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O Princípio da Ampla Defesa e o Procedimento de Apuração das Infrações Contra a Ordem Econômica Gilson Wessler Michels Introdução I - A Processualização da Atividade Administrativa II - A Ampla Defesa III - A Estrutura do Procedimento de Apuração das Infrações Contra a Ordem Econômica IV - O Princípio da Ampla Defesa e o Rito do Procedimento de Apuração das Infrações Contra a Ordem Econômica 4.1. Existência de um Rito Previsto em Lei 4.2. Previsão de Comunicação dos Atos Processuais 4.3. Instauração do Contraditório 4.4. Ilimitação na Apresentação de Provas 4.5. Julgamento por Julgador Imparcial e Motivação da Decisão 4.6. Recorribilidade das Decisões V - Conclusão VI - Referências Bibliográficas INTRODUÇÃO Destina-se este trabalho a abordar o procedimento legalmente previsto para o julgamento das infrações contra a ordem econômica, sob a ótica de sua atenção a um dos princípios que, a partir da Constituição Federal de 1988, passaram a informar obrigatoriamente também os processos administrativos: o princípio da ampla defesa. Para tal, parte-se, no item 1, de uma análise das transformações porque têm passado os procedimentos administrativos especialmente após a nova Carta Magna -, e que os tem levado a uma progressiva processualização de seus ritos e a uma conseqüente reafirmação da importância do princípio da ampla defesa na concepção de seus limites. Já no item 2, busca-se na doutrina um conceito de ampla defesa que sirva ao propósito de aferir, tão objetivamente quanto possível, o seu acolhimento ou não pelo procedimento legalmente concebido para o Página 1 de 33 http://www.iribr.com - Instituto de Relações Internacionais - UFSC/BR 30/06/2008 http://www.iribr.com/rdei/4_ed/gilson_wessler_michels_01.asp

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O Princípio da Ampla Defesa e o Procedimento de Apuração das Infrações

Contra a Ordem Econômica

Gilson Wessler Michels

Introdução I - A Processualização da AtividadeAdministrativa II - A Ampla Defesa III - A Estrutura do Procedimento deApuração das Infrações Contra a OrdemEconômica IV - O Princípio da Ampla Defesa e o Rito doProcedimento de Apuração das InfraçõesContra a Ordem Econômica 4.1. Existência de um Rito Previsto em Lei 4.2. Previsão de Comunicação dos AtosProcessuais 4.3. Instauração do Contraditório 4.4. Ilimitação na Apresentação de Provas 4.5. Julgamento por Julgador Imparcial eMotivação da Decisão 4.6. Recorribilidade das Decisões V - Conclusão VI - Referências Bibliográficas

INTRODUÇÃO Destina-se este trabalho a abordar oprocedimento legalmente previsto para ojulgamento das infrações contra a ordemeconômica, sob a ótica de sua atenção a umdos princípios que, a partir da ConstituiçãoFederal de 1988, passaram a informarobrigatoriamente também os processosadministrativos: o princípio da ampla defesa.

Para tal, parte-se, no item 1, de uma análisedas transformações porque têm passado osprocedimentos administrativos –especialmente após a nova Carta Magna -, eque os tem levado a uma progressivaprocessualização de seus ritos e a umaconseqüente reafirmação da importância doprincípio da ampla defesa na concepção deseus limites.

Já no item 2, busca-se na doutrina umconceito de ampla defesa que sirva aopropósito de aferir, tão objetivamente quantopossível, o seu acolhimento ou não peloprocedimento legalmente concebido para o

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processamento das infrações contra a ordemecônomica. É que na falta de um conceitolegalmente qualificado, que lhe definacaracterísticas mínimas, só se pode buscar naconstrução doutrinária - que está, diga-se,longe de ter uma posição unânime quanto aoprincípio -, os seus elementos conformadoresbásicos.

No item 3 faz-se uma revisão geral doprocedimento administrativo, na forma comodisposto na Lei n.º 8.884/94 e no RegimentoInterno do CADE aprovado pela Resolução n.º12/98. Nesta revisão está incluída a fase deaveriguações preliminares que, muito emborapreceda o processo administrativopropriamente dito, a ele se vincula por razõesde fácil compreensão.

Definido o conteúdo mínimo do princípio daampla defesa e revisado na íntegra oseqüenciamento de atos que compõem oprocesso administrativo, procede-se no item 4à aferição que dá razão ao presente trabalho.Com efeito, cada uma das fases e dascaracterísticas do rito são analisadas emconfrontação com os requisitos mínimosdefinidos pela doutrina para a efetividade doprincípio.

Ao final, no item 5, tem-se como conclusãoum resumo de tudo quanto se aferiu naanálise desenvolvida ao longo do trabalho.

I - A PROCESSUALIZAÇÃO DA ATIVIDADE

ADMINISTRATIVA Com o advento da Constituição Federal de1988, poucas dúvidas remanescem quanto aofato de que o processo administrativo tevesuas feições sensivelmente modificadas. Comefeito, ao dispor, no inciso LV do artigo 5.º danova Carta Magna, que "aos litigantes, emprocesso judicial ou administrativo, e aosacusados em geral são assegurados ocontraditório e ampla defesa, com os meios erecursos a ela inerentes", quis o constituinte,à evidência do que se pode inferir, estenderaos atos emanados da Administração Pública,condicionantes que desde há muito jáinformam as manifestações do PoderJudiciário.

Ao dispositivo citado poderiam ser juntadosoutros preceitos constitucionais, como tal o

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insculpido no inciso LIV do artigo 5.º -"ninguém será privado da liberdade ou deseus bens sem o devido processo legal" – ena alínea "a" do inciso XXXIV do mesmoartigo - que trata do direito do cidadão depeticionar junto aos Poderes Públicos "emdefesa de direito ou contra ilegalidade ouabuso de poder" -, para fins de que resteainda mais evidenciada a transformaçãoporque passou o processo administrativo.

Dentro deste quadro, impõe-se repensar aclássica formulação da doutrina pátria, quedefine como característica basilar da atividadeadministrativa a auto-executoriedade de seusatos, para fins de reconhecer que a novaCarta Magna engendra uma verdadeiraprocessualização desta atuação, tornandosuperada a idéia, vigente por décadas, de quehá uma contraposição irredutível entreinteresse público e interesse particular.

Nestes termos, espelha a Lei Maior atendência deste final de século de atenuar aseparação entre Estado e sociedade – comoconformada no século passado e vigente atémeados do presente -, para dar lugar, naspalavras de Odete Medauar(1), a uma"progressiva aproximação entreAdministração e cidadãos da sociedade civil,em que inúmeros grupos sociais colaboram naidentificação do interesse público". Inverte-sea lógica, para fins de definir que os atosadministrativos não são irrestritamentevoltados à satisfação do interesse da própriaAdministração, ou mesmo do interessepúblico unilateralmente por esta formulado.

Uma das conseqüências mais veementesdesta inovação constitucional foi aintensificação da produção legislativa voltadaà criação de novas vias processuaisadministrativas, e à reformatação das jáexistentes. Muito embora seja verdade quenem todas estas superveniências legaistenham representado avanços, é inegável quedelas resultou uma ampliação daspossibilidades de participação do cidadão nosatos administrativos que abordem seusinteresses em face do interesse de outrocidadão, ou de seu interesse diante do daprópria Administração. No âmbito do processoadministrativo, como gênero, existem hojeinúmeros procedimentos, de variada espécie,que distribuídos ao longo de toda a cadeiaburocrática estatal, determinam a atuaçãoconcreta do Estado administrador, semprescindir da participação dos interessados

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nesta atuação.

De tal sorte, o cidadão tem hoje não apenas agarantia de acesso ao Poder Judiciário, noscasos em que um ato administrativo jáformalizado afronte um direito seu, comotambém tem a possibilidade de, previamenteà formalização deste ato, manifestar-se,concreta e producentemente, quanto ao seuconteúdo junto à Administração. Tal quadrorepresenta uma importante medida deeconomia processual – pela possibilidade deque os atos permeados de vícios ouarbitrariedades sejam saneados ou extirpadosantes de que se constituam formalmente, enão apenas depois, no âmbito do PoderJudiciário –, mas, mais do que isto, constitui-se em medida de resguardo das garantiasindividuais – dado que, assim, preserva-se odireito do cidadão de não ver formuladacontra si, pretensão em relação a qual nãopôde opor suas razões, no âmbito do "devidoprocesso legal".

