os cem melhores livros de não-ficção do século

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Os Cem Melhores Livros de Não-ficção do Século Folha de S. Paulo Mais! 11/04/99 O século de Max [JOÃO BATISTA NATALI] O mundo desencantado [VINICIUS MOTA] Os dez Mais! Conheça os outros 90 livros mais votados

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Os Cem Melhores Livros de Não-ficção do SéculoFolha de S. Paulo

Mais!11/04/99

O século de Max [JOÃO BATISTA NATALI]O mundo desencantado [VINICIUS MOTA]Os dez Mais! Conheça os outros 90 livros mais votados

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O século de MaxFolha de S. Paulo

11/04/99JOÃO BATISTA NATALIda Reportagem Local

A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, do sociólogo alemão Max Weber, é escolhido como o melhor livro de não-ficção do século

Por bem mais do que uma simples sutileza fonética, o século que poderia ter sido o de Marx acabou se tornando o de Max. Max Weber (1864-1920) lecionava na Universidade de Heidelberg e estava com 40 anos quando publicou A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.Não se tratava apenas de se contrapor ao peso determinante da economia na estruturação e funcionamento de um modelo social, conforme reivindicado pelo marxismo. Ao mobilizar sua imensa erudição para tentar explicar a significação cultural dos valores protestantes na geração do modelo capitalista de sociedade, Weber em verdade construiu uma complexa e magnífica máquina conceitual, sem a qual o moderno pensamento sociológico com certeza não teria nascido.Pois A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo foi escolhido como o mais importante escrito teórico publicado no século 20 por dez intelectuais convidados pela Folha para elaborar a lista dos cem melhores livros de não-ficção ou ensaios do século. Uma outra obra de Weber, Economia e Sociedade, ocupa a terceira colocação (leia os dez mais votados na pág. ao lado e os demais 90 escolhidos às págs. 5-6 e 5-7).A dupla eleição de Weber já daria uma coloração bastante germânica ao topo dessa lista de livros de não-ficção julgados fundamentais. Mas há outros autores que utilizaram a mesma língua, o alemão, nas dez primeiras colocações. O austríaco Ludwig Wittgenstein comparece com duas obras - Tractatus Logico-Philosophicus e Investigações Filosóficas. Há ainda o também Sigmund Freud (Mal-Estar na Civilização), o alemão Martin Heidegger (Ser e Tempo) e também Theodor Adorno e Max Horkheimer, co-autores de Dialética do Esclarecimento.Entre os dez primeiros colocados, apenas três têm outra origem lingüística: John Maynard Keynes, economista inglês e autor de Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda, e os antropólogos Marcel Mauss (Ensaio sobre a Dádiva), francês, e Claude Lévi-Strauss (Tristes Trópicos), francês de origem belga.Além de elaborarem a lista dos 30 textos teóricos estrangeiros mais importantes neste século, os dez intelectuais convidados pela Folha elegeram os 30 livros de não-ficção ou ensaios brasileiros mais importantes de todos os tempos (leia nas págs. 5-8 e 5-9).Participaram da escolha o crítico literário e escritor Modesto Carone, o antropólogo Roberto DaMatta, o físico Rogério Cézar de Cerqueira Leite, o economista Eduardo Giannetti, os historiadores Evaldo Cabral de Mello e Nicolau Sevcenko e os professores de filosofia Maria Sylvia Carvalho

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Franco, Olgária Matos, Bento Prado Jr. e Renato Janine Ribeiro (leia sobre os critérios de escolha nesta pág.).Um único trabalho brasileiro, Os Sertões, de Euclides da Cunha, aparece na lista dos cem mais importantes livros de não-ficção deste século.Sobre o fato de Max Weber ocupar a primeira e a terceira colocações, Maria Sylvia Carvalho Franco comenta: "Sua erudição deixa tudo ao redor dele muito empalidecido". Quanto à predominância de autores de língua alemã na relação final dos ensaios deste século, Nicolau Sevcenko diz que isso se deve, "com certeza", ao fato de a Alemanha e a Áustria terem funcionado como "caixa de ressonância, como laboratório de metabolização de idéias nascidas num século de grandes e traumáticos conflitos".Evaldo Cabral de Mello nota que "a função do tempo é decantar a moda". Autores que já foram objeto de forte modismo aparecem na lista do Mais! em posição secundária, como o alemão Herbert Marcuse, ou são ignorados, como o francês Louis Althusser.Há décadas atrás, o filósofo francês Michel Foucault afirmava que o século 20 seria também o século de Marx, de Freud e de Nietzsche - prognóstico que não se confirma, segundo a relação publicada neste caderno. Para Modesto Carone, "o "engano" de Foucault é um fato de atualidade, que não pode ser negado, pois ele próprio está hoje bastante esquecido". O crítico ressalta que "não se pode tirar nenhuma conclusão definitiva a partir dessa lista, porque ela reflete condições do momento histórico, como não poderia deixar de ser". Para Carone, no entanto, em geral, todos os autores citados na lista são de importância "para a formação de qualquer brasileiro culto". "É, como tal, ela deve ser levada em conta", diz.É bem verdade que Freud aparece duas vezes na relação dos 30 maiores ensaios, mas, para alguns dos intelectuais, a posição final (quarto lugar) alcançada pelo fundador da teoria psicanalítica não foi satisfatória. "Eu acredito que Freud deveria estar em primeiro lugar, mais como filósofo do que como criador da psicanálise", diz Bento Prado Jr. "Freud foi o autor do grande pensamento revolucionário", defende Cerqueira Leite. Os dois professores refletem uma das grandes certezas deste século: bem mais do que a teoria do inconsciente em sua dimensão clínica, deve-se a Freud um novo conceito de homem, sobre o qual muitos, mesmo quando vozes discordantes, foram obrigados a se posicionar.Quanto a Marx e Nietzsche, que realizaram toda sua obra no século 19, mas cuja influência atravessa todo este século, Olgária Matos afirma que ambos estão presentes nos efeitos diretos de seus conceitos em dezenas dos livros citados, sobretudo em Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer, que ocupa na lista a segunda posição. "Os que sumiram da lista foram os marxistas que transformaram o pensamento de Marx em estratégia política", diz ela. E entre esses "sumidos" há de Lênin a Mao Tse-tung e mais toda a burocracia dos partidos de esquerda que teorizou em causa própria."Dada a variedade do júri", diz Renato Janine Ribeiro, "é um resultado bastante razoável. Eu endossaria 80% da lista e acredito que os 20% restantes vieram de pessoas que acabaram por enriquecê-la".

