Embora esta seja uma discussão que u l t r a -passa os limites do presente estudo, não cabe ignora -In,sobretudo em virtude de seus visíveis impactos sobre aeducação brasileira (Vieira, 2002c).

A grande expectativa política "dos tempos de transi-ção" é construir uma democracia capaz de incorporar to-dos os brasileiros no acesso aos direitos sociais básicos. Sematerializada no sonho de uma "Constituição Cidadã", talpromessa é negada de muitos modos pela democracia decarne e osso que fomos capazes de forjar a partir de 1985.

Em 2000, ano escolhido para encerrar esta incursãohistórica sobre a política educacional brasileira, o País com-pleta 500 anos de fundação oficial. O marco da celebra-ção da descoberta do Monte Pascoal representa umametáfora das promessas não cumpridas; a réplica da NauCapitânia que não conseguiu navegar nas águas mansasdas costas descobertas por Cabral1.

O Brasil acorda deste 'sonho' de 500 anos pobre,urbano e violento. A realidade não nega. Em 2002, mos-trou ao mundo que pode ser campeão no futebol, noautomobilismo e no ténis; que é capaz de criar o maissofisticado sistema de voto eletrônico do planeta, divul-gando seus resultados de forma imediata. Os jornais e asorganizações internacionais, entretanto, continuam mos-trando que o País também é campeão em matérias dig-nas de constrangimento — desigualdade social, corrupção,narcotráfico2. O Brasil exprime de forma vis ívd este

LSobte o fiasco dos festejos do descobrimento, o miem: 'l ' M U I nu Lu U1

manifestações e invasões'... ( h t l p : / / u \ u .1. | u n i i > . n ̂ . I n .TSC5.html - Consulta ao pç >rtal: (IH/ l l /2( K l .>) .

2 Conferir, a propósito, a matéria sobre < > Brasil, publli ufa DO jornal H/País, de 24/10/02: Brasil- un país rico Uru» . I r p . . In . - . I Icreciente poder de los narcotraficantes cn l.is h i \ < - l . r . . •• . pi. » l u < i < > . ! < •Ia pobreza y de Ia desigualdad social, que .iln I . I M •,. i l n r h « l i i .1 Lipoblación negra y rural (http//:\v\v\v.rlp;ii'.... 'in . < < u p . n l i . i ,i< >portal: 25/10/02V

145

Page 10: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofia íerche Vieira e Isabel Maria Sabino de FariasPolítica Educacional no Brasil: introdução histórica

ambiente impregnado de contradições. Refletir sobre olugar que ocupa a educação em cenário de tal complexi-dade é o desafio que esta parte do texto encerra.

7.1. De José Sarney a Fernando HenriqueCardoso - o que muda, afinal?

A discussão deste capítulo refere-se ao momento his-tórico compreendido entre 1985 e 2000. Nesta fase, como fim do regime militar, o País retorna, progressivamen-te, ao estado democrático. Durante tal período, o Brasiltem quatro diferentes presidentes:

Quadro II

Presidentes da República - 1985-2000

Período15/03/1985 a 14/03/199015/03/1990 a 02/10/199202/10/1992 a 3 1/12/199401/01/1995 a 31/12/199801/01/1999 a 01/01/2003

PresidenteJosé SarneyFernando Collor de MelloItamar FrancoFernando Henrique CardosoFernando Henrique Cardoso

Fonte: Adaptado de Vieira, 2000, p. 18.

Os quatro governos têm marcas distintas, que po-dem ser detectadas no breve resumo de cada um deles,apresentado a seguir.

• José Sarney - transição com inflação

Analisando o período da transição democrática, JoséÁlvaro Moisés é preciso em detectar suas ambiguidades:

"...falamos de uma sociedade civil que pulsa, mas que, em

grande parte segue capturada pelo Estado; falamos de par-

tidos políticos frágeis, principalmente, por causa da ação da

ditadura, mas que repõem, eles próprios, durante a transi-

ção, as condições de reprodução da sua fragilidade; e, por fim,

falamos de um regime híbrido, que se insinua nos interstícios

entre a ditadura e a democracia" (Moisés, 1986, p. 129).

146

O "regime híbrido" está presente nos mínimos delalhes, a começar pela fatídica forma como começa aqueleque seria o primeiro governo civil, depois da longa ditadura. Tancredo Neves, o presidente eleito, não chega aexercer o poder. Na noite de véspera de sua posse, cinternado às pressas com graves problemas de saúde, vin-do a falecer, em 21 de abril de 1985, depois de ter sofri-do sete cirurgias. Ascende José Sarney, ex-lider do parti-do do governo — o PDS (Partido Democrático Social),que por não ter sido escolhido candidato pelo seu parti-do, aderira à Aliança Democrática3, vindo a sagrar-se vice-presidente na chapa de Tancredo Neves.

A expressão Nova República, utilizada como refe-rência à proposta de governo da Aliança Democrática, éincorporada por José Sarney para designar sua própriaadministração. Esta é caracterizada por instabilidade naeconomia e efervescência no âmbito político. As altas ta-xas de inflação levam o governo a empreender várias ten-tativas de controle através de planos económicos: PlanoCruzado (março/1986), Plano Cruzado II (novembro/1986), Plano Bresser (abril/1987) e Plano Verão (janeiro/1989). Apesar dessas iniciativas e da constante troca deministros, a inflação não é contornada, em março de 1990atinge 80%.

Se a inflação e o arrocho salarial assustam a populacão, diminuindo seu poder de compra de forma vcrtiginosa; no cenário político, contudo, o momento c de esperança. Entre 1985 e 1986 é revogada a legislação ;uiioritária, sendo aprovadas as seguintes medidas: rcsiahclci imento da eleição direta para a presidência da República;concessão do voto aos analfabetos e jovens a pá n ir c li l danos; extinção da censura prévia e da intervenção cm MH

' Acordo político que reunia forças de divcrsi is | v i r t i i l i IK | >." .1 • li-.| u n .uos votos no Colégio Eleitoral (Cunha, l '''M )

147

Page 11: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofia Lcrc/ie Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias

dicatos; abrandamento das exigências para o registro denovos partidos, o que viabiliza a legalização do PCB (Par-tido Comunista Brasileiro) e do PC do B.

Em novembro de 1986 realizam-se eleições para aescolha de novos governadores e de um Congresso compoderes constituintes. A Assembleia Nacional Constituin-te (ANC) é instalada em 1° de fevereiro de 1987, sob apresidência do deputado Ulysses Guimarães.