A ampliação da participação do cidadão nocurso da atividade administrativa tem tido, noentanto, alguns ônus. O principal deles,corolário da processualização, é o aumento decomplexidade dos procedimentos. Com oacréscimo de novos intervenientes e com anecessidade de definição de suasresponsabilidades, os ritos sofisticaram-se,tornando imprescindível, em muitos casos, adefesa técnica, e inevitável, no mais dasvezes, a superação dos limites de alguns dosprincípios historicamente atribuídos peladoutrina ao procedimento administrativo,entre tais o do informalismo.

Esta é, aliás, outra revisão que acabará porser feita. Com as novas disposiçõesconstitucionais, não há mais como entenderaplicáveis ao processo administrativo, todosos princípios que a doutrina lhe atribuiu há jáalgum tempo, no âmbito de uma realidadeque já não existe.

Para limitar a discussão aqui ao referidoprincípio do informalismo, basta dizer quecom a enfatização da peremptoriedade dosprazos e o efeito preclusivo dos atospraticados, com a intensificação do conteúdoformal e material das decisões e com aampliação da complexidade dosprocedimentos, não há como falar-se mais eminformalismo(2), ou mesmo, como defendemalguns doutrinadores, em formalismomoderado(3). Na prática, o formalismo acaba

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se impondo em face de que a crescentesofisticação de grande parte dos ritos e deseus efeitos práticos torna imprescindível,entre outras medidas, a defesa técnica e aminudente disposição das responsabilidadesdas partes e dos prazos a serem cumpridos.

Pode-se exemplificar, primeiro, com aevolução experimentada pelo procedimentorelativo à exigência de créditos tributáriosfederais – o chamado processo administrativofiscal. No período que se seguiu àpromulgação da Constituição de 1988,inúmeros atos legais, que culminaram com aLei n.º 9.532/97, trouxeram para o âmbito doprocedimento a garantia de instância, desdehá muito expurgada até mesmo das viasjudiciais, bem como o enrijecimento do rito,com a reafirmação da força preclusiva dosatos já realizados e com as restrições àapresentação de provas fora dos momentosdeterminados.

Antes disso, porém, já haviam sido criadas,em 1993, unidades administrativasespecializadas em julgamento, o que, se porum lado representou um avanço, dado quealém de se ter criado um "duplo grau dejurisdição administrativa" – Delegacias deJulgamento e Conselhos de Contribuintes -,deixaram os lançamentos fiscais de serjulgados pelas mesmas unidades que osformalizavam, por outro trouxe complexidadeao procedimento, sendo hoje difícil imaginarque ao rito posto possam ser associadas"informalidades" – que seriam prontamenteargüidas como causas de nulidade – ou queele possa ser enfrentado pelo cidadão comumsem o assessoramento de um especialista noassunto.

De se lembrar, ainda, que a lei acima citada –a de n.º 9.532/97 – trouxe também ahipótese, constitucionalmente discutível, dese ter um ato administrativo com efeito decoisa julgada. É o que ocorre quando ocontribuinte não faz uso da ação judicial noprazo de seis meses da decisão da primeirainstância administrativa que lhe foidesfavorável; neste caso, esta manifestaçãoadministrativa restará irreformável pelo PoderJudiciário, restando ao contribuinte esperar oprovimento de seu recurso pela segundainstância administrativa, que se não ocorrer,não poderá, a sua vez, ser objeto de revisãojudicial.

Outro exemplo tem-se com a procedimento

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que será analisado ao longo deste trabalho, orelativo à apuração de infrações contra aordem econômica. O artigo 3.º da Lei n.º8.884/94 atribuiu ao Conselho Administrativode Defesa Econômica – CADE, organismoresponsável pelo julgamento administrativodestas infrações contra a ordem econômica, ostatus de órgão judicante. Muito embora nãoexista, ainda, um entendimento pacíficoquanto à extensão exata desta atribuição,representa ela, ao menos, um claroenrobustecimento da força da manifestaçãoprolatada pelo ente administrativo, emevidente detrimento da atuação pretoriana e,como se pode inferir, do conteúdo da LeiMáxima.

Tais exemplos são suficientes para que resteevidenciado, então, que os procedimentosadministrativos deixaram de ser merosimpulsionadores da atividade regular doEstado, para, a partir da processualização deseu conteúdo, incorporarem ritos que seassemelham em muito à atuação do PoderJudiciário, pelas repercussões que podem tersobre a esfera dos interesses de cidadãos einstituições.

Diante deste quadro, portanto, torna-seimperioso não apenas revisar as formulaçõesdoutrinárias relativas aos procedimentosadministrativos – produzidas que foram, comoacima rapidamente se viu, anteriormente àConstituição Federal de 1988 -, como tambémenfatizar a necessidade de que ao cidadãoseja efetivamente garantido o exercício,constitucionalmente qualificado, do seu direitode ampla defesa.

É a respeito deste princípio da ampla defesa,e da verificação de sua presença ou não emum dos procedimentos que acima já se fezreferência, o relativo ao julgamento dasinfrações contra a ordem econômica, que sedesenvolverá, a partir daqui, este trabalho.

II - A AMPLA DEFESA

Não há, na lei, um conceito objetivo do queseja a ampla defesa, nem mesmo há umadefinição de seu conteúdo mínimo. Partindo-se, portanto, do comando constitucional queassegura o direito da ampla defesa, "com osmeios e recursos a ela inerentes" (inciso LVdo artigo 5.º), cumpre que se busque, na

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doutrina, a extensão de seus limites. Para Alberto Xavier(4), o direito de ampladefesa é manifestação do devido processolegal, sendo seu significado prático o de que opoder jurídico-público se faça nos termos deum processo justo e disciplinado em lei, noqual seja dado ao particular afetado, o direitode conhecer os fatos e o direito invocado pelaautoridade, além do direito de ser ouvidopessoalmente e de apresentar provas,confrontando as posições que lhes sãoopostas. Assim se manifesta o jurista:

O direito de ampla defesareveste, hoje, a natureza deum direito de audiência(audi alteram partem), nostermos do qual nenhum atoadministrativo suscetível deproduzir conseqüênciasdesfavoráveis para oadministrado poderá serpraticado de modo definitivosem que a este tenha sidodada a oportunidade deapresentar as razões (fatose provas) que acharconvenientes à defesa dosseus interesses.

[...]

O direito de defesa oudireito de audiência é umdireito de participaçãoprocedimental, quepressupõe a atribuição aoparticular do estatutojurídico de "parte" noprocedimento administrativo, com vista àdefesa de interessespróprios.

