a ficÇÃo cientÍfica

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A FICÇÃO CIENTÍFICA, IMAGINÁRIO DO SÉCULO XX Uma introdução ao gênero Ciro Flamarion Cardoso Este livro é dedicado a meus ex-alunos Edgard Leite Ferreira Neto, Daniel da Cunha Baptista e João Daniel Lima de Almeida, cada um deles simbolizando uma das turmas a que lecionei disciplinas relativas à ficção científica na Universidade Federal Fluminense. 1998

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Page 1: A FICÇÃO CIENTÍFICA

A FICÇÃO CIENTÍFICA, IMAGINÁRIO

DO SÉCULO XX

Uma introdução ao gênero

Ciro Flamarion Cardoso

Este livro é dedicado a meus ex-alunos

Edgard Leite Ferreira Neto, Daniel da

Cunha Baptista e João Daniel Lima de

Almeida, cada um deles simbolizando

uma das turmas a que lecionei disciplinas

relativas à ficção científica na

Universidade Federal Fluminense.

1998

Page 2: A FICÇÃO CIENTÍFICA

2

ÍNDICE:

Página:

Preâmbulo 3

I. Definições da ficção científica 5

II. História sumária da literatura de ficção científica 13

1. A proto-ficção científica 13

2. Um período fundador: do começo da carreira de Júlio Verne

àquele da de H. G. Wells (1862-1901) 14

3. O início do século XX (1901-1926): a ficção científica nos

veículos da cultura literária popular 17

4. Da autoconsciência à “idade de ouro” (1926-1946) 18

5. O boom editorial e o início das incertezas (1946-1968) 20

6. New wave (1968-1982) 24

7. Cyberpunk (1982-?) 26

III. Outros domínios da ficção científica 29

1. História em quadrinhos 29

2. Cinema 34

3. Rádio 41

4. Televisão 43

IV. Alguns temas da ficção científica 47

1. Em busca de um contexto 47

2. Utopias e distopias 52

3. Antecipação; passados e futuros alternativos 59

4. Inteligências artificiais 64

5. Outros mundos, outros seres 73

V. A ficção científica no Brasil 83

Conclusão 87

Bibliografia básica 89

Page 3: A FICÇÃO CIENTÍFICA

3

Preâmbulo

Este texto tem duas origens diferentes.

A primeira remonta a 1951, quando, aos nove anos de idade, comecei a ir ao

cinema sozinho e interessei-me pelos filmes de ficção científica. Para minha sorte, a

década de 1950 coincidiu com o primeiro boom cinematográfico desse gênero, pelo

qual eu sempre encontrava uma oferta razoável de filmes ao longo dos meses e anos

daquela década - e das seguintes, já que minha ligação com a ficção científica nunca

desapareceu. E não somente no tocante ao cinema: os filmes puxaram a literatura, as

histórias em quadrinhos, a televisão. Esta última em menor medida, pois nunca me

convenceu de verdade o tipo de produtos que tem a oferecer, mesmo em meu gênero

favorito de cultura popular, pelo menos em se tratando da TV comercial e privada de

países como os Estados Unidos.

Com o passar dos anos, comecei a comprar livros e revistas acerca da ficção

científica, a adentrar-me aos poucos - sendo esta, por muito tempo, uma atividade

exclusivamente de lazer, praticada em meu tempo livre - no terreno da crítica do que

se produzia, em especial na literatura e no cinema.

A segunda origem do livro é minha atividade docente na Universidade

Federal Fluminense. Em três ocasiões, duas na Graduação e uma na Pós-graduação do

Departamento de História, lecionei disciplina acerca da ficção científica e das formas

possíveis de efetuar análises dela em seus diferentes veículos que fossem úteis para o

estudo de diversos aspectos dos séculos XIX e XX.

A ambição de transformar as aulas em um pequeno volume decorre de ter

constatado que, embora existam obras introdutórias ao gênero em português, ou se

acham esgotadas há muito tempo, ou estão já muito carentes de atualização, ou ainda,

não efetuam uma cobertura que me satisfaça. Algumas são descritivas demais, pouco

analíticas, outras concedem privilégio excessivo à literatura e não tratam

suficientemente do cinema, por exemplo, e assim por diante. Acho, portanto, que

existe espaço, atualmente, para um texto curto, de tipo introdutório, que apresente a

ficção científica a leitores de língua portuguesa.

Pretender fazê-lo é empresa ao mesmo tempo limitada e difícil, em especial

na decisão do que deve ser incluído ou não, tendo em conta a pequena extensão do

livro a ser escrito. As escolhas refletem muitas vezes, como não poderia deixar de ser,

minhas preferências por dados autores, certas obras ou determinados setores temáticos

pertencentes ao gênero abordado.

Prefiro ler na língua original, quando possível, os contos e romances; e

compro sempre que posso os filmes em vídeo-cassete também na língua original, sem

legendas, mesmo porque há uma quantidade enorme de produções cinematográficas

Page 4: A FICÇÃO CIENTÍFICA

4

que não foram lançadas no Brasil para VCR. Isto traz - também em função do fato de

eu ter vivido fora de meu país entre outubro de 1967 e fevereiro de 1979 - o problema

de ignorar com freqüência como determinado texto, filme ou série televisiva chamou-

se em português. Quando não o pude averiguar, simplesmente traduzi o título: em tais

casos, os títulos traduzidos de obras em qualquer veículo foram grafados entre aspas.

Naquelas ocasiões em que pude verificar com certeza os títulos de fato atribuídos às

obras em português, escrevi-os em itálico, da mesma forma que os títulos na língua

original.

Diga-se de passagem que, sobretudo nos últimos anos, paralelamente a

legendas de filmes e traduções de textos literários aparecerem com excessiva

freqüência num português cada vez mais errado e serem crescentemente infiéis ao

original que se pretende traduzir, este deve ser um dos países do mundo onde se

inventam títulos mais tolos para obras estrangeiras - quando, por razões

mercadológicas ou por ignorância, não se deixa, simplesmente, o título estrangeiro

sem traduzir, em especial no caso dos filmes. Também acontece que se acredite ter

traduzido mas, ao não se saber de verdade a língua original, a tradução seja

simplesmente um erro primário: é assim, por exemplo, que, ao estar o original em

francês, um “professor de música” pode virar um “mestre da música”; ou, o que em

inglês significava um “rapaz”, tornar-se em português um “jovem homem”... Um dos

erros favoritos nas dublagens de filmes é transformar actually em inglês em

atualmente em português. É verdade que barbaridades assim às vezes abrem caminho,

sobretudo no caso de textos escritos traduzidos, a um exercício divertido: tentar

adivinhar, pelo erro cometido, qual seria o original. Por exemplo, ao ler-se “a polícia

buscou as premissas”, inferir que se tratava de “a polícia revistou o edifício”

(searched the premises). Há exceções, sem dúvida: acabo de ler, por exemplo, em

reedição (a publicação original é de 1985), uma excelente tradução de Henry James...

por Fernando Sabino!

Page 5: A FICÇÃO CIENTÍFICA

5

I. Definições da ficção científica

Se começarmos pela própria expressão, “ficção científica” é tradução do inglês

science fiction, cuja prioridade, ao que parece, pertence ao editor Hugo Gernsback no

editorial do primeiro número da revista norte-americana Science Wonder Stories, em

1929. Claro está, porém, que desde muito antes se tinha a noção da existência de um

tipo de literatura similar àquela a que depois se aplicou tal expressão, difundida na

década de 1930.

Os autores e críticos ingleses, até 1955, preferiam a expressão romance

científico. Embora desde então também na Grã-Bretanha predominasse “ficção

científica” como denominação, um autor e crítico inglês, Brian Stableford, advogou

em 1985 que se retomasse “romance científico”, com o sentido, agora, de marcar as

diferenças entre as tradições respectivas da ficção especulativa norte-americana e

britânica. Um romance científico à maneira do Reino Unido se caracterizaria, segundo

ele: 1) por uma perspectiva evolucionista de prazo muito longo; 2) por um tom

pessimista de tipo peculiar acerca do futuro; 3) por ser pouco freqüente, nesse tipo de

romance, a figura de uma personagem derivada das revistas norte-americanas

conhecidas como pulp magazines, isto é, um herói capaz de ultrapassar as fronteiras

estabelecidas.

Nos Estados Unidos, antes da generalização da expressão ficção científica,

falou-se, por exemplo, de scientifiction (“cientificção”). O já mencionado Gernsback,

em 1926, no editorial do primeiro número da revista Amazing Stories, definia-a como

aplicando-se ao tipo de história que se atribui a autores como Júlio Verne, H. G. Wells

e Edgar Allan Poe; isto é, um texto ficcional em que a ficção se mistura com fatos

científicos e visão profética, dando-lhe um caráter didático e a função de ensinar

numa forma de fácil absorção. Dizia explicitamente Gernsback que o que hoje é

definido como ficcional nesse tipo de literatura pode realizar-se amanhã. Em certo

sentido, então, ter-se-ia, aí, um tipo de literatura destinado a ser como que um “arauto

do progresso”.

Este tipo de visão, em que a ficção científica teria uma base solidamente

ancorada no conhecimento científico contemporâneo, foi atenuado mas não

abandonado por outros editores. Assim, John W. Campbell Jr., em seu manifesto para

a revista que dominaria o campo na década de 1940, Astounding Science-Fiction,

definia-a como uma literatura aparentada à ciência num sentido metodológico. A

ficção científica elabora extrapolações que, a partir da ciência contemporânea,

procuram explorar hipoteticamente, na forma de narrativas literárias, o que poderia ser

Page 6: A FICÇÃO CIENTÍFICA

6

o futuro, no tocante a fenômenos novos, ainda não descobertos, às máquinas - ou seja,

à tecnologia - e também à sociedade humana.

Kingsley Amis limita sua definição à literatura, mas não haveria dificuldade

em estendê-la a outros veículos. Para ele, a ficção científica é um

“Relato em prosa que trata de uma situação que não poderia

apresentar-se no mundo que conhecemos, mas cuja existência se baseia na

hipótese de uma inovação qualquer, de origem humana ou extraterrestre, no

domínio da ciência ou da tecnologia; ou, poder-se-ia dizer, da pseudociência

ou da pseudotecnologia.”1

As definições consideradas até agora ligam entre si, explícita ou

implicitamente, as noções de ficção científica e de futuro. Mas será possível, de

verdade, escrever sobre o futuro? Ben Bova acha, a respeito, o seguinte:

“Ninguém, de fato, escreve sobre o futuro. Os escritores usam

situações futuristas para iluminar mais fortemente os problemas e

oportunidades do presente.”2

Justamente porque ninguém pode efetivamente falar do futuro é que a

definição de Amis menciona “pseudociência” e “pseudotecnologia”: trata-se de um

futuro extrapolado; ou, simplesmente, inventado. Não é menos pertinente, entretanto,

que a idéia de situar no futuro tantos relatos de ficção científica implique a noção -

pelo menos implícita - de um tempo dotado de orientação, em função do qual se

possam fazer extrapolações causais a partir do presente. Que isto só possa ser feito

assim é evidente. Em A ilha do Dr. Moreau, H. G. Wells teve de pensar em termos de

transformações cirúrgicas as tentativas evolutivas de sua megalomaníaca personagem;

outros pensaram em termos de cruzamentos seletivos: mas, antes do final da década

de 1950, ninguém poderia pensar em engenharia genética baseada na manipulação do

ADN.

Será, porém, além de habitual, necessária a ligação ficção científica/futuro?

Um filme como Tarântula (1955), que apresenta o oeste americano - como era na

década de 1950 - sofrendo a invasão de uma aranha gigantesca, resultante do uso de

um isótopo radioativo no contexto da busca de um nutriente que resolvesse o

problema da fome no mundo, pode e deve ser considerado ficção científica, mesmo

situando-se no que era o presente quando de sua filmagem. É verdade que um

aracnídeo gigantesco não conseguiria ficar de pé: sofreria um colapso devido ao seu

próprio peso; mas a ficção científica não o deixa de ser por conter erros científicos.

Tentando atrair jovens para os estudos pré-históricos, escreveu Louis-René

Nougier, um pré-historiador francês: 1 AMIS, Kingsley. L’univers de la science-fiction. Paris: Payot, 1960, p. 17.

2 BOVA, Ben. Challenges. New York: Tor, 1993, p. 295.

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7

“Indo além das imagens de nossa vida quotidiana, nossas necessidades

de sonho e evasão nos levam a descobrir mundos diferentes, nascidos de nossa

imaginação ou de nossa curiosidade. Assim, durante muitos anos, os relatos de

viagens ou explorações, numa Terra que nossos antepassados conheciam mal,

tiveram grande sucesso. Similarmente, hoje a literatura de antecipação satisfaz

o gosto de um vasto público.

“O futuro, entretanto, não constitui o único domínio em que possamos

sonhar: o passado nos oferece, igualmente, consideráveis riquezas! (...)”3

O passado, aliás, também pode ser a dimensão em que se ambientem obras

de ficção científica (e não somente as que tenham a ver com viagens no tempo). Ao

imaginar (em 1919, sendo o texto revisto em 1925), num passado longínquo, uma

civilização tecnológica muito mais avançada do que a de sua época, no romance Out

of the silence (publicado em português como A esfera de ouro), o escritor australiano

Erle Cox (1873-1950), claro está, não foi além de um imaginário pré-nuclear; nem

conseguiu imaginar um avião que voasse mais do que 500 km por hora, o que então

parecia fantástico mas deixaria de o ser depois. O “sonho” e a “evasão” de que falava

Nougier não podem evitar as marcas do presente em que sejam concebidos.

É interessante notar que, poucos anos depois de surgir, a expressão ficção

científica já se aplicava não só a um conjunto de obras literárias como, também, a uma

espécie de subcultura envolvendo autores, editores de revistas (mais tarde também de

livros), críticos e fãs: desde então, as histórias subsumidas sob o termo partilhavam

certos códigos lingüísticos, narrativos e temáticos, bem como um sentimento de

separação em relação a outros tipos de literatura ficcional. A adesão aos códigos era

esperada; o abandono deles - e, nos Estados Unidos, das instituições que a subcultura

foi criando - era encarado como uma traição e fortemente ressentido.

O primeiro estudo crítico de maior envergadura saiu, porém, de fora dessa

subcultura e veio do ambiente universitário de Letras. Trata-se do livro de J. O. Bailey

Pilgrims through space and time (“Peregrinos através do espaço e do tempo”), de

1947. Nele, a ficção científica era definida como a narrativa de uma invenção

imaginária ou uma descoberta imaginária no domínio das ciências naturais, bem como

das aventuras e conseqüências fictícias de tal invenção ou descoberta. Deveria, no

entanto, ter como ponto de partida algo que, no mínimo, o autor racionalizasse como

sendo cientificamente possível.

A ênfase das definições no elemento científico - quanto ao conteúdo ou

quanto ao método - permaneceu até a primeira parte da década de 1960. Ela não

desapareceu, ainda há quem a defenda mesmo hoje em dia. Um bom exemplo é Ben

Bova. Reconhece que, por decisão das editoras, muito se publica atualmente, sob a

3 NOUGIER, Louis-René. Guide de la préhistoire. Paris: Hachette, 1977, p. 6.

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8

denominação de ficção científica, que nada tem a ver tematicamente com a ciência,

em especial fantasias do tipo “espada e feitiçaria”. Mas afirma:

“Quando eu falo de ficção científica, quero dizer uma ficção em que

algum elemento de ciência ou tecnologia futura é tão integral à narrativa, que

esta entraria em colapso se o elemento científico ou tecnológico fosse

removido.”4

Não há dúvida, no entanto, de que, desde o final da década de 1960, esta

opinião tenha-se enfraquecido, o que influi nas definições. Isto se liga a vários fatores,

que estudaremos melhor ao enfocar a história da literatura de ficção científica. Um

deles é, paralelamente ao enfraquecimento progressivo da confiança na ciência e em

seu método, uma ênfase que se desloca da ficção científica chamada hard (ou seja,

que tem seu ponto de partida nas ciências do tipo da física ou da astronomia) para a

ficção científica soft (mais interessada em extrapolações a partir da psicanálise, da

sociologia ou da antropologia, por exemplo). Embora seja verdade que ambos os

subgêneros se misturavam desde a década de 1940 nas obras concretas, definindo-se

cada um mais pelo que predominasse na mistura do que por algum domínio exclusivo,

também o é que, desde mais ou menos 1968, passou a haver uma presença bastante

reforçada do elemento soft nas mesclas, em comparação com o que ocorria

anteriormente.

Em parte pelo menos, as novas definições também refletiam uma tendência a

deixar de considerar a ficção científica exclusivamente como fenômeno

estadounidense derivado, em primeiro lugar, das revistas conhecidas como pulp

magazines. Em especial, começaram a aparecer estudos e tendências de definição

diferentes de origem européia - sobretudo britânica e francesa, embora não

exclusivamente - em decorrência do êxito editorial do gênero na Europa. Em quase

todos os casos, entretanto, existe em comum uma ênfase menor ou mesmo a ausência

de ênfase no componente científico.

