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Ovos biológicos, de galinhas criadas no solo ou ao ar livre: Sabe mesmo o que anda a comer? Há cadeias de supermercados a banir ovos de gaLinhas criadas em gaiolas, invocando a sustentabilidade e o bem-estar animal. Os sistemas de produção alternativos são melhores para as aves e para o ambiente? E faz sentido pagarmos três vezes mais por estes ovos de galinhas e frangos criados ao ar livre?

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Ovos biológicos, de galinhas criadas no solo ou ao ar livre:

Sabe mesmo o que anda a comer?

Há cadeias de supermercados a banir ovos de gaLinhas criadas em gaiolas,invocando a sustentabilidade e o bem-estar animal. Os sistemas de

produção alternativos são melhores para as aves e para o ambiente?E faz sentido pagarmos três vezes mais por estes ovos de galinhase frangos criados ao ar livre?

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OMITO

DA GALINHA

"DO CAMPO"Vários supermercados estão a banir ovos de galinhascriadas em gaiolas, citando o bem-estar animai

e a sustentabilidade. Mas estudos e especialistas

garantem que os sistemas de produção alternativos

são mais cruéis para as aves - à solta, morrem mais,

têm mais doenças, são comidas por predadores

e canibalizam-se. Além disso, a pegada ecológica

é maior. E o valor nutricional dos ovos é idêntico.

Afinal, há alguma razão para pagar até três vezes mais

por ovos de galinhas e por frangos criados ao ar livre?

LUÍS RIBEIRO

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É o número de ovos quese consomem diariamenteem Portugal.0 nosso país é autossuficiente

e ainda exportamÉ a carne de animais de capoeiraque cada português come,em média, por ano (INE, 2017),cerca de 800 g por semana.0 porco ainda está em primeiro lugar(43,7 kg), mas tem vindo a perderterreno para as aves - houve umaumento, per capita, do consumo de

aves de 5,7 kg nos últimos quatro anos,

ao passo que o porco se tem mantidoestável.

O que faz uma galinha feliz? Ter es-

paço para correr e bater as asas? Luzdo sol? Terra para esgravatar? Sentir a

brisa fresca a passar-lhe pelas penas?

Qualquer humano, por instinto ousenso comum, diria que sim.

Se esse é o caso, as galinhas pare-cem escolher a infelicidade. O pavi-lhão de criação ao ar livre de poedeirasda Zêzerovo, perto de Ferreira do

Zêzere, acolhe 35 mil animais, mas,

apesar das portas escancaradas para o

exterior e do dia agradável, com 20°C,sem vento, nem uma nuvem no céu,não há sequer mil aves cá fora - me-nos de 3% do total. Praticamente todas

preferem a atmosfera quase irrespi-rável do pavilhão, cheio de poeira, ao

ar puro e ao relvado vasto, verde e vi-çoso, enquadrado por um belo pinhal."Nunca saem mais de duas ou três mil

galinhas", garante David Henriques,engenheiro zootécnico e diretor de

produção da empresa, uma das duasmaiores produtoras de ovos do País.

Os profissionais do setor não vêemnenhuma justificação para criar gali-nhas ao ar livre, mas estão a fazer a

conversão do sistema convencional(aves em gaiolas) para os alternati-vos (no solo, ao ar livre e biológico).A exigência vem dos clientes, com oLidl na vanguarda da transição: ba-niu por completo a venda de ovos de

produção convencional c prepara-separa fazer o mesmo com os ovos uti-lizados na confeção dos seus produtosde marca própria. A razão, segundo os

comunicados, é o "compromisso coma sustentabilidade e a qualidade", "em

prol do bem-estar animal". A Aldi,outra cadeia alemã, vai retirar ovos de

gaiola das prateleiras até ao final do

próximo ano; Jerónimo Martins (su-permercados Pingo Doce e Recheio)e Intermarché apontam para 2025.

