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1 BASES PARA UMA POLÍTICA COMUM DE CONSERVAÇÃO DAS TERRAS ÚMIDAS DO PANTANAL E DO CHACO JORGE ADÁMOLI 1 RESUMO: O Pantanal tem um dos mais belos, extensos e diversos conjuntos de terras úmidas do mundo: o Pantanal. A Argentina também apresenta grandes extensões de terras úmidas na região do Chaco. Numerosos eforços estão sendo feitos para preservar a integridade funcional do conjunto de ecosistemas dessas regiões, com positivas respostas dos governos estaduais e federais, assim como com importantes contribuições de organismos internacionais. Uma política comum de conservação das terras úmidas do Pantanal e do Chaco podería estabelecer as bases para uma ulterior expansão pelo sistema Paraguai-Paraná incluíndo o Delta. O levantamento das terras úmidas do Pantanal e do Chaco, indica uma importante superfície de 362.000 km2, a qual podería ser acrescentada até 417.000 km2, caso fossem consideradas as áreas das planícies de inundação dos ríos Paraguai-Paraná, o Delta, assim como os “esteros” do Iberá e Nheembucú. Existem marcadas diferenças entre o Pantanal e o Chaco no que diz respeito a infraestrutura (maior no Chaco), ou políticas de conservação (mais desenvolvidas no Pantanal). Dentro das estratégias de conservação, deveríam considerarse, junto com as iniciativas nacionais, políticas no nível regional do Mercosul, tomando aos ríos Paraguai-Paraná, como a coluna vertebral de um programa internacional de Reservas de Biosfera. 1 Grupo de Estudios sobre Ecología Regional (GESER), Facultad de Ciencias Exactas y Naturales, Universidad de Buenos Aires, Ciudad Universitaria, Pabellón II, 4º piso (1428) Buenos Aires. Correio eletrônico: [email protected].

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BASES PARA UMA POLÍTICA COMUM DE CONSERVAÇÃO DAS TERRAS

ÚMIDAS DO PANTANAL E DO CHACO

JORGE ADÁMOLI1

RESUMO: O Pantanal tem um dos mais belos, extensos e diversos conjuntos de terras

úmidas do mundo: o Pantanal. A Argentina também apresenta grandes extensões de

terras úmidas na região do Chaco. Numerosos eforços estão sendo feitos para preservar

a integridade funcional do conjunto de ecosistemas dessas regiões, com positivas

respostas dos governos estaduais e federais, assim como com importantes contribuições

de organismos internacionais. Uma política comum de conservação das terras úmidas

do Pantanal e do Chaco podería estabelecer as bases para uma ulterior expansão pelo

sistema Paraguai-Paraná incluíndo o Delta. O levantamento das terras úmidas do

Pantanal e do Chaco, indica uma importante superfície de 362.000 km2, a qual podería

ser acrescentada até 417.000 km2, caso fossem consideradas as áreas das planícies de

inundação dos ríos Paraguai-Paraná, o Delta, assim como os “esteros” do Iberá e

Nheembucú. Existem marcadas diferenças entre o Pantanal e o Chaco no que diz

respeito a infraestrutura (maior no Chaco), ou políticas de conservação (mais

desenvolvidas no Pantanal). Dentro das estratégias de conservação, deveríam

considerarse, junto com as iniciativas nacionais, políticas no nível regional do

Mercosul, tomando aos ríos Paraguai-Paraná, como a coluna vertebral de um programa

internacional de Reservas de Biosfera.

1 Grupo de Estudios sobre Ecología Regional (GESER), Facultad de Ciencias Exactas y Naturales,Universidad de Buenos Aires, Ciudad Universitaria, Pabellón II, 4º piso (1428) Buenos Aires. Correioeletrônico: [email protected].