Celso Ribeiro Bastos(5), ao analisar oprincípio da ampla defesa no âmbito doprocesso administrativo e judicial, declara que"de outra forma, nada obstante o fato de oprocedimento administrativo disciplinar nãoser guiado nos seus atos da mesma formaque o é o processo penal, algumas fases,contudo, são inafastáveis. Por exemplo, aciência inicial da imputação ao acusado, a suaaudiência e a produção de provas econtraprovas, dentre outras". Já Nelson Nery Costa(6) enfatiza que o direito

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de plena defesa não fica evidenciado pelo queocorre durante o processo ou no processo,mas de um rito previamente estabelecido noqual as sanções legais e as condições paraque a defesa seja ampla e justa estejamtambém antecipadamente definidas. O juristaafirma, ainda, a indissociabilidade entre oprincípio da ampla defesa e o docontraditório, defendendo a inocuidade dadefesa que não puder contraditar a acusação,estabelecendo o caráter dialético do processo,que caminha através de contradições a seremfinalmente superadas pela atividadesintetizadora do juiz; não basta "o simplesoferecimento de oportunidade para produçãode provas, mas também a quantidade e aqualidade de defesa devem ser satisfatórias". Odete Medauar(7) também enfatiza avinculação entre ampla defesa e contraditório,para fins de declarar que não pode haverlimitações à produção da defesa tendente acontradição das questões levantadas pelaacusação. Assim, "a possibilidade de rebateracusações, alegações, argumentos,interpretações de fatos, interpretaçõesjurídicas, para evitar sanções ou prejuízos,não pode ser restrita, no contexto em que serealiza", estando esta visão sustentada pelaprópria expressão final do inciso LV do artigo5.º da Constituição Federal de 1988 – "comos meios e recursos a ela inerentes" -, quenão se coaduna com qualquer interpretaçãorestritiva do direito de defesa. Dissecando o princípio da ampla defesa, amesma jurista destaca algumas de suascaracterísticas fundamentais(8), sem as quaiso direito perde o sentido que lhe atribui otexto constitucional:

(a) caráter prévio da defesa ou suaanterioridade em relação ao ato decisório:defende a idéia de que a partir da nova CartaMagna, deve o direito de defesa ser permitidoantes da efetivação do ato administrativo,apenas admitindo exceção nos casos queenvolvem risco de vida e segurança dapopulação, nos quais a gravidade da situaçãotorna indispensável uma decisão imediata;

(b) desnecessidade de previsão do direito dedefesa em lei ou demais normas: entende queo direito de defender-se deriva daConstituição, que na alínea "a" do incisoXXXIV do artigo 5.º prevê o direito depetição, e no inciso LV consagra a ampladefesa como requisito inafastável de qualquerjudicial ou administrativo. Assim, uma

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autoridade não se desobriga de permitir adefesa do cidadão, alegando a falta deprevisão legal;

(c) possibilidade de opção pela autodefesa oupela defesa técnica: não pode haver exigênciade defesa técnica em todos os procedimentosadministrativos, até porque isso obrigaria ainstituição de defensoria dativa pelo poderpúblico. Entende a jurista, no entanto, que aexigência poderia existir em casos específicos,especialmente nos casos em que os processosatingissem com gravidade os direitos eatividades do cidadão (exemplos: demissão,fechamento de estabelecimento comercialetc.);

(d) obrigatoriedade da informação geral: detodos os fatos e desdobramentos do feitoadministrativo devem ser cientificados osinteressados. "Assim, o direito de sernotificado do início do processo, devendoconstar do texto a indicação dos fatos e baseslegais; o direito de ser cientificado, comantecedência, das medidas ou atos referentesà produção das provas; o direito de sercientificado da juntada de documentos; odireito de acesso aos elementos doexpediente (vista, cópia ou certidão)";

(e) possibilidade da produção de provas:devem as provas poderem ser solicitadas,produzidas e consideradas, não significandoisto, no entanto, que seja permitido o usoabusivo das mesmas (exemplos: ouvida de100 testemunhas, realização de provasirrelevantes etc.) ou a utilização de provasobtidas por meios ilícitos.

Para outro jurista, Marçal Justen Filho, "poucautilidade teria um procedimento em que nãofosse prevista a livre manifestação de todosos interessados, com direito a participaçãoativa e vedação a atuação unilateral de umadas partes. Enfim, o procedimento nãoconsiste na observância formalística de umritual. Não se compadece com o EstadoDemocrático a instituição de procedimentocom perfil arbitrário ou prepotente". Para ele,são inerentes à ampla defesa:

(a) a transparência da atividadeadministrativa: da mesma forma que nãopode haver apropriação pura e simples debens dos particulares, também não podehaver decisões sem prévia audiência doacusado. Não há ampla defesa se o cidadãodesconhece a acusação ou a pretensão

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estatal, posto que não é possível formulardefesa para todas as pretensões possíveis eimagináveis;

(b) a instauração do contraditório: além desaber do que é acusado e em que termos istoé feito, deve ser permitido ao cidadão aapresentação de defesa prévia à decisão, aaudiência a todos os eventos e a produção deprovas adequadas à defesa;

(c) a imparcialidade do julgador: a disciplinado procedimento deve assegurar aimparcialidade do julgador e consagrar odever de aplicar o direito objetivamente aocaso concreto, sendo inadmissíveis, porexemplo, os casos em que o agente que julgaestá hierarquicamente subordinado a quem éparte na relação jurídica estabelecida, ouentão, em que o mesmo órgão formaliza aexigência contestada e julga sua procedência;

(d) a ilimitação da defesa: ampla defesasignifica ilimitação de defesa, não podendo alei ou normas administrativas vedar aocidadão a invocação de determinadoargumento ou a utilização de determinadoelemento de prova em defesa de seuinteresse. Só poderiam ser excluídos osargumentos incompatíveis com o sistemajurídico e os valores fundamentais, alémdaqueles elementos de prova obtidosilicitamente;

(e) a motivação completa e minudente dadecisão: a motivação das decisões associa-seà obrigatoriedade de consideração, por partedo julgador, de todas as provas apresentadas.Sem a indicação dos fundamentos de direito ede fato que dão respaldo à decisão, tornar-se-ia inócuo o conjunto de garantias concedidasao cidadão no âmbito do procedimentoadministrativo.

A partir de todas estas contribuiçõesdoutrinárias, já se pode elencar, então, umconjunto de requisitos que, se não presentes,comprometem a efetividade do princípio daampla defesa. Tal elenco auxiliará a aferição,que posteriormente se fará, quanto à suapresença no âmbito do procedimentoadministrativo que aqui se discute. São eles:

(a) existência de um rito previsto em lei: sema definição das etapas que compõem oprocedimento, perde ele nitidez etransparência, tornando difícil ao cidadãoidentificar suas possibilidades de participação

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no curso processual, como tais os meiosrecursais e as vias de contestatação dos atosproduzidos;

(b) previsão de comunicação dos atosprocessuais: de todos os atos processuaisdeve ser cientificado o cidadão, a fim de quepossa, eficazmente, exercer seu direito dedefesa. Este requisito inclui tanto o direito desaber qual a acusação e/ou exigência que lheé imputada/formulada - e os fundamentossobre os quais se embasa -, como também odireito de ser informado de todos osdesdobramentos do feito, para que possa emrelação a eles manifestar-se. Em outraspalavras, tem o cidadão o direito à citação,por meio da qual saberá o que lhe éimputado, e em que termos esta imputação éformalizada, e à intimação dos atospraticados, por meio da qual ser-lhe-á dadoconhecimento das provas juntadas aoprocesso, dos argumentos avocados pelaparte contrária, das medidas adotadas pelojulgador, enfim, do curso do processo comoum todo;

(c) instauração do contraditório: além de sercomunicado da acusação que lhe é imputadae dos atos que dão curso ao feito, deve oprocedimento incluir medidas que permitamao cidadão contestar o feito previamente àdecisão, e que viabilizem a confrontaçãoproducente dos elementos de prova eargumentos apresentados pelas partescomponentes da relação jurídica;

(d) ilimitação na apresentação de provas:possibilidade de o cidadão produzir todas asprovas que julgar necessárias para suadefesa, podendo fazer uso tanto daautodefesa quanto da defesa técnica. Estailimitação só pode encontrar restrições no quese refere às provas ilícitas, vedadas pelaConstituição Federal, e aos argumentosincompatíveis com o sistema jurídico e osvalores fundamentais. De se ressaltar que nailimitação das provas está incluída a suadevida consideração pelo julgador, sem o queo direito esvai-se por via indireta;

(e) julgamento por julgador imparcial emotivação da decisão: o procedimento deveser conduzido e decidido por julgadorimparcial, que não esteja, por exemplo,subordinado ao órgão formulador da exigênciadiscutida. Do mesmo modo, suas decisõesdevem ser necessariamente motivadas, comexpressa referência às razões de fato e de

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direito que a condicionam;

(f) recorribilidade das decisões: deve haver aprevisão de meio recursal destinado à revisãoou reforma da decisão inicial. Apesar de nãoestar previsto em qualquer disposição legalexpressa, presta-se o duplo grau de jurisdiçãonão apenas à depuração do processo decisório– justificável diante da falibilidade humana -,como também à consideração da tendêncianatural do ser humano de não conformar-secom decisões de única instância. Assim, aprevisão, no âmbito administrativo, de umduplo grau de apreciação dos litígios, concorrepara a efetividade do direito de defesa.

