pacta 6ªedição

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PACTA Mais que uma Revista, uma janela para o Mundo 6ª Edição, Abril. Revista do Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais “Históricamente, México ha mantenido una posición activa, constante y comprometida a favor del desarme nuclear” Embaixador Mexicano Benito Andión +Voluntariado em África contado por quem o viveu! +E muito mais!

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6ªEdição da Revista PACTA

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PACTAMais que uma Revista, uma janela para o Mundo

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“Históricamente, México ha mantenido una posición activa, constante y comprometida a favor del desarme nuclear”Embaixador Mexicano Benito Andión

+Voluntariado em África contado por quem o viveu!+E muito mais!

Page 2: Pacta 6ªEdição

Conteúdos

* Cronologia 3* Cadernos do Tiaguistão 4 -Jardineiro Precisa-se, para Tratar de Cebolal

* Da Casa 6 - E Depois de 2015? Desafios Globais de Alta Intensidade -União Europeia/China: Uma Parceria Estratégica -O Mar: uma Oportunidade para a Cooperação Lusófona

-Integração Europeia: da Soberania dos Estados ao fim das Relaçõesunionistas Dom-inadas pela alemanha

* Entrevista Embaixador Mexicano Benito

Adión 10

* Crítica 13 - “After Virtue. A Study in Moral Theory”

* Do Mundo 15 - Eleições em Tempo de Crise

- BRICS

- Responsabilidade de Proteger: Entre o Liberalismo e o Realismo. A Líbia e a Síria como Test Cases

* Voluntariado, Gana 20

s

A Equipa

Coordenação do Pelouro de Investi-gaçãodo NERI: Miguel Azevedo Coutinho, nº 210941

Coordenadores daPACTA:Joana Ribeiro, nº 210910Miguel Brito, nº 210962

Colaboradores: Anna Momotova, nº 212399

Inês Eusébio, nº 212429Joana Gonçalves, nº 210914

Edição de imagem: Miguel Azevedo Coutinho

Revisora: Joana Ribeiro

Responsaveis pelas redes sociais:

Facebook: Miguel Brito, Miguel Azevedo Coutinho, Joana Gonçalves

Twitter: Anna Momotova,Joana Ribeiro, Inês Eusébio

Segue-nos em:

https://www.facebook.com/PACTARI

https://twitter.com/pactaiscsp

http://ae.iscsp.utl.pt/

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Page 3: Pacta 6ªEdição

Cronologia

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Março/Abril

- Em jeito de protesto contra o plano de resgate orçamental proposto para o Chipre, os trabalhadores bancários cumpriram uma paralisa-ção, fechando assim as portas aos principais bancos da ilha.

- A Organização das Nações Unidas suspendeu a ajuda alimentar aos cerca de 25 mil refugiados na Faixa de Gaza depois de dezenas de pes-soas terem tentado invadir um escritório da organização na Palestina.

- Centenas de russos juntaram-se nas ruas de Moscovo protestando contra a repressão política levada a cabo pelas autoridades, ainda no seguimento do caso Pussy Riot.

- Aos 87 anos, a conservadora Lady Margaret Thatcher, a única mul-her a ocupar o cargo de Primeiro-Ministro inglês, morre durante a sua estadia no Hotel Ritz em Londres.

- No seu último comunicado, o grupo Human Rights Watch revelou que as forças sírias têm encetado ataques indiscriminados contra a população civil.

- Mais de 10 mil pessoas em Washington manifestaram-se a favor de direitos para os imigrantes ilegais e da reforma da lei da imigração nos Estados Unidos da América.

- Num encontro do G8 em Londres, os chefes de Estado dos países representados não conseguem chegar a nenhuma medida concreta em relação às situações da Síria e da Coreia do Norte.

- Na Grécia, a taxa de desemprego atinge os 27,2 %, sendo cada vez mais o reflexo da profunda recessão em que o país se encontra.- Na sua primeira visita ao Sudão do Sul, o Presidente sudanês Omar Hassan al-Bashir afirmou que pretende uma relação normal e pacífica com o mesmo.

- Após um encontro em Pequim, o Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, e o Secretário de Estado norte-americano, John Ker-ry, concordaram em trabalhar em conjunto no que ao desarmamento nuclear da península coreana diz respeito.

- O Primeiro-Ministro palestiniano Salam Fayyad apresentou a sua demissão devido às divergências com Mahmoud Abbas, Presidente da Autoridade Palestiniana.

- Depois de umas análises ao solo de uma zona perto de Damasco, o governo britânico conclui que já foram utilizadas armas químicas na Síria.

- Num desfile que celebrava os 82 anos da II República, oito mil manifestantes exigiram que a implementação de uma terceira, em Es-panha, devido aos recentes escândalos que têm manchado o regime monárquico actual.

- O responsável pelo novo partido alemão, Alternativa, afirma que o fim da moeda única é necessário e que só assim é que voltaremos a ter um espaço europeu unido.

- O ramo da Irmandade Muçulmana presente na Síria rejeita qualquer tipo de vínculo com a Al- Qaeda.

- Na linha da meta da maratona de Boston foram registadas duas ex-plosões, separadas por algumas dezenas de metros. A polícia norte-americana tenta encontrar os culpados mas de momento tem apenas como suspeitos dois irmãos criados na Chechénia. Os rebeldes do Cáucaso do Norte não têm qualquer implicação neste caso.

- Nicolás Maduro tomou posse como presidente da Venezuela, com 50,8% dos votos. A tomada de posse ficou marcada pela presença de um desconhecido que invadiu a cerimónia onde estavam presentes vários chefes de estado.

- O Secretário da Defesa norte-americano, Chuck Hagel, destacou cerca de 200 militares para a Jordânia, devido ao perigo de uma guer-ra civil na Síria.

- O presidente deposto do Egipto, Hosni Mubarak, tem julgamento marcado para dia 11 de Maio. É acusado de corrupção e de cumplici-dade no homicídio de manifestantes.

- Sérvia e Kosovo assinam um acordo de normalização das relações entre os dois países numa tentativa de resolver a questão da divisão étnica no Kosovo. Este acordo era uma condição essencial para o iní-cio das conversações com a União Europeia, permitindo assim uma candidatura da Sérvia.

- A província chinesa de Sichuan foi atingida por um sismo de magni-tude 6,6 na escala de Richter provocando centenas de mortos e cerca de 12000 feridos. O epicentro ocorreu a 115 quilómetros a oeste da capital de Sichuan, Chengdu. Pequim afirmou que não necessita de ajuda externa para resolver a situação.

- Giorgio Napolitano foi eleito para um segundo mandato presiden-cial em Itália, à sexta volta do escrutínio.

- A Coreia do Norte aceita dialogar com os Estados Unidos da América uma possível redução do seu armamento mas põe de parte a possibilidade de um diálogo sobre o respectivo programa nuclear.

- De acordo com uma sondagem do Instituto LFOP, 74% dos fran-ceses estão descontentes com a política do presidente socialista François Hollande. Consegue assim uma impopularidade ainda maior do que o seu antecessor, o conservador Nicolas Sarkozy.

- Segundo dados recentes da Organização das Nações Unidas, o conflito sírio já tirou a vida a mais de 70 mil pessoas. A mais re-cente ofensiva das forças do regime matou cerca de cem pessoas num confronto na aldeia de Al-Fadl Yodeda.

- Cerca de metade dos prisioneiros de Guantánamo encontram-se, de momento, a fazer uma greve de fome protestando assim contra o seu encarceramento indefinido.

Page 4: Pacta 6ªEdição

Editorial

As metáforas animam a vida dos investigadores. Através delas criam-se pontes de grafemas que dão um co-

lorido diferente a ideias e argumentos que, de outro modo, seriam lineares, desinteressantes e incapazes de captu-rar a natureza frenética dos factos soci-ais. As metáforas dão um colorido que

contraria o cinzento das folhas de Excel e do austero-tecni-cismo exacerbado.

No começo do século X nasceu na Ásia Central Ocidental nascia o khanato Qarakhanid. Em poucos anos o khanato fundado pela acção de Satuq Bughra expandiu a sua in-fluência por uma série de tribos turcófonas, diluindo o po- der evanescente do Império Samânida. A capital escolhida para o novo khanato foi a cidade de Samarkand, que é hoje a segunda maior cidade do Uzbequistão.

O primeiro khan, de facto, de Qarakhanid foi Ibrahim Tamgach Bughra conhecido por reinar com Justiça e prover Segurança aos seus súbditos. O combate do khan Ibrahim Bughra terá mesmo levado, a certa altura, uma guilda de ladrões a escrever na parede do Palácio: “Nós somos como as cebolas, quanto mais cortarem mais cresceremos”. O khan não só não apagou a provocação grafitada como respondeu

à guilda…

A analogia da cebola é, de resto, muito boa para compreender algumas das coisas pouco compreensíveis que grassam na arena internacional hodierna. Encontramos a primeira de-stas cebolas na América do Sul. A Venezuela perdeu uma camada, o Comandante, mas parece que a cebola seguirá intacta. O paladar e o odor mudará necessariamente, mas a cebola continua a ser mesma. Porque, lá diziam os ladrões, corta-se uma camada mas a cebola sobrevive.Na Ásia peninsular encontramos a segunda cebola, na mes-ma terra onde Taejo Joseon fundou em 1392 um Reino, que se tornaria, em 1897, Império, que seria anexado em 1910 e dividido em 1948. A Coreia do Norte vai na terceira cama-da da sua, mais recente, cebola e, ao contrário da Venezu-ela, camada após camada pouco muda. Nota-se, em certos momentos, um endurecimento do odor mas o paladar é o mesmo.