III Simpósio sobre Recursos Naturais e Sócio-econômicos do Pantanal Os Desafios do Novo Milênio De 27 a 30 de Novembro de 2000 - Corumbá-MS
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BASIS FOR A COMMON CONSERVATION POLICY OF THE

WETLANDS OF THE PANTANAL AND THE CHACO

ABSTRACT: Brazil has one of the most beautiful, extensive and diverse assemblages

of wetlands of the world: the Pantanal. Argentina also presents a vast extension of

wetlands of high diversity in the Chaco region. The increasing efforts to preserve the

functional integrity of the assemblage of ecosystems of these regions have generated

distinct positive responses from local and federal governments, and also important

contributions from international organizations. A common conservation policy of the

wetlands of the Pantanal and the Chaco would establish the basis for its subsequent

expansion within the geographic extent of Mercosur: mainly the system of Paraguay-

Paraná-Delta. An inventory of the wetlands of the Pantanal and the Chaco reveals their

remarkably important surface area –of 362,000 km2 –, which could be increased –to a

total of 417,000 km2 – if the areas of the Paraguay-Paraná floodplains, the Delta and the

”esteros” Iberá and Nheembucú were included. Marked differences exist between the

Pantanal and the Chaco concerning their infrastructures (greater in the Chaco), and also

in regard to their protected areas and conservation policies (more developed in the

Pantanal). An analysis of these differences should serve as a basis to establish active

policies of conservation and development. Within the conservation strategies, not only

the possibilities at the national level should be considered, but also joint procedures at

the regional level –Mercosur-, taking the rivers Paraguay-Paraná as a back bone that

could integrate a net of international Biosphere Reserves.

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INTRODUÇÃO

O Brasil contem um dos mais belos, extensos e diversos conjuntos de Terras

Úmidas (TU’s) do mundo: o Pantanal. Os esforços para conservar a integridade

funcional do conjunto de ecossistemas da região são crescentes e têm gerado diversas

respostas positivas dos governos estadual e federal, assim como importantes

contribuições de organismos internacionais (Adámoli, 1995). As argumentações podem

diferir quanto à focalização e aos objetivos, mas sistematicamente incluem duas

definições chave:

- A maior extensão de TU’s do mundo

- As TU’s mais diversas do mundo.

Mais importante que verificar o grau de exatidão destes postulados, é importante

resgatar a linha argumental que com tanto sucesso utilizam os colegas brasileiros, para a

conservação das TU’s chaquenhas, já que partilham similares atributos quanto à beleza,

extensão e diversidade (Morello e Adámoli, 1968 e 1974). Uma política comum de

conservação das TU’s do Chaco e do Pantanal define as bases para uma extensão da

mesma sobre o eixo geográfico do Mercosul: o sistema Paraguai-Paraná-Delta.

A comparação entre o Pantanal e o Chaco é fácil pelo privilégio de ter

trabalhado intensamente em ambas as regiões, de tê-las percorrido infinidade de vezes

de todos os modos possíveis, de tê-las estudado e descrito tanto na escala das imagens

de satélite, como no nível dos levantamentos florísticos das suas comunidades vegetais;

por ter trabalhado nas porções argentina, paraguaia, boliviana e brasileira do Chaco, e

também nas porções brasileira, boliviana e paraguaia do Pantanal; por ter elaborado

para ambas as regiões mapas de sub-regiões ecológicas, descrevendo as características

ambientais e as comunidades que as integram (Morello e Adámoli, 1968 e 1974;

Adámoli et al., 1972; Adámoli, 1982, Adámoli e Pott, 1999, PEA 2000). Tanto no

Chaco quanto no Pantanal, há sub-regiões fortemente inundáveis que correspondem

claramente às características das TU’s. Outras sub-regiões apresentam características

intermediárias que também correspondem às definições de TU’s, mesmo que durante os

anos secos resulte difícil imaginar que possam ser atingidos os requisitos funcionais

destas.

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Com todos estes antecedentes, serão comparadas a alguns elementos comuns a

ambas as regiões, para usar argumentos que têm demostrado ser eficientes para o

Pantanal, favorecendo projetos conservacionistas e de desenvolvimento sustentável, e a

partir daí, para a espinha dorsal do Mercosul: o eixo fluvial Paraguai-Paraná.

