pacta 5ª ed

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PACTA Mais que uma Revista, uma janela para o Mundo 5ª Edição, Março. Revista do Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais “Não é do interesse da China neste momento haver nas suas costas, uma potência nuclear que já não lhe obedece..” Presidente do Instituto do Oriente Narana Coissoró +Entrevista Senhor Embaixador sul-coreano S. E. Yoo Jung-hee E muito mais!

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5ªEdição da Revista PACTA

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PACTAMais que uma Revista, uma janela para o Mundo

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“Não é do interesse da China neste momento haver nas suas costas, uma potência nuclear que já não lhe obedece..”Presidente do Instituto do Oriente Narana Coissoró

+Entrevista Senhor Embaixador sul-coreano S. E. Yoo Jung-hee E muito mais!

Page 2: Pacta 5ª ed

Conteúdos

* Cronologia 3* Cadernos do Tiaguistão 4 -Em Busca dos Civilizados BÁRBAROS

* Da Casa 5 - Comunicação, Relações Internacionais, Cultura e Lusofonia -O Conceito de Informações Estratégicas nas Relações Internacionais

-Era Uma Vez Uma Moeda, o Euro

* Entrevista Embaixador S. E. Yoo Jung-

hee 10* Entrevista Presidente do Instituto do

Oriente Narana Coissoró 13

* Do Mundo 16 - O Espelho fúnebre de Chávez - A dimensão discursiva nas relações Rús-sia-EUA: novo ‘reset’ precisa-se? - A União Europeia depois do Nobel: fatalidade ou utopia(s) renovada(s)?e Defesa

* Crítica 21 - “Dignity in Adversity. Human Rights in Troubled Times”

* Erasmus 22 - Estrasburgo, Coração da Europa

s

A Equipa

Coordenação do Pelouro de Investi-gaçãodo NERI: Miguel Azevedo Coutinho, nº 210941

Coordenadores daPACTA:Joana Ribeiro, nº 210910Miguel Brito, nº 210962

Colaboradores: Anna Momotova, nº 212399

Inês Eusébio, nº 212429Rafael Sousa, nº 214617Joana Gonçalves, nº 210914

Edição de imagem: Miguel Azevedo Coutinho

Revisora: Joana Ribeiro

Responsaveis pelas redes sociais:

Facebook: Miguel Brito, Miguel Azevedo Coutinho, Joana Gonçalves

Twitter: Anna Momotova,Joana Ribeiro, Inês Eusébio

Segue-nos em:

https://www.facebook.com/PACTARI

https://twitter.com/pactaiscsp

http://ae.iscsp.utl.pt/

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Page 3: Pacta 5ª ed

Cronologia

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Fevereiro/Março

-Irão estará a instalar novas centrifugadoras, segunda a IAE e Presidente Obama afirma que o regime de Teerão está a um ano de obter arma nucleare;

-Novo Primeiro-Ministro tunisino, Ali Larayedh, é da ala dura do partido;

-Após testes nucleares efectuados pelo regime norte-coreano, EUA e Japão dizem não tolerar mais acções deste género;

-Graças às suas reservas, Moçambique é agora um dos dez maio-res produtores de carvão;

-Num encontro com o líder turco, Angela Merkel relança o tema da adesão turca à União Europeia;

-Resultados das eleições italiana dão vitória a Bersani, mas na prática provocam o caos no país. Qualquer tipo de coligação pa-rece, até aqui, improvável. Apesar de tudo isto, Presidente Ital-iano recusa convocar novas eleições;

-Irão reforça o apoio ao regime de Assad mas limita-o no tempo ao afirmar que este é o presidente legítimo até 1014;

-Após visitar o país, John Kerry anuncia ajuda no valor de 190 milhões de dólares para o Egipto;

- Numa altura em que os EUA acusam a China de ataques in-formáticos, regime chinês defende um aumento no orçamento militar do país;

-Crise da zona euro não intimida a Letónia que assina o pedido oficial para se tornar o 18º da moeda única, ao mesmo tempo que a Polónia espera em 2015 cumprir os critérios para entrar também no Euro;

-China parece estar a ficar farta das acções levadas a cabo pela “amiga” Coreia do Norte e chega a acordo com os EUA para apli-car sanções à mesma;

-Na mesma semana em que as Nações Unidas revelam dados que mostram o crescimento assustador do número de refugiados síri-os (já são mais de 1 milhão e podem vir a ser 3 milhões em 1014), União Europeia anuncia aumento da ajuda ao Líbano para lidar com esta questão e uma Europa dividida rejeita o fim do embargo à venda de armas;

-Terminou da pior maneira a luta de Hugo Chavéz com o cancro de que sofria. Após o funeral de Estado, Vice-Presidente Nicolas Madura anuncias eleições para Abril;

-Coreia do Norte rasga o armistício assinado em 1953 com a viz-inha Coreia do Sul. Na reacção, nova presidente da Coreia do sul, Park Geun-hye que caso o seu país sofra um ataque por parte do norte o regime de Kim Jon-un será “apagado” da face da terra;

-França promete alcançar a estabilidade no Mali antes de fazer a transferência da missão para nova força;

-Mundo continua no caminho do aquecimento global, emissões de CO2 aumentam e atingem novo máximo histórico;

-21 Capacetes azuis foram libertados após vários dias em cat-iveiro na Síria;

-Ao longo das últimas semanas Israel reforçou contingente mili-tar na fronteira com a Síria;

-João Mário Bergoglio, argentino, é eleito novo Papa. Escolhe o nome de Francisco e traz esperança em relação a reformas na Igreja;

-Xi Jinping foi nomeado como novo Presidente Chinês;

-China ultrapassa o Reino Unido e é agora o quinto exportador mundial de armas;

-Indefinição acerca de resgate financeiro ao Chipre leva ao au-mento do risco e desconfiança nos mercados;

-Regime de Assad acusa rebeldes de utilizarem armas químicas em alguns dos seus ataques;

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Editorial

Poucos são os Impérios que resistiram à tentação de cognominar um dos seus Imperadores com o epíteto de o Grande. Talvez, o facto de a maioria destes Im-périos se fundar em sociedades de base patriarcal, nas quais se exaltava o valor da masculinidade, explique muita coisa... Afinal os homens tendem a preocupar-se mais com a ideia de Tamanho e Imponên-

cia desse Tamanho do que as mulheres.

Em 550 a.C., Ciro II, o Grande, tornou-se o governante do Im-pério Persa fundando a dinastia Aqueménida que terminaria com a morte de Dário III, derrotado pelo greco-macedónio Alexandre, (também!) o Grande. Uma das primeiras alianças de Ciro, o Grande, foi com Tigran I, Rei da Arménia e pai de Tigran II (imagine-se!), o Grande. A Arménia, de resto, aproveitaria o declínio dos Aqueménidas para projectar o seu poder na região no século II a.C., sobre a liderança de Artaches I, o Grande.Ciro II, o Grande, foi determinante na modelação do Im-pério Persa que hoje, fruto do devir histórico, se denomina de República Islâmica do Irão. Ora mencionar Irão, normalmente, é sinónimo de terra de barbárie e fanatismo para a maioria dos leitores. E se essa é a imagem do Presente, o Passado não pode ser melhor… Aliás, até os Helénicos (pais distantes dos actuais gregos cativos da troika) apelidavam de Bárbaros os povos sob domínio de Ciro II.Sejamos coerentes; para os Helénicos, ou Gregos da Antigu-idade, todos os povos não-helénicos eram Bárbaros. O conceito aplicava-se tanto ao Império de Ciro, como aos vários reinos

de Varangians da Escandinávia, ou mesmo aos fervorosos Ci-tas. Em poucas palavras, Bárbaro era todo aquele que não fosse Helénico em nascimento e/ou em costumes. No mundo hodi-erno associamos a bárbaro todo o ser rude, incivilizado, capaz apenas de violência e de actos hediondos. E como os Helénicos diziam que o Império de Ciro era composto de bárbaros soma-mos 1+1 e, consequentemente, erramos no resultado.

Os mui civilizados Helénicos nunca aboliram a escravatura, defendendo de resto o seu valor económico e fomentando a mesma nas colónias e nas tarefas pesadas dentro das polis. Por seu turno Ciro II, bem como o seu filho Dário I, (mais um!) o Grande, acreditavam que o trabalho deveria ser recompensado. A maioria dos trabalhadores que ergueram a majestática cidade de Persepolis recebia salário, calculado de acordo com o grau de tecnicidade da tarefa e com o número de horas despendidas diariamente.

Os mui civilizados Helénicos construíram uma sociedade forte-mente estratificada, na qual as mulheres foram relegadas para um plano secundário. De acordo com os relatos da época de Heródoto, Estrabo e Sima Qian as mulheres na sociedade Aque-ménida eram muito respeitadas e a sua opinião requerida, fre-quentemente, pelos homens.

Na maioria das polis e das colónias dos mui civilizados Helé-nicos os líderes exaltavam a sua capacidade de liderança, com grandes façanhas militares que, quase sempre, implicavam banhos de sangue dantescos. No Império Persa dos Aquemé-nidas os Imperadores queriam, acima de tudo, ser recordados

EM BUSCA DOS CIVILIZADOS BÁRBAROS

Aqui está a 5ª edição da magnífica Pacta, com quase 500 “gostos” no facebook e com um número de down-loads das edições anteriores que nos fazem trabalhar com mais gosto e afinco todos os dias. Uma vez mais, temos o orgulho de vos apresentar uma edição recheada de artigos de opinião, críticas e en-trevistas que incidem sobre esta realidade internacional que nos rodeia. Tendo em conta os mais recentes acontecimentos na Coreia, poderão ler nesta edição a opinião do Embaixador da Coreia em Portugal, Yoo Jung-hee, que nos revela certos pontos fulcrais sobre o dito conflito. Para os leitores do ISCSP, com certeza que estarão familiarizados com o Instituto do Oriente e mais abaixo poderão ler uma entrevista que a Pacta fez ao Presidente Narana Coissoró.

