os classicos da politica - cole - francisco c. weffort-2[1]

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Os Classicos Da Politica - Cole - Francisco C. Weffort-2[1]

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivode oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem como o simplesteste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercialdo presente contedo

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro epoder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • Francisco C. WeffortORGANIZADOR

    Os clssicos da poltica2

    VOLUME

    Burke Kant Hegel Tocqueville Stuart Mill Marx

    Colaboradores deste volume

    Maria D'Alva Kinzo Regis de Castro Andrade Gildo Maral BrandoClia Galvo Quirino Elizabeth Balbachevsky Francisco Weffort

    Conforme a nova ortografia da lngua portuguesa

  • Francisco C. Weffort

    Verso impressa

    Editor-chefeCarlos S. Mendes RosaEditores assistentesFrank de Oliveira eTatiana Corra PimentaRevisoresMaurcio Katayama e Alessandra Miranda de SEstagiriaMonise MartinezEditor de arteVincius Rossignol Felipe, Vincius Rossignol Felipe e Leslie MoraisEstagiriaJlia Tomie YoshinoPaginaoCasa de IdiasCapaAtelie 75

    Verso ePUB 2.0.1

    Tecnologia de Educao e Formao de EducadoresAna Teresa RalstonGerncia de Pesquisa e DesenvolvimentoRoberta CampaniniCoordenao geralAntonia Brandao Teixeira e Rachel ZaroniCoordenao do projetoEduardo Araujo RibeiroEstagiriaOlivia Do Rego Monteiro FerraguttiRevisoCeclia Brando Teixeira

  • Ao comprar um livro, voc remunera e reconhece o trabalho doautor e de muitos outros profissionais envolvidos na produo ecomercializao das obras: editores, revisores, diagramadores,ilustradores, grficos, divulgadores, distribuidores, livreiros, entreoutros. Ajude-nos a combater a cpia ilegal! Ela gera desemprego,prejudica a difuso da cultura e encarece os livros que voccompra.

    CIP-BRASIL. CATALOGAO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

    C551 | 1. ed. v.2 Os clssicos da poltica, 2 / Francisco C. Weffort, organizador. - 1.ed. - So Paulo: tica, 2011.: Contedo: v.2, Burke, Kant, Hegel,Tocqueville, Stuart Mill, Marx1. Cincia poltica. I. Weffort, Francisco C. (Francisco Correa).06-2427. | CD D 320 | CDU32 | 015220

    1 Edio - Arquivo criado em 28/09/2011e-ISBN 9788508149803

  • Sumrio

    1. Apresentao (Francisco C. Weffort)

    2. Burke: a continuidade contra a ruptura

    (Maria D'Alva Gil Kinzo)

    Textos de Burke

    3. Kant: a liberdade, o indivduo e a repblica

    (Regis de Castro Andrade)

    Textos de Kant

    4. Hegel: o Estado como realizao histrica da liberdade

    (Gildo Maral Brando)

    Textos de Hegel

    5. Tocqueville: sobre a liberdade e a igualdade

    (Clia Galvo Quirino)

    Textos de Tocqueville

    6. Stuart Mill: liberdade e representao

    (Elizabeth Balbachevsky )

    Textos de Stuart Mill

    7. Marx: poltica e revoluo

    (Francisco C. Weffort)

    Textos de Marx

  • D1Apresentao

    Francisco C. Weffort

    izer que um pensador um clssico significa dizer que suas idias permanecem. Significa dizerque suas idias sobreviveram ao seu tempo e que so recebidas por ns como parte da nossaatualidade. No pretendemos afirmar, com isso, que os clssicos se coloquem fora da histria.Pelo contrrio, so, com freqncia, os que pensaram, de modo mais profundo, os temas de suaprpria poca. E foi precisamente porque pensaram de modo radical o seu tempo quesobreviveram a ele e chegaram at ns. Os clssicos no so atemporais. Eles so parte da nossaatualidade porque so parte das nossas razes. So, por assim dizer, a declarao da nossahistoricidade.

    Este volume rene os clssicos do pensamento poltico do sculo XIX. Alguns, como Burke eKant, so, na verdade, de fins do sculo XVIII. Mas entendemos que eles deveriam estar aqui,junto com Hegel, Tocqueville, Stuart Mill e Marx, porque guardam com estes um trao comum,tpico a todo o pensamento poltico do sculo XIX. Assim como a marca forte do pensamento dossculos XVII e XVIII, desde Locke at Montesquieu, foi a de pensar um mundo novo que nasciasob o impacto das revolues inglesas, a de 1640 e a de 1688, a marca mais forte do pensamentopoltico do sculo XIX a de refletir sobre a poca europeia criada pela Revoluo Francesa esobre a sociedade criada, primeiro na Inglaterra e depois em toda a Europa ocidental, pelaprimeira Revoluo Industrial. Se as revolues inglesas abrem o caminho do liberalismo, aRevoluo Francesa o consolida. E a Revoluo Industrial assinala o surgimento de umasociedade nova, apoiada na "maquinofatura", a qual, j em seus incios, embora ainda misturadacom fortes sobrevivncias da sociedade rural e aristocrtica que a precede, aponta para asquestes que haveriam de levar ao surgimento do pensamento e do movimento socialistas.

    Este livro foi concebido para os estudantes dos cursos bsicos das nossas universidades. Deve,por isso, cumprir uma funo eminentemente didtica. Ele acompanha um outro volume queestamos publicando, tambm pela Editora tica, sobre os passos fundamentais do pensamento

  • poltico dos sculos XVI, XVII e XVIII. Depois desses dois volumes, vir um terceiro, reunindoas expresses mais fundamentais do pensamento poltico do sculo XX.

    Embora se trate de obra didtica, quisemos dar a estes dois volumes um sentido que vai almdo meramente escolar. E acreditamos, junto com os colegas que colaboram nesta empreitada,que o leitor perceber isso facilmente, medida que nos acompanhe nos textos que se seguem.H, porm, algo que a escola nos ensina e que quisemos preservar aqui. Como bem o sabem osprofessores com experincia no ensino da teoria poltica e da histria das idias polticas, ler osclssicos, diretamente, sem intermedirios, a melhor maneira de tomar contato com eles. Emateno a este critrio, confirmado por uma longa experincia escolar, o leitor encontrar aquitextos escolhidos que acreditamos essenciais para a compreenso de cada um dos pensadoresreunidos neste volume.

    Mas h algo mais. Alm de um contato direto com os clssicos, oferecemos aqui a orientaosegura de um comentador, cuja leitura certamente o ajudar diante das dificuldades iniciais. Este um dos privilgios do estudante nas aulas de teoria poltica e de histria do pensamento polticoque aqui se torna acessvel a todo e qualquer cidado interessado no pensamento poltico.

    Garantindo, assim, ao leitor a oportunidade de confrontar os textos do pensador clssico e doseu comentador, asseguramos-lhe tambm a oportunidade de fazer, se o desejar, o seu prprioexerccio de interpretao. E quem o faa j comear a erguer o seu prprio voo, para almdos limites da escola. Como se sabe, um exerccio de interpretao, mesmo quando realizado nasala de aula, vai sempre alm do meramente escolar. At porque, em poltica, um exerccio deinterpretao sempre um exerccio de liberdade. E a este no faltam, no caso do sculo XIX,umas quantas surpresas.

    Por paradoxal que possa parecer, o pensamento poltico da poca moderna comea por umconservador. O que nos diz que, ao contrrio do que muitos pensam, o pensamento conservador, a seu modo, moderno. Mas nos diz tambm que a modernidade dos fins do sculo XVIII,como alis a de todo o sculo XIX, est ainda fortemente marcada pelo passado. Se o italianoMaquiavel, em uma sociedade sem Estado nacional, constri o seu pensamento como umaforma de antecipao, pode-se dizer que, com Burke, ocorre o contrrio. De origem irlandesamas tendo adotado a Inglaterra como segunda ptria, Burke expressa tanto uma reao, contra aRevoluo Francesa, objeto da mais dura crtica nas suas Reflections on the revolution in France,quanto a consolidao de uma ordem poltica criada pela Revoluo Gloriosa (1688) e aformao de uma sociedade nova no bojo da primeira Revoluo Industrial.

    Seria, evidentemente, incorreto dizer que o pensamento poltico do sculo XIX tem,comparado com o dos sculos anteriores, um trao conservador. Mais importante reconhecer,a partir do conservador Burke, que a primeira referncia do pensamento do sculo XIX arevoluo. Qualquer que seja a escola de pensamento de que se trate, sua referncia maior aEuropa das revolues, dos dois Napolees, dos nacionalismos e das guerras civis ou entreEstados. assim que, embora num contexto terico e histrico inteiramente diferente do deBurke, a revoluo aparece tambm em Hegel como uma referncia. E ainda que se reconheaque, ao invs das diatribes de Burke, Hegel trate a revoluo, pelo menos a Francesa, comalguma simpatia, o seu pensamento poltico compartilha com os conservadores a circunstnciade expressar no a perspectiva da construo de uma nova ordem mas a consolidao de uma

  • ordem poltica tradicional, a do Estado prussiano.Ao lado da revoluo, a outra grande preocupao do pensamento do sculo XIX a "questo

    social". Surge uma nova sociedade e, com ela, as massas, um monstro annimo capaz de suscitarmuitos temores e, talvez, algumas esperanas. Em John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville, oliberalismo toma o seu caminho mais para alm do Estado, visando entender a sociedademoderna. Eles reconhecem que as ameaas liberdade j no se encontram apenas no Estado,que, em suas formas absolutistas e despticas, esmaga o indivduo. Alm do despotismo doEstado, poderia haver tambm um despotismo da sociedade.

    Diz Tocqueville que a possibilidade do despotismo aumenta nas sociedades modernas, que elechama de democrticas, nas quais a "igualdade de condies" poderia levar os indivduos no associa o e ao em comum mas ao isolamento. Ao revs das sociedades aristocrticas,onde a liberdade poltica se alimenta da participa o e da capacidade de associao dosindivduos, as sociedades igualitrias produziriam massas de indivduos solitrios, incapazes degovernar a sociedade e, portanto, vtimas indefesas diante das pretenses dos dspotas. Pode-serecolher em Stuart Mill uma reflexo semelhante: s uma sociedade de homens livres pode criarum Estado de homens livres.

    A grande contribuio de Stuart Mill e de Tocqueville ao pensamento poltico liberal ,contudo, muito maior do que aquela reconhecida em nossos meios liberais. Eles tm sidolembrados por seu temor de uma "tirania da maioria", noo dotada de uma grande ambiguidadequando lida com olhos de hoje e que, mais do que as sociedades democrticas, qualificaria, avantla lettre, as sociedades totalitrias ou as tendncias totalitrias das sociedades modernas. Masestes dois aristocratas do esprito, conhecidos por seu refinamento e por seu elitismo, deveriamser lembrados tambm por suas duras objees contra o egosmo das plutocracias burguesas, queeles vm incapazes de assumir suas responsabilidades perante a sociedade.