AHSftO ENCONTROU

UM Sfl OVO SUJO

COMDEJETOS,EMDEZ

GADUSOUEAPQUMU

-UM OVO D/| ÚNICA .CAIXA BIOIOBCA, TRÊS

VEZES MAIS CARA

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As alternativasOs portugueses compramcada vez mais ovos de galinhade solo ou de ar livre.As primeiras andam à soltadentro de um pavilhão;as segundas também, mastêm aberturas para iremao exterior - o que não

significa que o façam

A Sonae (Continente e Modelo) diz-se"atenta ao desenvolvimento do mer-cado", mas não avança, para já, com adecisão de deixar de oferecer a gamamais barata de ovos.

Sustentabilidade, qualidade e bem--estar animal - três pilares a sustentara mudança que não parecem estar as-sentes em evidências. Estudos científi-cos e especialistas ouvidos pela VISÃOconcluem que os sistemas alternativosde produção de ovos e Frangos sãomais destrutivos para o ambiente, a

qualidade e a segurança do produtofinal são idênticas (quando não são

piores), as investigações demonstram

que, do ponto de vista nutritivo, não há

diferenças assinaláveis, e o bem-estardos animais não está de todo assegu-

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rado por viverem mais "à solta". Pelo

contrário: canibalismo, dor crónica,doenças provocadas por vírus e pa-rasitas, predadores e asfixia são pro-blemas mais comuns nas aves de solo

e ar livre. Isto explica que a mortalida-de chegue a ser quatro vezes superior

DE ONDE VEM 0 OVO

Há quatro sistemas de produçãode ovos em Portugal, comas condições definidas na lei

EM GAIOLAS

? Gaiola com área de 750 cm 2por galinha

(não é uma gaiola por galinha - cada uma leva

dezenas de galinhas)

?Mínimo de 20 cm de altura

?Ninho

? Material para a galinha esgravatar

? 15 cm de poleiro por galinha

? Comedouro e bebedouro

? Arranhador

NO SOLO (DENTRO DE PAVILHÃO)

? Um ninho por cada 7 galinhas ou 1 m 2de ninho

coletivo para 120 galinhas

?9 galinhas por m

2

? Máximo de 4 pisos, com distância

de 45 cm entre eles

? Comedouro e bebedouro

AO AR LIVRE

? 0 espaço interior é idêntico ao da galinha

de solo

? Portinholas de acesso ao exterior com 35 cm

de altura e 40 cm de largura; 2 m de aberturas

por cada mil galinhas

? 2,5 m 3de área exterior por galinha

BIOLÓGICO

?Semelhante a "ao ar livre",

mas a ração é maioritariamente

biológica e sem organismos

geneticamente modificados (OGM)

? 4 m 2de área exterior por galinha

? Máximo de 3 000 galinhas por pavilhão

? 6 galinhas por metro quadrado

SABE BEM PAGAR TANTO?

Os ovos de solo são 25% mais carosdo que os de gaiola; os biológicoscustam o triplo

Comparação de preços dos ovos e da carne,

de acordo com o sistema de produção:

UMA MODAÀ volta de uma mesa, numa sala daEscola Superior Agrária de Coimbra,dois veterinários e dois engenheiroszootécnicos vão abanando a cabeça

enquanto trocam opiniões sobre asideias feitas dos consumidores. Os

quatro membros da direção da As-sociação Portuguesa de Ciência Aví-cola (APCA), a que a Direção-Geralde Alimentação e Veterinária recorre

enquanto órgão consultivo, começampor falar das pequenas opções ilógicasmas inofensivas que, não tendo razãode ser, também não têm consequên-cias profundas.