Desde já gostaria de deixar aqui um agradecimento tanto para a equipa como a vocês, caros leitores, que nos acompanham durante esta jornada. O feedback positivo da vossa parte continuará a ser uma das razões pelas quais aqui estamos. Um enorme “obrigada” por nos lerem e por terem perdido dois minutos das vossas vidas com este editorial!

Por Anna MomotovaColaboradora da Revista Pacta

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Cadernos do tiaguistão

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como jardineiros. Mas eram os Persas, Pais dos Iranianos de hoje, que eram os bárbaros…

Voltemos atrás um pouco. Os iranianos Dário I e seu pai Ciro II, bem como a maioria dos Imperadores Aqueménidas, de-fendiam o valor do trabalho remunerado em função da espe-cialidade e do número de horas. Os Europeus, supremamente mais avançados, desenham hoje planos de emergência nacio-nal nas quais o valor do trabalho é menosprezado, fruto quiçá da herança Helénica.

Mas não se doure o que não é dourado! No Irão contemporâ-neo reina, em espaço de República, um ambiente de seguidis-mo político e de algum fanatismo religioso, mais pela parte de quem governa do que por quem se deixa governar. Por sua vez na Europa Helénica, abraços com uma crise violenta, vigora e floresce, como cogumelos num bosque, o dogmatismo da Austeridade.

A comparação pela comparação pode resultar em exercícios nulos, desprovidos de senso e com tanta capacidade de acer-tarem no alvo, como certos Ministros de acertarem em pre-visões e projecções. A híper-religiosidade da sociedade ira-niana funda-se na Crença e no respeito/temor ao Divino. A híper-austeridade da sociedade europeia cozinha-se nos gabi-netes de quem quer lucro sem respeito/temor pelo indivíduo.

A politização da híper-religiosidade, quando não conduz a epi-fanias colectivas como as que vimos na Venezuela de Chávez, desemboca em desapontamento psicossocial de escala que se materializa em protestos, como os que grassaram no Irão de 11 de Fevereiro de 2011 (Dia de Raiva) a 3 de Outubro de 2012. A híper-austeridade conduz apenas a uma pauperização da so-ciedade, sorvendo-lhe esperança e vigor em troca de números numa folha de cálculo. Mas os bárbaros são os outros…

A Europa não precisa de mais Carniceiros, usem eles armas ou leis, mas sim de mais jardineiros. A Europa precisa de ver plantada em si a semente de um algo novo; precisa recuperar a aura do seu Império Civilizacional que não se deve fundar na Vaidade mas na Verdade. A Europa precisa ser menos europa e mais Europeia. Precisa abrir-se, expandir-se, sair da caixinha em que o Helenismo podre a colocou.

Se a germanização, pela economia e pela finança, falhou nos seus intentos, talvez a Aquemenidização da Europa funcione. E o pontapé de saída pode estar na Ibéria; nesta Ibéria que a 7 de Junho de 1494 assinou, na pequena localidade de Tordesil-has, um Tratado que dividia o mundo em duas esferas de in-fluência. Está na hora de volta a usar a faca para cortar a laran-ja, deitando para o lixo a tecnocracia podre e aproveitando a seiva de uma juventude que quer e pode fazer mais e diferente.

É curioso, de facto, como o Passado pode funcionar como um espelho da História Recente, conceito de resto tão vago e in-certo como a própria noção de Presente. Mas deixo aqui um aviso, mergulhar nas águas turvas da piscina da História não é tarefa isenta de riscos e de perigos. Existe sempre o risco perigoso de percebermos, que não percebemos nada. Mas não arriscar em mergulhar nessas águas também não é solução. Ou achamos mesmo que não precisamos Saber mais, pois os outros, os do Império de Ciro, é que são bárbaros?

Por Tiago Ferreira Lopes, Investigador do Instituto do Oriente

Este artigo prende-se com dois aspetos no vasto campo de re lacionamento entre Comuni-cação, Relações Internaciona-

is, Cultura e Lusofonia –

1. a língua portuguesa em que é veicu-lada a comunicação e

2. o papel das manifestações culturais, referindo apenas um exemplo dentro da área do jornalismo escrito em portu-guês.

Encaremos em primeiro lugar o primeiro desses dois aspe-tos:

Ligações entre comunicação e cultura são óbvias – a cultura existe em contexto de comunicação e esta expressa-se em diversos códigos, meios e plataformas que articulam e dis-ponibilizam os moldes segundo os quais a cultura é difun-dida, composta, reformulada ou aniquilada.

A ligação com lusofonia é mais circunstancial pois a comu-nidade de falantes de português é uma, entre muitas comu-nidades de falantes que se encontram numa diversidade, algo hierárquica de grupos de diferentes línguas nacionais

Da Casa

COMUNICAÇÃO, RELAÇÕES INTERNACIONAIS, CULTURA E LUSOFONIA

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ou globais. Refiro hierarquia porque ela de fato existe, tan-to em número de falantes como em importância relativa. E, para essa importância, não apenas os números contam, porquanto a grande língua de comunicação internacional global e língua franca desde o século XX é o inglês, que não possui o número mais elevado de falantes nativos, marca detida pelos falantes nativos chineses de Mandarim, cerca de 900 milhões. Em contrapartida, a grande força da língua inglesa reside no extraordinário número de falantes não na-tivos, calculados entre 1,5 e 1,8 biliões, sendo que o número de falantes como língua nativa não excede cerca de 375 mi-lhões. David Crystal, um especialista de língua inglesa como língua franca calcula que o rácio nativo-não nativo rondará 1 para 3.

Ou seja, o português enquanto língua mundial, língua fala-da internacionalmente e em diversas partes do mundo, por parte de cidadãos de diferentes nacionalidades, é um dos suportes da comunicação para culturas variadas, mas que partilham um idioma base. O desenvolvimento destas cul-turas incorporou, rejeitou ou ultrapassou em momentos diferentes facetas pré-existentes de cultura luso-europeia hegemónica, que, não obstante, nunca impediram a língua portuguesa local de seguir o trajeto de qualquer língua viva que é o da evolução adaptada ao meio, à cultura, às gentes.

No caso específico de Portugal, a que me quero referir mais concretamente neste momento, a difusão da cultura portu-guesa lusófona tem sofrido um claro impulso quantitativo e qualitativo por fatores que se prendem, de novo, com a nossa posição na Europa, e associados a uma outra antiga instituição europeia de difusão e acalentamento do saber e a ciência, que é a Universidade.

A participação de Portugal em programas de mobilidade estudantil internacional, tanto na Europa (Erasmus, por exemplo) como com a comunidade de países africanos de expressão portuguesa ou com países da América Latina, serve o propósito de fomentar o número de falantes interna-cionais de português que se podem encontrar pelo mundo. No caso específico dos estudantes do programa de mobili-dade internacional Erasmus, provenientes de 48 países da Europa, o contato com a Língua Portuguesa é primordial e feito como parte integrante de um período de estudos em país que não o de origem. Na nossa Universidade, a UTL, por exemplo, todos os estudantes fazem, no início do seu período de mobilidade, um curso intensivo de português. O ISCSP coordena, desde o ano de 2006-2007 esta faceta dos estudos dos alunos que acolhemos e, até agora, recebeu e ensinou cerca de 1600 alunos, tanto em cursos internos e destinados apenas aos que estudam nas nossas faculdades, como em cursos de Verão, patrocinados pela Comissão Eu-ropeia e que se destinam a qualquer estudante Erasmus que venha para Portugal – os cursos EILC, Erasmus Intensive Language Courses.

Esta é uma comunidade particularmente importante pois é formada a partir de um encontro de culturas feito por um público jovem, universitário e que tem uma estadia relati-

vamente prolongada (no mínimo um semestre) em Portu-gal. Ao contrário dos expansionismos religiosos, bélicos, económicos ou colonizantes de séculos anteriores que car-regavam uma língua consigo, que era a língua do poder he-gemónico, este é um movimento de cidadãos e de índole, na sua génese, eminentemente cultural e igualitária. Diria que um dos caminhos mais acertados a largo prazo para a pro-jeção articulada da lusofonia.

Por outro lado, e por interesses de investigação na área do jornalismo, especificamente de jornalismo literário, aquele jornalismo que não se envolve tanto com o imediatismo das notícias mas com a sua perenidade; com o pormenor do tema, e não com motivos de impacto imediato, com as vozes dos sujeitos da notícia e não apenas a dos autores da notí-cia. Este interesse de investigação encontrou acolhimento numa associação científica internacional, a International Association for Literary Journalism Studies. Alguns tra-balhos já apresentados em conferências, inclusivamente no ISCSP, ou publicados neste em revistas científicas permitem constatar que através de artigos pertencentes a este género de jornalismo literário escritos em Português em diversos países que partilham a mesma língua, se obtém a partilha de um repositório de formas culturais e comunicacionais que se podem colocar lado a lado, formando uma comunidade cultural variada, mas que se compreende facilmente porque utiliza o mesmo código linguístico e, também, códigos co-muns de observação e interpretação das diversas comuni-dades culturais.

Quando Pedro Cardoso, no início do Século XX, escrevia em Cabo Verde sobre estiagem ou educação, dirige-se ao seu leitor como Machado de Assis também fazia, anos antes, a um leitor algo ficcionado, recetor ideal de uma mensagem que era, para o seu emissor, forte demais para se perder em leitores abstratos. Eça de Queiroz escrevia na mesma altura sobre um Portugal, curiosamente também em crise, e cheio de spleen. Atualmente, gerações contemporâneas escrevem sobre os respetivos países e a cultura de cada um surge na língua que nos une sem confundir os traços distintivos que as caracterizam.

Todo o ato de comunicação cultural em qualquer um dos países que partilha a língua portuguesa encontra um públi-co que é unido, pelo menos, por esse denominador comum.

