pacta 3ª edição

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3ª Edição, Dezembro. Revista do Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais PACTA Mais que uma Revista, uma janela para o Mundo “A palavra anarquia é a que melhor carateriza a ordem mundial que te- mos nos dias de hoje.” Professor Adriano Moreira +Embaixador norte-americano Allan Katz E muito mais!

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3ª Edição da Revista PACTA

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PACTAMais que uma Revista, uma janela para o Mundo

“A palavra anarquia é a que melhor carateriza a ordem mundial que te-mos nos dias de hoje.” ProfessorAdriano Moreira

+Embaixador norte-americano Allan KatzE muito mais!

Page 2: Pacta 3ª Edição

Conteúdos

* Da Casa 4 - Que Futuro para a Síria? - Ajustamentos Globais e Opções

* Entrevista 7 -Professor Adriano Moreira -Entrevista Bónus: Embaixador Allan Katz

* Do Mundo 12 - A crise ibérica e o “recurso” à América Latina - Da Comunidade de Estados Independentes à União Económica Eurasiática - Obama: da história para a história

* Crítica 16 - “The Time that Remains: a Commentary on the Letter to the Romans”

* Experiência Erasmus 17 - Bolonha, Forli

* Cronologia Mensal 18

A Equipa

Coordenação do Pelouro de In-

vestigação do NERI:

Miguel Coutinho, nº 210941

Coordenadores da

PACTA:

Joana Ribeiro, nº 210910

Miguel Brito, nº 210962

Colaboradores:

Anna Momotova, nº 212399

Edição de imagem:

Miguel CoutinhoRevisora: Joana Ribeiro

Responsaveis pelas redes so-

ciais:

Facebook: Miguel Brito, Miguel

Coutinho

Twitter: Anna Momotova,

Joana Ribeiro

Segue-nos em:

https://www.facebook.com/PACTARI

https://twitter.com/pactaiscsp

http://ae.iscsp.utl.pt/

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Page 3: Pacta 3ª Edição

Mais um mês de PACTA. E com esta terceira edição terminamos o ano (no que a edições diz res-peito, nas plataformas continuamos activos). Em Janeiro traremos o que de melhor e pior se passa pelo mundo das Relações Internacionais. Como poderão constatar, esta edição sai mais tarde no mês que as duas anteriores, deve-se isto ao final do semestre que afecta tanto a equipa da PACTA como os nossos colaboradores. O esforço de conseguir ter tudo pronto a horas é recompensado pelo feedback positivo que recebemos da vossa par-te e faz deste um projecto cada vez mais aliciante e cada vez em maior crescimento. Convidamos-vos entretanto, e depois da leitura desta terceira edição, onde entrevistámos o Professor Adriano Moreira, a deixarem o vosso contributo no nosso evento no Facebook com o melhor e o pior deste ano que agora finda. Com os votos de feliz natal e que o ano que se inicia seja ainda de mais trabalho e de maior quali-dade da nossa parte.

Por Miguel Brito, Coordenador da Revista PACTA

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Editorial

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Da Casa

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QUE FUTURO PARA A SÍRIA?

Israel já comunicou à admi-nistração Obama que está dis-posto a atacar a Síria e, para tal, encetou esforços no sen-

tido de conseguir o apoio da Jordânia nesta acção. O alvo primordial: o lo-cal onde estarão armazenadas as ar-mas químicas do Presidente sírio. Por outro lado, a NATO já autorizou o

envio de mísseis Patriot para a fronteira da Turquia com a Síria. Embora esta seja uma acção defensiva, levanta algu-mas questões relativamente ao futuro da região do Médio Oriente.

Ora, a República Árabe da Síria e o Presidente Bashar al- -Assad são as personagens principais desta história.O Presi-dente sírio chegou ao poder em 2000, depois da morte do seu Pai – Hafez al-Assad –, fazendo do país o único “regime monárqui-co-republicano” da região, o qual apresenta uma série de características idiossincráticas bastante interessantes.

A dispersão étnica e cultural intra-fronteiras e o domínio das elites pela minoria alauita (ramificação shii-ta), apesar da maioria da população sunita, são duas des-sas características. Por outro lado, a incumprida abertura e liberalização do regime, através da chamada “Primavera de Damasco” (2001) e o relevante apoio de que o Presidente goza(va) entre um número considerável de jovens, colocavam (e colocam) questões interessantes sobre a liderança na Síria.

Desde 2001, assolado por diversas clivagens internas, o regime endureceu a sua posição securitária, oligárquica e autoritária, pois percebeu que, de outra forma, promove-ria a cisão da minoria alauita no poder. A partir de então, a política do regime foi orientada no sentido da modern-ização e das reformas económicas. Todavia, fragilizado por divergências e clivagens profundas, o regime sírio tornou-se ainda mais repressivo, no plano interno. A tónica posta na liberalização económica, sem qualquer contrapartida políti-ca e beneficiando as elites possidentes, continuou a alimentar a oligarquia existente. E, desta forma, a crise económica e so-cial tornou-se ainda mais visível.

Quando a chamada “Primavera” Árabe se iniciou na Tunísia (Dezembro de 2010), alastrando-se rapidamente a outros países, a Síria parecia imune a todo o processo de revoltas. Contudo, apesar da (aparente) inicial imunidade, o país subleva-se, desde Março de 2011, todos os dias e tem sido brutalmente reprimido. E o agravamento da situa

ção deu lugar a uma guerra civil.

Esta repressão, até agora, de certa forma, eficaz, pode explicar-se pela total indissociabilidade entre o aparelho de Estado (dominado pelo partido Ba’ath) e as Forças Armadas, a aniquilação das oposições e pelo contínuo blackout, face ao ex-terior, a que o regime se submeteu, embora, agora, com menos sucesso.A continuação (e exacerbação) do conflito deve-se, fun-damentalmente, ao regime sírio, ao qual importa a manuten-ção do statu-quo. Na verdade, o Presidente Bashar al-Assad continua a resistir estoicamente. Não quer afastar-se do po- der.

A comunidade internacional entrou num impasse e, apesar dos relatos de sucessivas violações dos direitos hu-manos, não decide nada contra a Síria, visto que a Rússia e a China já se manifestaram contra qualquer intervenção naquele país. De facto, para a Rússia, é importante não deixar cair a Síria devido à base naval de Tartus, no noroeste, a única que tem no Mediterrâneo.

