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Universidade do Minho Instituto da Educação Mestrado em Ensino de Música Unidade Curricular de Sociologia e Profissão Docente I “O Papel do professor no séc. XXI- Reflexão Histórica” Imagem in http://estantedoaprendiz.wordpress.com/2009/11/14/um-professor-bibliotecario-para-o-sec-xxi-uma-quase-sintese- grafica/ [Disponível em 24/11/2012] Carla Daniela da Costa Ferreira Marques PG23435 Professor da UC: Manuel António Silva janeiro 2013

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Universidade do MinhoInstituto da Educação

Mestrado em Ensino de MúsicaUnidade Curricular de Sociologia e Profissão Docente I

“O Papel do professor no séc. XXI- Reflexão Histórica”

Imagem in http://estantedoaprendiz.wordpress.com/2009/11/14/um-professor-bibliotecario-para-o-sec-xxi-uma-quase-sintese-grafica/ [Disponível em 24/11/2012]

Carla Daniela da Costa Ferreira MarquesPG23435Professor da UC: Manuel António Silva

janeiro 2013

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Estamos em 1989, ano de acontecimentos marcantes e simbólicos tais como a

queda do muro de Berlim, ocorrido a 9 de novembro. Acontecimentos como o referido

proporcionaram ao mundo mudanças em todas as áreas do saber. Essas mudanças são

mais evidentes e foram preconizadas, particularmente, na área das relações humanas ou

seja, sociológicas1. Consequentemente expandiram-se também à área da docência,

sendo que o questionamento sobre a profissão docente foi nesse ano uma questão em

voga. É no referido ano que António Nóvoa nos apresenta a base para esta reflexão

referente ao papel do professor em Portugal a partir da reforma pombalina.

Se para Platão e Aristóteles, o ideal para se viver em sociedade felizes era

exercendo o direito à cidadania e, se para isso era necessário reunir um certo conjunto

de saberes associados à educação, educação essa para todos, verificamos que só é

possível a concretização desse ideal através de agentes2, no caso concreto do nosso

estudo, os professores. São os referidos agentes que, ao longo da história,

desempenharam o papel de educar a sociedade. Mas que papel é esse à semelhança da

interrogação de Daniel Hameline (Nóvoa, 1989, p. 60) que diz “Professores para quê?”,

respondendo: “Para assegurar a sua própria reprodução e a da sociedade” 3.

António Nóvoa, num texto centrado em torno da questão das mudanças operadas

do séc. XIX para o séc. XX, apresenta-nos como mote da sua reflexão o questionamento

sobre o papel do professor na sociedade, na referida transição, na época atual (1989)

bem como, quais os caminhos para o futuro desta profissão. Nós, professores, somos

então definidos por Nóvoa, como “agentes-atores” que necessitam de encontrar um

1 Lenina Pomerans (2010) diz-nos que “de todo o modo, a queda do muro representou de fato, e não sósimbolicamente, o marco inicial da derrocada do sistema do socialismo real, podendo ser incluída naavalanche que se abateu no Leste Europeu no final da década de 80, e à qual se sucedeu odesmoronamento da URSS, em dezembro de 1991”.2 “Em Atenas havia um só lugar onde era possível falar aos cidadãos em grupo sobre qualquer questãoque não fosse de qualquer relevância política imediata: o teatro” (Janko, R. citado por Pereira, 2003, p.394). O melhor tipo de teatro para o efeito era a tragédia cujo propósito era educar os cidadãos emquestões de ordem moral e comportamental, ou seja, integrá-los na sociedade.3 É esta aliás a função da sociologia. Segundo Pierre Bourdieu (1971, p. 327) “(…) a sociologia daEducação define o seu objeto. Este objeto está contido no esforço de determinar a contribuição dadapelo sistema de ensino para a reprodução das relações de força e das relações simbólicas entre asclasses, ao contribuir para a reprodução de estruturas de repartição do capital cultural por entre essasclasses.” Sobre esta função Nóvoa a propósito do processo de escolarização que tem atravessado associedades ocidentais desde o séc. XVI, diz-nos também que “Os professores vão ser os intérpretesprincipais deste processo que transformará de forma decisiva as práticas culturais e sociais, inscrevendouma cultura escrita em comunidades de base oral e substituindo progressivamente a «aristocracia dosangue» pela «aristocracia do mérito” (Nóvoa a,1989, p. 436).