CARACTERIZAÇÃO COMPARATIVA

Localização e superfície. O Pantanal tem uma superfície de 138.000 km2 que se

estendem fundamentalmente, sobre a margem esquerda do rio Paraguai, em território

brasileiro. Os rios tributários correm de Leste a Oeste. Estende-se desde os 16ºS até os

21ºS, o equivalente a pouco menos que 600 km em linha reta (FIG. 1). Tem uma largura

máxima de 380 km sobre o paralelo de 17° Sul, entre os meridianos de 55º O e 58º30´O.

Ao contrário do Pantanal, o Chaco estende-se fundamentalmente sobre a

margem direita dos rios Paraguai e Paraná, ao longo de 1.400 km em linha reta (900 km

sobre o Paraguai e 500 km sobre o Paraná), entre os paralelos de 19ºS e 31ºS. Os rios

tributários correm de oeste a leste. A superfície total da região chaquenha é de

aproximadamente 1.000.000 km2 dentre os quais o Chaco Úmido, que concentra a

maior oferta de TU’s, ocupa em torno de 20-25%, correspondentes a uma franja de

aproximadamente 150 km de comprimento entre os meridianos de 58ºO e 60ºO. É

importante destacar que existem outros conjuntos de TU’s chaquenhas localizadas

muito mais ao Oeste, vinculadas fundamentalmente com os rios Pilcomayo e Bermejo e,

em menor proporção, com as áreas alagadiças dos rios Juramento/Salado e Dulce

(FIG.2).

NOTA. No trabalho, os nomes regionais das TU’s do Chaco, como “Bañados”,

“Cañadas, “Bajos” ou “Esteros”, serão mantidos na grafia original.

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1. Pantanal de Cáceres2. Pantanal de Poconé3. Pantanal de Barão de Melgaço4. Pantanal do Paraguai5. Pantanal dos Paiaguás

6. Pantanal da Nhecolândia7. Pantanal do Abobral8. Pantanal do Aquidauana - Negro9. Pantanal do Miranda10. Pantanal do Nabileque

FIG 1. Sub-regiões do Pantanal Mato-Grossense

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FIG. 2. Terras úmidas da Região Chaquenha

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Traços biogeográficos. No Pantanal predomina a influência biogeográfica da

região dos Cerrados. A linhagem amazônica expressa-se basicamente ao longo da

planície de inundação do rio Paraguai, enquanto que a Província Paranaense manifesta-

se na área dos tributários do Sudeste. O Sul do Pantanal é de linhagem claramente

chaquenha (Adámoli, 1982), e isto será levado em consideração no momento de analisar

as respectivas superfícies.

O Chaco conforma uma unidade biogeográfica, porém com componentes

fortemente contrastantes como o Chaco Úmido e o Chaco Seco. Nos campos alagadiços

do Sudeste (“Bajos Submeridionales”) existem fortes influências pampeanas. As

linhagens amazônica e paranaense manifestam-se nas planícies de inundação dos rios

Paraguai e Paraná, e nas matas de galeria do Leste da região. Pelo Oeste, também em

ambientes sujeitos ao modelado fluvial (matas galeria), aparecem elementos florísticos

vinculados com a Província Biogeográfica das Yungas.

Traços climáticos.

Precipitações. No Pantanal as chuvas médias anuais variam entre 900 mm no

sudoeste e quase 2.000 mm no Norte e Nordeste, enquanto no Chaco as precipitações

seguem um definido gradiente longitudinal, com registros máximos de 1.300 mm no

leste e mínimos de 500 mm no oeste, valores que nos núcleos áridos do Sudoeste

regional são consideravelmente inferiores. Nas duas regiões as chuvas apresentam

concentração estival. No Chaco Úmido o período seco é menos rigoroso que no

Pantanal, enquanto que no Chaco Seco o período sem chuvas e o déficit hídrico

alcançam valores muito superiores aos do Pantanal (OEA, 1969, PEA 2000).

