para entender a obra fé e saber de habermas

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PROJETO: FILOSOFIA EM MOVIMENTO PIBID/UFPR Professora de Filosofia da Rede Pública Estadual do Paraná: Jeanette Soares e Acadêmicos de Filosofia Ana Cláudia Almeida Silveira, Caroline Begnini Dallazen Matheus Scartezini Pedrini e Tiago Paulo dos Santos Paião

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Page 1: Para entender a obra fé e saber de habermas

PROJETO: FILOSOFIA EM MOVIMENTO PIBID/UFPRProfessora de Filosofia da Rede Pública Estadual do Paraná:

Jeanette Soares e Acadêmicos de Filosofia Ana Cláudia Almeida Silveira, Caroline Begnini Dallazen

Matheus Scartezini Pedrini e Tiago Paulo dos Santos Paião

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HABERMAS FÉ E SABER

-A obra Fé e Saber consiste em uma Conferência proferida por Habermas por ocasião do recebimento do Prêmio da Paz concedido pela Associação dos Livreiros da Alemanha no mês de 2001, logo após os atentados de 11 setembro.

-“Se a preocupante situação atual nos tira a possibilidade de escolher o tema, é grande a tentação de, como verdadeiros intelectuais John Waynes, competir para ver quem saca e atira mais rápido.” (Habermas)

Page 3: Para entender a obra fé e saber de habermas

HABERMAS FÉ E SABER

Estrutura da Obra:

-Apresentação

-Secularização na Sociedade Pós-Secular

-Esclarecimento Científico do Senso Comum

-Tradução Cooperativa de Conteúdos Religiosos

-Filosofia e Religião na luta pela herança

-O exemplo da engenharia genética

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HABERMAS E A AUTOCOMPREENSÃO HUMANA

-Um dos acessos à obra Fé e Saber de Habermas é a noção de autocompreensão (imagem que o ser humano tem de si mesmo, como pessoa e como espécie, sentidos, significados) e o papel que, segundo o filósofo, exercem tanto a ciência quanto a religião neste processo de autoentendimento.

-O Heliocentrismo e o Evolucionismo são exemplos de teorias científicas que interferem na autocompreensão, ao dissipar o geocentrismo e o antropocentrismo tão caros ao orgulho humano. Mas, também, podemos incluir aqui a química das substâncias, a fisiologia, as ciências da mente e dos sentimentos e todos aqueles conhecimentos que adentram o corpo e vida humana.

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HABERMAS: O SENSO COMUM ENTRE A CIÊNCIA E A RELIGIÃO

-O senso comum é esclarecido pelas ciências nas sociedades seculares, mas as religiões continuam desempenhando um importante papel.

-A sociedade moderna, científica, secular produz o progresso do conhecimento, porém, produz o “desencantamento”, termo que Habermas empresta de Max Weber.

-As religiões guardam sentidos, significados, conteúdos intuitivos e muitas vezes acreditam precisar se defender do “naturalismo cru” das ciências.

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ETIMOLOGIA DO CONCEITO DE SECULARIZAÇÃO MUITO UTILIZADO POR HABERMAS

-No Cristianismo, a palavra saeculum foi aplicada na Vulgata (São Jerônimo) para traduzir o termo Kósmos numa acepção negativa, como “o momento presente”, “este século”, em oposição à eternidade, ao futuro – reino prometido por Deus.

-Ou seja, o mundo secular é o mundo regido pelo tempo cronológico, não eterno, criado e organizado pelos homens, sem interferência religiosa.

-Um comportamento secular é o oposto de um comportamento eclesiástico direcionado para atividades da Igreja.

Page 7: Para entender a obra fé e saber de habermas

O ADVENTO DA SOCIEDADE SECULAR

● O advento de uma sociedade moderna marcada pela urbanização, industrialização, pelo progresso científico e pelo desenvolvimento do capitalismo, acarreta o enfraquecimento da religião, a qual passa a ocupar um domínio restrito, privado.

● Na sociedade secular, a religião deixa de ser o princípio norteador da vida social: comportamentos e atitudes são guiados por outro valores.

Page 8: Para entender a obra fé e saber de habermas

A SECULARIZAÇÃO COMO PROCESSO HISTÓRICO E COMO DOUTRINA

-A Secularização surge e se difunde no Ocidente a partir dos séc. XVIII e XIX:

-Como processo histórico social, e programa político, surgiu a partir da Rev. Francesa e diz respeito à transferência de bens materiais e culturais da Igreja para a Estado e para a sociedade secular.

-Como doutrina defende que a moralidade, a educação e o Estado não devem basear-se em princípios religiosos (por ex. iluminismo, a doutrina positivista de Comte, etc..).

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TRADUÇÃO COOPERATIVA DE CONTEÚDOS RELIGIOSOS

-A Sociedade Secular já absorveu, se apropriou, traduziu para a linguagem jurídica secular conteúdos importantes das religiões como a noção de igualdade (podemos incluir não matar, não roubar...etc.)

-Nem sempre são percebidos os bens culturais das religiões que foram traduzidas para uma linguagem jurídica secular.