Embora o presidente da República tivesse convoca-do uma comissão de notáveis para produzir uma pro-posta preliminar a ser submetida à ANC, a forma deorganização aprovada para conceber a Carta Magna éinusitada. O novo texto nasce no seio do próprio Con-gresso, através de subcomissões que formulam sugestõesem consulta à sociedade, encaminhando-as a uma Co-missão de Sistematização. O projeto é elaborado em su-cessivos turnos, até chegar a uma versão final. Esta é tam-bém a primeira constituição brasileira a acatar emendaspopulares. Com tantas novidades, todas as atenções dossegmentos organizados da sociedade convergem para oCongresso Nacional.

Há uma sede de participação sem precedentes, moti-vada tanto pelo longo jejum da ditadura, como pelo dese-jo de contribuir para a definição de um novo estatuto paraa democracia. Emblemáticas das expectativas em torno domais importante documento legal do País seriam as pala-vras do deputado Ulysses Guimarães, no dia de sua pro-mulgação (05/10/1988): A Constituição é, caracteristica-mente, o estatuto do Homem, da Liberdade, da Demo-cracia (...). Tem substância popular e cristã os títulos que aconsagra: a Constituição Cidadã! (Tácito, 2002, I).

A Constituição de 1988, um texto de 245 artigos e 70disposições transitórias, tem como elemento marcante "apresença do povo e a valorização da cidadania e da sobe-rania popular" (Tácito, 2002, p. 55). Dentre as medidas

148

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

inscritas na nova Lei, cabe assinalar: a definição dos direitosindividuais e coletivos; a independência entre os três pode-res (Executivo, Legislativo e Judiciário); a restrição do póder das Forças Armadas à garantia dos poderes constituci-onais; a substituição do decreto-lei, usado no regime mili-tar pela medida provisória, cuja validade é perdida se nãofor aprovada pelo Congresso num prazo de 30 dias; ovoto facultativo para os jovens a partir de 16 anos.

A Constituição define também a duração do manda-to presidencial em cinco anos, estabelecendo eleições di-retas em dois turnos para presidência, governos estaduaise prefeituras com mais de 200 mil eleitores. Institui aindaum dispositivo que prevê sua própria reunião ou ratifica-ção pelo Congresso em outubro de 1993, remetendo paraum plebiscito a decisão sobre a forma de governo (repú-blica ou monarquia constitucional) e sobre o sistema degoverno (parlamentarista ou presidencialista)4.

Outros aspectos importantes da Carta de 1988 sãoos direitos trabalhistas: limitação da jornada de trabalho a44 horas semanais, instituição do seguro-desemprego,ampliação da licença-maternidade para 120 dias e con-cessão de licença-paternidade. Aos funcionários públicosé assegurado o direito de organização em sindicatos c autilização da greve como instrumento de negociação, sal-vo em casos dos serviços essenciais, sendo proibida aingerência do Estado nos sindicatos. Institui, ainda, o págamento de uma multa de 40% sobre o valor total doFundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) lusdispensas sem justa causa, procurando assim dificultai : i ' <demissões.

Aprovada sob um clima de euforia, a " C o n s l i l u K , . n <Cidadã" não resistiria, contudo, aos tempos i | i u v i t i . i m

'O plebiscito, inicialmente marcado para 7 de setembro d< l 1 ' 1 ' l, l i uantecipado para 21 de abril do mcsmc nino.

149

Page 12: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofia Lcrc/ie Vieira e Isabel Maria Sob/no de Farias

Partes importantes de seu texto sofreriam emendas. Comose verá adiante, a educação não escaparia a esta sanha.

Com Sarney, conclui-se a transição política. Depoisde 30 anos, em 1989 ocorrem as primeiras eleições dire-tas para Presidente da República. Estas são realizadas emdois turnos, conforme previsto pela Constituição de 1988coincidindo, agora, com a renovação dos mandatos degovernadores, deputados e senadores. Vários candidatosapresentam-se ao Primeiro Turno, sendo a disputa finalentre os dois mais votados: Luiz Inácio "Lula" da Silva,do Partido dos Trabalhadores, e Fernando Collor deMello, do Partido da Renovação Nacional (PRN). Emaliança com as forças sociais mais conservadoras, o eleitoé Collor. Em março de 1990, quando assume, a inflaçãomensal está em torno de 80%.

• Fernando Collor de Mello - uma caixa desurpresas

Collor é um jovem político alagoano e ex-governa-dor que se notabilizara pela denúncia de altos salários con-cedidos a funcionários do Estado. Com sua eleição, oBrasil ingressa em um momento que traz mudanças signi-ficativas em relação ao governo Sarney.

No campo económico, este momento representa umclaro divisor de águas, no sentido de inserir o Brasil emum quadro internacional que impõe novas perspectivasde competitividade no cenário da globalização. Se antes otema da reforma do Estado era posto timidamente, ago-ra é escancarado com todas as letras. Demanda-se oenxugamento do quadro de pessoal da União e opatrimónio público — de velhos veículos a residênciasministeriais — é posto a venda. A privatização emerge comopalavra de ordem.

O governo Collor se revelaria uma caixa de surpresaspor, pelo menos, três motivos. Primeiro, pela interrupção

150

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

abrupta de seu mandato. Assumindo em l .S de m;ireo de1990, o presidente seria afastado do cargo cm 2 de u n i ubro de 1992 e obrigado a renunciar meses depois. ( > se-gundo, estreitamente ligado ao primeiro, por protagonizarescândalos de corrupção inéditos na história política doPaís. Terceiro, como anunciado no parágrafo anterior, porpromover mudanças sem precedentes na vida económi-ca dos cidadãos brasileiros. Comecemos pelo último as-pecto, registro do início de sua administração.

Tendo chegado ao poder através de promessas decampanha voltadas para a moralização política e o fim dainflação, o novo presidente compromete-se também coma modernização económica e a redução da presença doEstado neste setor. Conforme prometera, no dia seguin-te à sua posse, Collor lança um programa de estabilizaçãoque surpreende o País. O conjunto de medidas adotadasenvolve desde um confisco monetário sem precedentesao congelamento de preços e salários, extinção de órgãospúblicos, demissão de funcionários e venda de patrimóniopúblico. A abertura à competição internacional se fazacompanhar de um discurso francamente modernizador.

O ousado plano económico, todavia, não detém ainflação, aumentando a recessão. Denúncias sobre desvi-os de recursos perpetrados por membros de confiançada equipe presidencial começam a circular, gradativamenteminando a credibilidade pública da equipe no poder. Kmabril de 1992, surgem as primeiras evidências concretascontra Collor, apresentadas por um de seus irmãos ( I V d n >Collor) em entrevista a uma revista de circulação naeional. O principal acusado é Paulo César Farias, amigo péssoai e tesoureiro de campanha do presidente, que seri . i < >agenciador de um esquema de corrupção, p:ig:imeiiio d<propinas e tráfico de influências (o "esquema de l'( '"). < >gesto do irmão do presidente desencadeia u n u míd.i deoutras acusações. O motorista da secretária p ; i r iu u h i t deCollor confirma depósitos de empres;is de l'( l .111,c. em

1 5 1

Page 13: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofia /.erche Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias

contas fantasmas. Uma Comissão Parlamentar de Inquéri-to (CPI) é instalada pelo Congresso para apurar os fatos.