No Norte de África tentaram-se mudar algumas cebolas. Fez-se uma Primavera, para que outros legumes floresces-sem, mas o resultado até agora é pouco animador… As ce-bolas não só não foram removidas, como ainda grelaram no Egipto e na Tunísia. Na Líbia a cebola não foi tanto deposta, mas antes seccionada para germinar pequeninas cebolas beligerantes. E tão cedo não se trará ordem!No Iraque fingiu-se a mudança da cebola. Deu-se-lhe um

JARDINEIRO PRECISA-SE, PARA TRATAR DE CEBOLAL

Chega enfim a tão esperada edição do mês de Abril da Pacta, a 6ª edição deste ano lectivo. Oito meses depois do início do trabalho, o projecto continua a ser construído e a crescer. Com grande vontade de informar a co-munidade académica e todos quantos nos queiram acompanhar, sobre a actualidade internacional. Continu-amos a trazer as colunas já habituais e fixas, assim como as já habituais análises com nomes diferentes.

Continuam a crescer o número de “gostos” no Facebook, assim como de downloads da edição da revista e de seguidores no Twitter. Estamos cada vez mais motivados para vos trazermos os mais diversos artigos, melho-rar a compreensão geral sobre diversos temas, trazermos temas novos para a discussão e estarmos mais próxi-mos dos nossos leitores e seguidores. O nosso muito obrigado a todas e todos vós que fazem a revista e que nos dão motivação para continuar. Divulguem este trabalho para que mais pessoas possam estar ao corrente do que se passa no mundo.

Por Miguel BritoCoordenador da Revista Pacta

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Cadernos do tiaguistão

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ar ocidental, a legitimidade do electoralismo, uma nova Constituição e a diplomacia de Gabinetes mas no fundo nada mudou. O dito mundo Ocidental finge que não é ce-bola, o que apenas cebola poderia ser. E no seu cantinho a cebola, que perdeu uma camada, continua a imperar sobre as terras que antes de 2003 já clamara como suas. Descar-nar a cebola não muda a natureza da mesma. Pode dar-lhe um brilho novo, mas o legume não se transformará só por isso.De falsas replantações de cebolas está o jardim das rela-ções internacionais cheio. A Arménia foi recentemente a votos para escolher o Presidente, o líder da cebola. Resul-tado? Foi reconduzido o Presidente Serj Sargsyan mas a sua tomada de posse foi marcada por protestos populares vigorosos. A cebola não muda, não mudou em 1989, mas o sabor agrada a cada vez menos bocas… Porque o que é demais, diz o povo sabedor, enjoa!

No Quirguistão a cebola é a mesma desde os anos 1930. Vão-se mudando camadas, desde 1991 já se consumiram três, mas pouco muda de facto. No Quirguistão assistimos a uma luta de duas meias-cebolas que se julgam cebolas inteiras. E apesar de três camadas mudadas em tão pouco tempo, dizem os ventos que deve estar, para breve, a queda de mais uma camada. Mas a cebola, essa é a mesma. Em África também há cebolas. Há cebolas de consumo rápido, como na Guiné-Bissau que vai vivendo golpe atrás de golpe, numa sucessão de actos por vezes difícil de acompanhar. Vai-se machadando a cebola, delapidando a sua forma e tirando-lhe vigor e consistência. Mas não se pensa em mudar. A cebola está lá e é para continuar a estar enquanto houver camadas por consumir.

Há também cebolas de consumo mais lento, como em An-gola. A mesma cebola teima em não mudar vai para qua-renta anos e já se ramificou e entrincheirou. No Sudão e na África do Sul também se vai mantendo a cebola intacta, com medo que a mudança de camada mostre a podridão do interior do legume e desfaça a ilusão do estado salutar do mesmo. Em certas cebolas as camadas são uma ilusão e perdendo-se uma, perde-se tudo.A Europa da União também tem espaço neste cebolal. Mudam-se rostos, nomes e meios mas no fundo a cebola é a mesma. Depois da camada Greco-Romana, veio a da Respublica Christiana, que deu lugar ao Sacro Império, que foi sucedido pelo Império de Napoleão, que foi su-plantado pela Sociedade das Nações que levou à Europa da União. Muda muito, em textura e aparência, mas o sa-bor da cebola da Civilidade Europeia é ainda o mesmo.E isto tudo porque os líderes políticos do mundo pós-1991 viram-se numa realidade em que o travão moral da com-petição da grande cebola vermelha deixou de os ameaçar. As transformações políticas deixaram por isso de ter um sentido real, passando apenas para uma cebolização da arena política.

Passámos a um sistema em que imperam estranhos valores que não chegam a ser imorais porque nascem no horto da amoralidade tecnocrática. Passámos de um sistema de blocos que, pela concorrência, beneficiava as várias popu-lações; para um sistema de rede em que se massificou o amorfismo da moralidade e o burocratismo político em desprimor de ideais e projectos feitos por pessoas, para pessoas e com pessoas.

E o que terá dito então Ibrahim Tamgach Bughra, khan de Qarakhanid, à guilda que lhe grafitou a parede? Em vez de mandar apagar a mensagem o khan, dizem os historia-dores da época, terá escrito com o seu punho “Permane-cerei aqui como um jardineiro; por muito que cresçam acabarei por vos arrancar”. Nos dias que correm, ao que parece, precisamos urgentemente de um jardineiro destes. Precisamos de um jardineiro com coragem, com vigor e com determinação para arrancar um cebolal que vai de-masiado extenso…

Por Tiago Ferreira Lopes, Investigador do Instituto do Oriente

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Vivemos anos de paz. De uma paz perpassada por conflitos de média e baixa intensidade (sempre elevada demais para quem os vive, numa altura em que se estima que cerca de 1,5 mil milhões de pessoas vivam em países di-lacerados por crises políticas, violência

armada, insegurança ou fragilidade), mas em que o número de conflitos armados diminuiu.

O que não diminui foi o número de desafios e ameaças, até porque este tem avançado em tandem com o alargamento do conceito de segurança; assim, quando a segurança era es-tatocêntrica, militar nas ameaças e nas respostas, o número de desafios era menor do que o atual, em que os referentes e os objetos securitizados fazem aumentar os desafios.

Um dos desafios mais prementes de hoje diz respeito à re-moção das in-liberdades (como lhes chamou Amartya Sen) e à construção de um mundo em que todas as pessoas pos-sam viver em maior dignidade. A agenda de cooperação internacional, os objetivos de desenvolvimento do milé-nio, pode não ter honras de abertura de telejornais, pode não estar no topo da agenda de quem elabora as agendas internacionais, mas é responsável por salvar mais vidas to-dos os anos, erradicando a fome, promovendo campanhas de vacinação e de acesso a água potável, universalizando a educação e o acesso a cuidados e serviços de saúde sexual e reprodutiva, apenas para nomear alguns, do que qualquer outra resposta global.

2015 aproxima-se e marca o fim de um calendário ambi-cioso marcado pelas Nações Unidas para que se construísse um mundo melhor. Lançados em 2010, na Cimeira do Milé-nio em Nova Iorque, os 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, monitorizáveis através de 21 metas e 61 indicado-res, são a erradicação da pobreza extrema e da fome, a uni-versalização do ensino primário, a promoção da igualdade de género e do empoderamento das mulheres, a redução da mortalidade infantil, a melhoria da saúde materna, o com-bate ao HIV/SIDA, a malária, a tuberculose e outras doen-ças, a sustentabilidade ambiental e a construção de uma parceria global para o desenvolvimento.

A comunidade internacional trabalha agora, em fóruns variados envolvendo governos, organizações internacionais e organizações da sociedade civil, para desenhar uma nova agenda para depois de 2015, para responder a este desafio global de alta intensidade que é nada mais do que garantir que todos os seres humanos atinjam o seu potencial, vivam livres de medo e ao abrigo da necessidade.

As Nações Unidas, no Outono de 2013, reunirão num even-to de alto nível para acelerar a realização dos ODM, planear a agenda sequente e articula-la com os compromissos as-sumidos no Rio+20 de Junho do ano passado.

As discussões em curso tem-se concentrado em responder a perguntas pragmáticas, e programáticas, tais como a in-clusão de uma dimensão de direitos humanos nos objetivos futuros, a horizontalização da igualdade de género, a respos-tas às desigualdades, e mais a montante, qual a formulação que deverá ser seguida ao elencar-se o quadro de referência para a cooperação pós 2015.

Do que se sabe hoje – o Painel de Alto Nível concluiu as suas reuniões e prepara-se para submeter um relatório ao Se-cretário Geral das Nações Unidas que, pelo seu turno, pre-parará o seu Relatório para o evento de alto nível – haverá uma agenda de objetivos concretos. A metodologia seguida pelos ODM, objetivos mensuráveis num quadro temporal pré-definido, é aceite como boa prática a ser replicada para depois de 2015.

A igualdade de género deverá ser almejada como parte in-tegrante de cada objetivo mas também com um fim em si mesmo. Em Nova Iorque, responsáveis da ONU Mulheres diziam-me que fazer da igualdade de género uma preocupa-ção transversal tour court significará que a mesma desapa-rece do elenco principal. Uma preocupação que subscrevo, consciente que estou da feminização da pobreza, do caráter de maior vulnerabilidade das mulheres e raparigas, mas também de que o investimento nas mulheres e nas rapari-gas é o investimento mais produtivo que se pode fazer para o desenvolvimento de um país.

As desigualdades, obscurecidas pela fixação que os ODM revelaram pelas médias e pelos desempenhos regionais e que fizeram com que o impacto em grupos nacionais, ét-nicos, etários fosse negligenciado, são outro dos temas lo-comotiva da discussão. Curiosamente, este é o tema menos consensualizado até agora.

A paz e segurança, traduzidos em boa governação e demo- cracia, serão, finalmente, incluídos na agenda não como re-sultados desejáveis mas, outrossim, como pré-condições e objetivos concretos.

A sustentabilidade, do desenvolvimento, do planeta, é ful-cral e está no coração deste novo quadro de referência. Er-radicar a pobreza e garantir um nível de dignidade e bem-estar sustentável para todos os seres humanos é o fim que sintetiza todo este esforço.