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Eduardo Giannetti constata que as obras foram certamente escolhidas com base na formação intelectual de cada um, com base na corrente a que se pertence e ainda levando em conta o momento em que a escolha ocorreu. Para ele, é positivo esse potencial de diversidade. Com o que concorda Roberto DaMatta, para quem a lista é uma prova da heterogeneidade da "intelligentsia" brasileira.DaMatta crê, no entanto, prevalecer, no resultado final, o pensamento teórico da Universidade de São Paulo. Também para Cerqueira Leite, da Universidade Estadual de Campinas, o resultado é "mais para uspiano".Há, por fim, as lacunas e as divergências quanto à classificação final. Janine Ribeiro lamenta a ausência de obras do poeta e ensaísta mexicano Octavio Paz. Maria Sylvia diz o quanto é, a seu ver, importante, em razão da constante atualidade da questão do imperialismo, o pensamento de Rosa Luxemburgo, que ela indicou em quarto lugar, mas que só atingiu o 47º na apuração final. Bento Prado Jr. diz ser injusto o posicionamento relativamente secundário do filósofo francês Henri Bergson. Carone, por sua vez, colocaria Adorno na primeira posição na lista final, enquanto Cerqueira Leite lamenta que, por serem sobretudo pesquisadores na área das ciências humanas, os jurados não tenham dado importância maior a textos fundamentais das ciências exatas deste século - o mesmo que, afinal, descobriu a relatividade, criou a bomba atômica, levou o homem à Lua e realizou a clonagem de animais.

O mundo desencantadoFolha de S. Paulo11/04/99VINICIUS MOTAda Redação

O que um livro publicado em 1904, que trata basicamente de características de um movimento religioso pouco influente por aqui, o protestantismo - movimento de contestação dos dogmas e da organização da Igreja Católica, no século 16 -, vem fazer no topo de uma lista das "melhores obras de não-ficção do século" de um jornal brasileiro?Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber (Erfurt , Alemanha, 1864 - Mônaco, 1920) enxerga uma imbricação histórica que fez confluir uma prática religiosa ascética, a "ética protestante", e o que ele chamou de "espírito do capitalismo" - o impulso ao cálculo econômico minucioso, ao reinvestimento do lucro na empresa, à contenção dos desperdícios de toda forma etc.A racionalização, ou o "desencantamento do mundo" - outro traço marcante do pensamento de Weber - define o desenvolvimento histórico do Ocidente, no qual os meios mágicos extra-racionais foram dando lugar aos meios metódicos e calculados em todos os setores sociais. A racionalização atingiu também o domínio do Estado moderno, criando a dominação baseada em leis abstratas e efetivada por um

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corpo técnico-administrativo especializado, que Weber denomina burocracia. Esse "tipo ideal" de dominação política, denominado "racional-legal", é detidamente analisado no livro Economia e Sociedade, sua obra máxima, publicada em 1920, e em terceiro lugar na votação do Mais!.É dessa forma que o sociólogo pode falar de um processo de racionalização que ocorre também na esfera da religião. Aqui, a forma específica do fenômeno é o progressivo abandono do misticismo - experiência em que a divindade se mistura ao corpo do indivíduo - em favor de uma prática ascética que leva à separação definitiva entre homem e Deus. O autor alemão argumenta que esse processo é levado a cabo com o protestantismo europeu, mais especificamente com o calvinismo - menção ao reformador João Calvino (1509-1564).A doutrina calvinista alia a idéia de vocação formulada por Martinho Lutero (1483-1546) - o preceito pelo qual se transforma o trabalho terreno em via de salvação da alma - com a idéia de predestinação: antes do início dos tempos, Deus decidiu os que estão fadados à salvação e os que estão condenados à danação, não restando ao homem nenhuma alternativa de reversão "mágica" de sua sentença. Deus, para o puritanismo calvinista, não se comunica com os homens.A grande questão religiosa para os puritanos passa a ser, então, a de saber quais os sinais perceptíveis pelos quais se pode saber se uma alma está predestinada à salvação ou à perdição. O desenvolvimento do calvinismo veio a solucionar duplamente essa inquietação: em primeiro lugar, considerou que a perda da autoconfiança é sinal de falta de fé (característica dos condenados). Em segundo lugar, para alcançar a autoconfiança o calvinismo recomendava uma dedicação intensa e metódica a uma atividade profissional."A conduta moral do homem médio foi, assim, despojada de seu caráter não-planejado e assistemático, e sujeita, como um todo, a um método consistente", escreve Weber.Em tal sistema de crenças, o lucro foi entendido como frutificação do trabalho, sinal de predestinação à salvação, desde que não utilizado com usura, para satisfação de prazeres da carne, o que, na prática, resultou num estímulo para a reaplicação do excedente na produção. Tudo o que o trabalho - considerado fim em si mesmo, "vocacional" - gera é sinal de aprovação divina, que deve ser novamente aplicado ao ciclo de produção para gerar mais trabalho, mais lucro, mais sinais de graça.Nesse ponto a ética religiosa protestante, que fazia parte de todos os momentos da vida do crente, toca no "espírito do capitalismo", o impulso para a empresa racional, metódica e permanente, e pode ser entendida como sua causa, não a única, por certo.Voltando à pergunta do início do texto, é preciso dizer que o modelo capitalista - incentivado em seus primórdios pela ascese protestante - hoje subsiste despojado de fundo religioso. "O puritano queria se tornar um profissional, e todos tiveram que segui-lo", diz Weber.Segundo o sociólogo, o mundo que os protestantes ajudaram a criar tornou-se dominante.

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Os dez Mais!Folha de S. Paulo11/04/99

1º - A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1904) - Max Weber (1864-1920). Ed. Pioneira (R$ 26,20).Ensaio histórico-sociológico sobre a relação entre o conteúdo doutrinal do protestantismo e a economia capitalista: este último caracteriza-se por uma racionalidade específica, para a qual concorreu a noção de trabalho como vocação e ascese intramundana, gerada no calvinismo. Sem postular uma causalidade estrita, o autor demonstra haver uma afinidade entre ambos.