    O ingls Stuart Mill tem diante de si os efeitos sociais desastrosos da primeira RevoluoIndustrial. o drama da "questo social" que haveria de lev-lo, em alguns dos seus escritos, aum terreno fronteiro com o socialismo. Uma das consequncias da ideia de que a sociedade podeproduzir a opresso por sua prpria conta que pode caber ao Estado livre a misso de intervir nasociedade para defender a liberdade do indivduo. neste contexto que se deve entender agrande inovao que Stuart Mill traz ao pensamento liberal. Como Tocqueville, ele tinha bastantedesconfiana da burguesia moderna para afirmar, contra uma viso utilitarista do liberalismo queprope a liberdade poltica como uma derivao da liberdade econmica, a idia da liberdadepoltica como um valor em si. Diferente da concepo liberal de uma liberdade "negativa", naqual o indivduo livre apenas na medida em que no oprimido pelo Estado, eles recuperam anoo, da Antiguidade clssica, segundo a qual a liberdade poltica se realiza na participao doshomens na comunidade poltica, isto , nos assuntos pblicos ou nos assuntos do Estado.

    Em Marx, o pensamento do sculo XIX realiza a sua variante mais radical de combinaoentre uma teoria da sociedade (e da economia) e uma teoria da revoluo. Como Stuart Mill nocampo liberal, Marx pode ser considerado, no campo do pensamento socialista, tanto um tericoda poltica quanto um economista e um socilogo. Embora sua teoria da poltica tenha umdesenvolvimento menor (O capital , sem dvida, mais importante do que O 18 Brumrio de LusBonaparte ou do que O manifesto comunista), pode-se afirmar que a inquietao poltica

  • atravessa o conjunto da obra de Marx. Deste modo, as anotaes que Marx deixou a respeito dapoltica ganham, no conjunto da sua obra, um relevo muito maior do que faria supor a suacondio de escritos de circunstncia . que a ideia de revoluo, ao invs de desdobramento nocampo do pensamento poltico de uma cincia da economia e de uma sociologia, est no prpriocerne de sua viso da sociedade moderna. A propenso que j vimos nos pensadores dos sculosXVI, XVII e XVIII, de ligar uma concepo da poltica a uma concepo do homem e dasociedade em geral, reaparece nos grandes pensadores da poltica do sculo XIX. Em Marx, estatendncia levada ao seu ponto mais completo.

    Como em nosso volume anterior, sobre os sculos XVI, XVII e XVIII, cada um dospensadores aqui reunidos apresentado por um professor (ou professora) com amplaexperincia didtica no tema e, em diversos casos, com obra publicada a respeito. Os captulosdeste volume constam, assim, de duas partes, a primeira contendo o texto do apresentador (ouapresentadora) e a segunda, trechos selecionados do clssico de que se trate. Burke apresentadopor Maria D'Alva Gil Kinzo, Kant por Regis de Castro Andrade, Hegel por Gildo MaralBrando, Tocqueville por Clia Galvo Quirino, Stuart Mill por Elizabeth Balbachevsky e Marxpor Francisco C. Weffort. Todos os apresentadores (e apresentadoras) mencionados soprofessores do Departamento de Cincia Poltica da Universidade de So Paulo.

  • 2Burke: a continuidade contra a ruptura

    Maria D'Alva Gil Kinzo

  • Pensador e poltico ingls do sculo XVIII, Edmund Burke considerado o fundador doconservadorismo moderno. Tal atributo lhe foi imputado menos em funo de sua brilhantecarreira como parlamentar Whig (grupo partidrio liberal), defensor das liberdades e doconstitucionalismo dos ingleses, do que em virtude de suas formulaes tericas nascidas de seuataque ferrenho aos revolucionrios franceses e seus defensores na Inglaterra, o que o levou posio de primeiro grande crtico da Revoluo Francesa de 1789. Burke no escreveu umtratado sobre teoria poltica; sua obra consiste em uma srie de cartas, discursos parlamentares epanfletos de circunstncia, e seu pensamento, embora altamente imaginativo, bastanteassistemtico, o que tornou sua produo sujeita a interpretaes conflitantes e mesmo acusao de inconsistncia terica e doutrinria. Antes, porm, de discutir as principais ideias deBurke, tratemos de fazer uma breve incurso em sua biografia.

    Carreira poltica de um conservador

    Edmund Burke nasceu em janeiro de 1729 na cidade de Dublin, na Irlanda, poca umacolnia inglesa. Seu pai, um advogado de confortvel posio, era protestante, e sua me,descendente de uma velha famlia catlica. Burke optou pelo protestantismo e, emboradesenvolvesse uma ligao profunda com a religio, foi sempre muito tolerante com asdiferentes seitas. Isto certamente tem a ver com sua diversificada experincia familiar e escolar.Burke teve uma excelente educao, primeiro num internato quacriano (dirigido por AbrahamShackleton) e, depois, no Trinity College de Dublin. Em 1750, vai para Londres com a intenode se preparar para a carreira de advogado, matriculando-se assim num curso de direito noMiddle Temple. Embora tenha inicialmente se dedicado com afinco ao estudo da jurisprudncia,logo se viu atrado pela literatura, o que o fez abandonar seus estudos de direito. Em 1756 surgeseu primeiro trabalho: A vindication of the natural society. Publicado anonimamente e no estilo deBolingbroke, renomado pensador poltico, este ensaio de filosofia social era uma stira dirigida sideias deste pensador. E Burke imitou seu estilo de forma to perfeita que mesmo os crticosacreditaram se tratar de uma obra de Bolingbroke. A verdadeira autoria s viria a ser conhecidacom a segunda edio do livro, em cujo prefcio Burke explica sua inteno satrica.

    No ano seguinte sai publicado A philosophical inquiry into the origin of our ideas of the sublimeand the beautiful, um breve tratado sobre a esttica que daria a Burke alguma reputao nocrculo literrio ingls e no exterior. Data tambm de 1757 seu casamento com Jane Nugent,filha de um irlands catlico. A esta poca, a partir de um contrato com o editor Robert Dodsley,Burke iniciou o Annual register, um anurio sobre poltica, histria e literatura em mbitomundial, cujo primeiro volume saiu publicado em 1759. Ele dirigiu esta publicao at 1776, masmanteve ligao com o anurio, escrevendo comentrios bibliogrficos e assessorando em suaedio, at pelo menos 1789.

    Seu primeiro contato direto com a poltica se deu atravs de William Gerard Hamilton, umparlamentar que em 1761 foi nomeado primeiro-secretrio do governador da Irlanda e queconvidou Burke para acompanh-lo como secretrio particular. Esta experincia junto administrao inglesa na Irlanda fez com que entrasse a fundo nos problemas de sua terra natal,tornando-se um incansvel defensor das causas irlandesas. Permaneceu na Irlanda at 1765, dataem que rompeu com Hamilton e em que foi nomeado secretrio do marqus de Rockingham,

  • lder de um dos grupos Whig no Parlamento. Como seu secretrio durante dezessete anos, Burkeparticipou dos governos liderados por Lord Rockingham, e exerceu grande influncia neste queera o lder da principal corrente poltica inglesa, o partido Whig de Rockingham. Assim, no foidifcil para Burke conseguir, atravs de eleies de limitada participao como as que ocorriamna poca, um assento no Parlamento. Sua entrada na Cmara dos Comuns se d em 1766 comodeputado por Wendover, cadeira que iria conservar at 1774, quando a trocou pela deputao porBristol. Foi nesta cidade ento a segunda do reinado que, ao ser proclamado eleito em 3 denovembro de 1774, Burke pronunciou o famoso discurso, tratando do papel de um representanteno Parlamento, Speech to the electors of Bristol, o qual reproduzimos parcialmente neste volume.Neste discurso Burke defende com brilhantismo a independncia da atividade de umrepresentante. Este, ao invs de se guiar por instrues de seus representados, deveria se orientarpelo bem geral de toda a comunidade e agir de acordo com seu prprio julgamento econscincia.

    Burke permaneceu como representante de Bristol at 1780, quando, reconhecendo ter perdidoa confiana de seus representados, decidiu-se por assegurar um lugar no Parlamento atravs darepresentao do distrito de Malton, cadeira que conservou at encerrar sua carreira parlamentarem 1794. Burke morreu em 9 de julho de 1797.

    Independncia americana e Revoluo Francesa

    Durante todo o perodo que vai de 1766 a 1794, Burke foi um atuante membro do Parlamentoe, como tal, esteve presente nos principais acontecimentos polticos da Inglaterra dos meados dosculo XVIII. Referir-se a esta poca e a este lugar situarmo-nos em um perodo histrico emque j despontavam na Inglaterra sinais do grande surto econmico provocado pela RevoluoIndustrial; significa, tambm, colocarmo-nos em um pas onde h quase um sculo ocorrera aderrocada da monarquia absolutista, e onde a ordem capitalista j se tornara parte do status quo,instaurada como foi na Inglaterra por um processo de acomodao progressiva do novo na velhaordem tradicional.

    Num contexto mais especfico, a poca em que Burke iniciou sua carreira poltica coincidecom um evento que iria ter consequncias significativas na poltica britnica: a ascenso de JorgeIII ao trono da Inglaterra. Tornando-se rei em 1760, Jorge III iria tentar de todas as formasassegurar um papel mais ativo para a Coroa, a qual, desde a Revoluo Gloriosa de 1688, haviaperdido influncia em benefcio do fortalecimento do Parlamento. Assim, os primeiros 35 anosdo reinado de Jorge III foram marcados pela ao deliberada do rei com vistas a reverter, aqualquer custo, a tendncia prevalescente nas dcadas anteriores, de modo a reconquistar para aCoroa o poder efetivo. E, nesta luta, Edmund Burke se colocou ao lado do Parlamento,defendendo o regime parlamentar e a ordem constitucional inglesa. Um dos escritos maisnotveis sobre esta problemtica , sem dvida, o panfleto de Burke datado de 1770 e intituladoThoughts on the cause of the present discontents (cujos excertos inclumos neste volume). Fazendouma anlise da situao poltica da poca, Burke argumentava no sentido de mostrar que as aesde Jorge III chocavam-se com o esprito da Constituio; e denunciava como prtica defavoritismo o critrio pessoal na escolha dos ministros. Combatendo a camarilha do rei, Burkedefendia a escolha dos membros do ministrio segundo bases pblicas, isto , atravs da

  • aprovao do Parlamento, que representa a soberania popular. neste ensaio que encontramos,pela primeira vez expressa de forma inequvoca, uma defesa dos partidos polticos comoinstrumentos de ao conjunta na vida pblica.

    Foi tambm no tempo de Burke que se acirrou o conflito do Imprio britnico com as colniasamericanas, culminando na guerra da independncia. O desenvolvimento prodigioso das colniasda Amrica no sculo XVIII havia gerado tenses no sistema de regulao poltica e econmicaimperial, e a determinao da Coroa de manter o controle absoluto sobre os povos colonizadosresultou em represso e guerra. Defensor de uma poltica mais conciliatria, Burke se envolveriade forma combativa na questo colonial, tentando evitar a secesso das treze colniasamericanas. Seus pronunciamentos mais conhecidos sobre esta questo so os discursosparlamentares On american taxation (1774) e On moving his resolution for conciliation withAmerica (1775), e a carta enviada sua base eleitoral justificando sua posio em defesa dosamericanos, Letter to the sheriffs of Bristol (1777). Em seus pronunciamentos, Burke defendia anecessidade de se encontrar uma soluo harmnica para o problema daqueles que, em verdade,eram descendentes dos ingleses e que, como estes, possuam o esprito de liberdade que to bemencarnavam as instituies britnicas; argumentava que estava em risco no apenas as liberdadesdos americanos mas as prprias liberdades dos ingleses.