Temperaturas. As temperaturas médias anuais oscilam em torno de 24ºC no

Pantanal, enquanto que no Chaco apresentam uma maior variação: entre 26ºC no norte e

18ºC no sul. As amplitudes térmicas anuais (diferenças entre o trimestre mais quente e o

mais frio) são muito mais marcadas no Chaco do que no Pantanal. No Chaco Seco (uma

franja localizada na proximidade da fronteira entre Salta, Chaco e Formosa e cobrindo

completamente a Província de Santiago del Estero), registra-se o denominado Polo de

Calor da América do Sul (Prohaska, 1959), com uma máxima absoluta de uns 48ºC, um

valor muito superior aos registrados no Pantanal. Do mesmo modo, as mínimas no

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Chaco são sensivelmente inferiores às do Pantanal. No Pantanal as geadas são

excepcionais, enquanto que no Chaco acontecem na região inteira durante vários dias ao

ano, com uma intensidade e freqüência que aumentam em direção ao sul e ao oeste da

região (Galmarini y Raffo del Campo, 1965, OEA, 1969).

Infra-estrutura. Existem importantes diferenças quanto à oferta de infra-estrutura

que apresenta cada região. É importante levar em consideração estes elementos para

desenhar uma política de conservação e de desenvolvimento sustentável. Com políticas

fracas, uma maior infra-estrutura instalada pode atuar como fator que potencie a perda

de recursos, enquanto que com políticas ativas, pode ser um poderoso elemento para

uma gestão positiva. Nesse sentido, o Pantanal apresenta uma infra-estrutura global

claramente inferior à do Chaco, no entanto, pelo fato de contar com uma política

nacional, regional e estadual mais claramente definida, assim como uma maior

proporção de superfície protegida, o Pantanal apresenta um melhor estado de

conservação dos seus ecossistemas do que o Chaco.

Cidades. Dentro do Chaco existe um grande número de cidades e povoados:

capitais provinciais como Resistencia, Formosa e Santiago del Estero; grandes cidades

como Metán, Reconquista, Sáenz Peña, Pirané, La Banda e centenas de cidades

menores, povoados e localidades de pequeno porte. Dentro do Pantanal, pelo contrário,

não existe núcleo urbano algum. As maiores concentrações humanas ocorrem nas sedes

das grandes fazendas. As cidades como Corumbá, Miranda, Aquidauana, Coxim,

Rondonópolis, ou Cáceres, estão na imediata periferia da região, assentadas sobre

ambientes que não formam parte do Pantanal. Esta discussão é importante, pois os

critérios para comparar ambas regiões devem ser equivalentes. É a mesma situação de

cidades como Asunción, Corrientes, ou Santa Fe, no que diz respeito ao Chaco. Outras

cidades como Cuiabá e Campo Grande têm uma forte atividade turística vinculada ao

Pantanal, apesar de se encontrarem a distâncias da ordem de 100 km da região, situação

equivalente à das cidades de Tucumán e Salta, e inclusive Córdoba, La Rioja e

Catamarca, em relação com o Chaco.

Centros de investigação científica e tecnológica. No Pantanal existem campos

experimentais dependentes de entidades federais como a Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária (EMBRAPA), das universidades ou governos estaduais o dos organismos

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de conservação, todos com suas sedes administrativas fora da região. Pelo contrário, as

diversas cidades chaquenhas são sede de numerosas Universidades Nacionais, estações

experimentais e agências de extensão do Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria

(INTA), assim como numerosos organismos científicos e técnicos vinculados com as

administrações nacional ou provincial.

Rede viária. A única rodovia importante que atravessa o Pantanal é a que une

Campo Grande com Corumbá, toda pavimentada. A rodovia Transpantaneira que une

Poconé a Porto Jofre no norte do Pantanal e muito mais precária e não existe uma rede

de estradas que permita realizar uma visita completa à região dado que, à parte das duas

rodovias supracitadas, sómente existem caminhos de acesso das cidades periféricas aos

estabelecimentos rurais. Pelo contrário, a rede viária que atravessa a região chaquenha

inclui um grande número de rodovias nacionais e provinciais pavimentadas por uma

extensão de milhares de quilômetros, junto com numerosas rodovias que, ainda que

insuficientes, permitem percorrer a região em todos os sentidos.