E não podia deixar de referir a centralidade que os direitos e

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E DEPOIS DE 2015? DESAFIOS GLOBAIS DE ALTA INTENSIDADE

Da Casa

Page 7: Pacta 6ªEdição

1. Em Maio de 1975 (faz agora 39 anos) as antigas Comunidades Europeias iniciaram o estabeleci-mento de relações diplomáticas

com a República Popular da China, simbolicamente determinada com a visita de Christopher Soames, o pri-meiro comissário europeu a concreti-

zar uma deslocação a este país asiático.

Em 1995 a União Europeia reagiu aos desafios políticos e económicos criados pelas mudanças ocorridas, tendo ela-borado um documento de suporte que marca a viragem de uma política global para o futuro desenvolvimento das suas relações com a China. Aproveitando o espírito da “Nova estratégia para a Ásia” consagrada pelo Conselho Europeu de Essen, a Comissão adotou a “Comunicação sobre uma política a longo prazo para as relações China-Europa”, que veio a revelar-se muito proveitosa para o futuro, permitindo alcançar a maioria das iniciativas constantes do documento de estratégia de 1995. Apesar disso, verificaram-se várias evoluções de tal significado que impuseram uma melhoria e maior intensificação nas relações entre os dois grandes blo-cos, essencialmente devido ao empenhamento da China en-quanto potência económica e política emergente:

a) Em primeiro lugar, o Governo Chinês apoiou nos últimos tempos uma reforma profunda do mercado e a integração da sua economia na economia mundial com uma força sem precedentes desde que a reforma foi lançada em 1978. O que surge em reforço do anúncio concretizado no XV Con-gresso do Partido Comunista Chinês em 1997 relativo à era pós-Deng;

b) Em segundo lugar, a China tornou-se simultaneamente mais assertiva e responsável pela sua política externa, tanto a nível regional como mundial, o que é indiscutivelmente demostrado pelo seu posicionamento moderador na pro-moção da paz na Coreia e no Cambodja, pelas transferên-cias bem sucedidas de Hong Kong em 1997 e de Macau em 1999 para a soberania chinesa e, ainda, pela intensificação de uma série de cimeiras sem precedentes entre a China e alguns dos seus principais parceiros, assumindo-se como uma potência mundial.

2. Perante as mudanças ocorridas na China, a União Eu-ropeia intensificou a sua abordagem face a um importante parceiro num mundo cada vez mais dominado pelas forças da globalização. Em consequência, está fortemente empe- nhada numa estratégia de compromisso global com a China que tem traduzido em diversos aspetos de enorme significa-do: -Reforçou o diálogo político, passando de reuniões anuais curtas à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, à Troca de Cartas em 1994 e à realização anual de cimeiras ao mais alto nível de Chefes de Estado e de Go- verno, com contactos frequentes entre ministros e diversos dirigentes políticos;

-Intensificou a cooperação no âmbito do processo ASEM, as reuniões Ásia-Europa, iniciada em Banguecoque em 1996, a nível político e de peritos, revestindo uma nature-za formal e abrangendo uma grande variedade de questões, que acrescentou uma nova dimensão à relação entre a União e a China, com resultados frutuosos em múltiplos contextos (o desenvolvimento duradouro na região asiática, a questão da segurança marítima na Ásia, a luta contra o tráfico ilegal

UNIÃO EUROPEIA/CHINA: UMA PARCERIA ESTRATÉGICA

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a saúde sexual e reprodutiva terão nesta agenda. Estes direi-tos, aliados ao empoderamento das mulheres e à igualdade de género, aos direitos e empoderamentos de adolescentes e jovens, têm que estar no centro do desenvolvimento susten-tável. Os custos de não o fazer, secundarizando a importân-cia da agenda de população e desenvolvimento, traduzem-se em ciclos de pobreza que não são quebrados – sabemos hoje que mulheres empoderadas, com acesso à saúde sexual e reprodutiva, têm famílias mais saudáveis, com filhos com melhor aproveitamento escolar e que rompem padrões de pobreza de gerações - , em casamentos precoces forçados, em vidas que não são salvas – todos os dias 800 mulheres morrem de causas preveníveis ligadas à gravidez, parto e pós-parto, 99% dessas mortes registam-se em países em de-senvolvimento -, direitos que não são realizados – o direito

ao planeamento familiar, a poder ter a família que se quer, quando se quer, e que se pode criar com dignidade.

São desafios globais, que precisam de respostas globais. São ameaças de alta intensidade porque todos os dias ceifam milhares de vidas e põem em risco comunidades, regiões e estados. Não se combatem com meios militares, mas com-batem-se com meios, vontade política e uma agenda forte que condene a pobreza e a violação dos direitos humanos como aquilo que eles efetivamente são: ameaças à dignidade da humanidade.

Por Professora Assistente Doutora Mónica Ferro

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de droga, a resolução dos efeitos da crise financeira asiáti-ca, a questão do controlo e não proliferação do armamento, sem esquecer o reforço pelo respeito dos direitos humanos); -Solidificou a abordagem aos desafios do ambiente a nível mundial, especialmente devido ao desenvolvimento rápido da economia chinesa, acompanhado de uma procura crescente de energia, e ao ritmo de crescimento do processo de industrialização, que torna necessária a sensibilização e o empenhamento constante da China na temática transversal dos desafios ambientais à escala do planeta, desde o aqueci-mento do globo ao efeito de estufa causado pelas emissões de gases;

-Promoveu a transição democrática, apoiando os es-forços da China para desenvolver uma sociedade baseada no Estado de Direito, com uma estrutura jurídica e adminis-trativa moderna, o que implicou o reforço dos direitos e ga-rantias dos cidadãos, através de legislações novas em vários domínios com o direito penal e civil, a cooperação jurídica e judiciária, com a formação de magistrados, de advogados e de agentes da investigação criminal melhor preparados, uma maior sensibilização na prevenção à assistência aos grupos mais vulneráveis da sociedade, incluindo as minorias étni-cas, as mulheres e as crianças, um incremento dos direitos dos consumidores e uma dinâmica de funcionamento dos serviços públicos eficaz e ao mesmo tempo desburocratiza-da.

3. Ao longo dos últimos anos a União Europeia veio a revelar-se um parceiro estratégico para a China: ajudou-a a tornar-se num interveniente económico plenamente in-tegrado na economia mundial, com a progressão da rela-ção comercial e o apoio incessante do processo de adesão da China à Organização Mundial do Comércio; intensificou as negociações comerciais bilaterais com a China, eliminando barreiras e ajudando a criar uma economia chinesa aberta ao mundo que beneficie os interesses tanto europeus como mundiais, com a supressão dos picos pautais e a adesão ao Acordo sobre as tecnologias da informação, com a supressão de todos os contingentes, barreiras técnicas injustificadas ao comércio e outras medidas não pautais, bem como através da eliminação progressiva recíproca das restrições quantita-tivas ao fluxo de comércio em relação aos produtos chineses no território da União e vice-versa.A China é hoje um dos principais parceiros económicos da União Europeia e o principal beneficiário do sistema de preferências generalizadas, cabendo-lhe mais do que 30% do valor global das importações. Por esta via tem criado vastas potencialidades para o comércio e os investimentos europeus nesse país. Do mesmo modo que tem beneficiado com a experiência da integração económica europeia e com as potencialidades do euro como moeda de reserva estável (ao ponto de a China falar na criação de uma moeda única

de referência aplicável às relações com os seus parceiros es-tratégicos).

4. A China está em vias de se tornar no maior destinatário dos investimentos estrangeiros diretos no mundo e uma das maiores potências mundiais (o Banco Mundial prevê que em 2020 a China se tenha tornado uma das três principais potências comerciais a nível mundial). Neste contexto de desenvolvimento económico sem precedentes a China ne-cessita de parceiros económicos que também se perfilem como aliados políticos naturais. A União Europeia é o maior bloco económico do mundo e o parceiro aliado privi-legiado, numa posição de maior interesse estratégico face aos Estados Unidos da América ou à Rússia, do ponto de vista da China e da Ásia em geral. Para além disso, a União Europeia tem demonstrado uma ajuda concreta e de grande vulto na concretização das mudanças políticas que a China tem vindo a adequar, em grande parte devido a uma relação intensa com o grupo de países europeus que lhe conferem a mais importante experiência de integração política em termos mundiais e a mais significativa expressão cultural e civilizacional do ponto de vista da abordagem do Estado de Direito de matriz ocidental.

Por todas as razões apontadas, não será esta uma parceria estratégica para o futuro da Europa e da China?

Por Professor Auxiliar Doutor António Pinto Pereira

No final de Maio vai-se reali-zar no Rio de Janeiro o III Congresso dos “Mares da Lusofonia”. As duas primei-

ras edições desta iniciativa realizaram-se em Portugal, em 2010 e 2011.

Trata-se do que se pode classificar como um ato da sociedade civil: partiu de um grupo de pessoas com diferentes interesses intelectuais ligados ao mar, desde a Marinha de Guerra ao Direito, passando por múltiplos sectores da economia do mar.

O sucesso das duas primeiras edições levou à criação de uma associação, denominada Instituto dos Mares da Lusofonia, que se propõe passar a realizar estes congressos numa base

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O MAR: UMA OPORTUNIDADE PARA A COOPERAÇÃO LUSÓFONA

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regular e, desejavelmente, em diferentes países lusófonos.

O mar é, sem dúvida, um dos interesses coincidentes de to-dos os países lusófonos. Par uns uma fonte de recursos já em plena exploração ou com potencialidades confirmadas, para outros uma promessa que deve ser plenamente aproveitada. Entre as ações mais urgentes que os Estados com acesso ao mar devem desenvolver está o pedido de extensão da plata-forma continental que, nos termos da Convenção das Na-ções Unidas sobre o Direito do Mar, deve ser apresentado no prazo de dez anos a contar da ratificação da Convenção. O pedido deve se acompanhado de um estudo científico que justifique a pretensão.