Tais circunstâncias fazem com que, mais uma vez,todos os interesses voltem-se para o Congresso, onde asdenúncias estão sendo apuradas e o impeachment do pre-sidente considerado. Políticos fazem discursos inflama-dos, jovens invadem as ruas, protagonizando um colori-do movimento popular — os 'Caras Pintadas'.

A nação pede um basta na situação, clamando pelacassação do mandato do presidente. Em outubro de 1992,Collor é alijado do poder, sendo substituído por seu vice,Itamar Franco. Ao aproximar-se a decisão final de julga-mento de seu impeachment no Senado, renuncia (29/12/1992). No dia seguinte, seus direitos políticos são cassa-dos. O novo presidente, Itamar Franco, ascende ao po-der em caráter definitivo, completando o tempo que faltapara o término do mandato de Fernando Collor. Termi-nada a circense República das Alagoas, começa a discretaRepública do Pão de Queijo.

• Itamar Franco - mais um vice no poder

A rara circunstância de um vice-presidente assumir ogoverno de forma definitiva ocorre, pela segunda vez,no período ora em exame. Antes de ser companheiro dechapa de Collor, Itamar Franco ocupara a prefeitura deJuiz de Fora (MG) e fora senador por Minas Gerais, pro-jetando-se nacionalmente por integrar a CPI da Corrupção,em 1988. Itamar imprime contornos discretos à sua ges-tão, cercando-se de auxiliares de confiança e de nomes denotoriedade nacional. Dentre eles está Fernando HenriqueCardoso, senador por São Paulo, do Partido da SocialDemocracia Brasileira (PSDB), que começa como chancelerpara, depois, responder pelo Ministério da Fazenda.

O governo Itamar é caracterizado por alguns fatosmarcantes. Um deles é a realização de plebiscito para a

152

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

escolha da forma e do sistema de governe > n< > Brasil (abril /1993), no qual são mantidos, por larga maioria de v < > i < > s ,o regime republicano e o sistema presidencialista.

O destaque principal desta administração é o PlanoReal, iniciativa concebida para solucionar as dificuldadeseconómicas, agravadas pela inflação. O Plano introduz novamoeda (o Real), afastando-se de medidas como o congc-lamento de preços e de salários, anteriormente adotadas.Sua ênfase está na contenção de gastos públicos, aceleraçãodo processo de privatização, controle de demanda atravésdo aumento de juros e abertura às exportações, o que pro-vocaria a queda de preços internos. Em termos de médioe longo prazos, o Plano aponta no sentido da continuidadedo movimento de abertura económica do País e de açõesvisando o apoio à modernização das empresas nacionais.

Durante a gestão de Itamar, como já ocorrera antes,mais uma vez o Congresso polarÍ2a as atenções nacionais.Desta feita por realizar a CPI do Orçamento, em função dedenúncias de irregularidades na elaboração do Orçamentoda União. A participação de parlamentares, ministros e altosfuncionários governamentais na manipulação de verbas or-çamentarias é confirmada. O esquema envolve desvio siste-mático de recursos que engordam o bolso de uma amplagama de apadrinhados políticos, desde empreiteiras a enti-dades filantrópicas fantasmas. A despeito dos resultados dasinvestigações a credibilidade do presidente- n;io c alterada eItamar deixa o governo com índice de popularidade bas tan-te elevado. Não surpreende, pois, que sui candidato à ptvsidência, senador e ministro da hi/cnda, I v m a i u l o l IcnriqueCardoso, seja o vencedor das eleições | > < > i ampla margemde votos. Estava por começar ;i "cia \'\ "'.

• Fernando Henriquo Cardoso - umprojeto, dois mandatos

Diferentemente dos d e i n j i - , presidentes do pefíodo,Fernando Henrique Cardoso ( T l H ) e o único a UT dois

153

Page 14: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

mSofia Lerche Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias

mandatos (01/01/1995 a 31/12/1998 e 01/01/1999 a31/12/2002). Nas duas disputas das quais participa (1994e 1998), é eleito no primeiro turno, o que significa dizerque em ambas obtêm mais de 50% dos votos válidos.Tanto em uma como em outra eleição, seu principal con-corrente é Luiz Inácio "Lula" da Silva, do Partido dosTrabalhadores.

Nas eleições de 1994, é apoiado pelo PSDB, seu par-tido, e pelo Partido da Frente Liberal (PFL). Seu grandetrunfo é ter promovido a derrota da inflação através doPlano Real. Como proposta, pretende dar

"... continuidade à política económica inaugurada na décadade noventa, mantendo a abertura às exportações, o progra-ma de privati^ação de grandes empresas estatais e outrasiniciativas, visando à inserção do país no contexto de umaeconomia globalizada" (Vieira, 2000, p. 171).

Para implementar tais objetivos, o programa de cam-panha de FHC de 1994 é centrado em 5 metasprioritárias simbolizadas nos dedos de uma mãoespalmada — agricultura, educação, emprego, saúde esegurança — e 3 setores complementares — habitação,saneamento e turismo. Também prevê uma reforma doEstado, que contempla quatro aspectos: a reforma ad-ministrativa, a reforma fiscal, a reforma da previdênciasocial e a privatização (Cardoso, 1994).

A segunda proposta de campanha de FernandoHenrique Cardoso é apresentada no documento AvançaBrasil (1998). Seu programa de governo explicita

"como principal objetivo a inclusão dos excluídos, quer comoconsequência do crescimento económico, quer como utopiadeliberadamente assumida pela sociedade, e possível de serrealizada no futuro próximo" (p. 11).

Para tanto, aponta como diretrizes básicas: avançarpara promover o crescimento económico sustentado, a

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

geração de empregos e de oportunidades de rnula; .\\.\\\r para eliminar a fome, combater a pobrc/a c a c x < In

são social, melhorar a distribuição de renda; avançar paraconsolidar e aprofundar a democracia, promover < > s < l ireitos humanos. A educação está contemplada nas dirctrizes que tratam do conhecimento, qualificação e melhoriado perfil educacional da população (p. 125-139) e dauniversalização do alcance e melhoria da qualidade dosserviços sociais básicos (p. 148-157).

