para compreender saussure castelar de carvalho

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  • - 1 -

    ParaCompreenderSAUSSURE

    CASTELAR DE CARVALHO

    2 EDIO

  • - 2 -APRESENTAO

    Os estudos saussurianos continuam na ordem do dia. Pode-se at dizer que o livro pstumo de 1916, oto famoso Cours de Linguistica que Gnrale, com o correr do tempo, renova a sua atualidade. O surto domovimento estruturalista data, por exemplo, da dcada de 30 retardado, seno interrompido pelo desencadear-se da Segunda Grande Guerra e, no entanto, as suas bases tericas j estavam solidamente fincadas com osensinamentos do mestre genebrino. Do Cours dever-se- falar como de uma obra aberta, tais as perspectivasque oferece a quem costuma rel-lo com viso reflexiva. Facilmente ento se imagina que outros caminhosiriam srgir e que se poderiam aprofundar os antigos, depois que, s pginas lcida e escrupulosamenteredigidas por Bally e Sechehaye, foram acrescentados novos materiais da lavra do prprio Saussure.

    Tal o que se deu em 1957, quando Godel publicou as Sources Manuscrites du Cours de LinguistiqueGnrale. No creio que se possa afirmar que se tenha iniciado ento um processo revisionista da doutrinadelineada no Cours; mas, sem dvida, os manuscritos contriburam para aclarar certos aspectos do pensamentolingustico de Saussure, insuficientemente ou obscuramente expostos nesse grande livro, Tambm os CahiersFerdinand de Saussure tm trazido novos elementos para melhor compreenso da lingustica saussuriana, comose deu om as Notas Inditas, publicadas pelo mesmo Godel, ou com as cartas de Saussure a Meillet, tomadasconhecidas por interveno de Benveniste.

    Em 1967, aparece em Bari a traduo italiana do Cours, comentada por Tulio De Mauro: Corso diLingustica Generale (h uma edio revista de 1970). Esse livro uma anlise clarividente da obra deSaussure tomou-se indispensvel. Tanto na introduo como nos Comentrios, Tuilio De Mauro procuraatingir a coerncia profunda da doutrina exposta no Cours, reflexo, infelizmente, de um pensamento que nochegou ao seu termo. E f-lo com mestria, inteligncia e lucidez.

    Nessa linha de captao das reais e profundas idias do mestre suo, fundamental a edio crtica deRudolf Engler (1968), onde se faz um confronto do texto do CLG com as notas de estudantes que lhe serviramde base. Do mesmo Engler o Lexique de ia Terminologie Saussurienne (1968).

    Mas a vitalidade do pensamento saussuriano parece estar sempre renascendo. Outros estudos tmaparecido, multiplicam-se as pesquisas e os ensaios de interpretao. Em 1970, sai em Roma, da lavra de R.Simone, uma Introduzione ai 29 Corso di Linguistica Generale (1908-1909). E de 1975 o livro de RenAmacker, discpulo de De Mauro, intitulado singelamente Linguistique Saussurienne. Trata-se, na verdade, deuma tentativa de reviso do CLG, com base exatamente no material recolhido aps a publicao pstuma doCours, na qual se procura revelar Saussure como um terico avanado, cujos princpios epistemolgicosestariam bastante prximos de certos postulados da cincia moderna, particularmente no seu aspecto hipottico-dedutivo. Embora haja renunciado a apresentar no referido livro a doutrina saussuriana como umaformalizao fraca, por motivos de ordem prtica (pg. 12), Amacker demonstra particular predileo pelainterpretao do saussunanismo contida nestas palavras de Saussure em carta de 1911 a M.L. Gautier: Pour lemoment, la linguistique gnrale mapparait comme un systme de gomrrie. On aboutit des thormes qu 'ilfaut dmontrer (pg. 14).

    Tudo isso mostra como, sessenta anos depois, continua vivo e fecundo o pensamento saussuriano.Justificada est, pois, esta introduo do Prof. Castelar de CarvaIho ao estudo das basilares dicotomias saus-surianas as.

    O trabalho tem finalidades didticas e destina-se aos alunos dos nossos cursos superiores de Letras eComunicao. A linguagem clara, a ordenao, lgica, a doutrina, extrada do CLG nas suas linhas essenciais,continua vlida. a primeira vez que, em lngua portuguesa, se faz uma apresentao

    sentao sistemtica e coerente dos fundamentos metodolgicos da lingustica saussuriana. Os nossosalunos de Letras geralmente entram em contato com a Lingustica logo no primeiro ano de suas atividadesuniversitrias. O Curso de Lingustica Geral que de incio se lhes pe em mos no fcil de digerir. Essaconstatao pesou para que o Prof. Castelar de Carvalho se abalanasse a esta introduo. O livro, portanto, aoatingir a finalidade a que visou ter certamente e certeira-mente cumprido o seu destino. E generoso destino.Porque a trajetria fascinante da Lingustica moderna comea realmente quando se trans-pem as portasiluminadas do Curso de Lingustica Geral.

    Por conseguinte, os nossos parabns no s ao Prof. Castelar de Carvalho, mas igualmente a todos osuniversitrios dos cursos supenores de Letras do pas.

    Rio de Janeiro, maro de 1976.

    Slvio EiiaPresidente do Crculo Lingustico do Rio de Janeiro

  • - 3 -

    ADVERTNCIA DA 1 EDIOEste trabalho pretende ser um manual de consulta permanente, escrito em linguagem simples, didtica

    e prtica, porm sem empobrecimento da objetividade cientfica inerente a uma obra dessa natureza.Especialmente preocupado em aclarar as dvidas e responder s interrogaes de quantos se iniciam nos estudoslingusticos em nossas Faculdades de Letras, proporciona-lhes, ao. mesmo tempo, uma viso crtica sobre ospontos fundamentais da nossa cincia.

    Nosso livrinho no inova em nada, nem se arroga tal finalidade. Sua originalidade (se alguma existe)consiste, a nosso ver, no tratamento sistematizante e eminentemente pedaggico que dispensamos a assuntos tofugidios a alunos ainda no iniciados nas lides da cincia lingustica.

    A experincia da sala de aula (esse insubstituvel laboratrio de Didtica), em vrios anos de contatodireto com as turmas, fez-nos sentir a falta de uma obra que destrinasse a teoria revolucionria exposta noCurso (onde nem sempre ela se apresenta suficientemente clara) e a reunisse em um compndio nico,sintetizador. que a doutrina de Saussure teve repercusses extraordinrias, imprevisveis poca da primeiraedio do Curso (1916), carreando para seu autor a consagrao pstuma e o reconhecimento do meiouniversitrio, que hoje o considera, sem favor, o fundador da Lingustica cientfica. Por essa razo, rica e dspar a bibliografia sobre o assunto, Rica e geralmente complexa, nem sempre especificamente voltada para aquelealuno recm-sado do vestibular, que jamais ouvira falar de Saussure e, o mais grave, completamentedesfamilarizado com uma linguagem de natureza tcnico-cientfica. Nesse sentido que pretendemos estar dandouma modesta contribuio aos alunos de Letras, aos estudiosos em geral, e mesmo aos j iniciados e.experientes colegas de magistrio. Destes esperamos que nos honrem com a sua leitura e nos enriqueam osaber com suas crticas.

    Desde j, nossos agradecimentos, em especial ao Professor Silvio Elia, incentivador e mestre, cujaslies tivemos o privilgio de haurir.

    Rio de Janeiro, fevereiro de 1976

    Castelar de Carvalho

  • - 4 -ADVERTNCIA DA 2 EDIO

    Mais do que antes, continua vlida a advertncia feita quando da 1 edio. O esprito da obra nomudou. Na verdade, consolidou-se e enriqueceu-se, do que d testemunho o esgotamento da edio anterior.

    O presente volume, alm da reviso de praxe, tem a mais uma breve notcia sobre as EscolasEstruturalistas, um nmero relativamente grande de exerccios objetivos sobre cada unidade e um apndiceespecial sobre a Glossemtica. Tratamo-la separada e detidamente, pela magnitude de sua importncia dentro daLingustica saussunena.

    Reiteramos nossos agradecimentos ao Professor Slvio Elia, paciente revisor crtico, assim como aosalunos e aos colegas pela acolhida carinhosa dada a este trabalho.

    Rio, julho de 1979

    Castelar de Carvalho

  • - 5 -

    A LINGUSTICA PR-SAUSSURIANA

  • - 6 -

    Lingustica Pr-SaussurianaViso Geral da Lingustica antes de Saussure

    A Lingustica, definida hoje como o estudo cientfico da linguagem humana, "um saber muito antigoe uma cincia muito jovem1 O Prof. Mattoso Cmara ir., em seu Dicionrio de Filologia e Gramtica, adefine como o estudo cientfico e desinieressado dos fenmenos lingusticos Mas nem sempre um estudocientfico e muito menos desinteressado caracterizou sua trajetria secular. Na verdade, a Lingustica s foiadquirir status de cincia a partir do sculo XIX. At ento o que havia era o estudo assistemtico e irregulardos fatos da linguagem, de carter puramente normativo ou prescritivo, ou ainda, retrocedendo Antigidadegrega, especulaes filosficas sobre a origem da linguagem mescladas com estudos de Filologia.

    At chegar a delimitar-se e definir-se a si prpria, a Lingustica passou por trs fases sucessivas.

    1 Fase: Filosfica

    Os gregos foram os precursores com suas profundas reflexes em torno da origem da linguagem. Seusestudos, calcados na Filosofia, abrangeram a Etimologia, a Semntica, a Retrica, a Morfologia, a Fonologia, aFilologia e a Sintaxe. Baseavam-se na Lgica (analogistas) ou no uso corrente (anomalistas). Tinham de inciofinalidades eminentemente prticas: era uma Gramtica voltada para a prxis, para a ao, o fazer. Dionisio daTrcia (sc. 1 a.C.) a chamou de Tekhn Grammatik, expresso traduzida mais tarde pelos romanos como ArsGramrnatica.

    Desse modo, a Gramtica surgiu no Ocidente como arte de ler e escrever, como disciplina normativaque, por seu comprometimento filosfico, estava desprovida de uma viso cientfica e desinteressada da lnguaem si mesma. Dominada doutrinariamente pela corrente dos analogstas (aristotlica) ou pela dos anomalistas(esticos), a Gramtica ca grega ser reproduzida pelos romanos, que, numa tentativa de conciliar aquelas duasposies, fazem nascer a Gramtica das regras e das excees.

    A influncia grega se fez sentir durante muitos sculos. Marcando toda a Idade Mdia, chegou amotivar na Frana, em 1660, a elaborao de uma Gramtica geral, a famosa Grammaire de Port-Royal, debase puramente lgica, coincidindo com a fase do Racionalismo, O mrito dos estudiosos gregos imenso,nesse sentido, pelo seu carter precursor. Na verdade, as razes do pensamento lingustico ocidental mergulhamprofundamente na Grcia Antiga.

    2 Fase: Filolgica

    A Filologia se constitui numa segunda fase dos estudos lingusticos cos. Surgida em Alexandria porvolta do sculo II a.C., batia-se pela autonomia dos referidos estudos. Os alexandrinos queriam-nos maisfilolgicos e menos filosficos. Definindo-se historicamente como o estudo da e1ucidao de textos, a Filologiados alexandrinos, de preocupao marcadamente gramatical, dedicou-se Morfologia, Sintaxe e Fontica.

    Tendo influenciado bastante a Idade Mdia, os estudos filolgicos encontraram, mais tarde, emFriedrich August WoIf um de seus maiores divulgadores. A partir de 1777, a escola a1em de Wolf veio esten-dendo consideravelmente o campo e o mbito da Filologia. Alm de interpretar e comentar os textos, a Filologiaprocura tambm estuda? os costumes, as instituies e a histria literria de um povo. Entretanto, seu ponto devista crtico torna-se falho, pelo fato de ela ater-se demasiadamente lngua escrita, deixando de lado a Inguafalada. Contudo, foroso reconhecer que as pesquisas filolgicas serviram de base para o surgimento e aconso1idao da Lingustica histrico-comparatista.