    Se foi em nome dessas liberdades que Burke se insurgiu contra as investidas da Coroa emtentar aumentar seu poderio interna e externamente, foi em nome da ordem e das tradiesinglesas que Burke iniciaria uma cruzada contra o acontecimento histrico mais surpreendente desua poca, a Revoluo Francesa de 1789. Sua hostilidade desmesurada a este movimentorevolucionrio sem precedentes, que causara entusiasmo entre os ingleses, inspirou-lhe aproduo de sua mais importante obra: Reflexes sobre a revoluo em Frana, publicada em1790. Esta obra foi motivada por um pronunciamento do dissidente protestante Richard Price,que, elogiando a Revoluo Francesa, elegia-a como modelo aos britnicos. Assim que grandeparte desta obra tem por fim dinamitar os argumentos dos defensores na Inglaterra daquelasideias radicais que impulsionaram a Revoluo, as quais Burke temia que fossem generalizadas.Desta maneira, Burke discute as ideias fundamentais que animaram o movimento, tais como aquesto da igualdade, dos direitos do homem e da soberania popular; alerta contra os perigos dademocracia em abstrato e da mera regra do nmero; e questiona o carter racionalista e idealistado movimento, salientando no se tratar simplesmente do fato de estar a revoluo provocando odesmoronamento da velha ordem, mas de estar causando a deslegitimao dos valorestradicionais, destruindo assim toda uma herana em recursos materiais e espirituais arduamenteconquistada pela sociedade. Contrapondo-se a esses males, Burke exalta as virtudes daConstituio inglesa, repositrio do esprito de continuidade, da sabedoria tradicional, daprescrio, da aceitao de uma hierarquia social e da propriedade, e da consagrao religiosada autoridade secular. particularmente nesta obra que se encontram expostos de forma maisclara os fundamentos e traos conservadores do pensamento de Burke.

    Uma sociedade natural, hierrquica e desigual

    uma tarefa demasiado rdua discutir em uma breve apresentao os vrios e intrincadosaspectos envolvidos no pensamento de Burke, principalmente por se tratar de um pensador e

  • poltico que nunca chegou nem mesmo nas Reflexes a expor de modo sistemtico suasideias fundamentais. Estas, ao contrrio, emergem em meio a crticas e argumentos construdosna discusso acerca de questes concretas. Sua despreocupao com a sistematizao de seupensamento muito se deve ao fato de esposar uma viso hostil s abstraes. Para Burke, asconcepes tericas, sem contato com a realidade, muitas vezes obstruem ou corrompem a aopoltica, por no levar em considerao as circunstncias complexas em que os problemas estoenvolvidos: "So as circunstncias que fazem com que qualquer plano poltico ou civil sejabenfico ou prejudicial para a humanidade". Desse modo, princpios abstratos no podem sersimplesmente aplicados na soluo de problemas polticos reais. De fato, foi essa a primeiragrande objeo de Burke Revoluo Francesa, um movimento motivado por princpiosabstratos como a liberdade, a igualdade. Isso no significa, no entanto, que Burke tenha evitadofazer generalizaes tericas. E, apesar de suas constantes referncias pouco elogiosas aopensamento abstrato, suas crticas s ideias revolucionrias, bem como as posies fundamentaisque defendia, no deixavam de possuir fundamentos metafsicos. Burke admitia existir,subjacente ao fluxo dos eventos, uma realidade superior, sendo essencial para qualquer ao oseu conhecimento. E, de fato, sua concepo sobre o Estado e a sociedade baseia-se emdeterminadas suposies sobre a natureza do Universo. A esse respeito, cabe ressaltar o papelproeminente da religio no esquema explicativo de Burke.

    Estado e sociedade fazem parte da ordem natural do Universo, que uma criao divina.Segundo Burke, Deus criou um Universo ordenado, governado por leis eternas. Os homens soparte da natureza e esto sujeitos s suas leis. Estas leis eternas criam suas convenes e oimperativo de respeit-las; regulam a dominao do homem pelo homem e controlam os direitose obrigaes dos governantes e governados. Os homens, por sua vez, dependem uns dos outros, esua ao criativa e produtiva se desenvolve atravs da cooperao. Esta requer a definio deregras e a confiana mtua, o que desenvolvido pelos homens, com o passar do tempo, atravsda interao, da acomodao mtua e da adaptao ao meio em que vivem. desse modo queeles criam os princpios comuns que formam a base de uma sociedade estvel.

    Alguns pontos podem assim ser assinalados quanto concepo de Burke acerca da naturezada sociedade e do Estado. Em primeiro lugar, a sociedade tem uma essncia moral, um sistemade mtuas expectativas, deveres e direitos sociais (e no naturais). Em segundo lugar, vemos emBurke a ideia de que a sociedade natural e de que os homens so por natureza sociais ("o estadode sociedade civil [...] um estado de natureza"). E aqui cabe frisar que, para Burke, faz tambmparte da natureza das coisas a desigualdade (e a propriedade, que tem por trao fundamental serdesigual). A natureza hierrquica; assim, uma sociedade ordenada naturalmente dividida emestratos ou classes, de modo que a igualdade, tanto poltica, social como econmica, vai contra anatureza. Para Burke, a ideia de igualdade, esta "monstruosa fico" apregoada pela RevoluoFrancesa, s serve para subverter a ordem e "para agravar e tornar mais amarga a desigualdadereal que nunca pode ser eliminada e que a ordem da vida civil estabelece, tanto para benefciodos que tm de viver em uma condio humilde" como dos privilegiados.

    Em terceiro lugar, tem-se a ideia de que a sociedade no apenas tem origem divina mastambm divinamente ordenada. Segundo Burke, Deus nos legou o Estado, que o meionecessrio pelo qual nossa natureza aperfeioada pela nossa virtude. Nesse sentido, a sociedade

  • e o Estado possibilitam a realizao das potencialidades humanas. Pode-se identificar em Burkeuma atitude de venerao ao Estado (especificamente ao Estado ingls), bastante similar queteria mais tarde Hegel em relao ao Estado prussiano. Como afirma Burke, o Estado "umaassociao de toda cincia, de toda arte, de toda virtude e de toda perfeio [...] uma associaono apenas entre os vivos, mas tambm entre os mortos e os que iro nascer". E isso nos leva afazer aluso a um outro trao importante do pensamento de Burke: sua defesa da continuidade,sua reverncia tradio social e constitucional.

    Uma constante no pensamento poltico de Burke, aparente tanto quando ele criticava o governoautocrtico e a poltica colonial da Coroa como quando vilipendiava a Revoluo Francesa, adefesa da Constituio inglesa. Muito do seu sentido de conservao est referido ao que estaConstituio, a seu ver, representava ou personificava. Em primeiro lugar, ela representava opacto voluntrio pelo qual uma sociedade criada; e, por se basear em um contrato voluntrioinicial, ela um imperativo para todos os indivduos de uma sociedade. Em segundo lugar, aConstituio inglesa personificava a tradio, e por isso deveria ser respeitada, porque estarepresenta a "progressiva experincia" do homem. Afirma Burke: "Nossa Constituio uma'Constituio prescritiva'; uma Constituio cuja nica autoridade consiste no fato de ter existidodesde tempos imemorveis". E as velhas instituies so as mais teis, porque elas tm asabedoria de Deus trabalhando atravs da experincia dos homens no curso de sua histria.

    Em terceiro lugar, defender a Constituio inglesa significava defender o arranjo polticoinstaurado a partir da Revoluo de 1688, que garantia o equilbrio entre a Coroa e o Parlamento.Este arranjo poltico consagrava monarquia a condio de instituio central da ordem poltica,ao personificar o objeto "natural" de obedincia e reverncia; mas atribua ao Parlamento corpo representativo dos diferentes interesses do reino a condio de contrapeso da instituiomonrquica, possibilitando o necessrio controle sobre os abusos do poder real. Afirma Burke: "Avirtude, o esprito e a essncia da Cmara dos Comuns consiste em ser ela a imagem expressados sentimentos da nao. Ela no foi instituda para ser um controle sobre o povo [...] Ela foiplanejada como um controle para o povo". Assim, tem uma posio-chave nesse arranjoconstitucional a Cmara dos Comuns, atravs da qual o povo est representado. No entanto, ocarter representativo desta Cmara para Burke muito mais virtual do que real, e tem pouco aver com base eleitoral, mesmo porque Burke se opunha extenso do sufrgio. Segundo Burke,os interesses tm uma realidade objetiva e so o fruto de debate e deliberao entre homens desabedoria e de virtude, no se confundindo com os meros desejos e opinies do povo. nessesentido que Burke defendia o mandato independente na atividade de um representante. Comoargumenta em seu famoso discurso aos eleitores de Bristol, "o Parlamento uma assembleiadeliberante de uma nao, com um nico interesse, o de todos; onde no deveriam influir fins epreconceitos locais, mas o bem comum [...]". portanto um direito e um dever dos membros doParlamento seguir sua prpria conscincia e julgamento independente, ao invs de obedecer aosdesejos ou instrues de sua base.

    Finalmente cabe ressaltar a importncia assinalada por Burke aos partidos polticos, peaessencial de um governo livre. Na verdade, Burke foi quem primeiro atribuiu um significadopositivo ao termo partido poltico, dissociando-o do carter faccioso originalmente atribudo aosagrupamentos polticos. Sua defesa dos partidos polticos uma reao ideia, difundida pela

  • camarilha do rei, de que toda conexo que persegue um fim poltico necessariamente umafaco que visa somente vantagens pessoais e antipatriticas. Contrapondo-se a essa ideia, Burkeformulou a definio clssica de partido poltico: "Um grupo de homens unidos para a promoo,atravs de seu esforo conjunto, do interesse nacional, com base em algum princpiodeterminado com o qual todos concordam". Os partidos so instrumentos necessrios para queplanos comuns possam ser postos em prtica "com todo o poder e autoridade do Estado".

    Concebendo a sociedade como um organismo que encarnava a ordem moral de origemdivina; fiel defensor da hierarquia social, das prescries, dos direitos herdados e da continuidadehistrica; crtico ferrenho das ideias e prticas da Revoluo Francesa; Burke, por estes e outrosatributos, tornou-se o exponente mximo do pensamento conservador. Conhecer suas ideiasajuda-nos a entender os fundamentos em que est baseada a crtica conservadora concepodialtica da histria, teoria da revoluo, ao radicalismo poltico. Mas Burke foi tambm umvigoroso inimigo da camarilha do rei Jorge III, crtico contumaz do governo autocrtico e doimperialismo britnico em sua forma vigente na Amrica, Irlanda e ndia no sculo XVIII;defensor de uma economia de mercado, da tolerncia religiosa e dos princpios liberais daRevoluo Whig de 1688. Tais atributos que deram a Burke o ttulo de constitucionalista liberal.Um liberal conservador, esta seria a melhor denominao para Burke; e discutir sua conceposobre representao poltica, sobre partidos e governo partidrio, ajuda-nos a conhecer osmecanismos caractersticos de um regime parlamentar.

