p22 edicao 96 economia colaborativa

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  • 8/16/2019 P22 Edicao 96 Economia Colaborativa

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    NÚMERO 96 JUNHO 2015

    EntrevistaO esvaziamentodas instituições

    Tecnologia

    Abolindo osintermediários

    TendênciasO paradigma deve

    mudar em 50 anos

    A emergência

    de uma sociedadepós-capitalista

    ECONOMIACOLABORATIVA

     

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    Economia reinventadaNão vamos falar de escassez; é a abundância que rege o assunto desta

    edição. Uma economia irrigada por conhecimento, informação,

    criatividade e tempo livre capaz de transformar continuamente

    a matéria, tal qual a natureza faz. Como é dito na Entrevista, os

    recursos podem ser escassos, mas a capacidade de transformação é

    infinita. O tempo em que uma furadeira está parada é muito superior

    ao que está em operação, gerando oportunidades na ociosidade –

    basta conectar pessoas e seus interesses e extrapolar esse exemplo

    emblemático para uma economia inteira.

    A economia colaborativa, dinamizada de forma inédita peloadvento da internet, trabalha com a fartura, e esta não é única

    premissa do capitalismo industrial que vem derrubar. Essa

    sociedade emergente, que muitos chamam de pós-capitalista,

    suplanta a posse de bens e também a ideia de que o homem não

    passa de um ser competitivo.

    Com isso, além da busca de eficiência, vemos um resgate das

    relações interpessoais de troca, apoio e cooperação que antigamente

    se viam em nível comunitário, mas que se perderam conforme a

    população cresceu e o mundo tornou-se mais complexo. Tal herança

    é recuperada pela era digital, que de certo modo reaproximou as

    pessoas da aldeia global e criou mecanismos capazes de gerir a

    reputação e a credibilidade. Tudo isso de forma autorregulada, sem

    instituições ou instâncias hierárquicas de poder.

    Se essa novidade vai resistir e se tornar dominante ainda não se

    sabe, até porque talvez estejamos no meio da transição. Há quem

    preveja uma mudança de paradigma acontecendo em até 50 anos,

    como o economista e escritor americano Jeremy Rifkin. Claro que

    esse movimento tem imperfeições e contradições, mas é um sopro de

    inovação que vem colorir estes tempos soturnos de crise econômica,

    social e ambiental, dando sinais de que a inflexão é possível.

      Boa leitura!

    FSC

    A REVISTA P22  FOIIMPRESSA EM PAPELCERTIFICADO, PROVENIENTEDE

    REFLORESTAMENTOS CERTIFICADOS PELO FSC,DEACORDO COM RIGOROSOS

    PADRÕES SOCIAIS,AMBIENTAIS, ECONÔMICOS,E DEOUTRAS FONTES CONTROLADAS.

    P22, NAS VERSÕES IMPRESSAEDIGITAL,ADERIUÀ LICENÇACREATIVECOMMONS.ASSIM,ÉLIVRE AREPRODUÇÃODO CONTEÚDO EXCETO

    IMAGENS DESDEQUESEJAM CITADOS COMOFONTES APUBLICAÇÃOE OAUTOR.

    ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS

    DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGASDIRETOR Luiz Artur Brito

    COORDENADOR Mario MonzoniVICECOORDENADOR Paulo Durval Branco

    COORDENADOR ACADÊMICO Renato J. Orsato

    JORNALISTAS FUNDADORAS Amália Safatle e Flavia PardiniEDITORA Amália Safatle

    EDIÇÃO DE ARTE Marco Antoniowww.vendoeditorial.com.br

    ILUSTRAÇÕES Flavio Castellan (seções)EDITOR DE FOTOGRAFIA Bruno Bernardi

    REVISOR José Genulino Moura RibeiroGESTORA DE PRODUÇÃO Bel Brunharo

    COLABORARAM NESTA EDIÇÃO 

    Bruno Toledo, Diego Viana, Eduardo Shor,

    Elaine Carvalho, Fabio F. Storino, Fabio Otuzi Brotto,

    Fábio Rodrigues, Fernanda Macedo, Gabriela Alem,

    Gisele Neuls, João Meirelles, Ivan Ryngelblum, Karina Ninni,

    Magali Cabral (textos e edição ), Sérgio AdeodatoENSAIO FOTOGRÁFICO Duncan Rawlinson

    JORNALISTA RESPONSÁVEL

    Amália Safatle (MTb 22.790)

    COMERCIAL E PUBLICIDADENominal Representações e Publicidade

    Mauro [email protected]

    (11) 3063.5677

    REDAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO

    Rua Itararé, 123 - CEP 01308-030 - São Paulo - SP

    (11) 3284-0754 / [email protected]

    www.fgv.br/ces/pagina22

    CONSELHO EDITORIAL

    Ana Carla Fonseca Reis, Aron Belinky,

    José Eli da Veiga, Leeward Wang,

    Mario Monzoni, Natália Garcia, Pedro Telles,Roberto S. Waack, Rodolfo Guttilla

    IMPRESSÃO HRosa Serviços Gráficos e EditoraTIRAGEM DESTA EDIÇÃO: 5.800 exemplares

    Os artigos e textos de caráter opinativo assinados por

    colaboradores expressam a visão de seus autores, nãorepresentando, necessariamente, o ponto de vista de

    P e do GVces.

    ANUNCIE

    EDITORIAL

    PÁGI N A22  JUN HO 2015 PÁGI N A22  JUN HO 201

    ÍNDICEUse o QR Code para acessar  P22 gratuitamente e ler esta e outras edições

       B   R   U   N   O    B

       E   R   N   A   R   D   I

    INBOX

    [E C V]

    Queria dar os parabéns pelo número

    sobre cidades vivas, a excelente

    entrevista do Nabil [Bonduki ], mas

    também a quantidade de avanços

    pontuais que buscam recuperar o

    convívio agradável, a cidade como

    espaço cultural, o resgate do direito

    da criança ao espaço urbano, tantas

    ideias boas. O país se constrói

    também pela base, cidade por cidade.

    Ladislau Dowbor 

    Belém possui boas experiências de

    ocupação, como são o Batuque do

    Mercado de São Brás, o Batuque na

    Praça e o Circular Campina-Cidade

    Velha, por exemplo. Merecem ser

    conhecidas! Amarildo Júnior 

    Existem projetos arquitetônicos

    e urbanísticos para a cidade que

    excluem sistematicamente certas

    pessoas, categorizando-as e

    tornando-as invisíveis. São projetos

    silenciosos que omitem o genocídio

    social pelo qual tanta gente passa

    cotidianamente. Caminhar em Belém

    pode ser uma aventura perigosa se tu

    não estás "gozando de plena s aúde",

    aquela tão cara ao sistema produtivo

    capitalista. Larissa Maria 

     

    [RO . ]

    Emocionante! A gente chega lá.

     Regina Ferreira 

    [N V . ]

    Excelente texto do nobre José Eli

    da Veiga. Demonstra que há muito

    tempo alguns já pensavam "fora da

    caixa". Prosperitate Consultoria 

    Valiosa reflexão e "arqueologia" do

    termo "sustentável" no texto do Prof.

    José Eli da Veiga. Rubens Harry Born 

    CAPA

    A furadeira ou o furo?Ao suplantar premissas como a posse de bens e a competição, aeconomia colaborativa abre um universo novo, vasto e contraditório

    Economia Verde Com a aproximação entre academia, agênciasde fomento e parceiros, as descobertas financiadas pelo contribuinte podemultrapassar os muros da universidade e retornar para a sociedade

    Entrevista "A matéria é escassa, mas a capacidade de transformaçãoé infinita", diz Camila Haddad, fundadora da plataforma Cinese de aprendizagem

    e um dos expoentes da nova geração que pensa e age de forma colaborativa

    Tecnologia De que forma o novo aparato tecnológico e organizadoem rede impulsiona o ecossistema econômico fundamentado nas noções decolaboração e de compartilhamento

    Tendências A virada do capitalismo industrial para uma economiapredominantemente colaborativa ainda deve demorar, mas previsões comoa do americano Jeremy Rifkin indicam ser inevitável

    12

    14

    34

    42

    SEÇÕES6 Notas 9Análise 10 Antena 11 Web 26 Retrato 33 Artigo 40 Brasil Adentro 41 Artigo 49 Coluna 50 Última

    20

    CAPA:DUNCANRAWLINSON

    Caixa de entradaCOMENTÁRIOS DE LEITORESRECEBIDOS POR EMAIL, REDESSOCIAIS E NO SITE DE P22

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    Um projeto no Equador

    Produzir uma infraestrutura e umaética que sustentem uma econo-mia sustentável, fundada sobre oscomuns, está na raiz da Co mmons Tran-sition, iniciativa ambiciosa dos ativistasMichel Bauwens, fundador da P2P Foun-dation, John Restakis, George Dafermos,e a brasileira Janice Figueiredo.

    A plataforma commonstransition.org

    COMMONS

    pretende ser um repositório de propos-tas e experiências que buscam “baseara sociedade civil no conceito de com-mons”, o que conduziria a “uma socie-dade mais igualitária, justa e ambiental-mente estável”.

    Segundo os propositores, o com-mons, associado à dinâmica P2P, repre-senta um modo de organização social

    A extensão e gravidade das crises hídricas enfrentadas por São

    Paulo e Califórnia demonstraram que as cidades precisam começar

    mediatame nte a se preparar para o futuro. Um estudo publicado

    pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econô-

    mico (OCDE) mostra que, embora a maioria das metrópoles tenha

    sistemas que garantem a distribuição de água, elas não estão pron-

    tas para lidar com desafios que virão (acesse em  goo.gl/5UefYY)

     Entre as situações previstas está a incerteza em relação à dis-

    ponibilidade de água, em decorrência da competição por acesso

    com produtores rurais, indústrias e meio ambiente, além da pers-

    pectiva de mudança s no clima. Outros problemas apontados são

    o financiamento da atualização da infraestrutura e a governança

    envolvendo os recursos hídricos, que sofre com a falta de conver-

    gência das normas que regem cada setor econômico.

     A boa notícia, segun do a OCDE, é que os países possuem as prin -

    cipais competências para lidar com estas questões, mas a organiza-

    ção ressalta que a situação exige uma atuação coordenada entre os

    governos nacionais, municipais e o setor privado, através de planos

    pragmáticos e de longo prazo. “As cidades nos países da OCDE que

    planejam os recursos hídricos para os desafios futuros entendem

    que atrasar ações pode aumentar os custos e limitar as opções para

    se adaptar a riscos”, dizem os autores do est udo. – Ivan Ryngelblum

    que se diferencia tanto da competiçãodo mercado quanto do planejamentocentral. Janice Figueiredo atua em umde seus principais projetos, em cursono Equador desde 2013. Nomeado Flok(Free-Libre Open Knowledge), o projetoparte da coordenação de comunidadeslocais do país para propor ao governopolíticas públicas que valorizem o livreintercâmbio de conhecimentos ances-trais (acesse floksociety.org).

