os cientistas erguem a vozdivisão de ciências físicas do cnpq (1955-1964) e o de coorde-nador do...

81

Upload: others

Post on 18-Feb-2021

7 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • OS CIENTISTAS ERGUEM A VOZUma coincidência reuniu, nas páginas da Revista Adusp, dois dos maiores físicos brasileiros. Roberto

    Salmeron, que vive na França há muitos anos, veio ao Brasil para lançar seu livro sobre a UnB, e passoupela USP, de modo que não perdemos a oportunidade de entrevistá-lo. José Leite Lopes, por sua vez, re-cebera o Prêmio Unesco de Ciências 1999 quando a edição anterior da revista já estava fechada. Indis-pensável, assim, buscar seu depoimento. Ambos reivindicam para a educação e a ciência a grandeza queo neoliberalismo dominante tem negado a uma e outra. Ambos conferem à universidade pública (e àpesquisa a ela vinculada) papel central na produção do conhecimento. Ambos saem em defesa da ciênciabrasileira, acuada pelo colapso dos programas de financiamento da pesquisa, intimidada pelos ataques àautonomia universitária, ameaçada pelo desmonte do sistema público de ensino em todos os níveis.

    Ainda que em tom mais contido, a SBPC também reage ao desmantelamento do saber nacional,partindo para a “cartografia” da C&T nas diferentes regiões do país, em inédita maratona que entu-siasma Glaci Zancan, nova presidente da entidade. Por fim, este bloco de matérias é enriquecido porartigo de Romualdo Portela e Sandra Zákia sobre critérios e métodos de avaliação da produção dosdocentes universitários, tema muito pertinente quando se sabe que a elaboração de rankings da ciên-cia pode resultar desastrosa.

    ✦✦✦

    Acumulam-se os sintomas de uma crise generalizada do capitalismo. Tensões, conflitos, uma reto-mada sob novas vestes de práticas e discursos (como o darwinismo social) que pareciam sepultadosao final da Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto ideológico, a Democracia perde terreno, o Di-reito desfalece, e a política do fato consumado ditada pela hegemonia dos Estados Unidos é aceitasem pestanejar pelos países europeus governados pela centro-esquerda. A guerra desfechada pelaOTAN contra a Iugoslávia, à revelia até mesmo das Nações Unidas, é sinal e produto desses novostempos, analisados nos artigos dos professores Armen Mamigonian, da USP, e Salvatore D'Albergo,da Universidade de Roma. O Timor Leste, contraface do Kosovo na nova ordem mundial, é objetode artigo do pensador norte-americano Noam Chomsky.

    ✦✦✦

    Fechávamos esta edição quando foi anunciada a decisão da Justiça inglesa sobre o destino do ex-ditador chileno Augusto Pinochet. O juiz Ronald Bartle resolveu que Pinochet é passível de extradi-ção para a Espanha, a fim de responder pelos crimes que praticou. A detenção do ditador em Lon-dres desencadeou uma crise no Chile, por colocar em xeque a transição tutelada pelos militares, cujafinalidade última é a manutenção do modelo econômico neoliberal. É o que nos diz texto do profes-sor Francisco Dominguez, baseado em comunicação apresentada no I Congresso Interoceânico deEstudos Latinoamericanos, realizado em março em Mendoza (Argentina). Como o Brasil, o Chileainda não acertou suas contas com o período ditatorial.

    Aqui, a Anistia completou 20 anos. A reportagem iniciada na página 70 procura evocar a luta pelaAnistia, movimento que conquistou um êxito indiscutível, ainda que parcial, sobre o regime golpistainiciado em 1964. Até os dias de hoje o Estado brasileiro não reparou adequadamente os danos pro-vocados a milhares de perseguidos, humilhados e torturados. Nem rendeu as homenagens devidas àscerca de 500 pessoas assassinadas pela Ditadura, pois seus algozes continuam impunes.

    ✦✦✦

    O traço cortante e irônico das ilustrações desta edição pertence a Minoru Naruto, designer e pro-fessor da FAU. As fotografias são, na maior parte, de Daniel Garcia e Carlos Gueller. Agradecemosà Biblioteca do Instituto Sedes Sapientiae por ceder-nos gentilmente fotografias da Madre Cristina.

    O Editor

  • DIRETORIAMarcos Nascimento Magalhães, Márcia Regina Car, Francisco Miraglia Netto,

    Norberto Luiz Guarinello, Suzana Salém Vasconcelos, Lighia B. Horodynski-Matsushigue, Flávio Finardi Filho, Marcos Sorrentino, João Alberto Negrão, Clarice Sumi Kawasaki

    Comissão EditorialAdilson O. Citelli, Bernardo Kucinski, Fernando Leite Perrone,

    Francisco Gorgônio da Nóbrega, Khaled Goubar, Nelson Achcar, Norberto Luiz Guarinello e Zilda M. Gricoli Iokoi

    Editor: Pedro Estevam PomarAssistente de redação: Fernanda Franklin

    Editor de Arte: Luís Ricardo CâmaraAssistente de produção: Rogério Yamamoto

    Secretaria: Alexandra M. Carillo e Aparecida de Fátima dos R. PaivaDistribuição: Marcelo Chaves e Walter dos Anjos

    Fotolitos: Bureau OESP

    Tiragem: 5.000 exemplares

    Adusp - S. Sind.Av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 374

    CEP 05508-900 - Cidade Universitária - São Paulo - SPInternet: http://www.adusp.org.brE-mail: [email protected]

    Telefones: (011) 813-5573/818-4465/818-4466Fax: (011) 814-1715

    A RReevviissttaa Adusp é uma publicação trimestral da Associação dos Docentes da Universidadede São Paulo - S. Sind., destinada aos associados. Os artigos assinados não refletem,necessariamente, o pensamento da diretoria da entidade e são de responsabilidade dosautores. Contribuições serão aceitas, desde que os textos, inéditos, sejam entregues emdisquete e tenham, no mínimo, dez mil e, no máximo, vinte mil caracteres. Os artigos serãoavaliados pela Comissão Editorial, que decidirá sobre seu aproveitamento.

  • Acuada, a ciência reage6

    Cientista engajado, Leite Lopes denuncia o abandono da Universidade

    14Entrevista: Salmeron defende

    Universidade pública, gratuita e autônoma25

    SBPC empreende Maratona pelo Brasil. Quem conta é Glaci Zancan

    30Problematizando a temática da Avaliação na Universidade

    Romualdo Portela de Oliveira e Sandra M. Zákia L. Sousa

    Capitalismo fim-de-século36

    A retomada do darwinismo social em meio às tensões provocadas pela prolongada crise econômica

    Armen Mamigonian41

    Bálcãs: OTAN substitui a ONU e cresce ataque à Democracia e ao Direito

    Salvatore D'Albergo51

    A detenção de Pinochet e seus reflexos no ChileFrancisco Dominguez

    63A enorme responsabilidade dos EUA

    no massacre do Timor LesteNoam Chomsky

    Saúde pública67

    A privatização do SUS nada tem de moderno, pelo contrárioJacir Pasternak e Vicente Amato Neto

    Memórias da luta contra a Ditadura70

    A Anistia, 20 anos depois: um balanço76

    Depoimento pessoal de Luiz Eduardo Greenhalgh

  • Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    UM CIENTISTDistinguido com o Prê

    Leite Lopes reafirma seu compromis

    PPeeddrroo EEsstteevvaammEditor da R

    Fotos: Daniel Garcia

  • O professor José Leite Lopes, 81 anos,não tem papas na língua. Ao recebero Prêmio Unesco de Ciências 1999,durante a Conferência Mundial da Ciência,realizada em junho último em Budapeste, LeiteLopes honrou, uma vez mais, sua trajetóriaintelectual independente e seu temperamentocombativo: no rápido discurso de agradecimento(que ele fez questão de ler em francês, “porquefala-se inglês demais”), não poupou o governobrasileiro, nem o empresariado nacional, nem aglobalização cantada em prosa e verso.

    7

    Outubro 1999RReevviissttaa Adusp

    A ENGAJADOmio Unesco de Ciências, so com o papel social do pesquisador

    ddaa RRoocchhaa PPoommaarrevista Adusp

  • — O pesquisador científico de um país em desen-volvimento deve defender a ciência, as universidades,a educação em geral das possíveis medidas de econo-mia e falta de visão dos governos deste país, da faltaóbvia de compreensão destes governos do caráter de-licado e específico da ciência. É atualmente o caso demeu país, onde um governo presidido por um antigoprofessor universitário não acha fundamental apoiara ciência e a tecnologia, as universidades públicas einstitutos de pesquisa.

    Se a pesquisa de novas tecnologias pode ser finan-ciada pela iniciativa privada, prosseguiu o orador(contudo, “os industriais da América Latina nos igno-ram solenemente”, assinalou à guisa de ressalva), aciência fundamental depende exclusivamente do Es-tado, em países ricos como em países pobres.

    Na chamada era da globalização, insistiu o pro-

    fessor, os pesquisadores do mundo inteiro devem“defender vigorosamente” o papel central do Esta-do no apoio à pesquisa e à educação. “Globalizaçãoé só um eufemismo para designar a dominação im-perial do mundo pelos países ricos”, os quais dese-jam “apagar a identidade de povos dos países emdesenvolvimento”. Nada mau para uma cerimôniade entrega de prêmios!

    Engajamento

    Assim é Leite Lopes, o físico teórico que teima emtomar posição diante dos dramas sociais que afligemo Brasil e o mundo. Em 1976, quando a maior parteda América Latina vivia sob o tacão das ditaduras mi-litares, e ele se encontrava na França, nomeado porGiscard D'Estaing professor titular da Universidade

    Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    8

    José Leite Lopes, nascido noRecife em 1918, é indiscutivel-mente um dos grandes nomes daciência brasileira, e um dos pio-neiros em sua área. Em 1945, aos27 anos de idade, foi o primeirobrasileiro a conquistar no exterioro título de doutor (Ph.D.) em Físi-ca, na Universidade de Princeton(EUA), sob a orientação do afa-mado Wolfgang Pauli, Prêmio No-bel, ao tempo em que lá trabalha-vam Albert Einstein e outros pes-quisadores de renome.

    Catedrático de Física Teórica eFísica Superior da antiga Universi-dade do Brasil (mais tarde Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro)já em 1948, no ano seguinte fun-dava o CBPF, com César Lattes,Roberto Salmeron e outros, e tor-nava-se membro do Instituto deAltos Estudos de Princeton, a con-vite de Oppenheimer. Foi pesqui-

    sador visitante do Instituto de Tec-nologia da Califórnia (1955-1956),a convite de Richard Feynman.Exerceu diversos cargos importan-tes no Brasil, como o de diretor daDivisão de Ciências Físicas doCNPq (1955-1964) e o de coorde-nador do Instituto de Física daUniversidade de Brasília (1962-1964).