2º - Dialética do Esclarecimento (1947) - Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973). Jorge Zahar Editor (R$ 25,00).Publicado em Amsterdã (Holanda) logo após a Segunda Guerra, esse manifesto filosófico expõe o grande tema da Escola de Frankfurt: a imbricação entre progresso tecnológico-material e regressão social, razão iluminista e razão instrumental. Assinado pelos dois grandes nomes da escola, o livro traz, entretanto, a marca ensaística de Adorno, ao transitar de Homero a Sade, dos conceitos filosóficos à análise do nazismo.

3º - Economia e Sociedade (1921) - Max Weber. Ed. da Universidade de Brasília (R$ 32,00, 1º vol., o 2º vol. ainda não foi editado).Obra teórica inacabada, redigida entre 1911 e 1913 e publicada postumamente, na qual o autor sistematiza e define os conceitos fundamentais do que chama de "sociologia compreensiva", com destaque para a análise dos tipos de ação social e dos tipos de dominação, que exerceriam enorme influência nos desenvolvimentos posteriores da disciplina - mais recentemente, na "teoria da ação comunicativa" de Jürgen Habermas.

4º - O Mal-Estar na Civilização (1930) - Sigmund Freud (1856-1939). Imago (R$ 10,00).Neste que é, ao lado de O Futuro de uma Ilusão (1927), um dos grandes ensaios culturais da psicanálise, Freud aponta a incompatibilidade fundamental entre libido e moral civilizada como fonte incontornável do conflito entre indivíduo e sociedade no mundo moderno, bem como daquilo que, às vésperas do nazismo, chamou de "ódio à civilização".

5º - Ser e Tempo (1927) - Martin Heidegger (1889-1976). Ed. Vozes (R$ 44,18, 2 vols.).O antigo discípulo de Husserl empreende uma "analítica da existência humana": com a noção de existência, Heidegger espera superar o dualismo sujeito-objeto e a filosofia da consciência e faz da adesão pré-reflexiva ao mundo a questão central para o pensamento filosófico. Viria

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a ser acusado de irracionalismo, crítica que sua adesão ao nazismo só fez agravar.

6º - Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda (1936) - John Maynard Keynes (1883-1946). Ed. Atlas (R$ 32,00).Escrita nos anos da grande depressão que se seguiu à crise de 1929, a teoria geral keynesiana revolucionou o pensamento econômico ao propor, em divergência com o marginalismo e o liberalismo ortodoxos, uma série de políticas de prerrogativa governamental para a promoção do pleno emprego e do nível de renda, baseadas sobretudo nos gastos públicos e no controle dos investimentos. Políticas keynesianas dominaram o cenário econômico até a década de 70.

7º - Tractatus Logico-Philosophicus (1921) - Ludwig Wittgenstein (1889-1951). Edusp (R$ 15,00).Único trabalho filosófico publicado pelo ex-aluno de Bertrand Russel, em que se propõe um modelo de linguagem "pura", em que a estrutura das proposições seja homóloga à estrutura dos fatos representados por elas. Contribuições estritamente lógicas à parte, o livro suscitaria polêmica e pasmo até entre os que se sentiam filosoficamente mais próximos ao autor - de Russell ao "positivismo lógico".

8º - Tristes Trópicos (1955) - Claude Lévi-Strauss (1908). Companhia das Letras (R$ 33,00).Relato que integra memorialismo, narrativa de viagem, descrição etnográfica e ensaísmo cultural, acompanhando a conversão do autor à antropologia, consumada com suas pesquisas no Brasil Central. No capítulo final, "O Regresso", o horizonte se abre para questões mais amplas sobre a natureza do saber antropológico, o destino das civilizações e o lugar do homem na natureza.

9º - Investigações Filosóficas (1953) - Ludwig Wittgenstein. Ed. Vozes (R$ 30,46).Parte da imensa obra póstuma do autor, essas reflexões sobre lógica, linguagem e pensamento voltam as costas para o programa logicista do "Tractatus" e põem no centro da indagação filosófica o conceito de "jogos de linguagem": não cabe à filosofia determinar a essência da linguagem, mas sim examinar seus usos. Obra fundamental para as várias correntes da "filosofia analítica".

10º - Ensaio sobre a Dádiva (1924) - Marcel Mauss (1872-1950). Edições 70 (Portugal).Estudo sobre a obrigatoriedade de dar e retribuir presentes em algumas sociedades indígenas. Essa forma de troca é irredutível à esfera econômica, pois está inserida numa dimensão simbólica ampla, tornando-a um "fato social total", cujas regras de reciprocidade são anteriores a cada "contrato". A relevância geral que um fato isolado pode assim adquirir viria a inspirar a abordagem "microscópica" da história das mentalidades.

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Conheça os outros 90 livros mais votadosFolha de S. Paulo11/04/99

11º - O Visível e o Invisível (1964) - Maurice Merleau-Ponty (1908-1961). Perspectiva (R$ 17,00).Nessa obra inacabada e publicada postumamente, o filósofo francês estende suas investigações da "Fenomenologia da Percepção" em direção ontológica, investigando os modos pré-reflexivos de "adesão ao mundo".

12º - Introdução Geral à Psicanálise (1938) - Sigmund Freud (1856-1939).Fazendo eco às Conferências Introdutórias de 1916-1917, esse texto inacabado é uma tentativa de balanço das teorias psicanalíticas sobre os instintos, a sexualidade, a natureza do inconsciente, a interpretação dos sonhos e a técnica psicanalítica.

13º - O Processo Civilizador (1939) - Norbert Elias (1897-1990). Jorge Zahar Editor (R$ 54,00, 2 vols.).O autor traça uma evolução das regras de conduta (as boas maneiras) com o objetivo de analisar o processo pelo qual os indivíduos apreendem e internalizam essas regras. A esse processo de aprendizado do autocontrole está ligado o processo de formação dos Estados nacionais a partir do feudalismo.

14º - O Declínio da Idade Média (1919) - Johann Huizinga (1872-1945). Ed. Ulisseia (Portugal).O historiador holandês, uma espécie de homem renascentista em pleno século 20, dedicou sua maior obra às formas de vida e de arte na Flandres e na Burgúndia dos séculos 14 e 15. Ao tratar modos de devoção religiosa, monumentos artísticos e hábitos cotidianos com a mesma atenção e respeito, tornou-se um dos inspiradores da história das mentalidades de Marc Bloch e Lucien Febvre.