Fernando Henrique Cardoso dedica boa parte da faseinicial de sua gestão a um esforço de ampliar a base par-lamentar do governo, visando a aprovação das reformasconstitucionais que prometera durante a campanha presi-dencial. Estas, tidas como essenciais para a modernizaçãodo País e para a retomada do desenvolvimento econó-mico, envolvem a quebra dos monopólios estatais (tele-comunicações e petróleo) e a mudança do conceito deempresa nacional. Alterações são promovidas tambémnas regras de funcionamento da Previdência Social e doEstatuto do Funcionalismo Público. Uma série de con-quistas da "Constituição Cidadã" são eliminadas atravésde Emendas Constitucionais. Conflitos de interesses enegociações políticas impedem, todavia, um avanço sig-nificativo da agenda das reformas. O governo fica a de-ver a reforma política, financeira e tributária, responsabi-lizando o Congresso por tal situação.

Enquanto as negociações políticas internas caminhama passos lentos, nas relações externas , Fernando l IcnriqucCardoso projeta a imai>,cin do presidente i -s iadis la . l l á l i i lno trato diplomático, cs ia pairei- si-r a aira o iu l i - ogovernante está mais à vontade. Si sua adminis t ração t rã/o mérito da estabili/ação monetária , o quadro recessivo ca persistência das profundas desigualdade! sociais a n u - açam o equilíbrio da "i-ra H K ,". Aproximando se <> l i n a ldo governo, surgem as p i i m c n a s avaliações que M própõem a proceder um balanço do período. A dependei

154 155

Page 15: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Só f n l i-rclir Vieira e Isabel Maria Sob/no de Forras

da coloração política dos diferentes intérpretes as apreci-ações podem ser mais ou menos pródigas. Como no casode todos os outros governos brevemente consideradosno presente ensaio, também aqui se pode perceber a com-plexa tessitura entre acertos, erros e omissões.

O estudo sobre Globalização e desemprego: breve balançoda inserção brasileira, realizado pelo economista MárcioPochmann, secretário do Desenvolvimento, Trabalho eSolidariedade da Prefeitura de São Paulo, revela que oBrasil tem hoje a segunda maior população de desem-pregados no mundo (11,454 milhões de pessoas), per-dendo apenas para a índia. Em 1980, tinha 1,7% do de-semprego mundial, passando para 7%, em 2000 (JornalTribuna da Imprensa, 29/05/2002).

Livro do mesmo autor, em parceria com o jornalistaAltamiro Borges, denuncia a política implementada no go-verno Fernando Henrique Cardoso, através de uma estraté-gia de flexibilização da economia e de desmonte da legisla-ção, deixando como herança o aumento do desemprego eda informalidade nos últimos oito anos, além de um enor-me atraso nas relações de trabalho (Pochmann, Borges, 2002).

Outra apreciação do período é o volumoso: A eraFHC: um balanço (Lamounier e Figueiredo, 2002), onde,em mais de 600 páginas, académicos e jornalistas se pro-põem a "analisar, de forma isenta e crítica", o desempe-nho da administração FHC entre 1995 e 2001. Organiza-do por dois cientistas políticos, Rubens Figueiredo eBolívar Lamounier, este trabalho envolve um amplo con-junto de temas: política macroeconômica e ajuste fiscal;agricultura e reforma agrária; telecomunicações; política ecomércio exterior; direitos humanos e violência; defesanacional; e, educação, dentre outros.

Em matéria sobre a obra, denominada 'Para quan-do outubro chegar', um comentário resume o desafio deestudar este governo:

156

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

"Quando o então ministro da Fazenda, l miando l luim/iteCardoso, assumiu o cargo, em 1993, o firasil ririu inndsuperinflação de 27% a 30% ao mês, a economia estava em

frangalhos, a moeda era instável, o Pais tentava recuperar acredibilidade internacional há muito perdida e se classificavano grupo de países de médio desenvolvimento humano. Eleitopresidente e sustentando-se no poder por oito anos, em doismandatos, FHC comandou uma intensa transformação que,a despeito de crises cíclicas, reduziu a inflação, estabilizou amoeda, estabeleceu as bases da chamada disciplina fiscal efe%aumentar consideravelmente o consumo.

No entanto, o Brasil ainda se encontra no grupo de países demédio desenvolvimento humano e não tem perspectivas de sair delã tão cedo. Continua apresentando uma realidade contrastanteque o situa como a segunda pior distribuição de renda, perdendoa desonrosa liderança para Serra l^eoa. Não reduziu significa-tivamente o número de pobres e miseráveis. Apesar da disciplina

fiscal, não dispõe ainda de um modelo sustentável, criando umadesconfortável trajetória de crescimento da dívida pública brasi-leira. O brasil teve de passar ainda pela mais grave crise deemprego da história. O mesmo ocorreu na segurança pública".(http://www. justibutario.com.br/para_quando_outubro_chegar.htm).

Se a análise desses estudiosos não chega a oferecer umveredicto definitivo sobre a "era FHC", quando outubrode 2002 chegou, nas urnas, o povo ofereceu seu voto aocandidato Luiz Inácio "Lula" da Silva, eleito Presidente daRepública. Concorrendo pela quarta vex, derrota <> candi-dato do governo, José Serra. < ) tempo, por certo, há defazer o correio balanço deste contraditório e complexoBrasil do período Fernando l (enrique Cardoso.

7.2. Política educacional no Brasil - daindefinição à explicitacão

A investigação solirr .1 po lu í ra r c l m .u K > n . i l uo I I I U T -

valo compreendido r i i l i v I ' ' K S c . ' . (MIO tvqi i iT um rslorro

157

Page 16: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

'.,i/i.i (n, In- Vini u e Isabel Maria Sob/no de Farias Política Educacional no Brasil: introdução histórica

de síntese, ordenação e análise que ultrapassa um trabalhocomo o ora apresentado3. O presente tópico, portanto,não pretende discutir de forma exaustiva o tema, mas,antes, oferecer alguns subsídios para situar o leitor em umdebate de maior amplitude e complexidade.

Em primeiro lugar, vale realçar que aqui são tratados cin-co governos distintos, embora no transcurso do mandato dequatro presidentes (Sarney, Collor, Itamar e FHQ. Conside-rando as especificidades de cada um deles, é oportuno destacá-los em separado, muito embora se dispense maior ênfase aoperíodo pós-96, quando se põem em marcha as reformaseducacionais que vão caracterizar o restante do período.

Registrados estes aspectos, é importante notar que não sepode identificar uma continuidade entre as agendas de políticados três primeiros governos e aquelas dos dois últimos atéporque, estes são realizados sob a gestão de um mesmo pre-sidente. Entretanto, os "tempos de transição" preparam o ter-reno para a "explicitacão" que vai ocorrer com as reformasimplementadas a partir de 1996 (Vieira, 2000). Cientes de taispeculiaridades, é oportuno passar a um breve exame da edu-cação brasileira no momento histórico em foco.