    O golpe militar de 1964 impôsum novo rumo à carreira de LeiteLopes. Demitiu-se do CNPq etornou-se professor visitante daUniversidade de Paris (Orsay), lápermanecendo três anos, até quevoltou ao Brasil para retomar suasaulas na UFRJ, a pedido de estu-dantes. Ficou pouco tempo, poisfoi punido pelo AI-5 e aposentadoà força, perdendo ainda seu cargono CBPF. Recebeu então convitesde diversas universidades do exte-rior. Optou pela Carnegie-Mel-

    lon, de Pittsburgh, onde não pas-saria mais do que um ano (1969-1970), pois sentia-se desconfortá-vel nos EUA, em razão do envol-vimento do governo americanocom o golpe militar.Na França

    Preferiu transferir-se para aUniversidade Louis Pasteur(Estrasburgo I), onde deu aulas de1970 a 1985, tornando-se ainda vi-ce-diretor do Centro de PesquisasNucleares daquela instituição(1975-1978). Foi nesse período queescreveu, entre outras obras, o li-vro Fondements de Physique Ato-mique (Fundamentos da FísicaAtômica), de que fala com orgu-lho, pois “muita gente estudou porele”. Voltou ao Brasil em 1986. Aotodo, publicou mais de 20 livros,uma centena de artigos e 80 traba-lhos científicos. Recebeu variadostítulos, prêmios e condecorações,

    PROFESSOR E ANIMADOR DA CIÊNCIA

  • Louis Pasteur, de Estrasburgo, publicou no Bulletin ofAtomic Scientists artigo denunciando a perseguição decientistas argentinos pelo regime liderado pelo gene-ral Videla:

    “Um câncer político está se espalhando pelaAmérica Latina. Acabou de ocorrer um golpe de esta-do na República Argentina”. “Pelo menos 56 homense mulheres (nomeia vários deles) ... associados aoConselho Nacional de Pesquisa da Argentina foramsumariamente demitidos pelo 'interventor' do Conse-lho e pela junta militar”.

    No artigo, Leite Lopes cita de passagem sua pró-pria situação de perseguido político (foi professoruniversitário compulsoriamente aposentado pela Di-tadura em 1969, com base no Ato Institucional núme-ro 5) e faz um apelo à comunidade científica interna-cional, aos cientistas, “para que digam ao general

    9

    Outubro 1999RReevviissttaa Adusp

    no país e no exterior.Recentemente, foram lançados

    dois livros sobre a obra e as refle-xões de Leite Lopes. Ciência eLiberdade: escritos sobre ciência eeducação no Brasil (EditoraUFRJ, 1998, 288 p.), organizadopelo professor Ildeu de CastroMoreira, conta com depoimentode César Lattes, que faz as vezesde um prefácio. Além de artigosdiversos, traz uma entrevista con-cedida a Ênnio Candotti em 1985e preciosa iconografia, que incluia reprodução de telas pintadaspor Leite Lopes.

    José Leite Lopes: idéias e pai-xões (CBPF, 1999, 142 p.), organi-zado pelo professor FranciscoCaruso, da UERJ, é uma espéciede dicionário do pensamento doprofessor. Baseia-se em uma sériede entrevistas realizadas em 1998,nas quais Leite Lopes foi convida-do a tecer considerações sobre de-terminadas palavras-chave (exem-

    plos: “academia”, “ciência”, “mu-lher”), que no livro assumem aforma de verbetes. Traz uma con-cisa e útil biografia do homena-geado, da qual esta reportagemextraiu não poucas informações.Contribuição teórica

    O próprio Leite Lopes con-sidera que seus mais importan-tes trabalhos de pesquisa sãodois artigos que publicou em1958, relativos à teoria das forçasnucleares. No primeiro deles, co-locou em evidência a interaçãopseudoescalar. No outro, publica-do na revista Nuclear Physics, pro-pôs, segundo suas palavras no dis-curso de Budapeste, “antes dostrabalhos importantes de SteveWeinberg, Abdus Salam e Shel-don Glashow, uma primeira tenta-tiva de verificação eletrofraca en-quanto admitia a igualdade deconstantes de interação fraca eeletromagnética para estimar amassa dos bósons W vetoriais”.

    “Propus a existênciade um bóson fraco neutro, aqueleque é chamado o bóson ZO. Issodeveria ser posto em evidência emcolisões elásticas elétron-nêutron,em época em que o neutrino muô-nico não era caracterizado ainda enão era usado em feixes”.

    Francisco Caruso afirma que, apartir desta hipótese, “Leite Lopesnos deu a primeira avaliação corre-ta da massa dos bósons vetoriais”.A hipótese levantada por LeiteLopes, da existência da partículaneutra bóson ZO, foi confirmadapor experimentos posteriores.

    Com seus alunos, em Estrasburgo

    Reprodução

  • Jorge Videla, chefe da junta militar, que estes atossão incompatíveis com a civilização e com o desenvol-vimento da ciência e da tecnologia, e que peçam queestes cientistas sejam reintegrados a seus empregos”.

    Nacionalismo e lutas sociais

    Como se vê, o engajamento doprofessor nas questões políti-cas e sociais não é recente.Ele pertence à geraçãode pensadores forte-mente influenciada

    pelo nacionalismo e pelas lutas sociais das décadasde 40, 50 e 60. Chegou a fazer parte do Conselho deCuradores do Instituto Superior de EstudosBrasileiros (ISEB), criado por Juscelino Kubitschekpara atrair a intelectualidade de esquerda para seuprojeto nacional-desenvolvimentista.

    “A Oposição émuito fraca.Não sei se foio regimemilitar queliqüidou aformação de

    líderespolíticos. Não

    temos grandespolíticos que tenham

    programas, que inspiremconfiança para uma mudança. Aintelectualidade deve denunciartodos esses programas falsos quesão anunciados pelo governo atual.O fato de que se liqüidou opatrimônio público. O abandono aque está sendo relegada auniversidade. As ilusões: ‘todacriança na escola’, ‘apoio àpesquisa’ etc. Mas na prática nãohá apoio à pesquisa”

    Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    “Em ciência como nas artes,o intelectual em geral é muito

    ruim, porque como depende de ajudado governo para suas bolsas de estudo,

    suas verbas, seus programas, muitos delestêm medo de falar e perder os privilégios.Este é o problema. Mas que interesse tem

    um projeto pessoal desse tipo quandoao lado você vê o Brasil tomando

    um rumo completamenteanormal?”

    IInntteelleeccttuuaalliiddaaddee ee OOppoossiiççããoo

  • Na entrevista que concedeu no início de setem-bro à Revista Adusp, no Rio de Janeiro, em sua salano Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF),instituição que fundou há 50 anos, Leite Lopes de-monstrou que mantém a verve e o espírito crítico.Quando lhe perguntamos se a intelectualidade brasi-leira não havia se mostrado muito dócil diante dogoverno que assumiu em 1994, ele foi direto ao pon-to nodal da discussão.

    — Em ciência como nas artes, o intelectual emgeral é muito ruim, porque como eles dependem deajuda do governo para suas bolsas de estudo, suasverbas, seus programas, muitos deles têm medo defalar e perder os privilégios. Este é o problema: háuma falta de energia da parte de grande número deintelectuais, com medo da reação do governo em re-lação aos projetos que possam ter. Mas que interes-se tem um projeto pessoal desse tipo, quando ao la-do você está vendo o Brasil tomando um rumo com-pletamente anormal, de alienação da riqueza, dealienação da Companhia Siderúrgica Nacional, daVale do Rio Doce, da Petrobrás, e de desmatamentoda Amazônia?

    11

    Outubro 1999RReevviissttaa Adusp

    OO PPrrêêmmiioo UUnneessccoo“O premiado, em geral, é o últimoa se pronunciar sobre isso, porquea decisão foi lá da Unesco. Achoque houve generosidade da partedo júri internacional da Unesco. Semereço ou não, já é outra história.Foi bom, de qualquer maneira foientregue na Conferência Mundialsobre Ciência realizada emBudapeste, onde quase todos ospaíses se fizeram representar pordelegações. Houve uma delegaçãodo Brasil, mas não participei dessadelegação, nem fui chamado. Eufui por convite da Unesco”

    OO PPllaannoo PPlluurriiaannuuaall ddee FFHHCC“Ele precisava fazer alguma coisa, porque

    foi reeleito numa atitude vergonhosa.Deixou de fazer reformas, um programade desenvolvimento, em favor do projeto

    de reeleição. Então o prestígio dele decaiu.Aquele espetáculo foi como uma reação à

    sua queda de popularidade. Eleapresentou um programa que os

    especialistas vão analisar: o que épossível, o que não é possível. Mas pode

    ser que seja uma ilusão”

  • Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    12

    CCiiêênncciiaa,, aa LLuuaa ee aa ffoommee“A ciência e a tecnologia foram importantesaté agora, mandaram o homem à Lua.Mas foram impotentes para acabar com amiséria no mundo. Então proponho queentre os compromissos assumidos pelaConferência Mundial da Ciência para oséculo 21, além dos compromissoscientíficos, haja uma vontadepolítica para acabar com afome e a miséria”

    HHeeggeemmoonniiaa ddooss EEUUAA“Os EUA são a potência querestou da Guerra Fria e têmdemonstrado muitas vezes,por exemplo, que nãoobedecem à CorteInternacional de Haia, que jáfez resoluções que os EUA nãoadotaram. Há uma leiamericana que castiga asempresas do mundo inteiroque tenham comércio comCuba, como se a lei americanativesse validade internacional.No fundo, a globalização é umnovo nome para oimperialismo americano”

    EEnnssiinnoo ee ppeessqquuiissaa“Toda universidade só tem o nome‘universidade’ se for um lugar depesquisa, criação de conhecimento.Quando você dá aula, se é umpesquisador, suas aulas sãodiferentes das do outro, que não épesquisador. Porque o que não épesquisador vai procurar nos livrospoeirentos o que foi, e o pesquisadordá conhecimentos antigos,clássicos, mas como ele pesquisa,apresenta de uma maneira semprenova. Qual é a universidade privadano Brasil que adota pesquisa? Queeu saiba, nenhuma”

  • 13

    RReevviissttaa Adusp

    Ilusão e desengano

    Chega a espantar, nesse ancião em-pertigado, lúcido, de fala pausada e dis-creto acento nordestino, o apurado graude informação sobre as questões daatualidade. Se nutre alguma animosida-de pessoal contra aqueles que critica,não deixa transparecer: a natureza dosataques que faz é claramente política, oufilosófica. As considerações ferinas em-prestam maior contundência à crítica,mas esta é direcionada ao essencial dosproblemas, à sua raiz. Exemplo de talatitude é o seu modo de ver a gestão deFernando Henrique Cardoso:

    — No início, o presidente enganou,porque tem um passado acadêmico. Sepensava que ele, considerado provenientedos grupos de esquerda, pusesse em açãoum programa da social-democracia legíti-ma. Mas isso foi uma ilusão muito gran-de. Acho que toda pessoa que pertence aum Estado, a uma nação, tem laços deafetividade com esta nação e um certo na-cionalismo defendendo os interesses dopaís. É grave quando você é de um país etem nacionalismo por outro país.