"Por exemplo, os portugueses pre-ferem ovos de casca amarela; noutros

países, preferem de casca branca. Nãohá diferença entre eles. Por dentro são

iguais. Mas, há dois anos, tentámosintroduzir no mercado os de cascabranca e não funcionou", lamenta

José Luís Gomes, especialista emovos. O valor comercial destes ovosem Portugal é de tal forma baixo quevão diretamente para a indústria de

transformação, a acompanhar os con-siderados defeituosos (sujos ou comduas gemas). "Acontece o mesmo como frango", acrescenta Bruno Roque,do setor dos frangos. "Nós gostamosda pele amarela; os espanhóis, da es-branquiçada. A carne é igual. A única

diferença é que uns não pigmentamtanto a pele como outros."

O debate ganha uma dimensãomais séria quando se fala das diferen-

ças entre os sistemas de produção e

a procura crescente por ovos e carnede origens alternativas, motivadapor conceitos que muitas pessoastêm, sobretudo no que diz respeitoà felicidade dos animais. "O tema dobem-estar é muito subjetívo. Aquilode que a galinha precisa não é o mes-mo que nós precisamos. Por isso, emvez de bem-estar, prefiro falar emconforto. E os animais, se não estão

em conforto, se ficam doentes, nãodemonstram todo o seu potencial de

crescimento. É do nosso interesse

que estejam bem tratados", continuaBruno Roque.

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É mais o que os uneUm estudo deuma investigadoraportuguesa concluiu

que não há diferençasnutricionais entre ovosde gaiola, solo, ar livree biológicos

A realidade do sistema convencio-nal também já não é o que era: a lei

europeia mudou em 2012, obrigandoos produtores a fazerem alterações de

monta (incluindo o aumento em 25%do espaço por ave), com vista ao bem--estar dos animais. "Hoje, as galinhasde gaiola têm poleiros, raspadores de

unhas, ninhos, água fresca. É verdade

que os espaços são de 750 centímetros

quadrados [uma folha A 4tem 630cm 2], mas não estamos a falar de umagaiola por animal. São gaiolas comu-nais, que dão para 30, 60 aves. Vejo-asmuitas vezes a correr de um lado para o

outro", diz José Luís Gomes, para quemesta mudança dos consumidores "não

passa de uma moda importada do Nor-te da Europa". "Aliás, uma densidadede animais demasiado baixa pode sertão prejudicial como demasiado alta.

Por algum motivo as galinhas gostamde andar em bando. E se estão a pro-duzir tanto ou mais do que espero, é

porque o animal está bem", acrescentaRui Fortunato, outro perito em ovos.

Fernando Moreira, presidente daAPCA e professor convidado do Insti-tuto de Ciências Biomédicas Abel Sala-

zar, lembra que as galinhas preferem o

ambiente controlado e que o exterior é

um fator de stresse, devido a disputasterritoriais, aos predadores e ao clima."Para muita gente, é mais 'engraçado'as galinhas irem à rua. Para as avesnão é. No Reino Unido, por exemplo,metade da produção é de ar livre, mas

as galinhas nunca saem dos pavilhões,

porque está frio cá fora. Claro que de-

pois o ovo é na mesma vendido comosendo de ar livre..."

0 FRANGO NÃO

ÉO MESMOAo contrário das galinhas poedeiras,há uma estirpe de frangos própriapara os sistemas ao ar Livre

FRANGO CONVENCIONAL

?Criado em pavilhão, no chão

- Abatido ao fim de 36 ou 37 dias de vida

? Estirpe de crescimento rápido

? Não está preparado para ir para o exterior

FRANGO 00 CAMPO

? Criado em pavilhão, com aberturas

para o exterior

"Abatido com 81 dias

? Estirpe de crescimento lento

? Mais resistente à vida no exterior

FRANGO BIOLÓGICO

• Criado em pavilhão, com aberturas

para o exterior

? Máximo de 4 800 animais por pavilhão

• Densidade de 10 frangos por m

2

-Abatido com 61 dias

0 PREÇO DA ÜBERDADE

O frango do campo custa o dobro do

convencional; o biológico, mais do triplo

Comparação dos preços de frango inteiro

na loja online de uma grande superfície

O QUE DIZEM OS ESTUDOSÉ possível medir a felicidade de uma

galinha? Por mais filosófica que pareçaa pergunta, investigadores de todo o

mundo têm tentado responder. Umestudo publicado em 2011 na princi-pal revista científica da área, a Poul-