• José Sarney - indefinição de rumos

A política educacional do primeiro dos governos pós-regime militar apresenta as ambiguidades assinaladas noinício do capítulo. Há uma busca de caminhos, uma au-sência de clareza no que se refere a políticas e planos(Kuenzer, 1990, p. 61; Cunha, 1991, p. 268), daí esta ges-tão ser caracterizada como de "indefinição de rumos".Não se percebe ainda um novo projeto, capaz de res-ponder aos "tempos de transição" e às demandas de edu-cação que nele se colocam.

1 Hste trabalho foi iniciado com a pesquisa Política Kducaàonal emTempos de Transição (Vieira, 2000), que trata do período 1985-I (W5, utilizado aqui como referência para a elaboração deste tópico.

No âmbito do esclarecimento das intenções, as pri-meiras alternativas são indicadas no documento liducaçãopara Todos: caminhos para mudança (Brasil, 1985a). Em sintoniacom os anseios de participação vividos nesse momento,enseja-se também um planejamento compartilhado comdiferentes segmentos do sistema. Estados, municípios eescolas são envolvidos no Dia Nacional de Debate sobre aEducação, mais conhecido como o Dia D da Educação

(Brasil, 1985b).

A leitura de tais documentos revela uma preocupaçãoexplícita com a universalização da educação básica. Ao mes-mo tempo, embora os textos realizem "um amplo inventá-rio dos históricos problemas da educação", a concepção de"alternativas inovadoras à sua superação" não chega a apre-sentar-se como uma prioridade (Vieira, 2000, p. 55).

Para além dos planos, ou a sua ausência, no âmbitodo governo federal, as atenções convergem para a elabo-ração do capítulo da educação na nova Constituição. Anova Carta Magna mobiliza os educadores desde 1986,quando o tema começa a ser discutido nos principaisfóruns da área. Com a instalação da ANC, o espaço pri-vilegiado deste debate passa a ser o Congresso, com seuslimites, contradições e esperanças6.

A Constituição de 1988 apresenta o mais longo capí-tulo sobre a educação de todas as constituições brasilei-ras. Dez artigos específicos (Art. 205 a 214) detalham amatéria, que também figura cm quatro outros artigos dotexto constitucional (Art. 22, XXIV; 23, V; 30, VI; e Art.60 e 61 das Disposições Transitórias)7.

6 Para uma reflexão sobre a cckic;n,';ii > n.i ( '.< n i s i i i u i i i i c : Vieira ( I ' ) K H ) ,Garrido e Gomes (l 987); Pin lu- i to , M.» i. l ( • . . • ! . ) ; < • , ( l unk i ( l ' > ' > ! ,p. 427-444).

"" Para aprofundar a análise sobre .1 < < l u < .H,.I, > 11.1 ( : ( i i i s i i i u i < ; : ' i < xlr l 'WH,ver: Cunha ( 1 < W l , p./l/l/l 4ÍVS). ( , m l i - r i r , i ;mil .nn: ( l u r v (.'.l K M l, p.19-30) e Oliveira, A.lrun (2001).

!58 159

Page 17: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofio / erc/ic Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias

Embora quando de sua aprovação os organismosrepresentativos dos educadores tenham reconhecido pou-cos avanços no texto promulgado, este assegura algumasconquistas significativas defendidas pela categoria, taiscomo: a consagração da educação como direito públicosubjetivo (Art. 208 § 1.°); o princípio da gestão democrá-tica do ensino público (Art. 206, VI); o dever do Estadoem prover creche e pré-escola às crianças de O a 6 anosde idade (Art. 208, IV); a oferta de ensino noturno regu-lar (Art. 208, VI); o ensino fundamental obrigatório e gra-tuito inclusive para os que a ele não tiveram acesso emidade própria (Art. 208, I); o atendimento educacionalespecializado aos portadores de deficiências (Art. 208, III).

Antes mesmo da Constituição ser promulgada, em05 de outubro de 1988, começa o debate em torno danova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Aomesmo tempo em que as organizações de educadoresdiscutem o tema, dá entrada na Câmara dos Deputadoso primeiro projeto de LDB (Projeto n° 1258/88), deautoria do deputado Octávio Elísio8. Como este proces-so só se conclui em 1996, deixaremos para detalhá-lo aotratarmos do governo Fernando Henrique Cardoso. Fica,porém, o registro de que já neste momento, há intensamobilização em torno de um novo estatuto para a edu-cação brasileira.

A administração educacional no período 1985-1990assim pode ser resumida:

"Clientelismo, tutela e assistenáalismo foram os três vetaresda administração educadonal da Nova República, que nesseaspecto só se distinguiu dos governos militares por juntar-lhesuma bombástica retórica ("Tudo pelo social") e pela prática

* Para um aprofundamento do processo de tramitação da primeira fasedo projeto de LDB na Câmara (1988-1990), conferir: Vieira (1990,p. 99-102).

160

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

da cooptaçào dos dissidentes, bem minit jiclii fircin •///></(>/» ijwnãopouparna troca de "benefícios " gmriiiinimtiiis '/w <//>«/«político" (Cunha, 1991, p. 266).

Na mesma linha, pode-se acrescentar que:

"Com certeza, na área de formulação de políticas educacio-nais nada se inovou no período de transição em relação aosprocessos que caracterizaram tanto o período populista quantoo autoritário. Conseguiu-se pelo contrário, e não por acaso,uma interessante mescla de populismo com autoritarismo,através de um processo que, ao pretender ser democráticocontrapondo-se à centralização, terminou por caracterizar-se pela ausência de direção e pela fragmentação (...) Destaforma, de uma fase tecnocrática de formulação de Planos,

, passou-se à pulverização dos recursos travestida de descen-tralização" (Kuenzer, 1990, p. 56 e 57).

Esses comentários confirmam a observação feita noinício deste item, quando justificou-se o uso da expressão"indefinição de rumos" para caracterizar o governoSarney em matéria de educação. A situação não sofre al-teração significativa no governo seguinte, quando as 'pro-messas' tendem a extrapolar em larga medida, os 'feitos'.

• Fernando Collor de Mello - a educaçãocomo espetáculo

Quando Collor assume a Presidência da República, oimpacto das medidas económicas é de tal ordem que a preo-cupação em formular uma política educacional é relegada asegundo plano. Nos primeiros meses desta gestão rcgistra-scuma mobilização das sociedades científicas e das entidadesorganizadas dos educadores contra ;\o de ofícios queestão na mira do processo de enxugamento do Estado,deflagrado pelo govcnu >. Km l i n u/ao dc-.tc trabalho, t an to aFundação Coordenação de Aperfeiçoamento de IVsso.il deNível Superior (CAPKS) < omo < i I n s t i t u t o Nacional de Kstudos e Pesquisas Educacionais (INEP) acabam por escapar a

161

Page 18: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

'.,1/1,1 / Vu-itti c Isabel Maria Sob/no de Farias Política Educacional no Brasil: introdução histórica

tesoura que se instala nos gabinetes dos mandatários danova administração, sendo mantidos como órgãos inte-grantes da burocracia estatal.