A que nos conduzem estas breves notas? A algo que não é novo, mas que não deixaria de querer mencionar aqui – a nossa língua comum é a nossa ponte para o exterior: A força da lusofonia reside na sua diversidade e na capacidade que possa ter de captar outros falantes. As nossas culturas são um traço fundamental dentro das comunidades dos luso-fa-lantes. O conhecimento mútuo através da expressão escrita, como a referida acima, ou de outras com os mais variados suportes, asseguram que a língua portuguesa não encontre paralelo no fenómeno referido por George Bernard Shaw acerca da língua inglesa em relação ao Reino Unido e aos Estados Unidos da América, ou seja, que ela era o fator co-

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A compreensão do conceito de informações estratégicas enfrenta desde logo uma variedade de definições e

termos afins que se entrecruzam tanto em português como noutras línguas. Deriva do seu equivalente em inglês strategic intelligence, e é através da ma-

triz conceptual deste – intelligence -, transbordando dos serviços de informações dos Estados (também chamados serviços secretos), a partir da segunda metade do século XX, que tem vindo a configurar-se no âmbito universitário a correspondente área de estudos, também em inglês de signada Intelligence Studies. Com efeito, foi em 1949 que Sherman Kent, Professor de História da Universidade de Yale e ex-analista do Office of Strategic Studies (OSS), o fa-moso serviço de informações militares americano criado durante a 2ª Guerra Mundial, cunhou a expressão strate-gic intelligence e o inerente conceito na obra Strategic In-telligence for American World Policy, conectando-o com as relações internacionais através da seguinte definição:

“ the kind of knowledge our state must possess re-garding other states in order to assure itself that its causes will not suffer nor its undertakings fail because its statesmen and soldiers plan and act in ignorance.”

Sherman Kent chegara à conclusão de que a stra-tegic intelligence, produzida de forma sistemática se-gundo o método científico, era diferente das informações operacionais e tácticas produzidas pelos militares, sen-do um instrumento absolutamente necessário aos Esta-dos nas relações internacionais. O conceito foi logo aco-lhido com entusiasmo na área anglófona, como atestam as recensões nas mais diversas revistas especializadas, possuindo especial significado a de Hans Morgenthau:

“The operations of modern strategic intelligence have very little in common with the stereotyped traditional a-

ctivities of spies prying secrets from an unwary enemy. Nowadays strategic intelligence has become the brains be-hind the brains of policy-makers, collating and evaluating all available information and assessing the chances of alternate policies in the light of such information. If foreign policy and military strategy are based upon a series of more or less informed hunches, then it is the task of intelligence to make those hunches as informed as possible, in particular in an age in which successful political and strategic calculations must depend largely upon the correct assessment of more or less indeterminate economic factors and trends. Hence the cen-tral importance of strategic intelligence ought to be obvious”.

Tudo isto na sequência da perspectiva que, tendo também em vista as relações internacionais, Sherman Kent delineara já anteriormente, em 1946, e que permanece até hoje, de que a intelligence integra organização, actividade e conhecimento.

Com efeito, a etimologia de intelligence aponta-nos em latim o verbo intellego, ou seja, perceber, com-preender, discernir, aperceber-se, notar, dar-se conta de, reconhecer; e aponta também interlego, ou seja, colher entre, entrecolher. O étimo é portanto lego, cuja polis-semia é ampla: ler, reunir, colher, escolher, examinar, percorrer, seguir as pegadas de, seguir de perto, revis-tar, tirar, tomar, apoderar-se de, roubar, escutar, espiar.

O conceito de intelligence ficou pois historicamente associado, de forma quase exclusiva, à realidade das rela-ções externas ou internacionais dos Estados, muito marca-das obviamente por situações de guerra. Noção, aliás, antiga e de muito longa duração histórica no que toca, por exem-plo, à componente da espionagem, já assinalada no Anti-go Testamento ou em Heródoto, ou ainda, de forma elab-orada, em A Arte da Guerra, no século IV a. C, do chinês Sun Tzu, divulgado entre nós pelo General Pedro Cardoso.

Mas a definição de intelligence, e consequentemente de informações estratégicas, é ainda hoje objecto de pro-

O CONCEITO DE INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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mum que desunia os povos daqueles dois países.

A lusofonia é um suporte de comunicação de culturas que, sendo conhecidas e reconhecidas, unem os membros desta comunidade linguística. A aquisição de mais falantes de português como língua estrangeira possibilitará, por sua vez, o reforço da importância internacional desta língua e destas culturas.

Por Professora Associada Doutora Alice Trindade

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blematização entre os especialistas no meio académico e nos serviços de informações. A literatura sobre este assunto não escasseia e é consensual quanto ao facto de o termo se referir tanto à organização como ao processo e ao produto, seguindo a noção introduzida por Sherman Kent em 1946. O debate encontra-se porém inserido numa problemática mais ampla que é a da teoria das informações, e note-se que esta tem vindo sobretudo a desenvolver-se na área an-glófona, particularmente nos Estados Unidos. Dois trabal-hos de referência sobre esta matéria são Wanted: A Defi-nition of “Intelligence” e Toward a Theory of Intelligence.

O primeiro é da autoria de Michael Warner, então membro do“History Staff ” da CIA - actualmente “Chief Historian” do Office of the Director of National Intelligence (ODNI) -, e foi publicado na revista académica desta organiza-ção que, meio século após o seu lançamento, se mantém como a mais antiga e incontornável referência na área dos Intelligence Studies. Escrevendo em 2002, Michael War-ner partiu da premissa de que ainda nenhum autor tinha elaborado uma teoria das informações, afirmando que isso ocorria porque não existia nenhuma “accepted definition of intelligence”. Propôs-se por isso com esse ensaio fazer uma análise das definições apresentadas pelos principais autores de referência, assim como pela legislação ameri-cana e comissões parlamentares e relatórios oficiais, com o objectivo de elaborar ele próprio uma que, conforme afirmava, “could assist the growing number of scholars who study the field and might ultimately help the Intelli-gence Community in several respects”. No final, na sequên-cia da compilação de uma série de definições entre 1946 e 2002, apresentou pois a sua própria, a qual, porém, ex-cessivamente redutora, na verdade não acrescentou qual-quer novidade à formulação tradicional do conceito:

“Intelligence is secret, state activi-ty to understand or influence foreign entities.”

O segundo trabalho é especialmente importante porque se trata de um “workshop” organizado pela National Security Research Division da RAND Corporation, por encomenda do Director of National Intelligence (DNI), a nova entidade criada em 2005 pelo presidente dos Estados Unidos, na se-quência do 11 de Setembro, para coordenar a designada “intelligence community”, isto é, o sistema de informações americano que é composto por dezasseis serviços milita-res e civis. Nesse momento, em Junho de 2005, precisa-mente na altura da instituição do DNI, tratava-se de fazer um ponto de situação sobre a organização da produção de informações nos Estados Unidos, com o objectivo de re-estruturar o sistema, e portanto começou-se pelo princípio, que é o das ideias e dos conceitos. Para o efeito, juntaram-se quarenta especialistas americanos e europeus a deba- terem o tema, provenientes dos serviços de informações e das universidades e “think-tanks”. As conclusões foram várias, mas ressaltou a observação de que não existe uma “american theory of intelligence”; o que existe é um enten-dimento internacional semelhante do que é a intelligence, definível, enquanto processo, como a metodologia de ob-tenção e tratamento de informação, secreta e não-secreta, para servir os Estados na formulação das suas políticas ex-ternas e no confronto com as ameaças às suas respectiv-as seguranças internas, e também cada vez mais para ser-vir entidades não-estatais, como empresas, organizações não-governamentais ou mesmo movimentos terroristas.

Por Professor Associado Doutor Pedro Borges Graça

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Estávamos no início dos anos 90 do século XX. O Muro de Berlim acabava de cair e a União Soviética colapsava es-

pectacularmente. O Pacto de Varsóvia dissolvia-se, a NATO emergia como aliança vencedora da Guerra Fria e acreditava-se generalizadamente na

tese do Fim da História desenvolvida inicialmente por Hegel, ressuscitada no século XX por Alexandre Kojève e popularizada após a Queda do Muro por Francis Fuku-yama. A democracia liberal e o capitalismo apresentavam-se como as formas finais de organização política e económi-ca nas quais o processo

histórico culminaria. Até a Rússia, sob a liderança de Boris Yeltsin, parecia aderir a estas, enquanto as Comunidades Europeias se transformavam em União Europeia e prepara-vam a introdução da moeda única.

Com bases económicas frágeis, que o próprio Chanceler Helmut Kohl conhecia , o Euro é essencialmente um pro-jecto político e constituiu-se como o principal preço que a França acabou por conseguir cobrar à Alemanha pela sua reunificação. Na perspectiva de François Miterrand o Euro deveria servir o propósito de refrear o poder da Alemanha unificada – em conjunto com a redução das suas forças ar-madas e a renúncia à posse de armamento biológico, nu-clear e químico – que Margaret Thatcher também temia .

ERA UMA VEZ UMA MOEDA, O EURO

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Mas enquanto a Dama de Ferro se opunha à moeda única e alertava para os perigos desta, prevendo que tornaria a Eu-ropa menos democrática e seria o princípio de uma Europa federal pela porta dos fundos, a França viu na moeda única a oportunidade de voltar a assumir uma posição de lide-rança política do Velho Continente.

A História tem uma forma peculiar de revelar, com contor-nos tragicómicos, as ironias que nos reserva. Não só o Euro serviu precisamente para reforçar o poder alemão como permitiu finalmente à potência germânica dominar a Eu-ropa – desta feita sem disparar um único tiro.