    1 MOUNIN, G. Introduo Lingustica, 25.

  • - 7 -3 Fase: Histrico-Comparatista

    A terceira fase da. histria da Lingustica comea com a descoberta do snscrito entre 1786 e 1816,mostrando as relaes de parentesco gentico do latim, do grego, das lnguas germnicas, eslavas e clticas comaquela antiga lngua da Ihdia. A preocupao diacrnica em saber como as lnguas evoluem, e no comofuncionam que vai marcar toda essa fase.

    Franz Bopp (1791-1867), o que melhor aproveitou o conhecimento do snscrito, considerado ofundador da Lingustica Comparatista. Seu livro Sobre o Sistema de Conjugao do Snscrito, de 1816, abriuento novas perspectivas lingusticas. Para Bopp, a fonte comum das flexes verbais do latim, do grego, dopersa e do germnico era o snscrito. Para ele, o snscrito era uma espcie de irm mais velha daquelas lnguas.Apesar de no ter sido o descobridor do snscrito, para Bopp que converge o mrito de haver sido o primeiro arealizar o estudo sistemtico de lnguas afins como matria de uma cincia autnoma.

    Ao lado do nome de Bopp, citam-se tambm como pioneiros da Lingustica histrico-cientfica odinamarqus Rasmus Rask (1787-1832) e o alemo Jacob Grimm (1785-1863). Rasmus Rask escreveu um tra-balho sobre a origem do velho nrdico (1818). Rask mostra a os pontos de contato entre as principais lnguasindo-europias e as lnguas nrdicas. Jacob Grimm foi o primeiro a escrever uma gramtica comparada daslnguas germnicas: a Deutsche Grammatik, publicada em 1819. Grimm considerado o pai do que mais tardese chamariam leis fonticas. Os termos metafonia (Umlaut) e apofonia (Ablaut) so criaes de Grimm.

    Com o desenvolvimento da Filologia Comparada, a Lingustica do-eu rop ia experimentouextraordinrio impulso.

    A tendncia dessa fase inicial da Lingustica Comparatista era dentificar-se com as cincias danatureza, consoante o esprito da senda metade do sculo XIX. Essa tendncia deu s primeiras idias ngusticasdesse sculo um enfoque naturalista, a princpio de base biolgica (o biologismo lingustico: as lnguas nascem,crescem e morrem como os organismos biolgicos) e a seguir de base fsica (leis da Lingustica se aproximamdas leis fsicas: leis fonticas). Neste caso, salientou-se o papel dos neogramticos pelo excessivo esquematismoque deram s suas postulaes.

    A LingUstica Histrica ainda se prolonga por mais algumas dcadas, desdobrando-se, em um segundomomento, numa reao aos neo-gramticos caracterizada como fase culturalista (18904 930). O culturalismolingUstico combatia o naturalismo ento reinante: era a oposio cultura/natura. Os estudiosos dessa faseafirmavam no haver correspondncia entre as chamadas leis fonticas e as leis da natureza. As leis fonticasso cronolgicas e circunstanciais, tm validade apenas para um determinado perodo histrico, sofremlimitao espacial e s se manifestam em condies particulares. As leis naturais, ao contrrio, so atemporais e,o mais importante, universais. Ora, se as leis fonticas fossem de fato leis naturais, argumentavam osculturalistas, o latim teria resultado numa nica lngua na Frana, na Itlia, na Espanha, em Portugal e nosdemais domnios do imprio romano. Portanto to, para o culturalismo lingustico, no existem leis fonticas nosentido fisicalista. H, isto sim, leis histrico-culturais que condicionam as alteraes fonticas. Segundo opensamento culturalista, as lnguas no existem por si mesmas. So instrumentos culturais condicionados porfatores sociais, histricos, geogrficos, psicolgicos e, por isso mesmo, de previsibilidade relativa ecomportamento inconstante, justamente o oposto do que acontece no campo das cincias naturais.

    Em sntese, podemos esquematizar o quadro dos estudos lingUsticos no sculo XIX da seguintemaneira:

    fase naturalista (1810-1890) preocupao com a histria interna da lngua.

    fase culturalista (1890-1930) preocupao com fatores externos, condicionadores da lngua (= histrico-culturais).

  • - 8 -

    II

    A LINGUTICA SAUSSURIANA

  • - 9 -A Lingustica Pr-Saussuriana

    Ferdinand de Saussure (1857/1913).

    Sua Formao e Suas Obras

    poca em que Saussure recebeu sua formao acadmica, o Comparativismo indo-europeu dominavaos estudos lingUsticos. Fase decisiva e cujos xitos marcantes sobre pontos importantes e essenciais da nossacincia se constituram no principal legado do sculo XIX ao sculo XX. Saussure no poderia ficar imune aessa atmosfera cientfica e dela participou brilhantemente. Tendo vivido em Leipzig e Berlim de 1876 a 1878, amanteve contato com os expoentes da LingUstica Comparatista de ento, dos quais recebeu slidoembasamento e decisiva influncia. Assim que mais tarde, durante os onze anos (1880/ 1891) em que foidiretor da cole Pratique des Hautes Etudes, em Paris, passaram pelas suas mos os mais importantescomparatistas franceses, que dele receberam formao, influncia e continuidade.

    de 1879 a publicao da Mmoire sur le Primitif Systme des Voyelles dans les Langues Indo-Europenes. Apesar da orientao atomstica prpria da corrente neogramtica, Saussure inova em sua Mmoirecolocando o problema da reconstituio fontica do indo-europeu sob uma perspectiva sistemtica. Sua tese dedoutoramento, um ano mais tarde, versava sobre De l Emploi du Gnitif A bsolu en Sanskrit. Alm de artigosde Gramtica comparada, infelizmente nada mais nos legou em vida o genial mestre genebrino. Seu Cours deLinguistique Gnrale (CLG), como sabemos, resultou da compilao por dois discpulos seus dos trs cursosde Lingustica Geral que ministrara de 1906 a 1911 na Universidade de Genebra, onde era titular desde 1896.Esses dois alunos foram Charles Bally e Albert Sechehaye, com a colaborao de outro discpulo, AlbertRiedlinger. Trata-se, portanto, de obra pstuma e inacabada, calcada em anotaes colhidas em aula por seusalunos e, como tal, explicam-se as possveis obscuridades e contradies das idias de Saussure. Nela sereconhecem frmulas de aspecto por vezes paradoxal, onde salta aos olhos o estilo de ensino oral. Apesar dessefato, as idias motrizes de sua obra pstuma, por oposio ao mtodo histrico-comparatista dominante atento, vieram revolucionar completamente o pensamento lingUstico ocidental. Na verdade, Saussure foi umesprito mais projetado para o sculo XX do que voltado para o sculo XIX, como soa acontecer com os inte-lectuais de seu tempo.

    Hoje, mais de meio sculo depois de seu desaparecimento, Saussure estudado com o respeito, ocuidado e a ateno que merecem os gnios. Todos quantos se aprofundam na pesquisa de suas postulaesadquirem conscincia da importncia do Cours para a LingUstica moderna e passam a compreender por queSaussure considerado um divisor de guas no estudo cientfico da linguagem.

    A Doutrina de Saussure

    O grande mrito de Saussure est, antes de tudo, no seu carter metodolgico, umprolongamento da sua personalidade perfeccionista. Era preciso em primeiro lugar pr ordem nos estudoslingUsticos. Para poder criar e postular suas teorias com perfeio cientfica impunha-se lhe um trabalhometodolgico preliminar. Os linguistas at ento tratavam de coisas diferentes com nomes iguais e vice-versa. Aausncia de uma terminologia adequada, precisa, objetiva, de alcance universal (e sabemos, desde Scrates, ques h cincia do universal), instrumento de trabalho imprescindvel a qualquer cincia digna do nome, tolhialhesa expresso das idias. Por exemplo, o termo lngua tinha para alguns linguistas um determinado sentido; paraoutros, j adquiria conotao totalmente diversa. A Lingustica ressentia-se de uma linguagem equivoca,verdadeira colcha de retalhos terminolgica, e Saussure necessitava de uma linguagem unvoca, de um padrolingustico, de uma

  • - 10 -metalinguagem, isto , de uma nova linguagem para expressar suas elucubraes. Sua primeira tarefa,

    portanto, foi limpar o terreno para poder depois trabalhar.O esquema abaixo d a idia exata do que, segundo Saussure, "a forma racional que deve

    assumir o estudo lingustico ".2

    Alm disso, inova tambm com a sua fa mosa e polmica Teoriado Signo LingUstico:

    signo

    Princpios do signo

    Significantesignificado

    ArbitrariedadeLinearidade

  • - 11 -LANGUE/PAROLE

    As Dicotomias Saussurianas

    A doutrina de Saussure baseia-se numa srie de pares de distines, atribuidas por Georges Mounin sua mania dicotmica ".2 Citando o prprio Saussure (A linguagem redutvel a cinco ou seis dualidades oupares de coisas. )3 Mounin nos revela que o mestre de Genebra estava bem consciente de sua perspectivadicotmica, o que, alis, confirmado logo nas primeiras pginas do Curso de Lingustica Geral. AfirmaSaussure: "... . . o fenmeno lingustico apresenta perpetuamente duas faces que se correspondem e das quaisuma no vale seno pela outra

    Comecemos pela oposio fundamental: langue x parole

    LANGUE/PAROLE

    Esta a sua dicotomia bsica e, juntamente com o par sincronia/diacronia, constitui uma das maisfecundas. Fundamentada na oposio social/individual revelou-se com o tempo extremamente proficua. O que fato da langue estd no campo social; o que fato da parole situa-se na esfera do individual. Repousando suadicotomia na Sociologia, cincia nascente e j de grande prestgio ento, Saussure afirma e adverte ao mesmotempo: a linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossvel conceber um sem o outro

    LANGUE

    Do exame exaustivo do Curso depreendemos trs concepes para langue: acervo lingustico,instituio social e realidade sistemtica e funcional. Analisemo-las luz do Curso.

    a langue como acervo lingustico

    A langue uma realidade psquica formada de significados e imagens acsticas; constitui-se numsistema de signos, onde, de essencial, s existe a unio do sentido e da imagem acstica, onde as duas partes dosigno so igualmente psquicas "um tesouro depositado pela prtica da parole em todos os indivduospertencentes mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada crebro ou, maisexatamente, nos crebros dum conjunto de indivduos ",8 a langue uma soma de sinais depositados em cadacrebro, mais ou menos como um dicionrio cujos exemplares, todos idnticos, fossem repartidos entre osindivduos ".9

    Em suma, a langue, como acervo lingUstico, o conjunto de hbitos lingusticos que permitem a umapessoa compreender e fazer-se compreender10 e as associaes ratificadas pelo consentimento coletivo e cujoconjunto constitui a langue, so realidades que tm sua sede no crebro:11

    a langue como instituio social

    Saussure considera (da mesma forma que Whitney) que a langue no est completa em nenhumindividuo, e s na massa ela existe de modo completo 12, por isso, ela , ao mesmo tempo, realidade psquica einstituio social. Para Saussure, a langue ; ao mesmo tempo, um produto social da faculdade da linguagem eum conjunto de convenes necessrias, adotadas pelo corpo social para permitir o exerc cio dessa faculdadenos indivduos ; a parte social da linguagem, exterior ao indivduo, que, por si s, no pode nem cri-lanem modific-la; ela no existe seno em. virtude de uma espcie de contrato estabelecido entre os membros dacomunidade.

    a langue como realidade sistemtica e funcional

    Este o contedo mais importante do conceito saussuriano a respeito da langue. Para o mestre deGenebra, a langue , antes de tudo, um sistema de signos distintos correspondentes a idias distintas 15; um

    2 MOUNIN, G. A Lingustica do Sculo XX, 54.

    3 MOUNIN, G. ob. cit., 54.

  • - 12 -cdigo, um sistema onde, de essencial, s existe a unio do sentido e da imagem acstica:16 Saussure v alangue como um objeto de natureza homognea17 e que, portanto, se enquadra perfeitamente na sua definiobasilar: a langue um sistema de signos que exprimem idias:18 (grifo nosso).