O britânico Brian Aldiss, por exemplo, diz que, do mesmo modo que a

literatura sobre fantasmas não se destina aos fantasmas, a ficção científica não se

destina aos cientistas. James G. Ballard, por sua vez, afirmou em 1969 que a idéia de

que as revistas típicas da literatura de ficção científica tenham algo a ver com ciência

é ridícula, bastando examinar Scientific American ou Nature para que a diferença

fique patente. Em 1973, Aldiss referiu-se à ficção científica como sendo a busca de

uma definição do homem e de sua posição no universo, a qual, sem dúvida, se baseia

às vezes em nossos conhecimentos científicos a respeito, avançados embora confusos;

mas que tem igualmente um forte componente em comum com o que em inglês se

chama de gothic, isto é, com a literatura de terror. É assim que, em lugar dos “santos

4 BOVA, Ben. Op. cit., p. 293.

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9

patronos” habituais, Verne e Wells, Aldiss valoriza como antepassada Mary Shelley, a

autora, em 1818, de Frankenstein. Na verdade, para Aldiss, a ficção científica seria

um ramo novo suscitado na tradição da história de horror pela Revolução Industrial e

pelos avanços científicos, desde o início do século XIX. Outro autor britânico, Brian

Stableford, escreve a respeito numa veia similar.

A década de 1970 assistiu a um interesse acadêmico pela ficção científica

bem maior do que anteriormente. Como para ensinar algo é preciso saber do que se

trata, proliferaram definições e tratados a respeito. Uma das visões mais influentes foi

a do iugoslavo Darko Suvin, para quem a ficção científica une e faz interagir

necessariamente um aspecto cognitivo (ou seja, a busca de uma explicação racional) e

um “estranhamento” - sendo este último termo uma adaptação do alemão

Verfremdungseffekt, expressão usada em 1948 por Bertold Brecht para referir-se a um

tipo de representação que, no tocante a um dado tema, faz com que o público o

perceba como algo ao mesmo tempo reconhecível e estranho (insólito).

O método específico utilizado para obter tal estranhamento na ficção

científica é o da ampliação dos elementos intervenientes: tempo, espaço, tamanho

(neste caso, o infinitamente grande ou o infinitamente pequeno têm o mesmo efeito),

indivíduos que na realidade representam espécies, intensificação de sensações e

expressões, exotismo, busca de paradoxos, poderes extraordinários, entre outros, são,

todos, elementos de tal método, convergindo numa “estética do sensacional”. Isto,

aliás, constituiu um dos fatores conducentes a que, no passado, o gênero fosse

relegado à cultura popular, considerado como subcultura.

Semelhante, até certo ponto, à opinião de Suvin é a insistência de

universitários franceses como Louis-Vincent Thomas e Jacques Goimard nos aspectos

míticos da ficção científica. Esta tendência foi criticada por um escritor e crítico norte-

americano da área, James Blish, ao dizer que, sendo o mito estático e final em seu

objetivo, teria um espírito contrário ao da ficção científica, que parte do princípio de

que a mudança é contínua. No entanto, isto mostra unicamente a ignorância de Blish

acerca das construções míticas, que, enquanto permaneçam vivas numa cultura,

conhecem múltiplas variantes no espaço e no tempo, nada tendo de ahistóricas.

Thomas encara a ficção científica como a alternativa mítica possível numa

era racionalista e científica:

“Numa perspectiva dessacralizada e aparentemente lúdica - da qual a

mensagem não fica excluída -, a ficção científica ocupa no imaginário de hoje a

posição que o relato mítico ocupava no imaginário de ontem: em ambos os

casos, trata-se de resolver pela fabulação uma situação fora do comum que não

poderia ser resolvida na realidade. Com a restrição de que o romance de ficção

científica se desenrola numa atmosfera de credibilidade relativa, sua hipótese

Page 10: A FICÇÃO CIENTÍFICA

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inicial sendo teoricamente plausível, suas conseqüências sendo encaradas

segundo um desenvolvimento compatível com a lógica.”5

Tratar-se-á, agora, de detalhar o caminho pelo qual Goimard chega a definir

a ficção científica.

Uma boa definição é a que se aplica a todos os objetos a definir e unicamente

a eles. O caminho mais usual para obtê-la ainda é o de Aristóteles e dos escolásticos,

procedendo per genus proximum et differentiam specificam. Por exemplo, o quadrado

é um retângulo (gênero próximo) equilateral (diferença específica). O retângulo é um

quadrilátero (gênero próximo) cujos quatro ângulos são retos (diferença específica).

“Ficção científica” e “fantástico” parecem depender de um mesmo conjunto

ou gênero maior: toda a questão consiste em achar o que singulariza a primeira dentro

de tal conjunto. O ponto de partida é a questão da verossimilhança. Para Aristóteles,

“verossímil” é o que o público julga ser possível, isto é, uma norma que depende de

uma opinião partilhada; ao verossímil contrapor-se-ia o “verdadeiro”, isto é, aquilo

que os sábios julgam ser possível. O verossímil em literatura, porém, entende-se,

desde o século XVIII, como conformidade às regras particulares de um gênero (sendo

tais regras convenções sociais historicamente mutáveis).

No cinema, a forma mais usual do verossímil, independentemente do gênero

específico, é o efeito ou ilusão de realidade que se cria pela multiplicação de detalhes

concretos introduzidos pela imagem. O cinema se esforça no sentido de fazer crer ao

espectador que “foi assim”, “é assim”, “será assim”, pela força persuasiva da

imagem. É verdade que isto funciona melhor ou pior conforme os filmes, tendo a ver,

por exemplo, com o caráter mais ou menos convincente da técnica empregada e com a

qualidade artística.

Ao real opõe-se o maravilhoso ou fantástico, um efeito devido a

acontecimentos inverossímeis que produzem uma impressão de surpresa e

estranhamento. Note-se, porém, que na prática - no cinema, na literatura, nas artes em

geral - real e fantástico se interpenetram. Outrossim, como qualquer gênero, o

fantástico tem sua própria verossimilhança intrínseca, específica.

No antigo Oriente Próximo, para tomar um exemplo, o pensamento mítico

não pertencia, para as pessoas de então, ao imaginário mas, sim, ao real. Para nós, em

contraste, o mito é uma “mentira” e nos apegamos ao real devido à exigência

racionalista de uma civilização técnico-científica. Ocorreu, historicamente, um

deslocamento da verossimilhança no nível social mais vasto. Mas - no inconsciente

tanto quanto sociologicamente - o traço de épocas anteriores (da criança no adulto, de

outras épocas na nossa) não desaparece de todo. Apesar do racionalismo dos últimos 5 THOMAS, Louis-Vincent. Civilisation et divagations. Mort, fantasmes, science-fiction. Paris: Payot,

1979, p. 12.

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11

dois séculos, o fantástico permanece sedutor; desprezado, é também tentador. Daí -

dessa tensão - decorre a proliferação de pseudociências (um fantástico travestido de

ciência): dianética ou cientologia, discos voadores, certas formas de psicanálise.

Em cada caso, no convívio social, a verossimilhança se localiza

diferentemente. As pessoas passam de um a outro nível de verossimilhança conforme

a atividade ou o tipo de convívio em que estão sucessivamente inseridas. Inclui-se

entre tais níveis a “suspensão da incredulidade”, necessária para a fruição de qualquer

forma de ficção, sem excluir a realista.

Existem gêneros literários e cinematográficos que operam centralmente a

partir de uma suspensão da incredulidade mais exigente, por depender de

deslocamentos de verossimilhança: o fantástico, a ficção científica. Parte-se, então, do

realismo para desembocar na irrupção do maravilhoso e, então, instaurar algum tipo

próprio de verossimilhança, segundo certas regras. Este deslocamento é característico

do genus proximum. Mas, que dizer quanto à differentia specifica? Isto é, em que a

ficção científica se afasta do fantástico?

Na forma, talvez? Já se pretendeu isto. Segundo os formalistas russos e, mais

perto de nós, Tzvetan Todorov, por exemplo, o próprio do fantástico como gênero

seria que o maravilhoso não aparece, nele, em forma aberta, ao contrário do gênero

maravilhoso propriamente dito (por exemplo: horror, vidas de santos, contos de fadas,

para Todorov também a ficção científica). Os acontecimentos da trama não devem

obrigar a sua interpretação mística, sobrenatural ou mágica: tal interpretação é

aludida, sugerida, mas mantém-se, como uma espécie de porta dos fundos, a

possibilidade de uma interpretação simples, realista, racional - ao mesmo tempo,

porém, esvaziando-se esta última de probabilidade intrínseca no contexto da obra.

Exemplo adequado é um curto romance de Henry James, The turn of the screw (“A

volta do parafuso”), de 1898.

Pretendeu-se contrastar o anterior com a constatação de que na ficção

científica, pelo contrário, o leitor ou espectador, mais cedo ou mais tarde, é

mergulhado num outro universo. Vendo a coisa mais em detalhe, porém, não é bem

assim. A presença do realismo e do quotidiano é forte na ficção científica, mesmo

porque: 1) o insólito só se percebe por contraste, pelo qual um universo “outro” deve,

ao mesmo tempo, manter pontos comuns com o universo corriqueiro do dia-a-dia da

época em que a obra seja produzida; 2) um mundo totalmente distinto, se pudesse ser

concebido e descrito, seria ininteligível para o leitor. Outrossim, em etapas mais

recentes da ficção científica, o aspecto didático foi em boa parte deixado de lado,

mantendo-se o inexplicado, o enigma (por exemplo em 2001: uma odisséia no

espaço, o livro e mais ainda o filme). É difícil, portanto, fazer a distinção por critérios

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formais, intrínsecos às obras, posto que logo esbarraríamos em exceções numerosas

demais.

Segundo Goimard, a differentia specifica da ficção científica em relação ao

fantástico tem de ser buscada é na função da obra: isto é, na relação entre obra e

público. Os mitos, na Antigüidade, tinham como base a religião. No mundo do século

XX a ciência é que, por muitas décadas, ocupou no imaginário um papel que, no

passado, desempenhava a religião: o de um corpo de conhecimentos e crenças de

ampla aceitação social como válido em tese (o que, nem em um nem no outro caso,

exige que a maior parte das pessoas de fato entenda em profundidade tal corpo de

conhecimentos). Em outras palavras, a relação entre fantástico e ficção científica seria

análoga à relação, no passado, entre magia e religião. O fantástico acede ao sentido

que ultrapassa o do quotidiano mediante a transgressão da norma. A ficção científica,

porém, não é “mágica”, é “mítica”: ela se instala num aspecto da norma socialmente

aceita - a ciência ou a aparência dela - e, a partir desse lugar, finge responder às

questões que a ciência da época em que a obra é realizada não sabe resolver. No

interior das obras de ficção científica o que se tem é uma ficção de ciência, uma

ciência virtual ou imaginária, mesmo se às vezes misturada com elementos científicos

autênticos.

Assim, em conclusão, para Goimard “....a ficção científica é um gênero que

comporta um deslocamento da verossimilhança e cumpre uma função mítica.”6

6 GOIMARD, Jacques. “Une définition, une définition de la définition, et ainsi de suite”. Cinéma d’au-

jourd’hui. Nova série, no 7, primavera de 1976, pp. 11-20 (a citação é da pág. 20). Trata-se de um nú-

mero especial sobre o cinema de ficção científica.

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13

II. História sumária da literatura de ficção científica

Como gênero literário, a ficção científica configurou-se plenamente na segunda

metade do século XIX, quando certas condições surgidas em diferentes momentos se

reuniram. Ela supõe uma visão de mundo marcada pela ciência e pela consciência da

mudança, tanto social quanto tecnológica.

Um modo científico de encarar o universo começou a tomar forma no século

XVII, mas demorou bastante a influenciar a sociedade como um todo: a tendência em

tal sentido foi ainda parcial no século XVIII, muito mais importante no XIX.

Outrossim, a conjuntura revolucionária e suas seqüelas - no período 1789-1815,

depois nos surtos revolucionários de 1830, de 1848, da Comuna de Paris (1870) -

tornaram muito mais palpáveis que antes a fragilidade e a possibilidade de mudança

dos regimes sociais e políticos. Assim, no século passado já estavam reunidos os

principais elementos sociais necessários para que a ficção científica pudesse surgir

como gênero. O mesmo quanto aos elementos formais: o romance moderno data do

século XVIII e o conto teve um de seus primeiros teóricos em Edgar Allan Poe.

1. A proto-ficção científica

O que for chamado de “proto-ficção científica” dependerá, antes de mais

nada, da definição da ficção científica como gênero que se adotar. Consideraremos,

aqui, que foi por volta de 1860 que surgiu o gênero - a década em que os romances de

Júlio Verne começaram a difundir-se -, embora não ainda a designação atualmente

usual (que, como vimos ao tratar das definições, ainda na forma scientifiction, é de

1926, de 1929 na forma science fiction). Tudo que preceder 1860, então, será para nós

proto-ficção científica.

Surge, porém, um outro problema: quando começar? Há autores que não

hesitam em remontar a Homero ou pelo menos a Luciano de Samósata, outros que

sublinham o fato de que a Divina comédia de Dante, ao descrever a cosmologia aceita

em sua época, deveria ser considerada proto-ficção científica! Analogamente, nos

Tempos Modernos poder-se-iam buscar muitos elementos da futura ficção científica

em Francis Bacon, Johannes Kepler, Cyrano de Bergerac, Jonathan Swift e Voltaire,

para citar só os autores invocados com maior insistência como precursores.

É mais razoável, porém, considerar assim este assunto: a ficção científica

representou a continuação, sobre novas bases, de uma tradição ficcional milenar,

caracterizada por favorecer a imaginação e a extrapolação. Ela surgiu, no século XIX,

da confluência de diversos gêneros mais antigos de narrativas, originados em épocas

variadas. Eis aqui os principais: 1) viagens fantásticas e extraordinárias, incluindo-se

aqui os “mundos perdidos”, a noção de uma “Terra oca”, a Atlântida; 2) utopias; ou o

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14

seu contrário, desde o século passado tendo-se cunhado o termo “distopias”; 3) o

conto filosófico, com freqüência de intenção satírica; 4) o gótico ou horror

sobrenatural; 5) a antecipação sociológica ou tecnológica. Note-se que tais gêneros

podiam combinar-se: assim, as Viagens de Gulliver (1726; livro revisto em 1735), de

Jonathan Swift, associavam viagens fantásticas a uma visão distópica.

Achamos ser possível falar mais apropriadamente de proto-ficção científica a

respeito de escritores da primeira metade do século XIX, em especial Mary Shelley

(1797-1851), a autora de Frankenstein (1818), e Edgar Allan Poe (1809-1849). Estes

eram autores situados na tradição - iniciada no século XVIII - do gótico ou horror,

mas em ambos os casos achamos também elementos de especulação científica mais

insistentes (e consistentes) do que anteriormente. Em sua esteira, quando chegamos à

metade do século passado, era bastante freqüente já o uso de aspectos do que viria a

ser pouco depois a ficção científica como gênero por autores como Nathaniel

Hawthorne e Herman Melville, dos Estados Unidos, ou o inglês Edward Bulwer

Lytton.

2. Um período fundador: do começo da carreira de Júlio Verne àquele da de H. G. Wells (1862-1901)

Entre 1862, quando começou a associação entre Júlio Verne (1828-1905) e o

editor Hetzel, dando início às “viagens extraordinárias” daquele autor, e 1901, quando

H. G. Wells (1866-1946) completou a lista de seus primeiros (e mais importantes)

“romances científicos” ao publicar Os primeiros homens na Lua, nasceu a ficção

científica como gênero plenamente caracterizado. E não somente devido a esses “pais

fundadores” de grande renome - dos quais foi o segundo, de longe, o de mais durável

influência literária. Uma plêiade de autores, alguns já esquecidos, outros ainda

reeditados e muito lidos, ajudaram nessas quatro décadas a dar forma ao gênero e a

muitos de seus temas; entre eles estão: George T. Chesney, Samuel Butler, o já

mencionado Bulwer Lytton, Camille Flammarion, Villiers de L’Isle-Adam, Robert

Louis Stevenson, J. H. Rosny aîné, Edward Bellamy, Mark Twain, Henry Rider

Haggard.

Fora do domínio da ficção, teria grande influência O espaço livre, texto do

russo Konstantin Tsiolkovsky (1857-1935) publicado em 1883, monografia que

descrevia espaçonaves movidas por propulsão a jato. O autor também publicou

numerosos relatos de ficção científica didática, destinados a um público adolescente.