    — O sr. enxerga isso neste governo? — Certamente. RRA

    Leite Lopes na USP, em novembro de 1998,durante simpósio internacional emhomenagem ao seu 80º aniversário

    AA gglloobbaalliizzaaççããoo ee aa mmííddiiaa “Os meios de comunicação sãocúmplices do processo deglobalização. Você não vênenhuma reportagem denunciandoos escândalos que existem por aí.Eles procuram algum escândalomenor, falam, e depois silenciam sobreo tema. Se essa cumplicidade envolveinteresses maiores, econômicos, não sei.Provavelmente, porque é inconcebívelque a imprensa não defenda com rigoros interesses do país”

    IInnddúússttrriiaa ee ppeessqquuiissaa“Você vai ao industrial e faz umprograma de pesquisa. O industrialem geral não apóia. Vai apoiarpesquisa em matemática? Em

    astronomia, em cosmologia?Certamente que não. Apesquisa aplicada, atecnologia, seria natural queele apoiasse. Mas isso eletambém não apóia. Porque

    eles se contentam emcomprar caixas-pretas,os pacotes. Comprame põem emmovimento aqui”

  • Entrevista

    Roberto Salmeron

    “ENSINO PAGO NASUNIVERSIDADES PÚBLICAS

    SERIA UM CRIME”ppoorr LLiigghhiiaa BB.. HHoorrooddyynnsskkii--MMaattssuusshhiigguuee

    ee PPeeddrroo EEsstteevvaamm ddaa RRoocchhaa PPoommaarr

    14

    Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    O renomado físico brasileiro

    radicado em Paris relata a

    rica experiência da Universidade

    de Brasília (UnB),critica o “delíriode privatizações”vivido pelo país

    e defende aeducação superiorpública e gratuita

    Fotos: Daniel Garcia

  • 15

    Outubro 1999RReevviissttaa Adusp

    Radicado na França desde 1966, o físico brasileiro RobertoAureliano Salmeron esteve no Brasil em agosto último, para lançar seulivro A Universidade Interrompida: Brasília 1964-1965 (Editora daUnB, 1999). Cientista de prestígio internacional, primeiro não-europeua integrar o corpo permanente de pesquisadores do laboratório daOrganização Européia para a Pesquisa Nuclear (CERN), em Genebra,e atual Diretor de Pesquisa Emérito do Conselho Nacional dePesquisas Científicas da França (CNRS), autor ou co-autor de 150trabalhos científicos, Salmeron suspendeu suas atividades profissionaisnos últimos dois anos para dedicar-se unicamente à tarefa de escrevero livro. Na entrevista exclusiva que concedeu à Revista Adusp,encontramos as razões maiores dessa opção.

    Em primeiro lugar, para ele, é necessário preservar e cultivar amemória intelectual do nosso país. Em segundo lugar, é evidente que aempolgante experiência de criação e organização dos cursos da UnB,nos anos 1963-64, sob os auspícios de Anísio Teixeira, e depois aprofunda frustração causada pela intervenção dos militares, ocupamum lugar central na história de vida desse notável pesquisador.

    Em 1965, Salmeron, que destemidamente deixara o CERN dois anosantes e regressara ao Brasil para trabalhar na UnB, onde foi professortitular e coordenador geral dos Institutos Centrais de Ciências eTecnologia, “demitiu-se juntamente com 222 colegas, por recusarempressões externas exercidas sobre a Universidade durante o regime militarque dominou o país de 1964 a 1985”, como não deixa de mencionar emseu próprio currículo. Nas páginas a seguir, Salmeron, de 77 anos,aborda também a crise que atinge em cheio a ciência e as universidadesbrasileiras. Prega a reação da comunidade acadêmica ao atual estado decoisas, e defende com ênfase e veemência a gratuidade da universidadepública: “Se na minha geração houvesse universidade paga, eu nãopoderia ter estudado. E um grande número dos meus colegas daPolitécnica da USP também não. Querer fazer ensino pago é um crime”.

  • Revista Adusp - O senhor estálançando um livro sobre a UnB. Oque o levou a escrever este livro?A UnB foi, tudo indica, uma expe-riência marcante na sua vida.

    Salmeron - O trabalho na UnBfoi realmente uma experiênciamarcante em minha vida, assim co-mo de todos os que participaramdos anos iniciais de implantação daUniversidade. Por que escrevi estelivro? Para dar uma contribuição ànossa memória intelectual. NoBrasil não estamos habituados acultivar nossa memória. Fatos im-portantes ou graves acontecem esão esquecidos com o tempo, àsvezes basta uma geração para quesejam esquecidos. Nos países avan-çados da Europa, por exemplo, ocultivo da memória intelectual fazparte da cultura, o que infelizmen-te não ocorre entre nós. Minhamotivação, ao escrever esse livro,foi contribuir para nossa memória.Relato fatos que vivi e conheci des-de suas origens, e considero quaseuma obrigação minha deixar umtestemunho para que a nova gera-ção saiba o que aconteceu naqueleperíodo terrível de nossa História,com a ditadura militar. Um povoprecisa conhecer a sua História, ecriar o hábito de julgar os fatos eas pessoas, para ficar vigilante enão permitir que períodos comoaquele se repitam. Por que escrevio livro somente agora? Porque eunão quis escrever um livro somentede memórias, mas um livro deHístória, documentado e crível, eisso requer muito tempo. Radicadona França, dirigindo equipes depesquisa, não me era possível teras atividades devidas à responsabi-

    lidade profissional e ao mesmotempo escrever um livro desses.Há no livro uma parte de memó-ria, mas o que considero mais fun-damental são os documentos queapresento. A procura de docu-mentos, e a estruturação do livrocom base neles, tomou muito tem-po, agravado com o fato de eu es-tar morando fora do Brasil. Tenhoalguns documentos em meu arqui-vo pessoal, porque quando saí daUniversidade tinha absoluta certe-za de que muitos documentos iamdesaparecer. Guardei comigo so-mente papéis que, evidentemente,tinha moralmente a liberdade deguardar, como cópias de cartasminhas, de cartas dos coordenado-res e de manifestos dos professo-res. A maior parte da documenta-ção eu obtive em várias viagens aoBrasil, em redações de jornais, naBiblioteca Nacional do Rio deJaneiro, na Biblioteca Municipalde São Paulo, em consulta doDiário do Congresso Nacional, ena própria Universidade deBrasília, onde uma professora deHistória está reconstituindo umacervo, assim como obtendo de-poimento oral de amigos ex-pro-fessores da UnB. Comecei a es-truturar o livro há mais de oitoanos, sem interromper meu traba-lho como físico, dedicando algunsdias da semana à pesquisa, e ou-tros ao livro, escrevendo e reescre-vendo as várias partes. Depoispercebi que tinha de me dedicarao livro inteiramente, para poderterminá-lo com uniformidade nasvárias partes. Nos últimos doisanos a dois anos e meio trabalheisomente no livro.

    Revista Adusp - Para aquelesque não puderem ler o livro, comoé que o senhor sintetizaria a expe-riência da UnB?

    Salmeron - Devemos falar daexperiência do ponto de vista hu-mano e do ponto de vista acadê-mico. Do ponto de vista humano,a experiência dos anos iniciais daUnB, que relato no livro, foi mara-vilhosa para todos os que dela par-ticiparam. Havia atmosfera de en-tusiasmo, com a consciência deque estávamos fazendo algo denovo, e principalmente, grande es-perança. Este ponto é muito im-portante: havia grande esperança.Trabalhávamos intensamente, setedias por semana, sem limitação detempo. Depois veio o golpe militare as perseguições cegas à Universi-dade, com controle policial cons-tante em todas as atividades,criando um clima de insegurançacada vez maior, que foi a causa denosso pedido de demissão coleti-va. Do ponto de vista acadêmico, aUnB foi a precursora de uma re-forma universitária importante, aprimeira universidade a funcionarnos moldes posteriormente adota-dos na reforma universitária emtodo o país, introduzindo a estru-tura utilizada atualmente. Essa re-forma foi concebida com a evolu-ção da mentalidade, com a partici-pação de muita gente e de muitasinstituições. Achei importantemostrar em meu livro, para os jo-vens de hoje, que a mentalidadeevolui, e que houve uma luta, lutano bom sentido, na evolução damentalidade nas universidadesbrasileiras, começando na décadade 20, de 30, passando pela funda-

    16

    Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

  • 17

    Outubro 1999RReevviissttaa Adusp

    ção da USP, até se conceber a es-trutura da UnB, que na década de50 estava no ar. Muita gente pen-sava nesse tipo de estrutura na-quela época: se a UnB não a tives-se adotado, outras universidades oteriam, provavelmente a USP ou aUFRJ. Aliás, a reforma da UFRJ,que se chamava Universidade doBrasil, estava sendo programadapelo ministro da Educação deJuscelino Kubitschek, com a cria-ção de Institutos Cen-trais de Ciências e Facul-dades, e deveria ser inau-gurada com a instalaçãoda Cidade Universitáriana Ilha do Fundão, noRio de Janeiro.

    Revista Adusp - Equais seriam os elemen-tos constituintes, os tra-ços mais marcantes des-se modelo de universida-de adotado pela UnB?

    Salmeron - Primeiroponto: antes da UnB, auniversidade tinha estru-tura arcaica. Por exemplo,em todas as faculdades,em cada disciplina, haviaum professor catedrático,que era o dono da disciplina. Donoabsoluto. Ele fazia o ensino comoqueria, determinava se ia se fazerpesquisa ou não, e era auxiliadopor um grupo de assistentes – eraele quem escolhia seus assistentes –cuja denominação já indicava serposição subalterna. O assistentenão tinha autoridade para imprimirrumo à disciplina que lecionava, ena vasta maioria dos casos ensinavasomente o que aprendia em livros.

    Isso tinha de ser mudado. Era ne-cessário acabar com a posição decatedrático e criar uma estruturaque desse a todos a possibilidadede evoluir de acordo com sua expe-riência profissional. Modificamos acarreira docente, criando as posi-ções de assistente e três de profes-sor. O mestrado era obrigatório pa-ra o posto de assistente, que não ti-nha o significado do sistema antigo,ninguém era assistente de um pro-

    fessor, era assistente na carreira. Odoutorado era obrigatório para oposto de professor. Segundo ponto:em Brasília insistíamos em que apesquisa fosse obrigatoriamenteassociada ao ensino, em todas asdisciplinas — nas artes, nas letras,nas ciências humanas, nas ciênciasnaturais e exatas. E, nas faculdadesde medicina e de engenharia, queestavam sendo criadas, queríamosque também houvesse pesquisa

    obrigatoriamente. Terceiro ponto:dentro da universidade, criar flexi-bilidade para que o aluno pudessemudar de carreira. Essa possibili-dade não havia antes. Posso contarmeu exemplo pessoal, extrema-mente significativo. Quando meformei engenheiro pela EscolaPolitécnica da USP, fui convidadopelo professor de Física, Luis Cin-tra do Prado, para ser seu assisten-te. Logo a seguir, comecei também

    a carreira de pesquisadorem Física com o profes-sor Gleb Wataghin, naFaculdade de Filosofia,Ciências e Letras da USP.Numa conversa com esseilustre professor, ele mui-to francamente me disse:“Seu País é muito compli-cado. Com o título de en-genheiro somente, o se-nhor poderá encontrarmuita dificuldade na suacarreira. Eu acho que osenhor deveria fazer ocurso de Física, mesmo jáfazendo pesquisa comigo,para ter o diploma de físi-co”. Aceitei o conselho.Mas, para fazer o cursode Física na USP, univer-

    sidade da qual tinha diploma e naqual lecionava, tive de prestar novoexame vestibular, e tive de cursartodas as disciplinas do curso deFísica, inclusive aquelas nas quaiseu já tinha sido aprovado na EscolaPolitécnica e aquela que eu lecio-nava! Felizmente, professores deespírito aberto não exigiam que euassistisse às suas aulas. Por exem-plo, Marcelo Damy de Souza San-tos disse-me: “Seria ridículo você

    O QUE PRECISAVA MUDAR

    “Antes da UnB, a universidade tinhaestrutura arcaica. Por exemplo, em

    todas as faculdades, em cadadisciplina havia um professorcatedrático, que era o dono da

    disciplina. Dono absoluto. Fazia oensino como queria, determinava se

    ia se fazer pesquisa ou não, e eraauxiliado por um

    grupo de assistentes(era ele quem osescolhia) cuja

    denominação jáindicava ser posição

    subalterna”

  • assistir às minhas aulas, você estáensinando na Politécnica o que es-tou ensinando aqui na Faculdadede Filosofia. Mas não posso isentá-lo dos exames, pois não posso daruma nota sem que você faça umaprova”. Em Brasília, suprimimosesse sistema arcaico; o estudantepodia ser transferido de uma escolapara outra com o sistema de crédi-tos, que existe hoje em todos os lu-gares. Quarto ponto: tempo integrale dedicação exclusiva obrigatóriospara todos os docentes, salvo pou-quíssimas exceções. Quinto ponto:criamos pela primera vez os Insti-tutos Centrais de Artes, de Letras,de Ciências Humanas, de CiênciasNaturais e Exatas, além das Facul-dades, estrutura essa que existeatualmente em todo o Brasil.