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lr\j Science, revela vários indicadores

comparativamente negativos para as

produções de solo (galinhas à soltadentro de um pavilhão) e ar livre (igualao de solo, mas com aberturas paraum espaço exterior): os animais estão

"mais propensos a vírus e parasitas"(como o da coccidiose, que causanecrose nos intestinos), a "caniba-lismo e asfixia, por se empilharem",a "infeções bacterianas", "expostos a

predadores e a doenças transmitidas

por animais selvagens" e a uma "maiorincidência de fraturas antigas [devidoaos saltos mal medidos], o que é umfator de dor crónica"; "a qualidade doar é pior" e "há preocupações muitosérias de biossegurança, devido àsaves terem acesso ao seu estrume,onde comem larvas e escaravelhos".Por tudo isto, "a mortalidade podeatingir níveis inaceitavelmente altosem sistemas sem gaiola". Não ajudao facto de estas galinhas terem sido

geneticamente melhoradas, atravésde cruzamentos ao longo de muitasgerações, para viverem em gaiolas.Não têm a robustez (a que no meiochamam de "rusticidade") necessária

para resistirem bem ao ar livre.Uma meta-análise publicada em

2016 na prestigiada revista científicaPLOS One vai no mesmo sentido. Osdez estudos avaliados, que incidiramsobre um total de 45 milhões de aves,encontraram taxas de mortalidade emsistemas alternativos, face às gaio-las, duas a quatro vezes superiores.A meta-análise conclui: "Altos níveisde mortalidade são insustentáveis e

não éticos. As principais causas demortalidade de galinhas poedeiras são

doenças, predadores, canibalismo e

asfixia. Estas são questões complexase de muito difícil resolução O grau demortalidade num bando é um indi-cador fiável não só do bem-estar dosanimais (e, portanto, das expectativasdos consumidores), mas também temimpacto sobre outras facetas de sus-tentabilidade, como a pegada ecológicae a viabilidade económica do sistema."

Esse é outro problema - muitagente opta por ovos e frangos desistemas ao ar livre por julgarem seruma escolha mais sustentável, amigado ambiente. Mas pode ser precisa-mente o oposto.

5 MITOS A DESFAZER

Estas são algumas das crençasassociadas à produção de ovos

e de frango

Q Os frangos crescem depressadevido às hormonas Não sãodadas hormonas aos frangos.É tudo uma questão de genética."Uma galinha sentada a comertem um metabolismo sete vezesmais rápido do que o Usam Bolt a

correr os 100 metros", compara o

veterinário Fernando Moreira. São,sim, administradas várias vacinas- e as aves de ar livre recebem maisdo que as outras, para resistiremaos vírus e parasitas do exterior.

Q Um frango de campo oubiológico vive muito É abatidoao fim de 81 dias de vida, seja eleou não biológico. Vive mais tempodo que um frango convencional

(que morre com 36 ou 37 dias), masestá muito longe de um autóctone,

que vive perto de um ano.

Q A alimentação das aves ao arlivre é melhor Na sua essência, é

igual, independentemente do modode produção: milho, bagaço de soja e

um suplemento vitamínico e mineral,

produzido nas mesmas fábricasdos suplementos para humanos.

Q Galinha de ar livre é uma raçadiferente A estirpe é a mesma,e esse é um dos problemas: a

galinha poedeira foi geneticamenteotímizada, através de cruzamentos,para produzir em sistemasde gaiola. Não tem a rusticidadenecessária para estar no exterior,ao contrário das raças portuguesas."Nunca tive uma galinha autóctonedoente", garante o engenheirozootécnica José Luís Gomes.