    Bibliografia

    BURKE , E. Reflections on the revolution in France. New York, Delphin Books, Doubleday & Co.,1961.

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    FREEMAN , Michael. Edmund Burke and the critique of political radicalism. Oxford, BasilBlackwell, 1980.

    MACPHERSON , C. B. Burke. Madrid, Alianza Editorial, 1980.

    SABINE , G. Historia de la teora poltica. 7. ed. Mxico, Fondo de Cultura Econmica, 1976.

    TOUCHARD, J. Histria das ideias polticas. Lisboa, Publicaes Europa-Amrica, 1970. v. 5.

    TEXTOS DE BURKE

    Reflexes sobre as causas do descontentamento atual*

    [...]

  • Esta camarilha propagou com xito uma doutrina que serve para mascarar todos esses atos detraio; enquanto esta doutrina receber o mais nfimo grau de considerao, ser absolutamenteinsensato buscar uma oposio vigorosa ao partido da Corte. A doutrina a seguinte: todas asalianas so, por natureza, facciosas e, como tais, devem ser destrudas e dispersadas; e a regrapara formar ministrios a simples capacidade pessoal, medida segundo a concepo destacamarilha e detectada ao acaso dentre todos os grupos e categorias de homens pblicos. Estedecreto foi solene e pessoalmente promulgado pelo conde de Bute, chefe do partido da Corte, emum discurso que pronunciou no ano de 1766, contra o ministrio ento no poder e, ao que sesaiba, o nico que ele j tenha atacado, alguma vez, direta e publicamente.

    No , de modo algum, de admirar que tais pessoas faam semelhantes declaraes. Quealiana e faco sejam termos equivalentes uma opinio que todos os estadistasinconstitucionais inculcaram a todas as pocas. A razo disto evidente. Enquanto os homensesto ligados entre si, a comunicao do alarme contra qualquer inteno maligna fcil erpida. Eles so capazes de pressenti-lo atravs do acordo comum e de se lhe opor com a uniode suas foras, ao passo que quando esto dispersos, sem ordem, acordo ou disciplina, acomunicao insegura, o consenso difcil e a resistncia impraticvel. Se os homens noconhecem os princpios dos demais, no experimentaram os talentos dos outros nem colocaramem prtica seus mtuos talentos e disposies atravs de esforos comuns nos negcios, no h,entre eles, confiana pessoal nem amizade nem interesse comum, e evidente que no podemdesempenhar nenhum papel pblico com uniformidade, perseverana ou eficcia. Em alianacom outros, o homem mais insignificante, agregado ao peso de todos, tem seu valor e utilidade;fora dela, os maiores talentos so totalmente inteis para servir ao povo. Nenhum homem queno esteja exaltado pelo jbilo at chegar ao entusiasmo pode imaginar que seus esforossolitrios, desamparados, inconstantes e assistemticos tenham poder para derrotar os desgniossutis e as intrigas tramadas pelos cidados ambiciosos. Quando os maus se associam, os bons tmde se unir; caso contrrio, iro caindo um a um, implacavelmente sacrificados numa lutamesquinha.

    No basta que o homem colocado em um cargo de confiana deseje o bem de seu pas; nobasta que pessoalmente jamais tenha realizado um s ato prejudicial, nem que tenha votadosempre de acordo com sua conscincia e nem ainda que tenha se pronunciado contra todo planoque lhe tenha parecido prejudicial aos interesses do pas. Este carter inofensivo e ineficaz queparece se formar em um plano de excusa e desculpa resulta, lamentavelmente, de poucoalcance no caminho do dever pblico. O que o dever exige e implora no apenas que semanifeste o que est bom, mas que este bem prevalea; no apenas que se saiba o que que estruim, mas que isto se frustre. Quando o homem pblico no chega a se colocar em condies decumprir seu dever com eficcia, esta omisso frustra os propsitos de seu mandato quase damesma forma que se o houvesse trado abertamente. Na verdade, no um resumo muitoelogioso da vida de um homem dizer que sempre trabalhou bem, mas que se conduziu de talforma que seus atos no deram margem produo de nenhuma consequncia.

    No me espanto de que a conduta de muitos partidos tenha levado pessoas de virtude delicadae escrupulosa a se inclinarem, de certo modo, a se afastar de toda espcie de aliana poltica.Admito que as pessoas com frequncia adquiram, em tais confederaes, um esprito estreito,

  • intolerante e proibidor e que facilmente tendam a fundir a ideia de bem comum neste interessecircunscrito e parcial. Mas quando o dever torna necessrio enfrentar uma situao crtica, o quecabe se preservar dos perigos que dela derivam, mas no desertar da prpria situao. Se umafortaleza est situada num ar insalubre, um oficial da guarnio deve cuidar de sua sade, masno pode desertar de seu posto. Toda profisso, sem excluir a gloriosa profisso de soldado, nema sagrada do sacerdote, suscetvel de cair em vcios particulares; mas estes no constituemargumentos contra esses modos de vida nem so os vcios, em si mesmos, inevitveis em cadaindivduo que a elas se dedicam. So da mesma natureza as alianas polticas: essencialmentenecessrias para a plena realizao de nosso dever pblico e suscetveis, acidentalmente, de sedegenerar em faces. As comunidades polticas se compem de famlias; as comunidadespolticas livres se compem tambm de partidos e com a mesma razo podemos tanto afirmarque nossos afetos naturais e laos sanguneos tendem inevitavelmente a fazer de ns mauscidados, quanto dizer que os laos partidrios enfraquecem os que nos ligam ao nosso pas.

    Alguns legisladores vo to longe que chegam a fazer da neutralidade nas lutas partidrias umdelito contra o Estado. No sei se isto levar o princpio ao extremo. O que certo, na verdade, que os melhores patriotas nas maiores comunidades polticas sempre defenderam e fomentaramtais alianas. Idem sentire de republica tem sido para eles o lao principal de amizade e afeio,e no conheo outro suscetvel de formar hbitos mais firmes, estimados, atraentes, honrados evirtuosos. Os romanos levaram o princpio ainda mais alm. Inclusive o fato de ter, ao mesmotempo, cargos cujo desempenho derivava do acaso e no da seleo dava lugar a uma relaoque se perpetuava. Denominava-se necessitudo sortis e era considerada com reverncia sagrada.O rompimento de alguma destas modalidades de relao civil era considerado como um ato damais evidente vilania. O povo inteiro se distribua em sociedades polticas, e cada um nelasatuava em apoio aos interesses estatais que lhe diziam respeito, porque ento no constitua umdelito, por parte daqueles que partilhavam os mesmos sentimentos e opinies, buscar, por meiosdignos, a superioridade e o poder. Este povo sensato estava longe de imaginar que essas alianasno possussem nenhum vnculo e no obrigassem a nenhum dever e que os homens, a cadaconvocao da segurana pblica, pudessem abandon-las sem disto se envergonhar. Tampoucoimaginavam que a amizade fosse um passo considervel em direo ao patriotismo e que aqueleque, no intercurso comum da vida, demonstrasse favorecer algum alm de si mesmo quandochegava a desempenhar uma funo pblica provavelmente estaria atendendo a algum outrointeresse distante do seu.

    [...]Um partido um grupo de homens unidos para fomentar, atravs de aes conjuntas, o

    interesse nacional, na base de algum princpio determinado sobre o qual todos esto de acordo.De minha parte parece-me impossvel conceber que algum acredite em sua prpria poltica ouacredite que esta possa ter algum peso se se nega a adotar os meios de coloc-la em prtica. Atarefa do filsofo especulativo consiste em descobrir os fins correspondentes ao governo. A dopoltico, que o filsofo em ao, a de encontrar meios adequados para alcanar tais fins eutiliz-los com eficcia. Por conseguinte, toda aliana digna confessar que seu propsitoprimeiro consiste em tentar fazer, por todos os meios honestos, com que os homens que partilhamdas mesmas opinies se coloquem em uma situao tal que possam pr em execuo os planos

  • comuns, com todo o poder e a autoridade do Estado. Como este poder est ligado a certos cargos, seu dever aspirar por eles. Sem que tenham de proibir isto aos demais, esto obrigados a darpreferncia ao seu partido em todas as coisas e a no aceitar, por nenhuma consideraoparticular, nenhuma oferta de poder na qual no se inclua todo o grupo, nem a tolerar que, naadministrao ou no conselho, sejam dirigidos, controlados ou sobrepujados por aqueles que secontrapem aos princpios fundamentais nos quais o partido se baseia, ou ainda aos princpiossobre os quais se deve apoiar uma aliana digna. Esta luta generosa pelo poder, conduzida nabase de tais mximas honrosas e viris, distingue-se facilmente da luta mesquinha e interesseirapor cargos e remuneraes. O prprio estilo de tais pessoas servir para diferenci-las dessesinumerveis impostores que enganam os ignorantes com profisses de f incompatveis com aprtica humana e que logo caem em prticas que esto abaixo do nvel da retido comum.

    [...]

    Discurso aos eleitores de Bristol*

    Discurso aos eleitores de Bristol ao ser declarado, pelos xerifes, devidamente eleito como umdos representantes daquela cidade no Parlamento, quinta-feira, dia 3 de novembro de 1774.

    [...]Em todos os sentidos sou devedor de todos os vizinhos desta cidade. Meus amigos particulares

    tm sobre mim o direito a que eu no frustre as esperanas que em mim depositaram. Jamaishouve causa que fosse apoiada com mais constncia, mais diligncia e mais animao. Fuiapoiado com um zelo e um entusiasmo por parte de meus amigos, que por seu objetivo tersido proporcional s suas gestes jamais poderia ser suficientemente elogiado. Apoiaram-mebaseando-se nos princpios mais liberais. Desejavam que os deputados de Bristol fossemescolhidos para representar a cidade e o pas e no para represent-los exclusivamente.

    At agora no esto decepcionados. Ainda que no possua nada mais, estou certo de possuir atmpera adequada a vos servir. No conheo nada de Bristol, a no ser as atenes que recebi eas virtudes que vi praticadas nesta cidade.

    Conservarei sempre o que sinto agora: a adeso mais perfeita e grata de todos os meus amigos e no tenho inimizades nem ressentimentos. No posso jamais considerar a fidelidade aoscompromissos e a constncia na amizade seno com a mais alta aprovao, mesmo quando estasnobres qualidades sejam empregadas contra as minhas prprias pretenses. O cavalheiro queno obteve a mesma sorte que eu nesta luta desfruta, nesse sentido, de um consolo que conferetanta honra a ele quanto aos seus amigos. Estes certamente no deixaram nada a dever em seuapoio.

    No que tange petulncia vulgar que a ira partidria provoca nas mentes estreitas, ainda quese manifestasse at neste tribunal, no me causaria o menor espanto. O voo mais alto de taispssaros fica limitado s camadas inferiores do ar. Ns os ouvimos e os vemos como quando vs,cavalheiros, desfrutais do ar sereno que se eleva de vossas rochas e vedes as gaivotas que bicamo barro de vosso rio, deixado a descoberto pela mar baixa.

    Acho que no posso concluir sem dizer uma palavra sobre um tema que foi tocado por meudigno colega. Desejaria que o tema tivesse sido mencionado apenas por alto, porque no tenho

  • tempo para examin-lo profundamente. Mas j que ele considerou oportuno a ele se referir,preciso vos dar uma explicao clara de meus humildes sentimentos acerca deste assunto.