Dos países lusófonos, apenas Portugal e o Brasil formu-laram, até agora, as suas pretensões.No caso português os trabalhos foram desenvolvidos através da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Con-tinental, de que foi organizador e dirigente o Comandante Pinto de Abreu. Oficial de marinha na reserva e oceanó-grafo conseguiu criar, através da convergência dos meios de que a Armada Portuguesa dispõe e dos projetos académicos de jovens doutorandos de áreas científica ligadas ao mar, um trabalho notável, essencialmente com aproveitamento de recursos já existentes e, portanto, com custos acrescidos reduzidos.

O trabalho desenvolvido permitiu desenvolver no nosso país uma massa crítica que pode ser, no interesse de to-dos, aproveitada para a realização de trabalhos semelhantes noutros países lusófonos.

A alternativa, em países que não dispõem de estruturas ca-pacitadas para desenvolver este tipo de trabalhos é recorrer aos dados fornecidos por empresas petrolíferas internacio-nais que, legitimamente apenas fornecerão o que for do seu interesse fornecer.

Mas as potencialidades da cooperação na economia do mar não se esgotam no conhecimento dos fundos marinhos. Em todas as vertentes do aproveitamento dos recursos mari- nhos existe um amplo espaço para a cooperação: nas pescas, nos portos, no turismo, na construção naval, no controle dos espaços marítimos.

Embora a política de pescas fora do mar territorial tenha sido transferida para a União Europeia, tal não impede que empresários portugueses se associem a entidades de outros países lusófonos para, através de joint ventures, explorarem recursos marinhos vivos, quer nesses países, quer no nosso. No domínio da investigação científica, da oceanografia á biologia marinha as potencialidades dessa cooperação são praticamente ilimitadas.

Muitas das economias de países lusófonos tiveram no

domínio dos serviços portuárias áreas muito importantes de atividade. Um rápido olhar para ao mapa de África aus-tral revela os países sem acesso ao mar situados entre Ango-la e Moçambique que no passado contaram com os portos destes países para a movimentação das suas mercadorias.A degenerescência das estruturas físicas e a evolução das técnicas de operação portuária exige grandes investimentos nessas infraestruturas que volte a transformá-las em fonte de riqueza. Também aqui existe um potencial de coopera-ção, em particular através de técnicos e empresas portugue-sas e brasileiras que pode ser aproveitado com amplo bene-fício comum.

O turismo é uma fonte de divisas e de emprego de im-portância vital para alguns países lusófonos e com um pa-pel indispensável no desenvolvimento de todos. Neste sec-tor, a cooperação já é um facto entre alguns dos países de expressão portuguesa mas noutros as potencialidades são enorme e ainda praticamente por explorar.A construção naval, que em muitos caso deixou, por razões de custos, de ser viável na Europa pode se deslocalizada para outros continentes com aproveitamento dos importantes recursos tecnológicos que esta evolução deixou por aproveitar.Finalmente, o mar tem de ser protegido. O espaço maríti-mo sem proteção constitui uma atração para a pesca pre-datória ou para a descarga de resíduos tóxicos. A coopera-ção militar, através da formação de oficiais de marinha nas academias navais e nas escolas superiores militares já é uma realidade que pode ter expressão em programas de forma-ção para outros escalões de pessoal.

Foi o mar que fez a lusofonia e, se a cooperação em todos estes domínios e não esgota as potencialidades da coopera-ção, abre um alargado leque de aproximação entre os países, em especial na economia e na academia, que não pode ser desperdiçada.

Por Professor Associado Doutor Manuel Almeida Ribeiro

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PACTA (P)- Ao olharmos para a distribuição geográfica daqueles que possuem poder nuclear de capacidade militar, duas zonas destacam-se pela inexistência de tal poder: o continente africano e o subcon-tinente sul-americano. Estando o México neste último e sendo vizinho da maior potencia nu-clear global, como vê este dese-quilíbrio de forças, particular-mente nas “Américas”?

Embaixador Benito Adíon (EBA)- La zona libre de armas nucleares en América Latina y el Caribe, establecida mediante

el Tratado de Tlatelolco que fue impulsado por México, no sólo abarca el sur del Continente americano, ya que incluye los territorios de países ubicados en Norteamérica (como es el caso de México), Centroamérica, Sudamérica y el Caribe.

Históricamente, México ha mantenido una posición activa, constante y comprometida a favor del desarme nuclear, pues consideramos que la total eliminación de las armas nucle-ares es la única garantía para alcanzar la seguridad interna-cional.

Con relación a la posesión de armas nucleares por parte de Estados ubicados en el Continente Americano y en otras regiones del mundo, es importante recordar que mediante el Protocolo Adicional II del Tratado de Tlatelolco, los Esta-dos poseedores de armas nucleares se comprometieron a no emplear armas nucleares y a no amenazar con su empleo a las partes contratantes del referido Tratado.

En este sentido, México mantiene su apego estricto al derecho internacional y continuará emprendiendo esfuer-zos para alcanzar el objetivo del desarme nuclear.

P- Nos últimos anos temos assistido ao grande desenvolvi-mento económico do Brasil, mas o México também tem alcançado níveis de crescimento que o podem aproximar deste. Como é que este fenómeno pode, por um lado, af-ectar a balança de poderes na região e, por outro, poten-ciar essa mesma região?

EBA-Un ejemplo claro del ambiente constructivo que existe en la relación México-Brasil es la reunión que los Presidentes Enrique Peña Nieto y Dilma Rousseff sostuvie- ron en Santiago de Chile el pasado 26 de enero, en el marco de la Cumbre de la cumbre CELAC-UE.

En esa ocasión, los Presidentes de México y Brasil acor-daron explorar ventanas de oportunidad para estrechar los lazos económicos y comerciales, de tal manera que ambas naciones construyan un camino común de desarrollo.

Los gobiernos de los dos países están convencidos de que, en aspectos políticos y económicos, México y Brasil deben avanzar juntos bajo la premisa de que ambos son piezas fun-damentales para impulsar el crecimiento y la integración de América Latina.

P- A cooperação entre o México e os EUA desenvolve-se a muitos níveis, sendo as mais mediáticas o controlo à migração ilegal e ao narcotráfico. De que modo toda esta cooperação e influência, que dela advém, têm moldado a sociedade e cultura mexicana face à norte-americana?

EBA-El intenso intercambio bilateral que ha existido históri-camente entre Estados Unidos y México ha tenido sin duda un impacto tangible en la forma como el país se percibe a sí mismo y su lugar en el mundo.

Los conflictos y controversias que ocurrieron entre ambos países en el pasado generaron un sentimiento negativo en-tre los mexicanos hacia la vecindad con Estados Unidos. Sin embargo, dicha percepción evolucionó con el tiempo. Hoy, cada vez más mexicanos perciben a los Estados Uni-dos como socio y aliado. Esta visión responde a un cambio claro en la manera positiva en que el gobierno estadoun-idense respondió al llamado de México para abordar los temas controversiales de la agenda bilateral a través del diálogo y la coordinación.

La herencia cultural de esta intensa convivencia es muy pal-pable en los dos lados de la frontera: la comida “tex mex” y la emergencia de artistas “chicanos” son sin duda algunas de las expresiones más populares. No obstante, existen otras menos perceptibles como la importación de mecanismos de producción o de mercadotecnia; así como el bilingüismo cada vez más patente en ambos países.

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ENTREVISTA COM O SENHOREMBAIXADOR MEXICANO

Benito AdiónO México é uma Républi-ca Federal, independente desde o dia 16 de Setem-bro de 1810. Actualmente Presidido por Enrique Peña Neto, conta com uma população superior a 112 milhões de habitantes . Faz frontei com Estados Unidos da América, Belize e Guatemala. É precisa-mente com os vizinhos norte-americanos que partilha os maiores laços de cooperação, seja a nível económico ou social.

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P- Neste momento é discutida uma reforma nas leis da imigração nos EUA. Apesar do fluxo de imigrantes Méxi-co-EUA estar a diminuir, este continua a ser o principal país de origem de imigrantes para os EUA. Como é que esta reforma pode afectar muitos dos cidadãos mexicanos que se encontram ilegalmente em solo norte-americano assim como aqueles que querem para lá emigrar?

EBA-El Gobierno de México dio la bienvenida a la presen-tación del “Proyecto de ley para la seguridad fronteriza, oportunidades económicas y modernización migratoria del 2013” en el Senado de Estados Unidos. Es un paso posi-tivo que se formalice una propuesta de reforma migratoria integral, con apoyo bipartidista y aportaciones de diversos actores estadounidenses interesados.

Resulta muy alentador el compromiso en este tema que han expresado el Presidente Barack Obama y miembros de am-bos partidos en el Congreso. Conforme avance el proceso legislativo estadounidense será fundamental que se valoren las aportaciones de los inmigrantes y se asegure el respeto de sus derechos, y que se busque aprovechar plenamente los lazos sociales y las complementariedades económicas en América del Norte.

El Gobierno de México acompañará puntualmente el de-bate, dentro de su ámbito de acción, y reforzará los esque-mas de comunicación y la difusión de elementos objetivos en la materia. La aprobación de una reforma migratoria integral tendría el potencial de fortalecer a la región en su conjunto.

P- Quais são, no seu entender, os motivos para que alguns vejam o Mercosul como uma imitação falhada da União Europeia no que diz respeito à integração económica?

EBA-Los esquemas de integración regional y sub-regional responden, esencialmente, a los objetivos, intereses y cir-cunstancias de los países que emprenden un proyecto de in-tegración determinado, por lo que las comparaciones entre unos y otros puede resultar, en ocasiones, una tarea comple-ja. En este caso, la Unión Europea y Mercosur son encomi-ables esquemas de integración que cuentan con estructura, objetivos y proyectos definidos por sus Estados miembros.

P- Segundo os estudos de algumas instituições financei-ras, o México será em 2018 o maior exportador para os EUA e em 2020 uma das dez maiores economias do mun-do. O que podem Portugal e outros países europeus em crise aprenderem com o México a nível económico?

