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PLANETA MANUSCRITO

Rua do Loreto, n.o 16 – 1.o Direito1200 -242 Lisboa • Portugal

Reservados todos os direitosde acordo com a legislação em vigor

Título original: Una Nuova Stella

Edição original: 2008, Edizioni Piemme S.p.A.,Via Tiziano, 32, 20145 Milano, Italy

Para língua portuguesa: © 2011, Planeta Manuscrito

Direitos internacionais: © Atlantyca S.p.A., Via Leopardi, 8 – 20123 Milano, Italy

[email protected]

Todos os nomes, personagens e símbolos deste livro têm © de Edizioni PiemmeS.p.A. e são licenciados em exclusivo por Atlantyca S.p.A. na versão original.As suas versões traduzidas ou adaptadas são propriedade de Atlantyca S.p.A.

Todos os direitos reservados.

Texto: Aurora Marsotto

Ilustrações originais e capa: Donata Pizzato

Projecto gráfi co: Clara Battello

Revisão: Fernanda Fonseca

Paginação: Guidesign

1.a edição: Outubro de 2011

Depósito legal n.o 332 876/11

Impressão e acabamento: Printer Portuguesa

ISBN: 978-989-657-234-1

www.planeta.pt

Aurora Marsotto

Uma nova estrela

Ilustrações

Donata Pizzato

Tradução de Margarida Machado

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Naquela manhã, tinham encontrado o Regula-mento sobre a pilha de roupa que a Escola do

Teatro fornecia para o mês experimental. Natural-mente, depois de uma vista de olhos (era idêntico, ouquase, ao lido pelo professor Oliver na Aula Magna nofinal das selecções), todos os jovens o tinham trans-formado numa bolinha que tinha acabado a rebolarda cama.

Violeta tinha dobrado a folha e metera -a no bolso dascalças, depois, tal como os outros, atirara -se ao uni-forme novo.

A admiração apossara -se dela e dos colegas: nãoeram apenas coisas lindíssimas mas, sobretudo, exac-tamente do seu tamanho. A costureira, que os tinhaobservado apenas no final dos exames de admissão,tinha sido incrível! Num instante percebera as medi-das deles.

Durante o fatigante primeiro dia, não tinha sequertido tempo de acabar de arrumar as suas coisas todas.

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E agora, chegada finalmente a noite, Diamante (deno-minada Didi), encoberta pela sua montanha de cara-cóis louros, tentava meter toda a roupa de dança naprimeira gaveta do seu armário. Não cabia porquetentava inclusive meter os tutus de ballet que trouxeratde casa.

Também ela passara o extenuante exame deadmissão para a Escola de Dança e agora partilhavao quarto com Violeta e Jennifer.

– É impossível que caiba, mas quantas coisas que-res meter aí? – Violeta observava -a pelo canto do olho e ria com as suas tentativas. – Não será melhor voltara colocá -las na mala? Já que aqui temos de usar sem-pre os maillots da escola, o melhor é esquecermo -nosdos nossos. Eu nem sequer trouxe os meus – con-tinuou, pensando que, ao voltar para o internato nofim -de -semana seguinte, a sua mala viria muito maisleve.

– Violeta, olha para a Jennifer! – Didi parou boquia-berta a observar a colega de quarto, que estava a tirar,de uma mala enorme, vestidinhos brilhantes, maillotsde lurex, boás variados e tudo o que uma star pudesserdesejar.

Violeta parou logo de arrumar a roupa interiornas gavetas e olhou maravilhada para aquela malamágica. Parecia a de Mary Poppins, mas era maiore mais moderna. E depois, não saíam dali espe-lhos, cabides e plantas, mas vestidos compridos de

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lantejoulas, collants coloridos, bordados, com pedri-snhas brilhantes, e ainda calças oversize de seda,ejeans, tops e…s

– Wow Jennifer, they are beautiful! 1 – sorriu -lheVioleta.

– Oh, thank you Violeta, but I cannot wear them.– O que disse ela? – Didi estava a ficar farta de não

perceber Jennifer. Mas tinham mesmo de a ter postonum quarto com uma americana? E, além do mais,uma estudante de canto, nem sequer de dança!

– Disse que não as podia usar – traduziu Violeta.– Provavelmente esperava ter concursos de canto eespectáculos. E além disso, Didi, a Jennifer não vol-tou a casa como nós depois das audições para fazeras malas. Chegou directamente da América!

Diamante estava confusa com o conteúdo da malade Jennifer: havia mesmo um pouco de tudo. Quemera na realidade aquela rapariga de pele escura comaquele penteado cómico cheio de trancinhas e fitinhascoloridas?