Desaparecida a ameaça soviética, continuando a NATO a depender largamente dos esforços norte-americanos, a UE reforçou entretanto a sua posição enquanto potência norma-tiva e civil, predominando as preocupações e políticas rela-tivas à esfera económica. Se, inicialmente, foram os ideários liberal e democrata-cristão que inspiraram as Comunidades Europeias, a partir dos anos 90 o projecto europeu assumiu progressivamente contornos de cariz socialista e autoritário, tendendo para um constante reforço do processo de centra-lização de poder, que aumenta o défice democrático – que, como Roger Scruton evidencia, não é uma deficiência a ser colmatada pela EU, mas sim uma característica estrutural do funcionamento das instituições europeias – e que pro-duz cada vez mais legislação que já ninguém pode entender no seu todo, regulamentando cada vez mais aspectos da vida dos indivíduos e acabando por realizar uma espécie de planificação económica através da via monetária que se tem revelado particularmente ruinosa, como a crise das dívidas soberanas tornou evidente. Como afirmou Ronald Reagan num célebre discurso, “the more the plans fail, the more the planners plan.”

O planeamentismo económico da UE, a crise financeira de 2008, a crise das dívidas soberanas e a crise do euro acabam também por ter como efeito o predomínio da perspectiva da economia no debate público, que por sua vez absorveu en-tretanto a ideia partilhada pelos líderes da zona Euro de que a moeda única é absolutamente fundamental e vital para a Europa. Citando Ulrich Beck, “Quem considera a Europa igual ao Euro, já desistiu da Europa. A Europa é uma alian-ça de antigas culturas mundiais e superpotências que pro-curam uma saída da sua história bélica.”

Os quase 70 anos de paz na Europa resultaram em larga medida dos esforços da NATO e do processo de integração europeia que tinha como pilares fundamentais a democra-cia liberal, a liberdade individual, a propriedade privada e o mercado livre. Mas a crise do Euro e os resgates financeiros de vários países deixaram a nu a arrogância autoritária de Bruxelas, que não só coloca a democracia em causa como agora também ameaça o direito de propriedade privada, como a recente medida de confisco dos depósitos bancários em Chipre ilustra exemplarmente. Entretanto a Rússia de Vladimir Putin não apreciou a medida, muito menos a jus-

tificação de que assim se atingiria os depósitos de dinhei-ro russo ilícito, tendo, através da Gazprom, oferecido um pacote de resgate ao governo cipriota, que por sua vez, até ao momento em que escrevo este artigo, declinou a oferta. Certo é que todos os cipriotas e estrangeiros ali residentes se encontram neste momento sem conseguir aceder às suas contas bancárias, o que parece quase impensável acontecer no seio da UE, que além do mais parece ter perdido qual-quer visão estratégica ao dar uma oportunidade à Rússia de alterar o equilíbrio geopolítico do Mediterrâneo a seu favor.

Somos, assim, presenteados com uma segunda ironia: a UE a procurar aplicar uma medida digna de um regime comu-nista, enquanto a Rússia, outrora bastião mundial do comu-nismo, oferece um pacote de resgate que porventura poderá melhor servir os interesses cipriotas – da mesma forma que já o havia feito com a Islândia.

Entretanto a crise que vivemos na Europa tornou evidente, citando novamente Beck, que “A Europa e a sua juventude estão unidas na raiva por causa de uma política que salva bancos com quantias de dinheiro inimagináveis, mas des-perdiça o futuro da geração jovem.” A contestação vai tam-bém tendo repercussões políticas, no que concerne ao de-scrédito em relação aos regimes democráticos, ao reforço da retórica anti-germânica e anti-Euro e também à dispersão eleitoral provocada por partidos políticos como o Syriza, na Grécia, o United Kingdom Independence Party, no Reino Unido, e movimentos como o de Beppe Grillo, em Itália, que têm alcançado bons resultados eleitorais em virtude das suas posições contra as políticas impostas pela UE.

Vivemos uma crise sem precedentes largamente resultante da defesa cega e obstinada da moeda única, o que nos apre-senta a terceira e última ironia: o Euro, que deveria ser o pináculo simbólico da paz na Europa, ameaça tornar-se a causa principal de um novo conflito armado no Velho Con-tinente.

Muitos ainda hoje se perguntam como foi possível, num clima de prosperidade e domínio político europeu à escala mundial, que as potências europeias se tenham precipitado para a I Guerra Mundial. Esperemos que as futuras gerações não venham a colocar-se questões do mesmo género a res-peito dos estranhos tempos que vivemos.

Por Samuel de Paiva Pires, Investigador

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PACTA(P)-Recentemente Park Geun-hye foi a primeira mulher a ser eleita presidente da Coreia do Sul. Que imagem da Coreia do Sul este acontecimento projecta a ní-vel internacional?

Embaixador S. E. Yoo Jung-hee (EJH)- Na minha opinião, traz mais vividamente a imagem da Repúbli-ca da Coreia como um país criativo

e dinâmico com capacidade de acomodar a mudança.

P-No passado dia 5 de Março a Coreia do Norte ameaçou “rasgar” o armistício assinado com a Coreia do Sul em 1953. O que pode ser feito para que a relação entre os dois países melhore?

EJH-A Coreia do Norte tem vindo a fazer um jogo com apostas altas e a fazer frequentemente uso de uma diplo-macia extremamente arriscada(brinkmanship) para fazer prevalecer a sua posição.

São necessárias respostas resolutas e correspondentes às ameaças da Coreia do Norte que ameaçam a estabilidade regional, a paz mundial e a sobrevivência do povo coreano. As lições da história dizem que a política de apaziguamento falhou.

É necessário, por enquanto, mostrar claramente, através de medidas consistentes e determinadas, que a comunidade internacional não tolera os actos provocatórios da Coreia do Norte.

O novo governo da República da Coreia quer propor uma política de envolvimento da Coreia do Norte denomina-da “processo de confiança na península coreana”, mas esta política baseia-se na nossa forte capacidade de segurança. A República da Coreia está disposta a dar ajuda humanitáriaincondicional aos grupos sociais mais vulneráveis da Co-reia do Norte, incluindo as crianças e os idosos, e espera, no futuro, poder promover joint-ventures em grande escala entre as duas Coreias para o desenvolvimento económico da Coreia do Norte.

Penso que as negociações a seis são ainda um quadro útil para abrandar tensões na península coreana e fazer com que a Coreia do Norte seja um membro responsável da comuni-dade internacional, apesar de a sua eficácia ser questionável face às ambições da Coreia do Norte de desenvolvimento nuclear e lançamento de mísseis.

P-Qual o papel dos EUA quanto a esta tensão existente na península coreana?

EJH- Os Estados Unidos da América, juntamente com a China, desempenharam um papel de liderança no Conse-lho de Segurança da ONU que aprovou, por unanimidade, a resolução sobre novas sanções contra a Coreia do Norte em resposta ao último ensaio nuclear que a Coreia do Norte levou a cabo.

Parece que os Estados Unidos da América vão ter um papel de liderança da comunidade internacional para que as san-ções contra a Coreia do Norte tenham a sua eficácia.

Além disso, os Estados Unidos da América estão a reafir-mar o seu compromisso como aliado para a segurança da República da Coreia contra a ameaça da Coreia do Norte. O papel dos Estados Unidos da América para a dissuasão em relação às provocações da Coreia do Norte e para a estabili-dade da península coreana e do Nordeste da Ásia é primor-dial.

P-Qual a sua opinião acerca de possíveis sanções aplica-das pela ONU face aos testes nucleares realizados pela Coreia do Norte?

EJH-O Conselho de Segurança da ONU aprovou a re-solução 2094, que reforça as restrições financeiras à Coreia do Norte e aumenta a vigilância para controlar os bens e mercadorias que entram e saem do país.O objectivo é im-pedir que o regime consiga financiamento para alimentar as suas ambições nucleares e balísticas.

Está na hora da Coreia do Norte mudar o seu rumo, sain-do do seu caminho de isolamento e autodestruição, face à demonstração da determinação inequívoca da comunidade internacional de que não vai tolerar a continuidadedo arsenal nuclear.

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ENTREVISTA COM O senhorEMBAIXADOR Sul-Coreano

S. E. Yoo Jung-hee

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P-É hoje a região asiática uma zona estável no que res-peita a possíveis conflitos?

EJH-Não é uma zona estável. Para conseguir estabilidade regional e paz mundial, os países envolvidos devem con-trolar a retórica e o comportamento belicista, recuperar a serenidade e voltar ao diálogo.

Mas é muito importante que a comunidade internacional mostre uma atitude consistente e forte perante o regime da Coreia do Norte para que o apelo ao diálogo não se torne um pretexto para a Coreia do Norte concretizar as suas am-bições proibidas.

P-Como são vistas as revoluções árabes por parte da Coreia do Sul, um país geograficamente algo distante das mesmas?

EJH-Hoje em dia, na aldeia global, a distância geográfica não faz mais sentido. Assistindo, em tempo real, às ditadu-ras resistentes a chegarem eventualmente ao fim pelo poder do povo unido, os coreanos também simpatizaram com os gritos e as lágrimas das multidões e acolheram a vitória do povo com grande alegria.Mas é lamentável que em vários países, no rescaldo da revolução, continue a haver caos e as-sassinatos. Para a democratização ser estabelecida, a comu-nidade internacional deve não só dar ajuda económica aos grupos sociais em situação de pobreza extrema mas tam-bém apoiar a educação sobre os direitos humanos e a democracia, especialmente para jovens e mulheres.

P-Sendo muito conhecida a relação centenária com a China, através de Macau, e até com o Japão, como cara-cteriza a relação entre Portugal e a Coreia do Sul?

EJH-Diria que a nossa relação é de “amigos do peito”. É ver-dade que não é um termo político comummente reconhe-cido. Os dois países celebraram, em 2011, os 50 anos do es-tabelecimento das relações diplomáticas.

É verdade que a República da Coreia, comparada com a China e o Japão, é menos conhecida pelos portugueses, mas os dois países mantêm fortes relações de amizade e coop-eração. Os dois países, situados em extremidades opostas do Continente Euro-asiático, têm muitas semelhanças como “os pólos opostos atraem-se mutuamente” e, em especial, as emoções de ambos os povos são surpreendentemente se-melhantes. Recentemente, muitos jovens portugueses estão encantados com o K-pop, tal como a melodia do fado sen-sibiliza a alma dos coreanos, em particular, os que têm mais de 40 anos. Estou a oferecer CDs de fado comopresente para os coreanos que nos visitam.