    Segundo a ativista, “esta primeira

    experiência Flok é uma semente que foiplantada e um patamar que foi cruzado.Uma primeira tentativa de oferecer ummodelo alternativo ao sistema capita-lista foi proposta e pode inspirar qual-quer pessoa, cidade, coletivo da socie-dade civil, região. E pode ser replicado,modificado e adaptado de acordo comdiferentes contextos e necessidades”.

    Janice Figueiredo acrescenta que oprojeto tem suscitado o interesse de ou-tros países, porque “o mundo precisa demudanças profundas. Não é mais umaopção, e sim uma necessidade”.

    Ela estima que “o ser humano é in-trinsecamente generoso e solidário.Um movimento de transição para oscomuns é uma possibilidade real de res-gatar a cooperação humana e atingir aharmonia com a natureza”. – Diego Viana

    ÁGUA E PLANEJAMENTO URBANO

    Cidades precisam se preparar para incertezas hídricas, diz OCDE

    NOTAS

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       F   I   E   T   S   B   E   R   A

       A   D

    F A B I O F . S T O R I N ODoutor em Administração Pública e Governo

    Na coluna da edição 94 (“O direi-to de andar”, bit.ly/P22ed94g),falei das ruas do início do séculoXX, ocupadas simultaneamente por to-dos os modais (pesso as a pé, a cavalo,bicicletas, carros, carroças etc.). Hojeadotamos o modelo de segregaçãocompleta, com ruas exclusivas paraveículos ou para pedestres. Seria lou-cura imaginar voltarmos para um mo-

    delo de uso compartilhado. O u não?A segregação do espaço público

    por tipo de modal privilegia a eficiência,o fluxo. Por conta de sua formação emEngenharia, essa era a principal preo-cupação do pesquisador Daniele Quer-cia. Ao mudar-se para Boston, Querciaadotou uma bicicleta com seu meio detransporte e, diariamente, pedalavapara a vizinha Cambridge seguindo arota sugerida pelo aplicativo de mapa,que oferecia a “rota mais curta” ou a“rota mais rápida”.

    Cansado da rotina, resolveu explo-rar uma rota alternativa, e encantou--se com as ruas pacatas e arborizadasdo novo percurso. Percebeu, então,que havia mais coisas a otimizar alémde tempo ou distância. Em sua palestraTED (goo.gl/GDB2DK), Quercia descre-ve um projeto cartográfico alimentadocoletivamente e baseado em emoçõeshumanas, indicando o caminho maisbonito, mais tranquilo ou mais feliz.

    A segregação também foi supos-tamente concebida para privilegiar asegurança de veículos, ciclistas e pe-destres. Tal pressuposto também temsido colocado em dúvida por arquite-tos e urbanistas.

    Por muitas décadas, o holandêsHans Monderman foi um típico enge-nheiro de tráfego, até perceber quealgumas das “melhorias” implementa-das em nome da segurança no trânsi-

    Olha isso!Compartilhando a rua

    europeias – e, recentemente, algumascidades americanas – vêm testando asruas compartilhadas.

    Entretanto, há grupos que seopõem à criação de espaços compar-tilhados, como os que representampessoas com deficiências ou mobilida-de reduzida. O modelo tampouco ser-ve para todas as ruas de uma cidade– Monderman defendia que houvesseum estudo prévio de engenharia de trá-fego, como no caso de qualquer outraintervenção urbana.

    A despeito de obstáculos, é possí-vel entender o conceito dos espaçoscompartilhados como um manifestopolítico mais do que de engenharia detráfego, reforçando a noção de espa-ços públicos, cujo uso precisa ser pac-tuado e servir à qualidade de vida deseus habitantes, não erodi-la.

    to, na verdade, tornavam as ruas maisinseguras. Desenvolveu então uma so-lução simples, porém contraintuitiva:removeu todos os dispositivos de con-trole de tráfego – semáforos, sinaliza-ções, demarcações no solo (inclusivefaixas de pedestre), meio-fio –, de ma-neira a tornar menos clara a fronteiraentre calçada e leito carroçável (poronde circulam veículos motorizados),obrigando os usuários daquela rua anegociar passagem entre si.

    Essas medidas de espaço compar-tilhado (shared space ) “moderam” osveículos motorizados e, assim comooutras medidas de traffic calming , aca-bam por reduzir o número de aciden-tes. O objetivo é fazer com que o tráfe-go seja integrado às demais atividadeshumanas, em vez de segregá-lo.

    Na última década, várias cidades

    NOTAS

    P ÁG I NA22   JUN HO 201 5

    análise

    P ÁG I NA22   JUN HO 201

    J O Ã O M E I R E L L E S F I L H O * E T H I A R A F E R N A N D E S * **Empreendedor social e escritor, dirige o Instituto Peabiru em Belém (peabiru.org.br)**Pesquisadora do Instituto Peabiru, trabalha com agricultores familiares e grupos sociais tradicionais

    Crianças e adolescentes na AmazôniaApesar de os indicadores sociais deste grupo terem melhorado na média nacional,a situação é gravíssima na Região Norte, exigindo atenção do Estado e de empresas 

    1Exploração sexual infantil Não se restringe a regiões isoladas.Esse crime ocorre de forma velada e sis-têmica, sem punição aos abusadores. Amaioria das mães e de cuidadores des-conhece seus direitos e os canais de de-núncia. Muitas mulheres que passarampor esse tipo de abuso, ao não encontraruma solução, entendem que, mesmocom a denúncia, nada se resolve. Daí alei do silêncio imperar nas pequenas vi-las e cidades amazônicas. A fragilidadedos conselhos tutelares, que raramenterecebem atenção da gestão municipal,agrava a situação.

    2O impacto das grandes obrasNos territórios de influência de hi-

    drelétricas, mineração, portos etc., compresença majoritária de homens entre18 e 35 anos morando longe de suasfamílias, a exploração sexual infantil éainda maior. Líderes na arrecadação deimpostos e royalties   de gás, petróleo,bauxita (alumínio) e minério de ferro, osmunicípios de Coari, no Amazonas, e de

    Altamira, Barcarena, Juruti, Parauape-bas e Paragominas, no Pará, vivem umboom  econômico, mas registram índicesde violência incompatíveis com sua capa-cidade material de agir.

    3Exploração do trabalho doméstico Enquanto o Brasil evolui nos direitosdos trabalhadores domésticos, a regiãoreproduz práticas da escravidão. Anúnciono Diário do Pará  (em 2 de maio) causoupolêmica: “Casal evangélico precisa ado-tar uma menina de 12 a 18 anos que resi-da, para cuidar de uma bebê de 1 ano quepossa morar e estudar, ele empresárioe ela também empresária. Apresentar--se com os Pais ou Responsável (sic )” .Mesmo desmentido, o anúncio demons-tra o forte machismo e a banalização dotrabalho infantil doméstico, que recaiem meninas desde os 10 anos. Meninas“adotadas de forma ilegal”, porque sãopobres e servem para “criar” os filhosde famílias no meio urbano, são mais co-muns do que parece, e a prática é aceitasocialmente. No meio rural, o trabalho

    doméstico é ainda mais velado, visto qnão há registros. São temas urgentpara campanha pública. Em paralelopreciso agir diretamente com as menas em situação de trabalho, para qreconheçam seus direitos.

    4Gravidez na adolescênciaEmbora, segundo o IBGE , a tanacional seja decrescente (de 20,9em 2000 para 17,7% em 2011), o ínce mantém-se alto na Região Norte (25,2% a 23,2%). No Pará e Maranhmais da metade das grávidas estava faixa entre 10 e 15 anos. Em cidades dregiões mais excluídas, como o Maraconforme o estudo Escuta Marajó – Cchoeira do Arari, Curralinho, Santa Crdo Arari e São Sebastião da Boa Vista35% das grávidas são adolescentesdobro da média nacional. É um indicadrelacionado à pouca esperança, à fade oportunidade e de um projeto de vie educação. Para seu enfrentamentopreciso que a educação sexual alcanceresidências e as escolas.

     Ministério da Saúde, 2009, Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição de Povos Indígenas . O dado para a Amazônia é 82,03% e para os indígenas, 57,9% Veja em goo.gl/cgNcLIBGE, 2012, Estatísticas do Registro Civil . Gravidez até 19 anos Escuta Marajó – Diagnóstico Socioeconômico do Marajó , Instituto Peabiru, 2012. Acesse em goo.gl/VjQT3c.

    A fonte específica deste dado é o Ministério da Saúde – Sinasc, publicado em 2009

    Será infrutífero tratar da sustentabilidade na Amazô-nia sem enfrentar as necessidades das crianças e dosadolescentes e lidar de frente com a cultura machista.Se, nos últimos 20 anos, o Brasil conseguiu melhorar

    os indicadores sociais para este grupo, a situação na Amazô-nia é gravíssima. Descrevemos questões que exigem atençãodo Estado e de empresas, levand o em conta que as dimensõescontinentais, a dispersão populacional e seu isolamento exigemmaior perseverança e capilaridade das políticas públicas.

    A situação torna-se mais preocupante quando tratamos deindígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicio nais, com

    mais de 5 milhões de amazônidas. Mesmo o que parece sim-ples – como o registro de nascimento em cartório (primeiro atode cidadania) hoje gratuito – torna-se dramático. Enquanto noBrasil registram-se 94,74% das crianças até um 1 ano de vida,na Amazônia quase 20% das crianças não têm registro e, entreindígenas, 40% . Apresentamos a seguir quatro indicadores,entre os mais críticos:

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    PÁGINA22  JU N H O 2015

    ANTENA

    Na estratégia de reduçãode emissões estipuladapelo governo federalpara a agricultura brasileiraaté 2020, a Amazônia Legal éessencial para a obtenção deresultados positivos. No en-tanto, essa região abarca ape-nas 20% do total de recursoscontratados pelo ProgramaABC – a principal linha de fi-nanciamento para a agricultu-ra de baixo carbono no Brasil– desde a safra 2010/11 até a

    safra 2014/15, aponta relatório publicado peloObservatório ABC em maio.

    Sozinha, a Amazônia Legal – que compreen-de nove estados do Norte, Centro-Oeste eNordeste – possui o potencial de atingir a metade redução de carbono para a agricultura em2020, estipulada no Plano ABC (133,9 milhõesa 162,9 milhões de toneladas de CO 2eq), emcerca de três anos. "Esse resultado só seria al-cançado caso as tecnologias de baixa emissãode carbono fossem implementadas integral-mente e com alto grau de qualidade em todaa área hoje ocupada por atividades agrope-cuárias ou desmatada", afirma Angelo Gurgel,coordenador do Observató rio ABC. "Além dis-so, o governo precisa resolver entraves comoa regularização fundiária e ambiental", diz.