Da existência ou não destes requisitos em umdado procedimento, é que se pode aferir asua atenção ao preceito constitucional daampla defesa. A análise que a partir dopróximo item se fará, tentará identificar nãoapenas a presença dos mesmos no âmbito doprocedimento de apuração das infraçõescontra a ordem econômica, como também ograu em que eles estão explícita ouimplicitamente incluídos.

III - A ESTRUTURA DO PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DAS INFRAÇÕES CONTRA A

ORDEM ECONÔMICA O procedimento administrativo de apuraçãodas infrações contra a ordem econômica estáregulado pelos artigos 30 a 51 da Lei n.º8.884, de 1994, e pelo conteúdo doRegimento Interno do CADE, aprovado pelaResolução n.º 12, de 31/03/98. Subdivide-seele em três fases:

(a) Averiguações Preliminares (artigos 30 a31), sob competência da Secretaria deDesenvolvimento Econômico - SDE;

(b) Instauração e Instrução (artigos 32 a 41),também sob competência da SDE;

(c) Julgamento (artigos 42 a 51), conduzidopelo Conselho Administrativo de DefesaEconômica - CADE.

De forma geral, pode-se dizer, de início, queas averiguações preliminares estão para opresente procedimento como o inquéritopolicial está para o processo penal. Comefeito, o que há, nesta fase, é tão-somenteuma aferição da presença de elementos

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mínimos a evidenciar a prática de infração àordem econômica e a justificar a abertura doprocesso administrativo. Neste sentido é,antes de qualquer outra coisa, procedimentoadministrativo-informativo, destinado afornecer ao Secretário da SDE, subsídios quelhe permitam decidir pela inauguração ou nãodo processo administrativo propriamente dito.

Com relação às fases instrutória e dejulgamento, nova analogia com o processopenal pode ser feita. Estas duas fases doprocedimento administrativo conformam-se,respectivamente, como um juízo de suspeita,quase que de mera admissibilidade daimputação formulada, e um juízo de mérito,de efeito condenatório, da mesma formacomo ocorre com o processamento dos crimesde competência do Tribunal do Júri, no âmbitocriminal – nesta área, lembre-se, há,previamente ao julgamento na sessãoplenária, a fase do sumário de culpa, na qualo juiz verifica, sem entrar no mérito da açãopenal, a existência de indícios que justifiquemou não a pronúncia do réu.

Detalhando-se as etapas que compõem cadauma das fases, pode-se assim sumarizar orito previsto para a apuração das infraçõescontra a ordem econômica:

(a) Averiguações Preliminares: nesta fasecabe à SDE efetivar averiguaçõespreliminares, de ofício ou diante derepresentação escrita e fundamentada dequalquer interessado, nos termos do artigo30;

(b) Instauração e Instrução do ProcessoAdministrativo:

· instauração do processo administrativo, pordespacho fundamento do Secretário da SDE(artigo 32);

· notificação do representado paraapresentação de defesa no prazo de 15 dias(caput do artigo 32);

· efetivação das diligências e produção deprovas de interesse da SDE, no prazo de 45dias, contado do data final para apresentaçãoda defesa (artigo 35);

· produção de provas de interesse dorepresentado, no prazo de 45 dias daapresentação da defesa (artigo 37);

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· apresentação pelo representado dasalegações finais, no prazo de cinco dias,contado da conclusão da instrução processual(artigo 39, primeira parte);

· decisão do Secretário da SDE, em relatóriocircunstanciado, manifestando-se peloarquivamento dos autos ou pela remessa aoCADE para julgamento (artigo 39, segundaparte);

· recurso de ofício ao CADE, demandado peloSecretário da SDE, no caso de decisão peloarquivamento dos autos (artigo 39, partefinal).

(c) Julgamento do Processo Administrativo:

· distribuição do processo ao Conselheiro-Relator, mediante sorteio, por parte doPresidente do CADE (artigo 42, primeiraparte);

· o Conselho-Relator abre vistas do processo àProcuradoria, que deverá manifestar-se emvinte dias (artigo 42, segunda parte);

· realização de novas diligências, requisiçãode novas informações ou produção de novasprovas, quando necessário e mediantedemanda do Conselheiro-Relator (artigo 43);

· intimação da data do julgamento emplenário, com antecedência mínima de cincodias (artigo 45, primeira parte);

· distribuição do Relatório do Conselheiro-Relator aos membros do plenário, aoProcurador-Geral e ao representado, ou aosseus advogados, com antecedência mínima decinco dias do julgamento (artigo 15 daResolução n.º 12/98 – Regimento Interno doCADE);

· aberta a sessão de julgamento, exposiçãodas questões relevantes de fato constantes deseu Relatório, por parte do Conselheiro-Relator (artigo 16 da Resolução n.º 12/98 –Regimento Interno do CADE);

· manifestação oral do Procurador-Geral e dorepresentado ou seu advogado, por quinzeminutos cada um (artigo 45, parte final);

· voto do Conselheiro-Relator (artigo 17 daResolução n.º 12/98 – Regimento Interno doCADE);

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· abertura pelo Presidente de período dediscussão, por quinze minutos, mediantesolicitação de membro do Plenário ou doProcurador-Geral (artigo 18 da Resolução n.º12/98 – Regimento Interno do CADE);

· votos dos demais conselheiros (artigo 17 daResolução n.º 12/98 – Regimento Interno doCADE);

· decisão final fundamentada, proclamadapelo Presidente (artigo 46);

· publicação do acórdão no Diário Oficial daUnião, no prazo de cinco dias (parágrafo únicodo artigo 46).

IV - O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E O

RITO DO PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DAS INFRAÇÕES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA

Definidos os requisitos para a efetividade doprincípio da ampla defesa, como exposto noitem 2, e conhecida a estrutura doprocedimento de apuração das infraçõescontra a ordem econômica, como descrita noitem 3, cumpre que se proceda, agora, àconsecução do objetivo proposto nestetrabalho, qual seja o de aferir o grau deatenção deste rito àquele princípio basilar, econstitucionalmente qualificado, do direitoprocessual.

Como se disse, no item 2 houve aidentificação de alguns requisitosfundamentais para a existência da ampladefesa em qualquer procedimento judicial ouadministrativo – consolidados que foram taisrequisitos a partir de contribuiçõesdoutrinárias de variada ordem. Relembrando-se, foram tais os elencados:

(a) existência de um rito previsto em lei;

(b) previsão de comunicação dos atosprocessuais;

(c) instauração do contraditório;

(d) ilimitação na apresentação de provas;

(e) julgamento por julgador imparcial emotivação da decisão;

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(f) recorribilidade das decisões.

Analisa-se então, nos subitens a seguir, aatenção do procedimento administrativo aquiconsiderado aos requisitos listados.

4.1. Existência de um Rito Previsto em Lei

Sem que se faça, agora, qualquer juízo devalor quanto ao conteúdo de cada um dosatos que compõem o procedimentoadministrativo, verdade é que este primeirorequisito imposto pela doutrina estáamplamente atendido pela legislação vigente.

Com efeito, a Lei n.º 8.884/94 e a Resoluçãon.º 12/98 dispõem minudentemente quantoao rito previsto para o processamento dosfeitos, definindo os atos que o compõem, asresponsabilidades e prerrogativas das partes,os meios pelos quais os intervenientes sãocientificados do curso processual, os efeitosde cada uma das decisões prolatadas ao longodo procedimento, as vias para a manifestaçãode inconformismo quanto a estas mesmasdecisões, enfim, não se pode inferir, por umaanálise estritamente formal do rito postopelas normas legais, que tenha restadoqualquer obscuridade procedimental quepossa dar margem a dubiedades.