Ora, dada a escalada de violência dos últimos meses, a ONU nomeou Kofi Annan, ex-Secretário Geral, para ser o enviado especial das Nações Unidas à Síria, no sentido de en-contrar uma solução para o problema. Annan, que represen-tava, também, a Liga Árabe, apresentou um plano de paz para pôr fim à violência que arrasa o país há mais de um ano e meio. Apesar dos seus esforços, o plano não foi aplicado e a violência (sobretudo contra civis) continua. Como corolário deste fra-casso, Kofi Annan apresentou a sua demissão do cargo, no pas-sado mês de Agosto. Lakhdar Brahimi, diplomata argelino, foi escolhido para o suceder nesta (dura) missão.

A espiral de violência na Síria não pára de aumentar. E, dado o impasse da comunidade internacional na procura de uma solução viável, o número de mortos continua a recru-descer e as violações dos direitos humanos persistem.

Apesar de, quando chegou ao poder, Bashar al-Assad ter perspectivado a possibilidade de melhoria da situação no país, com o anúncio de uma série de reformas económicas e estruturais que se esperava que trouxessem melhorias no campo das liberdades civis, tal nunca aconteceu ou foi, se-quer, tentado. Hoje, al-Assad não parece ter muito a oferecer ao povo sírio. 66 anos depois da independência da Síria, a população não vive melhor e o regime, cada vez mais repres-sivo e violento, como as constantes notícias e imagens que nos chegam demonstram, parece desgastado, mas não o suficien-te para não resistir; ao contrário do que acontecia em países

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como a Tunísia ou o Egipto que, sendo ditaduras, progressi-vamente se foram abrindo ao exterior (nomeadamente, pela via do turismo) e criando uma sociedade civil onde existiam, mesmo, alguns partidos políticos e ONG’s, “independentes” do Estado, na Síria as Forças Armadas são, elas mesmo, o re-gime e o Estado que se confundem num só.

Não será, pois, de esperar que um alívio da pressão e das cargas violentas sobre a população civil se dê.Qual o fu-turo da Síria? Não sabemos; ninguém sabe. Mas talvez se possam traçar alguns cenários futuros:

1. O Presidente Bashar al-Assad mantém-se no poder. Este cenário agrada à minoria alauita, à minoria cris-tã e à elite económica sunita, os quais temem que o regime que se siga seja fundamentalista islâmico; temem pela sua sobrevivência e preferem, assim, manter o statu quo. Esta situação é do agrado da República Islâmica do Irão, uma vez que a Síria é o único baluarte shiita que mantém na região. Por outro lado, convém também à Rússia ter al-Assad no poder, pois assim assegura a manutenção da sua base na-val no Mediterrâneo e, por outro lado, mantém o seu últi-mo reduto socialista na região.

2. Há uma intervenção internacional, na sequên-cia do agravamento da situação interna ou do aumento da violência entre a Síria e a Turquia. Como resultado, um gov-erno sunita pró-ocidental é colocado no poder. Este cenário é o pior de todos para a minoria alauita, visto que, como a maior parte dos seus elementos tem ligações ao aparelho governamental, o novo governo pode dar início a um pro-cesso de perseguição e de vingança. Por outro lado, esta situação é do agrado da Arábia Saudita dado que teria mais um satélite para integrar na sua esfera de influência sunita.

3. A Síria poderá desintegrar-se em pequenas regiões atribuídas aos alauitas, a outros shiitas, aos sunitas, aos cristãos e aos curdos. Este cenário é o menos provável de acontecer. Por outro lado, poderia abrir um precedente para a causa curda.

Não obstante o exposto, uma coisa é certa: da ma-nutenção dos elementos, características e premissas enun-ciadas depende a sobrevivência, ou extinção, do Estado sírio, tal qual ele se conformou e o conhecemos, nos dias de hoje.

Por Professora Auxiliar Doutora Teresa de Almeida e Silva

Ajustamentos Globais e Opções

O modelo falhou. Mas que modelo? O financeiro, o económico, o político, o social? A crise começou,

aparentemente, por ser financeira mas agora (ou já antes) é económica e tam-bém politicamente não parecem existir propriamente alternativas. Nos últimos 25 anos os modelos de desenvolvimen-to em Portugal têm estado relacionados

com a forma como a comunidade imaginada europeia inclui (ou não) o país. Pensar alternativas aquém e além da Europa é fundamental e a ausência de tal pensamento aberto e público é, no mínimo, um erro que não devemos repetir.

1. competitividade e/ou coesão na Europa. Se ninguém sabe como esta crise vai terminar, uma coisa é certa: esta-mos perante ajustamentos globais, os quais se compreendem em função de inúmeras variáveis como mudanças climáticas, esgotamento de fontes energéticas, economias emergentes, mudanças demográficas, deslocamentos geopolíticos, etc. No entanto, se nos centrarmos na Europa e seus processos de integração na economia global, o diagnóstico estava já feito em 1999. A “única zona europeia de integração na economia global” desenha-se entre 5 cidades - Londres, Paris, Milão, Munique e Hamburgo - e é conhecida por “Pentágono”. O Pentágono em 1999 ocupava 20% do território da UE, tinha 40% da sua população e contribuía para 50% do PIB europeu. Em 2005, depois do alargamento, o Pentágono ocupava ape-nas 14% do território da UE, tinha 32% da sua população e contribuía para 43% do PIB europeu. Das variáveis analisadas em 2005 (população, turismo, transportes, indústria, conhe-cimento, administração privada e administração pública) só o turismo (com concentração na zona mediterrânica e Alpes), o conhecimento e a administração pública (com universi-dades e administração em cada país) escapam (por quanto tempo?) à predominância do Pentágono. Ou seja, a Europa apostou num modelo de competitividade global largamente monocêntrico.

Ora se o modelo monocêntrico é, porventura, o que mais se adequa à competitividade global, ele é limitado a partir de certa altura, pela quebra na coesão social. É um pouco como o jogo da corda: de um lado a competitividade e do outro a coesão social. Se um dos lados pesar demais, o outro perde! E, por vezes, a corda até pode partir. E ainda que as políticas eu-ropeias tenham compreendido isso e proposto agendas para um modelo mais policêntrico, tais políticas não só chegaram tarde, como não foram completamente assumidas senão como modelo supletivo, revelando que o ideal era a duplicação do modelo do Pentágono, deixando o resto da Europa num poli-centrismo de segundo nível. Ou seja, o resto da Europa estaria fora da competitividade global e teria que ser suportado por

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políticas de coesão: numa palavra, condenados à subsidiode-pendência de protetorado.

O que acontece é que os “horizontes estratégicos” para um segundo polo de competitividade ou alargamento do pri-meiro estão basicamente localizados no Luxemburgo, Bélgica, Dinamarca, Holanda e Alemanha. E Metrópoles Europeias de nível 1, como Viena, Berlim e Copenhaga, estão ainda mais a leste do que o próprio Pentágono. Se juntarmos isto a out-ras variáveis (por exemplo as economias emergentes da Rús-sia, Índia e China) mais para leste vamos. Portugal está no resto da Europa e aqui perto (e mesmo assim longe) as únicas metrópoles de nível 1 são Madrid e Barcelona.