O Cortar o bico às galinhas édesumano Hoje, o corte é feito

com um laser que passa pelo bico da

pinta (com um dia de idade); a pontaé queimada e cai ao fim de uns dias."Percebemos que é indolor, porquea pinta vai Logo comer, enquantono passado, quando o corte erafeito com uma lâmina, às 10 ou 12

semanas, a galinha perdia o apetite",explica o veterinário Rui Fortunato,Estudos indicam que, quando não secorta o bico, há maior mortalidade- as galinhas atacam-se.

QUEM PERDE É O PLANETAA mesma meta-análise da PLOS Oneestudou os efeitos no ambiente dosdiferentes sistemas de produção de

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ovos. E os alternativos voltam a perderna comparação - foram encontradasmaiores emissões de gases com efeitode estufa e de amoníaco, e maior con-sumo de energia nas produções ao arlivre. Os investigadores atribuem estesresultados à produtividade reduzida,com menos ovos por unidade de terrae por galinha (em média, 100 galinhasem gaiolas põem 97 ovos; em sistemas

alternativos, rondam os 92), e à rela-tivamente alta mortalidade. "Reduzira taxa de mortalidade poderia baixaras emissões de gases com efeito deestufa até 25%", sugerem.

Nada disto surpreende quem tra-balha no setor. "A produção em pe-quena escala não chega para alimentartoda a população", avisa José João

Infelizes? A maior parteda produção de ovos aindaé de poedeiras que vivemem gaiolas comunais, para30 a 60 galinhas cada uma,dentro de pavilhões comdezenas de milhares deaves. Mas há uma pressãopor parte de supermercadospara que os ovos passem a

vir de sistemas alternativos,citando o bem-estar animal

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Nunes, professor da Faculdade deMedicina Veterinária da Universidadede Lisboa e diretor do departamentode avicultura de uma empresa de ali-mentação animal. 0 sistema extensivo

"requer um maior consumo de recur-sos", e uma eventual mudança radical

para este tipo de produção, no setordo frango, "comprometeria a capaci-dade de dar resposta à necessidade de

alimentação da população mundial",concorda o engenheiro avícola PedroFerreira, responsável de produção do

Grupo Lusiaves."Os recursos são limitados", re-

corda Bruno Roque, da APCA."O sistema intensivo dá para alimentartoda a gente. Se formos obrigados a

produzir mais frango ou galinha ao ar

livre, temos de usar mais área. O quefazemos? Desflorestamos para criarmais regimes extensivos?" E não é só

o espaço direto alocado aos animais- uma galinha de solo ou de ar livrecome mais 10% de ração do que umade gaiola, e será necessário mais áreade cultivo para produzir os cereais de

que se alimenta.Alfredo Martins, diretor-geral da

Zêzerovo, diz-se convencido de queas aves ''estão melhor em gaiola". "Hámuita gente que nunca viu a praia e

não deixa de ser feliz à sua maneira."No entanto, a empresa está a investir€1,5 milhões para adaptar pavilhõesde gaiolas a produção de solo. "Gas-támos €15 milhões a transformar as

gaiolas antigas em gaiolas melhora-

A minoria vistosa Numaprodução de ovos de galinhascom acesso ao ar livre quea VISÃO visitou, na Zêzerovo,apenas uma pequenapercentagem se encontravafora, apesar do climaconvidativo. Aparentemente,as galinhas preferem o arquase irrespirável do pavilhão

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das, para cumprir a lei de 2012. Agora,mandámos material quase novo parao lixo porque as pessoas decidiramque preferem ovos de sistemas alter-nativos. Três por cento da populaçãoacha que tem de ser assim e os outros97% vão atrás", queixa-se. ''Se calhar,daqui a 20 anos voltamos às gaiolas."Atualmente, a empresa produz 70%dos ovos em sistema convencional e

os restantes em alternativo; até ao finaldo ano, metade da produção já será de

solo, ar livre e biológica (idêntica ao arlivre, mas a alimentação não pode ser

transgénica, o que a torna três vezesmais cara).