    Revista Adusp - Na opinião dosenhor, o que fez o regime militar

    truncar a experiên-cia da UnB?

    Salmeron - A UnB foi persegui-da mais do que as outras universi-dades porque, pelas origens, era li-gada a nomes de personalidadespolíticas consideradas inimigos fer-renhos do regime militar. LúcioCosta foi o primeiro a pensar numauniversidade para Brasília, que pro-pôs em seu Plano Piloto para a no-va capital. A possibilidade de fun-dação de uma universidade foi exa-minada no governo de JuscelinoKubitschek, que propôs a lei paracriá-la, com uma mensagem envia-da ao Congresso Nacional no dia dainauguração de Brasília. Mas, du-rante os meses que restavam de seugoverno, a lei não foi aprovada. Du-rante o curto governo do JânioQuadros a lei também não foi apro-vada, mas foi aprovada no dia emque ele renunciou à Presidência da

    República. Quem a assinou, final-mente, algumas semanas depois, foiJoão Goulart. A personalidademais eminente na concepção daUnB foi Anísio Teixeira, que erapersona non grata. Darcy Ribeirotrabalhava com ele no Ministério

    da Educação, e fez muitopara que a UnB fosse cria-

    da, tendo sido o primeiro rei-tor; foi reitor durante menos

    de um ano, porque JoãoGoulart convidou-o para ser mi-

    nistro da Educação, e, poucosmeses depois, para ser chefe do

    Gabinete Civil da Presidência daRepública. Daí para diante, DarcyRibeiro tornou-se homem político.Para o governo militar, a UnB ficouentão associada a Juscelino Ku-bitschek, João Goulart, Anísio Teix-eira e Darcy Ribeiro, consideradosinimigos e tratados como tal. Daíuma vigilância extrema da UnB pe-lo governo federal, que chegava àsraias do ridículo. Por exemplo: logodepois do golpe de abril de 1964, nasemana seguinte, o campus da UnBfoi invadido por tropas da PolíciaMilitar de Minas Gerais, que toma-ram a Universidade como se esti-vessem tomando uma praça-forte,com os soldados rastejando...Foram levados por quatorze ônibusacompanhados de três ambulâncias,porque pensaram que ia haver lutaarmada, pensaram que estávamosarmados na Universidade. Fun-cionários, estudantes e professoresficaram espantados, ao ver aquelessoldados chegando, sem saber porquê. Mas a atmosfera era de paz etrabalho. Os militares levavam onome de alguns professores quequeriam inquirir, e alguns não esta-

    18

    Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    O GOLPE MILITAR“Na semana seguinte, o campus foi invadido

    por tropas da Polícia Militar de Minas Gerais, que tomaram a UnB como

    se estivessem tomando uma praça-forte, com os soldados

    rastejando... Foram levados por14 ônibus acompanhados de trêsambulâncias, porque pensaram

    que ia haver luta armada,pensaram que estávamosarmados. Funcionários,estudantes e professores

    ficaram espantados, ao ver aqueles soldadoschegando, sem saber

    por quê”

  • 19

    Outubro 1999RReevviissttaa Adusp

    vam na Universidade quando hou-ve a invasão. Anísio Teixeira, queera o reitor, mandou chamá-los emsuas residências, para que se apre-sentassem aos militares, porquenão tinham nada a esconder.Vários deles foram presos. AnísioTeixeira foi destituido do cargo dereitor, e substituido por um profes-sor da USP que tinha parti-cipado como civil da prepa-ração do golpe militar.Este, por sua vez, foi subs-tuido um ano e meio depoispor outro professor da USPque também era homem deconfiança do regime. Du-rante as gestões desses doisreitores, começaram e seintensificaram as persegui-ções cegas à Universidade,com controle policial diárioem todos os setores, estu-dantes e professores pre-sos, professores demitidos,criando um intolerável cli-ma de insegurança que au-mentava com o tempo. De-pois de lutar muito em de-fesa da Universidade e daliberdade acadêmica, nósnos convencemos de quenão era mais possível serprofessor universitário dignamentenaquela situação. Então 223 do-centes se demitiram da UnB queestavam construindo, com a pro-funda decepção de ver que noBrasil daquela época um empreen-dimento dessa natureza podia serdestruído facilmente.

    Revista Adusp - O senhor tra-balha na França, vive lá há mui-tos anos. O senhor tem acompa-

    nhado a situação das universida-des brasileiras?

    Salmeron - Bastante. Durantetodos estes anos radicado na Eu-ropa, tenho mantido contato per-manente com universidades e insti-tuições científicas brasileiras, maisfreqüentemente com amigos e co-legas da USP, da Unesp, do Labo-

    ratório Nacional de Luz Síncroton,de Campinas, da UFRJ, do CentroBrasileiro de Pesquisas Físicas, doRio de Janeiro. Há obviamente nasnossas universidades uma série deproblemas muito preocupantes,muito alarmantes, porque podemcomprometer o futuro em escalasocial que ultrapassa o quadro dasuniversidades. Em primeiro lugar,a situação financeira é precária, ri-dícula e perigosamente precária.

    Sempre foi precária, mas tenho im-pressão de que nunca foi tantoquanto agora. Os salários são bai-xos, as universidades não têm infra-estrutura, e ao lado dessa situaçãograve vejo gradualmente, nos últi-mos anos, uma perda de esperança.Os reveses têm sido tão grandesque a comunidade acadêmica está

    assim numa espécie de ina-ção. Não sei se resignação éo termo adequado, mascertamente não está lutan-do. E a gente não vê umplano nacional de investiga-ção, de pesquisa científica,de amparo. Classifico a si-tuação de perigosa, porquea precariedade e a falta deorientação originam quebrade ânimo e de esperança,que é o que de pior podeacontecer a uma comunida-de, que nessas condiçõespode cair na estagnação enão cultivar o espírito deluta. É alarmante a falta desensibilidade do governopara com esse problema. Emais alarmante ainda quan-do vemos que em todos ossetores de atividades oBrasil tem universitários da

    mais alta competência. Por que es-sas pessoas da mais alta competên-cia não são ouvidas e apoiadas? Is-so não é somente chocante, é peri-goso, porque, contrariamente aospaíses avançados, que disputam aspessoas competentes, o Brasil des-perdiça a competência, não so-mente em assuntos culturais, deensino e de pesquisa, mas tambémem assessoria para assuntos de in-teresse nacional.

    FALTA DE ÂNIMO“Os salários são baixos, as

    universidades não têm infra-estrutura, e ao lado dessa

    situação grave vejogradualmente, nos últimos anos,

    uma perda de esperança. Osreveses têm sido tão grandes quea comunidade acadêmica estáassim numa espécie de inação.Não sei se resignação é o termoadequado, mas certamente nãoestá lutando. E agente não vê um

    plano nacional deinvestigação, de

    pesquisacientífica, de

    amparo”

  • Revista Adusp - O senhor estáfalando em não utilização decompetência nas universidades.Mas acha que não há utilizaçãode competência também em ou-tros setores?

    Salmeron - O governo atual, queneste ponto não difere em nada dosgovernos passados, não tem o hábi-to de usar a competência dos seusuniversitários, dos seus engenhei-ros, dos seus cientistas, como asses-sores de projetos de inte-resse nacional. Tem-se aimpressão de que o gover-no não sabe o que fazerdos universitários, como seestes devessem ensinar esó. Posso citar três exem-plos de projetos, um feitodurante o regime militar edois no governo atual, nosquais a competência nacio-nal não foi utilizada. O pri-meiro foi a compra dascentrais nucleares da Ale-manha: os cientistas nãoforam consultados, os en-genheiros não foram con-sultados, os especialistasem energia nuclear daépoca não foram consulta-dos. Foi uma decisão autoritária,completamente desligada de qual-quer planificação para o futuro.Custou uma fortuna. O preço decada reator, naquela época, era de3 bilhões de dólares. Eu me lembrode que fiz um cálculo, porque sabiaquanto ganhava um engenheiro eum cientista alemão: se o Brasil ti-vesse comprado as oito centrais(acabou comprando três) iria darempregos a 10 000 alemães durantepelo menos quatro anos.

    Segundo exemplo grave: oSivam. Por que o governo, em vezde consultar os especialistas alta-mente qualificados que nós temos,e fazer um projeto nacional, dá oprojeto a uma companhia estran-geira? Não é exagero dizer que oBrasil está pagando para ser espio-nado. Porque as companhias es-trangeiras ficam a par de tudo queestá acontecendo aqui. É ridículo!O projeto poderia ser realizado no

    Brasil. Demoraria mais tempo, oque não seria grave, mas formariaou aperfeiçoaria a formação depessoal nosso, e seria muito maisbarato. O terceiro exemplo é aparticipação do Brasil na EstaçãoEspacial Internacional. Quero dei-xar bem claro que faço distinçãoentre o programa espacial brasilei-ro, que se realiza no INPE, em SãoJosé dos Campos, que é sólido,merece os maiores elogios e deveser apoiado, e a participação na

    Estação Espacial. Não se podecompreender essa participação,que custará no mínimo 120 mi-lhões de dólares. É muito dinheiro.Para fazer uma comparação, aFrança gasta, por ano, somente15% a 20% dessa quantia comequipamento para todas as expe-riências em Física Nuclear e Físicade Partículas Elementares de todosos seus laboratórios, com partici-pação nos maiores projetos nacio-

    nais e internacionais decerca de 500 físicos e nú-mero pelo menos idênticode engenheiros e técnicos.

    Revista Adusp - O se-nhor, ao contrário dos de-sesperançados, acreditano potencial da universi-dade brasileira?