2. Desenvolvimento de dobradiça, em rede, por patro-cinato e metastásico. O modelo económico da então Comuni-dade Europeia construiu-se em torno do processo de desco-berta/invenção de “corredores” ou “megalópoles” económicas transnacionais. Com referência a frutos (“banana azul”, “cacho de uvas”) ou a figuras geométricas (“triângulo dourado”, “pen-tágono”), a verdade é que a descoberta/invenção de tais cor-redores económicos foi sempre feita com um olhar que privi-legiava o centro da Europa. Era lá que estavam as “dobradiças do desenvolvimento”. Era lá que se fazia a Europa! Os outros países simplesmente não tinham corredores económicos. Isto teve várias consequências. As regiões economicamente acti-vas sobre as quais se dá um reconhecimento cognitivo (e por-tanto político) tornam-se ainda mais fortes. E a imaginação regional transnacional tornou-se aí mais clara. Sabiam-se os riscos . Eles estão escritos. Tratava-se da possível alienação económica de vastos espaços fora das “dobradiças” ou “corre-dores”. Em Portugal ( e acredito noutros países tornados peri-féricos) não se falou muito nisto. Simplesmente não havia cor-redores económicos transnacionais e quando eram possíveis (por exemplo, o eixo Porto-Vigo), não os quiseram descobrir/inventar com força suficiente. Portanto, os outros viviam já numa região transnacional e nós viviamos (e vivemos) em Portugal! Se serve de alibi (que não serve) quando entrámos para a Comunidade Europeia, o modelo já estava maduro. Com a passagem ao mercado interno único e à União Europeia (1992) surge uma maior consciência dos riscos do modelo económico seguido. É que o modelo, que se pretendia como policêntrico (internacional) de um determinado ponto de vista, era cada vez mais monocêntrico dos pontos de vista recentes que o alargamento da Europa propiciava. Surgem, então, em força as Políticas de Coesão e de subsidiariedade. Apostou-se num desenvolvimento mais policêntrico e tentou-se criar as redes trans-europeias (TEN). Mas tudo isso parece ter sido em vão. Não se muda uma infra-estrutura económica em dez anos! A não ser numa situação de guerra. E, de qual-quer forma, nos países mais periféricos continuava-se a não descobrir, nem conseguir inventar, dobradiças ou corredores económicos. O que era natural pois por esta altura estes países viviam já segundo um modelo de patrocinato europeu, sendo o desenvolvimento em rede uma aposta europeia tardia. E, para além disso, exactamente quando a emergência de novas potências económicas (os BRIC) tornava mais dificil ainda o

esticar da corda entre competitividade e coesão europeias. O diagnóstico parece claro: há países que não fizeram parte da comunidade imaginada geográfico-económica euro-peia. Esses países (como Portugal) foram aceites desde o iní-cio numa situação de patrocinato. Quando os riscos para as “dobradiças” (entenda-se) foram percebidos como elevados, a Europa propôs-se criar “redes”. Foi tarde. Estamos, assim, fora das dobradiças e corredores económicos. Quanto à “rede” vai-se estabelecendo, pelas regiões europeias, pelo Céu Único Europeu e, depois, pela Au-toridade Maritima Única e por aí fora mas não necessariamente com vantagens para o país. O patrocinato interno (da UE) e em acumulação com outros, porventura mais complexos (Brasil, Angola e China), parece ser o caminho pouco contestado que estamos a seguir. E, no entanto, a própria China pode fazer pensar noutro caminho: o do desenvolvimento metastásico. A China criou parte da sua classe média de forma internacional, exportando cidadãos-empresários que activaram mercados para a produção chinesa. A questão é que o desenvolvimento metastásico é um cenário que deveríamos estar a equacionar como alternativa. Em última análise, é isso que falta: um pens-amento político que discuta verdadeiramente alternativas!

3. Alargar o espaço público e pensar ‘fora da caixa’. A exiguidade do espaço público, a distância entre as autoridades e o cidadão e o coletivismo pela negativa diminui a emergên-cia da diferença no questionamento, na crítica e nas soluções e, em última análise, possibilita espaço aos ‘sound bites’ que nada dizem e aos que apresentam soluções radicais. Somos to-dos cúmplices da emergência de tais posições, quer quem se cala, quer quem faz do espaço público uma mera sala de ecos. Alargar o espaço público é uma obrigação cívica face ao ma-rasmo e à sombras ditatoriais.

A situação em que estamos implica pensar alternativas. Estando fora da comunidade imaginada europeia de competi-tividade global, torna-se necessário exigir políticas de coesão mais fortes mas, para além disso, convém ter uma visão al-ternativa se queremos de facto competir globalmente! Pensar para além da Europa e ‘fora da caixa’ é fundamental.

Por Professor Associado DoutorPaulo Castro Seixas

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EntrevistaProfessor Adriano Moreira

No fim de mais uma grande conferência, em que foi o orador principal, o Professor Adriano Moreira acedeu a responder às nossas perguntas.

PACTA (P)- Qual a importância de estudar Relações Internacionais nos dias de hoje?

Professor Adriano Moreira (PAD)-A própria global-ização foi limitando o sentido tradicional das Relações Internacionais, como disciplina académica, porque os quadros das relações entre povos, poderes atípicos, cen-tros de poder ignorados, regionalismos que ultrapassam o modelo dos Estados, a evolução da polemologia, tudo implica uma verdadeira revolução na racionalização da área.

P- Que ordem mundial temos nos dias de hoje?

PAD-Na minha opinião, é a palavra anarquia que me- lhor carateriza a situação, justamente pelas razões apon-tadas ma resposta anterior. Não apenas é anárquica a regulação normativa, como tem falta de autenticidade a sua aplicação, isto é, a ação não coincide com o procla-mado.

P- Como estão os avanços tecnológicos, nomeada-mente nos meios de comunicação, a moldar a relação entre Estados mas também entre os Estados e os seus cidadãos?

PAD-Os meios de comunicação criam uma nova força

internacional, que é a opinião pública mundial. Timor é um caso típico, porque foi o clamor mundial que fi-nalmente lhe conseguiu a liberdade. Mas também tem efeitos discutíveis, designadamente pela criação de ima

gens dirigidas por interesses que não correspondem à realidade dos povos. A crise da UNESCO, quando no século passado quis reformular a ordem da informação internacional, porque os povos pobres do sul do mundo eram apenas informados pelos meios de comunicação da cidade planetária do Norte rico, é o caso de estudo mais elucidativo. Os EUA retiraram-se porque não paga-vam organizações em que não mandavam.