    Ele vos disse que "o tema das instrues ocasionou muitas disputas e intranquilidade nestacidade" e, se o entendi bem, expressou-se em favor da autoridade coercitiva das referidasinstrues.

    Certamente, cavalheiros, a felicidade e a glria de um representante devem consistir em viverna mais estreita unio, na mais ntima correspondncia e numa comunicao irrestrita com seuseleitores. Seus desejos devem ter para ele grande peso, sua opinio o mximo respeito e seusassuntos uma ateno incessante. seu dever sacrificar seu repouso, seus prazeres e suassatisfaes aos deles; e, sobretudo, preferir sempre e em todas as ocasies o interesse deles aoseu prprio interesse. Mas a sua opinio imparcial, seu juzo maduro e sua conscinciaesclarecida no devem ser sacrificada a vs, a nenhum homem e nem a nenhum grupo dehomens.

    Todas estas coisas ele no as tem como derivadas da vossa vontade e nem do direito e daConstituio. So um emprstimo efetuado pela Provncia, por cujo abuso ele tremendamenteresponsvel.

    Vosso representante deve a vs no apenas o seu trabalho, mas tambm o seu juzo, e se ossacrificar vossa opinio, ele vos trai ao invs de vos servir.

    Meu digno colega diz que sua vontade deve ser servidora da vossa. Se isto fosse tudo, a coisaseria simples. Se o governo fosse, em qualquer lugar, questo de vontade, a vossa deveria, semnenhum gnero de dvidas, ser superior. Mas o governo e a legislao so problemas de razo ejuzo e no de inclinao, e que tipo de razo esta em que a deciso precede a discusso, emque um grupo de homens delibera e outro decide e na qual aqueles que assumem as decisesesto talvez a trezentas milhas daqueles que ouvem os argumentos?

    Dar opinio direito de todos os homens. A opinio dos eleitores uma opinio de peso erespeito que um representante deve sempre se alegrar por ouvir e sempre examinar com amxima ateno. Mas as instrues imperativas, os mandatos que o deputado est obrigado, demaneira cega e implcita, a obedecer, votar e defender, ainda que sejam contrrias sconvices mais claras de seu juzo e de sua conscincia, so coisas totalmente desconhecidasnas leis do pas e surgem de uma interpretao fundamentalmente equivocada de toda a ordem erespeito nossa Constituio.

    O Parlamento no um congresso de embaixadores que defendem interesses distintos e hostis,interesses que cada um de seus membros deve sustentar, como agente e advogado, contra outrosagentes e advogados, mas uma assembleia deliberativa de uma nao, com um interesse: o datotalidade, onde o que deve valer no so os interesses e preconceitos locais, mas o bem geralque resulta da razo geral do todo. Elegei um deputado, mas quando o haveis escolhido, ele no o deputado por Bristol e sim um membro do Parlamento. Se o eleitor local tiver um interesse ouformar uma opinio precipitada, que claramente se oponham ao bem-estar real do resto dacomunidade, o deputado, no assunto em pauta, deve se abster, como os demais, de qualquergesto para lev-lo a cabo. Peo-vos perdo por me haver estendido sobre este aspecto.Involuntariamente me vi obrigado a tratar disto, mas quero manter sempre convosco umarespeitosa franqueza. Serei vosso amigo fiel e devoto servidor at o fim de minha vida e sei que

  • no desejais um adulador. Quanto s instrues, contudo, creio apenas no ser possvel, entre ns,nenhum tipo de discrepncia. Talvez seja excessivo o incmodo que vos provoco ao tratar desteassunto.

    Desde o primeiro momento em que me animei a solicitar vosso apoio, at este dia feliz em queme haveis eleito, no prometi outra coisa seno tentativas humildes e perseverantes de cumprircom o meu dever. Confesso que o peso desse dever me faz tremer, e quem quer que considerebem o que significa recusar, desprezando qualquer outra considerao, tudo o que tenha amenor probabilidade de ser um compromisso incontestvel e precipitado. Ser um bom membrodo Parlamento , permiti-me dizer-vos, uma tarefa difcil; especialmente neste momento em queexiste uma facilidade to grande de se cair nos perigosos extremos da submisso servil e dopopulismo. absolutamente necessrio, mas extremamente difcil, unir a circunspeco com afirmeza. Somos agora deputados por uma rica cidade comercial; mas esta cidade no , contudo,seno uma parte de uma rica nao comercial cujos interesses so variados, multiformes eintrincados. Somos deputados de uma grande nao que, contudo, no seno parte de umgrande imprio, expandido, por nossa virtude e nosso destino, aos limites mais longnquos doOriente e do Ocidente. Todos esses vastos interesses devem ser considerados, comparados e, sepossvel, reconciliados. Somos deputados de um pas livre e sabemos todos, sem dvida, que omecanismo de uma Constituio livre no coisa simples, mas to intrincada e delicada quantovaliosa. Somos deputados de uma grande e antiga monarquia e devemos conservarreligiosamente os verdadeiros direitos legais do soberano que formam a pedra fundamental queune o nobre e bem construdo arco de nosso imprio nossa Constituio. Uma Constituio feitacom poderes equilibrados deve ser sempre crtica. Como tal, hei de tratar aquela parte daConstituio que esteja ao meu alcance. Conheo meus limites e desejo o apoio de todos. Emparticular, aspiro a amizade e cultivarei a melhor correspondncia com o digno colega que mehaveis dado.

    No vos molesto mais a no ser para mais uma vez vos agradecer a vs, cavalheiros, porvossa ateno; aos candidatos, por sua conduta moderada e corts; e aos xerifes, por uma condutaque pode servir de modelo a todos os que desempenham funes pblicas.

    Reflexes sobre a revoluo em Frana *

    [...] To longe est de ser verdade que tenhamos adquirido, atravs da revoluo [1688], o direitode eleger nossos reis que, se o tivssemos possudo antes, a nao inglesa naquela poca teriapara sempre a ele renunciado e abdicado da forma mais solene, para si mesma e para toda a suaposteridade. [...]

    verdade que, ajudada pelos poderes derivados da coero e da oportunidade, a naonaquela poca era, em certo sentido, livre para tomar o caminho que lhe aprouvesse para ocuparo trono; mas livre apenas para faz-lo sobre as mesmas bases nas quais poderia ter abolidototalmente sua monarquia e qualquer outra parte de sua Constituio. Contudo, no encarava taismudanas audaciosas como sua atribuio. De fato difcil, talvez impossvel, fixar limites mera competncia abstrata do poder supremo, tal como era exercido pelo Parlamento da poca.Mas os limites de uma competncia moral, mesmo em poderes mais indiscutivelmente soberanos

  • que submetem a vontade fortuita razo permanente e aos preceitos firmes da f, justia epoltica fundamental estabelecida , so perfeitamente inteligveis e se impem perfeitamentesobre aqueles que exercem no Estado qualquer autoridade, sob qualquer denominao e aqualquer ttulo. A Cmara dos Lordes, por exemplo, no moralmente competente paradissolver a Cmara dos Comuns; no, nem mesmo para se dissolver ou para abdicar, se quisesse,de sua parcela na legislatura do reino. Embora um rei possa pessoalmente abdicar, no podeabdicar pela monarquia. Devido a to forte ou a uma mais forte razo, a Cmara dos Comunsno pode renunciar sua parcela de autoridade. O engajamento ou o pacto social, quegeralmente chamado de Constituio, probe tal violao e tal desistncia. As partesconstituintes de um Estado esto obrigadas a manter sua f pblica, umas diante das outras ediante de todos aqueles que derivam qualquer interesse srio a partir de seus compromissos, damesma forma que o Estado como um todo est obrigado a manter sua confiana diante decomunidades distintas. Caso contrrio, a competncia e o poder logo se confundiriam, e norestaria nenhuma lei, a no ser a vontade de uma coero predominante. A partir deste princpio,a suces-so da Coroa tem sido sempre o que hoje, uma sucesso hereditria por lei: na antiganorma, era uma sucesso pela lei comum; na nova, pela lei estatutria, a qual opera a partir dosprincpios da lei comum e no muda a substncia, mas regula a forma e descreve aspersonalidades. Ambas estas descries da lei possuem a mesma coero e so derivadas deuma autoridade igual que emana do acordo comum e do pacto original do Estado, communisponsione reipublic, e, como tais, se impem igualmente ao rei e ao povo, na medida em quesuas condies sejam observadas e em que se mantenha o mesmo organismo poltico.

    [...][...] A Revoluo [Inglesa] foi feita para preservar nossas antigas leis e liberdades indiscutveis

    e aquela antiga Constituio de governo que nossa nica garantia para a lei e a liberdade. Sedesejais conhecer o esprito de nossa Constituio e a poltica que predominou naquele extensoperodo que a manteve at hoje, por favor, procurai por ambas em nossas histrias, em nossosregistros, em nossos atos parlamentares e atas de assembleias do Parlamento e no nos sermesdo Velho Testamento e torradas de sobremesa da Sociedade Revolucionria. Nos primeirosencontrareis outras ideias e uma outra linguagem. Um tal pleito to inadequado ao nossotemperamento e desejos quanto insustentado por qualquer aparncia de autoridade. A prpriaideia da confeco de um novo governo suficiente para nos encher de desgosto e horror. Noperodo da revoluo, desejvamos, e ainda hoje desejamos, derivar tudo o que possumos comouma herana de nossos ancestrais. Com base naquele tronco e linhagem da herana, temostomado cuidado para no inocular nenhum broto estranho natureza da planta original. Todas asreformas que at aqui realizamos procedem do princpio de referncia antiguidade; e eu esperoou, antes, estou convencido de que todas aquelas que eventualmente possam ser realizadas daquipor diante sero concebidas cuidadosamente a partir do precedente, da autoridade e do exemploanalgicos.

    [...]Da Carta Magna Declarao de Direitos, observareis que tem sido a poltica uniforme de

    nossa Constituio que reivindica e assegura nossas liberdades, como uma herana inalienvel ans atribuda por nossos antepassados e a ser transmitida nossa posteridade e como um Estado

  • pertencente principalmente ao povo deste reino, sem qualquer referncia que seja a qualqueroutro direito mais geral ou anterior. Por este meio, a nossa Constituio preserva uma unidadeem meio imensa diversidade de suas partes. Possumos uma Coroa transmissvel, uma nobrezatransmissvel e uma Cmara dos Comuns e um povo herdando privilgios, franquias e liberdades,a partir de uma longa linhagem de ancestrais.