    Salmeron - Acreditoimensamente. A prova deque se deve acreditar éóbvia, é que, apesar de to-das as dificuldades, vejaquanta gente competenteestá sendo formada nopaís. O que acontece éque o número de pessoascompetentes ainda não é

    muito grande, ainda não é tantoquanto o país precisa. Mas a vitali-dade universitária no Brasil é ex-traordinária, e eu não tenho ne-nhuma dúvida de que, com tantagente inteligente e tanta gentecompetente, soluções importantesserão encontradas para os proble-mas. A falta de ânimo e de espe-rança a que me referi há poucotem de ser vencida, e será vencida.Mas, para isso, não podemos noslimitar a nos queixar de coisas que

    20

    Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    SIVAM“Por que o governo, em vez de consultar os especialistasaltamente qualificados que

    nós temos, e fazer um projeto nacional, dá o projeto a uma

    companhia estrangeira? Não éexagero dizer que o Brasil está

    pagando para ser espionado. Porqueas companhias

    estrangeiras ficam apar de tudo que estáacontecendo aqui. Éridículo! O projeto

    poderia ser realizadono Brasil”

  • 21

    Outubro 1999RReevviissttaa Adusp

    não funcionam. A comunidadeuniversitária tem de agir, de tomariniciativas, de tomar em suas pró-prias mãos os destinos da universi-dade e tem de educar o governo aver a universidade de outro modo,mostrar ao governo que a universi-dade é a consciência da sociedadena qual está inserida.

    Revista Adusp - Ultimamente,as pessoas têm sido levadas a pen-sar que é interessanteque haja universidadepaga, que as universida-des públicas são muitocaras, que existe umagrande ineficiência en-tre os pesquisadoresdas universidades pú-blicas. Que o senhortem a dizer sobre isso?

    Salmeron - A univer-sidade pública gratuitatem de existir. Privatizaras universidades públi-cas seria um crime. Apalavra adequada é cri-me. Os argumentos quesão apresentados pelaspessoas que falam empagamento dos estudosem universidades públicas são ina-ceitáveis. Dizer que as universida-des públicas são freqüentadas porjovens que vêm de famílias quepodem dar aos filhos uma boaeducação no curso secundário, jo-vens que vão à universidade de au-tomóvel, e portanto podem pagaras mensalidades... Esses argumen-tos são falsos e devem ser comba-tidos. No Brasil, desde que oBrasil existe, a universidade é fre-qüentada por uma minoria de gen-

    te que vem de famílias que têmposse para isso. Essa é que é a ver-dade. A quantidade de universitá-rios que vêm de famílias humildesé muito pequena. É muito peque-na no mundo inteiro. Não querodizer que tem de continuar assim;ao contrário, essa situação tem deser mudada, e os próprios univer-sitários têm papel importante adesempenhar nessa mudança.Quero dizer que os argumentos

    que estão sendo utilizados para fa-zer o ensino pago são falhos, por-que estão pondo em evidênciauma situação que sempre existiu, eque existe nos outros países tam-bém. Além disso, não é verdadeque essas famílias sejam tão bempostas economicamente. É menti-ra, porque a maioria delas, mesmonão pagando os estudos, têm difi-culdade em ter um jovem ou umajovem estudando até os 24, 25anos. O próprio argumento que

    está sendo usado é enfatizado demodo mentiroso.

    Por exemplo, se na minha gera-ção houvesse universidade paga,eu não poderia ter estudado. Eum grande número dos meus cole-gas da Politécnica também não.Querer fazer ensino pago é umcrime. Seria uma das coisas maisgraves nas quais o governo falha-ria, numa de suas missões impor-tantes para com a sociedade. Dão

    exemplos de universida-des pagas, os EstadosUnidos são tomados co-mo modelo. Mas tam-bém é mentira. A Uni-versidade da Califórniaé pública, é o Estado daCalifórnia quem arcacom as despesas, tem300 000 estudantes. Asuniversidades dos Esta-dos, nos EstadosUnidos, são todas uni-versidades públicas. Eas universidades pagas,como Harvard, Yale,etc. têm duas caracterís-ticas. Primeiro, os bonsestudantes têm bolsa dogoverno para estudar, e

    quando o estudante não tem bolsae a família não pode pagar, temde levantar empréstimo que o dei-xa endividado durante anos. Se-gundo, o que nunca é dito, todo otrabalho de pesquisa é pago pelogoverno. Essas universidades nãotêm possibilidade de fazer pesqui-sa com verbas próprias. Há umafalta de informações sobre isso. Ea imprensa tem grande responsa-bilidade, porque há jornalistasque escrevem sobre isso sem se in-

    DELÍRIO DE PRIVATIZAÇÕES I“Se na minha geração houvesse

    universidade paga, eu não poderia terestudado. E um grande número dosmeus colegas da Politécnica tambémnão. Querer fazer ensino pago é um

    crime. Dão exemplos de universidadespagas, os Estados Unidos são

    tomados como modelo. Mas também émentira. A Universidade

    da Califórnia épública, é o Estado daCalifórnia quem arcacom as despesas, tem300.000 estudantes”

  • formar exatamente sobre o queestá acontecendo. Uma outra len-da que está-se fazendo no Brasil éde que há muitos professores porestudante. O que é mentira, por-que também quando comparamcom certas universidades do exte-rior não dizem quenos Estados Unidos oque se chama de uni-versidade nem sem-pre é universidade co-mo a nossa, com cur-sos de quatro, cinco,seis, sete anos. Amaioria das chamadasuniversidades são co-légios, com cursos desó dois anos. E decultura geral, nãoprofissionalizantes.Aí a gente pode con-ceber que um profes-sor de literatura váfalar para 100 pessoasnuma classe. Mas nãoquer dizer que ele váformar escritores ouliteratos. Quando se consideramuniversidades como as nossas,com cursos de quatro anos oumais, a gente vê que o número deestudantes por professor é o mes-mo que no Brasil, nas universida-des americanas. E na Europa, emcertos lugares como na França,nas disciplinas científicas, o núme-ro de estudantes por professor émenor do que no Brasil. O alunotem muita assistência, quase queindividual. Então essas informa-ções são divulgadas de modo erra-do e eu diria até tendencioso, por-que a insistência com que elas sãopublicadas é alarmante.

    Revista Adusp - E isso atendea que interesses?

    Salmeron - Vejo essa campanhapara fazer o ensino pago como par-te desse delírio de privatizaçõesque a gente vê. Além de o fato emsi ser inaceitável, comparando com

    o modo como o dinheiro público égasto no Brasil, com as subvençõesa bancos, as subvenções a compa-nhias multimilionárias como a Fordque vêm se instalar aqui, então se ogoverno está precisando de dinhei-ro é aí que ele tem de procurar. Oque o governo deu como ajuda aesses bancos que tinham atividadesfraudulentas daria para pagar averba de certas universidades du-rante anos. Dentro do contextobrasileiro, de tanta calamidade quea gente vê por aí, a idéia de univer-sidade paga é mais inaceitável ain-da. Mas a sociedade tem de ficarvigilante e reagir contra essa idéia,

    porque o perigo é grande. Já houveem governos passados rumores deque as universidades públicas pas-sariam a ser pagas, mas em perío-dos em que não se falava em priva-tizações. O perigo hoje é maior doque nunca, porque as privatizações

    estão sendo feitas sem ne-nhum escrúpulo e apresen-tadas como salutares e ine-vitáveis.

    Revista Adusp - Chega aser perverso.

    Salmeron - É perverso.Exatamente. É a expressãocorreta. É uma espécie deescárnio à população que-rer que os jovens paguem auniversidade, quando hátanta roubalheira. Por queos bancos não pagam osimpostos que têm de pa-gar? Por que as grandescompanhias não pagam osimpostos que têm de pa-gar? É nessa direção que ogoverno tem de procurar

    dinheiro, e não com mensalidadesde estudantes. Isso faz parte de umdelírio de privatizações, feito semreflexão, sem analisar as conse-qüências. Veja por exemplo na Eu-ropa, não há universidade particu-lar. Na França, na Itália, na Ale-manha, não há universidade parti-cular. São todas públicas. Pode ha-ver uma ou outra escola de comér-cio, de informática ou coisa assim,mas não universidade. Se naFrança o governo fizesse uma de-claração de que o ensino seria pa-go, haveria greves monstruosas pe-lo país inteiro, até que a idéia fossecompletamente derrubada.

    22

    Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    DELÍRIO DE PRIVATIZAÇÕES II“O que o governo deu como ajuda aesses bancos que tinham atividades

    fraudulentas daria para pagar averba de certas universidades

    durante anos. É um escárnio quererque os jovens paguem a

    universidade, quando há tantaroubalheira. Por que os bancos e

    grandes companhias não pagam osimpostos que têm que

    pagar? É nessadireção que o governo

    tem que procurardinheiro, e não com

    as mensalidades dosestudantes”

  • 23

    Outubro 1999RReevviissttaa Adusp

    Revista Adusp - Quer dizerque o Anísio Teixeira, com suafrase que dizia “educação não éum privilégio, é um direito”, es-taria terrivelmente incomodadose estivesse vivo hoje.

    Salmeron - Ah, o Anísio esta-ria sofrendo terrivelmente.Porque a batalha dele na vida in-teira era a educação gratuita paratodos. Como deve ser. Ele que foium gigante da educação, comocostumo dizer, não aceitaria issode modo algum. Mas veja, noBrasil já existem universidadesparticulares. Pelo que a gente lênos jornais, aproximadamente60% dos estudantes de escolassuperiores estão em escolas ouuniversidades particulares. Ago-ra, quando nós, num ambientecomo o da USP, falamos em re-forma universitária, em associa-ção de pesquisa ao ensino, em as-sociação de atividades criadorasao ensino, nós falamos num nívelno qual essas universidades parti-culares nem podem ser levadasem conta, a não ser um pequenonúmero de honrosas exceções.Não têm condição nenhuma defazer uma elite intelectual para opaís. Repito: a não ser algumashonrosas exceções. É evidenteque as universidades públicas têmque se concentrar para formarpessoas altamente competentes,em todo o território nacional,quer seja no sul, no centro, nonorte, nordeste, todas devem teressa missão de formar gente com-petente. A universidade públicatem que existir, gratuita, forman-do gente de alto nível, e isso éresponsabilidade do governo.

    PESQUISADOREMÉRITO

    Patrick Blackett, Prêmio Nobelde Física, foi quem sugeriu à dire-ção do CERN, de Genebra, a con-tratação de Roberto Salmeron.Blackett fora o orientador deSalmeron em seu doutorado(Ph. D.) na Universidade de Man-chester. De 1955 a 1963, o enge-nheiro e físico brasileiro ocupou oposto de Físico Superior (Physi-cien Supérieur) na equipe de pes-quisadores do CERN.

    Teve, assim, “a oportunidadeexcepcional”, que muito influen-ciou suas atividades posteriores,“de acompanhar a evolução cientí-fica e a organização desse labora-tório, que se tornou o maior domundo em sua especialidade”, ex-plica o próprio Salmeron.