P- Com a redução do contingente norte-americano na base das Lajes, vai Portugal perder importância es-tratégica a nível internacional, concretamente para os EUA?

PAD-A importância estratégica dos Açores traduz-se no poder funcional português, isto é, a situação geográfica dos territórios portugueses ganham indispensabilidade em função de interesses alheios: foi assim na guerra de 1914-1918, foi assim na guerra de 1939-1945. Neste caso, os EUA fizeram mesmo um ultimatum, que foi coberto pela invocação da Aliança Inglesa para que a dignidade de Portugal ficasse a salvo. Apenas como exemplo, e em-bora o movimento dos EUA corresponda ao seu velho principio do destino manifesto (marchar do Atlântico para o Pacifico) se a necessidade de segurança do Atlân-tico Sul se agravar, pode voltar a necessitar de reforçar a presença nos Açores, e relacionar Cabo Verde com o projeto que proponha ou imponha.

P-Quais foram os acontecimentos que mais “alter-aram” o mundo no ano que agora termina?

PAD-A crise mundial financeira e económica, com cen-tros de poder ou anónimos ou não cobertos por trata-dos (p. exemplo o G-20), com evidente destruição, pela usura, do equilíbrio dos mais fracos. Existe um órgão da ONU, que é o Conselho Económico e Social, que até agora foi ignorado, sem explicação, quando a Carta é clara no que se refere à sua função.

P- Sendo impossível prever o futuro, como acha que se irá desenvolver o projecto europeu no ano que está prestes a começar?

PAD-Justamente porque é impossível prever o futu-

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PACTA(P)-What is the role of Ambassador in the dis-semination of American culture?

Embaixador Allan Katz (EAK)-My role as Unit-ed States Ambassador is to promote U.S. foreign policy objectives and strengthen ties between Portugal and the United States. This is accomplished through direct out-reach, fostering economic and scientific partnerships, cultural diplomacy, and administering international ed-ucation and professional exchange programs. It is essen-tial that we share our American culture with host coun-tries, as well as understand the culture of host countries, and by doing so, we promote mutual respect and under-standing among all nations.

P- While U.S. Ambassador in Portuguese soil how would you describe the bilateral relations between these two countries?

EAK-As the United States Ambassador to Portu-gal, I would describe the bilateral relations between our two countries as very strong. The United States-Portugal bilateral ties date from the earliest years of the United States when Portugal was among the first countries to recognize the United States following the revolutionary war.

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Allan Katz é o em-baixador dos Es-tados Unidos da América em Lis-

boa desde 2010. Natural da Florida, advogado de car-reira, desempenhou vários cargos no sector público, as-sim como no privados.

Bónusde Natal

ro, apenas podemos formular pressentimentos. E estes apontam para o perigo do enfraquecimento da solida- riedade europeia.

P-Mencionou no seu discurso que desde Afonso Hen-riques Portugal necessita de apoio externo. Actual-mente quais são as áreas, à excepção da financeira e economica, onde mais se sente essa necessidade? Por outro lado, quais os dominios em que sempre fomos independentes?

PAD-Para simplificar, podemos utilizar o conceito de partilha. O domínio euromundista, em que Portugal participou até 1974. Esta participação apenas foi pos-sível, com custos elevados, pela aliança com a Ingla- terra, que todavia não se dispensou do ultimatum. Em 1974, sem o apoio da União Europeia, o equilíbrio obtido, e entretanto posto em crise por factos externos e também por mau governo, não teria sido possível. Na gestão interna fomos por vezes governados por es-trangeiros, com os Filipes, Junot, Aliados Ingleses du-rante a guerra Napoleónica. Na área cultural, que con

tribuiria para o património comum da Humanidade, que hoje tanto interessa à UNESCO, fomos criadores.

Por Joana Ribeiro e Miguel Brito

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Our strong relationships with Portugal across most of the political spectrum has combined to make the relation-ship between the United States and Portugal one of top three pillars of Portugal’s foreign policy, along with the European Union and the Portuguese-speaking world. The United States and Portugal cooperate in the United Nations, in various regional organizations, and bilater-ally for peace, prosperity, and security in the world. The U.S.-Portugal Bilateral Commission meets semi-annually to review all aspects of the bilateral re-lationship, including defense cooperation, science and technology cooperation, bilateral trade and investment, cooperation in the Azores, justice and home affairs, and political and diplomatic cooperation. The U.S.-Portugal Fulbright Commission was founded in 1960 and funds graduate students, postdoc-toral researchers, and visiting professors in exchanges between our two countries.

P-What is the role of the United States in the world?

EAK-Our country possesses sturdy alliances, an unmatched military, the world’s largest economy, a strong and evolving democracy, and a dynamic citizen-ry. The United States of America will continue to un-derwrite global security—through our commitments to allies, partners, and institutions and our determina tion to deter aggression and prevent the proliferation of the world’s most dangerous weapons. As we do, we must recognize that no one nation—no matter how powerful—can meet global challenges alone. As we did after World War II, America must pre-pare for the future, while forging cooperative approach-es among nations that can yield results in an effort to maintain peace and order and to support the principles of democracy, free markets, and freedom. Today’s international system was built around Eu-ropean and American ideals and power. The interna-tional principles of human rights are also American and Western European ideas. U.S. actions abroad must re-flect our country’s commitment to our core principles of freedom, justice, and democracy.

P-What is the reason for the decrease in the defense budget, and the consequent reduction in the presence of bases throughout Europe (the specific case Portu-guese)?

EAK-The United States Government is decreasing its defense budget due to a shift in priorities. Our gov-ernment has decided on a new military strategy to set

new priorities and to restructure its operation by shift-ing funds to maintain critical military readiness. Because of this restructuring, military bases around the world may face cutbacks or closure. The decisions on specific bases are based on strategic analysis being car-ried out by experts, and each proposal for military base readjustment was weighed in light of a broader consid-eration. Unfortunately, the restructuring of our bases cannot be avoided.