Júlio Verne, um francês de Nantes, não teve a idéia de estar iniciando um

gênero novo: instalou-se numa tradição de literatura popular já florescente e com

público amplo. No entanto nada, no passado, se parecera tanto ao que depois seria

chamado de ficção científica quanto os seus romances, a partir de Cinco semanas em

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15

balão e Viagem ao centro da Terra (ambos de 1863; o segundo seria ampliado em

1867). Já então estavam reunidos os elementos básicos de suas “viagens

extraordinárias”: uma mescla de certeza moral típica do século XIX - visto como

época de ascensão contínua da humanidade com base na ciência e na tecnologia, em

que o homem branco “superior” teria uma missão para com as partes menos

desenvolvidas do planeta -, protagonistas numerosos cumprindo papéis definidos - o

cientista, o atleta, o homem comum com que o leitor se identifica... -, didatismo,

extrapolação mantida dentro de limites relativamente estreitos, com freqüência uma

postura pró-Estados Unidos e anti-britânica. Exceção parcial ao otimismo habitual

em Verne na fase que mencionamos é a personagem sombria do capitão Nemo,

inventor e capitão do submarino Nautilus, no que é talvez o melhor de seus romances,

Vinte mil léguas submarinas, de 1870; mas, no fim das contas, o texto não assume as

tenebrosas ruminações e atitudes do capitão. Note-se que nem todos os romances de

Verne podem ser considerados de ficção científica: vários deles tratam simplesmente

de viagens de aventuras, ou de aventuras ocorridas num local específico.

Na segunda metade da década de 1880 verifica-se uma mudança de curso:

uma personagem como Robur, por exemplo, criado em 1886 e reutilizado em 1904,

aparece como um megalomaníaco obsessivo que simboliza talvez o perigo, agora

percebido por Verne, de uma ciência não submetida a controles; sendo, quanto a isto,

semelhante ao doutor Moreau de H. G. Wells. A confiança do autor francês nas

certezas do século XIX começava a enfraquecer-se. Isto ficaria patente num conto

distópico publicado postumamente em 1910, “O eterno Adão”: um sábio de longínquo

futuro descobre que a atual civilização foi totalmente destruída por uma convulsão

geológica, ao que parece no século XXI . As civilizações são cíclicas e não lineares.

Resumimos acima o que parecia inferir-se da copiosa obra conhecida de Verne.

Em 1989, entretanto, seu bisneto achou, num cofre, um manuscrito inédito, logo

autenticado. Era um romance que se sabia haver sido recusado por Hetzel em 1863:

Paris au XXe siècle (“Paris no século XX”), o qual foi publicado em 1994. O herói da

narrativa de Júlio Verne, Michel Dufrénoy, jovem poeta de dezesseis anos, tem como

cenário a Paris de 1960 tal como imaginada pelo autor: brilhante, nadando em

novidades - muito mais ousadamente imaginadas do que nas extrapolações bem mais

tímidas das outras obras - e, acima de tudo, distópica a mais não poder! O texto está

cheio de tiradas românticas contra a tecnologia, a ciência e a indústria, causadoras de

desemprego, poluição, abandono dos valores humanísticos e outros males. Cabe

perguntar, então, se a veia pessimista que afloraria após 1880 não existia já no início

da época de sucesso do autor e, mais do que ser por ele abandonada em suas

convicções íntimas, foi contornada para dar ao editor e ao público do século passado o

que de fato queriam ler.

Page 16: A FICÇÃO CIENTÍFICA

16

Em sua vida privada, Verne foi um burguês próspero desde a época de seu

apogeu literário, participando da administração local de Nantes, praticando o iatismo

(desde criança tivera enorme fascinação pelo mar).

Se Verne foi um burguês, Herbert George Wells pertencia à pequena

burguesia inglesa (era filho de um lojista que faliu, sua mãe voltando, então, à função

de governanta). Depois de uma temporada malsucedida como aprendiz de um

mercador de tecidos, Wells, em 1883, tornou-se ao mesmo tempo aluno e professor da

Midhurst Grammar School. A seguir, com uma bolsa de estudos, formou-se na

Normal School of Science de Londres, onde um de seus professores - de enorme

influência em suas idéias - foi o evolucionista T. H. Huxley. Possuía, portanto, uma

sólida base científica.

Foi na década de 1890 que Wells começou a publicar contos que podem ser

considerados de ficção científica. Seu primeiro “romance científico”, A máquina do

tempo (em português às vezes intitulado A máquina de explorar o tempo), é de 1895.

Nos anos seguintes surgiriam, em rápida sucessão, seus outros romances mais

influentes: A ilha do Dr. Moreau (1896), O homem invisível (1897), A guerra dos

mundos (1898), Quando o adormecido desperta (1899: revisto em 1910) e Os

primeiros homens na Lua (1901). Estes livros inauguraram (ou reinauguraram e

modificaram em profundidade) temáticas duravelmente praticadas pela ficção

científica posterior: distopia futura ou situada em outro mundo (a Lua), darwinismo

biológico e social, seres voluntariamente modificados por experimentos biológicos,

invisibilidade, invasão extraterrrestre, monstros tentaculares alienígenas, suspensão da

vida, uma personagem messiânica do presente atuando num futuro distópico...

A influência de Wells sobre seus sucessores vai além das temáticas: consiste

também no equilíbrio que conseguiu estabelecer entre especulação abstrata e

descrição de circunstâncias e caracteres concretos, bem como entre a especulação

científica e a sociológica. Stanislaw Lem, romancista e ensaísta polonês de ficção

científica, afirmou que o grande feito de Wells em sua primeira fase foi “examinar a

totalidade da espécie humana numa situação extrema” (Lem pensava sobretudo n’A

guerra dos mundos).7

Politicamente, Wells era um socialista moderado. Nunca aceitou o socialismo

proletário: acreditava que a justiça social poderia ser imposta por uma intelectualidade

benevolente. Em 1906 tentou assumir o controle de uma agremiação de socialistas

moderados, a Sociedade Fabiana, em que ingressara em 1903, mas falhou e a ela

deixou de pertencer em 1908.

7 LEM, Stanislaw. Microworlds. Writings on science fiction and fantasy. San Diego/New York:

Harcourt Brace Jovanovich, 1984, p. 13.

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Não deve ser por acaso que a última fase de Verne e a primeira de Wells

estivessem marcadas por uma forte carga distópica: isto reflete o fin de siècle, com

sua erosão das certezas do século XIX. No caso de Wells, vivo até 1946, a uma

primeira fase marcada pela distopia sucederia outra claramente utópica; mas ele

retomaria, mais tarde, uma posição pessimista.

3. O início do século XX (1901-1926): a ficção científica nos veículos da cultura literária popular

Do mesmo modo que o período entre os inícios de carreira de Verne e Wells

aparece marcado por numerosos outros autores, também aquele que se segue aos

primeiros romances do último escritor conheceu muitos outros nomes. Na Inglaterra,

H. G. Wells foi contemporâneo de numerosos romancistas de qualidade variável,

alguns de grande sucesso na época. Com ele competiam, entre outros, George

Chetwynd Griffith-Jones (que assinava George Griffith), C. J. Cutcliffe Hyne, George

C. Wallis, Sax Rohmer (o criador de Fu Manchu), Fred M. White. Na fase que agora

abordamos havia, em diversos países, uma quantidade considerável de escritores de

ficção científica, muitos dos quais escreviam também outros tipos de narrativas. Entre

eles: Gustave Le Rouge, Edgar Rice Burroughs, Karel Capek, Arthur Conan Doyle,

Abraham Merritt, Murray Leinster.

O próprio Wells publicou suas primeiras obras longas inicialmente em forma

seriada, em revistas voltadas para um público relativamente pequeno. Mas, desde a

década de 1880, começava a aparecer um outro tipo de revista, mais barata, dedicada

à publicação de histórias - entre elas, as de ficção científica - destinadas a um público

mais popular. Esta tendência se confirmou, marcada tanto pela organização de uma

distribuição maciça e pela ampliação da publicidade, permitindo baixar os custos,

quanto por certas opções de formato (quase sempre 25 cm por 18 cm) e papel

grosseiro (pulp), conduzindo em 1896 à invenção dos chamados pulp magazines pelo

norte-americano Frank A. Munsey.

Numa época em que países como a Inglaterra e os Estados Unidos

conheciam já uma educação básica estendida a setores muito amplos de suas

sociedades, a literatura popular, nessas revistas, pôde desenvolver-se muito. Este foi

um fenômeno que marcou ainda mais o início do século XX, quando, nos Estados

Unidos, boa parte da ficção científica se publicava nas revistas em questão. No

entanto, só em 1926 surgiu o primeiro pulp magazine destinado a publicar

exclusivamente histórias de ficção científica (Amazing Stories). Este tipo de revista

continuaria a existir até meados da década de 1950, quando se extinguiu; alguns de

seus títulos puderam sobreviver em outros formatos.

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18

Na Inglaterra, as narrativas de ficção científica se publicavam sobretudo em

revistas destinadas a um público infanto-juvenil - o que não era sempre o caso quanto

aos pulp magazines norte-americanos. Nos primeiros anos do século XX, o tema

preferido era, naquelas revistas britânicas, o das guerras futuras. Os pulp também

competiram, como veículo da ficção científica, com os “romances de vintém” (dime

novels), igualmente periódicos e muito baratos, que existiam desde 1868 e, no início

do século XX, conheceram o êxito da série norte-americana (iniciada em 1892) que

girava em torno de Frank Reade e sua família de inventores, cujas narrativas

mostravam forte influência de Verne. Além dos Estados Unidos, também existiram

dime novels na Europa, notadamente na Alemanha.

Note-se que na Europa, muito mais do que nos Estados Unidos, mantinha-se

a publicação de ficção científica em forma de livros, destinada a um público adulto.

Assim, por exemplo, apareceram as obras do tcheco Karel Capek (1890-1938), entre

elas a peça teatral R.U.R., que introduziu o termo “robô” (1921).

Um autor como H. G. Wells - que também produziu ficção de outro tipo -

não era considerado escritor de ficção científica mas, sim, simplesmente um escritor

(e de grande prestígio), o mesmo se aplicando, por exemplo, ao já mencionado Capek.

No entanto, nos Estados Unidos os autores de ficção científica, na sua imensa maioria,

passaram a ser encarados (às vezes com razão, mas nem sempre) como autores de

uma sub-literatura ou literatura popular, considerada inferior ao que em língua inglesa

se chama de mainstream literature. O mesmo acontecia na Europa com os autores que

trabalhavam para as revistas populares ou infanto-juvenis e produziam volumes do

tipo conhecido em inglês como dime novels. Esta tendência, acoplada à extraordinária

multiplicação e às grandes vendas dos pulp magazines a partir da década de 1920 nos

Estados Unidos, onde em 1926 começariam a existir as revistas só de ficção científica,

como vimos, contribuíram a fazer surgir tal ficção científica como uma subcultura

com seus próprios canais de associação e difusão - e com suas próprias regras -, algo

que ficou claro quando percebeu a si mesma como um gênero à parte, desprezado pela

literatura mainstream e desprezando-a por sua vez. Trata-se, entretanto, de fenômeno

principalmente típico dos Estados Unidos.

4. Da autoconsciência à “idade de ouro” (1926-1946)

Com o surgimento, em 1926, da revista Amazing Stories - um pulp magazine

mensal de dimensões ainda maiores do que as de costume - seu fundador, Hugo

Gernsback, anunciou o surgimento da “cientificção” (que três anos depois passaria a

chamar de “ficção científica”) como gênero à parte, invocando Poe, Verne e Wells

como pais fundadores. O próprio Gernsback perdeu o controle da empresa que

publicava Amazing Stories em 1929 e seu ex-assistente, T. O’Conor Sloane, logo

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19

assumiu o posto editorial. A linha centralmente científica impressa por Gernsback

durou até 1938 e, ao que parece, não teve grande sucesso de público. A outra revista

importante dessa época, que terminaria assumindo (em 1938) o nome de Astounding

Science-Fiction, foi criada em 1930. A década de 1930, em reação às dificuldades da

depressão econômica, trouxe uma multiplicação impressionante das revistas de ficção;

no entanto, o mesmo só ocorreria com as de ficção científica especificamente na

década seguinte. Considerando-se também a publicação de histórias de ficção

científica em pulp magazines que divulgavam igualmente narrativas pertencentes a

outros gêneros, no conjunto, na década de 1930, o gênero que nos ocupa representava

somente 2 a 3% desse mercado.

Em outubro de 1937, John W. Campbell Jr. (1910-1971), que como escritor

assinava às vezes Don A. Stuart, assumiu a direção editorial de Astounding Science

Fiction: deste fato é costume datar a “idade de ouro” da ficção científica, que iria de

1938 a 1946. Por que a designação nostálgica aplicada a tal período? Ela é justificada

por diversos críticos que também são autores tradicionais de ficção científica pelo fato

de ter Campbell reunido em sua revista uma proporção considerável dos melhores

escritores então ativos - L. Ron Hubbard, Clifford D. Simak, Jack Williamson, L.

Sprague de Camp e vários outros -, bem como por sua energia como editor, decidido a

elevar o nível dos textos de ficção científica que publicava. Outrossim, foi ele o

descobridor e encorajador dos então principiantes Isaac Asimov, Lester del Rey,

Robert A. Heinlein, Theodore Sturgeon e A. E. van Vogt, os quais, em conjunto com

o britânico Arthur C. Clarke, dominariam a etapa seguinte do gênero. Nenhuma

revista tivera antes um prestígio e uma influência semelhantes.

Mesmo assim, a expressão “idade de ouro”, justificada deste modo, é

discutível. Admitindo-se que foi uma época de grande atividade, quando muitos dos

temas da ficção científica estavam assumindo formas que seriam influentes por

décadas ou mesmo até o presente, numa maturação do gênero e num processo de

aperfeiçoamento desse tipo de histórias tal como se publicava nas revistas populares, a

designação é aplicada pensando-se unicamente na produção dos Estados Unidos: e

nem mesmo em toda ela, já que, embora o boom da ficção científica em forma de

livro iria ocorrer só na década de 1950, havia bons autores que, na fase anterior,

publicavam livros naquele país e nada tinham a ver com a indústria pulp. Produção,

aliás, destinada prioritariamente a um público infanto-juvenil. Que pensar, então, de

autores que escreviam para adultos, fora das restrições impostas pela indústria

editorial pulp - autores como o britânico Olaf Stapledon (1886-1950), por exemplo?

O que ocorre é que a noção de uma “idade de ouro” em 1938-1946 está

intimamente ligada ao que em inglês se conhece como genre science fiction: a ficção

científica que assim denomina a si mesma, ou que é imediatamente reconhecida como

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20

pertencente ao gênero; a qual, com o tempo, expandiu-se numa verdadeira subcultura,

com associações de escritores, prêmios próprios, associações de fãs e congressos. Este

tipo de ficção se reconhece por certas regras, hábitos, expectativas e convenções

temáticas e narrativas - que alguns chamam de “protocolos” - nascidos dos textos de

sucesso e, mais tarde, também do cinema, da televisão e da história em quadrinhos.

Convenções que, nos piores casos, são geradoras de verdadeiros clichês

estereotipados que se repetem impiedosamente. Ora, trata-se de um fenômeno por

muito tempo confinado aos Estados Unidos. Mesmo na Grã-Bretanha, tão ligada de

vários modos às tendências norte-americanas, antes de meados da década de 1950 os

escritores nem mesmo usavam correntemente a expressão “ficção científica”.

Há, sem dúvida, escritores e críticos dos Estados Unidos que afirmam ser a

ficção científica um fenômeno exclusivo da cultura popular de seu país, quando muito

aceitando incluir aqueles britânicos ou canadenses “convertidos” ao tipo norte-

americano de ficção científica. Mas, desde que não se aceitem critérios tão limitativos,

é óbvio que, inclusive nos anos da soi-disant “idade de ouro”, havia boa ficção

científica fora dos Estados Unidos e, lá mesmo, excelentes escritores que não

poderiam ser incluídos na genre science fiction. Continua sendo verdade, porém, que

nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha se gerou neste século a enorme maioria das

obras de ficção científica de todos os tipos: um gênero que, por volta de 1970, viria a

abarcar cerca de 10% das obras de ficção escritas em língua inglesa.

5. O boom editorial e o início das incertezas (1946-1968)

Em 1950, em sua introdução a uma antologia por ele compilada, um editor

quase sempre free lancer, Groff Conklyn (1904-1968), escreveu:

“A ficção científica chegou por fim. Milhares de pessoas que

costumavam pensar nela em termos de revistas de histórias em quadrinhos ou

de revistas pulp de aventuras descobriram que uma parte dos escritos de

imaginação mais efetivos de nossa época estão sendo produzidos nesse campo.

Outros milhares que jamais haviam sequer ouvido falar dela estão aprendendo

que pode ser um tipo excitante de diversão para suas horas de lazer. Por

conseguinte, a circulação das principais revistas de ficção científica está

crescendo aos saltos; novas revistas estão sendo planejadas; e muitos editores

sóbrios e cautelosos de livros, percebendo o sucesso das pequenas editoras

especializadas em ficção científica, se dão conta de que existe um público leal

para este notável ramo novo da árvore da literatura.”8

Considerando-se o que de fato aconteceu, estas palavras foram acuradas e

proféticas. Foi exatamente a partir de 1950 que o antes pequeno mundo da ficção

científica começou um processo de expansão que não se interrompeu até hoje.