    Para exemplificar essas dificuldades, o re-latório trouxe um estudo de caso sobre Para-gominas, município que possui 11% do total d epastagens degradadas do Pará e está próximo

    SINTONIZANDO

    por Bruno Toledo

    ao arco de desmatamento da Amazônia Legal.A cidade apresenta os mesmos problemasidentificados nacionalmente em estudos ante-riores do Observatório ABC: além da regulari-zação fundiária, a baixa atuação e capacitaçãoda assistência técnica, a falta de proximidadedo Grupo Gestor Estadual do Plano ABC aosprodutores locais e a pouca divulgação da li-nha de crédito do Programa ABC dificultam oacesso ao financiamento.

    O relatório, que contou com a participaçãotécnica do GVces, levantou a aplicação dosrecursos nos primeiros oito meses da safra2014/2015, quando foram desembolsadoscerca de R$ 2,5 bilhões (56% do total alocadopara o Programa). A maior parte foi deman-dada pelo Centro-Oeste (36,3%) e o Sudeste(32%), bem à frente das regiões Sul (11,3%),Nordeste (11%) e Norte (9,5%).

    Mais informações em bit.ly/ABC0515

    Amazônia desafia Programa ABC

       M   I   N   I   S   T    É   R   I   O   D   A   D   E   F   E   S   A   /   F   L   I   C   K   R   (   C   R   E   A   T   I   V   E   C   O   M   M   O   N   S   ) CRISE HÍDRICA É DESTAQUE

    DO "BODE NA SALA"

    Reunindo representantes de

    diferentes setores e áreas

    de conhecimento, P22

    promoveu em 27 de maio

    a 2ª edição do Bode na Sala,

    desta vez sobre a crise

    hídrica que aflige diversos

    estados brasileiros desde

    o ano passado. O evento

    foi uma oportunidade

    importante para discutir o

    tema de forma construtiva e

    reflexiva, considerando osproblemas e as visões dos

    diversos atores envolvidos

    nessa questão.

    Confira os destaques em

    goo.gl/t74CXr.

    REVITALIZAÇÃO DA PRAÇA

    GINO STRUFFALDI

    Inspirados pelo desafio

    apresentado aos alunos

    da turma inSPira, da 10ª

    edição da disciplina eletiva

    Formação Integrada para

    Sustentabilidade (FIS 10),

    um grupo de estudantes

    da FGV e da Universidade

    Mackenzie uniu-se para

    revitalizar a Praça Capitão

    Gino Struffaldi, em frente

    à sede da Fecomercio, ao

    lado da Praça 14-Bis, na Bela

    Vista, em São Paulo.

    Por enquanto, o grupo

    está estudando olocal e a demanda dos

    frequentadores, além

    de buscar ajuda para

    realizar essa tarefa. Se

    você tiver interesse em

    participar e contribuir para

    a recuperação da praça,

    entre em contato pelo

    e-mail pracastruffaldi@

    googlegroups.com.

    Internacionalização a partir da sustentabilidadeO projeto Inovação e Sustentabilidade nas Cadeias Globais de Valor (ICV Global) realizou em

    maio um evento especial para marcar a conclusão de seu primeiro ciclo de atividades. Parceria

    entre GVces e a Apex-Brasil, o projeto tem como meta criar bases para a internacionalização

    de micros, pequenas e médias empresas, que se diferenciam por seus atributos de inovação e

    sustentabilidade.

    Para Ana Coelho, pesquisadora do GVces e gestora do projeto, "a internacionalização da

    sustentabilidade como estratégia de negócio e a oferta de produtos e serviços que tenham in-

    corporados atributos socioambientais são certamente fonte de vantagem competitiva".

    A publicação com os resultados finais do trabalho está disponível na biblioteca do site do

    GVces (fgv.br/ces). Mais em icvglobal.com.br.

    por Elaine Carvalho WEB

    PÁGINA22  JU N H O 201

    De novembro de 2012 até março desteano, o número de pequenos consumido-res que geram a própria energia, e com

    fontes limpas, passou de 3 para 534 no Bras il.Com 99 dos projetos instalados, Minas Geraislidera a lista dos estados. São Paulo tem 11 eoutros 10 em avaliação pela AES Eletropaulo.A maioria dos adeptos (69%) é residência – porpagar o quilowatt/hora mais caro, é o grupoque tem maior economia – seguida pelo co-mércio (18%). “Estamos diversificando e hu-manizando a matriz”, comemora Mauro Pas-sos, presidente do Instituto Ideal.

    A mudança veio com a Resolução nº 482, daAgência Nacional de Energia Elétrica, publicadahá três anos, que permitiu abatimento na tarifamensal para quem produzir até 1 megawatt depotência. A redução varia entre 50% a 70% eo investimento se paga entre oito e de z anos.

    Produzir a própria energiaPRATA DA CASA

      MUNDO AFORAVida autossuficiente

    Movimentos interessados em compartilhar

    conhecimentos para uma vida mais autossufi-

    ciente e que aproveite melhor os recursos na-

    turais mostram, por exemplo, como montar

    biodigestores no quintal, gerar energia eólica

    e solar, dessalinizar água por meio de calor do

    sol e até como erguer uma casa boa para morar.

    Muitas dessas tecnologias têm código aberto e

    são simples de fazer. O site waldenlabs.com lis-

    ta 21 delas, leia em bit.ly/ZGnUnE.

    VALE O CLICK

       E   R   I   C   W   I   T   T   M   A   N_

       W   I   K   I   M   E   D   I   A

       S   C   H    Ö   P   E   /   S   E   C   R   E   T   A   R   I   A   S   U   S   A   N   A   /   W   I   K   I   M   E   D   I   A

    Nesse sistema de geração distribuída, odono do imóvel pode compartilhar a energiacom outro local (casa e escritório ou casaprópria e de filhos, por exemplo), desde queambos estejam registrados em seu nome; e oexcedente vai para a rede pública, ajudando asuprir a demanda nacional.

    Um sistema com sete telas solares foto-voltaicas (tecnologia mais usada ante a eóli-ca e a biomassa) custa R$ 16 mil. “É o númeromínimo recomendável para consumidores de208 kWh (próximo da média nacional)”, expli-ca a bioarquiteta Isabelle De Lois.

    Além do valor do investimento e retornode longo prazo, a expansão do sistema esbar-ra na ausência de crédito atrativo. Como op-ção, empresas como a Brasil Solair, do Rio deJaneiro, alugam o equipamento, mas só paraprodutores comerciais.

    Leia a íntegra da reportagem no Blog da Redação  em fgv.br/ces/pagina22.

    HOSPEDAGEM ECO

    TripAdvisor Ecolíderes é um

    programa para viajantes em

    busca de hotéis com boas

    práticas ambientais. Lista as

    ações de cada hospedaria (co

    comida orgânica, consumo

    de água e impacto local) e as

    classifica em bronze, prata,

    platina e ouro. Disponível

    no site da TripAdvisor,

    em bit.ly/1Czcww5.

    JANTAR COLABORATIVO

    Conheça sites que reúnemestranhos interessados

    em jantar juntos. O local é a

    casa de quem vai cozinhar,

    os convidados são turistas.

    Pela internet são fechados

    grupos, a data e o pagamento

    ao anfitrião. Oportunidade

    para um intercâmbio cultura

    gastronômico. Veja em

    bit.ly/1ErdF4S.

    METAS MUNICIPAIS

    Paulistanos podem monitora

    os compromissos da prefeitu

    no site por meio do aplicat ivo

    Olho nas Metas, lançados pe

    Rede Nossa São Paulo. O usu

    pesquisa por tema ou região

    cada meta do plano municipa

    e vê seu status  de execução.

    Acesse deolhonasmetas.org

    ABELHAS E AGRO

    Agricultura e Polinizadores  

    é um e-book para a troca de

    conhecimentos nas duas áre

    Um dos capítulos é sobre o

    impacto da agricultura sobre

    os polinizadores e formas de

    mitigar seus efeitos. Pode se

    baixado pelo site abelha.org

  • 8/16/2019 P22 Edicao 96 Economia Colaborativa

    7/27

    Da academia para o mercadoCom a aproximação entre academia, agências de fomento e parceiros,

    as descobertas financiadas pelo contribuinte podem ultrapassar os muros

    da universidade e retornar para a sociedade

    POR SÉRGIO ADEODATO

    Hoje em dia é comum encontrar nos su-permercados alimentos com rótulosindicando “zero trans” e “low sat ”(baixo teor de gordura saturada) como

    forma de atrair consumidores que buscam uma vidamais saudável. Depois que a Agência Nacio nal de Vi-gilância Sanitária tornou mais exigentes as normas

    para exibição da mensagem, surgiu a necessidadede mudar a fórmula e adequar os produtos a novo spadrões. Em decorrência disso, a Cargill, gigante dosetor alimentício, recorreu aos cérebros da Univer-sidade Estadual de Campinas (Unicamp) para acharuma solução viável.

    Na corrida tecnológica, o desafio foi desenvol-ver insumos que permitissem reduzir gorduras semalterar a estrutura física e a consistência de bola-chas, biscoitos, bolos e sorvetes, por exemplo. Ainovação, alcançada pelos pesquisadores RenatoGrimaldi e Lireny Gonçalves, da Faculdade de Enge -nharia de Alimentos, gerou uma das mais lucrativaspatentes até hoje obtidas pela instituição.

    A transferência do saber científico para o mer-cado é mediada pelo trabalho conduzido no primei-ro andar do prédio da Prefeitura Universitária, ondefunciona a agência Inova Unicamp. No local, o am-biente de design moderno contrasta com a sisudacultura acadêmica e com a arquitetura dos edifíciosdo seu entorno. Ao lado, a Praça das Bandeiras –símbolo dos velhos temp os – abriga um monumen-to em memória da pedra fundamental da universi-dade, lançada em 5 de outubro de 1966.

    Lá se vai quase meio século. De lá para cá, muitacoisa mudou, principal mente no que se refere ao es-forço de dar um viés comercial às engenhosidadesdos Professores Pardais. “Desde a década de 1980,quando era maior a cisma dos cientistas em rela-ção aos interesses econômicos, houve evoluçãona abertura para as demandas do mercado, mas odesafio de maior aproximação ainda permanece”,ressalta o professor Milton Mori, diretor-executivoda Inova Unicamp.

    O relacionamento com o mundo dos negóciosocorre através de fomento ao empreendedoris-

    mo, transferência de tecnologias e desenvolvimen-to de soluções por demanda, entre outras modali-dades de parceria. Em 2014, foram recebidos 103comunicados de invenção, dos quais 77 renderampedidos de patentes – um recorde que gerou ga nhoeconômico de R$ 1,1 milhão, com um terço dos royal- ties  se destinado aos pesquisadores.