Por Anna Momotova

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A crise ibérica e o “recurso” à América Latina

Num contexto global, em que a estrutura do poder se altera e impulsos são dados no sentido de uma nova

ordem política, e já não só económica, assistimos ao debate e adopção de me-canismos de cooperação internacional em áreas de interesse comum, nome-adamente, a crise económica e finan-ceira que atravessamos no momento. O Brasil, como potência emer-gente, coloca-se no grupo de Estados que lideram política e economicamente a procura de soluções para a crise inter-nacional, tema que tem sido debatido nas Cimeiras Luso-Brasileiras e nas Ci-meiras Ibero-Americanas. O processo implicará uma aproximação que per-mita o envolvimento dos actores in-ternacionais no processo de revisão do sistema financeiro internacional. Já na Cimeira Luso-Brasileira de Lisboa, em Maio de 2010, foram deba-tidos os interesses comuns associados à CPLP, à Parceria Estratégica UE-Brasil - resultante da Cimeira UE-Brasil rea-lizada sob a presidência portuguesa do Conselho Europeu, em 4 de Julho 2007 -, ao acordo UE-Mercosul, ao G-20, à reforma da ONU e à crise económica e financeira internacional, esta no que se refere às suas consequências e me-didas a adoptar no sentido da reforma do sistema financeiro internacional, do incentivo à economia e promoção do emprego. Neste encontro, foi igualmente assumido o compromisso de um maior incentivo ao investimento brasileiro em Portugal pelo que os dois parceiros de-cidiram sobre a necessidade de reforçar e diversificar as relações económi

cas e comerciais através do Seminário Empresarial Portugal-Brasil, associado à Cimeira, assim como equilibrar a ba- lança comercial, desfavorável a Portu-gal, com a promoção de bens e serviços de valor acrescentado (as empresas portuguesas poderão aproveitar as po-tencialidades do mercado brasileiro quando se prepara a realização do Campeonato do Mundo de Futebol em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016). No mesmo sentido, foi colocada a pos-sibilidade de criação de uma Confeder-ação Empresarial Portugal-Brasil como base de um futuro Diálogo Empresarial entre a Europa e a América do Sul. Em 2010, verificou-se o maior crescimento da economia brasileira em 20 anos (muito devido ao aumento da procura por parte da China). O Brasil, como economia emergente e novo ac-tor voltado para o exterior mostra-se, hoje, como uma das atrações de in-vestimento e parceiro comercial que os países europeus, nomeadamente, Espanha e Portugal, não poderão de-ixar de aproveitar. A crise económica internacional aumentou o interesse dos investidores brasileiros pelo mer-cado europeu substituindo, de alguma forma, o mercado latino-americano no âmbito das suas opções de investimen-to. Considerando o conjunto dos países em que as empresas brasileiras estão re- presentadas, Portugal assume o quinto lugar, podendo este interesse justifi-car-se não só pela partilha da língua e cultura, como pelo facto de Portugal, como membro da UE, poder facilitar a entrada do Brasil num mercado muito mais alargado. Em 2011, na reunião realizada em 18 de Fevereiro entre o Ministro das Relações Exteriores do Brasil e o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, foi uma vez mais afirmada a importância de aumentar o comércio e investimento bilaterais, concluir o

Acordo de Associação Mercosul-UE, superar a crise financeira interna-cional assim como proceder à reforma das instituições internacionais, do que, e pelo facto de constituirem ambos membros do Conselho de Segurança, poderiam retirar vantagens acrescidas. A questão foi novamente apresentada na Cimeira Ibero-Americana de As-sunção, em Outubro de 2011, como oportunidade de investimento das em-presas latino-americanas nos países ibéricos, situação a que o Brasil já tem correspondido com diversas acções e parcerias na economia portuguesa. A iniciativa conjunta que permi-tiu lançar o “Ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal” (7 de Setem-bro 2012 a 10 de Junho 2013) tem con-tribuído para uma nova dinâmica na relação entre os dois parceiros, através de programas culturais, de investimen-tos e de parcerias empresariais o que permite identificar oportunidades de negócio antes desconhecidas, de que temos como exemplo a recente Mostra de Imobiliário de Portugal no Rio de Janeiro (6-9.12.2012), criada no âm-bito do incentivo ao investimento es-trangeiro em Portugal. Aproveitando a realização da Ci-meira Ibero-Americana de Cádis, em 16 e 17 de Novembro 2012, que re-conheceu o crescimento económico de alguns países latino-americanos ao mesmo tempo que se acentua a re-cessão económica na Europa, novas oportunidades de cooperação surgem em diversos sectores de atividade. Uma das prioridades passa pelo incentivo ao comércio internacional, ainda limitado por fortes medidas proteccionistas no lado latino-americano, assim como a adopção de mecanismos que permitam o reconhecimento recíproco de graus e títulos profissionais dos nacionais dos respectivos Estados. Neste mesmo sen-tido, a visita do Presidente da Colôm-

Do Mundo

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Da Comunidade de Esta-dos Independentes à União Económica Eurasiática

Da Comu-nidade de Estados In-dependen-

tes à União Económica Euro-asiática. A relação

entre os Estados do espaço Pós-So-viético alterou-se nos últimos anos com a introdução de uma união ad-uaneira entre a Bielorrússia, Cazaqui-stão e Rússia. Até aqui os modelos de integração regional têm sido mar-cados por um revivalismo histórico, não-raro apontando para a recriação do espaço da ex-URSS, embora num contextocapitalista. As instituições criadas careciam de uma estrutura eficiente, aprovada de igual modo por todos os membros e com capacidade de aplicar regras efectivas. O alargamento da NATO ao Leste europeu e a estratégia da União Europeia (UE) de implementação de Acordos de Associação com esses Es-tados, despertaram em Moscovo

a necessidade de repensar o modelo até então seguido. O objectivo é agora ambicioso: transformar a união alfan-degária em plena união económi-ca até 2015. O processo pressupõe, evidentemente, a união monetária e alargamento a outros Estados da ex- -URSS. Até recentemente o projecto mais importante era indubitavel-mente a Comunidade de Estados Independentes (CEI). Fundada em 1991, pouco depois da desintegração do espaço soviético, a CEI pretendia reunir numa mesma entidade os Es-tados recémindependentes de forma a fomentar a cooperação económica, militar e mesmo política. Um outro objectivo não declara-do terá sido criar uma zona tampão em torno do território russo, de for-ma a filtrar o contacto com o mun-do exterior de algumas das Repúbli-cas Autónomas onde as pressões por maior autonomia ou mesmo inde-pendência eram notórias.A CEI tinha ainda um outro interesse complementar: permitia a manuten