Em resposta por escrito à VISÃO, o

Lidl defende a sua opção, apesar das

conclusões dos estudos sobre bem-

-estar das aves e ambiente. "Em am-bas as criações, de sola ou ar livre, as

galinhas expressam o seu comporta-mento normal e desenvolvem-se emharmonia com o meio envolvente, aocontrário das galinhas de gaiola quetem os seus movimentos limitados,não garantindo o simples bater dasasas ou até mesmo o caminhar livre-mente. (...) Acreditamos que as difi-culdades que podem surgir de umacriação em sistema alternativo são umaconsequência natural da vida animal.'

Em relação aos custos ambientaisdos sistemas alternativos, o porta-vozdo Lidl diz acreditar que a proteçãodo ambiente é garantida através de"outras medidas" ligadas ao negócio."A garantia do bem-estar animal é

para nós tão importante como a pro-teção do ambiente. São duas questõesque devem caminhar lado a lado, pro-curando-se a forma mais adequadade garantir a melhor resposta a cada

uma delas."

André Silva, do PAN, também de-fende os modos alternativos, malgra-do os estudos, que diz não conhecer."Refuto em absoluto que ocorra maismortalidade em regimes extensivos.E não me parece também que tenhammais doenças do que as outras." Quan-to ao custo ecológico, o deputadoacredita que "não é possível" ser maiorna produção ao ar livre ou biológi-ca, "porque as galinhas no exterior

comem insetos e plantas", e as outras"comem milho e soja, responsável peladesflorestação". A VISÃO falou comresponsáveis de produção de ovos e

especialistas em alimentação, e todos

asseguram que a ração é constituídaigualmente por milho e soja nos regi-mes intensivos e extensivos (incluindoo biológico).

RAÇAS PORTUGUESAS EM RISCO DE EXTINÇÃO

Há quatro estirpes de galinhas autóctones, mas nenhuma delas é usada na produçãoindustrial. "São um produto de qualidade, só que não têm valor competitivo. Subsistemem explorações tradicionais de 10 ou 12 galinhas, e poucas chegam ao mercado",

explica Virgínia Ribeiro, secretária-técnica das aves na associação de criadores daAMIBA (que gere a criação e o desenvolvimento de várias raças de animais portugue-ses). 0 facto de uma galinha destas raças só pôr um ovo a cada três ou quatro dias e de

um frango demorar 9 a 12 meses até estar pronto para abate são as razões pelas quaisnão há interesse económico nos animais e já só sobra pouco mais de dez mil exempla-res, ao todo. "Estão em risco de extinção", confirma Virgínia Ribeiro. "Se este patrimóniogenético se perder, será irreversível."

DO PONTO DE VISTA

NUTRITIVO, OS OVOS

SAO IDÊNTICOS,

INDEPENDENTEMENTE

DO SISTEMA

DE PRODUÇÃO

CADA FRANGO NO SEU GALHOO valor nutritivo dos ovos e da carneé outro elemento que leva muitas pes-

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soas a optarem por produtos de siste-mas alternativos. Também aí a ciênciacontradiz o juízo popular. "Escolherum ovo de acordo com o seu sistemade produção ou com as especificida-des da etiqueta não é uma garantiade qualidade superior do produto.O genótipo, a idade, a alimentaçãoe a qualidade do pasto podem afetaras propriedades", sentencia um es-tudo publicado na Poultry Science e

coordenado por Madalena Lordelo,investigadora do Instituto Superiorde Agronomia. Ovos biológicos in-cluídos: "Muitos consumidores têma convicção de que os biológicos são

um produto com um valor nutricio-nal mais alto e melhor sabor, e estão

por isso dispostos a pagar um preçopremium. No entanto, no que diz res-peito à qualidade do ovo com origemem diferentes modos de produção, a

investigação científica é limitada e temrevelado conclusões contraditórias",lê-se no relatório.