    O resultado é fruto da prospecção  de empre-sas e também de pesquisadores, seguindo o mode-lo recomendado pela Universidade de Cambridge apartir de convênio com a Unicamp para treinamen-to em propriedade intelectual e negociação comindústrias. Em cada uma das 25 unidades e centrosde pesquisa da instituição, há um líder encarrega-do de identificar inovações com potencial de ir parao mercado. “No passado, quando não havia regraspara esse relacionamento, as universidades entre-gavam tecnologias de mão beijada”, diz Mori, tam-bém chefe de um laboratório que transfere conhe-cimento sobre refino de petróleo para a Petrobras.

    No entanto, há restrições que emperram o ím-peto empreendedor. Pela lei, os professores nãopodem abrir empresa para vender a inovação de-senvolvida por eles na universidade, mas apenaslicenciá-la. “Por isso muitos se aposentam paramontar o próprio negócio”, lamenta o diretor, aoreclamar maior agilidade e flexibilidade nas transa-ções com o mercado, inclusive envolvendo riscos.

    Não raro os cientistas que detêm o know-how  sepreocupam mais em publicar os resultados de suaspesquisas para subir na carreira acadêmica do quemanter o sigilo para registrar patente. Levar novi-dades do laboratório para as prateleiras não é fácil.

    A Lei de Inovação, sancionada em 2004, foi ummarco. “Flexibilizou e trouxe clareza à relaç ão entreo público e o privado, para que o conhecimento cien-tífico se tornasse produto”, avalia Celeste Emerick,coordenadora de gestão tecnológica da FundaçãoOswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Antes,segundo ela, os processos de transferência de tec-nologia eram bastante demorados, devido à inse-gurança jurídica, ainda mais no setor de saúde, do-minado por oligopólios hábeis em utilizar o sistema

    As gorduras transontêm ácidosaxos insaturadosseu consumo estásociado a doenças

    o coração. Pelaorma, as indústriasodem informar quealimento é “zeroans” se o teor não

    uperar 0,2 g deordura por porção

    Além dos 19equenos negócioscnológicos hojecubados nanicamp, existemutras 254mpresas-filhas”,iadas fora da

    niversidade porofessores, alunos

    u servidores

     Espuma existnas paredes derefrigeradores

    freezers . É útil cisolamento térmna construçãocivil e, na formaflexível, compõestofados de me colchões

    Em 2014, aova Unicampospectou 110

    mpresas, gerandolicenciamentos

    e tecnologia, entres 60 atualmentegentes

    A Lei nº 10.973,e 2 de dezembroe 2004, estabelececentivos àovação e àesquisa científicatecnológica no

    mbiente produtivo,om vistas aoesenvolvimentodustrial do País

    internacional de patentes como forma de pressão.Desde o fim da década de 1980, a Fiocruz, re co-

    nhecida com maior centro brasileiro de pesquisasem saúde pública, tem percorrido um longo cami-nho de aprendizado para levar ao mercado desco-bertas como vacinas, medicamentos e métodospara diagnóstico de doenças. Hoje a instituição tem150 projetos aptos a parcerias com empresas. Umbiolarvicida inédito para controle da dengue deveráser lançado nos próximos meses, após a transfe-rência da tecnologia para a empresa BR3. O alvoatual está nas pequenas empresas inovadoras quebuscam nichos de mercado, como a Biomédica, doRio de Janeiro, que desenvolveu o protótipo de umcopo de plástico com bico especial que imita o seioda mãe e ajuda a alimentação de crianças recém--nascidas. A solução, desenvolvida pela Fiocruz,tem patente depositada no Brasil e nos EUA.

    Hoje há no País mais de 400 instituições de ciên-cia e tecnologia voltadas para a proteção por pa-tentes e parcerias com empresas para inovações.“É importante fazê-las chegar à sociedade”, afirmaDenise Petri, professora do Instituto de Química daUniversidade de São Paulo, onde coordena o progra-ma de mestrado profissional. Nele, especialistas deempresas se capacitam e usam laboratórios bemequipados para chegar a novos produtos capazes

    de aprimorar os negócios. É o caso do desenvolvi-mento de fórmulas que tornam mais eficiente o usode defensivos agrícolas, permitindo sua redução, oque significa menor risco de impacto ambiental.

    “Buscamos modelos mais abrangentes de par-ceria”, revela John Biggs, diretor da indústria quími -ca Dow, patrocinadora da pesquisa. Na última dé-cada, a multinacional intensificou a interação comuniversidades para lançar novidades no mercado.A estratégia agora é promover desafios para atrairboas ideias. Um deles, voltado para o “colchão dofuturo”, resultou na apresentação de 60 projetospara pesquisas com poliuretano, na UniversidadeFederal de São Carlos, interior de São Paulo.

    Na linha da “inovação aberta”, a multinacionalrealizará em agosto o Innovation Fair, evento queengajará no Brasil iniciativas de universidades, mi-croempresas estart-ups  em áreas como alimentos,segurança hídrica, produtos químicos renováveis einfraestrutura. A feira – espera-se – deverá renderno mínimo seis novas tecnologias para a empre-sa. Mas o importante, para Biggs, é a aproximaçãoentre academia, agências de fomento e outros po-tenciais parceiros. Assim, descobertas financiadaspelo imposto do contribuinte podem sair dos labo-ratórios, ultrapassar os muros da universidade ebeneficiar a sociedade.

    ECONOMIA VERDE

    P ÁG I NA22   JU N H O 201 5  P ÁG I NA22   JU N H O 201

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    ENTREVISTA CAMILA HADDAD

    P ÁG I NA22  JUN HO 201 5

    Mudar o mundosem tomar o poderPOR AMÁLIA SAFATLE FOTO  BRUNO BERNARDI

    Formada em Administração de Empresas na FGV, trabalhou na ONG Artemisia e no Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp (GVces). Fez mestradoem Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável na University College London, onde tomou conhecimento sobre consumo e economia colaborativa

    Com a cena estonteante da cidade contornada pela linha do horizonte, raramente vista

    na cidade de São Paulo, Camila Haddad visiona um futuro que pode até não se concreti-

    zar em grande escala. Mas que já coleciona sementes aqui e ali, espalhando-se no chão

    nem sempre a céu aberto. E geram pequenas trincas no cimento do status quo , pelas

    mãos de pessoas que simplesmente se juntam para fazer coisas e resolver problemas

    de forma independente das instituições. Nesta última frase ela resumidamente define

    o que é a economia colaborativa.

    Leitora de Mudar o Mundo sem Tomar o Poder  e de Fissurar o Capitalismo , de John Hol-

    loway, a jovem que estudou economia e trabalhou com sustentabilidade não vê outra

    mudança para este mundo — sob vários aspectos em crise — que não seja pela trilha da

    colaboração. “Esse movimento não tem a pretensão e não é organizado politicamente

    para revolucionar. Mas justamente por isso tem muito m ais capacidade de mudança”,

    diz, em entrevista concedida no apê que divide com os amigos.

    É fundadora, junto com a irmã, do Cinese, uma plataforma de aprendizagem colabora-

    tiva. O Cinese, conta ela, nasceu muito para responder a angústias pessoais da irmã,

    que havia ticado todas as caixinhas definidas pelo mainstream  como sucesso, mas

    não a de encontrar sentido para o que faz. Então as duas criaram uma iniciativa com

    o espírito de que a educação deve fazer a pessoa se conhecer, conhecer o que gosta e

    descobrir como pode atuar a partir disso no mundo. Da mesma forma, a economia co-

    laborativa provoca um repensar sobre a forma como as pessoas se organizam social

    e economicamente, e o que esperam dessas relações.

    A entrevista foi montada também de forma colaborativa, inspirada em perguntas que

    o Conselho Editorial da P22 fez ao debater a pauta desta edição.

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    Parece que estamos vivendo um florescerda economia colaborativa. A crise financeirados últimos anos tem a ver com isso?

    Os processos de colaboração sempre acon-teceram, a gente não teria conseguido se mantercomo estrutura social se eles não existissem. Masfoi ficando menos presente quando mais coisasforam se convertendo em produto ou serviço, porexemplo, alimentação. Antes não fazia sentido pa-gar para comer, as pessoas cozinhavam dentro decasa. E mais coisas foram sendo convertidas emproduto ou serviço conforme a gente foi atingindoum certo padrão de desenvolvimento. Processosinerentemente sociais ou colaborativos foram sedistanciando. Mas o atual modelo está obviamenteem crise, tanto financeira como em termos de re-

    cursos naturais. Além disso, o fenômeno da inter-net foi muito important e, porque agora a gente per-cebe que pode se conectar com as pessoas. Essapossibilidade sempre existiu,mas com a internet ficoumais tangível. Vejo a internetcomo a primeira organizaçãohumana distribuída, não hie-rárquica. E a não hierarquia ea horizontalidade são o pres-suposto para que qualquerorganização colaborativa seconstitua. Economia colabo-rativa é basicamente isso, uma rede de pessoa s co-nectadas para fazer coisas e resolver problemasde forma independente das instituições.

    E que não necessariamente pressupõe umatransação monetária?

    Em qualquer relação que a gente faça, existeuma troca de valor. Em todos os sentidos . O dinhei-ro é uma forma de tangibilizar essa troca, mas nãoé a única. E não é um problema. Só que é muito limi-tado para dar conta. O dinheiro serve para facilitarfluxos de bens e serviços, para girar a economia,mas às vezes não é necessário, é possível fazermuitas coisas sem recurso monetário.

    Você vê a economia colaborativa sob qualprisma? Pelo caráter revolucionário ourejuvenescedor da internet? Pela maiorconscientização sobre os limites do planeta?Ou pela ótica psicológica e cultural, de comoe por que humanoides desde a Pré-Históriaresolveram fazer coisas em conjunto?

    Uma mistura de tudo, porque a gente cada

    vez mais tem notícias de que o modelo atual nãoresponde às nossas necessidades. Colaboração ecompetição são inerentes às pessoas, mas cria-mos um sistema que estimula só um dos lados.

    A economia colaborativa pode ser só um arca-bouço de outras coisas, mas tem, sim, um aspectomuito transgressor e revolucionário que desafiaduas premissas básicas da economia. Uma é a es-cassez, só precisa ser gerido o que é escasso, e sótem valor econômico o que é escasso. Então a gentegera escassez artificial para criar valor econômico,ou seja, cria escassez na tentativa de administrara escassez, o que não faz muito sentido. E a outrapremissa é a do Homo economicus , segundo a quala gente é competitivo e precisa criar um sistemaque transforme competição em mais bem-estar

    social, na história de que, quanto mais autointe-ressado e competitivo a gente for, mais vai gerarprodutos e serviço s que são bons para a sociedade.