ção de relações com a Ucrânia e com a Bielorrússia, territórios considerados como fundamentais para a construção da identidade russa. Apesar do suces-so com as primeiras adesões, os três Estados do Báltico (com maior prox-imidade ao projecto europeu), a Mol-dova e a Geórgia optaram por ficar de fora, embora apenas inicialmente para alguns. A formação da nova orga-nização foi também facilitada pela percepção de que a independência política não tinha sido acompanhada de independência económica. Os la-ços económicos existentes dentro da URSS e a divisão do trabalho entre as diferentes repúblicas tornaram quase impossível uma produção de bens in-dependente. As antigas Repúblicas Federais foram forçadas a retomar a ligação económica anterior e a CEI deveria ser o veículo preferencial. O objectivo só foi atingido parcialmente, já que em 2011 apenas 14% do comér-cio externo russo era efectuado com o conjunto de membros da organiza-ção. A Comunidade foi também útil

bia, Juan Manuel Santos, a Portugal em 15 Novembro de 2013, permitiu o estabelecimento de acordos tanto para reconhecimento de títulos profissionais na área da enge- nharia como acordos bilaterais em matéria de investimen-to e participação em privatizações, o que potencia a pre-sença de parcerias tanto em Portugal como na Colômbia. Também a visita do Presidente do Peru, Ollanta Humala, a Portugal em 19 de Novembro 2012, reconheceu potencial-idades empresariais conjuntas, nomeadamente o investi-mento português no Peru em sectores como o turismo e obras públicas, assim como o incentivo ao comércio bila- teral apoiado pela convenção que impede a dupla tributa-ção. Na sequência, resta esperar que, em tempo útil, a vontade política manifestada entre os responsáveis dos Estados ibero-americanos permita contribuir para a cria-ção de sinergias e para uma dinâmica institucional e em-presarial capazes de promover o emprego num quadro de crescimento económico sustentável.

Por Isabel Costa Leite Professora AssociadaDoutorada em Ciência Política e Sociologia

“Barack Obama foi eleito em 2008 com base num apelo clara-mente transformativo: “Change

we can believe in” e “Yes we can”.”

Carlos Jalali

“A China criou parte da sua classe média de forma interna-

cional, exportando cidadãos-empresários que activaram mer-cados para a produção chinesa.”

Paulo Seixas

“O “Ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal” (7 de Setembro 2012 a 10 de Junho 2013) tem contribuído para uma nova dinâmica na relação entre os dois parceiros.” Isabel Costa Leite

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para garantir alguma estabilidade na região após a desintegração da anteri-or potência, operando a passagem da “Pax Sovietica” para a “Pax Russica”.Apesar de ter sido criada com base no modelo da UE, a CEI falhou na implementação de políticas verdadei-ramente comuns, na medida em que boa parte destas sofriam excepções importantes aquando da aplicação nos Estados signatários. Em 1994 foi mesmo criada uma zona de livre co-mércio entre alguns membros, porém o processo perdeu força durante o res-to da década. As condições financeiras que levaram à crise de 1999 impossi-bilitaram a Rússia de assumir o papel natural de agente investidor e condu-tor do processo de integração. Durante os primeiros mandatos de Vladimir Putin foram feitos alguns avanços importantes no sentido de maior cooperação. Em 2000 avançou--se para a Comunidade Económica Eurasiática de onde surgiria, apenas sete anos depois, a União Aduanei-raEurasiática (UAE). O verdadeiro impulso surge num contexto onde Moscovo assiste à expansão da pre-sença das principais instituições oci-dentais – NATO e UE – à sua viz-inhança próxima. Como Estado com uma visão do poder de cariz marcada-mente hobbesiano, a Rússia necessita de provar que recuperou o estatuto de “grande poder”. A nova estratégia passa por uma rivalidade normativa com a UE, sobre-tudo em Estadoschave como a Ucrâ-nia. O resultado prático foi a assinatu-ra de uma série de acordos, adoptados em bloco e implementados ao mesmo tempo nas legislações nacionais num prazo de trinta dias. O Conselho da UAE fez um esforço importante para não repetir a dispersão legal que ex-istiu no passado, onde era permitido aos Estados signatários seleccionarem a execução de apenas alguns pontos de cada acordo ou tratado.Entre 2011 e 2012 foram dados passos importantes no sentido da integração económica, com a declaração para a criação da

União Económica Eurasiática, a ser implementada gradualmente e substi-tuindo a UAE até 2015. Os avanços têm sido muito importantes, diferen-ciando claramente este projecto dos anteriores. As fronteiras internas têm sido progressivamente eliminadas, adoptou-se uma tarifa comum para as importações e promulgou-se um có-digo aduaneiro para regular todos os procedimentos ligados ao comércio internacional. O progresso alcançado é de relevância tal que se tornaria bas-tante oneroso aos Estados-membros regressar ao sistema anterior à união aduaneira. Porém, à semelhança do suce-dido no passado, existem receios so-bre a liderança russa. Arepresentação é ainda muito desequilibrada, pois apesar de apenas serem necessárias maiorias qualificadas nas votações, sinal de avanços em direcção ao su-pranacionalismo, o voto russo vale 57% contra 21,5% para cada um dos outros membros. Na prática significa que estes não podem aprovar nada em conjunto, necessitando sempre da presença russa. O facto da nova União ser inserida no quadro da Organiza-ção Mundial de Comércio (OMC) também é algo prejudicial para a Bielorrússia e Cazaquistão, pois terão de se submeter a tarifas alfandegárias nem sempre positivas. Contudo, o ba-lanço geral é compensador e Estados como o Tajiquistão ou o Quirguistão já manifestaram o seu interesse em aderir futuramente.Convém esperar mais algum tempo para compreender se a adopção de uma “estratégia nor-mativa” por Moscovo produzirá os resultados desejados. O certo é que o paradigma não é o mesmo da CEI, criada com um objectivo claro de re-duzir o federalismo soviético a uma confederação eurasiática. Porém, é a União Eurasiática que tem as condições para levar o pro-jecto de reagrupamento a bom porto. A competição com a UE é directa no Leste europeu e será certamente importante para a política externa e

interna de Estados como a Ucrânia ou mesmo a Moldova. O facto de a União pertencer à OMC garante também a transparência necessária para que o projecto possa funcionar de forma diferente dos anteriores. Putin tem neste assunto uma das suas prio-ridades, o que certamente trará rápi-dos desenvolvimentos na organização institucional na região.