4.2. Previsão de Comunicação dos AtosProcessuais

A comunicação dos atos processuais tem suaimportância associada à própria validação doprocedimento. Com efeito, no âmbito doprocesso civil, a citação não efetivada, ourealizada sem atenção à forma exigida em lei,nem mesmo chega a instaurar a relaçãoprocessual (artigo 214 do CPC); por outra, nafalta de intimação dos vários atos quecompõem a relação constituída, cerceadorestará o direito da parte de conhecer docurso processual e, por via de extensão, deexercer seu papel no litígio posto.

São tão importantes estes atos decomunicação, que o artigo 247 do CPCexpressamente determina: "as citações e asintimações serão nulas, quando feitas semobservância das prescrições legais".Dispensável ressaltar aqui, por óbvio, que noprocesso penal, dada a maior drasticidade deseu objeto, tais determinações são ainda maisdrastificadas.

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Entende-se a exigência legal, porque seriaimpensável que se iniciasse uma relaçãoprocessual sem que a parte demandadativesse ciência, por meio da citação, do que éacusada e em que tempo poderia encaminharsuas razões de discordância, sua defesa; damesma forma, não seria plausível que a partenão fosse informada, por meio de intimações,dos atos e termos do processo, a fim de sabero que deveria ou não fazer, e em que prazo.

Percebe-se, assim, a estreita relação entre osatos de comunicação e o direito de defesa. Nafalta deles, ou na sua existência sem oscuidados para que sejam efetivos, não poderáa parte contraditar a imputação que lhe éinicialmente feita, não poderá também fazeruso dos meios que a lei lhe faculta para, aolongo do litígio, interpor-se contra os atos queafrontem seus interesses, nem poderá, porfim, lançar mão dos recursos contra a decisãofinal que contra si é prolatada.

Com esta rápida digressão inicial já se podeperceber com clareza que a importância dosatos de comunicação não se restringe à esferajudicial. Com efeito, com a processualizaçãodo procedimento administrativo, só haveráampla defesa se também nesta esfera puder orepresentado saber tanto do que é acusado, eem que termos, quanto do conteúdo dos atosprocessuais que se vão sendo produzidos.

Trazendo a discussão agora para o âmbitoestrito do processo de apuração das infraçõescontra a ordem econômica, percebe-se que, àexceção da fase de averiguações preliminares- onde não uma relação jurídica aindaestabelecida, mas tão-somente uma açãoinvestigativa definida como uma dasatribuições do órgão que a conduz -, traz aLei n.º 8.884/94 previsão de comunicação detodos os atos processuais durante as fases deinstrução e de julgamento. De se ver.

Primeiro, em relação à fase de instrução,comanda o artigo 33:

Art. 33. O representadoserá notificado paraapresentar defesa no prazode 15 (quinze) dias.

§ 1.º A notificação inicialconterá inteiro teor dodespacho de instauração doprocesso administrativo eda representação, se for o

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caso.

§ 2.º A notificação inicial dorepresentado será feita pelocorreio, com Aviso deRecebimento em nomepróprio, ou, não tendo êxitoa notificação postal, poredital publicado no DiárioOficial da União e em jornalde grande circulação noEstado em que resida outenha sede, contando-se osprazos da juntada do Avisode Recebimento, ou dapublicação, conforme ocaso.

Tal notificação do procedimentoadministrativo corresponde à citação doprocesso judicial, e, à evidência do conteúdodo dispositivo, contém todos os requisitosprevistos para esta no direito processual: (a)comunicação para que o representadoapresente defesa em prazo definido; (b)cientificação do representado quanto àimputação que lhe é feita, o que se alcançacom o envio da íntegra do despacho dosecretário do SDE – que motivadamentedecidiu pela instauração do processo – ou darepresentação que tenha dado origem aoprocedimento sem a realização deaveriguações preliminares, nos termos doparágrafo 2.º do artigo 30; e (c) previsão deefetivação da notificação por correio ou,sendo ineficaz este meio, por meio de editalpublicado no Diário Oficial da União e emjornal de grande circulação.

Como se vê, de todos os elementos quefundamentaram a instauração doprocedimento terá ciência o representado,sendo-lhe informado, ainda, em que prazodeverá interpor defesa.

Quanto aos meios de efetivação danotificação, diferem eles do processo civil,basicamente em razão de não haver aprevisão de sua realização por mandado, oque se justifica em face de que não há, naAdministração Pública, o oficial de justiça. Nomais, as formas adotadas pela Lei n.º8.884/94 repetem meios tambémincorporados ao processo judicial.

Além de prever a notificação/citação dorepresentado, a Lei n.º 8.884/94 também trazexpressa, no parágrafo 3.º do mesmo artigo

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33, a previsão de intimação de todos osdemais atos processuais, o que deverá serfeito por meio de publicação no Diário Oficialda União.

Uma vez mais, repete o processoadministrativo aquilo que já consta doprocesso judicial: as intimações são feitaspela simples publicação no Diário Oficial(artigos 235 e 236 do CPC).

Por fim, tem-se na parte da lei que trata dafase de julgamento, especificamente no artigo45, a previsão expressa da intimação dorepresentado e do Procurador-Geral da datado julgamento em plenário, o que deverá serfeito com a antecedência mínima de cincodias. Este dispositivo poderia até serdispensado, em face do que já consta doparágrafo 3.º do artigo 33 – preceito este queembora conste do grupo de artigos quetratam da fase probatória, deve-se entender,por raciocínio lógico, aplicável ao processocomo um todo -, no entanto, parece ter tido olegislador preocupação em enfatizar aimportância do ato e o prazo em que deveriaser efetivado.

De tudo quanto se expôs, portanto, cumpreque se conclua que não será por falta deprevisão de comunicação dos atos processuaisque o princípio da ampla defesa não estarápresente no procedimento administrativo queaqui se discute. Se alguma crítica pode serfeita, teria ela de ser extensiva ao processojudicial, dada a similaridade com que amatéria aparece abordada nas duas esferas.Mas não parece ser aqui o caso.

De se ressaltar, por fim, que a existência demeios de comunicação não quer dizer quesejam eficazes os atos objeto decomunicação. Esta é questão, no entanto,para os próximos itens, como se verá.

4.3. Instauração do Contraditório

Só há possibilidade de instauração docontraditório, como anteriormente já se viu,se for dada ao cidadão a oportunidade:

a. de audiência de todos os atosprocessuais;

(b) de manifestação quanto aos atosprocessuais praticados e aos elementos de

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prova/argumentos trazidos pela partecontrária;

(c) e do oferecimento de defesa previamenteà decisão.

Na fase de averiguações preliminares não há,exatamente, processo. O que há, como já sedisse, é uma atividade administrativa decaráter informativo, intimamente relacionadacom as atividades cotidianas da SDE –monitoração e acompanhamento das práticasde mercado – e voltadas precípuamente àcoleta de indícios mínimos que justifiquem aabertura do processo administrativopropriamente dito.

Nestes termos, às averiguações preliminaresnão se aplicam os princípios processuais queinformam os procedimentos administrativos,entre tais o do contraditório. Neste sentido,assim manifesta-se João Bosco Leopoldino daFonseca(9):

A fase de averiguaçõespreliminares dispensaprocedimento formal, nãoexige defesa do averiguadonem publicidade, e devefazer-se sempre que osindícios não foremsuficientemente fortes parase instaurar de imdiato oprocesso administrativo. Afase de averiguaçõespreliminares tem porfinalidade apurar aexistência de indícios. Oindício não tem ainda acaracterística indicadora daprova. É ele somente uma"circunstância conhecida eprovada que, relacionando-se com determinado fato,autoriza, por indução,concluir-se a existência deoutra circunstância". Aapuração de indícios é maissimples e mais rápida,podendo levar à verificaçãoda existência de fatos quemereçam melhorinvestigação através doprocesso probatório.

De tal sorte, nada há de irregular nasumariedade com que a Lei n.º 8.884/94trata, em um único artigo, o de número 30, a

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fase de averiguações preliminares. Aatividade administrativa não se confunde coma instrução probatória que efetivamente só sedará nas etapas seguintes do processo.