    A parole, ao contrrio da langue, Saussure a apresenta multifacetada e heterognea. Diz o mestre quea parole um ato individual de vontade e inteligncia, no qual convm distinguir: 19) as combinaes pelasquais o falante realiza o cdigo da langue no propsito de exprimir seu pensamento pessoal; 29) o mecanismopsico-fsico que lhe permite exteriorizar essas combinaes :19 Saussure classifica a parole como o "ladoexecutivo da linguagem3 cuja "execuo jamais feita pela massa; sempre individual e dela o individuo esempre senhor; ns a chamaremos fala (parole).20 E complementaramos: fala (parole) em oposio a lngua(langue). A parole a prpria langue em ao, enrgeia (atividade) e no rgon (produto).

    Aprofundando a base terica dessa dicotomia fundamental para a compreenso da obra de Sassure,somos levados a reconhecer a influncia incontestvel e decisiva que o debate entre os dois expoentes daSociologia de ento, Durkheim e Tarde, exerceu sobre ele. Sua dicotomia parece ter sido uma tentativa deconcilao entre as duas posies sociolgicas vigentes. Da ideia de fait social (fato social) de Durkheimprocede a postulao da langue, porque ambas (tanto a idia de langue, como a de fato social) se referem afatos psicossociais, externos ao indivduo, sobre o qual exercem uma contrainte (coero), e existentes naconscincia coletiva do grupo social.21 Por outro lado, o reconhecimento do elemento individual, a parole,estaria em consonncia com as ideias de Gabriel Tarde. oportuno lembrar tambm a concepo durkheimianasegundo a qual a sociedade prima sobre o individuo, pois o controle social existe em funo da manutenoda organizao social.2123 O homem no passa de uma parcela do pensamento coletivo: o indivduo , emgrande parte, aquilo que a sociedade espera que ele seja. Cada grupo social incute em seus membros umconjunto de maneiras de pensar, sentir e agir.24 Diante disso, compreende-se por que razo Saussure atribuiupapel destacado ao estudo da langue e minimizou a parole.

    Para Saussure, sendo a langue uma instituio social, socialinente que devem ser estudados os seussignos, uma vez que o signo social por natureza .2125 Considera ele que a langue, como representaocoletiva, se impe ao indivduo inapelavelmente. Nenhum indivduo tem a faculdade de criar a langue, nem demodific-la conscientemente. Ela como uma armadura dentro da qual nos movimentamos no dia-a-dia dainterao humana. Como qualquer outra instituio social, a langue se impe ao indivduo coercitivamente. Porisso, ela se constitui um elemento de coeso e organizao social

    PAROLE

    A parole, ao contrrio da langue, por se constituir de atos individuais, toma-se mltipla, imprevisvel,irredutvel a uma pauta sistemtica. Os atos lingusticos individuais so imitados, no formam um sistema. Osatos lingusticos sociais, bem diferentemente, formam um sistema, pela sua prpria natureza homognea. Ora, aLingustica como cincia s pode estudar aquilo que recorrente, constante, sistemtico. Os elementos da languepodem ser, quando muito, variveis, mas jamais apresentam a inconstncia, a irreverncia, a heterogeneidadecaractersticas da parole, a qual, por isso mesmo, no se presta a um estudo sistemtico.

    Diz-nos o mestre suo pg. 18 do CLG: Para atribuir langue o primeiro lugar no estudo dalinguagem, pode-se, enfim, fazer valer o argumento de que a faculdade natural ou no (e para Saussure, o sernatural ou no era irrelevante: preocupa-se unicamente com a langue en soi mme) de articular palavras nose exerce seno com a ajuda de instrumento criado e fornecido pela coletividade; no , ento, ilusrio dizerque a langue que faz a unidade da linguagem:

    E, sustentando a autonomia dos estudos da langue, afirma pg. 22:a langue uma coisa de tal modo distinta que um homem privado do uso da parole (fala) conserva a

    langue (lngua), contanto que compreenda os signos vocais que ouve:No obstante, Saussure insiste sempre na interdependncia dos dois constituintes da linguagem:

    :..esses dis objetos esto estreita-mente ligados e se implicam mutuamente: a langue necessria para que aparole seja inteligvel e produza todos os seus efeitos; mas esta (a parole) necessria para que a langue seestabelea :26 E adverte:

    "historicamente o fato da parole vem sempre antes :27 importante, a propsito, registrar aconcesso feita por Saussure ao elemento individual, com toda a certeza inspirado em Gabriel Tarde:

    a fala (parole) que faz evoluir a lngua (langue): so impressesrecebidas ao ouvir os outros que modificam nossos hbitos lingusticos: (CLG, 27)

  • - 13 - tal a interdependncia entre a langue e a parole que Saussure considera a langue, ao mesmo tempo,

    instrumento e produto da parole. O prprio mecanismo de funcionamento da linguagem repousa nessa interdependncia:

    Como se imaginaria associar uma idia a uma imagem verbal seno se surpreendesse de incio esta associao num ato de fala (parole)? Poroutro lado, ouvindo os outros que aprendemos a lngua (langue) materna;ela se deposita em nosso crebro somente aps inmeras experincias.

    (CLG, 27).

    Depreende-se do arrazoado saussuriano que tanto o funcionamento quanto o aprendizado da linguagemesto intimamente ligados s implicaes mtuas existentes entre os elementos langue e parole.

    A feliz dicotomia lngua/fala o ponto de partida para Saussure postular uma Lingustica da lngua euma LingUstica da fala (embora Mounin levante dvida a respeito da autenticidade dessa postulao por partedo mestre; Mounin prefere atribu-la a Bally e Sechehaye),28 sendo que, para o mestre genebrino, a LingUsticapropriamente dita aquela cujo nico objeto a lngua (langue):

    Unicamente desta ltima que cuidaremos. (CLG, 28).

    Desse modo, vemos que Saussure realmente tinha plena conscincia da natureza opositiva dosfenmenos lingUsticos. Eis suas prprias palavras:

    Esta a primeira bifurcao que se encontra quando se procuraestabelecer a teoria da linguagem. (CLG, 28, grifo nosso).

    Sistema/No -Sistema

    A razo de Saussure ter preferido tomar o caminho da langue quando se viu diante de sua famosa"bifurcao" encontra-se em outra oposio consequente: sistema/no-sistema, isto , sistema: langue::

    no-sistema: parole.Sendo o sistema superior ao indivduo (supra-indivduo), todo elemento lingUstico deve ser estudado a

    partir de suas relaes com os outros elementos do sistema e segundo sua funo (A lngua (langue) umsistema do qual todas as partes podem e devem ser consideradas em sua solidariedade sincrnica. CLG, 102)e no por suas caractersticas extralingsticas fsicas, psicolgicas, etc. O conhecido exemplo do jogo dexadrez esclarece cabalmente o pensamento saussuriano nesse particular.

    As peas de um jogo de xadrez so definidas unicamente segundo suas funes e de acordo com asregras do jogo. A forma, a dimenso e a matria de cada pea constituem propriedades puramente fsicas eacidentais, que podem variar extremamente sem comprometer a identidade da pea. Essas caractersticas fsicasso irrelevantes para o funcionamento do sistema (= o jogo de xadrez). Uma pea at pode ser substituida poroutra, desde que a substituta venha a ser utilizada conforme as regras do jogo. Levando para o sistemalingUstico o exemplo de Saussure, temos que todo elemento lingustico uma vogal, uma consoante, umacento, um fonema, um morfema, etc. deve ser definido linguisticamente apenas de acordo com suasrelaes (sintagmticas e paradigmticas) com os outros elementos ou por sua funo no sistema, e nolevando-se em conta suas acidentais propriedades. modo de formao, estrutura acstica, variantes morfo-fonmicas, etc. Aqui toma-se pertinente introduzir outra postulao saussuriana, segundo a qual

    A Lngua Forma e no Substncia Forma, para Saussure, usada no sentido filosfico, isto ,como essncia, e no no sentido esttico, como aparncia. A teia de relaes entre os elementos lingusticos que constitui a forma. Os elementos da rede constituem a substncia. Voltando ao exemplo do jogo de xadrez,diramos que as regras do jogo (a teia de relaes entre as peas) esto para forma, assim como as peas dojogo esto para substncia. Uma frase como V compr dois po apresenta alterao apenas na substncia.Sua estrutura, apesar do fator extralingUstico erro, continua a ser a de uma frase da lingua portuguesa. Elaconserva toda a gramaticalidade do sistema lingUstico portugus, isto , da langue portuguesa, e toda acoerncia intema inerente aos elementos desse sistema:

    (sujeito) + verbo auxiliar + verbo principal + objeto (determinante + determinado). Portanto, suaforma, o que de fato relevante para o funcionamento do sistema, no sofreu em nada com a mudana acidentaldas propriedades fsicas de sua substncia. Dito de outro modo:

    forma : langue : : substncia : parole

  • - 14 -Mesmo tendo dado tanta nfase ao estudo da langue, Saussure no deixou de tratar tambm da

    substncia (parole), reconhecendo que a sua funo fazer a ligao com a forma, que , em ltima anlise,para ele, a verdade total. Reportando-nos ao pensamento lingUstico da Grcia Antiga, diramos que Saussureadmitiu tacitamente que a lngua (langue) no s analogia, ela tem tambm as suas slidas e saudveisanomalias.

    Uma Critica Langue/Parole

    No se pense que a dicotomia saussuriana tenha ficado ao abrigo de crticas nesse seu mais de meiosculo de existncia. A principal delas partiu do lingUista romeno Eugenio Coseriu, que props uma divisotripartida segundo o modelo abaixo,29 por achar insuficiente a bipartio saussuriana:

    A diviso de Coseriu vai do mais concreto (parole) ao mais abstrato (langue), passando por um grauintermedirio: a norma. Segundo ele, o sistema funcional (langue)

    es un conjunto de oposiciones funcionales; la norma es larealizacin colectiva del sistema, que contiene el sistema mismo y,adems, los elementos funcionalmente "nopertinentes , pero normales en elhablar de una 30

    A parole, por sua vez, na concepo coseriana

    es la realizacin individual-concreta de la norma, que contiene lanorma misma y adems, la originalidad expressiva de los individuoshablantes

    Francisco da Silva Borba define a norma como um conjunto de realizaes constantes e repetidas, decarter scio-cultural e dependente de vrios fatores operantes na comunidade idiomtica 32 Em outras pa-lavras, h realizaes consagradas pelo uso e que, portanto, so normais em determinadas circunstnciaslingUsticas, circunstncias estas previsveis pelo sistema funcional. norma que nos prendemos de formaimediata conforme o grupo social de que fazemos parte e a regio onde vivemos. A norma seria assim umprimeiro grau de abstrao da parole. Considerando-se a langue (o sistema) um conjunto de possibilidadesabstratas, a norma seria ento um conjunto de realizaes concretas e de carter coletivo da langue. A norma ocomo se diz , e no o como se deve dizer",33 por isso los conceptos que, con respecto a ela, se oponen sonnormaly anormal, y no correcto e incorrecto ".34 Em resumo, em termos coserianos, a parole o realindividual, a norma o real coletivo e a langue o ideal coletivo, nem sempre normal, embora possvel edisponvel. Vejamos alguns exempos da oposio norma/sistema no portugus do Brasil.