8 CONKLIN, Groff (org.). The science fiction galaxy. New York: Permabooks, 1950, p. IX.

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Naquele ano, o monopólio virtual de Astounding Science Fiction nos Estados Unidos

como a revista por excelência do ramo, com um prestígio bem acima do de Amazing

Stories, foi desafiado com o surgimento de Galaxy Science Fiction, periódico que

duraria até 1980.

Data também do imediato pós-guerra o predomínio visível, nesse campo, dos

escritores que, bem posteriormente, Isaac Asimov chamaria de “os sobreviventes” -

autores que produziram por décadas obras de sucesso: o próprio Asimov, Robert

Heinlein, Fritz Leiber, Frederik Pohl, o britânico Arthur C. Clarke, Poul Anderson. A

eles seria preciso somar outros que emergiram para o êxito na mesma época, mas cuja

produção se interrompeu depois por uma vida breve ou por outras razões: Cyril

Kornbluth (morto em 1958), A. E. van Vogt, Alfred Bester, por exemplo; os que se

tornaram eminentes a partir dos anos 50 e continuam ativos, como Ray Bradbury; e,

ainda, escritores mais antigos, como Jack Williamson, Clifford D. Simak e L. Sprague

de Camp, que continuaram escrevendo até a década de 1990.

Conklin previu, com acerto, o boom editorial da ficção científica em forma

de livro, além da expansão nunca vista das vendas de revistas especializadas no

gênero. Estas últimas, porém, começaram a declinar já na década seguinte, ao

contrário do que aconteceu com as publicações em forma de livro.

A ficção científica embarcou, com outros gêneros de literatura popular, na

revolução editorial e de marketing associada, nos Estados Unidos e logo em outros

países, ao livro - de bolso ou em outro formato - desprovido de capa dura, barato,

publicado em grande quantidade para um mercado maciço, objeto de grandes

campanhas publicitárias e promocionais, embora, em muitos casos, os livros saíssem

previamente em edição de capa dura. De início, esta explosão editorial dos livros se

fez reimprimindo material que aparecera anteriormente nas revistas. De fato, até o fim

do período agora abordado, a regra, mais do que a exceção, foi que os relatos de

ficção científica fossem publicados primeiro em forma seriada, em revistas, só depois

em livros. Grandes editoras - Doubleday, Simon and Schuster, depois Ace Books e

Ballantine, entre outras - começaram a tirar do mercado as pequenas, que haviam

iniciado o boom editorial. Outrossim, na década de 1960 as revistas de ficção

científica começavam a ser seriamente abaladas em suas finanças pela concorrência

dos livros.

Uma evolução similar ocorreu na Inglaterra, com algum atraso no tocante à

qualidade das obras publicadas em formato de bolso ou sem capa dura, de nível

bastante baixo até o final da década de 1950; ali também, gigantes como Weidenfeld

& Nicolson investiram pioneira e pesadamente no setor. Autores como John

Wyndham (1903-1969) - que, no entanto, escrevia havia muito, com sucesso

moderado, usando vários pseudônimos - e John Christopher (1922- ) emergiram para

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a fama em função de tal movimento editorial. A França e a Itália conheceram também

uma grande expansão das edições de ficção científica, nestes casos tendendo a

predominar, no conjunto, as traduções do inglês sobre as produções nacionais, como

também acontecia em muitos outros países.

Se recordarmos, acerca da década de 1950, que ela viu o primeiro boom

efetivo da ficção científica também no cinema e em séries de TV, além de que sua

primeira metade presenciou igualmente o auge inicial das histórias em quadrinhos

desse tipo (destacando-se as produções da empresa EC Comics), não pode haver

qualquer dúvida acerca da vitalidade, na época, do nosso objeto de estudo. Isto se

espelharia, na década seguinte, na criação da associação dos escritores

estadounidenses de ficção científica, Science Fiction Writers of America (1965); e, já

em 1953, no estabelecimento do mais famoso prêmio de ficção científica, conhecido

como Hugo (o outro grande prêmio do setor, Nebula, apareceria em 1965).

Associação profissional e prêmios vincularam-se ao caráter crescentemente coletivo e

institucionalizado do mundo da ficção científica, marcado pelas poderosas empresas

que investiram no gênero, mas igualmente por congressos regulares e por vigorosas e

influentes associações de fãs.

Cabe notar, entretanto, que o período agora analisado provavelmente

concluiu a vigência - que parece ter durado de 1926 a 1965 - da ficção científica como

gênero separado e definível em seus contornos com alguma facilidade. Por volta de

1968, instalara-se já uma forte tendência a tornar-se minoritária a ficção científica

hard, aquela que delimitava o que, como vimos, se conhece como genre science

fiction, em favor da preocupação com temáticas de outros tipos: mutantes, poderes

extra-sensoriais, enfoques sociológicos e psicológicos...

O anterior tem a ver com as próprias razões históricas da emergência com

tanta força da ficção científica no imaginário popular do pós-guerra. Uma delas foi,

sem dúvida, ter melhorado muito de nível com o passar do tempo a produção média

dos escritores especializados no setor. Interessa-nos mais neste contexto, entretanto, o

fato - propalado com insistência pelos editores e promotores - de ter a ficção científica

prenunciado corretamente e com grande antecedência a invenção da bomba atômica e

o uso da energia nuclear, os foguetes de longo alcance, os satélites artificiais (uma

realidade desde 1957), os vôos espaciais (o primeiro desembarque na Lua se daria em

1969), por exemplo. Ora, estes e outros elementos eram vistos ambiguamente pelo

público em geral, em função da Guerra Fria e do perigo atômico, da rivalidade entre

blocos políticos e ideológicos que partilhavam o mundo, do enorme custo financeiro

da corrida espacial entre os Estados Unidos e a União Soviética. Se o ânimo, nos

Estados Unidos, na Inglaterra e em outros países, logo após a Segunda Guerra

Page 23: A FICÇÃO CIENTÍFICA

23

Mundial, era de euforia pela derrota do nazismo e seus aliados, novas preocupações

estavam emergindo não muito mais tarde.

Os anos 1955-1965, em retrospectiva, parecem ser o limiar de uma época

diferente: foram os anos em que iniciaram sua expansão a pílula anticoncepcional, o

transporte comercial em aviões a jato, os computadores; em que a enorme influência

dos meios de comunicação de massa se tornou mais perceptível. Nos Estados Unidos,

pela primeira vez se percebeu que os trabalhadores dos setores primário (agricultura e

atividades extrativas) e secundário (indústrias de transformação) da economia estavam

sendo superados em número pelos do setor terciário (aqueles ligados ao comércio, aos

serviços e à gestão), ao mesmo tempo que se manifestava grande preocupação com

um crescimento urbano que não parecia conhecer limites e com seus efeitos perversos,

em reação aos quais o movimento em direção aos novos subúrbios de classe média

tornara-se já muito forte.

Em suma, transformações radicais nas vivências do século XX, percebidas

primeiro nos Estados Unidos, não demoraram a ter efeitos sobre as temáticas da

ficção científica que, como subsetor da cultura de massa, é muito sensível às

preocupações socialmente predominantes. Isto foi notado em diversas análises. Isaac

Asimov, por exemplo, percebeu três etapas sucessivas no gênero: ficção científica

com domínio da aventura (1926-1938), com acento tecnológico (1939-1950) e de

tônica sociológica (depois de 1950). Uma visão diferente é a de John Clute: em 1942,

predominavam na ficção científica as narrativas de impérios; em 1952, as que

salientavam a hybris ou soberba, prenúncio da queda; em 1962, as que focalizavam o

solipsismo, aparecendo o mundo real como algo cuja existência dependia do eu

individual. Note-se, porém, que o período que ora estudamos tinha características

mistas. Ainda era muito forte então, nos Estados Unidos e alhures, a ficção científica

hard e triunfalista; mas começavam a surgir tendências menos otimistas, em parte

influenciadas em seus inícios pelo movimento beat, que terminariam por confluir, no

final da década de 1960, na new wave, fase prenunciada no cinema, desde 1965, por

um filme francês: Alphaville, dirigido por Jean-Luc Godard.

Por dominante que seja a ficção científica norte-americana, entendida como

um subsetor da cultura popular ou de massa profundamente marcado pelo marketing,

por mais que tenha repercussões indubitáveis no mundo todo, mesmo nos Estados

Unidos, com maior razão em outros países, seria uma simplificação limitar o gênero a

tal aspecto. Escritores como o britânico George Orwell (1903-1950), o autor de 1984

(1949), o polonês Stanislaw Lem (1921- ) - cuja melhor fase é provavelmente a que

se estende de 1956 a 1968 (por exemplo: Soláris, de 1961) -, os irmãos russos Arkady

e Boris Strugatsky (1925-1991 e 1931- ), o norte-americano George R. Stewart

(1895-1980), com o seu Earth abides (“A Terra permanece”, 1949), nada tiveram a

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ver com o mundo, subcultura ou como se quiser chamar, gerado primeiro na era das

revistas pulp; produziram, no entanto, algumas das melhores narrativas de ficção

científica do período que acabamos de focalizar.

6. New wave (1968-1982)

Às preocupações anteriores com um mundo e relações sociais que mudavam

rapidamente demais, o final da década de 1960 viu agregarem-se outras: destruição

ecológica e superpopulação, tendo sido grande o impacto do Relatório ao Clube de

Roma, elaborado por técnicos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (M.I.T.),

com suas projeções alarmistas estendidas até o ano 2100; envolvimento dos Estados

Unidos no Sudeste asiático, com as matanças e atrocidades resultantes agora muito

divulgadas e debatidas, em especial depois que começaram a morrer também muitos

jovens norte-americanos; auge do terrorismo organizado; a autodenominada

“revolução sexual”. Outrossim, em 1968 deu-se a eclosão na França, mas também em

muitos outros países, incluindo os Estados Unidos, de maciços protestos estudantis

acompanhados - em particular nos Estados Unidos - de idéias do que se chamava na

época de “contracultura”, associada ao movimento hippy que teve no filme Sem

destino (Easy rider: 1969) um de seus ícones principais.

A este contexto, aquele específico da ficção científica somou outras

influências. O filme 2001: uma odisséia no espaço (1968), fazendo com que se

levasse a ficção científica a sério no cinema - o que antes já acontecia na Europa mas,

não, nos Estados Unidos -, teve efeitos também na literatura. Aceitava-se agora, mais

que antes, a ficção científica como gênero respeitável e para adultos. Muitos escritores

do ramo iniciaram um movimento deliberado - embora de modo algum organizado -

no sentido estilístico, no que na verdade foi uma influência de mão dupla entre as

estratégias narrativas da literatura em inglês chamada mainstream e da de ficção

científica. Diversos autores de ficção científica conseguiram, de fato, atravessar a

barreira e passaram a ser considerados autores de “alta” literatura: por exemplo Ray

Bradbury e Kurt Vonnegut, nos Estados Unidos; na Grã-Bretanha, J. G. Ballard e

Michael Moorcock.

A preocupação da cultura popular com os problemas da época, nos Estados

Unidos acoplada à crise do mito da presidência (o escândalo envolvendo o vice-

presidente Spiro Agnew e em seguida o de Watergate, em 1973-1974, que levaria ao

fim da era de Richard Nixon), conduziria a uma onda de pessimismo, fortemente

distópica, nos escritos de ficção científica, muito mais críticos agora dos valores

ocidentais: de gênero machista e, nos países ocidentais, situado tradicionalmente à

direita que era, passou a contar com um setor de esquerda e uma ala feminina (e

feminista) consideráveis. Ironicamente, isto era contrabalançado por acontecer no

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25

bojo de um movimento mercadológico sem precedentes, que culminaria depois de

1980.

New wave, tradução inglesa de nouvelle vague - etiqueta de início limitada a

certo tipo de cinema experimental associado a diretores como Godard ou Truffaut, por

exemplo -, foi expressão que começou a ser usada no final da década de 1960 também

para caracterizar as novidades que se faziam presentes no modo de escrever ficção

científica. Tal uso e portanto a percepção das novidades em questão começaram na

Inglaterra, associando-se à revista New Worlds, que na época, sob a batuta de

Moorcock, favorecia o tipo de escritos de que se trata ao falar de new wave. Assim, de

início viu-se o movimento - nunca organizado - como estando associado a autores

britânicos do tipo de Brian Aldiss, J. G. Ballard, Christopher Priest ou o próprio

Moorcock, mais tarde Ian Watson. É curioso observar um caso como o de John

Brunner, até então autor de ficção espacial otimista (space opera), o qual embarcou

com entusiasmo na nova onda distópica.

As tendências em questão, porém, também se faziam presentes nos Estados

Unidos e em muitos outros países, sem mencionar os fortes intercâmbios entre

ingleses e norte-americanos no setor; de modo que a consciência de uma “onda nova”

(ou, se se preferir, “bossa nova”) na ficção científica logo se estendeu além das

fronteiras do Reino Unido. A ela estão ligados Thomas M. Disch, Harlan Ellison,

Robert Silverberg, Roger Zelazny, Samuel R. Delany, autores que vinham de uma

carreira anterior mas tomaram consciência de que a genre science fiction acabara por

tornar-se uma camisa de força ou, o que é pior, uma coleção de clichês. Autores

emergentes que começaram a ser importantes já na nova tendência foram, por

exemplo, Barry N. Malzberg, Gene Wolfe e Michael Bishop. Mesmo romancistas

como Stanislaw Lem e os irmãos Strugatsky, na Europa Oriental, associaram-se às

temáticas, às preocupações e eventualmente às estratégias narrativas da new wave, o

que demonstra que a “cortina de ferro” já não funcionava com a força de antes: em

um escrito autobiográfico, Lem conta que, até a década de 1950, era-lhe pouco menos

que impossível conseguir livros ocidentais de ficção científica na Polônia. Note-se

que, como sempre acontece com movimentos não-organizados e passavelmente

heterogêneos como este, alguns autores - é o caso de Thomas M. Disch, por exemplo -

pretenderam não estar associados à new wave, por mais que houvesse elementos para

que se afirmasse o contrário; ou, até mesmo, proclamaram que ela não existia.

Escritores e críticos vinculados à genre science fiction, tais como Ben Bova,

David Kyle, Sam Moskowitz e Donald A. Wollheim, reagiram negativamente às

novas tendências, como era previsível. Ressentiam-se, sobretudo, de que, na ficção

científica, o elemento ficção agora primasse em caráter absoluto sobre o elemento

ciência. Não estavam equivocados: já dissemos que, por volta de 1965, estavam-se

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encerrando as quatro décadas durante as quais, pelo menos no subsetor da cultura de

massa gerado nas revistas pulp de ficção científica, o gênero estivera passavelmente

fechado em seus próprios circuitos e regras, o que o tornava familiar, confortável,

fácil de definir e delimitar.

7. Cyberpunk (1982- )

Pode-se dizer que a consciência de uma fase diferente na ficção científica foi

evidenciada primeiro pelo cinema: Blade runner, o caçador de andróides (1982), de

Ridley Scott, constituiu-se no primeiro produto cultural que chamou a atenção para

isso. No filme, o futuro próximo, representado por ruas repletas de passantes sob uma

chuva constante, pelo contraste de elementos de alta tecnologia e da publicidade

vistosa - japonesa e relativa à vida nos mundos em processo de colonização, por

exemplo - com a pobreza, a ruína e o lixo, traduzia-se em imagens que tiveram um

poderoso impacto, independentemente dos defeitos (narrativos e outros) do próprio

filme. Outro diretor muito influente na criação da imagem cyberpunk foi - no domínio

do horror com eventuais elementos de ficção científica - David Cronenberg;

Videodrome, a síndrome do vídeo (1982) é emblemático do cyberpunk e suas

temáticas: metamorfoses corporais, sexo como fator de destruição, impacto intrusivo e

devastador dos meios de comunicação de massa na vida dos indivíduos.

O período em questão, posterior a 1980, viu chegar o auge mercadológico da

ficção científica, marcado entre outras coisas pelo entrecruzamento dos veículos ou

meios de expressão. Filmagens de romances (modificando-os em forma extrema

muitas vezes), romances derivados de roteiros de filmes, séries de TV engendrando

histórias em quadrinhos, romances ou filmes, além de outras possibilidades, não eram

propriamente uma novidade, vinham sobretudo da década de 1950; mas, agora,

intensificaram-se muito. A partir da década de 1980, o gênero tornou-se um

verdadeiro pesadelo para os que tentassem compilar bibliografias e catálogos, devido

a tais influências cruzadas entre setores. Sem mencionar que filmes e séries de TV

engendram, além de livros, revistas e fotonovelas, também bonecos, maquetes,

camisetas e outros objetos cujo marketing envolve milhões de dólares.