Cuidado»as aparências

Imagens bucólicas na caixa?Podem ser apenas marketing.Aprenda a reconhecer ovos de

produção convencional, biológica,de solo e de ar livre

"Ovos no solo: ovos postos porgalinhas no solo, em liberdade,com alimentação à base dosmelhores cereais." Esta frasenuma caixa de ovos à venda nos

supermercados, acompanhadapor uma foto de um extensoprado, pode dar a ideia de queas galinhas andam à solta numcampo de trigo e que, porventura,os "melhores cereais" são aquelemesmo trigo da imagem. Masa única coisa que interessa é a

expressão "ovos do solo", quesignifica serem de galinhasque não vivem em gaiolas, masnum pavilhão, sem acesso aoexterior (aliás, dizer que estão"em liberdade" é muito relativo).Caixas de ovos de aves comacesso ao exterior ou de modobiológico referem, expLicitamente,"ar livre" ou "biológicos"; os

convencionais, de gaiola, não têmqualquer referência. A forma mais

segura de saber a origem do ovoé ver o código inscrito no próprioovo, junto à validade: OPT significaque os ovos são biológicos e

produzidos em Portugal; IPT sãode ar livre; 2, no solo (à solta em

pavilhão); e 3, de gaiola.Ainda a propósito de rótulos,há uma explicação para as

diferenças de tamanho entreos ovos (S, M, LeXL).Nãoéoporte da galinha que influencia adimensão do ovo, nem é aleatório- as galinhas mais novas põemovos mais pequenos (S); quantomais velhas forem, maiores serãoos ovos. Uma galinha em finalde carreira põe ovos XL.

A FOTO DA CAIXA

PODE LEVAR AO

ENGANO -"DE SOLO"

SIGNIFICA QUE .AS GALINHAS ESTÃO

NUM PAVILHÃO,

SEN ACESSO

AO EXTERIOR

"Os únicos realmente diferenteseram os enriquecidos com ómega.3,que se consegue incluindo farinha de

peixe, linhaça ou algas na ração", diz aautora do estudo, à VISÃO. De resto,"houve pequenas diferenças, mas não

significativas." Por exemplo, no valorde unidade Haugh (uma medida queajuda a definir a qualidade do ovo), osmelhores eram, por esta ordem, e com

discrepâncias mínimas entre eles: ovos

de raças autóctones, biológicos, desolo, ar livre, enriquecidos; de gaiola.Já na percentagem de proteína, ga-nharam os enriquecidos, seguidos dos

de gaiola, raças portuguesas, solo, arlivre e, finalmente, biológicos. Por seu

lado, a cor da gema, que os portugue-ses preferem mais alaranjada, não ésinal de qualidade. "Consegue-se com

pigmentantes nas rações, que podemser naturais. Nada de extraordinário.Ou então, no caso das galinhas casei-ras, é porque a ave comeu restos de

cenoura ou tomate."A carne é diferente: o frango do

campo é uma estirpe de crescimentomais lento, com acesso ao exterior eabatida ao fim de 81 dias (seja bioló-gico ou não), e o frango convencionalvive 36 ou 37 dias, à solta dentro deum pavilhão, pelo que tem uma con-sistência e um sabor distintos. Masmesmo isso não significa que umacarne seja melhor do que a outratudo depende do que se quer fazercom ela, explica o engenheiro zoo-técnico Bruno Roque. "Há uns anos,estava a debater com colegas qualera o melhor frango. Então fizemosuma prova cega. Concluímos que o

frango convencional era melhor para

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churrasco e o de campo para fricas-sé, porque a carne do outro se desfazmais facilmente."