    O conhecido chiante ps-voclica, variante de [s], norma no Rio de Janeiro em todas as classessociais: gs [gas] ms [mes], basta [basta]. J no Sul, a pronncia sancionada pelo uso (ou norma) marcadamente alveolar: [bastal, [mes] ,[gas]. No campo da Morfologia, o sistema dispe dos sufixos -ada e -edo, ambos com noo de coleo. Enquanto, para designar grande quantidade de bichos, a norma culta prefereo primeiro (bicharada), a norma geral no falar gacho consagrou o segundo: bicharedo. O mesmo acontece comos sufixos diminutivos -inho e -ito, ambos disponveis no sistema funcional: a norma fora do Rio Grande do Sul dizer-se salaminho, j em terras gachas o uso sancionou salamito. No plano sinttico, a langue (sistema)portuguesa dispe dos advrbios j e mais que, quando usados numa frase negativa, indicam a cessao de umfato ou de uma ao. A norma brasileira preferiu o segundo (eu no vou mais/no chove mais), a portuguesaoptou pelo primeiro (eu j no vou/j no chove). No podemos deixar de mencionar o j consagradssimo terno lugar de haver, com o sentido de existir, norma inclusive j referendada por vrios autores nacionais depeso, Drummond e Bandeira entre outros.

    parole Uso

    (normal interme-dirio)

    Langue

    (sistema funcional)

  • - 15 -A langue portuguesa dispe de dois prefixos com valor negativo:-in e -des. Ambos fazem parte (alm de outros) do nosso sistema lingUstico e se encontram

    disposio dos falantes de lngua portuguesa, isto , existem em potencial. O uso de um ou de outro vaidepender da comunidade lingustica, esta quem estabelece o que normal (o que se diz) ou anormal (o que sepoderia dizer). Assim sendo, a norma coletiva consagrou infeliz, e no desfeliz. Inversamente, preferiu des-contente e rejeitou incontente. Ao falante, como parcela do pensamento coletivo, s cabe aceitarinapelavelmente o que o seu grupo lingustico consagrou (v., a propsito, a arbitrariedade do signo lingustico,pg. 100), pois na lngua no existe propriedade privada, tudo socializado.

    Do exposto, conclumos que a norma a realizao da langue e a parole, por sua vez, a realizao danorma, como o demonstra figuradamente o modelo coseriano abaixo:35

    ABCD = parole (realizao individual do subcdigo)Abcd = norma (subcdigo)abcd = langue (cdigo)

    Tipos de Norma

    As variantes coletivas (ou subcdigos) dentro de um mesmo domnio lingUstico dividem-se em doistipos principais:

    diatpicas variantes regionais ou normas regionaisdiastrticas variantes culturais ou registros

    As variantes diatpicas caracterizam. as diversas normas regionais existentes dentro de um mesmo paise at dentro de um mesmo Estado, como o falar gacho, o falar mineiro, etc.

    As variantes diastrticas, intimamente ligadas estratificao social, evidenciam a variedade dediferenas culturais dentro de uma comunidade e podem subdividir-se em norma culta padro (ou nacional),norma coloquial (tensa ou distensa) e norma popular (tambm chamada de vulgar).

    Alm dessas variantes, existem tambm as chamadas lnguas especiais. o caso das grias, dos jarges,das lnguas tcnicas, das lnguas religiosas e da lngua literria, esta, pela sua especificidade de discursoeminentemente esttico, admite e revaloriza todas as demais variantes do sistema, realizando-se assim comouma espcie de supranorma.

    Parole a b

    c d

    AB

    C D

    norma

    a b

    c d

    langue

  • - 16 -Constatamos assim a pertinncia. da diviso tripartida de Coseriu. Todos os exemplos acima, quer

    caracterizando o falar de uma regio, quer identificando o prprio portugus do Brasil, mostram a propriedade ea convenincia do fator intermedirio norma entre a parole (individual) e o sistema (social), fator este que,convm observar, no chega a comprometer o sistema funcional (langue).

    De qualquer forma, reconhecidamente incontestvel o valor da famosa distino saussuriana entrelangue e parole para a LingUstica contempornea. Sua primeira dicotomia, investida de verdadeiro valorepistemolgico, e ser sempre um fundamento da cincia lingustica.

    Concluindo o exame da langue/parole, apresentamos abaixo um quadro comparativo, o mais exaustivopossvel, de suas caractersticas principais:

    LANGUE PAROLE

    social individualhomognea heterogneasistemtica assistemticaabstrata concretaconstante varivelduradoura momentnea

    conservadoraidealpermanentesupra-individualessencialpsquicainstituioessnciapotencialidade fato socialunidadeformaprodutoindivduo subordinadoinstrumento e produto da parolesistemaadotada pela comunidadepotencialidade ativa de produzira parolenecessria para a inteligibilidadee execuo da parole

    1+ 1 +1... = 1

    FORMA

    EssnciaPsquicaEstruturaConstantelangue

    * A linguagem unidade (langue) na diversidade (parole) e diversidade na unidade.

    inovadorarealocasionalindividualacidentalpsico-fsicapraxis (ao)existnciarealidadeato individualdiversidade *substnciaproduoindivduo senhorlangue em aono-sistemasurge no indivduofaz evoluir a langue

    necessria para que alanguese estabelea

    1 + 1 + 1 +....

    SUBSTNCIA

    aparnciapsico-fsicaconjunturacircunstanciai parole

  • - 17 -NORMAS

    Diatpicas falares locais

    Normas ouvariantes

    cultotensa

    coloquialdiastrticas distensa

    vulgar

    EXERCCIOS

    Langue/Parole, Norma

    1 Numere a 1 coluna de acordo com a 2:

    ( ) Estudo cientfico da linguagem humana.

    ( )um conjunto de estruturas psquicas que tornapossvel ao emissor traduzir a idia que deseja expressarem um sinal manifesto, e que capacita o receptor areconstituir a idia a partir desse sinal.

    ( ) Unio do sentido mais a imagem acstica

    ( )Conjnto de realizaes constantes e repetidasde carter scio-cultural.

    ( )Sua aquisio no depende de maneiradecisiva da expresso verbal.

    ( )Execuo pelo indivduo das potencialidadesda lngua

    2 Assinale as letras cujo enunciado voc considera incorreto:

    a)As crianas incapazes de usar seus rgos da fonao para produzir sons vocais podem, no entanto,aprender uma lngua sem dificuldades especiais.

    b)Uma criana pode inventar uma lngua a partir do nada.

    1.signo2.linguagem3.fala4.lingustica5.lngua6.norma

  • - 18 -

    c)Estar exposto ao uso de uma lngua o requisito mnimo para pr em funcionamento o mecanismo dalinguagem.

    d)No existe uma interdependncia da lngua e da fala pois no ouvindo os outros que aprendemos alngua materna.

    3 Completar com um dos itens entre parnteses:a)A fala um ato_____________________________, de vontade e de inteligncia. (individual-social)

    b)A lngua ____________________constitui-se de um sistema de signos. (heterognea-homognea)

    c)"No a linguagem que natural ao homem, mas a faculda de de constituir uma_________________________vale dizer: um sistema de

    signos distintos correspondentes a idias distintas. (lngua-fala)

    d)A _______________________localiza-se no circuito onde uma imagem acstica associa-se a um conceito. (fala-lngua)

    4 Com as palavras lingua e fala complete os espaos em branco:

    a. A________________________ necessria para que a ____________________ sejainteligvel.

    b. A________________________ necessria para que a ___________________ seestabelea.

    c. A________________________ vem sempre antes da lngua.d. A________________________ o instrumento e o produto da_________________e. A________________________ que faz evoluir a __________________________

    5 Qual a melhor afirmativa para a fala?

    a.()Ela uma parte essencial da linguagem.b.()Nada existe de coletivo na fala.c.()Suas manifestaes so individuais e momentneas.d.()Respostas b e c se completam.e.()Ela constitui algo adquirido mas no convencional.

    6 Relacione a 1 coluna de acordo com a 2.

    1 parte fsica ( ) imagens verbais e conceitos.2 parte fisiolgica ( ) ondas sonoras.3 parte psquica ( ) fonao e audio.

    7 Assinale a resposta certa.

    O elemento que contribui para a evoluo da lngua :( ) a fala( ) a linguagem( )uma boa estrutura lingustica( )a norma

    8 Relacionar as colunas:1 Langue

  • - 19 -

    2 - Norma

    3 Parole( )uso concreto da langue sancionado pela comunidade.( )dinamiza a langue( )conjunto de signos utilizado pelos

    membros de uma comunidade paracomunicao e interao social.

    9 Marque os pares de alternativas certos para a parole:

    a) abstrata e concreta;b) momentnea e concreta;c) momentnea e individual;d) real e ideal.

    10 Preencha as lacunas:

    Saussure no atentou para um fator muito importante que se situa entre a langue/parole, comoo criticou o linguista romeno Eugenio Coseriu. Este fator chama-se ____________ , que, por definio, ______________

    11 Marque C ou E:

    a)A lngua , ao mesmo tempo, um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto deconvenes necessrias, adotadas pelo corpo social para permitir o exerccio dessa faculdade nos indivduos.

    b)A fala uma coisa de tal modo distinta que um homem privado do uso da lngua conserva a fala,contanto que compreenda os signos vocais que ouve.

    c)A lngua um sistema de signos distintos correspondentes a idias distintas.d)Nenhum indivduo tem a faculdade de criar a fala nem de modific-la conscientemente.

    12 Segundo Saussure, a langue parte da linguagem:a) social b) individual

    13 Assinale a alternativa errada:

    a) a parole faz evoluir a langue;b) a parole imutvel de situao para situao e de indivduo para indivduo;c) a parole individual, momentnea e inovadora.

    14 Marque certo (C) ou errado (E):

    ( ) Sistema = Norma( ) Sistema = Fala( ) Sistema = Lngua

    15 Relacione as colunas:a) Realizao coletiva do sistema ( ) Linguagemb) Realizao individual da norma ( )normac) Lingua + Fala ()Fala

    d) Sistema ( )Lngua

    16 Marque a resposta certa:

  • - 20 - A langue e a parole polarizam:a) Individuo/Famliab) Comunidade/Raac) Sociedade/Individuo

    17 Escolha a melhor resposta:

    As peas do jogo de xadrez equivalem na languea) Aos verbos, aos substantivos, aos fonemas.b) Ao sujeito, ao predicado, aos adjuntos.c) s funes sintticas.

    18 Complete as lacunas:

    a) A langue a soma de sinais depositados em cada_________________ (dicionrio) (gramtica) (crebro)

    b) A langue no est completa em nenhum indivduo, e s na ____________________ elaexiste de modo completo. (massa) (literatura) (lingustica)

    c) A langue um sistema de signos que exprimem _________________ (sons) (unio) (idias)

    19 Relacione as lacunas:(1) lngua ( )forma

    (2) fala ( )fato social( )surge no individuo( )concreta( )inovadora( )supra-individual

    20 Complete:

    Lngua est para forma, assim como fala est para ______________________

    21 Marque a resposta certa:

    a) A fala no est completa em nenhum indivduo, e s na massa ela existe de modo completo.b) A norma o como se deve dizer e no o como se diz.c) A Linguagem tem um lado individual e um lado social.

    22 Marque a resposta errada:

    a) A fala necessria para que a lngua se estabelea.b) A lngua a adio da linguagem e da fala.c) A frase: "V escond os sapatQ apresenta alterao somente na substncia.