    Mas uma economista deque gosto muito, a Elinor Os-trom, diz que, quando a genteacha que as pessoas são ine-rentemente egoístas, con-cebe sistemas que premiampessoas egoístas e garanteque de fato elas se compor-tem da maneira que achouque iam se comportar. Se

    formos pensar em todas as estruturas hierárqui-cas, óbvio que o único caminho é o topo, e nem todomundo vai chegar lá. E pensando no cenário de re-cursos escassos, obviamente vou querer competire garantir o meu, é uma dança das cadeiras. E coma previsão ruim, ainda que eu não queira sentar nacadeira agora, vou guardar lugar porque vai que euprecise sentar lá na frente...

    Desafiar a premissa da escassez e da competi-ção não é pouco. Como falar de abundância em umcenário no qual os recursos estão se exaurindo? Éuma mudança de ótica. A matéria é escassa, masa capacidade de transformação é infinita. A genteé única espécie que pensa de forma linear, mas aresposta está na capacidade contínua de transfor-mação. E esta só acontece quando a gente inova.E a gente só inova quando as pessoas colaboram.

    Então a sustentabilidade necessariamentepassa pela trilha da economia colaborativa?

    A meu ver, sim. Inclusive o meu caminho paraa colaboração veio a partir da sustentabilidade. Eucompreendi que a única forma de se organizar so-

    A matéria é escassa,mas a capacidadede transformação

    é infinita

    CAMILA HADDAD

    P ÁG I NA22   JUN HO 201 5

    cialmente para se manter a longo prazo exige co-laboração. Quando a gente se organiza de formaindustrial, entende a perenidade dessa forma: essaempresa vai existir para sempre, fazendo as coisasassim, e aí a capacidade de transformação se perde.

    Dá pra colocar uma empresa como o Uber nobalaio da economia colaborativa? Ou está n aeconomia do compartilhamento?

    O compartilhamento é uma parte da economiacolaborativa. É a gente perceber que não precisapossuir recursos, só precisa acessá-los. A colabo-rativa é mais ampla, inclui iniciativas como a RedeNossas Cidades, com pessoas se conectando paratransformar a política local. No Uber, a ideia da co-laboração está sendo usada sem desafiar as pre-

    missas da economia. O CEO do Uber, por exemplo,falou que o único problema deles eram os motoris-tas! Então tem um entendimento muito errado aí.Não é à toa que já tem união de motoristas contrao Uber. Se o valor da empresa é conectar pessoas,como se pode dizer que o problema são as pes-soas? Essas empresas podem até crescer muitoa curto prazo, mas estão cavando a própria cova.

    O que motivou a declaração do CEO?A criação de um sindicato de motoristas do

    Uber. Ele falou que já existem carros autodirigidosdo Google e que, quando não precisarem de moto-ristas, não terão mais esse problema. Mas isso nãotem capacidade de se manter por muito tempo, pois,quando as pessoas percebem que não está sendogerado valor real para elas, vão simplesmente pu-lar o Uber. Já está nascendo um “uber” descentrali-zado, um aplicativo que não tem uma empresa portrás, as pessoas se conectam diretamente e têmuma moeda própria, gerada no processo de carona.Se te dou carona, consigo uma moeda que é usadaquando eu precisar de carona. Então as pessoas vãocriar alternativas, é a história do protagonismo. Nãoprecisamos mais das instituições e dos intermediá-rios que não nos agregam valor.

    A economia colaborativa pressupõe adescentralização de poder e a quebra dehierarquia, mas ao mesmo tempo o mundodigital tem como expoentes grandescorporações. Como fica isso?

    Se a minha resposta é ter de remunerar o acio-nista, eventualmente vou chegar em um momentocontraditório em que me pergunto: “É melhor praquem?” Tem muitas empresas tradicionais surgin-

    do que prestam serviços colaborativos, o que já ébastante interessante. Mas eu falo mesmo é da co-laboração da porta pra fora e da porta pra dentro.Boa parte das empresas percebe a colaboração daporta pra fora, mas ainda continua se organizandode forma hierárquica, vertical, compartimentaliza-da – muita gente pensa que não fun ciona se não forassim. Só que isso tudo é construído socialmente.

    Também deve haver dúvidas no que se refereà capacidade de gerar renda. No exemplo doaplicativo que substitui o Uber, as pessoasnão conseguiriam viver disso. Mas no Uber,sim, é uma empresa que pode proporcionar oganha-pão de muita gente.

    Tem alguns pontos aí. Existe um processo de

    longo prazo. O dinheiro surgi u para os recursos cir-cularem, para as coisas que estão em um espaçochegarem de forma mais eficiente em outro. Essaúnica moeda, que está tão presente, não é a únicaresposta para uma economia que funcione. Econo-mia é troca de valor. Penso que no futuro teremosdiversas moeda s, pode ter a da carona, a da alimen-tação, e a gente vai conseguir moeda na medidaque coopere e gere valor na sociedade. Não tereio emprego que me dá moeda corrente com a qualconseguirei fazer todas as coi sas. Se gero valor, se-rei reconhecido, terei reputação, outras moedas eisso permitirá com que eu faça todas as coisas paracontinuar existindo. É quase como, de forma maisampliada, voltar para processos muito tribais.

    É o caso de relativizar o a specto inovadorda economia colaborativa? Ou há al gorealmente novo devido às tecn ologias?

    Quando a gente olha para os processos tribais,a existência estava garantida. Se tinha alguma pes-soa doente, todos iam prover recursos para ela,porque sabiam que, quando ela estivesse bem, iavoltar a gerar valor, caçar etc. Só que isso não con -segue se estender para além de uma comunidadepequena, porque não conheço todas as pessoas ea sua reputação. O dinheiro serviu para estenderisso, respondendo à pergunta: “Se não te conheço,como a gente vai fazer uma troca?”

    Daí a palavra crédito, no sentido de confia r...Exato. A gente não joga fora tudo o que conquis -

    tou esses anos, não se trata de todos voltarem aviver em comunidades. Porque a tecnologia traza possibilidade de pegar esses processos e fazercom que se ganhe muito mais escala, gerando in-

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    terações com pessoas de todas as partes do mun-do. Mesmo quando a gente fala de uma economiamonetizada, respondendo à sua pergunta sobre osubstituto do Uber, vou falar da nossa experiên-cia no Cinese, que entendemos não como empre-sa, mas como uma comunidade de aprendizagem.Cada vez mais a gente anda no sentido de a plata-forma ser autogerida, o código é aberto, qualquerum pode propor uma mudança, copiar e fazer outroetc. A ideia é que a plataforma está aí para servir àspessoas e elas se conectarem, e não para as pes-soas servirem à plataforma. Não é a plataformaem si que precisa gerar renda para pagar alguém,e sim ser um ponto de partida para as pessoas ge-rarem sua própria renda, cobrando, se quiserem,por suas habilidades. Embora iniciadora do Cinese,

    eu sou apenas uma usuária dela, a comunidade nãotem de me remunerar. Enquanto as pessoas viremvalor e quiserem que o Cinese continue existindo,vão contribuir com o finan-ciamento coletivo da plata-forma. Faz sentido?

    Parece que sim. Masé se de perguntar seo mundo tradicional,que opera com regrastão diferentes, tende amigrar para isso, ou seessa experiência ficará restrita a nichos. Oque você pensa disso?

    Que tem muita capacidade de ganhar escala.Não é nada de outro mundo. Eu percebo isso acon-tecendo cada vez mais. Qua ndo a gente fala de hor-tas urbanas, ocupação de espaço público, como oParque Augusta, tudo isso tem a ver com empode-ramento, com a percepção de qu e é a gente que faza política, a economia. Podemos optar em ser parti-cipante de um sistema que já existe, que foi pensadoantes da gente, ou criar coisas novas.

    É o power to the people ? Na hora em que essepoder se dá, não se volta mais atrás?

    É difícil. Mas o que falta é o nosso entendimentode que coisas muito transformadoras podem acon-tecer sem uma estrutura de controle. Porque dáum medinho, né? “Se a gente não se organizar, seráque as coisas vão acontecer? Vai virar uma bagun-ça.” Tenho cada vez mais visto que é possível pe nsarem contornos e estruturas horizontais que geramcoisas incríveis. Tem o exemplo básico da Wikipé-dia. Fizeram um teste de inserir erros na Wikipédia,

    e a média de tempo para isso ser corrigido era de10 segundos! Que outro lugar tem tanta acurácia erapidez? Só em alguma coisa com muita gente co-nectada. E por que as pessoas editam artigos naWikipédia? Alguém paga? Alguém organiza? Não,é o próprio sistema de reputação. Se tem uma dis-puta por edição, quem está muito tempo editandopode dizer o que é o certo. Não tem um cargo paradefinir o editor, qualquer um pode ser, então o edi-tor é reconhecido pelo seu trabalho de qualidade.

    Acredito que todos os processos podem ir nes-se sentido. A mídia pode ser distribuída desse jeito.Gosto muito da Reportagem Pública , de jornalismoinvestigativo, que os leitores financiam e definema pauta, o assunto que querem ver investigado. Ospapéis de leitor, financiador e editor ficam mistos

    e isso permite que as coisas continuem existindo(mais sobre mídia à pág . 48). Outro exemplo deque gosto bastante é theSkyNet, que é uma rede

    de processamento de dadose pesquisas espaciais. Paraisso, precisaria de uma ca-pacidade de processamentomuito grande, supercompu-tadores etc. – o que demandauma grande instituição, umagrande universidade, umgrande investimento. A ideiadeles foi a seguinte: por que

    a gente precisa de um superprocessador, se temvárias pessoas com computador e capacidade deprocessamento sobressalente?

    Isso é a economia da ociosidade?Exatamente. Se a gente fosse pelo lado da es-

    cassez, precisaria entender como montar uma es-trutura para prover os recursos. Já a abundânciaé perceber que os recursos de que a gente precisajá existem, a gente só precisa conectá-los. Entãobasta qualquer pessoa baixar um aplicativo e, todaa vez que seu computador está ocioso, pode pro-cessar dados espaciais. E você escolhe quais pes-quisas você quer que o seu computado r processe. Eessas pessoas não ganham nada em troca.

    Mas essas pessoas também precisam pagaras contas no fim do m ês. Como dá para viverde economia colaborativa?

    Tudo isso é mais dificil se for pensado dentrodas estruturas industriais, empresariais. Eu, porexemplo, gero minha renda dentro desse mundo.Eu presto meu serviço e as pessoas que veem valor

    Você pode vivercom menos

    dinheiro e mantera qualidade de vida

    CAMILA HADDAD

    P ÁG I NA22   JUN HO 201 5

    nessas habilidades me remuneram, ou a platafor-ma ajuda a me remu nerar.

    E, quanto mais tr oca tiver, é possível vivercom menos dinheiro?