    Depois que foi obrigado a dei-xar a UnB, ele reassumiu, em 1966, seu posto no CERN. Em 1968,passou a trabalhar na Escola Politécnica de Paris e no Laboratório deFísica Nuclear de Altas Energias, vinculado ao CNRS. Ali, foi suces-sivamente Diretor de Pesquisa, Diretor de Pesquisa Classe Excep-cional e Diretor de Pesquisa Emérito (Directeur de RechercheEmérite), seu cargo atual.

    Ocupou postos de direção na Politécnica de Paris e no CNRS efoi assessor do Fundo Nacional Suíço para a Pesquisa Científica. Co-mo presidente da Divisão de Física de Altas Energias e Partículas daSociedade Européia de Física, criou um prêmio internacional parafísica de partículas elementares, intitulado High Energy Physics Prizeof the European Physical Society. Na França, fundou, em 1969, a Es-cola de Verão de Física de Partículas de Gif-sur-Yvette, que se tor-nou a escola oficial do Departamento de Física Nuclear e de Partícu-las do CNRS.

    A convite da Academia Real Sueca de Ciências, por quatro anos con-secutivos (1985 a 1989) indicou candidatos ao Prêmio Nobel de Física.

  • Revista Adusp - Osenhor conhece oprojeto de autonomiauniversitária que ogoverno acaba de en-viar ao Congresso?

    Salmeron - Hápoucos momentos vo-cês me perguntaram oque achava da situa-ção da universidadebrasileira. Um pontoque me choca profun-damente é a falta dediálogo. Falta diálogodentro da universida-de e da universidadecom o exterior, inclu-sive com os ministé-rios públicos. Volto àquela parte,os universitários não sendo chama-dos para assessorar. Mas não sãoconsultados nem sobre o futuro daprópria universidade. Isso é muitograve. Como é que a comunidadeuniversitária não pode exprimir asua opinião num projeto de auto-nomia universitária? Porque não setrata somente de distribuição deverbas no nível burocrático, é mui-to mais profundo do que isso. Devez em quando chegamos a ler nosjornais que um dos argumentos pa-ra dar autonomia é dar autonomiafinanceira, para que os reitorespossam despedir pessoas e contro-lar o orçamento etc. Isso é ridículo,tem-se a impressão de que as pes-soas que lançam esses argumentosestão fazendo pilhérias com a co-munidade acadêmica! Um dospontos mais importantes da auto-nomia é dar às universidades o di-reito de serem diferentes umas dasoutras. Não há necessidade de que

    as universidades sejam todas iguais.Se a universidade tiver o direito deser diferente das outras, ela poderáutilizar melhor as condições locais,e ter mais inserção no meio local.A autonomia tem que ser muitomais ampla do que aquela que vemsendo divulgada. E nisso é alar-mante o fato de a comunidade uni-versitária não ter a chance de dar asua própria opinião. Porque o pro-blema é muito mais amplo do quesimplesmente o contato entre dire-tores e reitores, entre reitores e mi-nistros. Afeta todo mundo. Como éque a comunidade não pode se ma-nifestar? Veja, se compararmoscom a França, por exemplo: naFrança toda a estrutura é feita demodo tal que as idéias partem dabase e sobem para a direção. As vá-rias disciplinas têm comitês de ges-tão, que auxiliam a universidade nagestão da disciplina, especialmentena gestão científica. Esses comitêsé que levam as idéias de baixo para

    cima, o que não existe no Brasil.As três universidades do Estado deSão Paulo já têm autonomia finan-ceira e administrativa há muitosanos. Agora, o caso da autonomiaé mais grave nas universidades fe-derais, mais do que nas três do Es-tado de São Paulo. Mas aí entãoacho que a autonomia não estábem colocada, porque é precisoque haja o direito de ser diferentena sua estrutura. Por exemplo, nãoé evidente para mim que em todasas disciplinas em que se faz pesqui-sa na USP também se deva fazerpesquisa numa universidade donorte. Por outro lado, há muitaspesquisas que poderiam ser feitasno norte melhor do que na USP.Um exemplo típico: Geologia,Ciências da Terra. Por que não sepode ter, no norte do Brasil, insti-tutos de pesquisas em Ciências daTerra que poderiam ser muito maisdesenvolvidos do que aqui? Porque não? RRA

    24

    Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    Salmeron durante o lançamento do livro, em São Paulo

  • 25

    Outubro 1999RReevviissttaa Adusp

    A nova presidenta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência(SBPC), a bioquímica Glaci Zancan, professora da Universidade Federal deCuritiba, assumiu o cargo disposta a levar em frente aquele que talvez sejao mais ambicioso programa já realizado pela entidade: a Maratona SBPC-2000, um mapeamento dos problemas enfrentados pela comunidadeuniversitária e acadêmica em todos os Estados do país. No dia 30 de agosto,na sede da SBPC em São Paulo, no histórico prédio da Faculdade de Filoso-fia da Rua Maria Antonia, Glaci concedeu entrevista a Fernanda Franklin ePedro Estevam da Rocha Pomar, da Revista Adusp.

    Fotos: Daniel Garcia

    MARATONA DA SBPCGlaci Zancan fala da “viagem ao Brasil” que aentidade dos cientistas empreende, para colher

    dados e arregimentar forças na batalha por umanova política nacional de educação e C&T

  • “Aidéia é dar ànação um pa-norama realda situaçãodas universi-dades, da ciên-

    cia e tecnologia no país”, explicaGlaci, para quem só é possível supe-rar a situação crítica enfrentada hojepelo setor se a sociedade reconhecer aimportância da C&T no desenvolvi-mento nacional. A Maratona surgiude uma sugestão do reitor da UnB,Lauro Morhy, submetida à 51ª Reu-nião Anual da entidade, realizada emjulho último em Porto Alegre. Seusachados e constatações serão exami-nados e discutidos na 52ª ReuniãoAnual, que terá lugar em Brasília.

    Capitaneada pelos dois vice-pre-sidentes da entidade, Marco Anto-nio Raupp e Vilma Figueiredo, aMaratona foi lançada em Brasíliano dia seguinte à entrevista, e teveinício em Recife, Campina Grandee Natal, nos primeiros dias de se-tembro. Até abril do ano 2000, estáprevista a realização de onze “en-contros de debates” nas diversas re-giões do país.

    A Maratona, assim, está articula-da também à necessidade de con-quistar a adesão da sociedade nadisputa (Glaci usa a expressão “cho-que”) entre a comunidade científicae a “administração econômica dopaís”. A presidenta da SBPC evitaatacar frontalmente a política eco-nômica e social vigente no Brasil:“Se o modelo que está aí não é bom,se o modelo é ruim porque prejudica

    socialmente, é isso que está se no-tando, nós temos que encontrar al-ternativas para o modelo. E isso vaiexigir criatividade”. No seu entender,é precisamente este o papel que cabeà entidade: levantar opções para aeconomia nacional.

    “Porque, se nós estamos num re-gime democrático, só vamos podermudar via voto. A concientizaçãoda população, o trabalho de melho-ria do nível de consciência da cida-dania. E a academia tem que forne-cer intelectualmente as alternativas.A gente não pode pensar que vai re-solver com messianismo”, sustentaGlaci. A seguir, os principais tópicosde sua entrevista.PRIORIDADE PARA C&T

    Nós não mudamos de posição.Nós achamos que educação, ciên-cia e tecnologia devem ser prioritá-rias. No entanto, não é assim queos condutores da política econômi-ca pensam. Essa é uma discussãopermanente. A forma de sobreporesse choque entre o que a genteconsidera que é prioritário, e o quea administração econômica do paísconsidera prioritário, é fazer comque a sociedade reconheça a im-portância da educação, ciência etecnologia para o desenvolvimentonacional. Então, o enfoque nossovai ser nesse sentido agora: tentarconvencer a sociedade de que essaárea é importante. MOTIVAR A SOCIEDADE

    Os governos são eleitos, os go-vernos devem passar. Portanto, oconvencimento da sociedade inde-

    pende do governo. Se a curto prazonós não conseguirmos mudar a po-sição política do país, temos queconseguir mudar via eleição. E paraisso é preciso que o povo saiba exa-tamente aquilo que ele quer. Então,não vejo nenhuma contradição notrabalho de tentar motivar toda acomunidade para a importância daeducação, ciência e tecnologia parao futuro do país. Acho que talvez agente tenha problemas imediatos,mas certamente poderemos pensarem resolvê-los em médio prazo.ESTÁGIO DOCENTE

    Se for pedagógica, ou seja, se forpara a formação do aluno, é umaboa iniciativa. Se for para substituirdocentes que têm que exercer suasatividades, é uma péssima idéia. Doponto de vista de você formá-los pa-ra que eles sejam capazes de exer-cer melhor o magistério posterior-mente, já que a grande maioria dosegressos da pós-gradução vai para oensino superior, eu acho bom. Ago-ra, não é possível pensar que se vaifazer um treinamento de um alunopara que ele seja bom profissionalsubstituindo aqueles que devem fa-zer o serviço das universidades.

    Ninguém vai obrigá-los a fazer40 horas de aula. Por exemplo, oque nós temos feito, e já vínhamosfazendo antes, é fazer com que osalunos participem numa carga ho-rária de uma disciplina convencio-nal, portanto, um crédito, dois cré-ditos, quer dizer, não é mais doque isso e nem acho que a Capesestá pedindo mais do que isso.

    26

    Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    “Se a curto prazo não conseguirmos mudar a posição política do país, temos que mudar

    via eleição. E para isso é preciso que o povo saiba exatamente aquilo que ele quer”

  • 27

    RReevviissttaa Adusp

    AUTONOMIA Mandamos carta ao Ministro da

    Educação dizendo que considera-mos que o anteprojeto na sua reda-ção não é bom, e que portanto elefica totalmente prejudicado. Se aforma jurídica não é boa, não temnem como pensar em aplicá-lo, nãoé mesmo? Ele é muito detalhista.Temos defendido, em conjunto coma Academia Brasileira de Ciência,que às universidades deve ser dadaautonomia, mas autonomia respon-sável, ou seja, as universidades vãoter que prestar contas, porque o di-nheiro é público, dos recursos que aelas são alocados. Já chegamos atéa propor que se tivesse um conselhopara analisar os pedidos de projetosestratégicos das universidades.

    Quer dizer, as universidadesapresentariam o que pretendem, se-ria discutido e seria dada a autono-mia. Não seria uma autonomia pordecreto, mas uma autonomia anali-sada caso a caso, para ver o que auniversidade pretende, como ela vaicrescer. Não é uma autonomia ab-soluta, por decreto, mas sim umaautonomia racional e administrada. PÚBLICAS x PRIVADAS

    Por enquanto eu acho que a ge-ração de conhecimentos no país éfeita nas universidades públicas.Com exceção das confessionais, quesão financiadas pelo Estado, como éo caso da PUC do Rio de Janeiro,como é o caso da PUC de São Pau-lo, as demais ainda têm que “crescere aparecer”, elas ainda não existem,elas são escolas de terceiro grau.

    Portanto, a gente vai ter que pagarpara ver, não é mesmo? Agora, ogrande problema da área de produ-ção científica no país é que a Fapespconsegue fazer com que as universi-dades de São Paulo sejam geradorasde conhecimento, com o suporteque ela dá, e com isso garante 50%da produção científica brasileira.Mas no restante do país a situação émuito complicada, as universidadesfederais e o CNPq estão pratica-mente sem recursos, com exceçãodos programas mais ou menos espe-cíficos, como é o caso do PADCT edo Pronex. Os laboratórios que têmesses recursos têm condições de so-breviver, os outros não.