Ferrovias. A estrada de ferro que une São Paulo à cidade boliviana de Santa

Cruz de la Sierra (passando por Campo Grande e Corumbá) é a única que atravessa o

Pantanal pelo sul da região. Ao contrário, a região chaquenha tem uma grande rede

ferroviária que, a pesar de terem sido fechados muitos ramais, mantém o seu valor

estratégico.

Agricultura. As restrições ambientais do Pantanal determinam que a agricultura

ocupe superfícies ínfimas. Uma superfície levemente maior é ocupada por pastagens

cultivadas, mas mesmo assim representa uma pequeníssima percentagem (menos de 5

%) do total regional. Pelo contrário, grandes extensões da região chaquenha (em torno

de 4.000.000 ha) estão ocupadas pela agricultura, como a poderosa atividade algodoeira

com centro na Provincia do Chaco, plantações de feijão e soja, particularmente na franja

ocidental do Chaco Saltenho, agricultura irrigada de longa tradição em Santiago del

Estero, e as arrozeiras, de grande desenvolvimento no Chaco e Formosa.

Eletricidade. Dentro do Pantanal não existe uma rede elétrica integrada, exceto

pela linha que o atravessa, levando o fluído até Corumbá. Em contraste, todos os

povoados da região chaquenha têm energia elétrica.

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QUAL É O LIMITE EM QUE UMA UNIDADE REGIONAL PODE SER

DESCRITA COMO “TERRA ÚMIDA”?

Esta é uma pergunta chave, em termos gerais para quem trabalha com TU’s e

particularmente, para que uma análise de relações ecológicas entre o Pantanal e o Chaco

possa ser feita sobre bases efetivamente comparáveis. Sobre o tema, falta precisão

espacial nas definições de TU’s. Uma lagoa no meio de uma região desértica é uma TU,

porém isto não habilita para caracterizar essa região como uma macro-TU. Por outro

lado, o Delta do Paraná contém várias comunidades não ou excepcionalmente

inundáveis, particularmente matas de galeria sobre diques marginais (Kandus e

Adámoli, 1993; Malvárez, 1997). Ainda que essas comunidades isoladamente não

cumpram com os requisitos das definições de TU’s, apresentam profundas relações

funcionais, intercâmbios energéticos e de nutrientes com as TU’s sensu stricto. O

importante papel destes ambientes de terra firme como refúgios ou lugares de

nidificação de numerosas espécies que se alimentam nas TU’s propriamente ditas, têm

gerado um consenso generalizado sobre o papel chave que exercem no nível regional,

ou ao menos subregional, e consequentemente o conjunto foi considerado como parte de

um macrossistema de TU’s.

Certamente o tema deve ser definido combinando os conceitos da Biologia de

Conservação e de Ecologia da Paisagem (Forman, 1995). Uma unidade espacial

formada por um padrão dominante de TU’s sensu stricto, que contenha um conjunto

menor de unidades formadas por não-TU’s, deveria ser considerada uma macro-TU,

como no caso do Delta do Paraná, do Pantanal da Nhecolándia ou do Chaco Úmido. A

distribuição espacial dos elementos, a conectividade entre eles, as relações entre

tamanho e forma de TU’s e não-TU’s, e basicamente dados que permitam decidir sobre

distâncias críticas entre TU’s sensu stricto, são elementos que deveriam formar parte

dos critérios de decisão. No outro extremo, uma região árida com áreas isoladas de TU’s

sensu stricto esparsas, não conectadas, e separadas por grandes distâncias entre elas, não

poderia ser qualificada como uma macro-TU.