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caminho coletivo. Em 1989, vivia-se um “tempo de crise e tempo difícil” bem como,

“uma desintegração dos valores dominantes da sociedade” (Nóvoa, 1989, p. 61).

Consequentemente a função dos professores parece ser de menor influência na

sociedade pelo que tem que passar por outros caminhos e adquirir novas competências:

“Os professores deixaram de estar no centro da sociedade. E ainda não se habituaram aviver nas suas margens. Sobretudo, ainda não compreenderam todas as potencialidades deuma intervenção pedagógica centrada cada vez menos na informação e na transmissão dosaber (funções que outras instâncias da sociedade parecem desempenhar maiseficazmente), voltada decididamente para a formação reflexiva e para apropriação críticados saberes” (Nóvoa, 1989, p. 61).

Nesta passagem para a última década do século XX também outros autores

abordam esta temática. Philippe Perrenoud, em 10 Novas Competências para Ensinar,

reflete sobre quais as competências necessárias para se desempenhar o “ofício4” de ser

professor. Para Perrenoud são ingredientes do “roteiro do ofício”, elementos já referidos

como “a prática reflexiva, profissionalização, trabalho em equipa e por projetos,

autonomia e responsabilidades crescentes, pedagogias diferenciadas, centralização sobre

os dispositivos e situações de aprendizagem, sensibilidade à relação com o saber e a

lei5” (Perrenoud, 2000, p. 11).

Através da constatação de Nóvoa sobre a história dos professores ser um

constante recomeço do qual é necessária a compreensão do passado, questiono-me sobre

a atualidade. Estaremos tão longe desta época, teremos melhores condições, temos uma

profissão ou de facto um ofício como o de um sapateiro? Seremos reconhecidos pela

nossa função tão nobre, ou penamos reconhecimento pessoal, social e monetário como

outrora o fez Fructuozo José da Silva6 (1751-1823)?

Luís Filipe Leite (1892, p. 6), pedagogo português, no final do séc. XIX diz-noso seguinte:

“Não exageremos. O professorado português de hoje distancia-se pela maior parte dosmestres de primeiras letras de há quase quarenta ou cinquenta anos, como a viaçãoacelerada pelas estradas de ferro se diferencia das liteiras em que se viajava no séculopassado” (Nóvoa, 1989, p. 117).

4 Definição dada por Perrenoud, através de Meiriou (1989).5 Referencial de competências da docência elaborado em 1996 em Genebra; Perrenoud integrou ogrupo que construiu o referencial.6 A 2ª parte do texto de Nóvoa evoca as Reformas Pombalinas através do retrato biográfico deste“mestre régio de ler, escrever e contar” (Nóvoa, 1989, pp. 65-78); “A concorrência era renhida e asoposições podiam, por vezes, atingir aspetos de violência física” (Nóvoa, 1989, p. 72); antigo secretáriode D. Gaspar declara em 1803 que Fructuozo José da Silva “vive amesquinhado, até por moléstias, emtanta forma que por algumas vezes compadecendo-me da sua situação, o tenho favorecido comesmolas” (Nóvoa, 1989, p.74).

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Estamos atualmente na era das autoestradas, do comboio de alta velocidade e da

internet como principal meio de comunicação e emissor de informação/conhecimento7 e

questiono-me se está o corpo docente de Portugal muito diferente de 1989 ou até de

outas épocas e, como foi o seu futuro até à atualidade? Qual o futuro da nossa

atualidade?