    23 Relacionar as duas colunas:1 lngua ( ) situa-se no campo social

    2 fala ( ) situa-se na esfera individual3norma ( ) alnguaem ao

    ( ) conjunto de realizaes constantese repetidas, de carter scio-culturale dependente de vrios fatores ope-rantes na comunidade idiomtica

    ( ) um sistema

  • - 21 -24 Marque C ou E:

    ( ) A lngua um sistema de signos distintos correspondentes a idias distintas.( ) Nenhum indivduo tem a faculdade de criar a fala nem de modific-la conscientemente.( ) A lngua substncia e no forma.

    25 Marque a resposta CERTA:

    Quais as trs concepes para langue depreendidas do CLG de Saussure?a) acervo lingustico; criao individual; realidade sistemtica e no funcional;b) acervo lingustico; instituio social e realidade sistemtica e funcional;c) instituio social; assistemtica; psico-fsica.

    26 Saussure destaca o papel da langue porque:

    a) como representao coletiva, ela se impe ao indivduo.

    b) como representao coletiva, ela no se impe ao individuo.

    c) ela se refere criao individual. 27 Marque a frase ERRADA:

    27 Marque a frase erradaa) A parole (fala) fruto da necessidade psicolgica de comunicao e expresso.b) A parole por ser esttica, no faz evoluir a langue.c) A parole de natureza heterognea.

    28 Marque C (CORRETA) ou E (ERRADA):

    1) Lngua e fala so aspectos diferentes, mas interdependentes.2) A norma compreende as variantes regionais e scio-culturais.3) Saussure, quando elaborou sua clebre dicotomia, considerou tambm a norma.

    29 Relacione as colunas:1. Langue ( ) ideal individual2.Norma ( ) real coletivo

    3.Parole ( ) ideal coletivo( ) real abstrato( ) real individual

    30 Assinale Verdadeiro ou Falso.

    a) Todo elemento lingustico deve ser estudado a partir de sua relao com os outros elementosdo sistema e segundo sua funo.

    b) Relevante a substncia com seus fatores extralingusticos: fsicos e psicolgicos.c) A prioridade da lngua sobre a fala vem do fato de que atravs da lngua que se torna possvel

    a comunicao, o entendimento mtuo, por meio de uma espcie de contrato semiolgico entre pessoas de umamesma comunidade.

    d) A lngua essncia (forma), e no aparncia (substncia).

    GABARITO

    - LANGUE/PAROLE, NORMA

    1) 4516532) b,d

    4) a) lnguab) falac) falad) lnguae) fala

    6) 3 1 28)231

    10)norma de naturezacoletiva12) social13)b

  • - 22 -3) a) individualb) homogneac) lnguad) lngua

    5)d7)a fala9)b,c

    11) a)Cb)Cc) Cd) E16) c18) crebro substncia20) substncia22) b24) C-E-E26) a28) C-C-E30)a) Vb)F

    c)Vd)V

  • - 23 -

  • - 24 -SINCRONIA/DIACRONIA

  • - 25 -Sicronia/Diacronia

    Assim, a Lingustica se acha aqui ante sua segunda bifurcaoFoi necessrio, primeiro, escolher entre a langue e a parole; agora,. estamosna encruzilhada dos caminhos que conduzem, um diacronia, outro sincronia. (CLG, 114)

    Esta a segunda dicotomia saussuriana acolhida amplamente pela Ungustica moderna, principalmentepelos linguistas norte-americanos, preocupados em no introduzir consideraes histricas na descrio de umestado de lngua.

    Rompendo definitivamente com a tradio dos neogramticos, Saussure confere absoluta prioridade pesquisa descritiva (sincrnica) em detrimento da pesquisa histrica (diacrnica). At ento todos os linguistasda escola comparativista faziam apenas diacronia, com exagero e at mutilao, porque manipulavam-na comoum fim em si mesma, ignorando os estudos sincrnicos. Contra tal estado de coisas Saussure se insurgiufrontal e veementemente:

    Poucos linguistas percebem que a interferncia do fator tempo de molde a criar, para a Lingustica, dificuldades particulares, e que elalhes coloca a cincia frente a duas rotas absolutamente divergentes. (CLG,94).

    Eixo das Simultaneidades e das Sucessividades

    O mestre genebrino acha indispensvel que, em Lingustica, como em todas as demais cincias, sedistingam os fenmenos de duas maneiras: 19) do ponto de vista de sua configurao sobre o eixo AB dassimultaneidades (relaes entre coisas coexistentes 9, excluindo-se qualquer considerao de tempo; 29) deacordo com a posio do fenmeno sobre o eixo das sucessividades CD, no qual cada coisa deve serconsiderada de per si, sem esquecer, contudo, que todos os fatos do primeiro eixo ai se situam com suasrespectivas transformaes. A figura abaixo aparece pgina 95 do CLG; Saussure a usa para esclarecer seupensamento.

    C

    A B

    D

    Saussure acha que, no eixo AB das simultaneidades, o linguista deve estudar as relaes entre osfenmenos existentes ao mesmo tempo num determinado momento do sistema lingstico, que pode ser tanto nopresente como no passado. Por outro lado, situando-se no eixo CD das sucessividades, o linguista tem comoobjeto de estudo a relao entre um dado fenmeno e outros fenmenos anteriores ou posteriores, que oprecederam ou lhe sucederam. E adverte que tais fenmenos (diacrnicos)

    no tm relao alguma com os sistemas, apesar de oscondicionarem (CLG, 101)

    AB = sincroniaCD = diacronia

  • - 26 -Saussure reviveu lcida e oportunamente a salutar primazia dos estudos descritivos existentes antes do

    sculo XIX:

    seu (dos gramticos do passado) programa estritamentesincrnico. Assim, a gramtica de Port-Royal tenta descrever o estado dalngua francesa no tempo de Lus XIV e determinar-lhe os valores ".

    E, alijando de vez a preocupao diacrnica na descrio lingstica, conclui:

    No tem ela (a gramtica de Port-Royal), por isso, necessidade dalngua medieval; segue fielmente o eixo horizontal (CLG, 97)

    Distinguindo fatos da langue sincrnicos de fatos da langue diacronicos, estabelece com nitidez ondecomeam uns e terminam outros:

    " sincrnico tudo quanto se relacione com o aspecto esttico danossa cincia; diacrnico tudo que diz respeito

    s evolues. (CLG, 96)

    Para Saussure, sincronia est para um estado de lngua assim como diacronia para uma fase deevoluo (CLG, 96). Optando pela primeira, invoca que

    a multiplicidade dos signos (...) da lngua nos impedeabsolutamente de estudar-lhe, ao mesmo tempo, as relaes

    no tempo e no sistema" (CLG, 96)

    A Prioridade dos Estudos Sincrnicos

    O ter outorgado papel preponderante ao estudo sincrnico repousa na sua conceituaofundamental de lngua (langue) como sistema de valores, conforme j examinamos. Segundo saussure olinguista s pode realizar a abordagem desse sistema estudando, analisando e avaliando suas relaes internas(sintagmticas e paradigmticas), isto , mia estrutura, sincronicamente, porque

    a langue constitui um sistema de valores puros que nadadetermina fora do estado momentneo de seus termos:

    (CLG, 95)

    Nesse ponto sua argumentao se faz slida e irrefutvel (o que, infelizmente, no pode serconsiderado uma constante no CLG pelas prprias circunstncias de que se revestiu como obra pstuma e inaca-bada). O mestre argumenta lucidamente que o falante nativo no tem conscincia da sucesso dos fatos dalangue no tempo. Para o individuo que usa a langue como veculo de comunicao e interao social, essasucesso no existe. A nica e verdadeira realidade tangvel que se lhe apresenta de forma imediata a doestado (sincrnico) de lngua (langue). Por isso,

    tambm o linguista que queira compreender esse estado devefazer tbula rasa de tudo quanto produziu (a langue) e ignorar adiacronia (CLG, 97)

    O Jogo de Xadrez e a Sincronia

    Nesse ponto, torna-se oportuno voltar comparao estabelecida entre o jogo de xadrez e o jogo dalngua. Tanto na partida de xadrez como no "jogo da lngua, diz o mestre, estamos em presena de umsistema de valores e assistimos s suas modificaes: (CLG, 104)

    Saussure afirma que cada posio de jogo corresponde a um estado de lngua. O valor de cada peadepende da posio que ela ocupa no tabuleiro; igualmente na lngua, cada elemento tem seu valor determinadopela oposio e pelo contraste com os outros elementos. Alm disso, o sistema tem valor apenas momentneo,

  • - 27 -uma vez que ele varia de uma posio a outra (CLG, 104). E, o mais importante, o deslocamento de umapea no ocasiona mudana geral no sistema, faz apenas com que ele passe de um equilbrio a outro, ou deuma sincronia a outra (CLG, 104). Na verdade,

    o deslocamento de uma pea um fato absolutamente distinto doequilbrio precedente e do equilbrio subsequente (...). Numa partida dexadrez, qualquer posio dada tem como caracterstica singular estarlibertada de seus antecedentes; totalmente indiferente que se tenhachegado a ela por um caminho ou outro; o que acompanhou toda a partidano tem a menor vantagem sobre o curioso que vem espiar o estado do jogono momento crtico; para descrever a posio, perfeitamente intilrecordar o que ocorreu dez segundos antes. Tudo isso se aplica igualmente lngua e consagra a distino radical do diacrnico e do sincrnico(CLG, 105).

    Uma nica falha existe na comparao e o mestre, numa autocrtica, a reconhece: que, enquanto ojogador tem o poder de deslocar peas conscientemente e, dessa forma, agir intencionalmente sobre o sistema

  • - 28 -As tcnicas da Lingustica diacrnica distinguem duas perspectivas, segundo o carter dos dados com

    que opera: uma prospectiva, que acompanhe o curso do tempo, e outra retrospectiva, que faa o mesmo emsentido contrrio: (CLG, 106).

    O mtodo prospectivo estuda e compara dois ou mais estados da mesma lngua, cada um antepassadoou descendente do outro; o mtodo usado principalmente em Lingustica Histrica. O mtodo retrospectivo(mais conhecido como comparativo) estuda estados de lngua que tenham parentesco entre si. Atravs dainduo e da deduo, chega-se (at onde seja possvel) ao estado do ltimo antepassado comum a todos osestados conhecidos. Na prtica, ambos os mtodos so aplicados conjuntamente.

    Os Campos de Estudo Sincrnico e Diacrnico

    Perfeitamente consciente de suas postulaes dicotmicas, Saussure lembra que foi necessrio,primeiro, escolher entre a lngua (langue) e a fala (parole), e que a Lingustica se acha aqui ante sua segundabifurcao", , cujos caminhos conduzem, um diacronia, outro sincronia. (CLG, 114). E, metodlogo porexcelncia, delimita essas duas partes da nossa cincia de forma defmitiva:

    A Lingfistica sincrnica se ocupar das relaes lgicas epsicolgicas que unem os termos coexistentes e que formam sistema, taiscomo so percebidos pela conscincia coletiva.

    A Lingustica diacrnica estudar, ao contrrio, as relaes queunem termos sucessivos no percebidos por uma mesma conscinciacoletiva e que se substituem uns aos outros sem formar sistema entre si.(CLG, 116)

    Deixando de se preocupar com o processo pelo qual as lnguas se modificam, para tentar saber o modocomo elas funcionam, Saussure deu, coerentemete, primazia ao ponto de vista estritamente sincrnico, inega-velmente o ponto de partida para a Lingustica Geral e para o Estruturalismo lingustico (sobre este ltimo, verpg. 135).