EBA-Sin duda, la implementación de políticas estratégicas y decisivas para la apertura y apoyo de reformas fundamen-tales para potenciar el crecimiento económico a niveles con-vincentes, hizo con que México superara una serie de crisis

económicas y lograra posicionarse al 2012 como primer exportador mundial de televisiones de pantalla plana y séptimo de teléfonos celulares; octavo productor mundial de automóviles; primer exportador mundial de aguacates, papaya, mango y tomate; primer exportador de electrodo-mésticos de América Latina y sexto a nivel mundial.

Por otra parte México asumió compromisos con institucio-nes internacionales a favor del impulso al libre comercio global, así como de elevar la competitividad y mejorar la calidad de vida. En este sentido contamos con una red de 12 Tratados de Libre Comercio con 44 países, así como con una amplia red de Acuerdos para la Protección Recíproca de Ias Inversiones, que ofrecen certeza jurídica a los inver-sionistas nacionales y extranjeros.

Hoy en día el déficit fiscal, la deuda pública y la tasa de de-sempleo se mantienen a niveles manejables; hemos logrado mantener tasas sostenidas de crecimiento económico. En 2012 cerramos con un crecimiento del PIB de 3.6% en tanto que para 2013 la OCDE proyecta un crecimiento de 3.3%.

P- O México também está empenhado em promover a integração através de organizações tais como a Pacific Alliance que inclui Peru, Chile e a Colômbia, criando oportunidades não só para os seus membros, mas tam-bém para outros países, como a China, que estarão in-teressados em desenvolver laços bilaterais com a América Latina. Quais serão os prós e contras destas cooperações?

EBA-Desde la perspectiva de México, la Alianza del Pacífico constituye una gran oportunidad de crecimiento y de desar-rollo económico para los países de ambos lados del Océano Pacífico. Baste mencionar que en 2012 las economías de Asia y América Latina tuvieron un crecimiento promedio de 4.6%, cifra superior al crecimiento mundial que fue del 3.7%Actualmente, en ambas regiones se instrumentan políti-cas innovadoras y medidas para mantener la estabilidad económica, por lo que consideramos que una mayor vincu-lación con la región Asia-Pacífico, nos permitirá aumentar nuestra productividad y lograr mayores niveles de bienestar para nuestros ciudadanos.Además, se prevé que las economías de las dos regiones crecerán a una tasa anual de 5.1% en el período 2013-2017, por lo que existen condiciones para que Asia y América La-tina tengan un desempeño sobresaliente en este siglo XXI. Un reto en el corto plazo es seguir trabajando juntos por la apertura de mercados de bienes y servicios. Frente a un complejo panorama económico debemos continuar impul-sando el libre comercio y la integración productiva.

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P- Tendo em conta os últimos acontecimentos na Core-ia do Norte que ameaça atacar os EUA e, consequente-mente, também constituir uma ameaça para o território mexicano devido à proximidade geográfica, o que tem a dizer sobre esta situação?

EBA-La posición de México sobre este tema está claramente definida en el comunicado que la Secretaría de Relaciones Exteriores de mi país emitió el 30 de marzo de 2013 y que dice lo siguiente:“México hace un llamado a la República Popular Democráti-ca de Corea para que cese sus amenazas beligerantes, que ponen en peligro la paz y la estabilidad en la península de Corea, en esa región del mundo y a nivel internacional. La insta a retomar la vía del diálogo y la negociación. México exhorta a todas las partes a mostrar mesura y a re-alizar todos los esfuerzos que se encuentren a su alcance para evitar una escalada de la presente situación y para mantener la búsqueda de una solución negociada y defini-tiva en la Península, sobre la base del principio de la solu-ción pacífica de las controversias”.

Por Anna Momotova e Miguel Brito

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ral assente na rejeição das supostas conquistas da moderni-dade. O autor adopta uma “concepção narrativa do sujeito” (“narrative conception of the self ”) que realça o poder da comunidade e da educação na constituição da moralidade dos indivíduos. MacIntyre salienta, em particular, a im-portância do reconhecimento inter-comunitário para a formação da subjectividade individual. Os indivíduos ad-equam o seu comportamento às normas e expectativas pre- valecentes na sua comunidade pois só tal conformidade de comportamento pode trazer o reconhecimento social que todos os indivíduos buscam. A contingência da subjectivi-dade humana encontra-se dependente dos padrões comu-nitários no seio dos quais os indivíduos foram socializados. A história de cada ser humano depende da história mais vasta da comunidade de que é originário. Neste sentido, as virtudes individuais derivam de interpretações morais colectivas sobre o bem e o mal. Tais interpretações condic-ionam as expectativas sociais que pesam sobre a subjectivi-dade individual. O enquadramento moral dos indivíduos depende das heranças morais que recebe da comunidade responsável pela sua socialização. MacIntyre escreve:

Man is…essentially a story-telling animal. That means I can always answer the question ‘what am I to do if I can answer the prior question of what story or stories do I find myself a part…I’m never able to seek for the good or exercise the vir-tues only qua individual…we all approach our own circum-stances as bearers of a particular social identity…I inherit

from the past of my family, my city, my tribe, my nation a variety of debts, inheritances, expectations and obligations. These constitute the given of my life, my moral starting point. This is, in part, what gives my life its moral starting point (MacIntyre 2007:20).

MacIntyre defende a ideia de que é a prática que precede e nunca o contrário, o que significa que o autor discorda da crença cartesiana de que o individuo existe mercê do seu pensamento autónomo. A noção de virtude depende das práticas sociais consensualizadas no seio de cada comuni-dade política. Não existe virtude independente da relativi-dade das práticas sociais. Neste sentido, a crítica normativa deve ser interna à tradição e não exógena por relação com a mesma. A liberdade individual não pode, no entender de MacIntyre, ser associada com a autonomia individual mas sim com a forma como os indivíduos se conformam com o potencial do seu papel social. O patriotismo surge, neste contexto, como um sentimento natural e como uma obrigação moral independente do consentimento individ-ual. A perspectiva de Alasdair MacIntyre influencia pro-fundamente o trabalho de Michael Walzer e de Mervyn Frost que abordaremos oportunamente.

After Virtue. A Study in Moral Theory, de Alasdair MacIntyrePor Professora Auxiliar Doutorada Maria João Militão

Depois de na edição an-terior temos discutido a abordagem cosmopolita de Seyla Benhabib, im-

punha-se nesta edição uma breve análise sobre o pensamento de um dos principais teóricos comunitaris-tas contemporâneos: Alasdair Ma-cIntyre. Na sua obra clássica After Virtue. A Study in Moral Theory, MacIntyre expõe os argumentos que o levam a sustentar a tese comuni-tarista de que os indivíduos definem-

se, essencialmente, pela sua articulação com a comunidade de onde são originários. MacIntyre parte da assunção de que não existem padrões normativos absolutos e exóge-nos a partir dos quais as comunidades políticas possam ser avaliadas. Isto conduz à afirmação de um relativismo mo-

Crítica

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A “União Eu-ropeia” é, ainda, um

projeto por reali-zar. Necessita de ser repensada na sua construção concreta, desde

logo face à experiência negativa recente das relações entre os Estados do norte e os do sul e da periferia. Numa linha de evolução para uma Europa Federal. Com um tipo de federalismo adapta-do à cultura europeia em geral e à ex-periência organizacional já trilhada.

Esta discussão de criação de uma or-ganização estadual, politicamente fe-derada, teve a sua primeira construção concreta nos EUA. A Europa, tendo conseguido avançar na sua unificação, na segunda parte do século XX, face à constatação recente das deficiências de funcionamento da moeda única sem política económica e um sistema bancário controlado supranaciona-lmente e em termos democráticos, deve avençar rapidamente nesse sen-tido. Sem uma “paneuropa” politica-mente integrada e organizada em ter-mos claramente legitimados, dominam os grandes Estados. Os pequenos, nas crises, são as principais vítimas da insu-ficiência integracionista. O domínio das políticas e do mando resvala facilmente dos órgãos unionistas, designadamente do Parlamento e da Comissão euro- peus, para os maiores Estados, e cada vez mais para a Alemanha, dada a sua força económica, bebida à custa de um mercado aberto e de uma zona euro, que a favorece e empobrece os Estados mais débeis. A problemática do federalismo

é inultrapassável, sob pena da sucessão de crises e do descalabro unionista, que atualmente já não aproveita a nenhum Estado. A medida fundamental para se ultrapassar a atual crise do euro e da União, e, a prazo, evitar secessões eu-ropeias, passa por se avançar resoluta-mente para a criação de uma Europa de Estados soberanos, iguais e solidários. Politicamente organizados num Esta-do supranacional numa Europa pluri-nacional e pluricultural. As principais correntes político-partidárias, liberais, democratas-cristãs, socialistas e euro-comunistas sempre se manifestaram a favor do federalismo europeu. O reforço da componente federal dar-nos-á garantias de que, no futuro, não haverá exigências impostas aos Esta-dos, que não sejam resultantes de um governo próprio. E, sempre que justi-ficadas por debilidades conjunturais, compensações com medidas de solida-riedade federal. Garantidas constitucio-nalmente a nível europeu. Questões de assimetrias territoriais, de desigualdade de bem-estar entre povos, ou pactos de estabilidade serão pensados e compen-sados com o tratamento da dívida dos Estados nacionais, em termos que par-tam de novo estatuto e poderes reforça-dos por uma nova conceção de banco central europeu. Numa Europa Fede ral, não teria havido a crise relacionada com a dívida soberana. Não seria mes-mo possível a imposição de soluções à germânica. Retrospetivamente, sur-preende mesmo o atrevimento da construção da zona euro, sem um en-quadramento federal.