15º - História e Consciência de Classe (1923) - Georg Lukács (1885-1971). Ed. Elfos (Portugal).Principal obra do filósofo húngaro, deu novo impulso à filosofia marxista ao romper com o materialismo mecanicista e reavaliar a contribuição de Hegel à dialética. Nela estão elaboradas sua teoria da consciência de classe enquanto oposta à reificação - a "coisificação" do sujeito.

16º - Crítica da Razão Dialética (1960) - Jean-Paul Sartre (1905-1980). Em francês: "Critique de la Raison Dialectique" (Ed. Gallimard).Nessa tentativa de formulação de uma teoria materialista do sujeito, Sartre procurou conciliar conceitos oriundos do existencialismo, da psicanálise e do marxismo.

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17º - O Narrador (1936) - Walter Benjamin (1892-1940). Ensaio que consta do vol. 1 das "Obras Escolhidas", Ed. Brasiliense (R$ 19,80).Um dos maiores ensaios da crítica materialista. Benjamin liga a figura tradicional do narrador como contador de histórias e transmissor de tradições a um modo de produção artesanal e relaciona a ascensão do romance ao surgimento da moderna sociedade urbana e burguesa.

18º - O Ser e o Nada (1943) - Jean-Paul Sartre (1905-1980). Vozes (R$ 48,00).Na esteira de Heidegger, o filósofo e escritor francês, pai do existencialismo, desenvolve uma analítica da existência que visa afirmar a liberdade do "eu" como essência do humano.

19º - Massa e Poder (1960) - Elias Canetti (1905-1980). Companhia das Letras (R$ 29,50).Romancista, dramaturgo e memorialista, Canetti produziu nesse livro híbrido uma análise ampla do lugar das massas na história humana e especialmente nos totalitarismos modernos.

20º - Os Argonautas do Pacífico Ocidental (1922) - Bronislaw Malinowski (1884-1942). Em inglês, "Argonautas of the Western Pacific" (Waveland Press).Reconstrução da organização social dos nativos das ilhas Trobriand, na Oceania, a partir do regime de trocas intertribais, o "kula". O autor estabeleceu nesse livro o padrão da pesquisa antropológica moderna a partir da pesquisa de campo.

21º - A Condição Humana (1953) - Hannah Arendt (1906-1975). Forense Universitária (R$ 33,00).Um reexame da condição humana em suas três dimensões essenciais - o labor, o trabalho e a ação - a partir das experiências e temores do mundo moderno, dominado pelo conhecimento científico e técnico, que aparta o homem do mundo natural e vincula-o ao mundo dos artefatos humanos.

22º - Minima Moralia (1951) - Theodor Adorno. Ática (R$ 24,50).Obra-prima de Adorno, em que forma ensaística e conteúdo crítico tornam-se inextricáveis. Ao longo de 153 fragmentos, o autor pratica uma espécie de crônica filosófica da "vida degradada" na sociedade "administrada", no mundo contemporâneo dominado pela razão instrumental.

23º - A Grande Transformação (1944) - Karl Polanyi (1891-1976). Em inglês, "The Great Transformation" (Beacon Press).Livro dedicado à análise da formação da economia capitalista de mercado. A autonomização de uma esfera econômica, o mercado, contrapõe-se à indistinção existente nas sociedades "primitivas" entre instituições econômicas e sociais.

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24º - O Pensamento Selvagem (1962) - Claude Lévi-Strauss. Papirus (R$ 35,00).Exame de diversos sistemas classificatórios, do totemismo australiano à botânica, com o objetivo de negar o caráter pré-lógico do pensamento selvagem. Tanto o pensamento selvagem quanto a ciência seriam lógicos, diferindo apenas os operadores utilizados: objetos sensíveis e concretos, no primeiro caso, e noções abstratas, no segundo.

25º - Eupalinos ou o Arquiteto (1921) - Paul Valéry (1871-1945). Ed. 34 (R$ 18,00).Prefácio em forma dialogada: as sombras de Sócrates e Fedro discutem temas estéticos, e o filósofo grego lamenta ter abandonado suas inclinações artísticas em nome da abstração filosófica.

26º - A Vista de Lugar Nenhum (1986) - Thomas Nagel (1937). Em inglês, "The View from Nowhere" (Oxford University Press).Em sua obra mais ambiciosa, o filósofo americano examina a oposição sujeito-objeto em vários âmbitos - da teoria do conhecimento à ética e à morte.

27º - O Pensamento e o Movente (1934) - Henri Bergson (1859-1941). Em francês, "La Pensée et le Mouvant" (PUF).Reunião de conferências e ensaios desse que é um dos principais filósofos europeus do século. Entre eles, "Introdução à Metafísica", considerado uma importante síntese de seu pensamento.

28º - Eros e Civilização (1955) - Herbert Marcuse (1898-1979). Ed. LTC (R$ 21,10).Em sua versão pessoal de um humanismo libidinal, o filósofo alemão, logo adotado pela contracultura dos anos 60, procura refutar as conclusões pessimistas de Freud em O Mal-Estar na Civilização sem abandonar as intuições psicanalíticas básicas.

29º - As Origens do Totalitarismo (1951) - Hannah Arendt (1906-1975). Companhia das Letras (R$ 35,50).Escrito sob o impacto do nazismo e do stalinismo, este ensaio examina a gênese e a particularidade do fenômeno totalitário, nova forma de dominação baseada no terror e na massificação, cujas possibilidades de surgimento foram dadas pelo anti-semitismo e pelo imperialismo.

30º - As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912) - Émile Durkheim (1858-1917). Martins Fontes (R$ 24,50), Paulus (R$ 23,70).Teoria sociológica do fenômeno religioso elaborada a partir da análise de sua forma supostamente mais simples, o totemismo australiano. A essência de todas as religiões não está no conteúdo de suas crenças, mas na dualidade entre profano e sagrado - este último igualmente derivado da sociedade.

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31º - A Crise das Ciências Européias e a Fenomenologia Transcendental (1954) - Edmund Husserl (1859-1938). Em inglês, "Crisis of European Sciences" (Northwestern University Press).Obra publicada postumamente e que ficou inacabada, representa o testamento intelectual de um dos pais da chamada fenomenologia.

32º - Origem do Drama Barroco Alemão (1928) - Walter Benjamin (1892-1940). Em inglês, "The Origin of German Tragic Drama" (Verso Books).Tese de doutorado do grande crítico e inspirador da Escola de Frankfurt, o livro recupera o drama barroco alemão a partir de preocupações estéticas eminentemente modernas, como a ruína e a alegoria.