Por Anna Momotova

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Entrevista a NaranaCoissoró

Fotografia por Joana Ribeiro

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Criado em 1989, o Instituto do Oriente é finan-ciado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e tem a sua sede no Insituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. É desde a sua fundação presi-

dido por Narana Coissoró, lider parlamentar do CDS entre 1978 e 1991, é Professor Cadedrático Jubilado do ISCSP e Professor Catedrático da Universidade Lusófona de Hu-manidade e tecnologias. Nesta entrevista fala do Instituto do qual é Presidente mas também da actualidade “Orien-

tal”. PACTA (P) – Qual é que é a im-portância do instituto e como é que este trabalha? Quais são os seus objetivos?

Professor Narana Coissoró (PNC) - O Instituto do Oriente é uma unidade de investigação do ISCSP. Todas as faculdades têm as suas unidades de inves-tigação para determinadas áreas e o Instituto do Oriente nasceu da própria história do ISCSP porque quando o instituto era uma escola superior colonial e de estudos ultramarinos tinha cadeiras relativas às colónias. Portanto ensinavam aqui as lín-

guas principais de cada colónia, a história de cada colónia, as suas produções, as suas relações e as relações de Portugal com os territórios vizinhos dessas colónias. Era necessário ver quais eram os países limítrofes de Angola, Moçam-bique e Timor, por exemplo. E por isso mesmo, quando acabou o ciclo colonial e o ISCSPU passou a ser ISCSP, nós entendemos que esta valência do instituto se devia manter mas sob uma nova forma, sendo esta de relações interna-cionais. Manter o primeiro contacto com estes territórios independentes e depois as relações com os países limítro-fes destes novos países. Houve então uma divisão em duas unidades, uma unidade chamada Relações Internacionais e outra unidade que compunha o Instituto do Oriente. O In-stituto do Oriente foi estabelecido para estudar principal-mente as relações com grandes potências emergentes que então surgiam diretamente da descolonização dessas áreas. Surgiu a Índia que depois da independência de 1947 e de passar por um período de socialismo, o Estado passou a ser uma potência liberal no sentido de abrir as portas para a iniciativa privada e cultivar uma maior aproximação com o ocidente, em vez de ter apenas relações com países so-cialistas. A China que era uma potência emergente e tinha acabado a sua revolução cultural e estava a entrar numa nova fase. Tínhamos o problema de Timor que estava ocu-pado pela Indonésia, e acerca do qual Portugal estava a fazer todos os esforços para que fosse independente, o que

implicava a expulsão da potência indonésia que era ocu-pante de Timor. E ver também as relações de novos povos e o relacionamento de Portugal com estes, para além da Índia, da China e da Indonésia, que são três países modais de Extremo Oriente, Ásia Meridional e Sudoeste Asiático, com o Japão e a Coreia do Sul. Desta forma nasceram es-tes dois institutos e o Instituto do Oriente foi para tratar dos assuntos relativos à Índia, à China, à Indonésia, ao Su-doeste Asiático e ao Japão. De toda a área, digamos assim, da Índia e do Pacifico Sul.

PACTA - Como o Instituto do Oriente é um projeto de investigação português, e tendo em conta todo o passado histórico de Portugal, como é que o professor caracteri-zaria as relações entre Portugal e o oriente?

PNC- Neste momento, nós não estamos a incidir muito so-bre a história. Abandonamo-la mas não totalmente porque a história é sempre necessária para verificar o futuro e o presente mas o nosso enfoque principal são as relações atuais das potências que acabei de enumerar. Temos tido estudos sobre estas potências principalmente no que res-peita as relações das mesmas com Portugal e com os países lusófonos. Por exemplo, a China é uma das grandes potên-cias que hoje está implantada em Angola e explora petróleo, e é à base desse petróleo que lá constrói casas e vias férreas, a mesma coisa se sucedendo com a agricultura em Moçam-bique. A Índia já está a entrar também em África. E nós estamos a estudar as relações externas tanto da China e da Índia com os países de língua portuguesa e Portugal como a própria trajetória da política externa destes países, entre si. Por exemplo, como é que a Índia e a China se compor-tam perante as outras potências da Ásia. Também temos desde há uns quatro anos para cá a Ásia ocidental, compos-ta por países que se foram libertando ou já estão libertos da União Soviética. Eram antigas colónias da União Soviética como o Cazaquistão e todas as outras pequenas repúblicas. Já temos alguns trabalhos em mão, vai haver uma tese de doutoramento sobre o assunto e é o Dr. Marcos Faria que está à frente da coordenação da política desses países. E Já temos também duas teses de doutoramento, uma da Lon-don School of Economics, de Ana Alves, sobre as relações da China com os países da CPLP, e temos a Andreia Valente que está a falar de problemas de energia no sudoeste asiáti-co. E temos teses feitas aqui no instituto sobre a China, so-bre a política externa da china, sobre a política externa de Taiwan, sobre a política externa da Coreia do Sul. O nosso trabalho tem sido fazer equipas de investigação dedicadas a cada uma dessas áreas.

PACTA – Quantas equipas é que tem o Instituto do Ori-ente?

PNC- Neste momento temos cinco mas teremos um con-

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Com o objectivo de “faz-er o estudo da história do presente do Oriente, com referências à pre-sença portuguesa e o seu futro”, o Instituto do Ori-ente organiza e promove projectos de investigação, confêrencias, cursos de extensão universitária e mantém colaboração com diversas universidades da Europa mas também da região asiática. Hoje conta com 56 investigadores e três linhas de orientação.

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selho diretivo para redefinição dessas áreas. O que vai ser é efetivamente centrarmo-nos mais não em países, como até agora tínhamos feito, mas nas áreas geográficas- a Chi-na tem que ser China, não tem outra hipótese, mas sobre o Pacífico sul vamos tomar em consideração a Coreia do Sul, Taiwan e Japão (uma só área em vez de três diferentes áreas), a Índia, Ceilão e Birmânia na terceira área. Portanto vamos comprimir cinco áreas em três áreas.

PACTA – A China recentemente tornou-se no maior pólo comercial do mundo ultrapassando assim os Estados Unidos. Qual é o significado deste acontecimento?

PNC- O significado é evidente, quer dizer são dois siste-mas políticos diferentes. Enquanto a China pode controlar através do Estado o seu comércio, os Estados Unidos não podem fazer isso porque são uma potência liberal, uma potência inteiramente de iniciativa privada, ao passo que a China é uma potência que conduz através de empresas que têm hoje grande autonomia (não são empresas do Estado) mas cuja política de expansão, a chamada multinacionali-dade das empresas, está ainda dependente da China. Por-tanto é muito natural que a China possa fazer uma política externa muito diferente da política americana porque o Es-tado americano não intervém pela sua própria constituição, pela sua própria história cultural, pela própria natureza da sua política económica, de orientar o comércio externo. É então precisa uma certa cautela para ver o que é que a China pretende e como é que os Estados Unidos vão responder a isso mas a China ainda não ultrapassosu os EUA. Com certeza que os EUA vão adoptar medidas para continuarem a ser a primeira potência mundial.

PACTA – Como é que Estados e regiões, como Hong Kong ou Singapura, podem sobreviver tanto economicamente como a nível histórico?

Professor - Eles podem sobreviver porque têm especifici-dades próprias. Hong Kong é uma grande praça financeira onde a própria China está interessada em que continue a ser uma porta da China sobre o mundo, sobre a potência capitalista na China. Interessa à China dar-lhe um estatu-to de região administrativa especial para ter a sua política interna, para ter as suas relações externas económicas não políticas, já que isso está vedado a regiões autónomas espe-ciais. Interessa também à China que haja uma grande praça financeira sem ser a praça financeira chinesa.PACTA – Outro tema que tem estado na ordem do dia são os testes nucleares feitos por parte da Coreia do Norte. Apesar da China ser historicamente um aliado da Coreia do Norte, esta criticou os últimos ensaios que ocorreram. Como é que podemos caracterizar esta posição da China?Professor - Não interessa nada à China ter à porta uma potência nuclear. A China faz parte dos tratados que disci-plinam O Instituto conta com uma grange colecção de livros

Fotografia por Joana Ribeiro

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a utilização de energia nuclear no mundo. Portanto, a Chi-na é a única amiga, no sentido de ter relações externas com a Coreia do Norte, e a Coreia do Norte está a pisar o risco. Não é do interesse da China neste momento existir, nas suas costas, uma potência nuclear que já não lhe obedece, que pelo menos não controla. E também a nova política chinesa não é de cultivar inimizades com a Coreia do Sul, principal adversário da Coreia do Norte, e principalmente de não estar mal com a América uma vez que a Coreia do Norte afirma que tem um alcance balístico capaz de atingir a costa oriental dos EUA. Será um bocado exagerado dizer isso mas as ilhas Hawaii estão mesmo ao alcance da Coreia do Norte. E não podemos esquecer que a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial foi exactamente por causa do Pacífico uma vez que o Japão atacou através do mesmo as possessões de parte da América. Portanto a Coreia do Norte tem que ter muito cuidado porque não se pode aproveitar do isolamento a que está sujeita para fazer o que lhe vem à cabeça. A China já compreendeu isso e não quer aparecer como aliada de uma potência que põe em perigo a Coreia do Sul, em primeiro lugar, e as próprias ilhas do Japão ou da própria China que estão em disputa, em segundo lugar, e nunca se sabe o que um país que está sujeito a uma dita-dura absolutamente incontrolável, através de organizações internacionais ou através de política interna, o que pode fazer. A China já está a mostrar os seus receios e natural-mente há-de intervir para que haja uma reacção das Na-ções Unidas quanto a este abuso que a Coreia do Norte está a praticar. Aliás na linha do pai e do avô do atual ditador.

PACTA – Hoje, terça-feira dia 5, a Coreia do Norte amea-çou rasgar o armistício dos anos 50 que tem com a Coreia do Sul. Este tipo de ameças deve ser levado a sério?