    Você pode viver com menos dinheiro e man-ter a mesma qualidade de vida, no sentido de quepode acessar muita coisa de forma não monetá-ria. Muitas coisas das quais a gente depende hojetem a ver com o estilo de vida tradicional: comerfora, terceirizar os cuidados com os filhos, educaros filhos, hospedar-se em hotéis. São coisas queantes estavam inseridas nos processos da vida emcomunidade.

    A impressão que dá no público em geral

    é que os casos de sucesso da economiacolaborativa são poucos.

    Tem muita coisa acontecendo fora do radar. Amaioria das pessoas só ouve falar do que é suces-so no sentido tradicional de sucesso, ou seja, queviraram grandes empresas, como Uber e Airbnb.A gente ouve falar muito menos do Couchsurfing,que não gera dinheiro, mas é uma rede enorme deviajantes que se recebem uns aos outros nas pró-prias casas, com o princípio da reciprocidade. Eucedo meu sofá e sei que vou conseguir um sofá emoutro lugar do mundo, sem precisar pagar um ho-tel. A Laborios a 89 é um exemplo de sucesso, é umespaço de trabalho colaborativo em que qualquerum pode fazer a cópia da chave, e quem deseja queo espaço continue existindo contribui para pagar ascontas. Não tem instância de tomada de decisão.

    Tem aquele ditado de que cachorro commuitos donos morre de fome. Isso nãoacontece no Laboriosa, por exemplo?

    Não. Parece que ou tem muito processo ou nãotem nada, e aí é o caos. Lá a gente está começandoa prototipar os processos para que a casa continuefuncionando, mas sem hierarquias ou um grupotomador de decisão. Criamos, por exemplo, caixasdistribuídos para pagamento de água, luz, aluguel.Se faltou dinheiro para a luz e ela é cortada, os inte-ressados e m que a luz volte se juntam para pagar.

    Qual o impacto da economia colaborativapara as contas nacionais e para aarrecadação de impostos? Uma furadeirapode ser compartilhada entre muitos, maso sistema contábil e fiscal só registra umatransação, que foi a compra da furadeira.

    Quando a gente fala em quebra de estruturashierárquicas, a maior é o Estado, a forma como agente se organiza politicamente. A nossa capacida-de de regular vai muito aquém da transformaçãoda realidade. A gente vai encontrar uma forma deregular e medir essas relações. Só que não preci-sa impedir que elas existam porque ainda não sabecomo regulá-las. As instituições é que têm de evo-luir, e não a gente voltar para trás. E há muita s alter-nativas para medir progresso além do PIB. Vai pas-sar muito por isso: como medir troca de valor quenão seja exclusivamente pela troca monetária. Aquestão da arrecadação seria no caso de não havernenhuma transação monetária. Mas por que isso éum problema, se a gente está fazendo os recursoscircularem de forma mais eficiente?

    Outras turmas desafiaram estruturas depoder e paradigmas, como os anarquista s, oscomunistas, os hippies , os punks . São ondasque sempre questionam e propõem outrosmodos de vida. Será que estamos em umanova onda, protagonizada por esta geraçã o?

    Tem muito a ver com geração, internet, globa-lização, conexão. Invariavelmente surgem movi-mentos sociais contra o status quo. A única diferen-ça é que a gente não precisa acabar com o sistemae implantar um novo. Tem dois livros de que gostomuito, Mudar o Mundo Sem Tomar o Poder  e Fissu- rar o Capitalismo  [ambos de John Holloway ]. Nãopreciso pensar tanto no macro, em qual é a soluçãopara o mundo. Eu crio uma solução local, conectadacom outras pessoas, para melhorar a nossa quali-dade de vida aqui, para ter uma relação mais justaaqui, para se reconectar com a naturez a aqui. A gen-te tem as ferramentas para fazer isso. E ponto.

    E, se está nas nossas mãos, tenho a impressãode que as instituições vão se esv aziando. Não há ten-tativa de mudar por cima. A gente vai fazendo... Essemovimento não tem a pretensão e não é organizadopoliticamente para revolucionar. Mas justamentepor isso tem muito mais capacidade de mudança.Quem é capaz de acabar com o sistema? Ninguéme todo mundo. Então a gente está mudando a nos-sa vida em nível local e a de quem está ao redor. E,porque é um movimento social e de baixo para cima,é capaz de gerar mudança de forma tão rápida. Euvisiono esse futuro, mas pode ser que ele não acon-teça. Nem por isso eu jogo essa experiência fora.

    Leia sobre a história e o funcionamento do Cinese e assistaa trechos da entrevista em ví deo na versão digital destaEntrevista  em fgv.br/ces/pagina22.

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    Ao suplantar premissas como a competição e a posse de bens,

    a economia colaborativa se desdobra em um universo novo,

    vasto e muitas vezes contraditório. Outra forma de sociedade

    emerge, baseada na informação e no conhecimento

    POR   D I E G O V I A N A F O TO   B R U N O B E R N A R D I

    O furo do capitalismo

    REPORTAGEM CAPA

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     Saiba mais em: goo.gl/QYEEE0

    enorme variedade de vertentes. Para a soció-loga Juliet Schor, da Universidade Harvard,a economia colaborativa é difícil de definir,mas existem quatro categorias principais:fazer bens (usados) circularem; aumentar aintensidade de uso de ativos duráveis; trocarserviços diretamente; e compartilhar ativosprodutivos. Tudo isso remete ao ano de 1995,quando surgiram o eBay, site de venda de pro-dutos usados, e a Craigslists, página de clas-

    sificados on-line).Fala-se em colaboração quando a relação

    entre os indivíduos da rede é direta, ou seja,peer-to-peer (consulte Glossário à pág. 24), masisso não significa que, em muitos casos, a pla-taforma não seja oferecida por enormes em-presas. Hoje, por exemplo, o valor de mercadoda plataforma Airbnb,  de aluguel de aparta-mentos, é calculado em US$ 13 bilhões. Segun-do a consultoria PwC, os principais ramos daeconomia colaborativa com fins lucrativos vãomovimentar US$ 335 bilhões em 2035 .

    CONSUMO COMO FATO SOCIALUma das formas mais simples da eco-

    nomia colaborativa é o chamado consumocolaborativo, em que pessoas alugam, em-prestam ou até mesmo dão coisas entre si(mais em Artigo à pág. 41). Um efeito impor-tante do consumo colaborativo é a redução daociosidade: se um carro passa a maior partedo tempo na garagem ou estacionado na rua,por que não compartilhá-lo? Outro resultadoé a redução do desperdício: há aplicativos quepermitem repassar a outros a comida que foicomprada, mas não será consumida.

    Nessa rubrica podem entrar coisas tãodiferentes quanto o Airbnb, o RentEver, queajuda os usuários a alugar qualquer coisa unspara os outros, ou as comunidades Freecycle,presente em inúmeras cidades do mundo,em que as pessoas oferecem a desconhecidosaquilo que, de outro modo, pararia no lixo.Até a agricultura é atingida pelas novas for-

    À primeira vista, aplicativos parapedir táxi, alugar casas em viagemou financiar projetos culturais va-lem sobretudo pela praticidade queoferecem, ao levar desconhecidos

    a uma relação direta, sem o intermédio domercado. Mas esta é a superfície visível de umuniverso novo, vasto e muitas vezes contradi-tório, que envolve desde utopias ultracapita-listas até projetos de um mundo pós-capita-

    lista. E mesmo essa nova praticidade suscitaquestões muito profundas: o que vai significaro trabalho nessa “nova economia”? Quem seráresponsável pela regulação, e como? Qual é oimpacto sobre o meio ambiente?

     “A economia compartilhada é um fenô-meno muito recente, que tem distintas for-mas. Não se trata de um segmento da econo-mia; é antes uma forma de conectar atoresque permeia, em princípio, qualquer setor deativid ade”, resume Dora Kaufm an, pesquis a-dora da Escola de Comunicações e Artes daUniversidade de São Paulo (ECA-USP). “Umdos seus atributos mais inovadores é permitirque indivíduos se agrupem e produzam algocompartilhado.”

    O papel da tecnologia digital é enorme naconstrução da chamada economia colabora-tiva, em todas as variantes que assume. Em-bora tenha se consolidado a convicção de queo motor das economias modernas é a compe-tição, sempre houve espaço para colaboração:no interior das firmas, nas famílias, nas coo-perativas. Desta vez, muitos acreditam quea competição pode ficar em segundo plano(mais sobre cooperação em Artigo à pág. 33).

    “As tecnologias digitais estão engendran-do um novo tipo de sociedade, esta baseada nainforma ção e no conhec imento”, prevê Kau f-man. “Alguns autores creem que o trabalhoe a posse dos bens não são mais o centro daestrutura social, e que o contexto geral do in-tercâmbio social e econômico, que foi com-petitivo na era i ndustrial, será colaborativo.”

    Uma transformação econômica de esco-po tão amplo não poderia deixar de ter uma

    A produção doméstica de lixo poderia cair 20%e o orçamento das famílias ser reduzido em 7%

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     Veja em goo.gl/c7wkix Saiba mais em: goo.gl/ELgnZS

    mas de consumo: empresas como FarmDrope Open Food Network conectam consumido-res urbanos diretamente a produtores rurais:os primeiros recebem dos segundos produtosagrícolas fresquinhos, em casa, sem passarpelas gôndolas dos supermercados.

    Para Dora Kaufman, da ECA, não temos ohábito de pensar no consumo como um fatosocial. Mas isso é um erro. Por meio dele “nosrelacionamos, nos expressamos, nos incluí-mos ou não em g rupos”. A pes quisadora afir-ma que “o ato de consumir transcende a sim-ples compra de um produto por necessidadebásica. Já consumimos de forma distinta doque consumíamos na economia industrial”.

    Em outros casos, a economia do compar-

    tilhamento aproveita as possibilidades dastecnologias da informação para oferecer seusprodutos não como bens a vender, mas comoserviços a contratar. A ideia é a de que o con-sumidor gaste menos por algo que, de qual-quer modo, só usaria por um tempo curto. Enão precisa se preocupar com um trambolhoquando não está usando. É o caso dos serviçosde aluguel de carro, como ZipCar e Car2Go: ousuário não precisa se preocupar em acharvaga, pagar IPTU ou fazer a revisão.

    A redução dos desperdícios e o incentivo aoreúso levaram pesquisadores do Instituto deDesenvolvimento Sustentável e Relações In-ternacionais (Iddri), de Paris, a se perguntarse a economia colaborativa tem uma tendên-cia inata à sustentabilidade. Afinal, uma das justificativas para as cidades adotarem, porexemplo, sistemas de compartilhamento debicicletas – a primeira foi a francesa Lyon – é ocontrole da emissão de poluentes. Os pesqui-sadores Damien Demailly e Anne-Sophie No-vel concluíram que o potencial é grande: comuma boa administração de bens compartilhá-veis, a produção doméstica de lixo poderia c air20% e o orçamento das famílias ser reduzidoem 7% . Mas o potencial sustentável da co-laboração só será atingido, eles afirmam, sehouver um marco regulatório eficaz.