O termo cyberpunk parece ter sido cunhado em 1983 por Bruce Bethke, num

conto homônimo. O editor e escritor Gardner Dozois dele se apossou

entusiasticamente para caracterizar uma tendência que enxergava nos escritos de

Bruce Sterling, William Gibson e Lewis Shiner, por exemplo. Na denominação, o

elemento cyber remete a cibernética e punk foi tomado à terminologia roqueira dos

anos 70. Aplica-se a relatos marcados por elementos temáticos bem definidos: um

futuro quase sempre próximo, dominado por grandes corporações capitalistas, seja na

Terra, seja no espaço, globais mais do que nacionais, as quais controlam redes

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mundiais de informação; as possibilidades do corpo humano aumentadas por

implantes de elementos mecânicos e cibernéticos, pela engenharia genética ou pelo

uso de drogas; a realidade virtual como uma espécie de mundo à parte, ao mesmo

tempo simulacro e realidade alternativa em que se movem as personagens; bandos de

rua rivais, hostis aos poderes estabelecidos, agressivos (há um verdadeiro culto à

violência, embora mais sistematicamente no cinema), agindo em cidades cheias de

lixo e sucata; desilusão e alienação: uma estratégia narrativa típica do cyberpunk é a

do desvelamento, camadas sucessivas de engodo, falsas aparências e falsas

informações sendo sucessivamente removidas diante dos olhos de um herói muitas

vezes frágil e perplexo.

De certo modo, o cyberpunk é a continuação da distopia típica da new wave,

numa época em que a generalização dos microcomputadores e das redes interativas,

bem como a presença invasora dos outros meios de comunicação de massa (TV a

cabo, telefonia celular, fax), trouxeram a informática e os problemas envolvendo a

informação, seu controle e sua transmissão ao proscênio, já que se haviam

transformado em fatos da vida quotidiana. Alguns autores consideram o cyberpunk

como subsetor do pós-modernismo literário, uma de cujas características é a

fragmentação da narrativa, explodindo-se os esquemas tradicionais do modo linear de

contar histórias, com grande influência, em literatura, do estilo nervoso de montagem

dos filmes de ação e dos videoclips televisivos.

As discussões em torno do cyberpunk - cujo profeta maior foi Bruce Sterling

-, bem mais veementes do que as que acompanharam a new wave, tentaram

transformá-lo num movimento político progressista, a única tentativa à vista de

sacudir a complacência de uma ficção científica dominada pelo marketing. Mas a

verdade é que este último também domina o cyberpunk, em literatura como em seus

outros meios de expressão.

Analogamente ao fato de que a new wave nunca eliminou as formas mais

antigas de escrever ficção científica, o mesmo pode ser dito do cyberpunk. Autores

como Asimov, Clarke e outros sofreram, sem dúvida, alguma influência das novas

tendências; mas não mudaram radicalmente seu estilo, suas temáticas, a ênfase numa

ficção científica do tipo hard. Isto não impediu que vendessem muito bem e

acumulassem prêmios também depois de 1982. Na verdade, a new wave e mais ainda

o cyberpunk, apesar de sua novidade, foram movimentos influentes mas minoritários.

Um dos grandes opositores do último foi o romancista Orson Scott Card, que escreveu

em 1990:

“...a pior coisa acerca do cyberpunk era a pouca profundidade de seus

imitadores. Joguem-se algumas drogas numa interface de cérebro com

microchips, misture-se com uma contracultura vagamente no estilo dos anos

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60, então use-se uma linguagem realmente artificial e afetada: o resultado será

o cyberpunk.”9

O movimento cyberpunk, na literatura como no cinema, foi grande criador de

clichês e fórmulas prontas, exploradas cinicamente pelo marketing. Mas esta

constatação não o esgota. Norman Spinrad vê no movimento em questão um novo

romantismo - ou, mais exatamente, a confluência entre o impulso romântico, a ciência

e a tecnologia. De certa forma, tratar-se-ia da reconciliação, sobre bases diferentes,

dos dois elementos da expressão “ficção científica”, cujo aspecto integral teria sido

afetado primeiro por uma ênfase exagerada no componente científico e, a seguir e

contraditoriamente, pelo exagero do elemento ficcional em detrimento da

preocupação científica e tecnológica. Retomando uma opinião de John Clute que já

citamos no tocante a fases anteriores, acha ele que, em 1972, as histórias de ficção

científica enfatizavam o castigo que se segue à falta cometida, em 1982 a memória,

em 1992 a exogamia (preocupação com o multiculturalismo, a alteridade; fusão de

gêneros também).

9 Apud CLUTE, John e NICHOLLS, Peter (orgs.). The encyclopedia of science fiction. New York:

St. Martin’s Griffin, 1995, p. 289.

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III. Outros domínios da ficção científica

1. História em quadrinhos

A primeira história em quadrinhos propriamente dita - isto é, contendo as

características formais básicas desta forma de expressão - foi publicada em 1833:

trata-se de L’histoire de M. Jabot (“A história do senhor Jabot”), desenhada em 1831,

cujo autor foi o desenhista suíço Rodolphe Töppfer. Era o que hoje em dia se conhece

como romance gráfico (graphic novel), ou seja, uma narrativa completa de dimensões

consideráveis, publicada como se fosse um livro ou revista contendo uma única

história. Tal forma de dar a público histórias em quadrinhos, mesmo tendo sido a

primeira a surgir, demorou muito a se firmar no mercado, o que só ocorreu na segunda

metade do século XX. Até então, a história deste meio de expressão existiu em

ligação privilegiada e quase exclusiva com publicações periódicas - jornais; revistas

que divulgavam também outros tipos de matérias; revistas contendo várias histórias,

em inglês conhecidas como comic books -, nas quais as histórias em quadrinhos

apareciam em forma habitualmente seriada.

No tocante às histórias em quadrinhos pertencentes, no plano temático, à

ficção científica, seria possível mencionar em primeiro lugar uma série devida a

desenhista anônimo, surgida em 1895 na Inglaterra: Our office boy’s fairy tales (“Os

contos de fadas de nosso contínuo”), na qual uma família vivia aventuras nada

plausíveis no planeta Marte. A linguagem gráfica usada posteriormente para narrar

ficção científica em quadrinhos desenvolveu-se mais na série fantástica de Winsor

McCay, publicada no jornal New York Herald de 1905 a 1911, Little Nemo in

Slumberland (“O pequeno Nemo no País do Sono”).

Na década de 1920 a depressão subseqüente à Primeira Guerra Mundial

suscitou uma demanda de narrativas escapistas, tendência ampliada depois pela crise

de 1929, a que se seguiu a depressão da década de 1930. Em tal contexto é que

surgiram os primeiros seriados de ficção científica - que podem ser adscritos ao

gênero muito mais pela temática (outros mundos, viagens espaciais) do que pelo

tratamento, decididamente da ordem do fantástico e do romance épico de aventuras:

Buck Rogers in the 25th century (“Buck Rogers no século XXV”), de bem longa

duração (1929-1967), destinado a um público adulto e cuja origem foi um romance

seriado numa revista pulp, Amazing Stories; Flash Gordon (iniciado em 1934,

contando em sua primeira fase com o belo desenho de Alex Raymond); e outros. Na

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Europa, materiais similares apareceram pouco depois, na França (a partir de 1937:

séries desenhadas por René Pellos) e na Inglaterra (Garth, que teve início em 1943).

As primeiras revistas contendo unicamente histórias em quadrinhos (comic

books), cujo início data de 1934, foram simplesmente reedições, nesta forma, de

narrativas de sucesso antes seriadas em jornais ou revistas de variedades. Mas a

demanda cresceu e, com isto, surgiu a era dos super-heróis, sendo o primeiro o Super-

Homem, lançado em 1938 pela Action Comics, cujo sucesso não demorou a engendrar

outras personagens similares, como o Capitão Marvel da Marvel Comics. Note-se que

as histórias de super-heróis são ficção científica só marginalmente, não em sua

essência, no tom ou nos objetivos. Juntamente com narrativas do tipo das épicas

espaciais (space operas), cuja idéia vinha das revistas pulp, estavam presentes na

primeira revista de histórias em quadrinhos exclusivamente dedicada à ficção

científica, Amazing Mystery Funnies (1938-1940), que lançou desenhistas importantes

nesse meio de expressão, como Bill Everett, Will Eisner e Basil Wolverton.

A explosão editorial das histórias em quadrinhos de todos os tipos, ocorrida

na década de 1940, permitiu, no início da década seguinte, um primeiro auge da ficção

científica em tal veículo. Houve revistas derivadas de séries de televisão, como Space

Patrol (“Patrulha espacial”:1952) e Tom Corbett, Space Cadet (“Tom Corbett, cadete

do espaço”: 1952-1956), cujas personagens também freqüentavam os jornais diários.

Muitas das narrativas da época refletiam o militarismo - derivado da vitória na

Segunda Guerra Mundial e da participação dos Estados Unidos na Guerra da Coréia

(1950-1953) - e a paranóia anticomunista da primeira fase da Guerra Fria. O melhor

da década, entretanto, ficou por conta da EC Comics, editora responsável por

numerosas revistas, de horror algumas, de ficção científica outras (por exemplo,

Weird Science Fantasy, Incredible Science Fiction). Em tais publicações, entre 1950 e

1956, apareceram as melhores histórias de ficção científica em quadrinhos existentes

até então, desenhadas por mestres como George Evans, Frank Frazetta, Wallace

Wood, Al Williamson e outros. Tais histórias mostravam um gosto por finais

surpreendentes que parece derivar da leitura de Philip K. Dick. Várias delas foram

adaptações de contos de Ray Bradbury e, em menor quantidade, também de outros

escritores (como a dupla de irmãos que assinava Eando Binder).

O boom da década de 1950 foi interrompido - literalmente - pelos resultados

da campanha contra os quadrinhos chefiada por um médico alemão emigrado para os

Estados Unidos, Fredric Wertham (1895-1981), e da investigação levada a cabo por

uma subcomissão do Senado, coisas que acabaram por confluir, levando ao

surgimento do Comics Code (“Código das histórias em quadrinhos”), bem como da

Comics Magazine Association of America (“Associação das revistas de histórias em

qudrinhos dos Estados Unidos”) , que se encarregou da aplicação do código (1954).

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31

A campanha pública de Wertham começou em 1948, culminando no livro

Seduction of the innocent (“A sedução do inocente”), de 1954, em que expunha casos

de delinqüência de menores em que os culpados sempre admitiam terem-se inspirado

nas histórias em quadrinhos, assim enfocadas como um fator do aumento, percebido

na época, da violência e da criminalidade, em sua modalidade infanto-juvenil. Em

1948 tal campanha já levara a queimas públicas de revistas de histórias em

quadrinhos. O Senado instalou em 1950 uma comissão para investigar o crime

organizado, a qual, numa subcomissão específica, ouviu grande quantidade de pessoas

- incluindo o Dr. Wertham e desenhistas e editores dos quadrinhos - e, em 5 de junho

de 1954, concluiu pela má influência dessa forma de expressão, em especial quando a

temática fosse o crime ou o horror.

Em tal contexto, ameaçados de extinção - a comissão senatorial recomendava

a eliminação da produção, distribuição e venda das revistas em quadrinhos -, os

editores dessas revistas formaram a sua Associação já mencionada; e esta adotou, em

26 de outubro de 1954, o aludido Comics Code, a ser por ela gerido, num processo de

autocensura (o que a subcomissão senatorial declarou no ano seguinte ser um passo

positivo). Posteriormente aplicado pela Comics Code Authority, o código foi

modificado em 1971 e 1994; ainda em vigor na atualidade, na prática seu rigor

diminuiu com o tempo. Mas tal código não parece ter resultado unicamente de uma

reação de defesa dos editores ameaçados: houve, nele, um conluio dos outros editores

contra o sucesso de público de William Gaines e sua EC Comics, no sentido de

eliminá-los do mercado. Isto se nota, por exemplo, num dos pontos específicos do

código em sua forma original:

“Cenas que abordam - ou instrumentos associados a - mortos-vivos,

tortura, vampiros e vampirismo, almas penadas, canibalismo e licantropia são

proibidas.”10

A EC Comics tivera especial êxito em seus títulos de horror, recheados de

almas do outro mundo, vampiros e lobisomens. E, de fato, Gaines retirou do mercado

a maior parte de seus títulos pouco após a aprovação, pela subcomissão senatorial, do

código e da Associação (que nomeara um administrador do código) como “passos na

direção certa”. Seguiu-se um período de estagnação e falta de originalidade nos

quadrinhos dos Estados Unidos.

Na Inglaterra, em 1950, surgiu a história em quadrinhos seriada Dan Dare -

pilot of the future (“Dan Dare: piloto do futuro”) - criada por Frank Hampson para o

semanário infanto-juvenil Eagle -, que continuou até 1969, sendo retomada

10 SHUTT, Craig. “Código”. Wizard. 8, março de 1997, p. 48-51.

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posteriormente para durar até 1992. Mesmo na ausência de algo semelhante ao código

norte-americano de 1954, as aventuras de Dan Dare se caracterizavam não só por

evitarem temas ousados como o sexo, mas até mesmo pela escassez de personagens

femininas. Eram, entretanto, muito bem-desenhadas. Desenvolviam temas espaciais e

épicos, com conotação militar. Arthur C. Clarke foi consultor da série durante o

primeiro semestre de existência da mesma.

Nestas últimas décadas, em especial a partir da segunda metade da década de

1970, mudanças consideráveis na linguagem e nos temas chegaram ao mundo dos

quadrinhos - incluindo os de ficção científica - por uma enorme influência das formas

da narrativa cinematográfica e também, o que trataremos de detalhar a seguir, pela

junção de tradições da própria história em quadrinhos até então separadas ou

paralelas.

O sexo chegaria à história em quadrinhos de ficção científica através da série

francesa Barbarella, de Jean-Claude Forest, iniciada em 1962 na revista V. Magazine.

As aventuras espaciais - numa paródia da space opera das revistas do tipo pulp dos

anos 1930 e 1940 - e acima de tudo eróticas da pouco vestida heroína fizeram escola

dentro e fora da França (neste último país, os censores a perseguiram bastante).

Filmada por Roger Vadim em 1967, Barbarella influenciou em forma duradoura a

temática da ficção científica em quadrinhos para adultos. Mas o influxo assim iniciado

não foi unicamente temático: significou também o início de uma confluência de duas

das grandes tradições da história em quadrinhos neste século - a anglo-saxônia e a

franco-belga - em termos de ficção científica. Em tal sentido, foi ainda mais

importante a difusão da estética e do estilo da revista francesa Métal Hurlant (1975-

1987) fora de seu país de origem. A revista, em que atuaram artistas de peso,

incluindo Forest, que antes criara Barbarella, e sobretudo Moebius (Jean Giraud), foi

influente ao ponto de suscitar similares nos Estados Unidos (Heavy Metal: 1977- ),

Itália, Holanda e Espanha. Além de inspirar tipos de ilustração e de disposição dos

quadrinhos na página diferentes dos anteriormente existentes nos quadrinhos de ficção

científica, enfatizou tematicamente o erotismo, o horror, o grotesco e o épico.

Moebius, desde 1985 residente na Califórnia, atuou em áreas variadas além da que

aqui nos interessa: foi, por exemplo, contratado em diversas ocasiões para elaborar o

design de filmes importantes de ficção científica (como Alien, o oitavo passageiro, de

Ridley Scott, em 1979), aos quais levou uma tradição de desenho proveniente da linha

franco-belga de histórias em quadrinhos.

Paralelamente, ou talvez um pouco mais tarde, outra influência que se estava

generalizando, em especial no enorme mercado norte-americano, era a da história em

quadrinhos japonesa - sendo o Japão, por sua vez, um país com um imenso mercado

próprio para os quadrinhos e uma tradição específica de desenho e diagramação.

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Os mangás japoneses são às vezes muito volumosos, lidos da direita para a

esquerda. Contêm, eventualmente, mais de cem páginas em preto e branco (ou

coloridas em cor única). Osami Tezuka, mais conhecido por seus desenhos animados,

foi, logo após a Segunda Guerra Mundial, o criador do “mangá de história longa”, que

capacitou narrativas mais complexas, às vezes, mesmo, com aprofundamento

psicológico de personagens. Mais até do que nos Estados Unidos, as revistas em

quadrinhos japonesas estabeleceram uma relação simbiótica com outros setores da

cultura popular: muitas séries publicadas em mangás tornaram-se desenhos animados,

seriados de televisão, filmes, jogos de vídeo ou computador, livros etc. A ficção

científica é apenas um dos muitos gêneros - alguns não-ficcionais - cobertos pelo

mangá japonês. Se continua sendo verdade que as mais populares destas revistas têm

tiragens de mais de um milhão de exemplares, a indústria dos mangás atravessa

problemas de mercado na atualidade, em parte devidos à forte concorrência de outras

formas de lazer: aquelas ligadas ao computador, por exemplo. A maior diferença dos

desenhos de mangá para com os das tradições ocidentais é que, sendo as histórias

longas, os artistas desenham em forma mais caricatural, mais esboçando do que

detalhando. Artistas norte-americanos que adotaram este estilo de traço são, por

exemplo, Billy Tucci e Joe Madureira.