PNC- Com um regime demente tudo é possível. A Coreia do Norte é uma potência faminta, as pessoas passam fome. É a China que, através de “contrabando”, fornece alimen-tação a esse povo porque a Coreia do Norte produz ener-gia nuclear mas não produz cereais e arroz, que são a base fundamental de comida da Coreia do Norte. É então um dos países mais pobres da humanidade. E portanto é pre-ciso ver que isto não pode ser levado muito longe e talvez seja melhor eles estarem a ameaçar mais e mais para que a sociedade internacional veja que chegou o ponto de pôr termo a isso.

PACTA – Pensa que a China poderá funcionar como fiel da balança entre as relações Ocidente/ Coreia do Norte, Coreia do Norte/ Coreia do Sul e com outros países da região?

PNC- A China devia ter por missão fazer isso já que é a maior potência regional da área e as relações dela com a Coreia do Sul já foram piores. A única coisa é estarmos pe-rante um regime demente. A Coreia do Norte sofre muito com a ditadura coreana porque a imigração dos coreanos

para a China é um grande peso para esta porque tem que alimentar milhões de coreanos que fogem ao regime da Coreia do Norte para entrarem na China e as fronteiras es-tão extremamente bem guardadas. Também não é do in-teresse da China que haja um exacerbamento da ditadura coreana porque no fundo isso faz com que haja uma maior pressão sobre a fronteira chinesa. Portanto é do interesse da China parar isso. Não pode servir de escudo contra a América ou de ameaça contra a América porque já lhe toca dentro de casa.

Por Joana Ribeiro e Miguel Brito

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Aquan-do da morte d e

uma figura políti-ca marcante, tor-na-se irresistível a tendência para

lhe determinar a herança. Trata-se, necessariamente, de uma precipita-ção. A morte, o acontecimento mais trágico que (des)conhecemos, não é o melhor catalisador de reflexões pon-deradas. Ora, no caso de personalidades mais ou menos consensuais, este tipo de reacção em cima do acon-tecimento tende a dissolver antago-nismos, obscurecendo assim as lutas que marcaram uma vida. Por outro lado, tratando-se de personalidades controversas e polarizadoras, como é o caso de Hugo Chávez, ocorre justamente o contrário: as reacções são ainda parte do conflito político, exprimem apoio ou rejeição. E é mui-to natural que assim seja. Qualquer veredicto sério sobre Hugo Chávez será feito retrospectivamente. Hoje, apesar de morto, Chávez ainda é o presente. Nesse sentido, o que temos ouvido a propósito da sua morte diz-nos muito mais sobre o sujeito do discurso do que sobre o seu objecto. Quem reage à morte de Chávez diz muito mais sobre si próprio do que sobre o presidente morto. E é aí que reside o verdadeiro interesse destas reacções imediatas. Os opositores de Chávez têm-nos falado da morte de um «ditador» e da necessidade de um recomeço, sugerindo que a morte do presidente

traz consigo o fim do regime políti-co vigente na Venezuela – tido como uma «ditadura». Importa, pois, per-ceber o que estes adversários enten-dem por «ditador» e «ditadura». Os termos são, evidentemente, anátemas. A ditadura é, para a mentalidade con-temporânea, o mal político por ex-celência, o oposto da democracia, que se afirmou como o ideal político universal. O que faz então de Chávez um «ditador», isto é, um líder não-democrático e antidemocrático? Conquistou o poder pelas ar-mas? Não. Tentou, de facto, um gol-pe de Estado e prenderam-no. Mais tarde, voltou a tentar aceder ao poder, desta vez pela via eleitoral, e foi bem-sucedido. Na ascensão ao poder, não vemos um ditador. Porém, uma vez no poder, mesmo conquistando-o democraticamente, é possível utilizar os recursos do Estado para destruir a democracia. Como? Restringindo o pluralismo político e a liberdade de expressão e associação. Impossibili-tando a realização de novas eleições ou manipulando os seus resultados. Perseguindo policialmente os oposi-tores. Militarizando o regime. Etc. Cumpre, pois, perguntar: os gover-nos de Chávez foram responsáveis por algo deste género, por uma cor-rupção interna da democracia pelo próprio poder político, depois de democraticamente conquistado? A resposta é novamente negativa. Não há um único preso político na Vene-zuela e a oposição manifesta-se livre e ruidosamente nas ruas. Mais: ela en-contra-se no poder em muitas regiões do país. As eleições têm sido livres e justas, acreditando nos observadores

internacionais, e assaz competitivas. Chávez acatou derrotas eleitorais nestes últimos doze anos, tanto em eleições locais como em referendos promovidos pelos seus próprios go-vernos. Apesar da instrumentalização da televisão pública, existem meios de comunicação privados, que são feroz-mente anti-Chávez. Todavia, não são os critéri-os atrás sugeridos – aqueles a que a ciência política usualmente recorre para distinguir regimes democráti-cos e autoritários – que levam os opositores de Chávez a falar de «dita-dura». No essencial, o anátema re-sulta da intervenção dos governos chavistas na economia, da ruptura, por via de expropriações e naciona-lizações, da estrutura de propriedade privada vigente à data do seu acesso ao poder. Ora, é uma questão deli-cadíssima saber até que ponto um mandato democrático legitima uma reorganização mais ou menos radi-cal dos direitos individuais. Contudo, achar que a intervenção económica dos governos de Chávez faz dele um «ditador» é confundir democracia com uma variante do liberalismo que sacraliza absolutamente a proprie-dade privada. Mas, até na confusão importa ser consequente: na Europa, assiste-se à nacionalização de bancos falidos e ninguém diz que a democra-cia está em causa. E, no final de con-tas, a Venezuela não passou, até à data, por um processo leninista de colec-tivização da economia, até porque, caso o tivesse feito, suspeito que não apresentaria indicadores económicos tão satisfatórios.

O ESPELHO FÚNEBRE DE CHAVÉZ

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Do mundo

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Em sentido contrário, as reacções dos apoiantes de Chávez revelam-nos um dos mitos fundadores da ideia democrática, que é tão perigoso quanto necessário: o mito da unidade do povo. Dizem-nos que Chávez, na esteira de Bolívar, conseguiu «unir e emancipar o povo da Venezuela». O que é que isto significa? Efectiva-mente, todo o Estado democrático precisa de dar uma voz ao povo, de o configurar simbólica e constitucio-nalmente como unidade. Ora, a Ve-nezuela já era um Estado soberano e democrático antes de Chávez chegar ao poder e, nesse sentido, a unidade simbólica e constitucional já estava construída. Por isso, quando ouço os apoiantes de Chávez falar em «eman-cipação» e «unidade popular», vejo-me perante o fatídico impulso que visa a concretização efectiva de uma unidade que é e terá sempre de per-manecer meramente formal. Porque, sociologicamente, o povo não é uno – é múltiplo. Pretender o contrário, no caso concreto, é dizer que os que não estão com Chávez, os não-emancipa-dos, estão fora do povo. E não é difícil imaginar ao que isto pode conduzir. Chávez, como líder carismático, logrou unir uma parte do povo em tor-no de si próprio e de um programa de transformação social, fazendo-o to-mar consciência da sua força política. Procurou, naturalmente, identificar essa parte do povo – até ver, maiori-tária – com o interesse geral. Mas, no mesmo passo, afastou-a e opô-la a outra(s) parte(s) do povo. Qualquer política transformadora polariza, testa os limites da coesão social. Não espanta, pois, que Chávez deixe para os vivos uma nação dividida, um bar-ril de pólvora nas imediações do fogo. Não por acaso, um dos poucos in-dicadores estatísticos desfavoráveis à sua acção governativa é o da violência social, medida pela taxa de homicí-dios, que cresceu significativamente ao longo da última década.

O espelho fúnebre de Chávez dá-nos a ver, em suma, duas visões curtas da democracia. Quanto ao resto, os venezuelanos que decidam em paz e liberdade o seu futuro.

Por Pedro T. Magalhães CESNOVA/FCSH-UNL

As re-lações e nt re os Es-

tados Unidos da América (EUA) e a Federação Russa têm sido marcadas por

momentos de maior ou menor coo-peração, no que tem sido desde o final da Guerra Fria um processo contínuo de ajustamento a um novo contexto geopolítico, económico e social. Mas se as diferenças permanecem na base da relação, também vários elementos de interdependência e cooperação bi-lateral têm sido identificados como centrais a este relacionamento. Neste quadro, este texto visa analisar as re-lações Rússia-EUA pondo em per-spetiva a narrativa do ‘inimigo’ bem presente no período de Guerra Fria e retomada em diferentes momentos como parte do discurso informador deste relacionamento, bem como su-blinhando a possibilidade de coop-eração na diferença. Três ideias prin-cipais estão subjacentes a este texto: i) o pressuposto de que ambos os atores partilham interesses e uma agenda co-mum que permite linhas de atuação cooperativa para além de discursos enraizados de antagonismo ao estilo Guerra Fria; ii) a relevância do

discurso e da linguagem na mo-delação, decisão e implementação de políticas subjacentes a este relacio-namento, ora constituindo fatores de avanço ora obstruindo progresso, e iii) a necessidade de assumir que en-tre palavras e ação a distância é mui-tas vezes substancial, significando que para que efetivamente as partes pos-sam não só talk the talk, mas também walk the walk, a capacidade de diálo-go e de transformação deste em ações concretas é essencial. Assim, este tex-to descreve brevemente os principais alinhamentos neste relacionamento nas mais de duas décadas pós-Guerra Fria, recorrendo a exemplos concretos que ajudem a perceber quer momen-tos de tensão quer de maior coopera-ção, e como a gestão de diferenças tem sido informada por um discurso ora pautado por princípios pragmáticos de cooperação, ora por uma agenda assente nos diferenciais existentes.