33º - Mimesis (1946) - Erich Auerbach (1892-1957). Perspectiva (R$ 40,00).Escrito no exílio em Istambul (Turquia), esse é provavelmente o maior livro de história literária do século. Auerbach examina a história da literatura ocidental, de Homero a Virginia Woolf, a partir dos conceitos de "mistura de estilos" e "representação séria da vida cotidiana".

34º - Iluminações (1955) - Walter Benjamin. Em inglês, "Iluminations" (Schoken Books).Coleção de ensaios responsável pela difusão pós-guerra do crítico e filósofo alemão. Reúne os textos de crítica sobre Goethe, Leskov, Proust, Baudelaire e Kraus, o grande ensaio estético sobre A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica e seu texto filosófico mais importante: as teses Sobre o Conceito de História, redigidas pouco antes de sua morte em 1940.

35º - A Invenção da Liberdade (1976) - Jean Starobinski (1920). Ed. da Unesp (R$ 75,00).Ensaio de reavaliação das artes plásticas no século 18 que procura afastar o preconceito moderno diante do rococó e do classicismo.

36º - Vontade de Potência - Friedrich Nietzsche (1844-1900). Em inglês, "The Will to Power" (Random House).Conjunto de aforismos e reflexões reunidos e adulterados por Elisabeth Nietzsche após a morte do irmão, visando torná-lo apologista da superioridade germânica sobre a civilização européia decadente; viria a ser aproveitado como peça de propaganda nazista.

37º - Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico (1944) - John von Neumann e Oscar Morgenstern. Em inglês, "Theory of Games and Economic Behavior" (Princeton University Press).Depois de fazer contribuições fundamentais à matemática, à física e à ciência da computação, o húngaro Neumann tenta uma síntese de matemática, teoria dos jogos, cibernética e economia.

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38º - Ensaio sobre Algumas Formas Primitivas de Classificação (1901) - Émile Durkheim (1858-1917) e Marcel Mauss (1872-1950). Ensaio que consta do livro Sociologia e Filosofia, Ed. Ícone (R$ 15,00).Tio (Durkheim) e sobrinho (Mauss) reúnem forças nesse exame conjunto da organização social e do totemismo australianos, que revela que os sistemas de classificação e entendimento do mundo natural dependem das relações sociais subjacentes - o que vale também para as classificações científicas ocidentais.

39º - Relatividade - As Teorias Restrita e Geral - Albert Einstein (1879-1955). Em inglês, "Relativity: The Special and the General Theory" (Outlet ed.).O físico expõe em termos científicos e filosóficos suas divergências com o universo mecânico da física newtoniana.

40º - O Homem e o Mundo Natural (1983) - Keith Thomas (1933). Companhia das Letras (R$ 29,00).Obra historiográfica inovadora quanto ao tema - as mudanças no modo de conceber as relações entre mundo natural e sociedade humana - e quanto ao método - Thomas vai de obras filosóficas a tratados de jardinagem. Obra importante da história das mentalidades.

41º - Fenomenologia da Consciência Interna do Tempo (1928) - Edmund Husserl (1859-1938). Em inglês, "On the Phenomenology of Consciousness of Internal Time" (Kluwer Press).Husserl examina de um ponto de vista fenomenológico a constituição da identidade subjetiva a partir do fluxo de percepções sensíveis e da experiência interna do tempo.

42º - Verdade e Método (1960) - H. G. Gadamer (1900). Vozes (R$ 59,00).Discípulo de Heidegger, esse filósofo alemão parte da "analítica do ser" de seu mestre para promover o primado da hermenêutica, da compreensão intersubjetiva sobre o ideal de um método científico puro. Sua influência vai de Jürgen Habermas aos estudos literários.

43º - A Ordem a Partir do Caos (1977) - Ilya Prigogine e Isabelle Stengers. Em inglês, "Order out of Chaos" (Bantham Books).Prigogine, Nobel de Química em 77, e Stengers examinam os conceitos de caos e tempo à luz de novas descobertas científicas, partindo daí para a rejeição do determinismo de raiz newtoniana.

44º - Mitológicas (1964-1973) - Claude Lévi-Strauss (1908). Em francês, "Mythologiques" (Plon).Conjunto de quatro volumes dedicados à interpretação da mitologia dos indígenas das Américas do Sul e do Norte de um ponto de vista estruturalista: os mitos não devem ser examinados isoladamente, mas relacionados dentro de um grupo e interpretados a partir de outros mitos e do contexto de origem.

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45º - Manuscritos Econômico-Filosóficos (1932) - Karl Marx (1818-1893). Edições 70 (Portugal).Redigidos por volta de 1844, esses manuscritos inacabados só vieram à luz neste século, quando se tornaram uma das fontes de inspiração para uma leitura humanista do marxismo.

46º - A Genética e a Origem das Espécies (1937) - Theodosius Dobzhansky (1900-1975). Em inglês, "Genetics and the Origin of Species" (Columbia University Press).Ao lado de Morgan e Fisher, o autor é um dos pais da síntese evolucionista moderna: a arquitetura básica da teoria darwinista é complementada pelas descobertas da genética, capaz de dar conteúdo empírico preciso à idéia de mutação.

47º - A Acumulação do Capital (1913) - Rosa Luxemburgo (1870-1919). Em inglês, "Accumulation of Capital" (Books on Demand).A acumulação do capital requer o estímulo de uma demanda adicional, representada pelo "mercado externo" em áreas não-capitalistas, ou seja: forja a necessidade de um comércio mundial e estimula a expansão imperialista.

48º - Individualismo e Ordem Econômica (1948) - F. A. Hayek (1899-1992). Em inglês, "Individualism and Economic Order" (University of Chicago Press).Reunião de ensaios de filosofia moral, teoria econômica e metodologia que convergem para uma só questão: a superioridade do mercado livre em relação ao planejamento a partir da utilização do conhecimento tácito dos indivíduos no aprimoramento da economia. Lança as bases do neoliberalismo.

49º - A Estrutura das Revoluções Científicas (1962) - Thomas Kuhn (1922-1996). Perspectiva (R$ 25,00).O físico e historiador americano rejeita a noção de progresso linear da ciência e propõe um modelo de história das ciências baseado na sucessão de "paradigmas" não inteiramente comensuráveis.