-A apropriação de conteúdos das religiões pela sociedade secular pode ser compreendida como uma forma de profanação.

Page 10: Para entender a obra fé e saber de habermas

O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO

'A palavra "secularização" teve, a princípio, o significado jurídico de uma transferência compulsória dos bens da Igreja para o poder público secular. Esse significado foi transmutado para o surgimento da modernidade cultural e social como um todo. Desde então, apreciações opostas têm sido associadas à "secularização", conforme se coloque em primeiro plano ora a bem sucedida domesticação da autoridade eclesiástica pelo poder mundano, ora o ato de apropriação ilícita.‘(Habermas, Fé e Saber)

Page 11: Para entender a obra fé e saber de habermas

PROFANAÇÃO (OU O PROFANO)

PROFANO, do grego προφαίνω (profaino), que significa trazer para a luz, esclarecer; e do latim profanum (pro = ante; fanum = templo) que significa fora do templo, o que não é (mais) sagrado.

-A profanação e a adaptação do conteúdo teológico tornando-se conteúdos seculares é inevitável, pois ele caminha e se constrói através do tempo, da história dialética. Assim, o conteúdo teológico se adapta conforme o desenvolvimento da consciência humana.

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HABERMAS E A ‘DIALÉTICA INCONCLUSA’-Habermas usa o conceito de “dialética inconclusa” para se referir ao processo de secularização no ocidente. Dialética, do grego dialektiké, arte ou habilidade de conversar.

-Habermas usa o conceito de dialética inconclusa de uma forma muito particular. Em que haveria dois polos e estes são totalmente opostos, porém deveria haver um diálogo entre eles e este diálogo nunca poderia ser concluído, sempre havendo mais possibilidade de conversa. Por isso emprega no substantivo dialética o adjetivo inconclusa em que quer dizer inacabado, incompleto, não finalizado. Cito o autor:

“Há ortodoxias endurecidas tanto no Ocidente como no Oriente Médio e no Extremo Oriente; entre cristãos e judeus, como entre muçulmanos. Quem quer evitar uma guerra de culturas precisa ter em mente a dialética inconclusa do nosso próprio processo ocidental de secularização.” (Habermas, Fé e Saber)

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HABERMAS DEFENDE A COOPERAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO NO INTERIOR DASOCIEDADE SECULAR

-Diante dos avanços da Engenharia Genética que podem alterar a natureza e a autocompreensão humana, Habermas propõe um intenso diálogo e cooperação entre Ciência e Religião, no interior da sociedade secular, vislumbrando a possibilidade de uma contribuição das comunidades religiosas para a reflexão em torno dos avanços científicos.

-Tal interação no entanto, só poderia ocorrer sob a égide de um Estado Laico, único apto a constituir uma “razão pluralizada” e ouvir todas as suas vozes com o mesmo grau de distanciamento/proximidade em relação a todas as tradições. Para tanto, é necessário evitar os extremos, como o Fundamentalismo (a voz de apenas uma religião) ou o Laicismo (apenas a voz das comunidades científicas).

Page 14: Para entender a obra fé e saber de habermas

O ESTADO LAICO: ETIMOLOGIA, USO E SIGNIFICADO

-O termo “laico” tem sua origem etimológica no grego laikós que significa “do povo” em sentido abrangente e universal.

-Quando se fala em Estado laico, existe a ideia de neutralidade sobre questões religiosas. Deve haver liberdade para os cidadãos manifestarem a sua fé religiosa, qualquer que ela seja, sem haver controle ou imposição de uma religião específica.

-Laicidade: Emancipação do Estado da esfera religiosa

Page 15: Para entender a obra fé e saber de habermas

HABERMAS E O FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO

-Os fundamentalistas se posicionam contra a modernização de sua própria religião, não aceitam o diálogo com outras religiões, ou, a existência das mesmas e se opõem ao Estado Laico.

-Os fundamentalistas religiosos acreditam em seu livro sagrado e em seus dogmas como verdade absoluta e indiscutível.

Page 16: Para entender a obra fé e saber de habermas

O DESAFIO: CONVIVÊNCIA ENTRE RELIGIÕES 'A consciência religiosa tem de assimilar o encontro cognitivamente dissonante [visões de mundo divergentes]com outras confissões e religiões. Em segundo lugar, ela tem de adaptar-se à autoridade das ciências, que detêm o monopólio social do saber mundano. Por fim, ela tem de adequar-se às premissas do Estado constitucional, que se fundam em uma moral profana. Sem esse impulso reflexivo, os monoteísmos acabam por desenvolver um potencial destrutivo.'[ por ex. terrorismo]

(Habermas, Fé e Saber)

Page 17: Para entender a obra fé e saber de habermas

HABERMAS E O LAICISMO-Diferentemente do significado de Laico, no sentido de neutralidade do Estado e liberdade para todas as religiões, Habermas cunhou o termo Laicismo o qual adquire um sentido especial em seu pensamento.

-Laicismo, na visão de Habermas, seria um tipo de fundamentalismo do iluminismo em que se busca a exclusão das manifestações religiosas no âmbito da esfera pública. E para o filósofo a desvalorização laicista da religião não seria compatível com o que podemos denominar de igualdade cívica frente às diferenças culturais.