A maior parte do Chaco Úmido, assim como a maior parte do Pantanal, poderia ser

qualificada sem dificuldades, como macro-TU’s ou TU’s subregionais. A discussão

mais importante para os fins específicos deste trabalho, mas principalmente para a

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definição dos conceitos funcionais que permitiriam definir as macro-TU’s, se daria em

torno das sub-regiões ou unidades territoriais intermediárias, ou seja, que contém TU’s,

porém somente numa proporção reduzida da sua área total. A proporção de território

ocupada pelas TU’s sensu stricto seria uma boa aproximação para este tipo de definição,

mas não seria suficiente. Tomando como exemplo a Pampa Seca, esta ficaria à margem

de uma definição regional de macro-TU’s, no entanto considerando o sistema das lagoas

“Encadenadas”, estas formariam uma importante macro-TU de nível sub-regional, pela

forma e conectividade que apresentam os seus elementos componentes.

CRITÉRIOS PARA COMPARAR A OFERTA DE TERRAS ÚMIDAS DO

CHACO E DO PANTANAL

Para poder fazer uma comparação entre a oferta das TU’s das regiões do Chaco e

do Pantanal, é necessário estabelecer critérios de inclusão (e por descarte de exclusão) o

suficientemente explícitos como para poder serem revisados e eventualmente rebatidos.

Um primeiro tema crítico está referido à planície de inundação do rio Paraguai, cujo

funcionamento está condicionado pela topografía do Pantanal e condiciona, ela mesma,

a maior parte dos processos regionais (Adámoli e Pott, 1996). Como tal, não há dúvidas

a respeito da sua inclusão no cômputo de TU’s da região. O limite sul do Pantanal, foi

estabelecido na confluência do rio Paraguai e o Nabileque, pois a partir desse ponto

mudam o regime hidrológico e a fluviomorfología (ver o trabalho neste mesmo

volume). No entanto, foram excluídos da contabilidade de TU’s do Pantanal os

denominados Pantanais de Jacadigo, Nabileque e Bodoquena, porque estes apresentam

uma clara linhagem chaquenha. Estas subregiões não foram incluídas no Chaco. Foram

diferenciadas, formando um conjunto Chaco-Pantanal. Também foi formado um

conjunto diferenciado com o setor leste do Pantanal, já que dificilmente qualificaria

como TU, porque nele as inundações, quando ocorrem, são localizadas, muito curtas e

de níveis muito baixos.

Existem numerosas razões para estabelecer uma unidade funcional entre as

planícies dos rios Paraguai (desde o Sul da confluência do Nabileque) e Paraná. Tanto

pela organização espacial da paisagem, assim como por critérios biogeográficos,

resultam claramente diferenciadas do Chaco. Por esse motivo, as unidades de paisagem

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formadas por ambos os rios, não são incluídas na contabilidade de TU’s chaquenhas.

Esta diferenciação facilita a identificação do mencionado eixo fluvial como a coluna

vertebral do portentoso sistema de TU’s do Mercosul, que têm o Pantanal como

componente Norte, o Delta no Sul, o complexo dos “esteros” do Iberá, as “canhadas”

correntinas, e os “esteros” do Ñeembucú como contribuição oriental, já que o Chaco

ocupa a maior parte do setor ocidental.

Entre as TU’s do Chaco foram incluídas obviamente todas as sub-regiões do Chaco

Úmido, que para este trabalho foram delimitadas seguindo a isoieta de 1.000 mm no

mapa da Bacia do Prata (OEA 1974). A esta unidade contínua, somam-se outras,

vinculadas com os grandes rios que atravessam o Chaco Seco (FIG. 2):

a) O interflúvio Teuco-Bermejito anualmente inundado pelas enchentes do rio

Bermejo, que apresenta uma grande quantidade de lagoas, “cañadas” e espiras

de meandros com água durante o ano todo (Adámoli et al., 1990). Se incluem

nesta unidade as lagoas San José e Yema.

b) A área do “Bañado” La Estrella que canaliza as águas transbordadas pelo rio

Pilcomayo, como conseqüência da forte sedimentação do seu curso nas

proximidades do limite entre Formosa e Salta. Não se inclui o “Estero” Patiño,

que antigamente recebia os transbordamentos do Pilcomayo, por não dispor de

informação atualizada sobre o estado dele, já que apresenta um importante

dessecamento.