Na nova construção, como já hoje ex-istem duas câmaras legislativas, o Con-

selho de Ministros e o Parlamento, ape-nas haverá que ponderar se o CM deve ser transformado em Câmara Alta com absoluta igualdade votacional por Es-tado, seja de representação dos Povos dos Estados (EUA ou Suíça, aliás am-bos com 2 representantes por Estado ou “Cantão”), seja dos Governos dos Esta-dos (embora, neste caso, por intermé-dio de seus “delegados” permanentes, e não ministros estaduais-viajantes). Naturalmente que, no PE, só tem sen-tido a representação dos cidadãos eleitores segundo o método da propor-cionalidade. Federalismo democráti-co: uma Câmara de Representantes na proporção da dimensão das popu-lações estaduais; Senado ou Câmara dos Governos com dois membros elei-tos por Estado ou designados pelos Governos. Pode optar-se pelo Senado, como nos EUA (solução que resulta de uma inspirada proposta de Alexander Hamilton, que levou ao pacto federal, aprovado na Convenção de Filadélfia de 1787) ou por uma Câmara dos Gov-ernos (Bundesrat), à Alemã. Mas os ci-dadãos europeus não podem consentir em mudanças profundas na arquitetura europeia sem debates nacionais, vota-ções parlamentares e mesmo referen-dos. Vivemos em democracia. Neces-sitamos de transparência de processos, para levar à adesão popular. A exigên-cia participativa agravou-se pela crise do euro, que aumentou a desconfiança em relação à classe política. Uma coisa é certa: havendo já fortes componentes federais na União Europeia, traduzidas em muitas matérias sujeitas a voto por maioria e aprovação simultânea dos representantes dos Governos e do Par-lamento Europeu e na própria eleição

INTEGRAÇÃO EUROPEIA: DA SOBERANIA DOS ESTADOS AO FIM DAS RELAÇÕES UNIONISTAS DOMINADAS PELA ALEMANHA

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Da casa parte 2

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direta deste, não pode deixar-se nas mãos dos governos nacionais dos maiores Estados a última palavra so-bre a definição das políticas europeias e, sobretudo, da futura organização constitucional da Europa. Exigem-se propostas, debates e votações parla-mentares. E, depois, um referendo a nível europeu sobre a futura Con-stituição Federal, precedido de uma convenção europeia exclusivamente com esse fim, com delegados elei-tos por todos os Estado membros da União Europeia, que possa legitimar os avanços federais e o seu enquadra-mento.

É necessário analisar, entre os diferen-tes modelos de federações democráti-cas (americano, alemão, austríaco, suíço, canadiana, brasileiro, indiano, etc.), aquele que seria mais adequado à generalidade dos povos e das cul-turas político-sociais europeias. E, designadamente, partindo da própria experiência histórica da CEE-CE-UE. Entre uma solução federal de parla-mentarismo-convenção e uma presi-dencial-imperial à americana, existem outras fórmulas próximas de uma ou outra, mais consentâneas com a acei-tação geral. A eleição de um Presi-dente da Europa pode merecer con-cordância. Mas não seguramente com as idiossincrasias americanas. Seja na eleição direta ou indireta, neste caso nunca com eleição da totalidade dos delegados de cada Estado sem sistema proporcional. Nem com poderes go- vernamentais tao concentrados. Teria de ser por sufrágio direto, universal, com mandatos limitados e capaci- dade de escolher e apresentar à aprova-ção do Parlamento os governantes realmente responsáveis nas diferentes pastas perante este. Podemos optar por um modelo presidencialista-im-perial à americana, de chancelaria à germânica ou de semi-presidencialis-mo à francesa ou até descrer que este ou aquele, na sua totalidade, seja o mais adaptado para a Europa. Mas “o” atual, de multiplicação e confusão de poderes unionistas, com a supremacia arrogante da Alemanha, não podemos admitir seguramente. Pessoalmente,

entendo que a Comissão Europeia deve ser legitimada como governo eu-ropeu. E funcionar em regime parla-mentarista adaptado, investida livre-mente pelo Parlamento europeu, face à correlação de forças parlamentares do momento, resultantes da vontade de um eleitorado global europeu.

As mais antigas federações, a ameri-cana e suíça, seriam, talvez, os mo- delos de partida para uma síntese re-alista, com uma câmara parlamentar representando em absoluta igualdade os Estados (Câmara Alta Europeia), e a outra (Parlamento Europeu), os ci-dadãos segundo o modelo proporcio-nal, com a necessária aprovação das leis pelas duas câmaras, exercendo assim a Câmara Alta um certo poder de “veto” inicial e de exigência de re-formulação. Há, pois vários modelos, que já deram provas, embora seja, cada vez mais frequente, a defesa em Portugal do modelo suíço, que pode-ria ter uma triple vantagem: conviver com uma supra-estadualidade clara-mente linguística e pluricultural (fed-eração de povos, línguas e religiões diferentes); ter como órgão máximo, não um individuo, mas um colégio apontando para um Conselho Euro-peu, embora com estatuto diferente em termos semelhantes ao Suíço que sempre deu provas de eficácia ao longo dos tempos, sobretudo depois do fim da experiência napoleónica e consequente transformação da Con-federação Helvética em verdadeira Federação. Com efeito, este modelo helvético, sendo parlamentarista, e não presidencialista, tem, no entanto, um colégio presidencial (Concelho Federal) como órgão supremo da fe- deração.

Por Professor Catedrático Doutor Fernando Condesso

A e l e i ç ã o política, v a l o r

supremo da de-mocracia, tem suscitado nos últimos tempos

na Europa, algum incómodo. A crise económica e financeira expôs as con-tingências do exercício da democra-cia. A assunção de que a democracia enquanto regime político é um pro-cesso irreversível e inabalável, e de que a modernização económica for-talece o regime político democrático, sofre agora o revés. A legitimação democrática das instituições políticas encontra-se agora condicionada pela estabilidade dos mercados e à reação das praças financeiras. Esta caracte- rística permite aduzir que a crise não e apenas financeira mas também da própria Democracia, que não tem en-contrado os mecanismos de resposta aos inputs do sistema político.

A Democracia conceptualizada por Abraham Lincoln, do «governo do

povo, pelo povo e para o povo», an-tecipou as linhas mestras para a cons trução dos Estados Democráticos no mundo. O reconhecimento e estabe-lecimento de um regime democrático obedecem à existência de determina-dos pressupostos, que enformam o próprio funcionamento da Democra-cia.

Nos termos Schumpeterianos, a De-mocracia corresponde ao «arranjo

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ELEIÇÕES EM TEMPO DE CRISE

Do Mundo

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institucional para chegar a decisões políticas, na realiza-ção do bem comum, fazendo o próprio povo decidir, através das eleições, com o objetivo de cumprir a sua vontade» (Schumpeter, 1956: 250). Este pres-suposto da contestação dos cidadãos é gizado também por Robert Dahl (1971) na abordagem das poliarquias, enquanto condição necessária na es-colha dos representantes. Os cidadãos são, stricto sensu, os investidores de autoridade e legitimidade política dos representantes. É através da investi-dura popular que é instituída a re- presentação política e a relação entre governantes e governados, em que os governantes recebem por parte dos governados a autorização para agir em seu nome.

A comunidade política tem reforçado o seu envolvimento e assumido a sua posição pivô nos processos políticos contemporâneos. Num contexto de crise económica e financeira, sob a penumbra dos resgates financeiros, os cidadãos europeus contestam e pro-testam, quer por via espontânea quer pela via eleitoral, a sua insatisfação contra as políticas nacionais e orienta-ções europeias.

As eleições italianas do passado mês de Fevereiro são/foram a antecâmara das dinâmicas eleitorais e políticas que se avizinham. O escrutínio re-alizado, não foi simplesmente a es-colha dos representantes parlamen-tares, foi claramente uma tomada de posição por parte dos cidadãos sobre o “mau” funcionamento e descrédito das instituições políticas; das soluções partidárias e especialmente a uma doutrina ideológica liberalizante que contextualiza a Europa. Os resultados eleitorais determinaram um bloqueio institucional e instabilidade política.

O calendário eleitoral na Europa para 2013, determina um quadro peculiar em termos de eleições legislativas. A Islândia vai a votos no próximo dia 27 de Abril, um país que optou por manter a sua soberania interna, apesar

das dificuldades económicas e infla-cionárias, recusando a receita e inter-venção europeia. Segue-se a Bulgária (12 de Maio) um dos últimos Esta-dos-Membros constituintes da famí-lia Europeia (2007), numa conjuntura extremamente complexa, quer em ter-mos económicos, políticos e sociais. Num processo eleitoral antecipado, precipitado pela contestação popu-lar nas ruas, desencadeado pela de-bilidade económica (país mais pobre e mais corrupto da UE), pela elevada taxa de desemprego e pelo aumento do preço da eletricidade. Em Setembro, a própria Alemanha, “senhora imperia-lis” da Europa apresenta-se também ao escrutínio popular. A norte da Eu-ropa, na Noruega (Setembro), o “refer-endo” às opções políticas; à integração europeia; aos desequilíbrios regionais (norte e sul) e à própria sustentabi-lidade da moeda única farão parte da equação eleitoral.

As decisões tomadas ao nível europeu em resposta à crise, desencadearam di-versas tensões entre os Estados-mem-bros. O funcionamento da democracia transformou-se num requisito proces-sual para os ajustamentos económicos e financeiros. As soluções do diretório europeu transformaram-se na penúria dos cidadãos, no enfraquecimento dos Estados já fragilizados, na inconse-quência de resposta e a práticas pouco democráticas.

A esperança inicial de Jean Monet da construção de uma “União entre os cidadãos, em vez de Estados”, foi completamente pervertida para uma “União de cidadãos contra os Esta-dos” e contra a imposição de soluções por parte da União Europeia. Os ex-perimentalismos radicais de austeri-dade financeira e reformas estruturais implementadas, especialmente na Eu-ropa do Sul (nos países intervenciona-dos), antecipam mudanças políticas, na estrutura e organização das socie-dades democráticas? A política de pro-testo e mobilização social concretizam a voz do cidadão, mas à elite dirigente são exigidas respostas que concreti-

zem a vontade soberana. A própria integração europeia necessita de con-struir novos paradigmas, no momento crucial de alargamento à Croácia, ga-rantindo o restabelecimento da con-fiança dos cidadãos nas instituições e reforçando a governança democrática aos vários níveis de governo.