Na fase seguinte, sim, é que importa já aaferição da presença do contraditório. Muitoembora não se constitua em um juízo demérito, condenatório, mas tão-somente desuspeita, de admissibilidade da imputação,cabe à fase de instrução do procedimento umimportante papel na obtenção do suporteprobatório que dará sustentação aojulgamento da questão pelo CADE; é queapesar de ao Conselheiro-Relator, no âmbitodo julgamento, ser dada ampla liberdade paraa produção de novas provas ou dissipação dedúvidas, verdade é que sobre a atividadeinstrutória conduzida pela SDE é que seproduzirá, em grande parte, a decisão ao finalprolatada.

De se dizer, de início, que a audiência detodos os atos processuais que compõem estafase, está expressamente prevista pelo artigo33 da Lei n.º 8.884/94. Neste dispositivo estáprevista a notificação inicial do representadopara a apresentação de defesa (caput eparágrafo 1.º) – medida similar à citação dodireito processual -, bem como a suaintimação "dos demais atosprocessuais" (parágrafo 3.º); de se notar quea lei não traz restrições, devendo todos osdemais atos serem comunicados.

Além destas disposições, comanda oparágrafo 4.º: "o representado poderáacompanhar o processo administrativo porseu titular e seus diretores ou gerentes, oupor advogado legalmente habilitado,assegurando-se-lhes amplo acesso aoprocesso na SDE e no CADE".

Como se percebe, não há limites, na lei, àparticipação do representado no processo.Além de ser cientificado de todos os atos epoder acompanhar, pessoalmente ou pormeio de advogado, o curso processual –tendo, ainda, acesso irrestrito aos autos -,não há restrições à apresentação de novoselementos de prova/argumentos, o quepoderá ser feito, ex vi do artigo 37, até o finalda instrução probatória.

O fato de não estar definida a formaespecífica pela qual o representado poderámanifestar-se quanto aos atos que foremsendo praticados, ou aos elementos que

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forem sendo acrescidos ao processo, nãorepresenta a inocuidade do permissivo legal,que deve ser entendido antes como dispensade formalidades; assim, querendo orepresentado interpor-se contra algum fato ouelemento, poderá fazê-lo imediatamente,mediante simples petição.

Não há na lei, também, qualquer restrição aoconteúdo das argüições que poderão serinterpostas pelo representado, concluindo-seque, afora as limitações constitucionaisquanto a determinadas provas, tudo pode seralegado.

Assim, tendo o representado amplo acesso aocurso processual, podendo, a qualquer tempoantes do encerramento da instrução,apresentar os argumentos que considerarmais adequados à sua defesa, há de seconcluir que estão presentes, ao menos emtese, garantias para a efetivação docontraditório.

A limitação à produção de provas após ainstrução justifica-se em face de que aspendengas precisam ter um termo final, nãosendo aceitável que, em face da garantiaposta, seja a faculdade utilizada, peloslitigantes de má-fé, como meio protelatório.

Do mesmo modo, não se pode considerar aprevisão da revelia, no artigo 34, comoafronta ao princípio que aqui se discute. Comefeito, a figura está desde há muitoincorporada ao processo civil e penal,justificada ela pelo fato de que tão importantequanto a preservação do direito do particularde não ser injustamente acusado e de poderdefender-se producentemente, é o interessepúblico de não ver a resolução de certasdemandas, especialmente aquelas de maioralcance político, social ou econômico,postergadas no tempo pela omissão doacusado em manifestar-se no processo.

In casu, a defesa do mercado, pelo âmbitodas repercussões que lhes são afetas,justificam a medida. No entanto, como deresto ocorre no processo judicial, ao revelreserva-se o direito de voltar ao processo, noestado em que este estiver.

Por fim, com as alegações finais (artigo 39),nova oportunidade tem o representado desumarizar tudo quanto do curso da instruçãoprobatória constou.

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Em suma, não há, no procedimentolegalmente previsto para a fase de instruçãodo procedimento, óbices à instauração docontraditório, estando assegurado aorepresentado o direito de conhecer dos fatose de manifestar-se quanto a eles antes dadecisão do Secretário da SDE de arquivar oprocesso ou encaminhá-lo para julgamentopelo CADE.

Resta analisar, por fim, a fase de julgamentopelo CADE. Tem-se aqui, à evidência do quese exporá, um quadro um pouco diferente.

De se dizer, primeiro, que ao contrário do queocorria na fase probatória, em que uma amplaliberdade de manifestação era facultada aorepresentado, tal não se repete na fase dejulgamento. Agora, ainda há a possibilidadede juntada de novas provas, da busca denovos elementos, da instauração de debates,mas tudo dependerá de um juízo doConselheiro-Relator, a quem o processo foidistribuído, quanto à necessidade de que taisatos precisem ser praticados.

Satisfazendo-se o Conselheiro –Relator com oque foi coletado na fase anterior, poderá eleproduzir seu Relatório e incluir o processo empauta de julgamento, sem que tenha sidodada qualquer oportunidade ao representadode manifestar-se antes da produção desteRelatório.

É de se ressaltar, neste ponto, que nãoobstante tenha se destinado a fase anterior àinstrução probatória do processo como umtodo, foi ela dirigida por autoridade que não éa que efetivamente julgará o feito, e quepoderá ter conduzido o curso processual nosentido, apenas, de subsidiar uma decisãocomo a que naquela fase se tem, que é muitopróxima de um mero juízo de admissibilidade.

É também por tais razões que no âmbito doprocedimento dos crimes de competência doTribunal do Júri, no processo penal, como jáse fez referência ao início deste trabalho, há aprevisão de que depois do sumário de culpa,como juízo de mera suspeita que é, hajaquase que uma repetição da instruçãoprobatória, agora diante de quem efetivará ojulgamento do crime. É a compreensão deque as duas fases tem objetivos precípuos,que não devem prevalecer sobre o interessedo acusado de manifestar-se diante de tantosquantos estejam envolvidos na apreciação doque lhe é imputado.

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De se dizer, ainda, que no âmbitoadministrativo mais razão existiria para amanutenção, na fase de julgamento, daliberdade de participação concedida aorepresentado na fase anterior. É que aocontrário do processo penal, onde o sumáriode culpa já é conduzido, em regra, pelo juiz-presidente do Tribunal do Júri – e que, assim,atuará posteriormente também no julgamento-, no processo administrativo a instruçãoprobatória é dirigida por autoridadeadministrativa, não especializada ounecessariamente não afeita a questõesprocessuais, e que só participará da fase dejulgamento a fim de dirimir eventuaisdúvidas, mediante demanda do Conselheiro-Relator ou do Presidente do CADE.

É claro que poder-se-ia argumentar que talmedida representaria um encorpamento dorito e a atribuição de formalidades excessivaspara um procedimento que é, afinal, apenasde âmbito administrativo.

Tal crítica, no entanto, deixa de fazer sentidoquando se percebe que penalidadesextremamente gravosas para a atividadeempresarial podem ser definidas a partirdeste procedimento administrativo que,afinal, é conduzido por um ente que tem, exvi do artigo 3.º da Lei n.º 8.884/94, o statusde órgão judicante – o que poderá significar,de acordo com o entendimento que seproduzirá pela doutrina e jurisprudência, suairrecorribilidade diante do Poder Judiciário -, eque tem suas decisões como irreformáveis noâmbito do Poder Executivo (artigo 50,também da Lei n.º 8.884/94).

De se lembrar tudo aquilo que se falou noitem 1 deste trabalho quanto às razões quelevam à processualização da atividadeadministrativa.

Cabe enfatizar, por fim, que na fase dejulgamento, só há direito garantido de orepresentado manifestar-se diante dosjulgadores, na oportunidade da sustentaçãooral de quinze minutos prevista no artigo 45da Lei n.º 8.884/94 e no artigo 16 daResolução n.º 12/98. Afora este caso, sóvoltará a manifestar-se por expressarequisição do Conselheiro-Relator, doPresidente ou de algum membro do plenário.