    Em todos esses campos, um ponto comumé fundamentar-se na confiança e na reputa-ção. Usuários do Airbnb, do Uber ou doProsper são avaliad os uns pelos outros; os que recebemboas avaliações conseguem fazer mais cone-

    xões e, assim, prosperam. A filosofia por trásdas avaliações é recuperar o sentido da con-fiança, fundamental para o funcionamento dequalquer economia, mas que andava abaladapelo menos desde a crise de 2008. Assim, a re-putação tomaria o lugar da regulação – sobre-tudo estatal – como garantia de que os partici-pantes das transações agem honestamente ecom responsabilidade.

    REPUTAÇÃO E REGULAÇÃOMas há sinais de que a mera reputação não

    basta. Casos envolvendo o Uber – assédio se-xual; um seguro que não cobre atividades co-merciais – e o Airbnb – sublocação irregular;abuso por parte dos locatários – mostram que

    pode ser necessário criar um ambiente regu-latório para a economia colaborativa. TreborScholz, professor de mídia e cultura na nova--iorquina New School for Social Research,chama atenção para o fato de que a nova eco-nomia implica novas formas de trabalho, que,sem regulação, podem se tornar predatórias .

    “Tudo que se torna digital pode ser explo-rado. Coisas como carros autoguiados, com-panhias de táxi baseadas em aplicativos esistemas de crowdsourcing podem ser benéfi-cos, mas também implicam vulnerabilidadespara traba lhadores ”, argumenta Schol z. “Odigital permite novos modelos de negócios,novas cadeias de extração de valor e formasde divisão do trabalho, muitas das quais es-tão obstruindo seu potencial humanizador eemancipatório, ao mesmo tempo que com-prometem a seguridade socia l.”

    Scholz lembra também que grande partedesses negócios apoia-se em infraestrutura já existente, gerando renda através da otimi-zação do uso e nada mais. Ao menos por en-quanto, a economia colaborativa baseia-se,em grande medida, na boa e velha economiatradicional. E Kaufman argumenta que a ló-gica que regeu até hoje a economia industrialcomeça a ser superada. A pesquisadora citaa convergência entre o ato de produzir e o deconsumir, além das perspectivas oferecidaspor impressoras 3D e os nascentes projetosde geração e distribuição individualizada deenergia, favorecida pelos chamados smartgrids, para afirmar que as transformações da

    O smart grid  tecnologia que às residências gtrocar energia de acordo com necessidade

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    um caminho viável para tornar a agriculturasustentável ao redor do mundo, facilitandoa implantação de lavouras orgânicas. Pear-ce lembra que um terço do cultivo orgânicoocorre em países em desenvolvimento e, paraos agricultores dessas regiões, a aquisição demaquinário por open-source design pode re-presentar uma significativa redução de custos.

    Por trás da interação direta entre pessoas,ativistas como o italiano Franco Berardi e fi-

    lósofos como o francês Bernard Stiegler en-xergam uma automatização das relações in-terpessoais. Embora nem sempre seja fácilnotar, muitos dos encontros colaborativossão mediados por algoritmos controlados porempresas, cujo modo de funcionamento nemsempre é explícito. Por isso iniciativas comoa Open Source Initiative (opensource.org) in-centivam o uso de software de código aberto.

    A combinação de tecnologias da comuni-cação, novas fontes de energia e revoluções docomportamento levou o sociólogo americano Jeremy Rifkin a afirmar que estamos entrando

    É  a distribuiçãore e on-line dosenho industrial,m a qual alguémde criar um novoojeto de máquina,óvel ou o que

    e permitir suaprodução

    Para Jeremy Rifkin, o grande motor dessa novarevolução econômica é a internet das coisas

    economia colaborativa desafiam “o modusoperandida economia industrial”.

    De fato, a realidade peer-to-peer  há mui-to deixou de ser assunto de transferências dearquivos de mídia. Já é possível, por exemplo,encontrar bens de uso corrente sendo fabri-cados colaborativamente, usando impres-soras 3D  ou em laboratórios de fabricaçãocomunitários (os FabLabs). Essas impressorassão um dos caminhos pelos quais os novos

    modelos econômicos transbordam o digitalpara ocupar o mundo físico.

    Em 2012, o jornalista e empresário ChrisAnderson lançou o livro Makers, em que a pro-dução de bens físicos através de tecnologiasdigitais é tratada como uma nova revoluçãoindustrial, porque as novidades tecnológicasliberam o “excedente cognitivo” de uma mul-tidão de i ndivíduos que, até então, apareciamcomo meros consumidores. Por exemplo, oengenheiro Joshua Pearce, da Universidade deTecnologia de Michigan, acredita que o cha-mado open-source design está se tornando

    GLOSSÁRIOAlguns verbetes do universo colaborativousados ao longo desta edição:

    Comuns – Originalmente, os commons , oucomuns, designam recursos compartilhados pelasociedade, como o ar, a terra e o conhecimento.

    Na internet, o termo ganhou um cunho cultural epolítico, fundando novas formas de propriedadeintelectual, como as propostas pela organização nãogovernamental Creative Commons. 

    Consumo colaborativo – Em vez de comprar um bemque será pouco usado, é possível alugá-lo, tomá-lo emprestado ou trocá-lo com desconhecidos.Do compartilhamento de carros à livre doação, oacesso aos serviços é mais importante que a possedos bens.

     Crowdsourcing, crowdfunding  – Multidões digitais eanônimas viraram fonte de conteúdo e financiamento.Sites como a Wikipédia são crowdsourced: recebemconteúdo da multidão. Sites como o Catarse sãoplataformas de crowdfunding , o financiamento coletivo.

    DIY, FabLabs, Makers  – Do-it-yourself, fabrication

    laboratory e movimento maker  são vertentes de novosmodos de produção usando tecnologias digitais. OsFabLabs  são pequenas oficinas que se dizem capazesde fazer "quase qualquer coisa".

     Hackerspaces  – Assim como os Fablabs , são espaçosde encontro onde as pessoas trocam experiências epodem trabalhar juntas em projetos digitais. Tambémsão espaços de aprendizado, com workshops  e cursos.

     Impressoras 3D – Com esses dispositivos, capazes

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    CAPA

     Mais em creativecommons.org.br. A P22 é adepta da licença

     Uma marcada eficiênciaeconômica é que opreço de um bemseja igual ao custode produção decada nova unidade(o custo marginal).Se a produção danova unidade nãocusta (quase) nada,o preço eficienteseria zero

    de imprimir objetos cada vez mais complexos a partirde arquivos transmitidos pela internet, é possível,por exemplo, transmitir instruções para criar bens deconsumo ou ferramentas. 

    Internet das coisas – Aos poucos, os objetos do dia adia vão sendo conectados à rede, enviando dados sobre

    seu uso para os algoritmos que regem sua gestão. Aadministração de fluxos e estoques, por exemplo, ficamais eficiente.

     Moedas complementares – Dos clubes de troca aosalgoritmos conhecidos como criptomoedas (por exemplo,Bitcoin), buscam escapar à instabilidade das moedasoficiais, além de promover trocas comunitárias e evitar astaxas dos bancos.

     P2P – Corruptela de peer-to-peer , ou a relação direta

    entre membros de uma rede, sem passar por umainstância central. Usada para referir-se a tecnologiasdigitais, como torrents  (extensão que permite atransferência de arquivos entre usuários), tambémdesigna redes de solidariedade no mundo real.

     Wiki  – Criada por Ward Cunningham, a tecnologia

    da Wikipédia é simples: consiste numa aplicaçãode texto com código fácil, que permite adição,supressão e modificação por qualquer pessoa. Nalíngua havaiana, wiki   significa "ligeiro".

     Uber, Airbnb, Prosper –  Essas empresas estão entreas mais bem-sucedidas da economia colaborativavisando o lucro. Por meio de uma plataforma,permitem que os usuários interajam e negociem deforma direta serviços de transporte, de hospedageme financeiros, respectivamente.

    na “economia do custo marginal zero”. É ocaso de bens digitais: cada cópia nova de umarquivo sai praticamente de graça, de modoque ele pode ser livremente distribuído pelomundo, em que pesem as questões de proprie-dade intelectual.

    Para Rifkin, o grande motor da nova revo-lução econômica é a internet das coisas, queconecta bilhões de objetos físicos à rede (hoje,algo em torno de 11 bilhões no mundo; Rifkinestima que serã o 100 bilhões em 2030), permi-tindo que sejam administrados com custo bai-xíssimo. “Centenas de milhões de pessoas es-tão transferindo pedacinhos de suas vidas dosmercados capitalistas para o mundo comum ecolaborativo g lobal”, escre ve Rifk in.

    Com efeito, a economia da colaboração tam-bém recuperou um antigo conceito econômico:os “comuns”. Na cultura digital, é cada vez maisfrequente o uso das licenças Creative Commons,que permitem modular o nível de reserva dapropriedade intelectual. Mas os comuns refe-rem-se a tudo que não é propriedade individualnem é consumido individualmente: é o que per-tence a todos, ao menos em tese, como o ar, emcertas sociedades a terra e, no caso do CreativeCommons, também o conhecimento .

    Na tradição do pensamento econômico, apropriedade comum costuma ser considera-

    da ineficiente, a ponto de conduzir à chamatragédia dos comuns. O argumento é que agentes econômicos têm incentivos para egotar os bens comuns, principalmente a terrporque competem entre si mas não se senteresponsáveis pelo coletivo. Mas a economisElinor Ostrom, Prêmio Nobel de Economia e2009, demonstrou que a tragédia dos comunão é tão trágica quanto parece. Ao contráros usuários de um bem comum sempre encotram meios de cooperar para administrá-satisfatoriamente para todos, contanto que sintam em contato próximo com ele.

    Seguidores de Elinor Ostrom procuram etender a lógica dos comuns à economia globO jurista Brett Frischmann, autor de Infrastru

    ture: The social value of shared resources, acredque o exemplo da administração de recursnaturais a partir da noção de commons poser um ponto de partida para formular as plíticas públicas e as legislações que organizrão o uso das ferramentas da nova economalém das relações de produção e trabalho.quando os conceitos de comuns, colaboraçãocooperação estiverem servindo de base parformulação de marcos legais, estará claro qa economia da colaboração veio para ficar.  

    Elaboração: Diego Viana

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    RETRATO

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    Festivalde sonhos

    Um retrato do espírito colaborativo, mais do qpossível, é inevitável quando o cenário é o FestivBurning Man, em Black Rock, região do Deserto Nevada (EUA). As imagens feitas por Duncan Ralinson são o extrato de um encontro especial. dezenas de milhares de pessoas doando uma foma de expressão qualquer. Ou tentando descobdentro de si algo que possa compartilhar. Ou etando lá apenas por estar. Para olhar, se divertirexperimentar. O fogo coroa o festival-poema e deserto fica só o deserto.