c) Os “Bañados” del Quirquincho na província de Salta, que recebem os

derramamentos dos rios Dorado e Del Valle. Não foram incluídos os “Bañados”

de Figueroa em Santiago del Estero, porque devido ao conjunto das obras de

Cabra Corral, Miraflores e El Tunal, e também pelos canais construídos, eles

estão num processo de dessecamento.

d) As salinas do Chaco Seco e Árido particularmente as Salinas Grandes e os

ambientes tributários.

e) A Lagoa Mar Chiquita em Córdoba e o conjunto de “bañados” do rio Dulce que

a alimentam pelo norte.

As superfícies correspondentes a cada um dos elementos componentes descritos

acima, foram estimadas em forma indicativa, com base nos mapas publicados pela OEA

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para a Cuenca del Plata (OEA, 1969) e os levantamentos locais na região chaquenha

(Morello e Adámoli, 1968; Adámoli et al., 1972) e no Pantanal (Adámoli, 1995).

TU’s da região chaquenhaChaco Úmido Paraguaio 63.000 km2

Chaco Úmido Argentino 130.000 km2

TU’s do Chaco Úmido 193.000 km2

“Bañado” La Estrella 4.000 km2

Interflúvio Teuco-Bermejito 14.000 km2 .Salinas Grandes 4.500 km2

Lagoa Mar Chiquita 2.500 km2

“Bañados del rio Dulce” 3.000 km2

“Bañados del Quirquincho” 1.000 km2

TU’s do Chaco Seco 29.000 km2

Total Tu’s da Região do Chaco 222.000 km2

TU’s da área Chaco-Pantanal 10.000 km²TU’s do Pantanal inundável 100.000 km²Total do Leste pouco inundável do Pantanal 30.000 km2

TOTAL DE TU´s DO CHACO E DO PANTANAL 362.000 km2

TU’s do eixo fluvial Paraguai-Paraná-Delta 30.000 km² TU’s do conjunto Iberá-Nheembucú 25.000 km²

TOTAL DE TERRAS ÚMIDAS (TU’s) DO GRANDE EIXO N-S 417.000 km2

CONCLUSÕES

A listagem de TU´s do Chaco e do Pantanal mostra uma superfície

extremamente importante de 362 km2 aos que podem se acrescentar as áreas dos rios

Paraguai-Paraná-Delta e os “Esteros” do Iberá e de Nheembucú, o que resulta em

417.000 km2 no total.

Entre o Chaco e o Pantanal existem profundas diferenças no que diz respeito a

infra-estrutura (maior no Chaco) e no tocante a áreas protegidas e políticas de

conservação (mais desenvolvidas no Pantanal). A análise dessas diferenças deveria

servir como base para estabelecer políticas ativas de conservação de desenvolvimento.

Segundo o estabelecido ao princípio, o objetivo deste trabalho é reproduzir uma

estratégia que o Brasil usou exitosamente para promover o Pantanal como grande

atração no nível nacional e internacional. Isto lhe permite captar importantes recursos

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essencialmente do turismo, mas também de organismos internacionais interessados na

conservação e no desenvolvimento sustentável. Atualmente existem figuras

interessantes dirigidas a cumprir com estes objetivos, particularmente as Reservas da

Biosfera promovidas pelo programa MAB-UNESCO.

Dentro das estratégias de conservação, cabe pensar nas possibilidades no nível

nacional, e também numa estratégia no nível Mercosul, tomando como coluna vertebral

os rios Paraguai-Paraná.

É importante destacar que uma estratégia que considere o Chaco deve ter um

eixo no Chaco Úmido, mas é evidente que o conjunto do Chaco, com todos os

ambientes de TU’s incluídas no Chaco Seco e no Chaco Árido, pela sua grande e

diversa oferta de recursos naturais, e também pelos aspectos mencionados no começo

deste trabalho vinculados com a sólida oferta de infra-estrutura, constitui um potencial

muito pouco explorado nos termos acima mencionados.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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