Se na viragem do século XIX para o século XX o número de professores

aumentou, os professores passaram a ser funcionários do estado8 e “personificam as

esperanças de mobilidade social de vários extratos da sociedade”, hoje, ano da graça de

2012, muitos professores estão sem horário letivo e sem esperança. Procuram outros

meios para além da função pública sendo muitas vezes, mais reconhecidos pelo seu

trabalho contínuo no setor privado.

Procuremos então melhorias. Os métodos de ensino aprendizagem, bem como os

processos de avaliação dos professores procuram ser mais adaptáveis à sociedade e ao

meio envolvente onde lecionam. A própria avaliação dos professores se encontra na

linha de pensamento de Perenoud – do professor reflexivo sobre as suas práticas, que

em 1989 começava a emergir. Neste ano também a nossa consciência desperta para o

facto de uma formação contínua, para o que era necessário espaços de formação. Foram

entretanto, criadas as ações de formação mas essa, é uma questão que requer outro tipo

de reflexão, sobre se de facto alargou os horizontes dos saberes dos professores e

pessoal auxiliar.

Se já vigorou a conceção de um professor decisor, um professor-reflexivo

devemos considerar atualmente, então, o conceito de professor aprendiz. Se Sócrates

dizia “Só sei que nada sei!”, é importante que alunos e professores tenham consciência

desde facto e que procurem sempre novos conhecimentos quer numa área específica,

quer em áreas particulares do saber. Deve, portanto, o professor manter-se sempre em

constante formação e procurar dar resposta a todas as solicitações dos alunos com vista

à sua melhor formação pessoal e intelectual. Contudo, não deve deixar-se enveredar

7 É de destacar que primeira transmissão a ser considera um e-mail é de 29 de outubro de 1969.Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_Internet [consultado em 15/11/12]8 Concordo, contudo, que os professores devem ser funcionários do estado pois se a profissão docente“está intimamente articulada com uma prática e um discurso sobre as finalidades e os valores dasociedade” deve, por isso mesmo, ter um estatuto de funcionário público como sinónimo dereconhecimento. Com base em António Nóvoa (1989 a, p. 441).

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novamente pelo caminho de professor funcionário, o que me parece por vezes, na minha

pouco experiência profissional, uma realidade.

No caso concreto do professor de instrumento, para além de proporcionar

competências técnicas/musicais para o estudo individual, competências de autonomia e

eficácia de estudo, fomentar a autoavaliação e aprendizagem contínua ao longo da vida,

competências de performance como a memorização, competências de expressão

artística através da interpretação da retórica musical da partitura, (competências que o

professor também deve ter), deve também, constantemente insistir na formação pessoal

do aluno. Esta passa pela área da cidadania9, pelo âmbito do incentivo ao uso correto do

português e pelo incentivo ao estudo de pelo menos uma língua estrangeira, o inglês.

Deve também fomentar o estudo de línguas como o alemão e o italiano, línguas

essenciais, por exemplo, para um cantor. Na área da cultura e das artes, os professores

devem sempre fomentar que o aluno saiba algo concreto sobre a obra ou a época da

mesma. Logo, deve fomentar o recurso às ditas novas tecnologias, novas de há 50 anos,

se me permitem o comentário, como o Youtube, para que os alunos vejam gravações e

procurem uma melhoria constante. Também o professor, no seguimento do conceito de

professor aprendiz, deve estar a par das obras mais recentes e dos bens de cultura que

vão estando disponíveis (sem esquecer a própria estética de novos movimentos

artísticos e políticos). Assim, todos os professores devem ter em atenção que “bens de

cultura” consumir e propagar. Não devemos também esquecer, se me permitem o

comentário, que um professor da área do ensino vocacional de música investe

constantemente na sua formação, e na do aluno, pois tem que adquirir os seus próprios

manuais, ou seja, partituras, bem como gravações de obras específicas e intérpretes que

são de elevado valor monetário até para nós, profissionais. Contudo, sendo profissionais

da docência de uma área cultural, temos que investir pois não devemos desconsiderar os

direitos de autor. Não devemos também, desconsiderar que todas estas competências,

atualmente, deixaram de estar somente na consciência de cada profissional para uma

obrigatoriedade burocrática (avaliação de professores).