    Parece-me que esta poltica o resultado da profunda reflexo ou, antes, o efeito feliz de seseguir a natureza, que sabedoria sem reflexo e acima dela. Geralmente um esprito deinovao o resultado de um temperamento egosta e de concepes estreitas. O povo noesperar da posteridade, que, por sua vez, jamais espera de seus ancestrais. Alm disso, o povoda Inglaterra bem sabe que a ideia de herana oferece um princpio seguro de conservao e umprincpio seguro de transmisso, sem jamais excluir um princpio de aperfeioamento. Ela deixalivre a aquisio, mas assegura o que adquire. Quaisquer que sejam os benefcios obtidos por umEstado regido por tais preceitos, eles so rapidamente trancados como numa espcie deestabelecimento familiar; agarrados para sempre como por um tipo de mo-morta. Atravs deuma poltica constitucional, operando segundo o padro da natureza, recebemos, mantemos etransmitimos nosso governo e nossos privilgios, da mesma forma pela qual desfrutamos etransmitimos nossa propriedade e nossas vidas. As instituies polticas, os bens materiais, asddivas da Providncia, so legados a ns e a partir de ns, no mesmo sentido e sequncia. Nossosistema poltico disposto numa correspondncia e simetria adequadas ordem do mundo e aomodo de existncia decretado a uma estrutura permanente composta de partes transitrias;donde, por fora de uma sabedoria prodigiosa que molda simultaneamente a grandeincorporao misteriosa da raa humana , a totalidade, numa dada poca, nunca velha, ou demeia-idade ou jovem, mas est numa condio de constncia imutvel, e se move atravs docurso alternado de decadncia, queda, renovao e progresso perptuos. Desta forma, ao mantero mtodo da natureza na conduta do Estado, nunca somos totalmente novos naquilo quemelhoramos e nunca totalmente obsoletos naquilo que retemos. Aderindo desta maneira e sobretais princpios aos nossos antepassados, somos guiados no pela superstio dos antiqurios maspelo esprito da analogia filosfica. Nesta escolha da herana, atribumos nossa concepo degoverno a imagem de uma relao sangunea; amarramos a Constituio de nosso pas aosnossos mais caros laos domsticos; adotamos nossas leis fundamentais no seio de nossossentimentos familiares e mantemos inseparveis alimentando com o calor de todas as suascaridades associadas e mutuamente espelhadas nosso Estado, nossos lares, nossos sepulcros enossos altares.

    Atravs da mesma concepo de uma conformidade natureza em nossas instituiesartificiais e invocando a ajuda de seus instintos infalveis e poderosos para fortalecer asmaquinaes falveis e frgeis de nossa razo , temos derivado vrias outras e obtidoconsiderveis benefcios, a partir da considerao de nossas liberdades luz de uma herana.Atuando sempre como se na presena de antepassados canonizados, o esprito de liberdade, queem si mesmo conduz ao desgoverno e ao excesso, moderado por uma seriedade respeitvel.Esta concepo de uma descendncia liberal nos inspira com um senso de dignidade inatahabitual que impede aquela insolncia arrogante que quase inevitavelmente adere e desonraaqueles que so os primeiros detentores de qualquer distino. Por este instrumento, nossa

  • liberdade se torna uma liberdade nobre. Ela porta um aspecto imponente e majestoso. Ela temum pedigree e ancestrais ilustres. Tem seus comportamentos e suas insgnias herldicas. Tem suagaleria de retratos, suas inscries monumentais, seus registros, evidncias e ttulos. Granjeamosreve-rncia s nossas instituies civis baseados no princpio sobre o qual a natureza nos ensina areverenciar homens individuais, levando em conta a sua poca e levando em conta aqueles dequem descendem. Todos os vossos sofistas no podem produzir nada mais adequado parapreservar uma liberdade racional e humana do que o mtodo que temos perseguido, e tmescolhido nossa natureza ao invs de nossas especulaes, nossos flegos em lugar de nossasinvenes, para os grandes silos e armazns de nossos direitos e privilgios.

    Podeis, se assim vos agradar, tirar proveito de nosso exemplo e conceder vossa liberdaderecuperada uma dignidade correspondente. Vossos privilgios, embora descontnuos, no estoperdidos na memria. verdade que vossa Constituio, enquanto estivestes fora de seu domnio,sofreu o desgaste e a dilapidao; mas possustes, em alguns aspectos, as paredes e, no geral, asfundaes de um castelo nobre e venervel. Podeis ter consertado tais paredes; podeis terconstrudo sobre tais velhas fundaes. Vossa Constituio foi suspensa antes de ser aperfeioada;mas tivestes os elementos de uma Constituio to prximos quanto se poderia desejar. Emvossos velhos Estados possustes aquela variedade de partes correspondentes s vrias descriesdaquilo que vossa comunidade felizmente se compunha; tivestes toda aquela associao e todaaquela oposio de interesses, tivestes aquela ao e reao que, no mundo natural e no mundopoltico, atravs da luta recproca de foras discordantes, elaboram a harmonia do universo. Estesinteresses opostos e conflitantes, que considerais como uma grande mcula tanto na vossa antigaConstituio quanto na nossa atual, interpem uma checagem salutar a todas as resoluesprecipitadas; eles tornam a deliberao no uma questo de escolha mas de necessidade, fazemde toda transformao uma questo de compromisso, que naturalmente implica moderao;produzem temperamentos que evitam o dano grave de reformas rudes, cruis e incompetentes, eque tornam para sempre impraticveis todos os exerccios temerrios do poder arbitrrio porparte de uns poucos ou de muitos. Atravs dessa diversidade de membros e de interesses, aliberdade em geral contava com tantas garantias quantas fossem as distintas concepesexistentes nas diversas ordens, ao passo que, ao reprimir o todo pelo peso de uma monarquia real,as partes distintas teriam sido impedidas de se deformar e sair de seus lugares designados.

    Tivestes todas estas vantagens em vossos Estados antigos; mas preferistes agir como se jamaistivestes sido moldados na sociedade civil e tivestes de comear tudo de novo. Comeastes mal,pois comeastes desdenhando tudo que vos pertencia. Estabelecestes vosso negcio sem umcapital. Se as ltimas geraes de vosso pas apareceram sem muito brilho a vossos olhos,podereis t-las superado e deduzido vossos pleitos a partir de uma raa mais anterior deancestrais. A partir de uma pia predileo por tais ancestrais, vossas imaginaes teriam nelesvislumbrado um padro de virtude e sabedoria, para alm da atual prtica vulgar; e tereis voselevado com o exemplo ao qual desejastes imitar. Ao respeitar vossos antepassados, tereis sidoensinados a respeitar a vs mesmos. No tereis preferido considerar a Frana como um povo deontem, como uma nao de canalhas servis malnascidos at o ano de emancipao de 1789. Afim de fornecer, custa de vossa honra, uma desculpa para as vossas diversas barbaridadesdiante de vossos apologistas daqui, no tereis vos contentado em serdes representados como um

  • bando de escravos quilombolas, subitamente libertos do regime de escravido e, por isso,devendo ser perdoados por vosso abuso da liberdade qual no estveis habituados e qual reisinaptos. No teria sido mais sensato, meu digno amigo, ter-vos imaginado, como eu, de minhaparte, sempre vos imaginei, uma nao generosa e galante, de h muito desviada, em vossoprejuzo, por vossos elevados e romnticos sentimentos de fidelidade, honra e lealdade; terimaginado que os acontecimentos tinham vos sido desfavorveis, mas que no estivsseisescravizados por qualquer inclinao antiliberal ou servil; que em vossa mais devotada submissoestivsseis motivados por um princpio de esprito pblico e que era vosso pas que reverenciastesna pessoa de vosso rei? Tivsseis feito isto para serdes compreendidos que, no engano desteerro afvel, tivsseis ido mais longe que vossos sbios ancestrais, que estivsseis dispostos areduzir vossos privilgios antigos ao passo que preservsseis o esprito de vossas antigas e vossasrecentes lealdade e honra ou, se modestos por vs mesmos, e sem discernir claramente aConstituio quase obliterada de vossos ancestrais, tivsseis olhado para vossos semelhantes nestaterra, os quais mantiveram vivos os antigos princpios e modelos da velha lei comum da Europa,melhorando-a e adaptando-a ao seu Estado atual ao seguir exemplos sbios, tereis dado novosexemplos de sabedoria ao mundo. Tereis tornado venervel a causa da liberdade aos olhos decada esprito digno em todas as naes. Tereis enxotado o despotismo do planeta, mostrando quea liberdade no somente reconcilivel mas, tambm, quando bem disciplinada, auxiliar lei.Tereis tido um rendimento no opressivo mas produtivo. Tereis tido um comrcio florescentepara aliment-lo. Tereis possudo uma Constituio livre, uma monarquia potente, um exrcitodisciplinado, um clero reformado e venerado, uma nobreza mitigada mas espiritualizada, aconduzirem vossa virtude e no a se sobreporem a ela. Tereis possudo um sistema liberal decomuns para estimular e recrutar aquela nobreza; tereis tido um povo amparado, satisfeito,laborioso e obediente, ensinado a buscar e a reconhecer que a felicidade, em todas ascircunstncias, deve ser encontrada atravs da virtude; nisto consiste a autntica igualdade moralda humanidade e no naquela fico monstruosa que, ao inspirar ideias falsas e vs expectativasnos homens destinados a viajar no passo obscuro da vida laboriosa, apenas se presta a agravar e aamargar aquela desigualdade real que nunca se pode eliminar e que a ordem da vida civilestabelece tanto para o benefcio daqueles a quem ela deve deixar num estado humilde quantopara aqueles a quem capaz de exaltar a uma condio mais notvel mas no mais feliz.Tivestes aberto diante de vs um caminho suave e fcil para a felicidade e a glria, superior aqualquer coisa j registrada na histria do mundo, mas tendes demonstrado que a dificuldade boa para o homem.

    [...]To longe estou de negar na teoria quanto integralmente longe est meu corao de conter na

    prtica (se eu tivesse o poder de conceder ou de conter) os direitos reais dos homens. Ao negarsuas falsas reivindicaes de direito, no pretendo injuriar aqueles que so reais e que so taisque seus pretensos direitos se destruiriam totalmente. Se a sociedade civil for feita em benefciodo homem, todos os benefcios para os quais ela concebida se tornam seu direito. Ela umainstituio de beneficncia, e a lei, em si mesma, somente beneficente operando como umaregra. Os homens tm um direito de viver por essa regra; tm um direito justia, consideradosem relao aos seus pares, estejam eles em um cargo poltico ou numa ocupao comum. Tm

  • um direito aos frutos de seu trabalho e aos meios de fazer seu trabalho frutificar. Tm um direitoaos ganhos de seus pais, alimentao e ao desenvolvimento de sua prognie, instruo na vidae ao consolo na morte. O que quer que cada homem possa isoladamente fazer sem desconsideraros outros, tem um direito de fazer por si mesmo; e tem um direito a uma poro justa de tudo oque a sociedade, com todas as suas combinaes de habilidade e fora, pode fazer em seu favor.Nesta parceria, todos os homens tm direitos iguais mas no a coisas iguais. Aquele que no temseno cinco shillings na parceria tem tambm um direito a ela, como aquele que tem quinhentaslibras o tem sua poro maior. Mas ele no tem direito a um dividendo igual no produto docapital social; e quanto partilha do poder, autoridade e direo que cada indivduo deve ter naadministrao do Estado, devo negar que estejam entre os direitos originais diretos do homem nasociedade civil, pois tenho em mente o homem social civil e nenhum outro. Isto algo a serestabelecido por conveno.