Page 18: Para entender a obra fé e saber de habermas

CONDIÇÕES SECULARES'Tão logo uma questão existencialmente relevante vá para a agenda política, os cidadãos — tanto crentes como não crentes — entram em colisão com suas convicções impregnadas de visões de mundo e, à medida que trabalham as agudas dissonâncias desse conflito público de opiniões, têm a experiência do fato chocante do pluralismo das visões de mundo. Quando aprendem a lidar pacificamente com esse fato na consciência de comunidade política —, eles reconhecem o que significa sua própria falibilidade — sem rasgar, portanto, o laço de uma comunidade política, em uma sociedade pós-secular, as condições seculares da tomada de decisões, estabelecidas pela Constituição.‘ (Habermas, Fé e Saber)

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A SOCIEDADE PÓS-SECULAR NO CONTEXTO DA SOCIEDADE SECULAR

-O Estado democrático não poderia reduzir a polifonia da esfera pública e a diversidade de vozes religiosas, pois privaria a sociedade de recursos importantes à fundamentação do sentido e da identidade.

-A sociedade pós-secular é aquela que se ajusta à sobrevivência de comunidades religiosas em um ambiente cada vez mais secularizante.

-A sociedade secular é uma pré-condição para a existência simultânea da pós-secular. A sociedade pós-secular em Habermas pode ser compreendida como um produto da sociedade secular, não a sua superação na linha do tempo.

Page 20: Para entender a obra fé e saber de habermas

SOBRE A NEUTRALIDADE DO ESTADO

'No conflito entre as pretensões do saber e as pretensões da fé, o Estado, sendo neutro no que diz respeito às visões de mundo, não tem qualquer predisposição a tomar decisões políticas em favor desta ou daquela parte. A razão pluralizada do público constituído pelos cidadãos do Estado só segue uma dinâmica de secularização na medida em que força, no resultado, a um distanciamento igual em relação às tradições‘. (Habermas, Fé e Saber)

Page 21: Para entender a obra fé e saber de habermas

TRADUÇÃO COOPERATIVA DE CONTEÚDOS RELIGIOSOS

- “O direito racional igualitário tem raízes religiosas, raízes naquela revolução do modo de pensar que coincide com a ascensão das grandes religiões mundiais.”

- “Essa legitimação do direito e da política nos termos do direito racional se alimenta de fontes da tradição religiosa há muito tempo profanadas.”

- “O Estado liberal desperta a suspeita de que a secularização ocidental seja uma via de mão única em que a religião será marginalizada.” (Habermas, Fé e Saber)

Page 22: Para entender a obra fé e saber de habermas

TRADUÇÃO COOPERATIVA DE CONTEÚDOS RELIGIOSOS

'Mas a procura por argumentos voltados à aceitabilidade universal só não levará a religião a ser injustamente excluída da esfera pública, e a sociedade secular só não será privada de importantes recursos para a criação de sentido, caso o lado secular se mantenha sensível para a força de articulação das linguagens religiosas. Os limites entre os argumentos seculares e religiosos são inevitavelmente fluidos. Logo, o estabelecimento da fronteira controversa deve ser compreendido como uma tarefa cooperativa em que se exija dos dois lados aceitar também a perspectiva do outro.' (Habermas, Fé e Saber)

Page 23: Para entender a obra fé e saber de habermas

FILOSOFIA E RELIGIÃO EM LUTA PELA HERANÇA

-Habermas analisa a história da filosofia como um processo judicial na qual a herança histórica é compartilhada entre a filosofia e o cristianismo.

-A helenização, a mescla de valores que construiu a tradição do cristianismo, conseguiu, na visão de Habermas, criar uma harmonia simbiótica entre a religião e a filosofia. Porém, Kant as separa novamente.

Page 24: Para entender a obra fé e saber de habermas

HABERMAS: KANT E HEGEL

Para Habermas, Kant entende que mesmo que a fé positiva traga benefícios para a alma de quem a exerce, ela ainda acabaria se tornando “uma amarra”, pois seu misticismo ainda é intrínseco à ela enquanto Hegel o contrapõe dizendo que ao invés de Kant usar a razão como um meio para chegar na verdade, ele a utiliza como uma razão que é por si só a verdade.

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HABERMAS X HEGEL

-Segundo Habermas, o pensamento de Hegel utiliza somente o conteúdo positivo do cristianismo para compor sua filosofia. “O tornar-se homem de Deus simboliza a vida do espírito filosófico”.

-Em Hegel transforma-se o conteúdo estritamente religioso em conceitos filosóficos. Por outro lado, Hegel acaba se limitando em conceitos filosóficos e não abrange a historicidade da religião cristã.

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A UTILIDADE DO PROFANO

-Os discípulos de Hegel (Marx, Adorno, Benjamin etc.) não querem superar a religião somente através de conceitos, e sim aplicar os conteúdos já profanados por meio da solidariedade na realidade política.

-A razão profana sabe que a profanação do sagrado começa na saída da caverna de Platão, mas ela pode muito bem guardar distância da religião sem se fechar para as suas perspectivas.