De uma coisa tinha a certeza: o quarto delas nãoseria sossegado. E depois, pensava, porque estavamelas as três num quarto e as outras tinham um quarto duplo? Não podia ficar sozinha com Violeta, quetinha conhecido nas provas de admissão apenas umasemana antes, mas com quem se dera logo bem?

1 Uau Jennifer, que bonitas! (N. da T.)

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Mas se calhar até tivera alguma sorte. Rebeca, aoutra rapariga que conheceu na audição, era dema-siado «sensível» para o seu gosto, não fazia nada a nãoser chorar. Tatiana também não lhe parecera muitosimpática. E depois havia uma coisa que não supor-tava mesmo: ela e Aiko não tinham tido de aguen-tar o exame como todas as outras raparigas, tinhamentrado directamente na escola.

– A Aiko e a Tatiana ficaram no mesmo quarto? –perguntou Didi.

– Não, a Aiko está no quarto da Rebeca e a Tatianaestá no de Sílvia – respondeu -lhe Violeta, acabandode pendurar as poucas coisas que trouxera para a pri-meira semana no internato.

No fim -de -semana voltaria a casa e encheria amala de peluches. As outras tinham -nos trazido, masela pensara que faria figura de bebé e por isso puseraa ideia de lado.

Quem sabe se em casa teria encontrado a mãe?Tinha partido sem a avisar justamente durante asaudições, por isso tivera de lhe dizer que tinha sidoadmitida na Escola do Teatro pelo telefone. E, talcomo imaginara, a mãe não demonstrara o menorentusiasmo…

– Como falas tão bem inglês, Violeta? – Didi não seconformava em não perceber bem Jennifer.

– A minha mãe obrigou -me a estudá -lo desde

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pequena – respondeu ela, continuando a pensar namãe e na sua partida precipitada.

Fora precisamente a mãe quem insistira para queVioleta aprendesse desde cedo quer inglês quer fran-cês. Tinha vivido em inúmeras cidades e países dife-rentes e dominava imensas línguas. Até o seu nomeera estrangeiro: Elisabeth (mas todos lhe chamavamLiz). Porque será que tinha esta mania… e por quetinha vivido tanto no estrangeiro? Violeta nunca per-cebera. Tantas vezes pedira explicações, até aos paise aos avós, sem nunca obter resposta.

A porta, que se escancarou com um golpe seco,distraiu -a dos seus pensamentos.

O puxador foi bater contra a porta do armário deJennifer, fazendo -a fechar de repente… com ela ládentro!

– Help! Help me please! 1 – gritava Jennifer de den-tro do armário.

Rebeca entrara a correr no quarto e, desfeita emlágrimas, tinha -se atirado para a primeira cama queencontrara.

– O que te aconteceu? Rebeca, pára de chorar e fala!E pára de me molhares a cama! – censurou -a Didi.

– Vocês viram a roupa da escola? Eu não a visto!Trouxe os meus maillots lindíssimos e agora… – res-pondeu ela com um soluço, mostrando -lhes um

1 Socorro! Ajudem -me por favor! (N. da T.)

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fantástico, verde -água, com um decote profundo nascostas, fechado por montanhas de lacinhos.

– Rebeca, vá, deixa -te de histórias. Não é um fatofeio! É mais simples do que o teu, mas as cores sãobonitas: o body branco, os collants e as sapatilhasscor -de -rosa. E depois o casaco de trespasse, se qui-seres, podes usar o teu. – Violeta tentou chamá -la àrazão, olhando a suspirar para aqueles cabelos negros,superbrilhantes e lisos. Não despenteados, como osseus: ruivos e sempre percorridos por uma rajada devento.

– Vá -se lá saber quantos cache -coeur Rebeca terártrazido. Uns dez? – acrescentou Didi, bufando. Aquelarapariga começava a irritá -la: passara as audiçõestodas a chorar, por cada exame, a cada pequenoacontecimento, a cada encontro com os novos cole-gas. Sempre a lamentar -se… que maçadora! E sem-pre a correr para a mamã para ser consolada! Via -seque era filha única…

Ela também o fora, até há pouco tempo. Depois che-gara Lavínia, uma irmãzinha muito pequenina a queDiamante quisera dar o nome da sua boneca preferida.Tinha logo captado a atenção da família toda e os paisesqueceram -se dela. Por isso Didi ficara tão contentepor ter entrado logo no internato da Escola do Teatro.Efectivamente as coisas pareciam já ter melhorado:a mãe naquela manhã despedira -se entre lágrimas,dizendo que teria muitíssimas saudades dela.