Se examinarmos alguns títulos recentes, como por exemplo Primortals e Lost

Universe, ambos lançados em 1995 pela Tekno-Comix norte-americana, a confluência

das tradições dos Estados Unidos, franco-belga e japonesa aparece muito claramente

em diversos níveis: linguagem específica (no sentido semiótico do termo, isto é,

verbal e não-verbal: no caso, gráfica) no uso do meio de expressão, temáticas,

desenho.

Outra tendência das últimas décadas é à multiplicação dos romances gráficos

(graphic novels), desde fins da década de 1970 sobretudo. Podemos definir esta

modalidade como sendo uma narrativa completa e autocontida em forma de revista

(às vezes de livro) de história em quadrinhos. Não se trata de veículo novo: vimos que

foi, mesmo, mais antigo do que os quadrinhos seriados dos jornais e das revistas.

Neste século existiu, esporadicamente, em paralelo a estes últimos, por exemplo nos

trabalhos de Frans Masereel (1889-1972). A expressão graphic novel foi cunhada em

1977 pelo veterano artista Will Eisner. Embora nos anos 1980 houvesse trabalhos

neste formato - que permite a artistas ambiciosos uma amplitude de expressão bem

maior do que em outros - destinados a um público adulto e apresentando um nível

claramente superior à média das revistas de histórias seriadas em quadrinhos, devidos

a artistas como Art Spiegelman, Alan Moore/David Gibbons ou Frank Moore, entre

outros, na década de 1990 muitos romances gráficos são rotineiros e carecem de real

interesse, apesar de seu alto preço de venda.

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2. Cinema

A existência de uma enciclopédia relativa ao cinema de ficção científica cuja

cobertura chega perto de estar completa (independentemente dos critérios de inclusão

ou exclusão, sobre cujas bases não há unanimidade), compilada por Phil Hardy,

permite-nos, de início, apresentar uma quantificação do gênero no cinema, de 1921 a

1993: isto é, a representação, numa curva estatística, dos lançamentos de filmes de

ficção científica, ano a ano, durante o período em questão. Note-se que a enciclopédia

mencionada provê informações desde 1895 e chega até 1994. Este último ano foi

descartado por parecer incompleto no livro.

Quanto ao período anterior a 1921, deixamos de incluí-lo por corresponder,

grosso modo, à fase de constituição progressiva dos traços fundamentais dos códigos

da representação e da narrativa cinematográficas. Noël Burch e Jorge Dana, que o

afirmam para período ligeiramente diferente (1895-1919), acham, e estamos de

acordo com eles, que mesmo a introdução posterior do cine sonoro significou um

reforço dos códigos dominantes da imagem instaurados naqueles anos iniciais e, não,

uma modificação deles em profundidade. Há autores, também, que ressaltam a

importância, na formação do cinema narrativo clássico, de D. W. Griffith, razão pela

qual restringem o seu período formativo propriamente dito aos anos 1908-1919: é o

caso, por exemplo, de Ismail Xavier.

Construímos o gráfico numa escala semilogarítmica, que torna as tendências

mais visíveis.

É possível analisar o gráfico em questão considerando quatro fases. A

primeira, de 1921 a 1946, evidencia grandes oscilações - aumentadas ainda pela

propensão dos pequenos números a apresentarem flutuações aleatórias pouco

significativas estatisticamente - numa tendência geral marcada por um patamar

numérico baixo: as oscilações envolvem cifras que, em média, se situam ao redor de

seis filmes por ano. A depressão que encerra o período (1939-1946) corresponde, no

essencial, à Segunda Guerra Mundial.

Vem a seguir uma fase de pouco mais de uma década (1946-1958)

caracterizada por uma ascensão abrupta, não isenta de oscilações, configurando uma

nítida mudança de patamar: é o período conhecido como “o boom dos anos 50” no

cinema de ficção científica. A partir de então pode-se falar com propriedade na

existência da ficção científica como gênero cinematográfico.

Page 35: A FICÇÃO CIENTÍFICA

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Curva dos lançamentos anuais de filmes de ficção científica (1921-1993), quantificando dados providos por Phil Hardy

Fonte: HARDY, Phil (org.). Science fiction. Woodstock (New York): The Overlook Press, 1995. Coleção “The Overlook film encyclopedia”.

O período seguinte, 1958-1976, é de depressão em termos gerais, apesar de,

paradoxalmente, conter um pico isolado que corresponde aos maiores números anuais

de filmes de ficção científica até o presente, em dois anos subseqüentes - 47 em 1965,

46 em 1966 -, vindo a seguir uma retomada da tendência à queda. A depressão se

explica por dois fatores básicos: 1) no cinema dos Estados Unidos, que

quantitativamente domina a indústria mundial, houve uma tendência, após 1958, a que

os grandes estúdios se retirassem por alguns anos do gênero, abandonando-o a

pequenos produtores independentes, ocupando-se os primeiros, eventualmente, só da

distribuição; 2) foram anos em que, no cinema, o horror suplantou e mesmo

ocasionalmente substituiu a ficção científica: como, aliás, já havia acontecido nas

décadas de 1930 e 1940, a não ser no tocante a seriados infanto-juvenis. O pico

passageiro de 1965-1966 parece dever-se a uma presença conjuntural muito mais forte

do que de costume, no cinema de ficção científica, das produções européias e

japonesas ao lado das dos Estados Unidos, situação que não iria durar.

Temos, por fim, os anos 1976-1993, fase de expansão não desprovida de

marcadas oscilações. É costume explicar-se este novo boom pelas repercussões do

enorme sucesso financeiro de filmes como Guerra nas estrelas (1977), Contatos

imediatos do terceiro grau (1977) e E.T. (1982), mas na verdade a curva já havia

mudado de sentido um pouco antes. O aspecto acidentado da curva, em dentes de

serra, liga-se muito provavelmente ao fato de dar-se esta expansão no contexto de

uma indústria cinematográfica cujo ímpeto diminui na medida em que vai perdendo

público, maciçamente, para a TV, os filmes feitos para televisão e a difusão da

televisão a cabo.

Observe-se que é perfeitamente factível considerar, em termos quantitativos,

o conjunto dos anos 1958-1993 como um bloco: caracterizá-lo-ia um patamar elevado

(mais do que quadruplicando aquele que vimos na primeira fase considerada), em

média uns 28 filmes por ano, apesar de flutuações muito consideráveis.

Uma vez feitas estas observações quantitativas, voltemos aos começos do

cinema para analisar a trajetória da ficção científica nesse meio de expressão.

Na era do cinema mudo, elementos de ficção científica estiveram presentes

desde muito cedo: por exemplo, no filme de George Méliès Le voyage dans la Lune

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36

(“Viagem à Lua”), de 1902. No entanto, existe bastante diferença entre a presença de

alguns elementos típicos da ficção científica, por um lado, e filmes que de fato

pertençam a tal gênero, por outro. Mais próximas do gênero estiveram, na década de

1920, quatro produções européias: Metrópolis (1926) e Die Frau im Mond (“A mulher

na Lua”: 1929), do alemão Fritz Lang; Paris qui dort (“Paris adormecida”: 1923), do

francês René Clair; e Aelita (1924), do soviético Jakov Protazanov. Estes filmes,

típicos do que poderíamos chamar de proto-ficção científica cinematográfica,

evidenciam, no final da fase do cinema mudo, um contraste com os filmes dos

Estados Unidos.

Na Europa, em especial na Alemanha e na Rússia, notamos o impacto de um

expressionismo cuja origem estava no teatro, em oposição a um predomínio entre os

norte-americanos, já então, de uma busca da ação rápida, do apelo à técnica e aos

objetos e do melodrama à maneira de Hollywood. Além disto, o nível daquilo que se

produzia na Europa estava, então, muito acima do que saía dos estúdios dos Estados

Unidos. É verdade que o diretor Fritz Lang teve uma fase estadounidense, à qual

trouxe seu estilo expressionista.

Já na época do cinema falado, as décadas de 1930 e 1940 se caracterizaram

pelo fato de que os filmes de ficção científica propriamente ditos eram raros - o

exemplo mais notável sendo o britânico Things to come (“Coisas vindouras”: 1936),

dirigido por William Cameron Menzies, baseado em romance de H. G. Wells -,

embora com muita freqüência aparecessem elementos do gênero em filmes que, no

essencial, eram de horror - por exemplo o famoso Frankenstein de James Whale

(1931). Assim, em minha opinião ainda não seria possível falar, em se tratando dessas

décadas, da ficção científica como gênero cinematográfico já constituído. O mais

próximo disto que havia eram, então, seriados para um público infanto-juvenil, muito

semelhantes, em espírito, às épicas espaciais das revistas pulp, ou space operas: é o

caso das séries cujos protagonistas foram Flash Gordon (1936, 1938 e 1940) e Buck

Rogers (1939), todas com o mesmo ator, Larry Buster Crabbe, feitas com orçamentos

baixos e ostentando efeitos especiais pobres.

É verdade, entretanto, que os efeitos especiais da época já podiam ser muito

respeitáveis, como por exemplo no Dr. Cyclops (“Dr. Cíclope”: 1940) de Ernest B.

Schoedsack (com efeitos especiais de Farciot Edwards e Albert Hay), em que a

miniaturização de seres humanos, mostrada com grande realismo, era muito

convincente. Também é certo que os principais ingredientes temáticos e de linguagem

para um cinema de ficção científica propriamente dito já estavam reunidos. Faltava

algum catalisador que realizasse a junção deles, permitindo a constituição de um

gênero cinematográfico plenamente caracterizado. Isto aconteceu em 1950.

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37

Os elementos catalisadores principais foram duas paranóias, típicas do início

da Guerra Fria. Em primeiro lugar, o medo de uma invasão soviética e da bomba

atômica em mãos comunistas: o que a bomba em questão podia fazer estava bem claro

desde a devastação de Hiroshima e Nagasáki pelas bombas nucleares norte-

americanas, em 1945. Em segundo lugar, a primeira fase das pretensas observações de

discos voadores, começada em 1947, em conjunto com a idéia de que as autoridades

da Força Aérea dos Estados Unidos estavam ocultando os fatos relativos aos discos

para evitar o pânico. Também agiram como catalisadores a noção e a imagem,

poderosas, derivadas das bombas V-2 e dos experimentos nessa linha continuados por

técnicos alemães nos Estados Unidos e na União Soviética, levando a crer que a

conquista do espaço já se tornara possível e que as primeiras espaçonaves humanas

seriam impulsionadas por foguetes de forma cilindro-cônica.

Que de fato fossem estes os catalisadores parece certo. Com freqüência, as

naves em que os visitantes (quase sempre invasores) alienígenas chegavam à Terra

nos filmes tomavam a forma de discos voadores, os quais podiam também,

ocasionalmente, ser atribuídos a humanos do futuro (como em Planeta proibido,

1956). As espaçonaves humanas quase sempre eram, no entanto, foguetes cilindro-

cônicos. A bomba e a energia atômicas como temáticas eram um lugar comum no

cinema da década, a ponto de se tornarem um clichê multifuncional, em especial

criando monstros pela ação da radiação liberada provocando mutações - insetos,

aracnídeos ou polvos gigantescos, por exemplo -, ou livrando dos gelos polares seres

ameaçadores que hibernavam.

Na década de 1950, então, surgiu por fim a ficção científica como gênero

cinematográfico. Note-se que, como tal, é bastante diferente da ficção científica

literária: volta-se menos para as idéias, insiste nos efeitos especiais e nas imagens de

impacto. Sua linha narrativa é próxima à dos filmes de horror. Com a diferença,

entretanto, de que na década de 1950 era a ficção científica que, contendo elementos

de horror, tendia a subsumir este último gênero em seus filmes de monstros invasores

- por um curto período, entretanto. Tais filmes não eram propriamente pessimistas:

monstros e invasores, na maioria dos casos, acabavam sendo vencidos pelos militares

ou pela iniciativa de heróis (eventualmente cientistas) marcados por forte

individualismo, bem ao gosto da cultura popular em sua vertente ocidental.

O predomínio da chegada de invasores - A guerra dos mundos (The war of

the worlds: 1952), Assassinos do espaço (Killers from space: 1954) e tantos outros -,

ou de visitantes sem intenções de conquista, embora com menor freqüência - O dia em

que a Terra parou (The day the earth stood still: 1951), O meteoro do espaço (It came

from outer space: 1953), O homem do planeta X (The man from planet X: 1951) -,

bem como dos filmes de monstros em sua maioria, mas não sempre, derivados da

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radiação atômica ou por ela liberados - Tarântula (Tarantula: 1955), O escorpião

negro (The black scorpion: 1957), O monstro da Lagoa Negra (Creature from the

black lagoon: 1954), diversos monstros imaginados pelo cinema japonês - sobre

filmes cujos temas fossem a viagem espacial e a descrição de outros mundos -

Mundos em colisão (When worlds collide: 1951), A conquista do espaço (Conquest of

space: 1955), Planeta proibido (Forbidden planet: 1956), Náufragos do infinito (This

island earth: 1955) - se devia sobretudo a serem estes últimos muito mais caros em

sua produção, sendo difícil obter imagens convincentes do espaço sideral e de mundos

alienígenas; mas também o explica o fato de que os filmes de monstros e invasões

eram, além de baratos, muito populares. Alguns temas que vinham de décadas

passadas, como a invisibilidade e a miniaturização de seres humanos, ao lado de

temas novos que emergiam ou tinham algum desenvolvimento pela primeira vez -

robôs, a revolta de um computador superpoderoso - apareciam num plano secundário

em relação às temáticas predominantes já mencionadas. Era notável, também, o

subtexto religioso presente em numerosos filmes: Mundos em colisão, A guerra dos

mundos, A conquista do espaço.

Depois de 1958, os grandes estúdios se afastaram temporariamente do

gênero. Mas este já estava definitivamente instalado no cinema. Por enquanto, como

setor de filmes predominantemente infanto-juvenis, na esteira dos seriados

cinematográficos que haviam começado na década de 1930. Se bem que, na sua

maioria, os filmes de ficção científica da década de 1950 apresentassem uma

qualidade ruim ou duvidosa, houve também obras-primas indubitáveis. Foi o caso de

O dia em que a Terra parou (1951), em que numerosos elementos positivos - um

roteiro de bom nível literário (redigido por Edmund H. North), a economia narrativa

do diretor Robert Wise, bons atores (Michael Rennie, Patricia Neal, Hugh Marlowe),

imagens poderosas (como a do robô Gort), cinematografia e efeitos especiais

respeitáveis (devidos a Leo Tover e Fred Sersen), por fim a trilha musical muito

imitada de Bernard Herrmann - convergiram no surgimento de um dos melhores

filmes de ficção científica de todos os tempos. Outro exemplo: Planeta proibido

(1956), dirigido por Fred M. Wilcox, cujas imagens do espaço e de um outro mundo

permaneceram inigualáveis até ser lançado, doze anos mais tarde, o 2001 de Kubrick.

A década de 1960, antes de 1968, teve suas melhores produções saídas do

cinema europeu, enquanto, nos Estados Unidos, o horror se emancipava e, como no

passado, tendia a eclipsar a ficção científica como gênero cinematográfico por vários

anos - coisa que também aconteceu, mas só em parte, na Inglaterra. Da nouvelle vague

francesa resultaram Alphaville (1965), de Jean-Luc Godard, Fahrenheit 451 (1966),

filme britânico mas dirigido por François Truffaut, e Je t’aime, je t’aime (“Eu te amo,

eu te amo”: 1967), de Alain Resnais. Também da França veio Barbarella (1967), de

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Roger Vadim. Todos estes eram filmes para adultos, de um nível impossível de achar

nos Estados Unidos na mesma época. Boa qualidade aparecia mais, no cinema norte-

americano, em produções que só marginalmente podiam adscrever-se à ficção

científica, embora dela incluíssem vários elementos: é o caso dos filmes fortemente

distópicos e conspiratórios de John Frankenheimer - Sob o domínio do mal (The

Manchurian candidate: 1962), Sete dias de maio (Seven days in May: 1964) -, de Os

pássaros (The birds: 1963) de Alfred Hitchcock ou do Dr. Fantástico (Doctor

Strangelove, or how I learned to stop worrying and love the bomb: 1964) de Stanley

Kubrick. Tais obras pareciam indicar que os monstros fossem provenientes pelo

menos em boa parte de dentro, não de fora dos Estados Unidos - ou, mais em geral, do

mundo ocidental, com sua cultura característica e seus valores agora postos em

dúvida. Na Grã-Bretanha, aspectos da ficção científica foram incluídos em filmes de

suspense de enorme sucesso, os da série cujo protagonista era o agente 007, James

Bond.

Podemos considerar 1968 como um momento de especial importância no

cinema de ficção científica dos Estados Unidos: foi o ano de 2001: uma odisséia no

espaço (2001 - a space odyssey) , de Stanley Kubrick, O planeta dos macacos (Planet

of the apes), de Franklyn J. Schaffner, e A noite dos mortos-vivos (Night of the living

dead), de George A. Romero. Os dois primeiros pertenciam ao gênero; o último, só

marginalmente: mas os três tiveram um efeito muito forte nas temáticas e na

linguagem cinematográfica da ficção científica posterior. Uma ficção científica quase

sempre distópica e decididamente para adultos, numa fase de crescente perda de

confiança no sistema norte-americano, na ciência como valor positivo e na civilização

ocidental.