Gestos de efeito marcam este momento inicial: livrosdidáticos do governo anterior são descobertos a cami-nho de processo de incineração, fato que recebe ampladivulgação na mídia. Iniciativas de coibir o aumento demensalidades de instituições particulares de ensino tam-bém repercutem na imprensa falada e escrita, colocandopais e proprietários em pé de guerra.

Enquanto segue o espetáculo, são concebidos proje-tos a serem desenvolvidos — iniciativas de grande impac-to, naturalmente. As intenções em matéria de educação sematerializam no Programa Nacional de Alfabetização eCidadania (PNAC), divulgado em setembro de 1990.Quando o Programa é lançado, a imprensa e os educa-dores o acolhem com ceticismo. Em reportagem especi-al sobre os seis primeiros meses dessa gestão, o jornal doBrasil apresenta a seguinte manchete: 'Educação é um dospontos fracos do governo', observando que:

'Ao escolher Carlos Chiarellipara o Ministério da Educa-ção, num lance que claramente resvalava para a improvisa-ção, o presidente revelou que não tinha nem o nome, nem asideias, para atacar um problema igualmente cruáalpara oPaís. Apesar do trombeteado Programa de Alfabetização eCidadania (...) a Educação é o calcanhar-de-aquiles dessegoverno" (jornaldo Brasil, 16/9/90, p. 26)".

Depoimentos de especialistas confirmam a aprecia-ção do periódico:

"A. tónica dos primeiros 180 dias do governo Collorfoi adigladiação entre os donos de escolas privadas í o MEC.

" Carlos Chiarelli, Ministro da Educação de 15/03/1990 a 21/08/91,senador pelo Rio Grande do Sul (PFL) seria substituído no cargoI-K >r José Goldenberg (22/08/91 a 04/08/92).

162

Não sefe^ nada pela escola pública, que não recebe recursos,ao mesmo tempo em que a escola particular está cada i'e%mais desincentivada a continuar funcionando... (MiguelArroyo — Universidade Federal de Minas Gerais).

O MEC criou a pedagogia da Sunab, cuidando do preçodas escolas particulares, quando tem que cuidar das escolaspúblicas (...) E preciso definir prioridades, mostrar o cami-nho, preparar uma política de educação. Nada disso estásendo feito. Dar autonomia a estados e municípios é umaloucura. Num município onde 90% das pessoas forem analfa-betas, nada vai ser feito (Sérgio Costa Ribeiro — Labo-ratório Nacional de Computação Científica).

Há uma jogada de marketing e não uma política definida eséria para soluáonar os graves problemas da educação. Nãovi propostas concretas do MEC para se melhorar a redepública de 1.° e 2.°graus. Além disso, o governo estásucateando a universidade, com a exigência de redução donúmero de professores e funcionários (José Arapiraca -Universidade Federal da Bahia" (Id. ibid).

Como se vê, há um consenso em torno da crítica àsações do governo em matéria de política educacional.Assim, o PNAC vem preencher um vazio até aquelemomento não ocupado em termos de definições. Estenão se apresenta tão-somente como um programa dealfabetização. Seu conteúdo envolve praticamente todasas áreas de atuação do Ministério, exceto o ensino superi-or. Na verdade, este é o documento orientador da políti-ca educacional do governo que se inicia, estando inteira-mente voltado para a perspectiva do cumprimento dospreceitos constitucionais cie universalização do ensino fun-damental e de eliminação do analfabetismo.

No final do a n < > , ó divulgado o Programa Setorial deAção do Governo Col/iir iiii Área de Educação 1991-1995 (Bra-sil, 1990), que tvtonu <.• detalha as ideias trabalhadas noPNAC. A essas al turas , porém, a perda de credibilidade

163

Page 19: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofio i rrr/ir Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias

do grupo alagoano já se instalara, passando o texto prati-camente despercebido.

Em fevereiro de 1991, é lançado o documento Bra-sil: um projeto de reconstrução nacional (Brasil, 1991), quedeveria ser o principal instrumento de governo. Como tempo de Collor em vias de esgotamento, contudo,o Estado espetáculo começa a fazer água. A educação,como as demais áreas, torna-se refém do clima de sus-peitas que se instala em torno da administração no po-der. Os fatos políticos determinariam seu afastamentoda Presidência da República. Antes mesmo de conclu-ído o processo de impeachment, Itamar Franco assu-me o cargo. No campo da educação a troca não éapenas de titulares, caracterizando-se a nova adminis-tração por alguns elementos que a diferenciam da ges-tão anterior.

• Itamar Franco - tentativa de retomada

Sob a presidência de Itamar Franco, ocorre "tentati-va de retomada" da definição da política educacional. Talintenção se materializa, sobretudo, através de um signifi-cativo processo de mobilização nacional, que tem doismomentos chaves. O primeiro, inicia-se com os debatesvisando à elaboração do Plano Decenal de Educação paraTodos (Brasil, 1993a), o qual desdobra-se em planosdecenais de educação elaborados por Estados e Municí-pios. O segundo, expressa-se na realização da ConferênciaNacional de Educação para Todos (Brasil, 1994), oportunida-de em que é debatida uma ampla agenda de temas colo-cada a partir do processo anterior. Esses encaminhamen-tos revelam uma sintonia do País com a agenda de orga-nismos internacionais.

A mobilização ensejada através dos eventos de 1993c 1994 não se configura como um planejamento em sen-tido estrito. Trata-se, antes de mais nada, de um estilo de

164

OE EDUCACÀíPolítica Educacional no BrasTT: introdução histórica

gestão, onde se busca ouvir a sociedade c aponta r un ihorizonte futuro para a educação brasileira. A<> lado di-tais ações, o governo se empenha também em elaborarinstrumentos tradicionais do planejamento. Nesta pc-rspectiva, primeiro é concebido o planejamento global,depois o setorial.

O documento geral de planejamento do governoItamar, denominado Diretri^es de Ação Governamental (Bra-sil, 1993b) é divulgado em janeiro de 1993. O documen-to setorial para a educação, Linhas Programáticas da Edu-cação Brasileira — 1993/94, é de agosto do mesmo ano(Brasil, 1993c).