    F O T O S D U N C A N R A W L I N S O N

    T E X T O M A G A L I C A B R A L

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    artigo

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    D I E G O V I A N AJornalista, doutorando no Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos da FFLCH/ USP (Diversitas). Professor convidado na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo

    Monopoly  e frescobolPerscrutando qualquer sistema social e econômico, o que encontramos é a convivênciade formas de competição e colaboração, concorrência e cooperação

    Uma anedota pode servir parailustrar o bailado de opostosem que estão sempre envolvi-das as noções de colaboração

    e competição, como uma espécie de yine yang   econômico. Essa anedota podeser chamada de "estranho caso do BancoImobiliário". O tradicional jogo de tabulei-ro, cujo nome original – Monopoly!  – tem avantagem da sinceridade, consagrou-secomo sucesso mundial com um formato

    praticamente oposto ao imaginado porsua inventora, e por isso é interessante.

    Em 1906, a professora americanaLizzie Magie queria ensinar a seus alunoso pensamento do autor socialista HenryGeorge. O eixo principal dessa teoria era aideia de que a concentração da proprieda-de fundiária seria a grande causadora damiséria. Magie criou então o Landlord'sGame , que pode ser traduzido como"jogo do senhorio", ou, para dar ares bra-sileiros, "jogo do latifundiário". Uma dasalternativas era jogar do modo que ficouconsagrado mais tarde: cada um tentan-do dominar o máximo possível do territó-rio para extrair renda. Ganha quem obti-ver o monopólio dos territórios e levar osadversários à asfixia financeira.

    Mas havia uma outra possibilidade:cada um contribuir com suas própriasposses para que, em colaboração, to-dos prosperassem juntos. É claro que,para dizer o mínimo, a repercussão foidecepcionante. Fora o frescobol, não

    consigo imaginar um jogo bem-sucedi-do em larga escala no qual os interessesdos jogadores convirjam . O jogo didáti-co de Magie apelava a uma racionalidadede longo prazo inexistente no universodos jogos, que apelam a um instinto derivalidade e vitória.

    A trajetória do jogo para tornar-secomo o conhecemos é contada por Chris-topher Ketcham no artigo “Monopolyis Theft” . O que chama atenção é queMonopoly   alcançou o sucesso quandoextirpou uma das alternativas: competir

    sempre, colaborar jamais. Parece ser aversão lúdica da divisão caricatural entrecompetição e cooperação, que se cristali-zou na imaginação moderna.

    Mas no jogo, como no mundo, a cari-catura esconde nuances bem mais finas.Perscrutando qualquer sistema social eeconômico, o que encontramos é a convi-vência de formas de colaboração e com-petição, concorrência e cooperação. Seum dos extremos fosse alcançado, acon-teceria como no jogo de Magie: ou bem aperda de interesse por falta de disputa,ou uma economia morta por asfixia, coma absoluta concentração dos recursos namão do monopolista.

    Para o antropólogo David Graeber,todo sistema de trocas é regid o por trêsprincípios. O ponto inicial é a colabora-ção pura e simples, ou "comunismo co-tidiano", e envolve os serviços e gestosque as pessoas fazem umas para as ou-tras sem contrapartida, a cooperaçãoentre colegas de trabalho, a organiza-ção interna das firmas – teorizada porRonald Coase em 1937. No exemplo deGraeber, um trabalhador que pede a um

    colega uma ferramenta emprestadificilmente ouvirá como resposta: que eu ganho com isso?" Se essa fosa regra, a economia sucumbiria a umvertigem de negociações.

    Entretanto, os recursos são escasos: entra em cena o segundo princípa "troca", e com ela a competição e o cculo de equivalências, implicando umrelação determinada no tempo, que poser reiniciada, ao contrário da pura co

    boração, que sugere continuidade. Mexistem diferenciais de poder, que se crtalizam em "hierarquia", e se desviam equivalência na medida em que formaidentidades precisas. As relações se dpor hábitos adquiridos e é preciso eficiêcia para que as coisas aconteçam.

    Graeber mostra como atividaddiversas clamam por diferentes modde organização, convivendo em diferetes graus, segundo o ponto de vista observador e as idiossincrasias da sciedade. Um mundo fundado na comptição, como o moderno, deixa espaçoembora marginais, para a cooperaç(nas famílias, nas firmas) e a hierarq(nas empresas, no Estado). Um sisma hierárquico, como o feudal, envoenormes competições (entre nobrpor exemplo) e a profunda necessidade cooperação.

    Por isso, quando começa a tomcorpo a economia da colaboração,mais relevante não é a mudança da pr

    tica, mas a do foco. A colaboração nsuplanta nem a competição nem a hrarquia. Seria uma ilusão pensar queescassez desaparecerá, ainda que cetos bens, e até mesmo a energi a, tenhacusto marginal zero, como aponta Jermy Rifkin. Antes, o que a economia coborativa traz de transformador é a ampliação de um horizonte que, por tantempo, esteve encerrado nos antolhda pura competição. E isso não é pouc

     O Celsius – o desafio dos 2 o C é um exemplo de jogo que premia a colaboração e articulação entre os players :assista a vídeo em goo.gl/UKWr34 Leia em goo.gl/1SZbX

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    REPORTAGEM TECNOLOGIA

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    Como o novo

    aparato tecnológico

    impulsiona o

    ecossistema

    econômico

    fundamentado

    nas noções de

    colaboração e de

    compartilhamento

    POR   F Á B I O R O D R I G U E S

    F O TO   D U N C A N R A W L I N S O N

    Aldeia2.0

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    veis que a internet tornou possível, talvez ne-nhuma seja tão disruptiva quanto ela mesma.Segundo Max Nolan Shen, que se autoiden-tifica como um cultural hacker , da consulto-ria Dervish, esse foi o primeiro contato realdo público em geral com o conceito das redesabertas e distribuídas que, aos poucos, está seespalhando para outras áreas. “Isso tudo estáinfluenciando a sociedade, que está ficandomais aberta e transparente. Sistemas centra-

    lizados estão em crise, sejam eles os gover-nos, as relig iões, seja m as empresas”, analis a.

    REVOLUÇÃOMas a internet pode nem ser mais o fator

    dinâmico no processo que estamos vivendoagora. Talvez não seja coincidência o fato deas novas formas de economia terem ganhadotração só depois que o bom e velho computa-dor pessoal começou a ceder espaço para astecnologias móveis. Essa é a opinião de umdos pioneiros do Vale do Silício e fundador doBurning Man (quadro à página 38 e Retrato àpág. 26), Michael Mikel. “A internet permitiua troca de informações, mas isso não é maisnovidade. O que há de novo nesse cenário sãoos aparelhos e os aplicativos móveis que, porsua simplicidade de uso, são fundamentais napropagaç ão dessas i deias”, opina.

    O que alimenta esse processo ainda é aexpansão quase miraculosa do poder de fogodos microprocessadores que – ao fim e aocabo – nos permite fazer cada vez mais coi-sas com cada vez menos equipamento. “Emmédia, a capacidade computacional dobra acada dois anos. Um smartphone de hoje tema mesma capacidade do data centerque a Nasatinha qu ando lev ou o homem à Lua”, desta caTaurion.

     Junte nisso novidades como a compu-tação em nuvem e a geolocalização e estãodadas as condições para que muita coisa in-teressante aconteça. E o que está emergindodesse caldo extrapola, em muito, os limites domundo virtual. A geração que cresceu acos-tumada a socializar seus arquivos de música

    Foi o típico caso de mirar o que via eacertar o que não tinha como ter vis-to. Em 1962, quando o filósofo cana-dense Marshall McLuhan cunhou otermo “aldeia global” para descrever

    o sentimento de que a comunicação de mas-sas estava tornando o mundo menor, nãohavia como antecipar que a revolução digitalabalaria o mundo em ondas sucessivas pe-las décadas seguintes. Tampouco o quanto

    isso desdobraria o conceito que descreveu noclássico A Galáxia de Gutenberg.

    A popularização da internet a partir dosanos 1990 subverteu absolutamente tudo.Onde só havia sistemas centralizados e hie-rárquicos nos quais os fluxos partiam ne-cessariamente de um único ator até chegara vários milhões de usuários/consumidorescomeçaram a proliferar sistemas não linea-res em que qualquer pessoa poderia produzire distribuir o que quer que fosse.

    É nessa emergência da chamada web 2.0que o embaixador da OuiShare no Brasil,Tomás de Lara, identifica um dos pontos departida de uma nova forma de pensar a eco-nomia pautada pela colaboração, e não pelacompetição e o acúmulo desmedidos. “Quan-do o usuário vira o gerador do conteúdo, eledeixa de ser o consumidor e passa a ser o pro-tagonist a”, afirma, aponta ndo a Wikipédi a– projeto lançado em 2001 – como o grandeexemplo de criação colaborativa. “Ela temesse aspe cto da multid ão fazendo alg o junto”,diz o entrevistado.

    Não quer dizer que o tiro de largada te-nha sido dado só depois dos anos 2000. ONapster e o movimento do software livre foram precedentes importantes ao popula-rizarem a noção de que o público podia gerarabundância. “O software livre mostrou quedava para desenvolver produtos complexosde forma cola borativ a”, aponta Cezar Taur ion,que atuou por 12 anos como diretor de novastecnologias na IBM antes de fundar a LitterisConsulting.

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    Em meio às inovações que a internet tornoupossíveis, talvez a mais disruptiva seja ela mesma

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    digos-fonte dosogramas

    PÁG INA22   JUN HO 2015

    TECNOLOGIA

    em massa começa a pensar que já está na horade os átomos entrarem também na dança. “Ainternet foi o primeiro boom. Agora estamosdescobrindo o que dá para fazer no mundoreal ind o além da inter net”, adianta a a rqui-teta e diretoria-executiva do FabLab (consulteGlossário à pág. 24) Brasil Network e funda-dora da consultoria We Fab, Heloisa Neves.

    Esse aspecto mais cultural também édestacado por Mikel na hora de justificar porque razão essa transformação está aconte-cendo agora. “A questão não é só tecnoló-gica, a evolução das ideias também é muitoimpor tante”, opin a.

    É uma mudança de paradigma que tem p o-tencial para oferecer respostas i nteressantes

    aos – cada vez mais – evidentes limites daeconomia de consumo. “Hoje, nosso mode-lo econômico é unidirecional: você extrai amatéria-prima, processa e faz produtos quesão quase descartáveis. Esse sistema está setornando invi ável”, analis a Cezar Taurion. Oconsultor acrescenta que o grande pulo dogato tem sido encontrar maneiras de usaressa nova camada computacional para con-verter produtos em serviços. “Estamos indode uma economia do produto para outra ba-seada em serviços. Um produto é algo queprecisa ficar sempre com você para ser usado, já um serviço é �