    Se a sociedade civil for o fruto da conveno, essa conveno deve ser a sua lei. Essaconveno deve limitar e modificar todas as descries da Constituio que sejam elaboradas apartir dela. Cada tipo de poder legislativo, judicirio ou executivo so criaturas suas. No podemter existncia em qualquer outra situao; e como pode qualquer homem, sob as convenes dasociedade civil, pleitear direitos que no suponham igualmente a sua existncia? direitos que a elaso absolutamente repugnantes? Uma das primeiras justificativas para a sociedade civil, e que seconverte em uma de suas regras fundamentais, a de que nenhum homem deveria ser juiz emsua prpria causa. Atravs desta, cada pessoa se despoja de vez do primeiro direito fundamentaldo homem no contratante, isto , o de julgar em seu favor e de defender sua causa prpria. Eleabdica de todo direito de ser seu prprio governante. Inclusive, numa grande medida, eleabandona o direito de autodefesa, a primeira lei da natureza. Os homens no podem desfrutar dosdireitos de um Estado civil e incivil ao mesmo tempo. A fim de que possa obter justia, eledesiste de seu direito de determinar o que, no caso, lhe o mais essencial. A fim de que possagarantir uma parte da liberdade, ele faz uma concesso como cauo sua totalidade.

    O governo no feito a partir de direitos naturais, que podem existir e de fato existemtotalmente independentes dele; e existem numa clareza muito maior e num grau de perfeioabstrata muito maior: mas sua perfeio abstrata o seu defeito prtico. Ao possurem um direitoa cada coisa, os homens desejam todas as coisas. O governo um artifcio da sabedoria humanapara atender aos desejos humanos. Os homens tm um direito de que esses desejos sejamatendidos por esta sabedoria. Entre tais desejos, deve ser considerado o desejo, fora da sociedadecivil, de uma restrio suficiente sobre suas paixes. A sociedade exige no somente que aspaixes dos indivduos devam ser dominadas, mas que mesmo na totalidade e na estrutura, tantoquanto nos indivduos, as tendncias humanas sejam frequentemente frustradas, sua vontadecontrolada e suas paixes trazidas sujeio. Isto somente pode ser feito por um poder fora de simesmo e no sujeito, no exerccio de sua funo, quela vontade e quelas paixes que de suaatribuio frear e subjugar. Neste sentido, as restries sobre os homens, tanto quanto suasliberdades, devem ser consideradas entre seus direitos. Mas, na medida em que as liberdades e asrestries variam com o tempo e as circunstncias, e admitem infinitas modificaes, nopodem ser estabelecidas sobre qualquer regra abstrata, e nada to tolo quanto discuti-las sobreesse princpio. No momento em que retirais qualquer coisa dos plenos direitos dos homens, para

  • cada um governar a si mesmo, e no sofrer qualquer limitao positiva artificial sobre taisdireitos, a partir desse momento toda a organizao governamental se torna uma questo deconvenincia. isto que torna a Constituio de um Estado, e a devida distribuio de seuspoderes, uma questo da mais delicada e complexa habilidade. Exige um profundoconhecimento da natureza humana e das necessidades humanas e das coisas que facilitam ouobstruem os vrios fins que devem ser perseguidos pelo mecanismo das instituies civis. OEstado deve ter alimento para sua fora e remdio para suas fraquezas. De que vale discutir umdireito humano abstrato comida e ao medicamento? A questo est no mtodo de produzi-los eadministr-los. Nesta deliberao sempre aconselho a buscar a ajuda do agricultor e do mdico,em lugar da do professor de metafsica.

    [...]Em primeiro lugar, peo permisso para falar de nosso estabelecimento eclesistico, que o

    primeiro de nossos preconceitos, um preconceito no destitudo de razo, mas que envolve em siuma sabedoria profunda e ampla. Falo primeiro dela. Ela est no incio, no fim e no meio denossas mentes. Pois, baseando-nos nesse sistema religioso em cuja posse agora nos encontramos,continuamos a agir a partir do senso de humanidade primariamente herdado e uniformementeconstante. Esse senso no somente edificou, como um sbio arquiteto, a portentosa fbrica deEstados, mas, como um proprietrio previdente para preservar a estrutura da profanao e daruna, como um templo sagrado, liberto de todas as impurezas da fraude, da violncia, dainjustia e da tirania , consagrou solene e eternamente a repblica e tudo o que se exerce emseu nome. Esta consagrao feita para que todos aqueles que administram o governo doshomens, no qual se afirmam na pessoa mesmo de Deus, tivessem noes elevadas e dignas sobresua funo e destino, para que sua esperana fosse plena de imortalidade, para que no seativessem ao ganho mesquinho do momento, nem ao louvor temporrio e transitrio do vulgar,mas a uma existncia slida, permanente, na parte permanente de sua natureza, e a uma fama eglria perenes no exemplo que deixam como uma rica herana ao mundo.

    Tais princpios sublimes devem ser infundidos em pessoas de condies elevadas, e osestabelecimentos religiosos devem ser garantidos para que possam reaviv-los e refor-los.Cada tipo de instituio moral, cada tipo de instituio civil, cada tipo de instituio poltica, aliadaaos laos racionais e naturais que ligam o entendimento e sentimentos humanos ao divino, noso mais do que necessrios a fim de edificar esta estrutura maravilhosa, o Homem, cujaprerrogativa deve ser, numa grande medida, a de ser uma criatura de sua prpria criao; eaquele que faz como deve ser feito est destinado a ocupar um lugar invulgar na criao. Masquando quer que o homem se coloque acima dos homens, na medida em que a melhor naturezadeve sempre presidir, nesse caso mais especfico, ele deve se aproximar o mais intimamentepossvel de sua perfeio.

    A consagrao do Estado, por um estabelecimento religioso do Estado, tambm necessriapara operar a partir de um respeito saudvel pelos cidados livres, pois, a fim de assegurar sualiberdade, devem desfrutar de alguma parcela determinada do poder. Uma religio conectadacom o Estado e com a responsabilidade dos cidados perante ele torna-se para eles, portanto,ainda mais necessria do que naquelas sociedades onde o povo, em virtude de sua sujeio, estconfinado aos sentimentos privados e administrao de seus prprios negcios familiares.

  • Todas as pessoas que possuem qualquer quantidade de poder devem ser inculcadas, de maneiraforte e indelvel, com uma ideia de que agem por delegao e de que, nessa delegao, soresponsveis por sua conduta diante do grande senhor, autor e fundador da sociedade.

    Este princpio deve ser ainda mais fortemente inculcado nas mentes daqueles que compem asoberania coletiva do que naqueles de prncipes nicos. Sem instrumentos, esses prncipes nadapodem fazer. Quem quer que use instrumentos, ao encontrar auxlios, encontra tambmimpedimentos. Portanto seu poder no , de forma alguma, completo, e nem esto a salvo doabuso extremo. Tais pessoas, por mais que estejam enaltecidas pela adulao, arrogncia eopinio prpria, devem ser sensveis ao fato de que, sejam ou no acobertadas pela lei positiva,de uma forma ou de outra, so a mesmo responsveis pelo abuso de sua delegao. Se no soderrubadas por uma rebelio de seu povo, podem ser estranguladas pelos prprios janzarosmantidos para a sua segurana contra a rebelio de todos os outros. Foi assim que vimos o rei deFrana vendido por seus soldados em troca de um aumento de pagamento. Mas onde aautoridade popular absoluta e irrestrita, as pessoas tm uma confiana infinitamente maior,porque muito melhor fundada, em seu prprio poder. Numa grande medida, elas so seusprprios instrumentos. Esto mais prximas de seus objetivos. Alm disso, assumem uma menorresponsabilidade diante de um dos maiores poderes de controle sobre a terra, o senso de fama eestima. A parcela de infmia que provavelmente recai sobre o destino de cada indivduo, atravsde atos pblicos, de fato pequena, j que a influncia da opinio est na razo inversa donmero daqueles que abusam do poder. Sua prpria aprovao de seus prprios atos tem paraeles a aparncia de um julgamento pblico em seu favor. Uma democracia perfeita , portanto,a coisa mais sem-vergonha do mundo. Tal como a mais sem-vergonha, tambm a maisdestemida. Nenhum homem pessoalmente receia que possa se tornar passvel de punio.Certamente o povo em geral jamais o necessita: pois, como todas as punies estoexemplarmente voltadas para a conservao do povo em geral, o povo em geral no podejamais se tomar sujeito a punio por qualquer mo humana.1Desta forma, de infinitaimportncia que no deva ser forado a imaginar que sua vontade, no mais do que a dos reis,seja o padro do certo e do errado. Ele deve ser persuadido de que no est autorizado, e muitomenos qualificado, com segurana para si mesmo, a usar qualquer forma de poder arbitrrio eque, portanto, no deve sob uma falsa aparncia de liberdade mas, de fato exercer umadominao invertida no natural, para tiranicamente arrancar daqueles que exercem as funesdo Estado no uma total devoo ao seu interesse, que seu direito, mas uma submisso abjeta sua vontade ocasional. Desta forma, extingue, em todos aqueles que o servem, todo princpiomoral, todo senso de dignidade, todo uso do juzo e toda consistncia de carter, enquanto, pelomesmssimo processo, se converte numa vtima adequada, conveniente mas das maisdesprezveis, da ambio servil de sicofantas populares ou de aduladores cortesos.

    Quando o povo tiver se esvaziado de toda a luxria da vontade egosta, a qual, sem a religio, absolutamente impossvel que o consiga, quando estiver cnscio de que exerce e talvez oexera num elo mais elevado da ordem de delegao o poder, que, para ser legtimo, deveestar em harmonia com aquela lei eterna imutvel, na qual a vontade e a razo so a mesmacoisa, ter mais cuidado ao colocar o poder em mos mesquinhas e incapazes. Na sua escolhados ocupantes dos cargos pblicos, no se referir ao exerccio da autoridade como um trabalho

  • lamentvel, mas como uma funo sagrada, no segundo o seu srdido interesse egosta, nem oseu capricho gratuito, nem a sua vontade arbitrria; e ele conferir este poder (que qualquerhomem pode bem recear conceder ou receber) somente queles nos quais possa discernir aquelaproporo predominante de virtude e sabedoria ativas, tomadas em conjunto e adequadas aocargo, tal como devem ser encontradas na grande e inevitvel massa mesclada de imperfeiese debilidades humanas.

    [...]Para evitar, portanto, os males da inconstncia e da versatilidade, dez mil vezes piores do que

    os da obstinao e do preconceito mais cego, consagramos o Estado para que nenhum homem seaproximasse para olhar seus defeitos ou corrupes, a no ser com a devida precauo; para queele nunca imaginasse comear a sua reforma pela sua subverso; para que ele se aproximassedas falhas do Estado como das feridas de um pai, com respeito piedoso e solicitude apreensiva.Atravs deste sensato preconceito, somos ensinados a olhar com horror para aquelas crianas deum pas que esto prontas a retalhar impiedosamente em pedaos aquele pai idoso e a coloc-lono caldeiro dos magos, na esperana de que, por meio de suas ervas venenosas eencantamentos selvagens, podero regenerar a constituio paterna e renovar a vida de seu pai.