Sem entrar por esta questão e sem tirar créditos a todas as competências que as

artes fomentam (atualmente desvalorizadas, logo também os professores dessas áreas), e

9 Transversal a todas as áreas do saber segundo o DL 139/2012 de 5 de julho. Da minha experiênciaenquanto aluna de ensino profissional na ARTAVE- Escola Profissional Artística do Vale do Ave, criadaem 1989, sempre foi uma constante preocupação dos professores de instrumento, pelos quais, muitasvezes, os alunos detêm mais consideração e respeito do que pelos professores de outras áreas.

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embora nos aborreça a burocracia excessiva (pois o que fazemos deve-se a uma ética

profissional), devemos pois enveredar por este caminho. Desta forma, a lógica

burocrática de evidenciar o que fazemos não deixará que coloquem em causa a

pertinência da nossa área, realçando que não devemos esquecer que, nesta lógica, é

exigida uma planificação excessiva que, muitas vezes, sufoca algo que se queira

evidenciar como a vontade de ensinar e aprender.

Pegando novamente na questão sobre os bens de consumo culturais questiono-

me também sobre que bens de consumo os professores procuram e de que forma esses

bens ajudam a uma boa (re)produção da sociedade? Sem esquecer que o propósito da

minha reflexão era outro deixo em aberto esta questão pois, se transmitimos

conhecimentos e saberes e, também, meios de adquirir o mesmo saber bem como, meios

de preservação de um capital social que é a sociedade, como o disse Pierre Boudieu,

devemos pois refletir sobre este assunto (Bourdieu, 1971, pp. 328-329).

Em suma, o professor do século XXI é o professor reflexivo, dos portefólios e

das evidências deve refletir sobre estas questões e não se deixarem ir por meios de

controlo totalitários, como por exemplo alguns programas televisivos. É portanto, um

professor aprendiz que deve sempre autoavaliar as suas práticas de ensino, logo

desempenhar a sua função mais nobre de ajuda à melhoria da sociedade e dos seus

cidadãos. Desta forma, devemos ser nós próprios a construir a profissão docente (nossa

profissão), para que no futuro queiramos continuar a fazer parte dela e, dessa forma, a

dignificá-la. Verificam-se, desta forma, os sinais seguros da construção de uma

profissionalização por parte dos interessados – os professores 10 (Perrenoud, 2000, p.

179).

“ (…) O êxito escolar, depende do capital cultural e da vontade de investir no mercadoescolar” (Bourdieu, 1971, p. 341).

10 Para aprofundar esta temática sobre o futuro dos professores ver relatório norte-americano A Nationat Risk: Teachers for the Twenty-First Century, citado por Nóvoa, 1989, p. 455.

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Bibliografia:

- Bourdieu, P. (1971). Reproduction Culturelle et Reproduction Sociale. Informationssur les sciences Sociales, X, 2. In Richard Brown (org.) (1975). Knowledge,Educations and Cultural Change. Londres: Tavistock. pp. 327- 366

- Nóvoa, A. (1989). Os Professores: Quem são? Donde vêm? Para onde vão? In St.Stoer (org.). Educação, Ciências Sociais e Realidade Portuguesa, umaabordagem pluridisciplinar. Porto: Afrontamento. pp. 59-130.

- Nóvoa, A. (1989). Profissão: Professor. Reflexões Históricas e Sociológicas. AnálisePsicológica, 435-456.

- Pereira, M. H. R. (2006). Estudos da Cultura Clássica. 1º vol. Cultura Grega. 10ªedição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. p. 394

- Perrenoud, P. (2000). 10 Novas Competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed

- Pomerans, L. (2010). A queda do Muro de Berlim: Reflexões vinte anos depois. Ver.USP, nº 84, São Paulo. Recuperado em 15 de novembro de 2012, dehttp://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0103-99892010000100003&script=sci_arttext

- http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_Internet [Consultado em 15/11/2012]