50º - Estética da Recepção (1964) - Hans Robert Jauss (1921-1997). Em inglês, "Toward an Aesthetic of Reception" (University of Minesota Press).Jauss e Wolfgang Iser são os dois grandes nomes dessa escola crítico-estética do pós-guerra alemão que desenvolveu uma noção dinâmica do leitor, ouvinte ou espectador como fator essencial à constituição da obra de arte.

51º - A Ciência e a Hipótese (1902) - Jules-Henri Poincaré (1854-1912). Em francês, "La Science et l'Hypothèse" (Flammarion).O matemático e físico francês expõe sua visão convencionalista da ciência: teorias científicas são modos convencionais de organizar o mundo sensível e devem ser julgadas a partir de critérios de economia e simplicidade - e não de verdade última.

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52º - Apresentação de "Parade" (1913) - Guillaume Apollinaire (1880-1918).Apollinaire é o primeiro grande nome das vanguardas literárias da virada do século; próximo dos cubistas e inspirador do surrealismo, ele faz aqui uma defesa das novas formas de arte, não-representativas e não-lineares.

53º - O Ramo de Ouro (1906-1915) - James George Frazer (1854-1941). Ed. LTC (R$ 40,40).Clássico da antropologia inglesa, cuja influência chegou à literatura; trata-se de um compêndio de crenças mágicas mundiais. Frazer introduziu as noções de tabu, contágio e magia simpática.

54º - O Segundo Sexo (1949) - Simone de Beauvoir (1908-86). Nova Fronteira (2 vols., R$ 59,00).Manifesto pioneiro do feminismo, no qual a autora propõe novas bases para o relacionamento entre mulheres e homens, fundadas na "estrutura ontológica comum" a ambos.

55º - Liberalismo e Democracia - N. Bobbio (1909). Brasiliense (R$ 8,30).Apanhado das relações históricas entre liberalismo e democracia. O autor ocupa-se sobretudo com as lutas pelo direito ao voto na passagem do Estado liberal censitário às democracias modernas.

56º - Descartes segundo a Ordem das Razões - Martial Guéroult. Em francês, "Descartes selon l'Ordre des Raisons" (Aubien).Ensaio e manifesto da "explicação de texto" aplicada à filosofia: o professor francês suspende seus juízos próprios para dedicar-se a uma leitura interna e minuciosa das "Meditações Metafísicas" de Descartes.

57º - A Sociedade do Espetáculo (1967) - Guy Debord (1931-1994). Contraponto (R$ 27,00).Crítica aos rumos da democracia capitalista, convertida em consumo contínuo de imagens, ditado pelo império da mídia, e cujo resultado é a perpetuação do presente e a aniquilação da personalidade individual. Livro característico do movimento de Maio de 1968.

58º - Principia Mathematica (1910-1913) - Bertrand Russell (1872-1970) e Alfred Whitehead (1861-1947). Em inglês, com o mesmo título (Cambridge University Press).Obra maior do programa logicista, que tentava reduzir os teoremas básicos da matemática a teoremas da lógica; para tanto, os dois autores ingleses desenvolveram boa parte da notação e do instrumental algébrico da lógica moderna.

59º - Os Reis Taumaturgos (1924) - Marc Bloch (1886-1944). Companhia das Letras (R$ 32,00).Obra fundamental da escola historiográfica francesa reunida em torno da revista "Annales". Bloch esclarece o poder curativo atribuído aos reis

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franceses e ingleses, recorrendo a diversas fontes e disciplinas, numa abordagem que inspiraria toda a história das mentalidades.

60º - Giordano Bruno e a Tradição Hermética (1964) - Frances Yates. Cultrix (R$ 34,00).Ensaio clássico de história das idéias; a autora examina as origens intelectuais do herege italiano nas tradições filosóficas e ocultistas do Renascimento.

61º - Estudos de Estilo (1970) - Leo Spitzer. Em francês, "Études de Style" (Gallimard).Grande nome da estilística, Spitzer quer desvendar a estrutura e o sentido da obra literária a partir do exame minucioso de seu tecido verbal em seus níveis mais básicos. Alguns destes ensaios trazem a marca das leituras freudianas do autor.

62º - Construir, Habitar, Pensar - Martin Heidegger. Em francês, no volume "Essais et Conférences" (Gallimard).Reunião de ensaios tardios do filósofo, que dão testemunho da radicalização do programa filosófico de Ser e Tempo e de seu envolvimento crescente com a poesia lírica, em especial a de Hölderlin.

63º - A Obra de François Rabelais e a Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento (1965) - Mikhail Bakhtin (1895-1975). Ed. da UnB (R$ 35,00).O crítico russo, autor de ensaios sobre Dostoiévski e a poética do romance, parte da obra de Rabelais para estudar a cultura popular medieval por meio de conceitos como paródia e carnavalização.

64º - Um Universo Pluralístico (1909) - William James (1842-1910). Em inglês, "A Pluralistic Universe" (University of Nebraska Press).Série de conferências do psicólogo e filósofo pragmatista norte-americano: James sustenta que a variabilidade da experiência humana é irredutível e que, portanto, devemos aprender a viver num universo plural, onde fatos e valores são sempre sujeitos a revisão.

65º - Psicanálise dos Tempos Neuróticos - Sigmund Freud. Edimax.Coletânea de textos em que Freud analisa o sentido da guerra, como em "Desilusão da Guerra" e "Introdução aos Estudos das Neuroses de Guerra".

66º - O Mediterrâneo (1949) - Fernand Braudel (1902-1985). Ed. Dom Quixote (Portugal).Mural da Europa mediterrânea durante a segunda metade do século 16, estruturado em três níveis de ritmo histórico: o das relações entre o homem e o meio; o das estruturas sociais; e o nível dos acontecimentos singulares.

67º - Homo Hierarquicus (1967) - Louis Dumont. Edusp (R$ 25,00).

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A partir do estudo do sistema de castas na Índia antiga, o autor constrói um modelo de hierarquia diverso da idéia de superposição valorativa de ordens: a relação hierárquica entre um conjunto e um de seus elementos é definida como "englobamento do contrário".

68º - Oportunidade, Amor e Lógica (1923) - Charles Sanders Peirce (1839-1914). Em inglês, "Chance, Love and Logic - Philosophical Essays" (University of Nebraska Press).Antologia de ensaios do filósofo cuja reflexão é uma das mais completas nos Estados Unidos, abarcando diferentes questões que ocuparam o pensamento norte-americano neste século, como o pragmatismo, o empirismo lógico e a filosofia da linguagem.