    A sociedade , de fato, um contrato. Contratos subordinados a objetos de interesse meramenteocasional podem ser dissolvidos vontade mas o Estado no deve ser considerado como nadamelhor do que um acordo de parceria num negcio de pimenta e caf, algodo ou tabaco, oualgum outro de tais interesses inferiores, a ser assumido por um lucro pouco duradouro e a serdissolvido ao gosto das partes. Deve ser encarado com outra reverncia, porque no se trata deuma parceria em coisas subservientes apenas existncia animal bruta de uma naturezatemporria e perecvel. uma parceria em toda cincia, uma parceria em toda arte, umaparceria em cada virtude e em toda perfeio. Como os fins de uma tal parceria no podem serobtidos em muitas geraes, ele se torna uma parceria no apenas entre aqueles que estovivendo, mas entre aqueles que esto vivendo, aqueles que esto mortos e aqueles que ironascer. Cada contrato de cada Estado particular no seno uma clusula no grande contratoprimevo da sociedade eterna, ligando a natureza inferior com a mais elevada, conectando omundo visvel ao invisvel, de acordo com um pacto fixo sancionado pelo juramento inviolvelque mantm toda a natureza fsica e toda a natureza moral, cada uma em seu lugar determinado.Esta lei no est sujeita vontade daqueles que, por uma obrigao acima e infinitamentesuperior a eles, esto obrigados a submeter a sua vontade quela lei. As corporaes municipaisdesse reino universal no esto moralmente em liberdade ao seu bel-prazer e, a partir de suasespeculaes sobre uma melhoria contingente, ntegras para separar e despedaar os grupos desua comunidade subordinada e para dissolv-la no caos no social, incivil e desconectado, deprincpios elementares. apenas a primeira e suprema necessidade, uma necessidade que no escolhida, mas escolhe, uma necessidade suprema de deliberao que no admite discusso eno demanda nenhuma evidncia que, isolada, possa justificar um recurso anarquia. Estanecessidade no nenhuma exceo regra, porque em si mesma uma parte tambm daqueladisposio moral e fsica das coisas qual o homem deve obedecer pelo consentimento ou pelacoero; mas se aquilo que apenas submisso necessidade deve se tornar o objeto de escolha,a lei quebrada, a natureza desobedecida e os rebeldes so proscritos, perseguidos e exilados

  • deste mundo da razo, da ordem, da paz, da virtude e da peni-tncia frutfera para o mundoantagnico da loucura, discrdia, vcio, confuso e intil lamentao.[...]

    No sei sob qual descrio classificar a atual autoridade reinante na Frana. Parece ser umademocracia pura, embora eu a considere no curso direto de se tornar em breve uma oligarquianociva e ignbil. Mas, por enquanto, eu a considero como um artifcio da natureza e um efeitodaquilo que ela pretende. No reprovo nenhuma forma de governo meramente a partir deprincpios abstratos. Pode haver situaes nas quais a forma puramente democrtica se tornarnecessria. Pode haver algumas (muito poucas e em circunstncias muito particulares) onde elaseria obviamente desejvel. No acho que seja este o caso da Frana ou de qualquer outro pasgrande. At agora, no temos visto exemplos considerveis de democracias. Os antigos estavammais familiarizados com elas. Embora no seja completamente ignorante na leitura dos autoresque examinaram a maioria dessas constituies e que melhor as compreenderam, no possodeixar de concordar com sua opinio de que uma democracia absoluta no mais do que amonarquia absoluta deve ser considerada entre as formas legtimas de governo. Eles antes aconsideram como corrupo e decadncia do que a Constituio slida de uma repblica. Se melembro corretamente, Aristteles observa que uma democracia tem muitos pontossurpreendentes de semelhana com uma tirania.2Estou certo de que, numa democracia, amaioria dos cidados capaz de exercer as mais cruis opresses sobre a minoria, quando querque prevaleam fortes divises nesse tipo de poltica, como frequentemente deve ocorrer; e deque a opresso da minoria se estender a propores muito maiores e ser conduzida com friamuito maior do que quase nunca foi temida a partir do domnio de um nico cetro. Numa talperseguio popular, os sofredores individuais esto numa condio muito mais deplorvel doque em qualquer outra. Sob um prncipe cruel, tm a compaixo balsmica da humanidade paraaliviar a dor pungente de suas feridas; tm os aplausos do povo para animar sua resistnciagenerosa aos sofrimentos: mas aqueles que esto sujeitos injria das multides estodesprovidos de todo consolo externo. Parecem deserdados pela humanidade, sobrepujados poruma conspirao de sua espcie inteira.

    Mas admitindo-se que a democracia no tenha essa inevitvel tendncia tirania do partido,que suponho que tem e admitindo que ela possua em si tanta vantagem quando no estmesclada quanto estou certo que possui quando combinada com outras formas , a monarquia,por sua vez, no contm nada que absolutamente a recomende? No cito Bolingbroke comfrequncia, e tampouco suas obras, em geral, tm deixado qualquer impresso permanente emmeu pensamento. Ele um escritor presunoso e superficial. Mas ele tem uma consideraoque, ao meu ver, no desprovida de profundidade e solidez. Ele afirma que prefere umamonarquia a outros governos, porque voc pode enxertar melhor qualquer espcie de repblicanuma monarquia do que qualquer coisa de monarquia nas formas republicanas de governo. Achoque ele est perfeitamente certo. Historicamente, o fato este e est bem de acordo com aespeculao.[ ... ]

    Vosso governo em Frana, embora usualmente e acho que justamente reputado como amelhor das monarquias incompetentes ou ineptas, estava ainda cheio de abusos. Estes abusos se

  • acumularam com o correr do tempo, tal como devem se acumular em toda monarquia que noesteja sob o constante escrutnio de uma representao popular. No me so estranhas as falhas edefeitos do governo derrubado de Frana e acho que no estou por natureza inclinado a fazer umelogio sobre qualquer coisa que seja um objeto justo e natural de censura. Mas a questo agorano a dos vcios daquela monarquia, mas a de sua existncia. , ento, verdadeiro que ogoverno francs, como tal, devia ser incapaz ou imerecedor de reforma, tal como eraabsolutamente necessrio que a estrutura toda fosse derrubada de uma vez e a rea desimpedidapara a edificao de um edifcio experimental terico em seu lugar? Toda a Frana tinha umaopinio diferente no incio de 1789. As instrues aos delegados dos Estados-Gerais de cadadistrito daquele reino estavam cheias de projetos para a reforma daquele governo, sem a maisremota sugesto de uma inteno de destru-lo. Tivesse uma tal inteno ento sido levementeinsinuada, acredito que no teria havido seno uma voz, e uma voz para rejeit-la com desprezoe horror. Os homens tm sido levados a aes, s vezes gradativamente, s vezesprecipitadamente, das quais, se tivessem podido ver ao mesmo tempo o conjunto, nunca teriamse permitido a mais remota aproximao. Quando tais instrues foram dadas, no havianenhuma questo a no ser a de que existiam abusos e de que estes exigiam uma reforma;tampouco agora existe. No intervalo entre as instrues e a revoluo, as coisas mudaram deforma, e, em consequncia desta mudana, a verdadeira questo no momento quem est coma razo: aqueles que teriam reformado ou aqueles que destruram?

    Ao ouvir alguns homens falarem da ltima monarquia de Frana, imaginareis que estavamfalando da Prsia sangrando sob a espada feroz de Taehmas Kouli Khn ou, no mnimo,descrevendo o brbaro despotismo anrquico da Turquia, onde os mais refinados pases nosclimas mais benignos do mundo foram devastados pela paz, mais do que quaisquer pases foramdilacerados pela guerra e onde as artes so desconhecidas, onde as manufaturas definham, ondea cincia se extingue, onde a agricultura decai, onde a prpria raa humana se dissolve e perecesob o olhar do observador. Era este o caso de Frana? No tenho forma de responder questo ano ser por uma referncia aos fatos. Os fatos no sustentam esta semelhana. Juntamente commuito mal, h algum bem na monarquia em si mesma; e a monarquia francesa deve terrecebido algum corretivo ao seu mal, a partir da religio, das leis, dos costumes, das opinies, quefizeram com que ela se tornasse (embora, de forma alguma, por uma Constituio livre e,portanto, de forma alguma, por uma boa Constituio) um despotismo antes na aparncia do quena realidade.

    [...]

    Notas(Reflexes sobre a revoluo na Frana)

    1 Quicquid multis peccatur inultum.

    2 Quando escrevi isto, citei de memria, depois de muitos anos se passado desde minhaleitura do trecho. Um amigo versado o encontrou e ele o seguinte: "O carter tico omesmo; ambos exercem o despotismo sobre a melhor classe de cidados; e, num, os

  • decretos so o que as ordenaes e arrts*so no outro: tambm o demagogo e o favoritoda Corte no raro so idnticos e sempre mostram uma analogia ntima; e estes tm opoder principal, cada um em suas respectivas formas de governo, os favoritos com omonarca absoluto e os demagogos com o povo, tal como descrevi". (Arist. Politic. lib. IV.cap. 4.)

    * Extrado de:BURKE, E. Textos polticos. Mxico, Fondo de Cultura Econmica, 1942. p.285-9. Traduo de Cid Knipell Moreira.

    * Extrado de: BURKE, E. Textos polticos. Mxico, Fondo de Cultura Econmica 1942. p.311-4. Traduo de Cid Knipell Moreira.

    * Extrado de: BURKE, E. Reflections on the revolution in France and the rights of man. NewYork, Delphin Books, 1961. p. 31-142. Traduo de Cid Knipell Moreira.

    * Em francs, no original. (N. T.)

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  • 7Marx:poltica e revoluo

    Francisco C. Weffort

  • Em 1852, Marx escreveu ao seu amigo e editor Joseph Wey demeyer, cumprimentando-o pelonascimento de um filho: "Magnfico momento para vir ao mundo! Quando se possa ir em setedias de Londres a Calcut, tu e eu j estaremos decapitados ou dando urtigas. A Austrlia, aCalifrnia e o Oceano Pacfico! Os novos cidados do universo no conseguiro compreenderquo pequeno era o nosso mundo". 1 H quem goste de se perguntar o quanto Marx, filho de umadvogado judeu (cristianizado) e de uma famlia de rabinos, teria guardado da tradio e dareligio judaicas. Seria mais interessante, e talvez mais fiel ao seu pensamento, perguntar oquanto ter permanecido nele das condies histricas, isto , das condies materiais, bemcomo da atmosfera ideolgica e do cenrio poltico da sua poca.

    Marx nasceu em 1818 e acompanhou de perto boa parte dos grandes acontecimentos do sculoXIX. Ningum pintou melhor do que ele o seu prprio tempo como o da emergncia daburguesia e do proletariado. E tambm o do surgimento do capitalismo industrial e deconsolidao das naes e dos Estados modernos. Ningum percebeu to bem o quanto odinamismo modernizador do capitalismo analisado em O manifesto comunista e,especialmente, em O capital haveria de apequenar os seus centros de origem e, sobretudo, asua poca de origem. Hoje, pode-se ir de Londres a Calcut em apenas um dia. A Califrnia e aAustrlia j no parecem to distantes a quem viva em Londres, como Marx durante a maiorparte de sua vida. Vistas de hoje, muitas das conquistas do sculo XIX se apequenam diante dasrealizaes do capitalismo (e do socialismo) que se acumularam ao longo do sculo XX.Algumas at mesmo se apagam sombra das grandes conquistas recentes da modernidade.

    Qual ter sido o "pequeno mundo" de Marx? Sobre a Alemanha de incios do sculo passado,