    Então é muito angustiante a si-tuação do resto do país inteiro. E is-so se reflete no que você vê, todomundo triste, desesperado. Na insa-tisfação, na desesperança, não é?Que precisa de qualquer maneiraser combatida, porque não se faz opesquisador em um ano. É fácil des-

    truir, o difícil é reconstruir. A genteprecisa preservar São Paulo se qui-ser preservar a ciência do país. Mas,por outro lado, precisa fazer o restodo país crescer, para que não seja sóSão Paulo a cultivadora de conheci-mentos. E é para tentar levantar to-dos os problemas e potencialidadesdo país que nós estamos iniciandoamanhã uma longa caminhada, napreparação da reunião anual do ano2000, que vai ser em Brasília.A MARATONA DA SBPC

    Estamos chamando todos paradiscutir, porque há uma diferençamuito grande das necessidades dapopulação em ciência e tecnolo-gia, dos níveis intelectuais e de de-senvolvimento da pesquisa nos di-ferentes Estados da federação. Agente precisa conhecer isso, ver sepode alavancar sugestões de açõese de idéias que permitam um cres-cimento mais harmônico de toda afederação. Essa jornada só vaiacabar em abril ou maio do ano

    “Quem sabe se o grande problema do país é a centralização da ciência e tecnologia,

    da pós-graduação, tudo, no Sudeste. Precisamos ver como resolver esse problema”

    Na montagem, Glaci aponta para outdoor sobre o ensino privado: “A geração de conhecimentos no país é feita nas universidades públicas, as demais são escolas de terceiro grau”

  • que vem. Os dois vice-presidentesda SBPC vão sair, junto com aUniversidade de Brasília (UnB),porque a secretaria regional é Bra-sília e a UnB é a sede, e vão come-çar essa maratona.

    A idéia é uma discussão, em to-dos os Estados, dos problemas daciência e tecnologia. Na realidadeestamos começando a trabalharpara dar à nação um panoramareal da situação das universidades,da ciência e tecnologia no país. Es-peramos conseguir os dados para adiscussão dos problemas, princi-palmente para motivação das pes-soas, para encontrar soluções.Quem sabe se o grande problemado país é a centralização da ciênciae tecnologia, da pós-graduação, tu-do, no Sudeste. Precisamos ver co-mo resolver esse problema.

    COTAS E ENSINO PAGOFixação de cotas para ingressar

    na universidade não resolve. O queé preciso é melhorar a qualidadedo ensino público de primeiro e se-gundo graus, para dar a todos amesma oportunidade. Com relaçãoao financiamento, vejo que em ne-nhum lugar do mundo o pagamen-to pelos alunos resolve o proble-ma, porque a pesquisa científica écada vez mais cara e ela é, e tem si-do sempre, atribuição do Estado.No MIT, que é o maior centro detecnologia dos EUA, não chegam a15% do total os recursos que en-tram por contratos com empresas.Se você analisar o que entra de ta-xas, também é pouco. Por outro la-do, o governo dos Estados Unidosentra com a maior parte no casodo financiamento da pesquisa e

    dos projetos, mas tem muita doa-ção, doação de ex-alunos, porexemplo. Gostaria de saber quan-tos ex-alunos estão dispostos acontribuir para que a USP possacrescer, já que São Paulo é umapotência econômica e tem grandesfortunas que surgiram de ex-alunosda USP. Por outro lado, há um mi-to de se dizer que só os ricos vãopara a universidade pública. Issonão é verdade. Esses números nãosão reais, então é preciso cair nareal dos números.A CRISE BRASILEIRA

    Não consultei toda a minha di-retoria, nem todo o meu conselho,portanto não tenho como emitiropinião sobre economia. Não soueconomista, acho que é muito difí-cil fazer uma oposição formal des-se tipo, essas coisas têm que ser

    Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    “No MIT, maior centro de tecnologia dos EUA, não chegam a 15% os recursos

    de empresas. O governo entra com a maior parte do financiamento”

    OBRA COLETIVA“Esta grande maratona, certamente, mobilizará a inteligência e as melho-

    res energias de milhares de brasileiros. Seus frutos generosos nos darão pre-cioso acervo de visões, preocupações e recomendações práticas, todas volta-das para a conquista de uma sociedade mais consciente, mais determinada emais justa, num momento crucial de nossa história.

    Com este rico material — uma mostra da diversidade, do senso crítico e dacapacidade criativa da nação brasileira — poderemos editar e oferecer ao paísum volume com reflexões e contribuições consistentes sobre a tarefa essencialde superar as mais perversas injustiças e desigualdades nacionais e prepararnossa sociedade para os desafios da cultura e do conhecimento no novo milê-nio. A SBPC-2000 parte, claramente, da necessidade inadiável da retomadado desenvolvimento nacional com base no fomento e no avanço do fazercientífico e tecnológico no país inteiro. Todos os brasileiros estudiosos e inte-ressados em apresentar idéias e soluções estão convidados para a nossa ma-ratona. Esta deve ser e será uma obra coletiva.” (SBPC, via Internet)

  • 29

    Outubro 1999RReevviissttaa Adusp

    debatidas, têm que ser discutidas,e a gente não pode sair falando decoisas que não tem como equacio-nar. Não temos nenhuma bola decristal para saber os rumos da eco-nomia mundial. Na SBPC o quetemos feito é discutir, cada assuntoé discutido com o seu conselho.Como todo o universo humano émuito díspar, existem opiniões detodos os tipos, não é uniforme, nãohá coesão absoluta em todas asidéias, há uma discordância que éprópria do meio acadêmico tam-bém, então penso que vivemos ummomento muito, muito, muito difí-cil. A gente tem que buscar é queas cabeças pensantes do país pen-sem alternativas. Se o modelo queestá aí não é bom, se o modelo éruim porque prejudica socialmen-te, é isso que está se notando, nóstemos que encontrar alterações pa-ra o modelo econômico. E isso vaiexigir criatividade. Tentamos já fa-zer isso na Reunião Anual, convi-dando, fazendo mesas redondas esimpósios para debater alternati-vas de modelo econômico, alterna-tivas de política de ciência e tecno-logia. A política econômica norteiao resto. Deveria ser o social nor-teando a economia, mas não é as-sim, é o setor produtivo, a econo-mia que norteia. SUBSÍDIOS PARA A FORD

    Eu diria que isso tudo é muitoconfuso, muito complicado. Sai doRio Grande do Sul, vai para a Ba-hia, fecha São Paulo, quer dizer,uns negócios malucos. É um jogo

    de forças muito grande, que eunão tenho, não sou capaz de metera minha mão. Não, não, acho queisso é um jogo de forças, é um jogode queda de braços, que nós, en-quanto comunidade científica, nãotemos instrumentos para opinar, anão ser que houvesse dados paraanalisar e julgar. Quantos operá-rios vão ser demitidos aqui, querdizer, é preciso defender o empre-go aqui, e isso acho que o governode São Paulo vem fazendo bem.

    O país vive muito do dia a dia.Nós precisamos mudar isso, temosque ter políticas estratégicas delongo prazo, se quisermos sercompetitivos internacionalmente,está certo? Esse imediatismo éque mata. Em ciência e tecnologianão se faz nada correndo. O pro-jeto educacional americano é parao ano 2061. EDUCAR A POPULAÇÃO

    Essa é uma tarefa que nós te-mos que nos impor, educar a po-pulação. Isso compete à universi-dade, é ela que forma toda a redeeducacional. A gente sempre pro-cura achar que são os outros quetêm que fazer, mas somos nós quetemos que fazer, assumir nossa res-ponsabilidade social com a popula-ção brasileira, enquanto elite inte-lectual. Imagine que somos umaminoria, dentro de uma populaçãopobre, extremamente injustiçada,pisada. Então temos que fazer nos-sa autocrítica, nós somos responsá-veis. Voltar para a sociedade, paradar o retorno que ela espera.

    Enquanto não formos capazesde mobilizar a população toda, pa-ra considerar a educação, a ciênciae a tecnologia prioritárias, nós nãovamos conseguir mudar o panora-ma do orçamento. Por exemplo, otrabalho magnífico que está sendofeito em Ribeirão Preto, foi publi-cado no MIT, com a vacina e a te-rapia de DNA contra a tuberculo-se, é uma amostra de como, quan-do bem aplicado o recurso, comcriatividade, pode-se ter um retor-no imenso. É importante que sediga que o Brasil tem muitas con-tribuições importantes, e que agente não sabe.

    Então outra tarefa da comuni-dade é divulgar aquilo que faz, pa-ra que a sociedade saiba o que estásendo feito, aonde está indo o re-curso. O ataque à universidadedeve-se ao desconhecimento, tam-bém, e isso compete à universida-de combater. A Fapesp já tem umboletim, está divulgando, acho im-portantíssimo. A USP tem um tra-balho de extensão fantástico, aAdusp podia mostrar isso.

    Essa história de país grandecom recursos infinitos não existe.Nós somos pobres, temos que ra-cionalizar, analisar o custo-benefí-cio de todas essas coisas. Os re-cursos não são suficientes, sãopoucos. Temos que ter o máximode eficiência. Nós estamos comtudo em 10% do que deveria ser.Esta é que é a triste realidade. Te-ria que multiplicar tudo por dez.Só não sei como. RRA

    “Temos defendido que se deve dar às universidades autonomia responsável, ou seja,

    as universidades vão ter que prestar contas, porque o dinheiro é público”

  • 30

    Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    A AVALIAÇÃO DE CURSOUMA DIMENSÃO DA AVALIAÇÃO NA UNIVERSIDADE

    RRoommuuaallddoo PPoorrtteellaa ddee OOlliivveeiirraa ee SSaannddrraa MM.. ZZáákkiiaa LL.. SSoouussaaProfessores do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da FEUSP

  • 31

    Outubro 1999RReevviissttaa Adusp

    Algumas preliminares. Genera-lizou-se, nos últimos anos, a cons-ciência da necessidade de avalia-ção das instituições de ensino, emtodos os níveis. Diversas motiva-ções justificam-na, desde a melhorutilização de recursos financeiros,até a oportunidade para subsidiara tomada de decisões relativas àsdimensões administrativa e peda-gógica. Vislumbra-se, ainda, a ava-liação como um mecanismo de in-dução de melhorias, através da di-vulgação de seus resultados aosusuários (pais, alunos e comunida-de em geral), que ou pressiona-

    riam as escolas a aperfeiçoarem-seou buscariam escolas com melhordesempenho. (Cf. Castro, C. M.[1994], Educação Brasileira: Con-sertos e remendos. Rio de Janeiro,Rocco; Melo, G. N. [1993], Cida-dania e Competitividade: Desafioseducacionais do terceiro milênio.São Paulo, Cortez).