69º - A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945) - Karl Popper (1902-1994). Itatiaia (R$ 35,00).Incursão do filósofo da ciência no terreno político, com uma defesa dos valores liberais, ameaçados pelos teóricos da "sociedade fechada", isto é, do autoritarismo e do totalitarismo, identificados em Platão, Hegel e Marx.

70º - Física Atômica e Conheciment (...)

71º - (...) lência da civilização burguesa. Influenciado por Hegel, Lukács por sua vez influenciaria autores como Adorno, Benjamin e Goldmann.

72º - Os Sertões (1902) - Euclides da Cunha (1866-1909).Leia resumo na pág. 5-9. O livro foi também escolhido como um dos 30 melhores de não-ficção brasileiros.

73º - Montaillou (1975) - Emmanuel Le Roy Ladurie. Companhia das Letras (R$ 38,50).A partir da documentação de um processo de heresia em 1320, o historiador francês reconstrói integralmente a vida numa vila do sudoeste francês no começo do século 14. Um marco da história antropológica.

74º - Manifestos do Surrealismo - André Breton (1896-1966). Ed. Salamandra (Portugal).Nessa série de panfletos programáticos, Breton apresenta as palavras de ordem centrais do movimento, como a noção de escrita automática, a recusa da lírica confessional, o flerte com o "nonsense"; ao mesmo tempo, começa sua reflexão sobre o papel do poeta na política.

75º - Estética (1902) - Benedetto Croce (1866-1952). Em francês, "Essais d'Esthétique" (Gallimard).O filósofo e homem público italiano inspira-se em Hegel para propor uma doutrina estética em que os conceitos de intuição e expressão têm lugar de honra enquanto "formas não-conceituais" de conhecimento.

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76º - Arqueologia do Saber (1969) - Michel Foucault (1926-1984). Forense Universitária (R$ 27,00).Nesse ensaio de história das ciências e epistemologia, com forte marca nietzschiana, o pensador francês introduz a noção de "formação discursiva" para analisar a imbricação de conhecimento e poder no Ocidente. A obra inspirou todo o pensamento francês da década seguinte.

77º - Vigiar e Punir (1975) - Michel Foucault. Vozes (R$ 20,00).Análise das origens da prisão moderna e das práticas disciplinares associadas a ela. O interesse do autor é revelar a abrangência e o funcionamento desse poder difuso, diverso em seu "modus operandi" do poder estatal.

78º - Problemas da Poética de Dostoiévski (1963) - Mikhail Bakhtin. Forense Universitária (R$ 27,00).A fim de capturar os traços distintivos dos grandes romances de Dostoiévski, Bakhtin introduz a noção capital de "romance polifônico" - aquele em que não há narrador ou personagem encarregado de explicitar o sentido ou a "moral" da trama.

79º - Outras Inquisições (1952) - Jorge Luis Borges (1899-1986). Em espanhol, "Otras Inquisiciones" (Alianza Editorial).Coleção de ensaios que pode ser vista como a contrapartida ensaística dos contos de "Ficções"; ao longo de textos sobre os temas mais díspares, o escritor argentino desenvolve suas idéias sobre o conto, a literatura fantástica, o tempo e os labirintos.

80º - Ritos de Passagem (1909) - Arnold van Gennep (1873-1957). Em inglês, "The Rites of Passage" (University of Chicago Press).Análise dos ritos que marcam o momento de transição, social e culturalmente definido, de um indivíduo ou grupo de um estado para outro. A elaboração dos ritos varia de acordo com a sociedade, mas sua estrutura envolve sempre três fases: separação, latência e agregação.

81º - Ideologia e Utopia (1929) - Karl Manheim (1893-1947). Guanabara-Koogan (R$ 28,10).Livro dedicado à sociologia do conhecimento, que propõe critérios próprios para a análise dos discursos utópicos (projeção de um ideal de sociedade) e ideológico (idealização do presente), de modo a fornecer novos valores e interpretações do mundo em momentos de crise.

82º - A Estrutura da Ação Social (1937) - Talcott Parsons (1902-1979). Em inglês, "The Structure of Social Action" (Free Press).Clássico da teoria sociológica que parte de uma fina análise da obra de Weber, Durkheim, Pareto e Marshall para propor uma "teoria geral da ação", modelo analítico que sintetiza o conhecimento sociológico acumulado sobre o tema.

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83º - O Estado da Produção e o Estado das Artes Industriais (1914) - Thorstein Veblen (1857-1929). Em inglês, "The Instinct of Workmanship and the State of the Industrial Arts" (Transaction Pub.).Depois de sua polêmica "Teoria da Classe Ociosa", o dublê de economista e sociólogo põe-se a refletir sobre o futuro da inovação técnica no capitalismo monopolista.

84º - O Teatro e Seu Duplo (1938) - Antonin Artaud (1896-1948). Martins Fontes (R$ 15,50).Ensaios de crítica ao "teatro psicológico" tradicional, em nome de um "teatro da crueldade", capaz de lidar com matérias míticas a fim de trazer à tona as forças inconscientes que ligam o homem ao cosmo.

85º - O Existencialismo É um Humanismo (1946) - Jean-Paul Sartre. Em francês, "L'Existencialisme Est un Humanisme" (Gallimard).Escrito logo após a guerra, esse manifesto procura defender o existencialismo da crítica de anti-humanismo que lhe dirigiam autores cristãos e marxistas. Tornou-se uma espécie de cartilha daquela corrente filosófica.

86º - Linguística e História Literária (1955) - Leo Spitzer (1887-1960). Em espanhol, "Linguistica e Historia Literaria" (Ed. Gredos).Coleção de ensaios de análise literária em que Spitzer faz a apologia da estilística: a interpretação da obra literária não pode prescindir da análise cuidadosa de suas texturas verbais mais básicas - sob pena de desconsiderar justamente o caráter literário da obra.

87º - Idéias sobre uma Fenomenologia (1913) - Edmund Husserl (1859-1938). Em Portugal, "A Idéia da Fenomenologia" (Ed. 70).Autocrítica em que o autor alemão procura livrar-se do lastro kantiano: a fenomenologia deve livrar-se da distinção entre fenômeno e coisa-em-si.