Por Teresa Ruel, Investigadora CAPP-ISCSP (linha de investigação Política e Governo) e Doutoranda em Ciência Política

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The year 2001 in addition to symbolize the

terrorist attack on U.S. territory, marks the beginning of a new economic era by the

voice of Jim O’Neill of Goldman Sachs. Precisely, on November 30 emerged for the first time the acronym BRIC in the report “Building Better Global Econom-ic BRIC” regarding countries as Brazil, Russia, India and China. In this con-text, taking into account the territorial sense of insecurity generated, it was es-sential to boost the economic and finan-cial arena with international markets to avoid a global crisis. The BRIC emerged as a credible alternative and investment new market, as analysed on the report of October 1, 2003, “Dreaming with the BRICs: the path to 2050”.

The answer in the search for a equilibri-um of world economic policy results in providing alternatives regional centres converging on the potential of growth rates regarding the Gross Domestic Product and the number of inhabit-ants that bring together the four coun-tries, although they represent political systems with contrasting cultural and social characteristics. For Jim O’Neill

BRICS

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(2011) the International Monetary Fund (IMF) and the G8 economies represent the inability to meet the challenges of the new world that is being built, par-ticularly considering since 2011 as the BRIC markets growth, which should, in redefining the world order, become more politically astute.Note that the heterogeneity of the BRIC can generate apparently a first impression, concerning behav-ioural difficulties in the relationship between sovereign entities. However, Nicholas Spykman (1933) includes in the definition of international relations and relations between individuals rel-evant technical influence that they can stop engaging in intra-state behaviour. So, it should be noted that starting from the individual, the homogeneity of the BRIC, particularly of its projection and the actual capacity of power transposed to the international system, will result in the congregation of wills of the indi-viduals in the sphere of governing each of these countries, by other words, the political and economic elite.

Without a doubt, it is evident the need to identify and analyse the aspirations and immediate needs involving the sys-tem. Relating to this case it is impor-tant to recall the visit of U.S. President, Barack Obama, in Brazil on 19 and 21 March 2011, whose speech emphasized the goal of achieving an equal alliance with the countries of Latin America, bringing to mind the concept of alli-ance for progress of former President John Kennedy. In a joint statement of President Barack Obama and President Rousseff is committed that the Unit-ed States and Brazil represent a global partnership in building the world order. This kind of partnership also applies to China, given the intentions by the U.S. administration to opt for a strategic policy of rapprochement in the name of public diplomacy and the combination of smart power, that integrates the con-cepts of hard power and soft power to counter the growing Chinese influence in Asia-Pacific region, and also to avoid the formation of a regional military and economic region between China and Japan with implications for interna-

tional security (Pelle, 2007). It should be noted that in the area of regional se-curity in Central Asia China cooperates with Russia within the Shanghai Coop-eration Organization. Moreover, in the American geopolitical vision India rep-resents a natural strategic partner for being a factor of stability in South Asia with regard to Bangladesh, Nepal, Sri Lanka, Pakistan and Myanmar.On 14 April 2011 it was held the third BRIC summit, with the motto “broad vision, shared prosperity” in the city of Sanya, Hainan Province in the People’s Republic of China, which was attend-ed by the leaders of those powers. The agenda of the meeting addressed the following topics: (1) the strengthening of BRIC in the international arena, (2) the reform of the monetary system, (3) to trade in local currency, (4) the choice of policies on peace and conflict resolu-tion, (5) the inclusion of South Africa in the BRIC countries, by its increasing geopolitical role, not only in southern Africa, but throughout the African con-tinent.

The fourth BRICS, with the participa-tion of South Africa, was hosted in New Delhi, India, on 29 March 2012 un-der the theme “BRICS partnership for Global Stability, Security and Prosper-ity”. The main agenda of this summit consists on considering and capturing the essence of the future marked by the instability in the euro zone, the slow pace of quota and reforms in the IMF in a complex and globalizing world in order to obtain common positions of BRICS regarding political, economic global issues as well as in a regional perspective for each country. Concern-ing not only the global as well as the re-gional challenges of the BRICS, by one hand the Delhi Declaration includes the Delhi Action Plan to boost cooperation under India’s chairmanship of BRICS; by the other hand two agreements were reached and signed by the Develop-ment Banks form BRICS countries, namely Master Agreement on Extend-ing Credit Facility in Local Currencies and BRICS Multilateral Letter of Credit Confirmation Facility Agreement. As well as it was recognized in the third

summit, it´s vital to obtain peace and security in the Middle East and specifi-cally in North Africa because not only can cause instability in international relations but also can directly gener-ate negative consequences on citizens whose lives were substantively affected by the Arab Spring.

When considering that the BRICS are an integral part of the international subsystem stand out in this case the following functions: (1) maintaining the internal structure of the state, (2) strengthening regionally and (3) ex-panding its activity in the external en-vironment, (4) increasing its influence in the international system in order to maintain the balance of the global order with the other powers.

However, the reconfiguration of world order around the BRICS also rises next to each society the emergence of a feel-ing, sometimes convergent, sometimes divergent, relative to the position of po-litical and economic elite, which deter-mines the degree of satisfaction from it. As regards the BRICS political system it seems to appear surprisingly strong and effective, although it´s evident the urgent need of the political leadership to solve several domestic problems con-cerning effective democracy and respect for human rights. Although they are disparate realities, the factor identity establishes the rela-tionship between the BRICS countries, bearing in mind the need for conver-gence to ensure survival in the interna-tional arena means that the notion of difference should be legitimately recog-nized by the other to minimize the diver-gence in name of a common sentiment subsequently adapted or transformed, to be avoided disruption of external and internal environment. Moreover, the formation of alliances depends on the homogeneity (and structures simi-lar values) or heterogeneity (different structures and values) of the system, as well as the ability to influence decision-making among other actors in interna-tional relations (Aron, 1997).

Consequently, in the sphere of BRIC it’s

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possible to identify four dimensions (Hemant, 2008), as follows: (1) cultur-al, in which each country has its char-acteristics, (2) management, which ev-idence the practice of different policies, (3) geography, where the allocation of the cost of transportation and com-munication derives from the distance between each country, (4) economic inequality because of costs, wages and access to natural resources.The BRICS eventually may fill a very important new role in redrawing the geopolitical order, and requiring the U.S. to share power with other pow-ers in the international arena in order to avoid its transformation in an old Europe. Is it possible, however, reduc-ing this problem to a simple, even if re-newed, game of chess?

Por Marco Antonio Baptista Martins, Universidade de Évora, Investigador: NICPRI e Instituto do Oriente

Para alguns é uma il-usão ide-alista, para

outros um con-ceito com poten-cial em construção, para outros ainda,

uma nuvem de fumo que favorece os adeptos do uso da força. O facto é que, quase 15 anos volvidos desde a sua ori-gem, a Responsabilidade de Proteger (R2P) continua a traçar o seu caminho de consolidação enquanto norma de direito internacional. A sua aplicação na Líbia e o que parece ser uma opção pela não intervenção na Síria, colocam questões importantes acerca dos alic-erces teóricos que a sustentam e geram dúvidas sobre o seu futuro.

A primeira vez que a Responsabilidade de Proteger é inequivocamente invo-cada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas acontece em Fevereiro de 2011, quando a resolução 1970 aler-ta para a responsabilidade da Líbia de proteger a sua população, e um mês de-pois, com o apoio ao bloqueio aéreo a Bengazi, ao abrigo da resolução 1973. Depois de encabeçarem uma coligação que obliterou a defesa aérea líbia, per-mitindo resgatar a população de Ben-gazi, os Estados Unidos requereram à NATO que tome o controlo da opera-ção, de modo a incorporar eficiente-mente as forças militares aliadas. A op-eração Unified Protector, que a NATO declarou destinar-se a cumprir estrita-mente a resolução do Conselho de Se-gurança, estender-se-ia por 7 meses (Daadler e Stavridis, 2012; Dembinski e Reinold, 2011: 7).

Após meses de conflito, o esmagamen-to dos protestos e a violência na Síria ainda não deram azo ao mesmo tipo de

acção internacional, ainda que tenha havido muito mais baixas de civis de-sarmados do que na Líbia. Ainda as-sim, a Responsabilidade de Proteger não foi evocada nem parece ter sido sequer equacionada (Findlay, 2012:7; Tarnogórski, 2012:4). Em grande me-dida, esta hesitação deve-se às diferen-ças geopolíticas entre a crise na Líbia e a actual situação na Síria. Antes de mais, Khadafi estava políticamente isolado e a acção militar por parte da NATO teve o apoio da Liga Árabe; pelo contrário, Assad tem aliados poderosos regional-mente e inclusive no Conselho de Segu-rança (i.e. a Rússia tem um longo com-promisso com o regime de Damasco), tal como um poderoso e bem armado exército. Mas existem outros aspectos de carácter puramente realista aponta-dos como razões para este duplo stan-dard: a ameaça de fluxos de refugiados líbios para a Europa e a abundância e singularidade do petróleo líbio, são questões que não se colocam no caso sírio, diminuindo os interesses dos Es-tados numa eventual intervenção. Por fim, as críticas ao papel abusivo que a NATO terá desempenhado na Líbia também não favorecem a possibilidade de uma acção colectiva por parte da comunidade internacional.