Outros elementos para uma análise dos objetivos dessaadministração podem ser buscados no texto Educação noBrasil: situação e perspectivas (Brasil, 1993d). Embora estedocumento não se constitua em um instrumento formalde planejamento setorial, expressa com clareza as diretri-zes do momento: o Programa de Atenção Integral à Cri-ança c ao Adolescente (PRONAICA) e a Descentraliza-ção. O lema é 'Educação para Cidadania' e a meta: BoaEscola para Todos. Como 'políticas básicas', o Ministériopropõe sete grandes linhas de ação: Universalizar comqualidade; A pedagogia da atenção integral; Desenvolvi-mento da educação tecnológica; Extensão da escolarida-de no segundo grau; Qualidade para a graduação; Con-solidação da pós-graduação; e, Prevenção contra os ris-cos da modernidade.

Ainda que com Itamar se identifique uma "tentati-va de retomada" dos rumos da política educacionalno âmbito federal, como se verá adiante, é no gover-no seguinte que este movimento vai se explicitar. Pro-cedendo a um balanço desla gestão, há um saldo posi-tivo no sentido do deba te i |iic se promove a pre textodos eventos em ton to do 1'lano Deeenal e da Conterência Nacional. A c n n i n h i se uma r e l l e x a o para o tiro

165

Page 20: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

i Im/ir Vieira e Isabel Maria Sabino de Farias

ximo governo. Quando este assume, porém, não reve-la disposição para incorporar as contribuições da ad-ministração antecedente.

• Fernando Henrique Cardoso - explici-tação de rumos

Após uma certa nebulosidade inicial (Vieira, 1995), ogoverno Fernando Henrique Cardoso aos poucos tornaclaro seu projeto para a educação. As primeiras ideias arespeito do tema estão expressas já no documento decampanha Mãos à obra (Cardoso, 1994) onde, como seviu, a educação figura como uma das cinco prioridadesde governo. Em 1995 é elaborado o documento Planeja-mento polítim-estmtégico - 1995/1998 (Brasil, 1995), onde háum primeiro anúncio do que viria a ser a política educaci-onal do período.

É somente em 1996, contudo, que se pode falar deuma efetiva "explicitação de rumos" da política educaci-onal. Diferentemente das gestões anteriores, neste gover-no não há um documento geral ou setorial para anunciaras ações a serem desenvolvidas, mas um amplo conjuntode medidas que vão sendo deflagradas, tanto no âmbitodo Executivo como do Legislativo, referendando o pro-jeto governamental. Tais iniciativas, responsáveis por alte-rações significativas na fisionomia do sistema educacionalbrasileiro, ocorrem numa sequência.

Em primeiro lugar, o governo faz aprovar no Con-gresso a Emenda Constitucional n° 14, de 12 de setembrode 1996, modificando artigos do capítulo da educação daConstituição Federal e dando nova redação ao Art. 60 doAto das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).As alterações visam: permitir a intervenção da União nosEstados, caso estes não apliquem o valor mínimo exigidopor lei (Art. 34); rever o dever do Estado na oferta deensino fundamental para os que a ele não tiveram acesso

166

Política Educacional no Brasil: introdução histórica

em idade própria e de ensino médio (Art. 208); definir asresponsabilidades das diferentes esferas do Poder Públicoem relação à oferta de ensino (Art. 211); detalhar os recur-sos aplicados pela União na erradicação do analfabetismoe na manutenção do ensino fundamental (Art. 212); e, pre-ver a criação de fundo de natureza contábil para a manu-tenção e desenvolvimento do ensino fundamental e valori-zação de seu magistério (ADCT, Art. 60).

Poucos meses depois, são aprovados dois outros ins-trumentos de reforma: a Lei n° 9.394, de 20 de dezem-bro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Edu-cação Nacional (LDB) e a Lei n° 9.424, de 24 de dezem-bro de 1996, que dispõe sobre o Fundo de Manutençãoe Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valori-zação do Magistério (FUNDEF).

A LDB de 1996 é a primeira lei geral da educaçãopromulgada desde 1961. Trata-se de um texto de 92 arti-gos, que apresenta os princípios, fins, direitos e deveres(Art. 1° a 7°); dispositivos sobre a organização da educa-ção nacional, aí incluindo as incumbências das diferentesesferas do Poder Público (Art. 8° a 20); níveis e modali-dades de ensino — Educação Básica (Educação Infantil,Ensino Fundamental e Ensino Médio) e Educação Supe-rior, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos eEducação Profissional (Art. 21 a 60); Profissionais daEducação (Art. 61 a 67); Recursos Financeiros (Art. 68 a77); Disposições Gerais (Art. 78 a 86); e, Disposições Tran-sitórias (Art. 87 a 92)'".

O FUNDEF é um fundo de natureza contábil comvigência de dez anos, instituído ;i pa r t i r de 1()()8. Ti-m porobjetivo vincular 60% dos nrursos di- dfspi-s;is o>m

'" Para aprofundar a tvllrx:ic > •,< > l m i > U - M I . I , v r i : S.i vi.mi ( l ' 1 ' l ' ) ; ( J i r v

(1997); Goo^ (l 99^;Cuty (2000), Vidae Albuquerque (2002b),dentre outros.

167

Page 21: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

Sofln / rrflw Vieira e Isabel Maria Sob/no de Farias

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) ex-clusivamente para o ensino fundamental e o pagamentode seus professores. Congrega 15% de quatro impostos:o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação deMercadorias e sobre Prestação de Serviços de TransporteInterestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS),Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Par-ticipação dos Municípios (FPM) c Imposto sobre Produ-tos Industrializados — Exportação (IPI exp.) do Estado ede seus municípios, procedendo-se depois a um rateio dosrecursos conforme o número de alunos por rede (Consti-tuição Federal, ADCT - Art. 60,§ 1° e 2°)".

A legislação de 1996 tem ampla repercussão sobre osistema escolar. Com tais instrumentos em mãos, o go-verno federal assume a definição da política educacionalcomo tarefa de sua competência, descentralizando suaexecução para os Estados e municípios. O controle dosistema escolar passa a ser exercido através de uma polí-tica de avaliação para todos os níveis de ensino. O Siste-ma Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB),criado em 1990, é ampliado e fortalecido. São tambémimplementados dois outros sistemas. Em 1996, é realiza-do pela primeira vez o Exame Nacional de Cursos(Provão), avaliação feita com os formandos dos cursosde graduação da educação superior. Em 2002 o Provãoavaliou estudantes de 24 cursos. O Exame Nacional deEnsino Médio (ENEM), vem sendo aplicado desde 1998junto a alunos do ensino médio, com o objetivo de medirseus conhecimentos e oferecer uma estratégia de avalia-ção alternativa ao vestibular.

Ao lado dessas medidas, é desencadeada uma amplareforma curricular no ensino fundamental, através da pro-posição de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).