Na década de 1970, as tendências que pesavam acima de tudo sobre a

indústria cinematográfica tinham a ver com custos de produção crescentes ao ponto de

tornar-se astronômicos, ao passo que ocorria uma retração do público; isto significava

que menos filmes eram produzidos. Já na década anterior, dera-se o retorno dos

grandes estúdios e dos grandes orçamentos ao cinema de ficção científica. Agora

estes, no tocante ao gênero que nos ocupa, apostavam de preferência nos efeitos

especiais, como também acontecia, paralelamente, nos filmes então populares que

enfocavam desastres (incêndios, terremotos, acidentes aéreos...). O cinema

configurado como grande espetáculo parecia o único capaz de competir com a telinha

da TV. Não faltam exemplos de filmes em que os efeitos especiais primavam - e de

longe - sobre as qualidades de narrativa, ou quaisquer outras (Rollerball: os

gladiadores do futuro - Rollerball, 1975; Fuga do século 23 - Logan’s run, 1976). E

há, obviamente, exceções positivas, como Laranja mecânica (A clockwork orange:

1971), de Stanley Kubrick, o desigual mas inovador O homem que caiu na Terra (The

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man who fell to earth: 1976), de Nicolas Roeg, ou o magnífico filme soviético Soláris

(Solaris: 1971), de Andrei Tarkovsky.

A aposta nos efeitos especiais e no grande espetáculo culminou no que

muitos acham ser o segundo grande boom do gênero, inaugurado pelo sucesso

financeiro de Guerra nas estrelas (Star wars: 1977) e Contatos imediatos do terceiro

grau (Close encounters of the third kind: 1977), passando por Alien: o oitavo

passageiro (Alien: 1979), Blade runner: o caçador de andróides (Blade runner: 1982)

e E.T, o extraterrestre (E.T., the extraterrestrial: 1982), para estender-se até a

atualidade, embora com flutuações às vezes violentas, função, entre outros fatores, de

uma história complicada dos grandes estúdios cinematográficos e do controle

capitalista sobre os mesmos.

Este segundo boom contém elementos bastante variados, às vezes

contraditórios, num cinema de ficção científica, no conjunto, altamente comercial.

Uma volta do otimismo, numa onda escapista (até mesmo desembocando em filmes

bem-comportados “para toda a família”) e às vezes encharcada de sentimentalismo

açucarado e boçal. Uma visão mais distópica do que nunca do futuro próximo,

lançando a tendência chamada cyberpunk. Uma continuação da exploração comercial

do sexo na ficção científica, algo presente desde Barbarella. Uma fase fortemente

conservadora dos estúdios, conduzindo-os a querer repetir os sucessos com

continuações quase sempre lamentáveis, ou através de refilmagens de êxitos do

passado raramente bem-sucedidas; e limitadora da inventividade, sendo a aposta

habitual principalmente nos efeitos especiais - a que o computador trouxe uma

renovação de meios e uma qualidade sem precedentes na década de 1990 -, na

violência, no sexo, na reiteração incansável das mesmas fórmulas visuais ou

narrativas e no emprego de atores famosos. Mais inventivas costumam ser as

produções independentes, fora dos grandes estúdios (as do primeiro David

Cronenberg, por exemplo).

3. Rádio

Na “era de ouro” do rádio nos Estados Unidos - 1930-1950 -, era bem mais

freqüente a presença de elementos de ficção científica em dramatizações de outros

gêneros (horror, aventura, mundos perdidos) do que, propriamente, de ficção

científica no sentido exato do termo. Um exemplo disto foram os programas

produzidos por Carlton E. Morse, em São Francisco (Califórnia), desde 1929.

Antes de ser um seriado destinado às matinês cinematográficas infantis, Buck

Rogers no século XXV foi um seriado de rádio, iniciado em 1932, baseando-se na

história em quadrinhos publicada em jornais; vinculou-se principalmente ao trabalho

do produtor Jack Johnstone. Com freqüência, os episódios tinham mais de autêntica

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ficção científica do que a história em quadrinhos, bem como um nível bastante

aceitável. Nos anos 1950, séries de TV geraram séries radiofônicas - por exemplo

Space patrol (“Patrulha espacial”) e Space cadet (“O cadete do espaço”) - que,

entretanto, eram originais e, não, repetições ou adaptações dos episódios televisivos.

Sempre no domínio do público infanto-juvenil, o seriado Super-Homem (1940-

1952), proveniente, como Buck Rogers, das histórias em quadrinhos, no rádio teve

menos de ficção científica. Curiosamente, Batman e Robin apareciam ocasionalmente

no programa como personagens convidadas.

No período 1933-1951, uma das séries radiofônicas de grande audiência foi

Jack Armstrong, the all-American boy (“Jack Armstrong, o típico garoto americano”):

em 1938, o interesse nacional pela questão da energia atômica levou a episódios em

que a personagem em questão levava a cabo experimentos com um isótopo, o urânio

235.

Um dos produtores e escritores mais capazes de usar de modo adequado a

linguagem do rádio, baseada exclusivamente em palavras, sons e música, foi Arch

Oboler, o qual se especializou no horror, ocasionalmente com toques de ficção

científica, em especial no programa Lights out (“Luzes apagadas”), iniciado em 1938.

Como outras pessoas ligadas ao rádio como meio, Oboler se caracterizou por

um grande ódio à TV, que, na década de 50, adquiriu a primazia e roubou-lhe a

audiência. Em 1953, dirigiu um filme mais curioso do que bom, The twonky - uma

sátira que prenunciava Videodrome, a síndrome do vídeo (1982) -, baseado num conto

do escritor de ficção científica Henry Kuttner: um homem ganha de presente de sua

esposa um aparelho de TV que funciona como se fosse um ser pensante, começa a

controlar-lhe a vida e, no final, deve ser destruído.

Stephen King recorda que, quando criança, ficou apavorado com uma das

emissões do programa de ficção científica Dimension X (“Dimensão X”), adaptação

de um dos contos - de fato potencialmente assustador - integrante das Crônicas

marcianas de Ray Bradbury, provavelmente em 1951. Quase todos os que viveram a

era do rádio se lembram de alguma experiência similar. Uma das vantagens do rádio é

uma facilidade maior do que a da TV no sentido de obter credibilidade, já que se

limita ao meio sonoro: as imagens ficam por conta da imaginação do ouvinte,

enquanto na televisão, como também no cinema, imagens de baixo nível devido a um

orçamento insuficiente podem, com alguma facilidade, estragar até mesmo boas

idéias, ao impedirem a suspensão da incredulidade sem a qual não se entra no jogo de

uma narrativa qualquer.

O ápice das experiências radiofônicas dos Estados Unidos no domínio da ficção

científica foi a emissão do Mercury theater on the air (“Teatro Mercúrio do ar”),

programa cujo produtor e estrela era Orson Welles (1915-1985), que, em 1938,

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apresentou uma adaptação do romance A guerra dos mundos, de H. G. Wells, na

forma de rádio-jornalismo. Milhares de ouvintes de fato acreditaram numa invasão da

Terra pelos marcianos e fugiram em pânico, causando gigantescos engarrafamentos

nas estradas. É possível que tenha sido este, aliás, o mais famoso programa de rádio

de qualquer tipo em toda a história. A BBC inglesa reprisou-o em 1991. Welles

também fez uma adaptação radiofônica do Frankenstein de Mary Shelley.

A situação do rádio em países como a Grã-Bretanha e a França foi muito

diferente da dos Estados Unidos, devido à presença duradoura de emissoras estatais

poderosas e consistentes. A BBC britânica, por exemplo, não dependia de publicidade

para manter-se e não tinha, portanto, de interromper seus programas para anúncios.

Pela mesma razão, sobreviveu melhor à concorrência da televisão. O rádio, no Reino

Unido, desde a década de 1930 difundiu adaptações da obra de grandes autores da

ficção científica, como H. G. Wells e, bem mais tarde, Brian Aldiss ou John

Christopher. E, ao fazê-lo, não pensava num público unicamente infanto-juvenil,

como era o mais comum nos Estados Unidos: havia, sem dúvida, programas para

crianças e adolescentes mas, também, outros para adultos.

Uma das séries noturnas de maior sucesso no rádio britânico, na década de 1950

(embora de curta duração: 1953 a 1955), foi Journey into space (“Viagem espacial”).

Seu herói, Jet Morgan, que viajava à Lua e a Marte, chegou a ter uma audiência de

cinco milhões de pessoas, a maior da história do rádio britânico; suas aventuras foram

vendidas para mais de meia centena de países, geraram livros e uma história em

quadrinhos. Outra série similar da mesma época, neste caso derivada de uma famosa

história em quadrinhos de longa duração, foi Dan Dare, programa de aventuras

espaciais.

Mesmo se a decadência do rádio não foi tão profunda no Reino Unido quanto

nos Estados Unidos, ele sem dúvida perdeu espaço para a TV também lá. Ainda

assim, na década de 1970 e nas seguintes continuaram as iniciativas radiofônicas de

peso, como a dramatização em seis episódios da famosa trilogia de Isaac Asimov

(Fundação, Fundação e Império, Segunda Fundação).

4. Televisão

A televisão norte-americana é e sempre foi extremamente hierarquizada: só

os programas consistentemente incluídos entre os de maior audiência têm orçamentos

polpudos. Isto, sobretudo nos anos 1950, significava para a ficção científica -

considerada como veículo infanto-juvenil - um financiamento extremamente baixo. O

que, somado ao fato de serem os programas transmitidos ao vivo naquela época,

explica a aparência tão pobre dos episódios que, tendo-se conservado em filme,

podem ser revistos hoje. Mas, mesmo mais tarde, muitas tentativas de montar um bom

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programa com elementos de ficção científica, atraindo bons escritores, como a de

Steven Spielberg com Amazing stories (Histórias maravilhosas/Contos assombrosos),

em 1985-1987, deram resultados comercialmente medíocres e não puderam durar. A

ficção científica, dentre os gêneros da literatura popular, é talvez o que mais lida com

idéias. Mas a televisão comercial, sob pressão constante de patrocinadores desejosos

de evitar qualquer ponto de controvérsia, é inimiga figadal das idéias, ao optar quase

sempre pelo populismo que consiste em apelar para o nível mais baixo do público,

que ela trata como se fosse constituído inteiramente de iletrados ou débeis mentais.

Pela mesma razão, o desejo de aproveitar na TV o êxito do novo boom

cinematográfico inaugurado por Guerra nas estrelas e Contatos imediatos do terceiro

grau (ambos de 1977) fracassou rotundamente nos Estados Unidos.

A coisa funcionou de modo bastante diferente no Reino Unido ou na França

devido, também neste caso, à presença das emissoras estatais. As estações particulares

surgidas depois tiveram de competir com os níveis bastante mais elevados de uma

BBC, por exemplo, o que pode explicar uma TV que é mais intessante do que a norte-

americana, além de se aventurar e ousar muito mais. No entanto, mesmo entre os

britânicos, a ficção científica televisiva foi prejudicada pelo preconceito que a

relegava quase sempre a gênero para crianças.

Na televisão norte-americana, a primeira série de ficção científica foi

Captain Video (“Capitão Vídeo”: 1949-1953, 1955-1956). Seguiram-se outras - Buck

Rogers (1950-1951), Tom Corbett, space cadet (“Tom Corbett, cadete do espaço”:

1950-1955), Space patrol (“Patrulha espacial”: 1950-1955) etc. -, todas com

orçamentos baixíssimos e grande pobreza de cenários e efeitos especiais. Estes

últimos tinham de ser filmados previamente e então inseridos, por meio duma câmera

que apontava para a lente de um projetor cinematográfico, quase sempre de modo

perceptivelmente artificial, rompendo a unidade do episódio. Tais séries se basearam

em fórmulas derivadas, seja dos seriados das matinês de cinema, seja do rádio das

décadas de 1930 e 1940, não da literatura de ficção científica. A ciência, aliás, tinha

nelas participação muito pequena, com a exceção de Tom Corbett, que contou como

consultor científico com o famoso Willy Ley, autor de livros não-ficcionais acerca dos

outros planetas e das futuras viagens espaciais.

Na Grã-Bretanha, apesar de tudo, o panorama foi mais animador. Uma das

razões parece ter sido que, ao contrário da TV norte-americana - na qual a ficção

científica levava-se a sério a ponto de adotar um tom ocasionalmente pomposo e

declamatório, apesar de sua pobreza, o que a tornava um tanto ridícula por suas

pretensões irrealizáveis -, na do Reino Unido, sobretudo ao tratar-se de séries infanto-

juvenis, havia sempre um enfoque humorístico e um tanto irônico que salvaguardava

os programas. Os melhores, entretanto, foram para adultos.

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Em 1954, a adaptação televisiva de Nigel Kneale do romance 1984, de

George Orwell, publicado em 1949, foi a mais fiel e interessante de todas as que

existiram até a presente data, sem excetuar as duas tentativas cinematográficas de

1955 e 1984. Por outro lado, da década de 1950 foi também a série The Quatermass

experiment (“O experimento de Quatermass”: 1953, 1955, 1958-1959), muito superior

a qualquer coisa que os Estados Unidos pudessem mostrar naquela época. A BBC,

sendo pública, dava maior liberdade e orçamentos menos ridículos aos produtores

britânicos. A ausência de anúncios, outrossim, tornava desnecessário um ritmo

quebrado por suspenses artificiais, típico dos programas norte-americanos.

Nos Estados Unidos, foram de melhor nível duas séries que misturavam

horror, fantasia e ficção científica: The twilight zone (Além da imaginação: 1959-

1964), criada por Rod Serling, e The outer limits (No limite da realidade: 1963-1966).

Na década de 1960, entretanto, a série mais importante, em especial pelas

repercussões que teve posteriormente, gerando numerosos filmes, novas séries de TV,

livros, fotonovelas, histórias em quadrinhos, objetos variados de marketing, para não

mencionar convenções e clubes de fãs, foi Jornada nas estrelas (Star trek, 1966-

1969), criada por Gene Roddenberry. Apresentava roteiros de alguns bons escritores,

em especial nos dois primeiros anos - Robert Bloch, Richard Matheson, Norman

Spinrad, Theodore Sturgeon, Jerry Sohl -, e era dotada de um orçamento

relativamente alto para a televisão, bem como de atores com que o público se

identificou, com destaque para a personagem Spock, de orelhas pontudas, um ser

meio humano e meio alienígena, representado por Leonard Nimoy. O programa

sofreu, no entanto, com a repetição incansável da mesma fórmula: a tripulação da

nave espacial Enterprise, a cada episódio, encontrava alguma ameaça, quase sempre

alienígena - monstro, pseudo-deus, telepata, animal de rápida reprodução etc. -, que,

após pôr em perigo os tripulantes, era por fim contornada ou vencida. O melhor

roteiro foi o do episódio City on the edge of forever (“Cidade à beira da eternidade”,

1967), redigido por Harlan Ellison, ganhador de um prêmio Hugo em 1968:

sintomaticamente, este roteiro premiado escapava à fórmula habitual da série.

No Reino Unido, uma série que merece menção especial é Dr. Who,

transmitida desde 1963 até 1992 sem interrupções de monta, com elencos, produtores

e diretores que variaram com os anos. Trata-se de um programa infanto-juvenil, mas

de grande sucesso junto a um público numeroso de todas as idades. Sua permanência

só é explicável pela existência da BBC: nos Estados Unidos, uma série similar,

mesmo com o êxito que quase sempre teve esta que examinamos, não poderia

sobreviver por três décadas às flutuações de audiência, inevitáveis num período tão

longo. A personagem-título é um extra-terrestre instalado na Terra, o qual viaja no

tempo e no espaço, envolvendo-se em aventuras variadas. A mudança, ao longo dos

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anos, dos atores que desempenharam o papel foi racionalizada com a afirmação de o

Dr. Who ser capaz, de vez em quando, de regenerar o seu corpo, adquirindo por tal

razão nova fisionomia. Embora, como Jornada nas estrelas, esta série apresente pelo

menos um monstro por episódio, e mesmo que ela tenha ido buscar nas revistas pulp

uma multidão de idéias e roteiros, sua inteligência e humor são bem superiores. Os

monstros de maior popularidade foram os Daleks, criaturas malignas, instaladas no

interior de robôs e decididas a acabar com os humanos. A série - cujo auge de

popularidade deu-se na década de 1970 - desembocou em dois filmes para o cinema e

mesmo numa outra série de TV em 14 episódios, em 1986 (The trial of a time lord:

“O julgamento de um senhor do tempo”).