À evidência, considerando-se a drasticidadeda pena que poderá resultar deste julgamentoe o fato de a instrução ter sido conduzida por

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quem não julgará o processo, bastantecomprometido resta, nesta fase, o princípiodo contraditório. A menos que a atuação doConselheiro-Relator e do Presidenteconduzam o processo em sentido contrário,propiciando ao representado as oportunidadesque a lei, pelo menos expressamente não lhedá, poderá ele ter uma decisão contra siprolatada a partir de um procedimento emque não pôde manifestar-se de forma ampla eproducente.

Portanto, cumpre que reconheça que ocaráter dialético do processo, defendido porNelson Nery Costa, como visto no item 2deste trabalho, resta bastante comprometidojustamente na fase em que se efetiva ojulgamento do feito. E, como visto, apenasuma percuciente e diligente atuação dosjulgadores poderá suprir a omissão legal.

4.4. Ilimitação na Apresentação de Provas

Como já se abordou brevemente no itemanterior, não há na lei restrições quanto àsprovas que poderão ser juntadas aos autos,entendendo-se, assim, que só não serãoadmissíveis aquelas que a ConstituiçãoFederal assim expressamente as declara,como tais as provas obtidas por meios ilícitos(inciso LVI do artigo 5.º) – mesmo nestecaso, no entanto, há que se considerar aposição de tantos quantos defendem que talrestrição constitucional deve ser relativizadadiante outros valores jurídicos e moraistambém preservados pela Carta Magna.

À margem desta discussão, porém, cumprereconhecer que a Lei n.º 8.884/94 e aResolução n.º 12/98 não impõem qualquerlimite material à produção de provas. O quehá, e isto já foi ressalvado no item anterior, éuma restrição, bastante evidenciada na fasede julgamento do processo no âmbito doCADE, quanto à oportunidade, ao momentode apresentação destas provas.

Nos momentos, no entanto, em que aprodução de provas é permitida, não há,repita-se, limites ao que se possa argüir,estando assegurada, inclusive, a possibilidadeda autodefesa e da defesa técnica, comoprevisto no parágrafo 4.º do artigo 33 e noartigo 45 da Lei n.º 8.884/94.

De tal sorte, verifica-se que a ilimitação dasprovas quanto à sua oportunidade de

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produção não mereceu a mesma amplitudedada quanto ao seu conteúdo material,fazendo com que fique bastante enfatizada anecessidade de uma atuação dos julgadoresque supra a omissão legal. Apenas neste casohaverá a ampla atenção a mais este requisitodo princípio da ampla defesa.

4.5. Julgamento por Julgador Imparcial eMotivação da Decisão

Com o referendo da Lei n.º 8.884/94 à idéiade atribuir ao CADE a competência específicapara o julgamento dos processosadministrativos de apuração das infraçõescontra a ordem econômica, deixando para aSDE as fases de averiguações preliminares ede instrução, criaram-se as condições para aexistência de um órgão julgador especializadoe imparcial.

Especializado e imparcial porque, ao atuarapenas na fase de julgamento, acaba o órgãodesenvolvendo uma cultura específica para aatividade e criando um sentido de isenção quesó pode ser alcançado com a seu efetivoafastamento das atividades relacionadas comas fases de averiguação e instrução; afinal,dificilmente ter-se-ia imparcialidade se omesmo órgão acumulasse as funções deapuração da infração e de seu julgamento.

A medida adotada no âmbito do procedimentoque aqui se discute se insere, também, nomovimento de processualização da atividadeadministrativa a que se fez referência no iteminicial deste trabalho. Com efeito, providênciasimilar foi adotada no processo administrativofiscal. Até 1993, o mesmo órgão fazendárioque autuava o contribuinte, julgava emprimeira instância o Auto de Infração lavrado.Com o fim, no entanto, de adequar o rito àsdisposições da nova Constituição Federal,criou o legislador órgãos especificamentedestinados a estes julgamentos – asDelegacias da Receita Federal de Julgamento-, completamente desvinculados dasdelegacias responsáveis pela fiscalização earrecadação de tributos.

Obviamente que tais órgãos administrativoscontinuam a ser parte da AdministraçãoPública, mas a especialização da função trazinequívocos ganhos, que vêm sendoreconhecidos pela sociedade.

De tal sorte, considerando-se que o CADE: (a)

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não está subordinado a quem apura aspretensas infrações contra a ordemeconômica, (b) tem sua atividade dirigidaespecificamente ao julgamento, (c) estásubordinado ao Ministério da Justiça apenasadministrativamente, e (d) tem seusmembros escolhidos especificamente para afunção, em processo de nomeação que levaem conta seu "notável saber jurídico oueconômico" (artigo 4.º da Lei n.º 8.884/94),cumpre que se reconheça, não obstante suainserção dentro da estrutura da AdministraçãoPública, que estão presentes condições queviabilizam uma atuação imparcial.

Tal atuação imparcial resta enfatizada pelaobrigatoriedade, posta pela lei, de motivaçãodas decisões. É tal o conteúdo do artigo 46 daLei n.º 8.884/94:

Art. 46. A decisão do CADE,que em qualquer hipóteseserá fundamentada, quandofor pela existência deinfração da ordemeconômica, conterá:

I - especificação dos fatosque constituam a infraçãoapurada e a indicação dasprovidências a seremtomadas pelos responsáveispara fazê-la cessar;

II - prazo dentro do qualdevam ser iniciadas econcluídas as providênciasreferidas no inciso anterior;

III - multa estipulada;

IV - multa diária em caso decontinuidade da infração .

Parágrafo único - A decisãodo CADE será publicadadentro de 5 (cinco) dias, noDiário Oficial da União.

À evidência, se houver atuação imparcial, nãopoderá ela, pelo menos, dar-se sem querestem exteriorizados os abusos cometidos.

4.6. Recorribilidade das Decisões

Reside neste aspecto, talvez, o defeito maior

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da Lei n.º 8.884/94. Ao definir o CADE, emseu artigo 3.º, como órgão judicante, edeclarar, no artigo 50, que suas decisões nãocomportam revisão no âmbito do PoderExecutivo, atribuiu o ato legal ao órgãoadministrativo uma prevalência que nãoencontra similar no direito processual.

Com efeito, muito embora não se tenhadefinido com precisão, ainda, tanto nadoutrina quanto na jurisprudência, a extensãodo significado da expressão "órgão judicante",verdade é que corre-se o risco de retrocesso àidéia da auto-executoriedade dos atosadministrativos, ao atribuir-se a um órgão opoder de prolatar uma decisão que resteirreformável tanto pelo Poder Judiciárioquanto pelo Poder Executivo. Tal medidaafronta vários princípios, dentre os quaisdestacam-se aqui, por suficiente, apenas doisdeles.

Primeiro, há uma clara agressão ao princípioda inafastabilidade do Poder Judiciário,expresso no inciso XXXV do artigo 5.º daConstituição Federal: "a lei não excluirá daapreciação do Poder Judiciário lesão ouameaça a direito".

Segundo, atenta-se frontalmente contra ospróprios princípios do contraditório e daampla defesa – os grandes informadores dadisciplina processual -, incluídos no inciso LVdo artigo 5.º, também da ConstituiçãoFederal: "aos litigantes, em processo judicialou administrativo, e aos acusados em geralsão assegurados o contraditório e ampladefesa, com os meios e recursos a elainerentes". Ora, um dos meios inerentes àampla defesa é o do duplo grau de jurisdição,segundo o qual qualquer pessoa tem direitode ver uma decisão contra si formuladareapreciada por outro ente; com este recurso,satisfaz-se a natural inconformidade do serhumano com uma única decisão, além do quepropicia-se a depuração do processodecisório, em face da falibilidade humana.

Tais afrontas, por si sós, demonstram aimpropriedade de uma opção que, apesar delegalmente eleita, acabará, muitoprovavelmente, sendo destruída pelamanifestação pretoriana e por umapresumível revisão legislativa futura, queacabe por reposicionar o procedimento, emrelação a este aspecto, no curso dasmudanças que atingem o conjunto dosprocedimentos administrativos.