Da cooperação pragmática à políti-ca do ‘reset’O final da Guerra Fria permitiu o de-senhar de relações de maior coopera-ção após anos de rivalidade bipolar, com uma aproximação clara entre a Rússia e os EUA. Contudo, cedo a Rússia percebeu que uma excessiva dependência ocidental não corre-spondia aos objetivos de política ex-terna a que se propunha e foi desen-volvendo uma política multivetorial, onde a relação com os EUA se tornou

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A DIMENSÃO DISCURSIVA NAS RELAÇÕES RÚSSIA-EUA: NOVO ‘RESET’ PRECISA-SE?

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um dos vetores prin-cipais, a seguir ao espaço da Comuni-dade de Estados Independentes (CEI), área definida como prioritária nos documentos de referência da política externa russa. Muitos temas têm sido objeto de maior ou menor dissen-são na agenda, mas questões como as ‘revoluções coloridas’ no espaço pós-soviético, como na Geórgia, Ucrânia, Quirguistão e Moldova, o alargamento da Aliança Atlântica, as intervenções no Afeganistão e no Iraque no con-texto pós-11 de setembro, o projeto de defesa antimíssil ou a questão irani-ana, têm sido prementes.

A tensão que estas questões, por vezes em combinação, sugerem, levou al-guns autores após a guerra na Geórgia no verão de 2008 a cunharem o am-biente de incompatibilização como o regresso a um cenário de ‘Guerra Fria’. Demasiado forte no conteúdo implicado, não deixou de sinalizar as dificuldades inerentes à relação bi-lateral. Acusações russas relativas a interferência nos seus assuntos de política interna, à promoção e apoio a movimentos subversivos no espaço pós-soviético e à projeção da Aliança Atlântica até às suas fronteiras, foram contrapostas a acusações norte-ame-ricanas de oposição a processos de democratização num espaço alargado nas fronteiras da Rússia, de reforço da segurança internacional através do projeto de defesa antimíssil cujas críti-cas em Moscovo minam a sua concre-tização, ou de colaboração com es-tados definidos como pária, como o Irão. A guerra na Geórgia constituiu o ponto mais baixo nas relações Rússia-EUA no pós-Guerra Fria. Mas pouco tempo depois, as relações diplomáticas a nível bilateral e em fóruns como o Conselho NATO-Rússia, haviam sido reativadas. De sublinhar, aliás, que ofi-ciosamente o diálogo foi mantido ao longo de todo o processo, incluindo no período mais tenso dos bombardeam-entos. Esta guerra acabou por resultar numa sinalização de descontentamen-to com as políticas norte-americanas em vários destes temas, bem como du-

pla sinalização na Geórgia e área de vi-zinhança quanto à relutância da Rússia para permitir desenvolvimentos que diretamente questionem os seus inte- resses. A política de ‘reset’ que tomou forma, entre outros, com a criação da Comissão Presidencial Bilateral EUA-Rússia, demonstra o entendimento de que a interdependência que foi cre-scendo na base deste relacionamento a par da complexidade de muitos dos temas na agenda requer respostas co-ordenadas.

A dimensão discursiva nesta relaçãoA mais recente discussão sobre o úl-timo relatório publicado pela Free-dom House, intitulado ‘Contending with Putin’s Russia’ (disponível em http://www.freedomhouse.org/report/special-reports/contending-putins-russia ) e onde é traçada uma imagem muito negativa do recuo democrático na Rússia, a par da classificação da Rússia pela mesma organização como not free, surgindo na tabela abaixo de países como o Egito, a Etiópia e a Líbia, tem gerado forte discussão so-bre o significado político do conteúdo destas publicações. O debate revela-se central relativamente ao poder da linguagem e da retórica discursiva na construção de perceções e imagens. No caso, as principais vozes críticas apontam para o apelo mais conserva-dor a uma nova ‘Guerra Fria’ no mais tradicional sentido do termo, onde os EUA devem assumir uma postura de maior inflexibilidade face às políticas russas. Mas as vozes de descontenta-mento têm criticado estas publica-ções como minando as bases de uma relação que se pretende assente em confiança e num diálogo sustentável. Dale Herspring chama a atenção neste contexto para o facto de que ‘demo-cracy and demokratzia don’t mean the same thing’ (Expert Discussion Pa-nel, ‘Should Obama listen to calls for a full-scale containment of Russia’, 19 fe-vereiro 2013, disponível em http://us-russia.org). Este debate parece apontar para a necessidade de um novo soft-ware na base desta relação que deverá assentar em linguagem e entendimen-

tos comuns.

A recorrente recuperação de estereóti-pos do ‘velho inimigo’ não serve os interesses de nenhuma das partes, o que é claramente demonstrado através da análise da combinação dos fatores materiais e ideacionais que definem as suas orientações de política exter-na, e o quadro referencial em que os alinhamentos deste relacionamento têm sido desenhados. De outro modo, como se explicaria que pouco tempo após a violência armada na Geórgia as relações tivessem regressado a um estatuto de normalidade? Parece certo que permanecerão áreas fundamentais de desacordo e não devemos exagerar expetativas, mas as possibilidades para cooperação na diferença podem certa-mente evitar problemas na coordena-ção de alinhamentos políticos e ações que têm, em alguns casos, levado a dis-putas desnecessárias. Parece que um novo ‘reset’ não será potencialmente essencial, mas antes a consolidação efetiva dos instrumentos existentes na base das relações EUA-Rússia e a ca-pacidade de avançar para além de um quadro ultrapassado de retórica con-frontacional assente em velhos pressu-postos. Isto, pois, apesar de nem sem-pre esta relação mostrar que as partes estão walking the talk, há sinais muito claros de que em várias matérias já se encontram bem para lá da mera retórica.

Por Maria Raquel Freire, doutorada em Relações Internacionais pela Universi-dade de Kent (Reino Unido), é investiga-dora do Centro de Estudos Sociais (CES) e professora auxiliar com agregação de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

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Com o i ntu i t o de dis-t inguir

a personalidade que tivesse feito a maior ou melhor ação pela fraterni-dade entre as na-ções, pela abolição

e redução dos esforços de guerra e pela manutenção e promoção de tratados de paz. Foi este o desígnio fundador da atribuição do Prémio Nobel da Paz pelo sueco Alfred Nobel (1833-1896) que idealizou também que, estando a Suécia e a Noruega unidas desde 14 de janeiro de 1814 e de forma a prevenir a influên-cia do parlamento sueco na política in-ternacional no processo de atribuição do Nobel, deveria ser a Noruega a de-cidir o laureado e acolher anualmente a cerimónia de atribuição do prémio.

Este prémio acabou por ser conferido pela primeira vez apenas em 1901, si-multaneamente a Jean Henri Dunant (Fundador da Cruz Vermelha Interna-cional e promotor das Convenções de Genebra) e a Frédéric Passy (Funda-dor e presidente da Sociedade France-sa para a Paz) e mesmo com o fim da União sueco-norueguesa em 1905, a herança de Nobel nas particularidades que este prémio reveste permanecem até aos dias de hoje. A “originalidade” não se reduz ao facto de ser o único Nobel a ser atribuído fora de Estocol-mo, mas prende-se sobretudo por não se focar apenas no reconhecimento de pessoas ou organizações que atingiram no passado recente os seus objetivos em alguma área específica, concebendo as-sim a possibilidade de “motivar” esfor-ços presentes e futuros para um dado processo de resolução de problemas.

Até hoje, sempre a 10 de dezembro (o dia Internacional dos Direitos Huma-nos na conceção onusiana) foram ent-regues 124 prémios Nobel da paz, sen-do que só em 2012 foram recebidas 231 candidaturas, 43 das quais relativas a

Organizações.

Assim, a 12 de outubro de 2012, após avaliadas as candidaturas e com apa-rente unanimidade, os ecos de Oslo soaram pela primeira vez em Bruxelas, reconhecendo o papel da União Euro-peia na pacificação de um continente que atravessou várias guerras ao longo da sua história e que durante as últimas seis décadas contribuiu ativamente para a paz, a reconciliação entre os povos e a consolidação da democracia e os Di-reitos Humanos. Foi aliás o “conto eu-ropeu sobre a guerra e a paz” que Van Rompuy (Presidente do Conselho Eu-ropeu) e Durão Barroso (Presidente da Comissão Europeia) enalteceram no discurso da atribuição do prémio (na íntegra em www.nobelprize.org/nobel_prizes/peace/laureates/2012/eu-lecture_en.html).

Nos dias subsequentes à notícia, as rea-ções à atribuição do prémio oscilaram entre, por um lado, a ironia de uma imagem profundamente danificada por práticas sociais agressivas impostas a várias Estados-Membros sob interven-ção externa e, por outro, o estímulo para o peace settler continuar a perseguir um mundo mais justo e solidário, não obstante a crise económico-financeira.

De facto, para alguns, a distinção foi uma nota de obituário que recorda que a União só conseguiu ser um projeto de paz negativa (ausência de guerra) fican-do por cumprir o modelo de paz posi-tiva (de Estado social), encontrando-se todos os Estados-membros atualmente em regressão do que é o acquis provi-dencial que sempre distinguiu a Europa do resto do mundo. Para outros, o pré-mio constitui uma oportunidade para as Instituições devolverem aos Estados-membros a responsabilidade de pensa-rem no que querem para o projeto de integração europeia, como evitarem a desagregação e como continuarem a perseguir a tríade democracia, direitos humanos e boa governação. Estes pi-lares, particularmente importantes no

âmbito dos critérios de Copenhaga para a inclusão no “clube europeu”, parecem agora fazer ainda mais sentido quer no interior dos Estados-membros (onde os movimentos extremistas antieuropa ganham cada vez mais força), quer na projeção externa da União como ator de segurança com mais de vinte missões civis, militares e civilo-militares condu-zidas desde 2003 em três continentes diferentes (mesmo com os atuais con-strangimentos financeiros que obrigam os Estados a fazerem mais e melhor com menos recursos pela via, por exemplo, do pooling & sharing).