    Eis, em resumo, os traos caractersticos desta segunda dicotomia saussuriana:

    SINCRONiA DIACRONIA

    esttica evolutivadescritiva prospectiva e retrospectiva

    gramtica geral gramtica histricainteressa-se pelo sistema interessa-se pelas evolues e suas causas

    faz descries sincrnicas apia-se em descries sincrnicasdescreve estados de lngua e descreve fenmenos evoluti vos de per sisuas relaes

    SINCRONIA DIACRONIA

    abstrai o tempo

    trata de fatos simultneos

    estuda fatos que formamsistema entre si

    estuda o modo como a lngua funciona

    preocupa-se com funcionamento

    syn (simultaneidade) +khrnos (tempo)

    descreve um determinadoestado de uma mesma lngua

    leva em conta o tempo

    trata de fatos sucessivos

    estuda fatos que no formam sistema entre si

    estuda o processo de evoluo da lngua

    preocupa-se com evoluo

    di (movimento atravs de) + khrnos(tempo)

    confronta estados diferentes de uma mesmalngua

    atomismo

    todo

    fato

    Estruturalismo

    Parte

    relao

  • - 29 -

    EXERCCIOS

    2 - Assinale a afirmao INCORRETA:Sincronia e Diacronia

    1 Assinale F para falso e V para verdadeiro:

    ( ) Saussure chama sincronia quando no h interveno do tempo.( ) Saussure chama diacronia quando os fenmenos se sucedem no tempo.( ) Todos os elementos gramaticais da lngua pertencem sincronia.

    a) Os sons, as formas gramaticais, a sintaxe e o vocabulrio so suscetveis de consideraesdiacrnicas.

    b) diacrnico tudo o que diz respeito s evolues.c) O estudo sincrnico no possvel sem um paralelo estudo diacrnico que lhe sirva de apoio.

    3 Assinale com a letra 5 o que caracteriza a sincronia e com a letra D o que caracteriza a diacronia:

    ( ) Estuda os fenmenos lingusticos num determinado estado de sua evoluo.( ) Estuda os fatos lingsticos em suas transformaes atravs dos tempos.( ) Interessa-se pelo sistema.( ) Descreve fenmenos evolutivos de per si.( ) Estuda o modo como a lngua funciona.( ) Estuda o processo de evoluo da lngua.( ) Interessa-se pelas evolues e suas causas.( ) Descreve estados de lngua e suas relaes internas.

    4 Assinale a definio correta:

    a) Metaplasmos so modificaes fonticas que sofrem as palavras na sua evoluo.b) Metaplasmos so modificaes morfolgicas que os vocbulos sofrem durante a sua evoluo.c) Metaplasmos so vocbulos latinos que no sofreram modificaes diacrnicas.

    5 Relacione as colunas:

    a) Metaplasmos por aumento.1. Prtese2. Epntese3. Suarabcti4. Paragoge

    b) Metaplasmos por subtrao:1. Afrese2. Sncope3. Haplologia4. Apcope5. Crase6. Eliso( ) bratta > barata

    ( ) ante > antes

  • - 30 -( ) scutu > escudo( ) acutu > agudo( ) area > areia

    ( )( )()()()()()amare > amar de + este > deste attonitu tonto legale legal mediu > meio avoo > av idololatria>

    idolatria

    6 Preencha as lacunas:

    a) Tudo o que se relacione com o aspecto esttico da lngua, ou seja, o seu estado num dadomomento chama-se

    b) As evolues da lngua, acompanhando o curso do tempo e submetidas a comparaes comoutros idiomas que tenham entre si um vnculo histrico chama-se

    c) relaes no temporelaes no sistema =d) Quando se estudam os fatos da lngua, o que importante para o indivduo falante o

    7 O objeto da Lingustica Sincrnica Geral estabelecer os princpios fundamentais de todo osistema idiossincrnico, os fatores constitutivos de todo estado de lngua.

    ( ) CERTO ( ) ERRADO

    8 A Lingustica que se ocupa de valores e relaes coexistentes :

    a) a Lingustica diacrnica; b) a Lingustica sincrnica; c) a Lingustica histrica;d) a Lingustica sincrnica e diacrnica.

    9 Um estado de lngua vem a ser:

    a) ausncia de transformao durante um espao de tempo;b) espao de tempo em que a lngua sofre transformaes considerveis;c) espao de tempo em que as transformaes ocorridas so mnimas.

    Marque a nica alternativa correta:

    a) E sincrnico tudo o que diz respeito s evolues. ( )b) Mtodo prospectivo estuda e compara dois ou mais estdos da mesma lngua.( )c) diacrnico tudo o que diz respeito ao aspecto esttico da nossa cincia. ( )

    Numere a 2 coluna de acordo com a1 Sincronia ( ) confronta estados diferentes

    de uma mesma lngua.2 Diacronia ( ) interessa-se pelo sistema.

    ( ) leva em conta o tempo.( ) trata de fatos simultneos.

    12 Marque V ou F:

    a) Mtodo retrospectivo o mtodo usado em Lingustica histrica. ( )b) Os estudos sincrnicos no tm a preocupao com o processo pelo qual as lnguas se

    modificam, e sim tentam saber o modo como elas funcionam. ( )c) Sincronia a relao dos fatos de uma lngua num momento dado de sua histria. ( )

  • - 31 -d) A diacronia da lngua portuguesa parte do latim vulgar, at nossos dias. ( )

    13 Complete:a) a sucesso de sincronias.b) Mtodo retrospectivo parte do para o

    Estuda estados da lngua que tenham entre si.

    14 a) Segundo Saussure a lngua (langue) constitui um de valores puros que nada determinafora do de seus termos.

    b) Diacronia descreve fenmenos de per. si.

    15 Assinale Sincronia (5) e Diacronia (D).

    a) Gramtica Geral. ( )b) Interessa-se pelo sistema. ( )c) Evolutiva. ( )d) Gramtica Histrica. ( )e) Interessa-se pelas evolues e suas causas. ( )f) Esttica.( )g) Descritiva. ( )h) Prospectiva e Retrospectiva. ( )i) Abstrai o tempo.( ).j) Leva em conta o tempo. ( )

    16 Marque verdadeiro (V) ou falso (F).

    a) ( ) Somente a Sincronia diz respeito ao estudo dos fatos lingusticos.b) ( ) A Diacronia estuda os fatos em suas transformaes atravs dos tempos.c) ( ) O aspecto Sincrnico prevalece sobre o Diacrnico, pois, para a massa falante, ele constitui a

    verdadeira e nica realidade.d) ( ) O estudo do infinitivo, dc seu emprego numa poca X, um estudo Sincrnico.

    17 Assinale as afirmativas corretas:

    a) Todos os elementos gramaticais da lngua pertencem sincronia.b) Sincronia designa um estado de lngua e diacronia, uma fase de evoluo.c) Os fatos diacrnicos esto diretamente ligados s modificaes da fala (parole).d) A Sintaxe de uma lngua no passvel de consideraes diacronicas.e) Para a massa falante, a nica realidade da lngua o seu aspecto sincrnico.

    f) Os termos considerados pela Lingustica diacrnica pertencem sempre mesma lngua.

    18 Coloque D nas expilcaes diacrnicas e S nas sincrnicas:

    ( ) Pr um verbo da 2 conjugao, porque no passado o infinitivo do verbo era poer.( ) Pr da 2 conjugao porque sua vogal temtica -e-, como comprovam as formas pudesse, puser,

    pe, etc.( ) Forma-se o plural de amvel pela troca do -l por -is: amvelamaveis.( ) O plural amveis provm da forma latina amabiles:amabiles > amavies > amavees > amveis( ) O plural de lobo provm evolutivamente de lupas:lupos> opos> lobos( ) O plural de lobo forma-se pelo acrscimo de um -s ao singular lobo.

  • - 32 -

    19 Complete corretamente as lacunas com os vocbulos sincrnico (a) ou diacrnico (a):

    a) "A lngua um sistema do qual todas as partes podem e de-vem ser consideradas em suasolidariedade

    b) Os fatos , quaisquer que sejam, apresentamuma certa regularidade, mas no tm nenhum carter imperati

    vo; os fatos , ao contrrio, se impem lngua,mas nada mais tm de geral.

    c) Na perspectiva , ocupamo-nos com fenmenosque no tm relao alguma com os sistemas, apesar de os condicionarem.d) De acordo com o fator tempo, podemos distinguir duas Lingusticas: Lingustica evolutiva ou Lingustica esttica ou

    20 Marque (F) quando for falso e (V) quando for verdadeiro.

    ( ) Os fenmenos diacrnicos tm absoluta relao com o sistema.( ) Todos os elementos gramaticais da lngua pertencem sincronia.( ) Sincronia estuda os fatos em suas transformaes atravs do tempo.( ) Podemos dizer que a diacronia est no eixo das simultaneidades.( ) O mtodo retrospectivo estuda estados de lngua que tenham parentesco entre si.( ) Deixando de se preocupar com o processo pelo qual as lnguas se modificam, para tentar

    saber o modo como elas funcionam, Saussure deu primazia ao ponto de vista estritamente sincrnico.

    21 Numere a 2 coluna de acordo com a

    1 Sincronia

    2 Diacronia

    Numere a 2 coluna corretamente:1 Sncope

    2 Prtese3 Apcope4 Epntese5 Apofonia6 Paragoge7 Metafnia8 Anaptixe

    ( ) esttica.( ) prospectiva e retrospectiva.( ) leva em conta o tempo.( ) trata de fatos simultneos.( ) gramtica histrica/estudo externo

    da lngua.( ) interessa-se pelo Sistema.( ) nomes plurais entre si (homens,

    lees).( ) comedere > comeer> comer.( ) descreve um determinado estado

    de uma mesma lngua.( ) IN + BARBA > IMBERBE AMAT>AMA

    ( ) DEBITA> DVIDA MALU>MAU

  • - 33 -( ) SCUTU> ESCUDO( ) STELLA> ESTRELA( ) ANTE > ANTES( ) GRUPA> GARUPA- Marque F ou V:

    ( ) A gramtica histrica diacrnica por excelncia.( ) A comunidade lingistica tem que se valer de uma gramfica diacrnica.( ) A Lingstica sincrnica acompanha as mudanas que se operam na passagem de um estado

    a outro de uma dada lngua.( ) A sincronia no releva o fator tempo.

    24 Marque S (sincronia) ou D (diacronia):

    ( ) Hoje, o pronome VOS usado, normalmente, como tratamento de cerimnia.( ) No Portugus dos sculos XIX e XX houve alterao no uso do pronome VS.( ) Sistema ortogrfico na dcada de quarenta comparado com o existente a partir de 1971.( ) Os verbos portugueses distribuem-se por trs conjugaes.

    25 Relacione:

    1 Sincronia

    2 Diacronia( ) Evolutiva( ) Considera o fator tempo( ) Esttica ( ) Descritiva( ) Gramtica histrica( ) Interessa-se pelo sistemaGABARITO

    SINCRONIA/DIA CRONIA

    1)V-V-V3) S D 5 D 5 D DS5) a) 3 4 1 2 (em acutu> agudo, houve sonorizao)

    b) 4 6 1 e 2 4 2 53

    7) Certo9) c

    11) 2 1 2 113) a) diacroniab) presente passado

    parentesco14) a) sistema estado

    momentneob) evolutivos

    a b c eD-D-S-D-D-Sa) sincrnica

    17)18)19)2) C4)A6)

    8) b10) b12)

    a) sincroniab) diacronia

    c) diacronia/sincroniad) estado da lngua naquele momento-D-D-D-D-S-D

    a) Fb)Vc)Vd)V

    15) SSSS

    16) a)Fb)V

    20)21)

    23)

  • - 34 -b) sincrnicos diacrnicos

    o) diacrnicad) diacrnica/sincrnica22) 5 3 7 1. 2

    2 6825) 2 2 1 1 2 1

  • - 35 -

    RELAES SINTAGMTICAS E PARADIGMTICAS

  • - 36 -Relaes Sintagmticas e Paradigmticas

    Tudo o que compe um estado de lngua pode ser reduzido a umateoria dos sintagmas e a uma teoria das associaes. (...) Seria necessriopoder reduzir dessa maneira cada fato sua ordem, sintagmtica ouassociativa, e coordenar toda a mat-ria da Gramtica sobre esses doiseixos naturais. (CLG, 158/9)

    Eixo Sintagmtico e Paradigmtico

    Para Saussure, tudo na sincronia se prende a dois eixos: o eixo associativo (= paradigmtico) e osintagmtico, conforme esquema pg. 25.