Por Investigador no Projecto ‘As Par-cerias da União Europeia como In-strumento de Acção Global: Racional e Implicações, financiado pela Fundação Ciência e Tecnologia, ‘PTDC/CPJ-CPO/113251/2009’

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Obama: da história para a história

De n t r o de pou-co mais de seis

décadas, os EUA celebrarão o tricen-tenário da sua inde-

pendência. Quando a história destes primeiros três séculos da república americana for avaliada, o nome de Barack Obama será incontornável. Tal não é algo que se aplique a todos os presidentes dos EUA. Tomemos os 42 que antecederam Obama na lide- rança dos Estados Unidos. Quem se lembra hoje de Franklin Pierce, 14º presidente dos EUA? Ou de Andrew Johnson, que assumiria a presidência oito anos depois, em 1865? E não é apenas a distância temporal que leva a contemporaneidade a negligenciar os nomes destes dois chefes do executivo americano – afinal, entre estas duas presidências passou pela Casa Branca um advogado nascido no Kentucky chamado Abraham Lincoln, ainda hoje celebrado e relembrado. Se o nome de Obama é inevi-tável em qualquer história dos EUA, a questão que se coloca é quais os mo-tivos pelos quais surgirá na história. Os próximos quatro anos serão de-cisivos para responder a esta questão. Neste momento, Obama faz parte da história sobretudo por quem é, pelo que representa: o primeiro presiden-te afro-americano, num país onde o passado esclavagista e as questões raciais constituíram uma marca tão visível e saliente; o epítome do melt-ing pot americano; um exemplo da imagem meritocrática americana, onde qualquer um pode conseguir o sucesso com esforço, dedicação e tal-ento. Com a reeleição do passado dia 6 de novembro– evitando tornar--se um “one-term president”, dos quais

raramente reza a história americana – Barack Obama consolidou este seu papel na história dos EUA. Um modelo frequentemente usadopara analisar o impacto das presidências americanas na história distingue entre presidentes transfor-mativos e presidentes transacionais. Os primeiros são capazes de transfor-mar as políticas vigentes, remodelan-do-as de forma significativa e dura-doura. Nesta categoria são colocados presidentes como Lincoln, ao abolir a escravatura; Roosevelt, com o seu New Deal; ou, mais recentemente, Reagan, e a inflexão que gerou no debate so-bre o papel do Estado. São sobretudo estes que marcam a história, ao con-trário dos presidentes transacionais – capazes de negociar políticas e gerar apoio eleitoral, mas sem produzir uma transformação nos princípios e políti-cas prevalecentes. Como analisar a presidência de Obama à luz desta tipologia? Barack Obama foi eleito em 2008 com base num apelo claramente transforma-tivo. Tal era por exemplo reflectido no refrão da sua campanha: a “mudança”, evidente em praticamente todos os slogans eleitorais, desde “Change we can believe in” a “Yes we can”. Con-tudo, a prática presidencial de Obama no seu primeiro mandato foi sobre-tudo transacional - um padrão pre-sente até mesmo na sua maior vitória política, a reforma da saúde.A questão que agora se coloca é se o segundo mandato de Obama manterá o estilo transacional do primeiro, ou se se tornará na presidência transforma-tiva que o próprio Obama relembrou no seu discurso de vitória da passada terça-feira, ao afirmar que “o melhor ainda está para vir”. A resposta a esta pergunta determinará a forma como Obama será visto pela história.

As oportunidades para impri-mir uma dinâmica transformativa certamente não faltam na conjuntura actual: uma crise económica mundi-al persistente, que ameaça gerar um prolongado ‘inverno económico’; o desafio da democratização nos países da ‘primavera árabe’; as questões am-bientais, sucessivamente adiadas; ou a situação do Médio Oriente, onde as perspectivas de paz surgem cada vez mais distantes. Qualquer destas áreas possibilita uma presidência transfor-mativa – não apenas para os EUA, mas para o mundo inteiro. A capacidade de Obama corresponder aos desafios que o esperam determinará se entrará na história sobretudo por quem é – ou também pelo que conseguiu ao longo desta.

Por Carlos Jalali, Director do Mestrado em Ciência Política, Universidade de Aveiro

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O filósofo Italiano Giorgio Agamben é um dos nomes mais importantes da teoria política contemporânea. O seu trabalho repesca as ideias de filósofos pós-estruturalistas como

Michel Foucault ou Walter Benjamin. Todavia, a notorie-dade de Agamben advém da forma como o autor reformula a herança da filosofia continental com o objetivo de analisar, criticamente, o que afirma serem os efeitos perniciosos da ordem soberana biopolítica contemporânea. Da vasta obra de Agamben destacam-se vários títulos, designadamente, Homo Sacer: Sovereign Power and Bare Life, The Kingdom and the Glory, Coming Community ou State of Exception. Uma obra em particular merece hoje a minha atenção. Trata-se de The Time that Remains: a Commentary on the Letter to the Romans. Nesta obra, Agamben desenvolve o conceito de tempo messiânico. Baseado nos escritos de São

Paulo, Agamben contrapõe o tempo messiânico ao tempo cronológico argumentando que o tempo messiânico é o tempo que os seres humanos têm para se emanciparem das subjetivi-dades fixas que lhes são impostas pela lógica do tempo cronológico. Agamben define a ex-istência humana como inerentemente potencial, sendo que tal potencialidade se encontra dependente da emancipação do ser humano por relação com as amarras constituídas pela identidade nacional ou vocação histórica. O autor desenvolve, assim, uma perspetiva não racionalista da subjetividade política. Agamben compreende as identidades sociais como contingentes e intersubjetivas, afirmando que o tempo cronológico transforma os indivídu-os em meros espetadores da história. O tempo messiânico, pelo contrário, devolve aos in-divíduos a fruição do tempo. Neste sentido, Agamben define o tempo messiânico– ho num kairos – como o tempo do presente e como o tempo que os indivíduos têm para conferir sentido ao próprio tempo. O tempo messiânico permite aos indivíduos construírem a sua própria representação do tempo e agir como se todas as identidades tivessem sido revoca-das. A atitude messiânica aspira à revocação de todas vocações, designadamente, a vocação nacional e, como tal, permite aos indivíduos reformularem a sua subjetividade política e identidade social.

Agamben, Giorgio, 2005. The Time that Remains: a Commentary on the Letter to the Romans. Stanford: Stanford University Press.

Por Professora Auxiliar Doutora Maria João Militão

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Crítica

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Bolonha, ForliQuando recebi o convite da equipa do PACTA para es-crever algumas linhas acerca da minha experiência Eras-mus, as recordações foram tantas que quase me pareceu impossível sintetizar as mes-mas. Algumas já estão (ou ainda estão?) tur-vas, por situações que agora pouco importa reportar, mas ainda assim não passou tanto tempo sobre as mesmas para que, com muito saudo-sismo e pouco es-forço, me debruce sobre elas e as par-tilhe convosco. Contrariamente ao que me foi

dito e anunciado, a minha aventura Erasmus começou em Bolonha, Itália, mas rapidamente tomou como cenário a real cidade onde a minha Universidade se situava: Forlí, na Emília-Romagna. A uni-dade de Ciência Política da Universitá di Bologna tem o seu Pólo Didáttico nesta bonita província e, apesar do falhanço inicial nas expectativas, todas as pessoas e vivências que a cidade de Forli me proporcionou só me podem trazer boas memórias. Desde logo a companhia do meu amigo João Ri-beiro, que prolongou a estada em terras italianas por mais seis meses, tornou tudo muito mais simples. Adaptação foi algo pelo qual não passámos, o companheirismo atingiu níveis extremos e as aventuras bem dignas de histórias para contar aos netos. Desde logo as primeiras noites de festa por terras italianas, onde deu para criar amizade com um grupo de estudantes espanhóis, italianos, americanos, alemães