Às afirmações de que a inacção peran-te as atrocidades do regime de Assad minará a credibilidade da R2P, outros repondem que, sendo elevadas as per-spectivas de fracasso, a preservação da R2P depende precisamente da não intervenção na Síria. Estes dois casos, verdadeiros testes à Responsabilidade de Proteger, conduzem-nos assim a uma questão fundamental: a credibili-dade e quiçá a existência da R2P serão afectadas pela sua inconsistente aplica-ção?Clica aqui

RESPONSABILIDADE DE

PROTEGER: ENTRE O LIBERALISMO E O

REALISMO. A LÍBIA E A SÍRIA COMO TEST CASES

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Em termos teóricos, a missão da Re-sponsabilidade de Proteger de trans-formar a comunidade internacional e os Estados individuais em actores responsáveis é inspirada pelos ideais liberais e fundada num entendimento construtivista das relações internacio-nais: o do poder das normas e das ide-ias sobre os comportamentos dos Esta-dos. Porém, as intenções, a conduta, os resultados e as percepções decorrentes das intervenções efectuadas até agora ao abrigo desta norma (sendo a Líbia a mais evidentemente abrangida pelo conceito), abrem espaço para a crítica de que há um preponderância da pow-er politics, como princípio definidor do sistema internacional.

Eis esta perpectiva ilustrada por um diálogo do célebre Alice’s Adventures in Wonderland de Lewis Carroll:

“When I use a word,” Humpty Dumpty said in rather a scornful tone, “it means just what I choose it to mean -- neither more nor less.” “The question is,” said Alice, “whether you can make words mean so many different things.” “The question is,” said Humpty Dump-ty, “which is to be master -- that’s all.”

Esta é uma passagem sobre se somos donos da linguagem ou é ela quem manda em nós. E de certa forma, a R2P pode significar aquilo que os Estados mais poderosos entendem que ela deve significar em cada momento. É talvez essa a sua maior fragilidade.

Não há dúvida de que o trabalho da In-ternational Comission on Intervention and State Sovereignty (ICISS), que deu origem ao conceito R2P, teve o mérito de afastar a expressão intervenção hu-manitária da discussão sobre protecção humana. Esta foi uma mudança impor-tante nos termos do debate, sobretudo pela transferência da ideia de “direito a intervir” para a de “responsabilidade” embora, como vimos, a mudança no discurso não tenha acabado com as principais fontes de controvérsia, no-meadamente as inconsistências na

aplicação da norma.

Ainda assim, como a própria Comissão afirma, o facto de por imperativos políticos poder não haver uma inter-venção mesmo que esta se justifique, não significa que não deva haver inter-venções em caso algum. Devemos que-rer consistência mas devemos também avaliar cada intervenção pelos seus próprios méritos, utilizando as lições aprendidas para aperfeiçoar os me-canismos usados. Adoptar uma postu-ra de “cada caso é um caso” parece ser para já a única forma de trabalhar na prática este conceito.

Mantem-se igualmente a dificuldade em distinguir os intervenientes moti-vados por obrigações morais dos in-tervenientes motivados por interesses tradicionais de realpolitik. Face a isto, talvez só uma nova mudança no dis-curso – de Responsabilidade de Pro-teger (R2P) para Responsabilidade ao Proteger (RWP) – possa proporcionar algumas soluções, limitando aquilo que um Estado pode fazer durante uma in-tervenção e, consequentemente, influ-indo na própria tomada da decisão de intervir.

Analisar a R2P sob uma perspectiva construtivista permite superar o de-bate realista-liberal e compreender a sua relevância como massa de ideias capaz de moldar os comportamentos e o entendimento intersubjectivo dos Estados, conquanto seja devidamente aplicada e calibrada, por forma a evi-tar empregos abusivos. As bases éticas subacentes aos argumentos a favor de uma responsabilidade colectiva de pro-teger têm vindo a moldar os interesses nacionais de um grande número de ac-tores, no Ocidente pelo menos, desde o fim da Guerra Fria. Apesar de estas considerações normativas não serem os únicos factores a influenciar a política dos Estados, fazendo transparecer uma certa ambiguidade e hipocrisia (Schüt-te e Kübler, 2007: 22), não podem ser ignoradas enquanto avanços em di-recção a uma política global de direitos humanos. Assim, não obstante as críti-

cas de que a R2P e o debate teórico que a envolveu não trouxeram nada de sig-nificativo – uma vez que a comunidade internacional encontra hoje as mesmas dúvidas, hesitações ou constrangimen-tos em intervir que encontrava antes – a verdade é que as alternativas em cima da mesa neste momento parecem ser apenas duas: trabalhar neste enquadra-mento multidimensional e ainda prob-lemático da R2P, ou voltar aos dias do Ruanda.

Por Filipa Pestana, Relações Interna-cionais (FEUC) e Estudos Estratégicos e de Segurança (UNL/IDN)

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A ideia de ir para o Gana e fazer voluntariado surgiu, de cer-ta forma, por acaso. Todos nós, ou quase todos, chegamos àquela altura na licenciatura em que pensamos “e agora?”, e o que eu queria era ir durante algum tempo para longe – não interessava muito para onde, desde que fosse longe. Só mais tarde é que surgiu a ideia do voluntariado e con-fesso que uma das principais razões que me levaram a querer ir por aí não tanto por querer “mudar o mundo” mas sim por ser algo que permite, de forma relativamente barata e segura, fazer parte de um mundo desconhe-cido. Juntar o útil ao agradável, por assim dizer. Vivi e trabalhei, assim, quatro me-ses em Bolgatanga no norte do Gana. Através de uma organização holan-desa fui parar à uma ONG local, a Youth Harvest Foundation Ghana, que tem como missão ir de encontro às necessidades dos jovens no sentido de criar uma geração autossuficiente e autoconfiante. Assim, tem projetos relacionados com a educação – dão aulas de informática, de saúde re-produtiva, de direitos e deveres, de empreendedorismo, etc. Tem uma academia de futebol, um projeto vi-rado para os jovens e as famílias nas comunidades mais pequenas e tradi-cionais nos arredores de Bolgatanga, e um projeto que proporciona dar uma nova oportunidade a costureiras jovens com o intuito de as ajudar a criar o seu próprio negócio. Eu tra-balhei principalmente neste último projeto, contudo havia sempre espa-ço para dar uma ajudinha nas outras atividades – tanto por falta de pessoas como por falta de um certo sentido de organização e de perspicácia por parte dos ganeses. Penso que uma das grandes vantagens de se fazer voluntariado, ou de se trabalhar numa ONG, deve-se ao fato de se ter uma enorme liberdade para fazer um bocadinho de tudo.

As minhas tarefas eram extremamente variadas e quase tudo do que fiz nunca tinha feito antes; provavelmente não teria tido oportunidade de as fazer assim do nada no caso de se tratar de uma empresa ou de uma organização aqui em Portugal. E sim, isso fez com que aprendesse.

Ao longo deste tempo fiquei alojada numa família de acolhimento, com direito ao meu próprio quarto dentro de um “compound” – um conjunto de quartos, casas e espaços ligados uns aos outros por um pátio onde resi-dem, normalmente, 3 ou 4 gerações juntas. Isso tem algumas desvanta-gens: a falta de conforto, a falta de pri-vacidade, a comida local e uma vida um bocadinho mais limitada. No en-tanto a vantagem é muito mais brutal que isso, pois por se viver em conjunto com uma família, com os seus própri-os hábitos, as suas rotinas e um estilo de vida completamente diferente do que aquele à que eu estava habituada, passa-se a conhecer e compreender melhor como é que se vive realmente num país como o Gana. É-me difícil resumir e descrever essa experiência em apenas algumas frases e nem eu própria teria imaginado de que fosse assim antes de chegar. Durante 4 me-ses fui, ou tentei ser, um pouco como os ganeses: comia o que eles comem, vivia na mesma casa e nas noites em que estava demasiado calor dormía-mos todos juntos no pátio debaixo das estrelas. Ajudava nas tarefas do-mésticas (completamente contra a vontade da minha “mãe” que preferia que eu ficasse o dia todo sentada sem me mexer) e apercebi-me o que sig-nifica não se ter água corrente em

casa: toda a água que se usa para cozinhar, para beber, para tomar banho, para lavar a loiça e para lavar a roupa tem que se ir buscar ao poço da aldeia. No entanto as minhas irmãs também passavam a manhã de sábado a ver desenhos ani-mados na televisão.

Voluntariado

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GANA

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Penso que talvez a experiência mais interessante que tive foi conhecer pessoas da minha, aliás, da nossa idade; jovens como nós, que estudam, procuram emprego, tentam encon-trar um caminho na vida, saem à noite com os amigos, veem os mesmos filmes que nós e têm todos Facebook. Contudo, quando comem carne comem também os ossos (nota: os de vaca e de cabra são melhores que os de galinha); acreditam que a medicina local serve melhor que os hospitais; andam de mota como se quisessem morrer o mais rápido possível; não gostam de legumes, nem de pizza e de batatas fritas; têm cicatrizes na cara ou no peito para afastar os espíri-tos maus; quando eram pequenos, eles eram aqueles miú-dos nus e de barriga inchada que nós vemos na televisão; e falam, por norma, quatro ou cinco línguas diferentes sem a menor dificuldade (Gana é daqueles países em que te mexes 100km para um lado e já se fala uma língua nova). Há dife-renças enormes pois nascemos e crescemos em sítios muito diferentes e muito distantes. Mas de resto somos exatamente iguais.

São quatro meses a viver sem casa de banho, sem chuveiro de água quente, sem talheres, sem máquina de lavar roupa, sem micro-ondas, sem saladas, regularmente sem eletricid-ade, e sem frio. São quatro meses a viver rodeada de pes-soas com hábitos, ideias, culturas, crenças, gostos, músicas e línguas diferentes. A riqueza desta oportunidade e desta experiência foi algo de extraordinário, pelo que se aprende, conhece, experimenta e pelo que se passa a compreender um bocadinho melhor. Todos os dias o pai da minha família de acolhimento dizia-me, ao chegar a casa, “you are wel-come”. Não falhou nem um dia. Eu, vinda de um mundo completamente diferente, do qual conhecem pouco e enten-dem ainda menos. Mas não faz mal, és bem-vinda. Sempre.

Por Jessica Verheij, Licenciada em Relações Internacionais

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