    As relaes sintagmticas baseiam-se no carter linear do signo lingustico, que exclui a possibilidadede (se) pronunciar dois elementos ao mesmo tempo (CLG, 142). A lngua formada de elementos que sesucedem um aps outro linearmente, isto , na cadeia da fala (CLG, 142). relao entre esses elementosSaussure chama de sintagma:

    O sintagma se compe sempre de duas ou mais unidadesconsecutivas: re-ler, contra todos, a vida humana, Deus bom, se fizer bomtempo, sairemos, etc. . (CLG, 142)

    Colocado na cadeia sintagmtica, um termo passa a ter valor em virtude do contraste que estabelececom aquele que o precede ou lhe sucede, ou a ambos, visto que um termo no pode aparecer ao mesmotempo que outro, em virtude do seu carter linear. Em Hoje fez calor, por exemplo, no podemos dizer je antesde ho, nem ho ao mesmo tempo que je; lor antes de ca, ou ca simultaneamente com lor impossvel. essacadeia fonica que faz com que se estabeleam relaes sintagmticas entre os elementos que a compem. Comoa relao sintagmtica se estabelece em funo da presena dos termos precedente e subseqente no discurso,Saussure a chama tambm de relao in praesentia (CLG, 143).

    Por outro lado, fora do discurso, isto , fora do plano sintagm-tico, se, em Hoje fez calor, dizemoshoje pensando op-o a outro advrbio, ontem, por ex., ou fez em oposio a faz e calor a frio, estabelecemosuma relao associativa ou in absentia (CLG, 143), porque os termos ontem, faz e frio no esto presentes nodiscurso. So elementos que se encontram na nossa memria de falante numa srie mnemnica virtual,conforme esclarece Saussure pg. 143 do CLG:

    as palavras que oferecem algo de comum se associam na memriae assim se formam grupos dentro dos quais imperam relaes muitodiversas (das sintagmticas), relaes essas que Saussure batizou deassociativas.

    O Paradigma para Hjelmslev

    Mais tarde, Hjelmslev as rebatizou de paradigmticas, pois o lin-guista dinamarqus achava que todoelemento lingustico pode ser integrado num paradigma, termo considerado aqui numa acepo mais ampla quea da gramtica tradicional.

    Vejamos, a propsito, as prprias palavras de Hjehnslev a respeito da definio de paradigma:37

    Si tomamos un signo ingls como la pala bra pit (pozo),podemos formar a partir de l otros signos reemplazando cada elemento porotro. (...) podemos, pues, sustituir todos y cada uno de los elementos deexpresin de que consta el signo pit y de esta manera formar nuevossignos: pit, sit, fit, lit; pit, put, pot, pat; pit, pin, pig. Podemos representar elsigno pit como una cadena (cadeia) horizontal, que se desenvuelve deizquierda a derecha, y despus, bajo cada elemento de que consta, colocaren una columna vertical otros elementos que podran sustituirle:

    pitsal

  • - 37 -fun...

    ...

    Llamaremos paradigmas a las columnas verticales, que hemoslevantado aqu;un paradigma de elementos es, por consiguiente, una classede elementos que pueden colocarse en un mismo lugar de una cadena: pites una cadena, P, 5, F es un paradigma.

    A defmio encontrada no Pequeno Vocabulrio de Lingustica Moderna, de Francisco S. Borba,bastante didtica, esclarece qualquer dvida porventura ainda existente:

    Paradigma o conjunto de unidades suscetveis de aparecer nummesmo contexto. E complementando a defmio saussuriana: As unidadesdo paradigma opem-se, pois uma exclui a outra: se uma est presente, asoutras estio ausentes .

    Sobre os elementos de confronto de mais essa dicotomia, ningum melhor que o prprio autor do CLGpara nos ampliar e consolidar a apreenso conceitual. E Saussure o faz lanando mo de mais uma de suasfamosas comparaes:

    Desse duplo ponto de vista, uma unidade lingustica comparvela uma parte determinada de um edifcio, uma coluna, por exemplo; a colunase acha, de um lado, numa certa relao com a arquitrave que a sustm;essa disposio de duas unidades igualmente presentes no espao faz pensarna relao sintagmtica; de outro lado, se a coluna de ordem drica, elaevoca a comparao mental com outras ordens (jnica, corintia, etc.), queso elementos no presentes no espao: a relao associativa. (CLG,143)

    Oposio Distintiva e Oposio Contrastiva

    Podemos esquematizar figurativamente os dois eixos, paradigmtico e sintagmtico, da seguintemaneira:

    Oposio constrastiva

    Temos, portanto, que o eixo horizontal o da realizao concreta, o das relaes in praesentia(sintagmticas). O vertical o do material disponvel na mente do falante (da o pontilhado) para escolha e cujasrelaes entre os elementos se realizam in absentia (paradigmticas).

  • - 38 -

    Sintagma

    Segundo Saussure, a noo de sintagma se aplica no s s palavras, mas aos grupos de palavras, sunidades complexas de toda dimenso e de toda espcie (palavras compostas, derivadas, membros de frase,frases inteiras). (CLG, 114). Em seu Diciondrio de Lingustica e Gramtica, Mattoso Cmara define osintagma como a combinao deformas mnimas numa unidade lingustica superior. Trata-se, portanto, derelaes onde o que existe, em essncia, a reciprocidade, a coexistncia ou solidariedade entre os elementospresentes na cadeia da fala. Essas relaes sintagmticas ou de reciprocidade existem, a nosso ver, em todos osplanos da lngua: fnico, mrfico e sinttico, ao contrrio do que deixa entrever a defmio do prprio Saussure,que nos induz a conceber o sintagma apenas nos planos mrfico e sinttico. Sendo assim, o sintagma, emsentido lato, toda e qualquer combinao de unidades lingsticas na sequncia de sons da fala, a servio daforma (rede de relaes) da lngua.

    Relaes Sintagmticas da Lngua Portuguesa

    Vejamos, a propsito, o quadro das relaes sintagmticas da lngua portuguesa, numa tentativaesboada pelo professor Slvio Elia:

    * Lnguas h que possuem um terceiro tipo: o grupo quantitativo (longo/breve). Ex.: o latim, o ingls,etc.

    Do exposto, depreende-se que a frase o prottipo do sintagma e como a frase pertence ao mbito dafala (parole), Saussure levanta a seguinte questo: o sintagma deveria ser estudado na Lingustica da fala ou dalngua (langue)? O prprio mestre responde esclarecendo que todos os tipos de sintagma pertencem lngua eno fala e que a liberdade de que gozam aparente, uma vez que se trata de uma liberdade vigiada (a dossintagmas na fala).

    Em primeiro lugar, porque existem sintagmas que so frases feitas , j cristalizadas, verdadeirosclichs, nas quais o uso proibe qualquer modificao . (CLG, 144). Em portugus, servem como exemplo defrases feitas expresses do tipo ora essa!, ora bolas!, no diga!, pois !, veja s!, e agora?, darcom os burros ngua, isso a, etc.

    Eis o que diz Saussure a respeito de tais frases:Esses torneios no podem ser improvisados; so fornecidos pela

    tradio. (CLG, 144).

  • - 39 -

    Analogia e Neologismos

    Em segundo lugar, porque os sintagmas na fala so construdos a partir de formas regulares e quepertencem, por essa razo, lngua, pois, como adverte Saussure, cumpre atribuir lngua e no fala todosos tipos de sintagmas construdos sobre formas regulares . (CLG, 145). Quer isto dizer que se uma palavracomo incolorvel (cf. incolor) chegar a surgir na fala e atingir a lngua, isto , passar a fazer parte do sistema,tal fato no veio do nada, muito menos de uma suposta originalidade individual dos falantes ou de umdeterminado grupo social. Tal fato ocorre, isto sim, calcado em outros modelos ou paradigmas j existentes nosistema, como imperdovel, infatigvel, etc.4 Em outras palavras, a prpria potencialidade da lngua possibilitasua criao atravs do que Saussure chama de analogia (CLG, 194), uma vez que tais formaes s se tomampossveis pela lembrana de um nmero suficiente de palavras semelhantes pertencentes lngua .

    (CLG, 145).Por fim, Saussure chama a ateno para a estreita relao existente entre o sintagma e a fala, porque

    no domnio do sintagma no h limite categrico entre o fato de lngua, testemunho de uso coletivo, e o fatode fala, que depende da liberdade individual . (CLG, 145). Desse modo, para Saussure, na maioria dos casos,torna-se difcil classificar um sintagma como pertencente fala ou lngua, por-que ambos os fatos (social eindividual) concorreram para produzi-lo e em propores impossveis de determinar. (CLG, 145).

    As Relaes Associativas (= paradigmticas)

    Como exemplo de que cada elemento lingstico evoca no falante ou no ouvinte a imagem de outroselementos, Saussure apresenta a palavra enseignement (ensino), que desperta associaes com enseigner,renseigner e outros termos da mesma rea semntica (ducation, apprentissage)

    Saussure tambm adverte que

    enquanto um sintagma suscita em seguida a idia de uma ordemde sucesso e de um nmero determinado de elementos, os termos de umafamlia associativa (paradigmtica) no se apresentam nem em nmerodefinido nem numa ordem determinada. Se associarmos desej-oso ,calor-oso , medr-oso , etc., ser-nos- impossvel dizeiantecipadamente qual ser o nmero de palavras sugeridas pela memriaou a ordem em que aparecero .

    (CLG, 146).

    Achamos oportuno, a essa altura, introduzir o ponto de vista bastante esclarecedor do professor SlvioElia, segundo o qual as relaes associativas podem estabelecer-se tanto entre os significantes como entre ossignificados.

    Segundo o referido mestre, as relaes associativas no plano do significante do origem aos diversossistemas fonolgicos que distinguem uma lngua da outra.

    Por outro lado, as relaes associativas estabelecidas no plano do significado so de naturezagramatical (inventrio fechado): declinaes, conjugaes, afixos, desinncias, incluindo-se aqui as chamadaspalavras gramaticais: artigos, pronomes, advrbios, numerais e conjunes. As relaes associativas entresignificados lexicais constituem os chamados campos semnticos. base da Semntica Estrutural, e estabelecem-se a partir das significaes lexemticas, formando uma srie aberta, embora limitada. Figuradamente,teramos o seguinte quadro:

    4 Note-se, a propsito, a fertilidade do neologlsmo aeromoa, que est dando margem a outras criaes curiosas como ferromoa

    e rodomoa. Carls Drummond de Andrade (v. Jornal do Brasil de 12/2/76) sugere que as atuais telefonistas da Telerj (Telecomunicaesdo Rio de Janeiro, ex-CTB) passem a chamar-se telerjistas e que telerjema e assinerjista substituam os surrados telefonema e assinante.

  • - 40 -

    Terminologia Subsidiria

    Por fim, como terminologia subsidiria, o que Saussure chama de relaes sintagmticas, Hjelmslevrotulou de relaes, Jakobson, de contiguidades e Martinet, de contrastes. As relaes associativas so corre-laes para Hjelemslev, similaridades para Jakobson e oposies para Martinet.