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Em assim não sendo, poder-se-á ter umretrocesso de graves conseqüências, postoque a partir do momento em que asnomeações para o CADE deixarem de sereminentemente técnicas para serempredominantemente políticas – o que não sedescarta diante da regra definida pela lei -,decisões de grande alcance, impacto erelevância para as relações comerciaispoderão estar sendo tomadas com base emcritérios de duvidosa legitimidade e depresumível parcialidade, e, o que é maisgrave, sem que o destinatário destas decisõespossa opor-lhes suas razões pela via de umrecurso, seja ele de caráter administrativo oujudicial.

V - CONCLUSÃO Em face da análise efetivada, percebe-se, emresumo, que o procedimento de apuração dasinfrações contra a ordem econômica, naforma como regrado pela Lei n.º 8.884/94 epela Resolução n.º 12/98, atendeintegralmente a alguns dos requisitos postospela doutrina para a efetividade do princípioda ampla defesa, deixando alguns outros, noentanto, parcial ou totalmente esquecidos.

Os que estão devidamente considerados são oda existência de um rito previsto em lei, o daprevisão de comunicação dos atos processuaise o do julgamento por julgador imparcial emotivação da decisão.

Com efeito, o rito processual estáminudentemente previsto nas normas legais,não restando dubiedades que justifiquemargüições relativas à falta de clareza, à faltade previsibilidade procedimental.

Da mesma forma, prevêem as normasreferidas, a exemplo do que ocorre com oprocesso judicial, as formas de comunicaçãodos atos processuais, aí incluídas anotificação/citação do representado e a suaintimação de todos os atos componentes doprocedimento. Não há restrições: comanda alei a cientificação de todos os atos, o que estáprevisto para ser feito por meios que, deforma geral, são os já adotados no processocivil e penal.

Quanto ao requisito do julgador imparcial e dadecisão motivada, adota a lei , tambémsatisfatoriamente, a figura do julgador

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especializado, que além de não se confundircom aqueles que tem a função de monitoraras relações de mercado e de apurar eventuaisinfrações contra a ordem econômica, étambém selecionado especificamente para afunção, a partir de seu reconhecido saberjurídico. No mesmo sentido doestabelecimento de garantias àimparcialidade, estabelece a lei aobrigatoriedade de que todas as decisõessejam motivadas, definindo os requisitos quedevem ter para serem consideradas válidas.

Não obstante tais evidentes méritos doprocedimento estabelecido, cumpre que sefaça referência, no entanto, a alguns outrosrequisitos que não estão integralmenteacolhidos pela lei. São tais o da instauraçãodo contraditório e o da ilimitação naapresentação das provas.

Em relação ao contraditório, apesar de estarele satisfatoriamente contemplado na fase deinstrução, assim não o é na fase dejulgamento; enquanto naquela etapa aparticipação do representado independe docondutor do processo, estando expressadadetalhada em lei, nesta a possibilidade deinterferência está drasticamente reduzida,dependendo mais da linha de condutaadotada pelo Conselheiro-Relator e peloPresidente do CADE.

Cria-se, com isso, a possibilidade de que,justamente na fase decisória, não hajaintervenção significativa do representado,limitando-se o julgamento à apreciação deprovas coletadas por outra autoridadeadministrativa, esta não imbuída daimparcialidade concedida aos conselheiros doCADE – dado que acumula também asfunções de monitoramento do mercado -, eque não tem, necessariamente, oconhecimento técnico exigido para aqualificação do material probatório.

Compromete-se, com isso, o caráter dialéticoda relação jurídica estabelecida, posto que odireito de contraditar o feito, justamente nafase de julgamento, depende mais daavaliação subjetiva do Conselheiro-Relator edo Presidente do CADE que da força da lei.Considerando-se a drasticidade daspenalidades que podem resultar da decisão,parece ter havido um excessivo enxugamentodo procedimento, em claro detrimento a umadas mais importantes características doprincípio da ampla defesa.

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Já quanto à ilimitação na apresentação deprovas, as deficiências relacionam-se com oque acima já se disse em relação aocontraditório. Como a participação dorepresentado é bastante limitada na fase dejulgamento pelo CADE, sua possibilidade deapresentar provas outras que não aquelasencaminhadas na fase anterior à SDE, restatambém bastante reduzida. Novamente aqui,a apresentação de novos elementos, mesmoque referentes a superveniências posterioresà fase de instrução, dependerá mais daaquiescência do Conselheiro-Relator e doPresidente do CADE, que de previsão legalexpressa.

Assim, muito embora não existam limites nalei, quanto ao conteúdo material das provas –o que torna inadmissíveis apenas aquelasexpressamente desqualificadas pelaConstituição Federal -, existem eles no que serefere à oportunidade de sua apresentação,que são bem mais drásticos na fase dejulgamento.

Para finalizar, a referência ao requisito darecorribilidade das decisões. Como já se disseno item 4.6 deste trabalho, talvez seja emrelação a este requisito específico a maiordeficiência da Lei n.º 8.884/94. Com adefinição legal de que o CADE é um órgãojudicante e que suas decisões sãoirreformáveis no âmbito do Poder Executivo,criou o legislador afrontas de variada ordem àConstituição Federal, além de ter promovidoum retrocesso no movimento deprocessualização dos procedimentosadministrativos.

Dependendo do que se entenda por "órgãojudicante", pode-se ter formalizado a previsãode atos administrativos que não poderão sersubmetidos à apreciação do Judiciário, o quecolide com o dispositivo constitucional queprevê a inafastabilidade da manifestaçãodeste Poder, diante de lesão ou ameaça adireito.

Por outra, a inexistência de uma instânciarecursal administrativa, além de representaruma desconsideração à naturalinconformidade do ser humano com decisõesúnicas, impede a depuração do processodecisório, necessário em face da falibilidadehumana.

De se dizer, ainda, que a opção do legisladoratribui a uma instância única, a aplicação de

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penalidades que podem ser extremamentegravosas, além do que abre caminho paraque, diante de um eventual desvirtuamentodo processo de nomeação dos membros doCADE – que substitua o critério técnico pelopolítico, por exemplo -, se tenha decisões degrande impacto para as relações comerciaissendo tomadas com base em critérios deduvidosa legitimidade e imparcialidade, o quese torna mais grave com o fato de que oprocessado, diante delas, não poderá valer-se, tanto na esfera administrativa quantojudicial, de uma via recursal que lhe permitaargüir a arbitrariedade sofrida.

É, como já se disse, um retrocesso natendência à processualização dosprocedimentos administrativos; retrocessoeste que, espera-se, seja devidamenteneutralizado ou pela via jurispridencial ou pormeio de uma revisão legislativa.

VI - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários àConstituição do Brasil – Vol. 2. Ed. Saraiva,São Paulo, 1989, p. 267-268.

COSTA, Nelson Nery. Processo Administrativoe Suas Espécies. Ed. Forense, Rio de Janeiro,1997.

FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Lei deProteção da Concorrência. Ed. Forense, Rio deJaneiro, 1995.

JUSTEN FILHO, Marçal. Ampla Defesa eConhecimento de Argüições deInconstitucionalidade e Ilegalidade noProcesso Administrativo. In: RevistaDialéticade Direito Tributário, n.º 25. Ed. Dialética,São Paulo, 1998.

MEDAUAR, Odete. A Processualidade noDireito Administrativo. Ed. Revista dosTribunais, São Paulo, 1993.

XAVIER, Alberto. Do Lançamento – TeoriaGeral do Ato do Procedimento e do ProcessoTributário. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1997.

NOTAS

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(1) Medauar, p. 32. [Volta] (2) Costa, p. 18. [Volta] (3) Medauar, p. 121. [Volta] (4) Xavier, p. 161-162. [Volta] (5) Bastos, p. 267-268. [Volta] (6) Costa, p. 15-16. [Volta] (7) Medauar, p. 112. [Volta] (8) Medauar, p. 115 a 120. [Volta] (9) Fonseca, p. 116-117. [Volta]

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