e, claro, lituanos, a começar por duas bonitas jovens que partilhavam casa connosco. Sem olvidar os estudos, tem-po houve para passear. Não perdi a oportunidade e parti à conquista de Roma, Milão, Veneza, Pisa, Florença e tantas outras cidades das quais guardo enormes recordações. Itália é um país do qual é bastante fácil gostar. Pela comida, sim. Pela riqueza cultural e património histórico, também. Pelas semelhanças com o quotidiano português, sem dúvida. Mas

acima de tudo pela facilidade de nos en-quadrarmos em todas as situações, pela excelência da personalidade de todos os italianos que conheci e pela simpatia das suas cidades. Da minha experiência Erasmus guar-do muita coisa. Especialmente a ideia de que a mesma pode nunca acabar. Os con-tactos criados ficam para sempre, facilita-dos pelas ligações em redes sociais. São momentos longe da nossa zona de confor-to, em que apenas temos quem partilha a experiência como fonte de suporte e ajuda em situações mais complicadas.

Por Francisco Costa, Licenciado em Relações Internacionais

-Comuna e cidade na província de Emilia-Romagna, Itália

-Importante centro agrícola

-Local de nascimento de Melozzo da Forlì, Flavio Bi-ondo, Geronimo Mercuriali e Giovanni Battista Morgagni

-O campo universitário de Forli especializa-se em economia, engenharia e ciência política.

-Cidade geminada com Aveiro

-Área: 228 km2

-População: 116,864

Experiência

rasmus

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Cronologia mensal

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- O Conselho de Segurança da ONU reúne, de urgência, para analisar a escalada de violência entre israelitas e palestinianos na Faixa de Gaza.- Países do Sudeste Asiático adotam uma declaração de direitos humanos apesar das críticas de alguns países e da Organização das Nações Unidas que apontam lacunas ao texto.- Direita francesa já tem um novo líder: Jean-François Copé, que ocupava o cargo de secretário-geral do partido União por um Movimento Popular (UMP), conseguiu uma vitória à justa sobre o antigo ministro François Fillon.- Terminaram as missões de segurança internacionais em Timor: apesar de só em Abril a operação “regresso a casa” estar concluí-da, o general David Hurley disse que a missão acabou.- Mudanças na política de defesa dos Estados Unidos da Améri-ca fazem com que estes reduzam drasticamente a sua presença na base das Lajes, nos Açores.- O corpo do antigo líder palestiniano, Yasser Arafat, é exumado em Ramallah no âmbito de uma nova investigação que coloca em evidência a hipótese da sua morte ter sido causada por en-venenamento. - Os deputados da oposição de São Tomé e Príncipe conseguiram aprovar uma moção de censura contra o Governo de Patrice Trovoada. - Na Cimeira de Doha, Ban Ki-moon (Secretário Geral das Na-ções Unidas) pede um espírito de compromisso aos países mem-bros e faz ver que o aquecimento global é um desafio aos huma-nos. - A NATO avisa a Síria de que não irá tolerar o uso de armas químicas após o surgimento de rumores que indicavam que o governo de Bashar Al-Assad estava a preparar o seu arsenal para uso contra a oposição.- A União Europeia decidiu reduzir a sua delegação em Dam-asco (Síria) devido às atuais condições de segurança na capital. - O Parlamento Sueco (Riksdag) aprova uma resolução que terá como propósito fazer com que o seu governo reconheça como Estado a República Árabe Saaraui Democrática (RASD). - Human Rights Watch afirma que o exército israelita efetuou uma violação das leis de guerra ao lançar um ataque aéreo a uma casa civil na Faixa de Gaza, matando 12 palestinianos. - A passagem do tufão Bopha pelas Filipinas contabilizou mais de 1800 mortos e de desaparecidos. - O primeiro-ministro do Mali, Cheick Modibo Diarra, foi de-tido por um grupo de militares a 12 de Dezembro.- Criação de um supervisor bancário único acordada entre todos os Ministros das Finanças da União Europeia. - Catalunha junta-se à Escócia no referendo de 2014 que irá revelar a vontade da opinião pública em serem independentes ou não.

- Os Estados Unidos da América enviam duas baterias de mís-seis Patriot e 400 militares para a Turquia, durante a operação de defesa do território turco pelas forças da NATO. - Com a queda do regime de Bashar Al-Assad, os curdos presen-tes na Síria irão enfrentar um futuro incerto, devido à desconfi-ança dos rebeldes em relação ao segundo maior grupo étnico do país. - A Comissão Europeia permite à Espanha o reajustamento do seu défice por mais um ano. A meta agora será alcançar os 3% até 2015.- União Europeia vai ter lista negra de empresas ligadas a viola-ções de direitos humanos. Emenda redigida pelo eurodeputado português Rui Tavares. - Representantes de Reiquejavique (Islândia) e de Bruxelas ne-goceiam últimos pormenores no que diz respeito à possível ad-esão da Islândia à União Europeia.- A agência Standard and Poor’s aumenta a posição da Grécia no rating, encontrando-se esta agora na categoria de B-. - A Coreia do Norte coloca um satélite espacial em órbita que se encontra inativo.- Ocorre uma cimeira bilateral em Bruxelas, destinada a reforçar a parceira estratégia entre a União Europeia e a Rússia.- A frente da Al-Qaeda na Síria, Al-Nusra, tem vindo a ganhar força no terreno depois de ter sido denominada pelos Estados Unidos da América como uma organização terrorista. - Relatório da Amnistia Internacional mostra que as condições de vida dos imigrantes que tentam entrar para a União Europeia pela Grécia se tem vindo a deteriorar devido ao agravar dos sen-timentos xenófobos pelo povo grego. - O Parlamento Russo aprovou o decreto-lei que impede que americanos adotem crianças de nacionalidade russa.- O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprova uma res-olução que permite uma intervenção militar no Mali.- Barack Obama nomeia o ex-candidato presidencial John Kerry para o cargo de secretário de estado substituindo assim Hillary Clinton. - O primeiro-ministro italiano Mario Monti resigna ao cargo após a aprovação do Orçamento de Estado para 2013. Cumpriu um ano de mandato.- A violência regressa às ruas de Alexandria (Egipto) antes da segunda volta do referendo que irá aprovar a futura constituição do país.- Depois do tiroteio em Newtown, a NRA (National Rifle As-sociation) mostra-se favorável à existência de policiamento ar-mado em todas as escolas.