Estirpes diferentesAo contrário das galinhaspoedeiras, que são todasda mesma raça, os frangosde campo são uma estirpede crescimento mais lentodo que os criados dentrode portas - são abatidosao fim de 81 dias de vida,em vez dos 36 ou 37 diasdos outros

TODOS IGUAIS POR DENTRODe acordo com um estudo coordenadopela investigadora Madalena Lordelo,publicado em 2017 na revista científica

Poultry Science, os ovos não têmvantagens nutritivas por serem de arlivre ou biológicos

Q O que foi analisado 0 estudoavaliou as características químicase físicas de ovos de gaiola, solo, arlivre, biológicos, raças portuguesase enriquecidos com ómega 3.

Q O que encontrou As diferençasentre os ovos de diferentessistemas eram insignificantes. Os

únicos que se distinguiram foramos enriquecidos com ómega 3

(produzidos em gaiola, com uma

ração para galinhas que contémlinhaça, farinha de peixe e algas).

Q O que concluiu Não há relaçãorelevante entre as etiquetas[modo de produção] dos ovos ea sua qualidade, exceto para os

enriquecidos com ácidos gordospolinsaturados n-3 [ómega 3],

PAGAR MAIS POR OVOS SUJOSNão é a qualidade que justifica quealguns ovos sejam mais caros, mas simos custos de cada meio de produção.O que pode igualmente ajudar a ex-plicar por que razão é que, das váriasdúzias de ovos que a VISÃO comproupara comparar preços, o único queapresentava vestígios bem claros de

dejetos pertencia à também únicaembalagem de biológicos, três vezesmais dispendiosos do que os de gaiola- é demasiado caro a produzir paradesperdiçar, explica um veterináriodo setor. Noutro modo de produção,esse ovo (como qualquer ovo postono chão) seria encaminhado parapasteurização e transformação emovo líquido. É por isso que "não hánada pior do que a galinha da avó",

garante o veterinário José João Nunes.

"Que controlo higiénico existe? O ovoé posto onde a galinha defeca", alerta.

"Até me arrepio todo quando aminha sogra tenta dar-me ovos davizinha", graceja Bruno Roque. Os

quatro membros da direçâo da APCA

respondem praticamente em uníssono

quando lhes é perguntado que ovoscostumam escolher: "Os mais baratos.São todos iguais..."

No relvado de produção ao ar li-vre da Zêzerovo, as poucas galinhasque escolheram vir cá fora parecem...felizes. Esgravatam, correm, deam-bulam. De repente, duas ou três de-satam a bicar outra, mais franzina."Uma ave que seja diferente, mais

pequena ou mais branca, está con-denada", diz o diretor de produçãoda empresa. "Depois das primeirasbicadas aparece sangue, e as galinhas

ficam malucas com o vermelho e

atacam mais."Além da xenofobia galinácea, David

Henriques tem de lidar com todas asoutras dificuldades da produção ex-tensiva. "Se há uma falha de energiae as luzes se apagam de repente, as

galinhas assustam-se, fogem para os

cantos e podem morrer 200 ou 300asfixiadas. E ainda há os predado-res: milhafres, saca-rabos, raposas.As raposas conseguem mesmo subira vedação e sair com uma galinha."

Podia ser pior. A herdade de WhiteOaks, EUA, uma enorme quinta de

galinhas "de pastagem" (em que osanimais estão quase permanentemen-te no exterior), transformou-se no re-feitório de águias-de-cabcça-branca.No início, não havia nenhuma águia;no ano seguinte, apareceu urna dúzia;no outro, 30; hoje, há mais de 75. Cada

águia mata (e nem sempre come) até

quatro galinhas por dia. Os proprie-tários da quinta calculam que tenhammorrido, pelo menos, 160 mil galinhasnas garras das rapinas desde 2010.

"Galinha feliz cá fora?", ironizaJosé João Nunes. "Sim, até um mi-lhafre lhe abrir a barriga com o bico."

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