88º - A Filosofia das Formas Simbólicas (1923-1929) - Ernst Cassirer (1859-1938). Em francês, "La Philosophie des Formes Symboliques" (Minuit).Filósofo e historiador da filosofia, Cassirer alarga seu horizonte para propor uma filosofia da cultura humana a partir dos tipos de simbolismo que definem suas três grandes fases: o mito, a linguagem, a ciência matemática.

89º - Palavra e Objeto (1960) - Willard Quine (1908). Em inglês, "Word and Object" (MIT Press).Fortemente influenciado pelo pragmatismo, o lógico norte-americano propõe uma teoria radical da linguagem e da ciência: negando a "pureza" dos enunciados lógico-matemáticos, Quine sugere que todo o conhecimento humano está sujeito à revisão da experiência.

90º - O Mito de Sísifo (1942) - Albert Camus (1913-1960). Guanabara-Koogan (R$ 16,90).

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Ensaio filosófico mais importante do romancista de "O Estrangeiro". A indiferença do mundo aos desejos e aspirações humanas faz nascer a experiência do absurdo, diante da qual a revolta se impõe como único ato genuinamente humano.

91º - O Gene Egoísta (1976) - Richard Dawkins (1941). Itatiaia (R$ 15,80).O biólogo reformula o darwinismo ao sustentar que não é o indivíduo, mas o gene, como unidade hereditária auto-suficiente e auto-replicativa, que constitui o verdadeiro "alvo" da seleção natural.

92º - Literatura Européia e Idade Média Latina (1948) - Ernst Robert Curtius (1886-1956). Edusp (R$ 60,00).Nesse ensaio monumental, que suscitou as críticas de Spitzer e Auerbach, Curtius mobiliza enorme quantidade de material para traçar a continuidade da tradição literária européia da Antiguidade ao século 19 por meio do rastreamento de "lugares-comuns" persistentes.

93º - A Sociedade Feudal (1940) - Marc Bloch (1886-1944). Ed. 70 (Portugal).Última grande obra do historiador francês, que morreria nas mãos dos nazistas em 1944; Bloch analisa a formação da sociedade feudal européia a partir do fim do mundo antigo, num ensaio de história de "longa duração".

94º - Fala, Memória (1951) - Vladimir Nabokov (1899-1977). Em inglês, "Speak, Memory" (Everyman's Library).Peças autobiográficas soltas em que o escritor rememora sua infância na Rússia imperial e a experiência do exílio, com o lirismo e a verve que se conhece de "Lolita" e "Fogo Fátuo", dois de seus principais romances.

95º - O Ouriço e a Raposa (1953) - Isaiah Berlin (1909-1997). Em inglês, "The Hedgehog and the Fox" (Ivan R. Dee, Inc.).O ensaísta britânico de origem russa, autor de "Quatro Ensaios sobre a Liberdade", une crítica literária e história das idéias para traçar o perfil dos dois grandes nomes do romance russo oitocentista: Tolstói (a "raposa") e Dostoiévski (o "ouriço").

96º - Mitologias (1959) - Roland Barthes (1915-1980). Bertrand Brasil (R$ 21,50).Primeira obra de impacto do crítico francês, que reformula a noção de ideologia por um viés semiótico para analisar momentos e imagens da vida cotidiana. Ao longo dos anos 60, com a ascensão do estruturalismo, Barthes viria a se distanciar do estilo e da liberdade desses ensaios.

97º - Metafísica, Materialismo e Evolução da Mente - Charles Darwin (1809-1882). Em inglês, "Metaphysics, Materialism and Evolution of Mind" (Britton Booksellers).

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Coletânea de escritos, publicados neste século, do formulador da teoria da evolução das espécies.

98º - Gramática da Política (1925) - Harold Laski (1893-1950). Em inglês, "A Grammar of Politics" (London, Allen and Unwin).Reunião de ensaios em que, a partir do ideário liberal, propõe-se um programa de reformas políticas e sociais para se chegar a uma sociedade baseada na justiça e no pluralismo.

99º - Estrutura da Lírica Moderna - Hugo Friedrich. Duas Cidades (R$ 18,90).Outro grande nome dos estudos literários na Alemanha, ao lado de Auerbach, Curtius e Spitzer; o livro oferece um quadro sinóptico das transformações da lírica entre o final do século 19 e a primeira metade do século 20.

100º - Diferença e Repetição (1968) - Gilles Deleuze (1925-1995). Paz e Terra (R$ 32,50).Representante típico do grupo de pensadores que emerge com Maio de 68, Deleuze inspira-se em Nietzsche para praticar uma espécie de anarquismo filosófico; nesse livro, vale-se da noção de uma "diferença" irredutível para criticar as pretensões.

Entre a ficção e o real Alguns autores que figuram na lista das cem maiores obras de não-ficção do século são tão ou mais conhecidos pela seus trabalhos literários. É o caso de Albert Camus, que tem seu O Mito de Sísifo classificado em 90º lugar, e Vladimir Nabokov, cujo Fala, Memória está na 94ª posição. Ambos os autores aparecem na lista dos cem melhores romances do século, publicada pelo Mais! no último dia 3 de janeiro - Camus, com O Estrangeiro e A Peste, e Nabokov, com Lolita e Fogo Pálido.

Latino-americanos são doisApenas dois escritores latino-americanos entraram na lista dos cem melhores livros de não-ficção do século: o brasileiro Euclides da Cunha, com Os Sertões (72º), e o argentino Jorge Luis Borges, com Outras Inquisições (79º). Borges é mais conhecido por sua obra ficcional e o livro de Euclides é também um dos monumentos da literatura brasileira.

Sartre e BeauvoirA pensadora e escritora Simone de Beauvoir é uma das cinco mulheres que comparecem na lista das obras mais importantes deste século, com O Segundo Sexo (em 54º). As outras mulheres citadas são Hannah Arendt, Rosa Luxemburgo, Frances Yates e Isabelle Stengers. O filósofo Jean-Paul Sartre, companheiro de Beauvoir e que formou com ela um dos casais intelectuais mais célebres do século, é um dos autores mais citados da lista, com três livros (Crítica da Razão Dialética, O Ser e o Nada e O Existencialismo É um Humanismo). Com o mesmo número de

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citações, comparecem Sigmund Freud, Claude Lévi-Strauss, Walter Benjamin e Edmund Husserl.