    Se a consciência da importân-cia da avaliação dos sistemas esco-lares e, particularmente, das esco-las generalizou-se, longe estamosde algum acordo acerca de “paraque avaliar” e “como avaliar”. Evi-dentemente, há uma articulação

    entre os motivos que levam à ava-liação e a forma como ela é reali-zada. A adoção de determinadosprocessos avaliativos sinaliza paraonde se quer direcionar a institui-ção, tendo, portanto, intrinseca-mente, a capacidade de induzirmodificações institucionais. Mes-mo que não se estivesse tratandode “prêmios” e/ou “punições” pa-ra os bem ou mal avaliados, o sim-ples fato de se realizar uma avalia-ção significa que se definiu uma si-tuação desejável.

    Ao se realizar determinadoprocesso avaliativo, espera-se, ex-

    Oque nos levou a encaminhar este artigo para publicação na RevistaAdusp é que, segundo entendemos, ele procura problematizar a te-mática da Avaliação na Universidade, hoje em evidência tanto in-terna quanto externamente à USP. Originalmente foi redigido paraestimular um debate na Faculdade de Educação, quanto ao Cursode Pedagogia, tendo em vista o particular momento institucional vi-

    vido por esta instituição, com a implantação do novo Currículo do Curso, com a elabo-ração do Projeto Acadêmico da FEUSP e, no âmbito da Universidade, com as iniciati-vas desencadeadas com vista à avaliação e ao aperfeiçoamento do ensino.

    Esboçamos algumas indagações que têm estado presentes no debate acerca da ava-liação da e na universidade, delineando a partir delas uma possibilidade para desenca-dearmos, professores e alunos, um processo de avaliação de curso. Para tal, levamosem consideração a experiência advinda da participação na Comissão Coordenadora doCurso de Pedagogia quando de sua implantação, em 1991, e as informações que temoscoletado como produto da pesquisa de acompanhamento da trajetória escolar e profis-sional dos alunos do Curso de Pedagogia, desenvolvida desde 1993.

  • plicitamente, verificar quão dis-tante se está da situação desejávele, a partir daí, definir elementospara modificar a situação em dire-ção ao padrão esperado, se neces-sário. Além disso, a avaliação po-de, também, possibilitar a emer-gência de propostas de redirecio-namento ou transformação dopróprio projeto institucional. Nãoé possível pensar-se a avaliaçãodissociada da idéia de modifica-ção institucional. Para isso, talvez,a mais importante questão sejacomo criar uma situação tal naqual todos os membros da institui-ção se engajem no processo detransformação.

    Transita-se, assim, entre dois“modelos”. De um lado, a avalia-ção interna, que teria maior capa-cidade de criar envolvimento, mascom o risco de reforçar “corpora-tivismos” de diversas ordens, po-dendo transformar-se em um ritualformal que não tem capacidade al-guma de induzir modificações; deoutro, a avaliação externa que, su-postamente neutra, teria condiçõesde apontar problemas que a ava-liação interna nem sempre tem anecessária isenção para fazer e,portanto, seria capaz de induzir àalteração da situação constatada.

    Se, por um lado, vem-se cons-truindo um consenso de que as ava-liações interna e externa cumprempapéis complementares, o que temresultado em projetos de avaliaçãoinstitucional que contemplam estasduas vertentes, por outro lado nãose tem um correspondente consen-so quanto aos critérios a serem uti-lizados para avaliação e sobre o usode seus resultados.

    Os critérios ou padrões podem,dentre outras distorções, gerarsimplificações de problemas com-plexos, através da utilização de in-dicadores com potencial de provo-car mudanças, mas não necessaria-mente induzir à situação desejada.Um exemplo disso é o método di-fundido nos últimos anos que tomacomo indicador da pesquisa ape-nas o número de publicações. Esteé um caso típico de uma respostasimplista a um problema comple-xo, fazendo com que o comporta-mento “induzido” não seja exata-mente o que se deseja.

    Dessa forma, o comportamentoesperado, “pesquisar” ou “pesquisarmais”, é substituído pela máximaamericana do publish or perish, queacaba induzindo a que se publique,independentemente da qualidadedesta publicação e de seu potencialpara provocar avanços no conheci-mento acerca do objeto tratado.

    O exemplo acima citado é ilus-trativo, pois há um reconhecimentode que publicação é um indicadorda produção de conhecimento nauniversidade; entretanto, não se po-

    32

    Outubro 1999 RReevviissttaa Adusp

    “O método que toma como indicador da pesquisa

    apenas o número de publicações é caso típico de

    resposta simplista a um problema complexo.

    O comportamento esperado, ‘pesquisar’ ou

    ‘pesquisar mais’, é substituído pela máxima

    americana do publish or perish, que acaba

    induzindo a que se publique, independentemente

    da qualidade desta publicação”

  • 33

    Outubro 1999RReevviissttaa Adusp

    de reduzir a avaliação da produçãode conhecimento à contagem do nú-mero de publicações. Mesmo a al-ternativa de número de citações dotrabalho em publicações da área,que procuraria verificar o impactodo conhecimento produzido, podeacarretar outros tipos de distorções.São conhecidos exemplos do núme-ro de citações que produções polê-micas de pesquisa geraram.

    Vale lembrar, parailustrar esta afirma-ção, a Curva de Bell(Hernstein, R. &Murray, C. [1994],The bell curve: inteli-gence and class struc-ture in American Life.New York, Free

    Press) que “mos-trava” a supe-

    rioridade inte-lectual dos bran-

    cos sobre os ne-gros, gerando inú-

    meras citações, emsua maioria, deplo-

    rando sua a-cientifi-cidade. Da mesmaforma, poderia haver a indução a“troca de citações”, algo não total-mente estranho nos meios acadê-micos que adotam este tipo de pro-cedimento avaliativo. Estas sãopossibilidades extremas às quaisrecorremos para ilustrar a fragili-dade dos critérios usualmente utili-zados para avaliação da pesquisana universidade.

    De qualquer forma, subsiste aquestão: que outros indicadores in-corporar a estes para se conseguiruma avaliação adequada a respeitoda qualidade e relevância do conhe-

    cimento produzido e seu impactosocial e científico? Freqüentemen-te, não se contempla, por exemplo,o conhecimento produzido na práti-ca profissional e social dos docen-tes. No caso dos educadores, valelembrar aqueles que assumem pos-tos na gestão dos sistemas de ensi-no, os quais exigem respostas e pro-postas concretas no exercício dessasfunções, representando, no nosso

    entender, um conhecimento produ-zido, porém não considerado pelosmecanismos usuais de avaliação.

    No que diz respeito ao uso dosresultados dos processos avaliati-vos, no âmbito da Universidade, re-gistra-se que estes têm, quandomuito, condicionado processos derecontratação de docentes, mastêm tido pouco efeito no sentido deuma mudança mais ampla e subs-tantiva da Instituição. Isto não querdizer que não produzam efeitosmais gerais, mas talvez não no sen-tido desejado. Tais processos têm, a

    nosso ver, levado à difusão e assi-milação de uma nova lógica de fun-cionamento da universidade e deorganização do trabalho em seu in-terior. Um exemplo simples refere-se à pouca relevância que se atribuiàs atividades didáticas nesses pro-cessos avaliativos, induzindo, senão explicitamente, mas de fato, aoreconhecimento institucional dadesimportância dessa atividade.

    A tentativa mais recen-te de incorporar este as-pecto à avaliação, na USP,os questionários de avalia-ção do desempenho didáti-co, preenchidos pelos alu-nos, novamente simplificaa complexa questão daavaliação do desempenhodidático, reduzindo-o àavaliação dos docentes porparte dos alunos. Este pro-cesso pode estimular o es-tabelecimento de um “pac-to” entre professores e alu-nos, via de regra, tendo co-mo “moeda” a nota. Seriainteressante correlacionar-se o resultado médio da

    avaliação por Unidade e os índicesmédios de reprovação por Unida-de ou professor, para se perceberpossíveis comportamentos que es-tejam sendo induzidos por esteprocesso avaliativo.

    Outro aspecto que se podemencionar é que são implementa-dos diferentes processos avaliati-vos, nem sempre complementarese integrados, tal como vem ocor-rendo na USP. A avaliação de De-partamento acaba enfocando o de-sempenho departamental comoum todo, induzindo respostas inte-

    “Os processos avaliativos, no âmbito

    da Universidade, têm levado à

    difusão e assimilação de uma nova

    lógica de funcionamento e de

    organização do trabalho. Um

    exemplo simples refere-se à pouca

    relevância que se atribui às

    atividades didáticas, induzindo, de

    fato, ao reconhecimento institucional

    da desimportância dessa atividade”

  • gradas e coletivas. Entretanto, aavaliação docente ainda é marca-damente individualizada.

    O que acaba por prevalecer é alógica de ação individual, favorecen-do uma fragilização dos vínculosinstitucionais, que se expressa nadesvalorização da participação nasinstâncias decisórias e de gestão dainstituição, como por exemplo ascomissões estatutárias eo conjunto de atividadesrelacionadas com o ensi-no, tornando a participa-ção uma atividade “espe-cializada” daqueles queporventura já não te-nham que prestar contasde sua produção.

    Esta tendência acabainviabilizando, na práti-ca, as tentativas de cons-trução e/ou fortaleci-mento de mecanismoscoletivos e democráticosde gestão. Além disso,indica um tratamentonão articulado entre osfins institucionais (ensi-no e pesquisa) e os meios (ativida-des administrativas), dicotomizan-do as instâncias administrativas dasde ensino e pesquisa, autonomizan-do a gestão em relação aos fins daUniversidade.

    Além de questionamentos e de-safios que emergem da discussãoda avaliação propriamente dita, háque se reconhecer que esta tem si-do sistematicamente associada, porparcelas da comunidade acadêmi-ca, a um mecanismo de operacio-nalização de uma lógica de redu-ção dos investimentos no setoreducacional, decorrente quer da

    percepção de desperdício de recur-sos públicos aí investidos, quer dapriorização de investimento emoutros níveis de ensino, em oposi-ção ao ensino superior.

    Nessa ótica, a temática da ava-liação tem sido equivocadamenterelacionada à perspectiva neolibe-ral, fazendo com que a negação aesta, automaticamente, signifique

    uma negação àquela. Entendemosque o desafio seja a construção demodelos de avaliação universitáriaque possibilitem o aumento da efi-ciência no uso de recursos na insti-tuição e a ampliação de seu papelsocial, e não sua redução comoquerem os neoliberais. Isto significadesenvolver metodologias de ava-liação que incorporem ao debate opapel social da Universidade, tantono que diz respeito ao público quea ela tem acesso, quanto ao destinoprofissional de seus egressos.

    Avaliação de Curso: elementospara discussão. As considerações

    que seguem têm como propósitoestimular o debate acerca de umasistemática de avaliação de curso,capaz de induzir a um processo deaperfeiçoamento institucional, in-corporando as preocupações acimaesboçadas. Estas devem ser enten-didas como provocação para umdebate coletivo, envolvendo pro-fessores e alunos, capaz de gerar

    uma proposta de avalia-ção do ensino que sejaincorporada ao funcio-namento cotidiano doscursos. Outras dimen-sões da avaliação institu-cional da universidade,como a avaliação da pro-dução de conhecimentoe de sua estrutura admi-nistrativa, não serãoabordadas aqui.

    Nesta direção, regis-tram-se diversas iniciati-vas que vêm sendo con-duzidas por universida-des brasileiras, particu-larmente após a institui-ç