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– Esquecemo -nos de Jennifer. Ainda está den-tro do armário e já não se ouve! – exclamou Violeta,apressando -se a abri -lo, sem contudo se aperceberque a amiga também estava a fazer a mesma coisado interior e…

As portas escancararam -se empurradas por duasforças que iam na mesma direcção e Jennifer caiu doarmário por cima de Violeta! As duas raparigas come-çaram a rir, logo imitadas por Didi que se atirou porcima delas, abraçando -as.

Rebeca parou finalmente de chorar e um sorrisoaflorou -lhe aos lábios. Talvez aquele internato nãofosse assim tão mau e as suas colegas, tão diferentes dela, começavam a agradar -lhe. Não só Violeta mas também Didi e aquela maluca da Jennifer.

O tumulto propagara -se até fora do quarto e Sílviae Aiko foram ter com elas.

Sem sequer perguntarem o que tinha aconte-cido, mas aproveitando subitamente a oportunidadepara conviverem e prolongar aquela primeira noitemágica, sentaram -se todas no chão a rir. Começa-ram a conversar e a olhar para o magnífico guarda--roupa de Jennifer. Depois, sem dizerem nada umasàs outras, foram pegando num maillot, nuns collants,num vestido… Num segundo, libertaram -se dos pija-mas e transformaram -se em brilhantes estrelas de ummusical!

Jennifer já estava a cantar as primeiras notas de

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New York, New York e Sílvia, sua colega de curso em kcanto, não deixou escapar a oportunidade e juntou -se a ela.

De repente, encontravam -se todas em cima dascamas a imitar a caminhada final de Lisa Minelli apartir da voz de Jennifer que, unida à de Sílvia, explo-dia numa longa extensão vocal.

A música saiu fora de portas e, introduzindo -secomo um tornado no corredor, chegou à sala deestar onde a menina Marylin estava a terminarde copiar o registo com os nomes das novas alu-nas para entregar no dia seguinte aos professores daescola preparatória.

No início a tutora não percebeu bem de onde provi-nha aquela voz: a televisão da sala do fundo já há umbocado que estava silenciosa. Fora precisamente elaquem a apagara, depois de ter mandado Diamante,que não lhe ligara, para o quarto. O seu iPod tambémdestava desligado: não podia vir dali a belíssima voz deLiza Minelli.

«Maravilhosa…», pensou. Marylin adorava musicais.Só alguns anos antes, depois de um curso de dança e lições de canto, voara até Nova Iorque para fazer umestágio. Queria distinguir -se na Broadway, tornar -seuma estrela, mas…

Mas, não conseguira.Dera -se conta que os seus colegas tinham um nível

superior, devido a uma melhor voz, a uma dicção

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óptima, a um estudo mais aprofundado de dança.Em suma, eram melhores do que ela. E o musi-cal tornara -se o seu secretíssimo sonho na gaveta.Na escola ninguém sabia, nem o vice -director Olivernem a directora. Quanto gozariam com ela! E entãoas alunas…

Por isso, com o seu sonho guardado no coração,este último endurecera até a transformar numa espé-cie de sargento. E Sargento Marylin tinha -se tornadona sua alcunha. Também ela se apercebera que àsvezes era um pouco rígida, mas ter de cuidar daque-las raparigas todas, tão vivas e cheias de sonhos, nãoera tarefa nada fácil.

Mas talvez este ano também ela pudesse realizaro seu sonho. Estavam a abrir um novo concurso naEscola do Teatro: uma escola de musicais mesmoali, ao lado do internato. De momento o espaço tinhasido arrendado a uma companhia de que não se sabianada, mas uma noite, quando todas as alunas estives-sem na cama, daria uma vista de olhos ao local, àsescondidas.

«Na cama? Não estão na cama, estão a cantara plenos pulmões New York, New York!» Marylindemorou ainda um instante a perceber a situação,depois precipitou -se para o corredor já transfor-mado na entrada de uma casa de espectáculos daBroadway.

meninas!

meninas!

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Tatiana, a colega de quarto da Sílvia que chegarasó alguns dias antes da Rússia, aparecera à portado quarto de Violeta perguntando estupefacta o queestava a acontecer.

A menina Marylin, advertida pela presença da rapa-riga nas suas costas, explodiu:

– Basta! Saiam das camas! Tirem esses fatos eponham em ordem este… este… – A palavra certaficou -lhe presa na garganta. Estava tão zangada quese aborreceu também com Tatiana e mandou -a devolta para a cama, ralhando -lhe.