    Apresentamos a seguir um quadro comparativo dos traos mais representativos dos componentes dessaterceira dicotomia saussuriana:

  • - 41 -EXERCCIOS

    Relaes Sintagmticas e Paradigmticas

    1 O sintagma formado por elementos que se sucedem na cadeia da fala.

    2 As relaes sintagmticas estabelecem oposio e as relaes paradigmticasestabelecem oposio

    3 O eixo horizontal o da realizao concreta, o das relaes (sintagmticas). O vertical o das relaes efetuadas na memria do falante, o das relaes (paradigmticas).

    4 Segundo Saussure, as unidades do paradigma opem-se, pois uma exclui a outra: se uma estpresente, as outras esto ausentes.

    ( ) certo ( ) errado

    5 Relacione as colunas:1 sintagma lexical ( ) cadeira

    2 sintagma supra-oracional ( ) cadeira de balano3 sintagma locucional ( ) bom que venhas

    6 Coloque V ou F, conforme as afirmativas verdadeiras ou falsas:

    ( ) A frase o prottipo do sintagma, logo, segundo Saussure, este deve ser estudado naLingstica da fala.

    ( ) As frases feitas so exemplos de sintagmas que no podem ser livremente modificados.( ) H um limite bem estabelecido para determinar o sintagma da fala e o sintagma da lngua.

    ( ) A potencialidade da lngua possibilita a criao de novos sintagmas, atravs do que Saussure chamade analogia.

    7 Coloque 1 ou 2:

    1 = sintagma2 = paradigma

    ( ) potencialidade( ) contraste entre termos presentes( ) baseia-se na linearidade( ) situa-se na memria( ) oposio distintiva( ) realidade( ) metfora( ) metonmia

    8 Levando-se em conta o parmetro diacronia/sincronia, tanto o sintagma como o paradigma serelacionam

    a) Unicamente com a sincronia .b) Somente com a diacronia .c) Tanto com a diacronia como com a sincronia .

  • - 42 -9 Joo, que conhecido por sua destreza manual, embaralhou as cartas. Temos a um exemplo

    de sintagma de nvel

    a) Verbalb) No h sintagmac) Sinttico (supra-oracional)

    10 A srie associativa apresenta dois caracteres: ordem indeterminada e nmero indefmido. Oprimeiro pode faltar, porm o segundo se verifica sempre.

    ( ) certo ( ) errado

    11 Quase todas as unidades da lngua dependem do que as rodeia na cadeia falada e das partessucessivas de que elas prprias se compem.

    ( ) certo ( ) errado

    12 Assinale o grfico correto:

    19)Paradigma -------->

    (eixo das possibilidades)

    Sintagma(ordenao)

    29)sintagma -------->

    (eixo das associaes)

    Paradigma(ordenao)

    39)

  • - 43 -b) A afirmao est parcialmente correta, pois o princpio da linearidade do significado e no

    do significante.c) A afirmao est errada.

    14 A melhor defmio de sintagma seria:

    a) A combinao de elementos binrios dentro de um discurso , estando, portanto, os elementospresentes numa srie efetiva.

    b) Uma associao presente na memria, existindo como possibilidade.c) As duas afirmaes acima se completam.

    15 Paradigma :

    a) Uma relao ordenada a partir do discurso.

    b) Uma relao que repousaria em dois ou mais termos presentes em uma srie efetiva.c) Uma relao associativa (que se apresenta como eixo de possibilidades) de termos situados na

    memria.

    16 Quando queremos dizer que um cachorro mordeu um menino, podemos, dependendo docontexto onde est sendo feito o

    . ,, discurso, afirmar que: Um co mordeu o menino ou O canideo mordeu o menino ou, ainda, O Tot

    mordeu o garoto. O que nos oferece estas diversas possibilidades :

    a) O eixo sintagmticob) O eixo paradigmticoc) O desvio de significados

    17 se pudssemos esquematizar um quadro do discurso, teramos:

    a) O indivduo vai, primeiramente, ao paradigma (eixo das possibilidades) e depois constri amensagem.

    b) Primeiro o falante vai ao sintagma para depois estruturar a frase no paradigma.c) Os dois processos acima esto incorretos.

    18 POBRE MEU PAI! E A MO QUE ENCHI DE BEIJOS/ ROI-DA TODA DE BICHOS,COMO OS QUEIJOS! SOBRE A MESA DE ORGIACOS FESTINS (A Meu Pai Morto Augusto dosAnjos).

    Podemos afirmar, a partir destes versos, que o poeta para ordenar sua mensagem e obter as rimas debeijo e queijo recorreu ao paradigma, utilizando-se da:

    a) Analogia de significados .b) Afinidade entre as imagens acsticas .c) Nenhuma das afirmaes acima explicam a natureza das relaes que unem beijo e queijo.

    19 Quando falamos a palavra conjunto, imediatamente associamos a grupo, equipe ,coletividade, etc. A natureza desta relao paradigmtica por

    a) Comunidade de imagens acsticasb) Analogia de significados .c) Desvio de significados com o mesmo significante .

    20 A relao sintagmtica exige sempre um estado de perimanente oposio contrastiva. Atravsde diferenciaes, obtemos a unidade requerida. Assim sendo, ns estudamos s existe na medida em que h a

  • - 44 -forma (estrutura) ele estuda. Quando no so possveis tais processos de diferenciao, no existem relaessintagmticas.

    a) A afirmao totalmente pertinenteb) A afirmao parcialmente pertinentec) A afirmao est totalmente errada

    21 Coloque 1 para os casos de oposio estrutural (paradigmtica) e 2 para os casos de oposiofuncional (sintagmtica):

    ( ) rei/rainha( ) verbo/objeto( ) lexema/morfema( ) ncleos/adjuntos( ) eu/tu( ) estudava/estudara( ) fazer/fizer( ) vogal/semivogal( ) sonoridade/no-sonoridade( ) lexema/afixos( ) vogal aberta/vogal fechada( ) lexema + vogal temtica = tema( ) orao principal/or. subordinada( ) vogal temtica -a-/vogal temtica -e( ) composio por aglutinao( ) derivao parassinttica

    22 Coloque V ou F:

    ( ) Telerjista um exemplo de neologismo.( ) Em: anel de ouro temos um sintagma locucional.( ) A possibilidade de trocar o /k/ de casa pelo fonema /v/ da natureza do paradigma.( ) O paradigma abstrato enquanto o sintagma concreto.

    23 Dezenove associativamente solidrio a dezoito e, sintagmatica-mente, a seus elementos dez enove.

    a) afirmao est correta.b) A afirmao est errada.c) Estaria certa se fosse invertida a ordem das propostas.

    24 Pode-se afirmar que em uma relao sintagmtica os conjuntos so bindrios e seus elementoscriam um elo de subordinao entre si.

    a) Isto no se aplica a nenhuma relao sintagmtica.b) Aplica-se em certos casos.c) A afirmao est correta para qualquer nvel de relao sintagmtica.

    25 O radical no autnomo, ele s existe pela sua combinao (sintagmtica) com um afixo.( ) certo ( ) errado

    26 O todo vale pelas suas partes, as partes valem tambm em virtude de seu lugar no todo; e eisporque a relao sintagmtica da parte com o todo to importante quanto a das partes entre si.

    ( ) certo ( ) errado

    27 Num estado de lngua, tudo se baseia em relaes que os termos estabelecem entre si somentefora do discurso.

  • - 45 -( ) certo ( ) errado

    28 No discurso, s combinaes que os termos estabelecem entre si, apoiadas na extenso,denominamos:

    ( ) sintagmas( ) sintaxe29 O sintagma se compe sempre de uma nica unidade.( ) certo( ) errado30 Fora do discurso, as relaes que as palavras estabelecem entre si, associadas na memria,

    denominam-se:

    ( ) relaes sintagmticas( ) relaes associativas

    31 A noo de sintagma se aplica apenas s palavras.( ) certo( ) errado

    32 Enquanto um sintagma no suscita a idia de uma ordem de sucesso e de um nmerodeteriminado de elementos, os termos de uma relao associativa se apresentam em nmero defmido e numaordem determinada.

    ( ) certo( ) errado33 Relacionar as colunas:

    De modo que DitongoCu azulIrei praia se tiver tempo.Tritongo verbo + objeto b + r em bravo MarSlaba tnica + slaba tona( ) sintagma fnico prosdi-

    co (grupo meldico)( ) sintagma sub-oracional( ) sintagma sub-oracional( ) sintagma locucional( ) sintagma fnico fonmico

    (grupo voclico)( ) sintagma lexical( ) sintagma supra-oracional

    1)2)3)4)5)6)7)8)9)10) Associaes (determinante + determinado) eventuais ao nvel sinttico: belo rosto11) Associaes fossiizadas de preposio + substantivo , funcionando como determinante de um

    substantivo:brao de mar12) advrbios, conjunes, preposies13) Entonema = unidade distintiva de entonao (assertiva, interrogativa ou exclamativa) ao nvel

    da frase. Sintagmaticamente tem funo determinante.

  • - 46 -14) Alun + o( ) monema( ) sintagma fnico prosdico (grupo acentual)( ) sintagma fnico fonmico (grupo consonantal)GABARITO

    RELA ES SINTAGMTICAS/PARADIGMTICAS

    1) linearmente3) in praesentia in absentia5) 1327) 21122121erradoo correto o quartoabbaa) Vb) Vc) Vd) Vccertosintagmasrelaes associativaserrado

    2)4)6)8)9)11)13)15)17)19)21)

    23)25)27)29)31)33)contrastiva distintivacertoF-V-F-Va

    c

    certoa

    c

    a

    b121112212212 1222a certo errado errado errado13 6 3/10 1/11 2/5 14 4 8/12

    979110)12)14)16)18)20)22)

    24)

  • - 47 -

    A TEORIA DO SIGNO

  • - 48 - Teoria do Signo

    significadoSigno

    significante

    Introduo: Tipos de sinais

    J vimos que Saussure considera a lngua com um sistema de signos formados pela unido do sentido eda imagem acstica . Tentemos agora penetrar essa noo formulada pelo mestre genebrino.

    Comecemos antes esclarecendo smteticamente alguns pontos bsicos, vestibulares teoria do signo. Semiologia (ou Semitica)5 distingue dois tipos de sinais: os naturais e os convencionais. O sinal naturalmanifesta-se em forma de indcio (fsico), como a fumaa, a trovoada, nuvens negras, rastros, o som, o cheiro, aluz, etc., ou em forma de sintoma (fisiolgico): a pulsao, a contrao, a dor, a febre, a fome, o suor, oespasmo, etc. O sinal convencional envolve maior complexidade e pressupe a existncia de uma cultura(antropologicamente falando) j estabelecida, da qual ele resultado e expresso, produto e instrumento a um stempo. Pode apresentar-se em forma de (cone, smbolo ou signo. O icone (do grego eikn = imagem)imagstico, por exemplo, uma foto, uma estatueta, um desenho de algum ou de algum lugar, e caracteriza-setambm por ser no-arbitrrio (v. conceito de arbitrdrio pg. 100); o signo, totalmente arbitrrio, a prpriapalavra,6 enquanto que o smbolo, semi-arbitrrio, um tipo intermedirio entre o icone e o signo; por exemplo,a balana o smbolo da Justia, a espada, smbolo do Exrcito, a cruz simboliza o Cristianismo (uma vez queseu fundador nela morreu), etc.

    Por que Signo e no Smbolo

    Voltando ao CLG, convm lembrar, antes de mais nada, por que Saussure preferiu adotar o termo signe(signo):

    Utilizou-se a palavra smbolo para designar o signo lingusticoou, mais exatamente, o que chamamos de signficante te. H inconvenientesem admiti-lo, justamente por causa do nosso primeiro princpio (o daarbitrariedade do signo). O smbolo tem como caracterstica no ser jamaiscompletamente arbitrrio; ele no est vazio, existe um rudimento devnculo natural entre o significante e o significado. O smbolo da justia, abalana