1 Conferir: Monlevade, Ferreira (l 997); Brasil (l 999); c, Martins (1999).

168

Política hfluc. n.il tu i Id.iMl I,M,...I,, . . . , . . i,,..

Estes têm por finalidade: pnipin . i t .«<•• M ' . I I m i .1no, particularmente aos professou •,. - . n l i n I n . c . l dcão e/ou reelaboração do currículo. M ' . . u n i u i <•<» n ncão do projeto pedagógico, em hn i ( , :n> > l . i ( h l . n l mi i . l . .aluno (Brasil, 1998).

Integram um conjunto de publicações p;u-.i l " .1 - l " seriem5a à 8a séries, nas diferentes áreas de conteúdo (l J I I J M U l '< n n iguesa; Matemática; Ciências Naturais; Geografia; l listória; A i u .Educação Física; e, Língua Estrangeira), assim como 'temastransversais' (Ética; Meio Ambiente; Saúde; Pluralidade ( À i l l ural; Orientação Sexual; e, Trabalho e Consumo).

Sob a gestão de Fernando Henrique Cardoso algunsprogramas federais permanentes são fortalecidos, consolidados e ampliados, como o Programa Nacional deAlimentação Escolar (PNAE) e o Programa Nacional doLivro Didático (PNLD). Outras ações deflagradas :\rtir de 1995 são: o Programa Dinheiro Direto na l ;,srol;i;o Programa TV Escola; o Programa Nacional de In lo rmática na Educação (PROINFO); e o Programa de l '< > imação de Professores em Exercício (PROFC )RM A(,:A( )).

Conforme observado em estudo anterior:

"A definição e encaminhamento desse conjunto de ini<i,itn;i\ nova orientação governamental puni ii agfltdâ <l,i

política educacional brasileira, explicitando r/.ww <>\promissos assumidos junto à agenda internacionalpMHtOVtda pelo Banco Mundial ao longo da déciiihi de / ' 'WiYn \\.\,Albuquerque, 2002b, p. 32-33)''.

As reformas da década de 90 explidiam .1 l n r . « .1 | " > iuma política de qualidade. Nem todos os M - I I - . < > l i | i n \ • • . .todavia, têm surtido os resultados cspu.nl i> ' . . u n i u . u n i udistância entre o proclamado e o rcali/adu:

12 Para a aprofundar o impacto cl;is ;i | .< n. l . r . mi . i u • . I n . .educação Brasileira,conferir: Vu n . i . . \ l l . n . | M , i . | . i . i 'm ' n

Page 22: Parte 2-Politica Educacuinol Do Brasil Do 4 Ao 7 Cap

i l rn In' Vicnn c Isabel Maria Sob/no de Farias Política Educacional no Brasil: introdução histórica

"...em final de 2000, ao anunciaras resultados do SAEB-

99, o MEC expõe para o País uma realidade pouco anima-

dora da situação educacional brasileira. Em grande número

de estados brasileiros, o desempenho dos estudantes em testes

de habilidades em Português e Matemática foi inferior ao

biénio anterior" (Ibidem, p. 110).

O governo federal atribui tal situação a reformas es-truturais desencadeadas no âmbito dos sistemas de ensi-no (Id. Ibid.). E verdade que o SAEB é apenas um instru-mento de medida, não sendo possível generalizar para oPaís dados que são de uma amostra. O fato de a escolanão absorver reformas que têm sido não apenas estimu-ladas, como fortemente induzidas pelo governo federalé, porém, um elemento a ser aprofundado.

Indicadores sobre a expansão da oferta, por outrolado, sinalizam avanços significativos. "De 1991 a 1998 ataxa de escolarização líquida da população de 7 a 14 anossaltou de 86% para 95,3%" (Brasil, 2000, p. 5). Com issoo Brasil antecipa uma das metas expressas no PlanoDecenal de Educação para Todos, a qual projetava umacobertura de 94% até 2003 para a população em idadeescolar. Este índice é bastante animador considerando,sobretudo, a indicação de que "além de ter mais jovensconcluindo o ensino fundamental, é crescente o númerodaqueles que chegam ao final com menos idade, em con-dições, portanto, de continuar os estudos" (p. 6).

Tal crescimento é ainda mais visível no ensino médio,que registra uma evolução percentual de 41,2% da matrí-cula no intervalo de 1994 a 1998. Cabe dizer que todoeste movimento ascendente da oferta educacional brasi-leira acontece conforme preconiza a atual LDB, que for-talece o processo de municipalização do ensino funda-mental e "estadualização" do ensino médio.

É oportuno ainda mencionar um elemento de políti-ca educacional até aqui não referido: o Plano Nacional de

Educação (PNE). Previsto pela Constituição de 1988 (Art.214), este tem um primeiro ensaio no Plano Decenal deEducação (Brasil, 1993a), elaborado no governo Itamar,com intenção de definir os rumos da educação nacionalno horizonte de 10 anos (1993-2003).

O governo Fernando Henrique Cardoso retoma atarefa de elaboração do PNE na nova LDB (Art. 87, §1°), atribuindo à União a tarefa de nele estabelecer diretri-zes e metas para os dez anos seguintes. Seu encaminha-mento ao Congresso Nacional deveria ocorrer no prazode um ano, a contar da promulgação da Lei n° 9.394/96.Objeto de polémicas entre entidades ligadas a educado-res e o Ministério da Educação, duas diferentes versõesde PNE chegam ao Congresso. Entre marchas,contramarchas, mescladas por acalorado debate, finalmen-te é aprovado pelo Congresso (2000) e sancionado pelopresidente da República (janeiro/2001)11.

Muito haveria ainda por dizer sobre a educação nogoverno de Fernando \e Cardoso — tanto pelamultiplicidade de açõcs nele desencadeadas, como pelaproximidade temporal com a política educacional destagestão. A uma reflexão de natureza histórica, contudo, cabeponderar sobre o peso do presente em relação ao passa-do, não sendo pert inente o hoje se sobrepor ao ontem.Assim, é pertinente dar por encerrado este breve anúnciodas expectativas «.• reali/ações do período. Novos fatos,por certo, trarão « m i r a s perspectivas de análise14.

13 Importa ny,i-.i i ai « | i u • a S;IM«> > il< > PN l i pelo Presidente cia Repúblicaaconteceu, todavia, « • « > i n velos que incidiram sobre os principaisdispositivi >s, cspci la l incnlc ai|uclcs que se referiam a um iiumeiili >progressivo dos rei ursos para a educação. Para maioresesclarecimento >s s « > l > r e < > PN l''..conferir: Brasil (20(10, p. M -37).

"Recente perspci livadc- l >alaii(,'<> da educação nesses governos p<xlcser conlerida em: ( l a i x c l a (2002, p. 537-568).

170 1 7 1