Todas saíram das camas em silêncio, tiraram osvestidos à pressa, que Jennifer, num ápice, fez desa-parecer novamente para dentro da mala. Didi e Vio-leta precipitaram -se a arrumar, enquanto as outrastentavam ultrapassar a Sargento Marylin, ainda emuniforme, para irem para os seus quartos.

– Ouçam -me bem, só vou dizer -vos isto uma vez:se não seguirem as minhas instruções à letra, ama-nhã vão fazer a mala e voltar para casa, para sempre.E agora traduzam para Jennifer!

Mas não foi preciso: a rapariga tinha percebidotudo perfeitamente. Estava num canto com a cabeçabaixa. Ela sabia: tinha de ser mais calma. E depoisnão devia cantar sempre tão alto, já lho tinham ditoimensas vezes!

– Por isso – continuou a tutora –, amanhã de manhãacordarão às seis. Virei chamar -vos. Arranjar -se -ão

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rapidamente, depois descerão para o refeitório com umcaderno e uma caneta, trazendo também convosco osaco de dança. Até às sete, copiarão o Regulamento;para a Jennifer e para a Aiko será um óptimo exercí-cio de italiano. Depois, às sete, começarão a prepararas mesas do pequeno -almoço para os vossos cole-gas. Só às sete e trinta, quando os outros descerem,tomarão o pequeno -almoço. Mas comigo, numa mesaseparada. E isto toda a semana. À noite irão para acama logo a seguir ao jantar. E lembrem -se que possomandar -vos para casa a qualquer momento!

Um silêncio sepulcral envolveu o quarto. «Aquelaescola estava a transformar -se cada vez mais numaacademia militar», pensaram as raparigas.

Rebeca, que tinha entrado no quarto a chorar, saiumeia hora mais tarde a chorar, aterrorizada pelo pen-samento de que a mãe fosse informada do castigo.

Aiko, por seu lado, andava às aranhas: não con-seguia compreender com exactidão o que dissera atutora. Mas não era só uma questão de língua. Antesde partir do Japão tinha aprendido algumas frases,além disso ali quase todos entendiam inglês. Eramos comportamentos das suas colegas que a desorien-tavam, as vozes, sempre altas, sempre alegres, umabarafunda contínua para ela e a que rapidamente seestava a habituar.

Claro que não esperara todas aquelas aventurasem tão poucos dias: ganhara o concurso de ballet

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clássico da sua categoria apenas duas semanas antese o prémio era um ano de estudo na Escola do Teatrodaquela cidade distante.

Gostaria de ter ficado um bocadinho com Violetapara perceber bem o que se tinha passado, mas tinhade voltar de imediato para o seu quarto, onde Rebeca certamente não a ajudaria. E depois, «seis»? O quesignificava? Descobri -lo -ia no dia seguinte!

As raparigas já estavam todas na cama. Tinhamarranjado o saco de dança e, sem uma palavra, aca-bado de arrumar as bagagens. Tinham igualmentepreparado os cadernos e o estojo para a escola. Os li-vros, encontrá -los -iam directamente sobre as cartei-ras. Mas havia ainda alguma coisa que não as deixavaadormecer…

O Regulamento! Onde o tinham metido?De repente, nos três quartos, todas saíram da cama

e puseram -se a procurar por todo o lado. Violeta foia única a levantar -se com calma, tirou as calças doarmário e no bolso encontrou o folheto de imediato.Bom, pelo menos havia um!

Didi encontrou o dela no cesto, Jennifer dentro da mala e Sílvia pescou -o debaixo da cama, mas feztudo em silêncio e quase no escuro, porque Tatianajá estava a dormir. Aiko teve de encontrar quer o seuquer o de Rebeca, porque esta, sentada na cama,ainda não parara de chorar.

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Contente, no entanto, que a colega tivesse des-coberto o seu Regulamento, Rebeca tentou um poucopor gestos e um pouco em inglês explicar -lhe o quese passaria na manhã seguinte.

Talvez Aiko tivesse finalmente percebido algumacoisa, porque às palavras «At six o’clock» arregalou osolhos e atirou -se para a cama com os braços abertos,murmurou um «Hido -i» («Oh não!» em japonês) e ador-meceu de seguida.

Violeta, pelo contrário, virava -se na cama sem con-seguir pregar olho. Demasiadas emoções para aqueleprimeiro dia! Viu -se com a folha do Regulamento nas mãos e começou a dobrá -lo.

Finalmente adormeceu e aquele barquinho de regraslevou -a para muito longe, para um mar de luzes, deprojectores, de lantejoulas.