Talvez consciente da necessidade de aproveitar o pretexto para reunir os po-vos europeus em torno dos ideais fun-dadores do projeto europeu, um comu-nicado de 14 de novembro da Comissão Europeia clarificava que os 930 000 eu-ros do prémio serão canalizados para projetos que financiem ações em que as crianças vítimas de guerras e con-flitos violentos sejam as maiores ben-eficiárias. Ações que com certeza serão bem-vindas para dinamizar o Ano Eu-ropeu dos cidadãos que se assinala em 2013, ano em que serão operacional-izados também duas importantes for-malizações plasmadas no Tratado de Lisboa: a dinamização de um Corpo Europeu de Voluntários para a Ajuda Humanitária, a fim de enquadrar os contributos comuns dos jovens europe-us para as ações de ajuda humanitária da União; e a (presumível) aceitação da primeira iniciativa de cidadania euro-peia - Fraternité 2020: Mobilidade, Pro-gresso, Europa - que pretende reforçar os programas de intercâmbio europeus para contribuir para uma Europa mais unida, com base na solidariedade entre cidadãos.

No entanto, numa altura de ques-tionamento identitário do “gigante económico mas anão político”, os de-fensores dos preceitos federalistas têm vindo a ganhar força, sobrelevando o impacto que a falta de consolidação de uma união económica (que se esperava

A UNIÃO EUROPEIA DEPOIS DO NOBEL: FATALIDADE OU UTOPIA(S) RENOVADA(S)?

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já consistente com uma moeda única e um mercado comum) pode ter no pro-jeto europeu no seu todo. No fundo, o receio funda-se no esvaziamento da própria União política na qual, embo-ra mais recente e em processo perma-nente, residem os alicerces da Europa exportadora de normas e valores que os pais fundadores idealizaram e que o Nobel vem reconhecer.Por isso, em 2013, com a herança do Nobel presente, onde nos encontra-mos? Numa utopia renovada ou ainda à procura de uma ideia para a Europa? Aparentemente, o day after parece não conseguir dissipar os receios de que a crise económico-financeira faça co-lapsar a crise política e identitária que se adensa, deixando muitas das respos-tas fadadas à filosofia das ideias. Mas para além disso, antecipa-se já nas In-stituições Comunitárias a preocupação com a próxima “audição formal” dos cidadãos. De facto, a 24 e 25 de maio de 2014, os 27 Estados-membros da União irão eleger os eurodeputados ao

Parlamento Europeu, no que constitui já uma iniciativa inédita de antecipar as eleições que normalmente decorrem em junho (conforme estatuído no ato eleitoral de 1976), de modo a evitar que as férias de verão condicionem a ida às urnas. Importa seguramente recordar que, num inquérito conduzido após as eleições de 2009 (vide www.europarl.europa.eu/pdf/eurobarometre/28_07/FR_EN.pdf), 57% dos cidadãos euro-peus abstiveram-se, sendo que apenas 36,8% dos portugueses compareceram nas urnas ( o que representa segundo a PORDATA 6.123.212 de portugue-ses). Curiosamente, nos dois extremos, situam-se os 90% dos cidadãos luxem-burgueses e belgas (os dois países sede das Instituições) e os 20% dos cidadãos dos novos países do alargamento de 2007 (Roménia) e de 2004 (Eslováquia, Lituânia, Polónia, República Checa ou Eslovénia). Ora, em 2014, caso os cidadãos con-tinuem a sentir que a austeridade se está a sobrepor ao crescimento, será

bastante provável que o projeto euro-peu seja fatalmente sentenciado nas urnas, mesmo que sob a lembrança de um Nobel que nos devolve a reflexão que as utopias, para serem renovadas e continuarem a ser necessárias, pre-cisam primeiro de ultrapassar as apo-rias e resgatar uma visão estratégica.

Por Ana Isabel Xavier, Professora Aux-iliar Convidada do Departamento de Relações Internacionais e Administra-ção Pública da Universidade do Minho e Investigadora de pós doutoramento no NICPRI

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Seyla Benhabib é considerada uma das mais importantes autoras internacionalistas contemporâneas. Nascida

em Istambul em 1950, é profes-sora de ciência Política e Filosofia na Universidade de Yale. Benhabib tem-se notabilizado na área dos es-tudos sobre feminismo, migrações e cosmopolitismo. A obra Dignity in Adversity. Human Rights in Trou-bled Times (2011, Polity) constitui a sua mais recente contribuição para a reflexão sobre a normatividade na

comunidade internacional.

Contrariamente a autores como Andrew Linklater, Benhabib adopta uma perspectiva fundamentalmente pragmática – “um cosmopolitismo sem ilusões” – sobre o desenvolvimento dos princípios cosmopolitas à escala global. Em obras como Anoth-er Cosmopolitanism (2008, Oxford University Press), e repes-cando o imperativo Kantiano de respeito pela Lei da Hospitali-dad Universal, Benhabib centra a sua análise na forma como o direito positivo dos estados pode ser reformado com o direito positivo dos estados pode ser reestruturado no sentido de incluir de uma forma progressiva e eficiente as aspirações dos migran-tes. O que está em causa é a afirmação de práticas democráticas orientadas para o privilégio de uma cidadania assente mais nos

efeitos inclusivos do demos e menos nos efeitos exclusivos do ethnos. O argumento de Benhabib é o de que a comunicação e o debate político entre os seres humanos – iteracções democráti-cas – bem como a constituição de esferas públicas democráticas contribuem para a expansão qualitativa do conteúdo e das fron-teiras das práticas democráticas.

Seyla Benhabib assume-se como uma das mais importantes her-deiras do pensamento da escola crítica de Frankfurt, bem como do pensamento de Jürgen Habermas sobre a racionalidade co-municativa. É em nome de tal racionalidade que Benhabib de-nuncia o paradoxo, já assinalado por Arendt, que ensombra a política contemporânea global dos direitos humanos: o facto do ser humano abstracto não se encontrar protegido por direi-tos positivos necessitando da mediação do estado nacional e de aceder à qualificação de cidadão nacional para poder gozar das prerrogativas mínimas de sobrevivência. Tal facto coloca os mi-grantes numa posição de desvantagem comprativa por relação com os cidadãos nacionais. Neste sentido, e segundo Benhabib, é imperativo reformar o direito positivo dos estados tornando-o mais sensível ao respeito universal pelos direitos humanos e pela equidade democrática em sociedades cada vez mais multi-culturais e etnicamente diversas.

Seyla Benhabib, 2011, Dignity in Adversity. Human Rights in Troubled Times, Polity

Por Professora Auxiliar Doutorada Maria João Militão

Crítica

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É difícil definir uma ex-periência Erasmus sem cair em lugares comuns. Afinal é um programa

de intercâmbio que ambiciona objectivos concretos : a criação de um espaço europeu de ensino superior. A substancia deste es-paço europeu pode ser definida de diferentes formas mas o de-nominador comum é sempre a partilha e a palavra chave « es-

paço europeu » ou talvez mesmo espaço global. Sem prejuízo dos lugares comuns, a escolha de Es-trasburgo como destino de intercâmbio baseou-se na possibilidade de oferta de um ensino de excelência no âmbito de estudos eu-ropeus. Tive a sorte de en-contrar aquilo que vinha a procura.

O facto de estar no coração da Europa com uma rede de transportes organizada permitiu-me conhecer não só a Franca, como a Alemanha, a Dinamarca, a Suíça e breve-mente a Suécia ou a Holanda. Conhecer pessoas de diferen-tes nacionalidades é fundamental para a aprendizagem da tolerância e também da criatividade nos aspectos mais quo-tidianos da vida.

As coisas mais extraordinárias acontecem : a cozinha que sempre foi a divisão da casa que me mantinha a distancia aproximou-me de um amigo chinês com quem aprendi a fazer dumplings. Com um amigo sueco aprendi que cada

palavra e fundamental e a importância da racionalidade e da reflexão sobre as mesmas.

No meu caso, foi a primeira vez que sai de casa dos meus pais. A burocracia francesa, que mete a portuguesa no chinelo, passo a expressão, ensinou-me a ser resiliente e a desenvencilhar-me sozinha. A loja do cidadão tornou-se coisa de amadores.

Troquei o autocarro pela bicicleta e faço as minhas compras na Alemanha. Ainda fico perplexa cada vez que atravesso o Reno mais rapidamente do que quem vai a Costa da Ca-

parica. Vivi sozinha, cantei musicas em mais de cinco línguas, festejei o ano novo chinês, aprendi a gostar e a respeitar a solidão, fiz 7 exames em duas semanas. Troquei um T0 por um apartamento antigo onde vivo com um violoncelis-ta, um saxofonista e um arquitecto que também toca violino. Dominei uma nova língua e as musicas do Gainsbourg tornaram-se mais claras, ainda que não totalmente pois é nes-sa nevoeiro que se encon-tra o encanto. Já posso ler romances franceses na lín-gua original que sinto ser uma verdadeira conquista.No meio de tantas aventu-

ras, cambalhotas e trambulhões fortaleci a minha cidadania europeia e os meus desejos profissionais tornaram-se mais claros.

Há um optimismo que nasce da partilha entre culturas e perspectivas : as crises tornam-se menos irreversíveis e os obstáculos mais pequenos.

Esta mensagem que vos deixo é um pouco abstracta talvez porque o incisão cirúrgica do Erasmus na minha identidade ainda esteja em expansão. Mas uma coisa é certa, esta a valer cada segundo.

Por Cristina Almeida, Aluna do 3º de Relações Internacionais

Experiência rasmus

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Estrasburgo, Coração da Europa

Área total: 78,27 km²População: 252 338Comuna situada no leste da França, na margem esquerda do Rio Reno.A cidade abriga inúmeras instituições europeias tais como o Conselho da Eu-ropa, o Parlamento Euro-peu (dividido com Bruxe-las) e a Corte Europeia dos Direitos Humanos. Estrasburgo conta com um pouco menos de 50000 estudantes, dos quais 37500 nas suas três universidades. Os estu-dantes estrangeiros con-stituem quase um quinto do efetivo (18,5 %).

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OUAtravés

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