Os esforços televisivos na área da ficção científica são bem mais respeitáveis

no Reino Unido do que nos Estados Unidos; mas em ambos os casos, numa trajetória

que já se aproxima de meio século de duração, o gênero, no conjunto, não tem dado

bons resultados na TV, sendo, nela, de nível médio muito inferior ao da literatura,

mesmo ao do cinema. Aliás, filmes de sucesso geraram séries ou minisséries de

televisão, sobretudo nos Estados Unidos, só para naufragar melancolicamente na

rotina, na política medíocre de grupos fechados (quase sempre os mesmos diretores e

escritores), também em controles e pressões que estrangulam a televisão como veículo

inteligente e criativo.

É verdade, no entanto, que a profissionalização e a qualidade técnica,

incluindo a dos efeitos especiais, melhoraram muitíssimo ao longo dos anos. A

fórmula da década de 1990, nos Estados Unidos, parece ter apostado em substituir a

ênfase no monstro de cada episódio por uma insistência no dilema moral de cada

episódio, além de aderir ao “politicamente correto” e ao multiculturalismo pós-

moderno. Tem em comum com as fórmulas que a precederam uma robusta afirmação

do individualismo burguês como valor máximo, mesmo se temperado pelo espírito de

equipe.

Com o desenvolvimento dos filmes de longa metragem feitos para a TV e

sobretudo, mais recentemente, para a TV a cabo - refiro-me em especial a filmes que

não tivessem a pretensão de ser pilotos servindo ao lançamento de séries -, algumas

coisas mais interessantes puderam surgir. Um bom exemplo é o filme Protótipo 2-VR

(Prototype: 1983), dirigido por David Greene para a TVM. Além de contar com um

ator de excelente nível, Christopher Plummer, no papel do cientista-inventor, trata-se

de uma retomada inteligente, em termos da criação de um robô-andróide, do tema de

Frankenstein e sua criatura, tema este que, desde 1818, já teve tempo de transformar-

se num mito moderno e num paradigma referencial.

Page 46: A FICÇÃO CIENTÍFICA

46

IV. Alguns temas da ficção científica

1. Em busca de um contexto

Não é tão difícil elaborar, empiricamente, uma lista dos temas freqüentados

pela narrativa de ficção científica em seus principais veículos (romances e contos,

cinema, história em quadrinhos, rádio, TV). Para citar um exemplo brasileiro, o

filósofo Raul Fiker, ele mesmo autor de contos de ficção científica, escolheu fazê-lo

usando um método simples: basear-se no índice de uma enciclopédia organizada

tematicamente. Assim procedendo, listou as temáticas seguintes: 1) viagens em naves

interplanetárias e interestelares; 2) exploração e colonização de outros mundos; 3)

guerras e armamentos fantásticos; 4) antecipação, futuros e passados alternativos; 5)

utopias e distopias; 6) cataclismas e apocalipses; 7) mundos perdidos e mundos

paralelos; 8) viagens no tempo; 9) tecnologia e artefatos; 10) cidades e culturas; 11)

robôs e andróides; 12) computadores; 13) mutantes; 14) poderes extra-sensoriais.11

A lista, como qualquer outra que se fizesse, é discutível em suas inclusões e

exclusões, bem como em sua organização interna. Será desejável, por exemplo,

discutir robôs e andróides por um lado, computadores por outro, em lugar de reuni-los

sob a temática maior das inteligências artificiais, em função de um substrato

arquetípico comum que inclui tanto mitos antigos, como o de Pigmalião, quanto

modernos, como o de Frankenstein e sua criatura? É perfeitamente possível, no

entanto, a partir daquele rol, abordar descritivamente o assunto dos temas do gênero

de maneira ordenada e didática. Fiker, aliás, tem o cuidado de mostrar que os temas se

mesclam, também que podem degenerar em clichês ou estereótipos; e tenta tirar de

sua análise uma conclusão acerca da ideologia predominante na ficção científica (com

a qual não estou de acordo, mas isto é outra questão).

Quero, aqui, expor o contexto que me parece o mais adequado para pôr em

perspectiva as temáticas da ficção científica. Em minha opinião, tal contexto, relativo

à visão de mundo contemporânea, organiza-se numa oposição polar - variável no

tempo quanto aos detalhes de seus conteúdos - em que cada um dos pólos pode dar

lugar a posições diferentes ou mesmo opostas de parte dos autores de ficção científica

nos diferentes veículos em que ela se expressa; se bem que, numa análise detalhada,

que não vou empreender, seria possível distinguir em tais veículos variações quanto a

isso. O primeiro pólo poderia ser chamado de ultrapassagem dos limites; o segundo,

de limites apesar de tudo.

11 FIKER, Raul. Ficção científica. Ficção, ciência ou uma épica da época? Porto Alegre: L & PM,

1985, pp. 44-45. A enciclopédia utilizada foi: ASH, Brian (org.). The visual encyclopedia of science

fiction. London: Pan, 1977.

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47

1) Um universo estável, recente (com uns 6000 anos de existência), onde

uma humanidade considerada como habitante do centro desse universo, criada

separadamente e posta à frente dos outros seres vivos do planeta, se organizaria de

forma também imutável vem cedendo o lugar, desde o século XVII, a um universo

diferente, bem como a uma percepção diversa do humano.

As revoluções sociais e políticas contemporâneas - Francesa, de 1830, de

1848, Comuna de Paris, Revolução Russa de 1917, entre outras - demonstraram que

as sociedades humanas são mutáveis. Elas podem transformar-se, seja por meio de

processos longos e lentos sobre os quais não parece que indivíduos ou grupos tenham

grande controle em termos gerais - revolução agrícola, revolução urbana, revolução

demográfica, revolução industrial -, seja no curto prazo, em processos que dão a

impressão de ligar-se mais à vontade e à decisão. As revoluções político-sociais e,

depois, a crescente intervenção de políticas estatais em múltiplos domínios do social

cujo controle, no passado, considerava-se vinculado exclusivamente a fatores naturais,

foram os elementos que abriram caminho a que os historiadores pudessem perceber

igualmente aqueles processos estruturais e lentos de mudança. Tudo isto significou

uma profunda reinterpretação do tempo no contexto do humano. Vimos já que, sem

isto, a ficção científica como gênero seria impossível.

A percepção do tempo também mudou por outro caminho. Desde que

Darwin propôs uma forma convincente de teoria da evolução biológica das espécies -

modificada e aperfeiçoada, décadas mais tarde, pela descoberta das mutações rápidas,

rompendo com o gradualismo anterior, mais perto de nós pela interpretação do código

genético -, o criacionismo religioso intransigente, com suas espécies imóveis e sua

criação especial do ser humano, ficou cada vez mais difícil de defender

racionalmente. Ao mesmo tempo, os progressos da astronomia, da cosmologia, da

geologia e da paleontologia descartavam a possibilidade de um universo de curta

duração em que a humanidade fosse mais ou menos coetânea com o “início dos

tempos”.

Sendo o homem um animal relativamente recente em termos geológicos, tão

dependente da evolução biológica para seu surgimento no planeta quanto os outros,

isto inaugurou interessantes especulações. Na medida em que existem, apesar de tudo,

diferenças importantes entre nós e os outros animais, a que se devem? Ou, em outras

palavras, o que nos torna humanos? A linguagem articulada e o raciocínio simbólico,

ou a fabricação de instrumentos? Como se dará doravante a evolução biológica da

humanidade? Pode tal evolução ser precipitada por elementos decorrentes da própria

ação humana, como radiações atômicas provocando mutações, em analogia com a

teoria que vincula as mutações biológicas à incidência de raios cósmicos? Todas estas

Page 48: A FICÇÃO CIENTÍFICA

48

aparecem como indagações que devem ser situadas no bojo de um tempo natural e

social reinterpretado.

As mesmas influências deram lugar, igualmente, a tentações

pseudocientíficas, como o darwinismo social ou a teoria do “macaco assassino”, que

funcionaram como tentativas de achar uma caução natural (biológica, genética) ao

imperialismo, à territorialidade e à agressão bélica. As teorias pseudocientíficas

resultantes influenciaram as temáticas da ficção científica, talvez tanto quanto a

ciência autêntica.

Por fim, se o tempo sofria mudanças, a antropologia contemporânea

reformulou o espaço mediante o reconhecimento da alteridade cultural, da

multiplicidade das culturas e do direito delas a serem diferentes umas das outras.

Empiricamente, isto já havia sido constatado, com tremendas repercussões e num

quadro de muito menor tolerância para com a diferença, desde as grandes navegações

e a colonização da América. Os estudos antropológicos, já neste século, acabaram,

porém, por desembocar na idéia de que a percepção do “outro” não se refere

unicamente às culturas exóticas, estende-se ao próprio mundo ocidental.

No contexto de um movimento negro altamente militante, em especial nos

Estados Unidos e na África do Sul, da descolonização e do ingresso à ONU dos novos

países independentes da África, da Ásia, da Oceania e do Caribe, do acesso crescente

das mulheres ao mercado de trabalho e de suas reivindicações de igualdade de direitos

e oportunidades em dimensões desconhecidas no passado, da chamada “revolução

sexual”, configuraram-se teorias que podem ser sintetizadas na noção de uma “culpa

do Ocidente”. Retomaram, em novo contexto, a história da colonização, moderna

tanto quanto contemporânea, vista como história de massacres, confiscos e opressões;

e, no seio da própria sociedade ocidental, em função de outras opressões e

discriminações, serviram de embasamento (entre outros) a movimentos como o

feminismo, o ecologismo, a liberação sexual.

2) Passando ao segundo pólo, é preciso ter consciência de que, apesar da

crescente quebra da crença na imobilidade, por mais que existam a ultrapassagem dos

limites tradicionais e a percepção da diferença, também continuam existindo, afinal de

contas, limites que, pelo menos até agora, permanecem inamovíveis. Tais limites

movem-se no tempo, sem dúvida. Assim, por exemplo, a teoria de que o nosso

sistema solar seria uma aberração no universo, de que só o nosso Sol teria planetas à

sua volta, se bem que há bastante tempo fosse muito minoritária entre astrônomos e

cosmólogos, até estes últimos anos (e o telescópio Hubble, em especial) podia

continuar a ser esgrimida por religiosos fundamentalistas ou cientistas conservadores,

Page 49: A FICÇÃO CIENTÍFICA

49

por faltarem provas conclusivas ou insofismáveis da existência de planetas fora do

sistema solar - provas que, na atualidade, já existem.

Alguns dos limites persistentes são físicos. Por exemplo, o tempo, para todos

os efeitos práticos, flui num único sentido, do passado para o presente e deste para o

futuro, por mais que a teoria quântica possa abrir caminho à noção da reversibilidade

do tempo no nível das partículas elementares; e embora existam especulações a partir

da teoria da relatividade - especulações não baseadas em observações, é bom lembrar

- acerca de deslocamentos do fluxo temporal em função de objetos (teóricos somente

até o momento) conhecidos como buracos negros, buracos brancos e buracos de

verme. Outrossim, a teoria da relatividade estabelece a velocidade da luz como limite

absoluto das velocidades. Os seres orgânicos, como nós, sendo materiais, ficam

portanto limitados nas possibilidades, mesmo futuras, de seus deslocamentos por tal

velocidade absoluta; a própria velocidade da luz, aliás, é-nos vedada pelo fato de que,

ao ser atingida, a matéria se torna energia.

No campo da biologia, o limite básico é que, até o momento, não há provas

cabais da existência de vida num mundo que não seja o nosso. Neste planeta, a vida

depende de coisas como a presença da água como dissolvente universal, uma

atmosfera rica em oxigênio, cadeias de hidrogênio e carbono, um mecanismo

específico de hereditariedade vinculado ao código genético. Este último elemento

mostra que a descoberta do ADN, se rompeu limites e abriu caminho à engenharia

genética, também estabeleceu um novo limite, como sói ocorrer com as descobertas

importantes. A exobiologia, até agora, é uma disciplina hipotética, baseada

exclusivamente na extrapolação a partir da única vida conhecida.

Os corolários do anterior são, para o que nos interessa, principalmente, os

seguintes. As únicas sociedades documentadas - das formigas, das abelhas, dos

térmitas, humanas - são terrestres. A única inteligência biológica documentada baseia-

se no desenvolvimento do cérebro nos animais neste único planeta, em especial no

animal humano. Tais corolários, na ficção científica, resultam por sua vez em outros,

específicos, no nível das temáticas relativas à vida extraterrestre. Por diferentes de nós

que sejam na aparência os extraterrestres que ela descreve, no fundo, quando

inteligíveis e situados nos limites de especulações racionalmente aceitáveis, não

passam de projeções da vida terrestre e, mesmo, quando inteligentes, das

características dos humanos: suas motivações são semelhantes, por exemplo. Ao

serem ultrapassados os limites de tais hipóstases do terrestre e do humano, surgem

(ficticiamente) extraterrestres por definição incompreensíveis, com os quais a

comunicação deveria ser totalmente impossível - embora nem sempre o seja nas

narrativas ficcionais, pois já vimos que a ficção científica nem sempre é muito

científica ou, mesmo, muito lógica e coerente.

Page 50: A FICÇÃO CIENTÍFICA

50

* * *

No mundo da ficção científica, tanto quanto em geral, os dois pólos

sintetizados acima são vividos segundo posições variadas, quando não simetricamente

opostas. Assim, o que chamamos de “ultrapassagem dos limites”, em qualquer de suas

modalidades, pode ser encarado como um mal, a ciência como uma blasfêmia, a

modernidade - ou a urbanização acelerada, ou as máquinas - como desumanização

pela destruição dos “verdadeiros” valores etc. Ou, pelo contrário, pode constituir a

base de uma visão positiva e conquistadora que pretenda ampliar mais ainda,

ficcionalmente, aquela ultrapassagem.

Os limites até agora intransponíveis da velocidade da luz ou da

irreversibilidade do tempo, por sua vez, serão eventualmente aceitos; ou, pelo

contrário, contornados ficcionalmente pelo recurso ao que, como vimos, Amis chama

de “pseudociência” e “pseudotecnologia”: invenção fictícia de mecanismos baseados

num hipotético hiperespaço, ou de uma máquina do tempo. O fato de que não se

descobriu, até agora, vida - ou, mais especificamente, vida inteligente - fora deste

planeta pode ser o último reduto dos religiosos fundamentalistas, de cientistas

tradicionalistas e de romancistas conservadores; ou, pelo contrário, pode ser

ficcionalmente negado através da imaginação de como seriam extraterrestres

inteligentes ou suas eventuais relações com os seres humanos da Terra.

Certas fases na história da ficção científica como gênero podem ser mais

favoráveis às opções mais ousadas, outras, às mais conservadoras, como se verá ao

tratar de temáticas específicas.

Uma pergunta passível de formulação é a seguinte: por que, acossada em um

a um de seus redutos a partir do século XVII sobretudo, persiste a posição que teima

em pretender fazer da humanidade algo único ou especial, resultante de um ato

criador separado, alvo do cuidado específico e exclusivo da(s) divindade(s)? A tese

em questão parece consolar aqueles que não aprenderam a lidar com a mortalidade

individual, sua ou de seres queridos, e que têm medo de um universo indiferente aos

humanos, onde o único sentido possível seja aquele construído individual e

socialmente: onde, portanto, os homens não possam contar com uma ajuda externa,

proveniente de um ser (ou de seres) transcendente(s) ou superior(es).

Seria simplista, entretanto, querer ver, nas posturas conservadoras, somente,

ou mesmo predominantemente, aspectos religiosos; pois há pessoas religiosas que

conseguiram perfeitamente transcender as posturas reacionárias e, por outro lado,

posições conservadoras aparecem também em contextos que nada têm a ver com

religião. Por exemplo, elas caracterizam os que acham um absurdo gastar-se tanto

Page 51: A FICÇÃO CIENTÍFICA

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dinheiro com a exploração do sistema solar ou, em geral, com programas espaciais.

Também neste caso, seus argumentos são forçados a mudar com o tempo.

Os satélites artificiais não começaram a ser lançados, em 1957, para servir às

telecomunicações; mas, hoje em dia, servem-nas o tempo todo, bem como à

espionagem militar e ao levantamento dos recursos terrestres ainda inexplorados, por

exemplo. Assim, os que na atualidade querem atacar as atividades espaciais farão

habitualmente a diferença: sim aos satélites e aos seus lançamentos por ônibus

espaciais e pelos foguetes Arianne; não à exploração da Lua, de Marte ou de outros

mundos. Contra tal exploração esgrimirão, como os conservadores de todas as épocas,

argumentos mentirosos e obscurantistas. Por exemplo, pretendendo ser muito

reduzido o que de fato se vem a conhecer com essa atividade, ou serem duvidosas as

vantagens que a humanidade dela poderia esperar.

Um dos argumentos favoritos a respeito é que, num mundo com tantos

problemas sociais quanto o nosso, seja errado desviar recursos para o espaço. Como

se fosse possível acreditar, considerando-se os sistemas vigentes de tomada de

decisões nos países dotados de programas espaciais importantes, que o dinheiro

destinado ao programa espacial, se deixasse de ser aplicado desta forma, viesse a ser

destinado a programas sociais ou à assim chamada “ajuda externa”, em especial nos

seus aspectos não-militares!

Sendo minha intenção redigir um livro introdutório e, não, um tratado,

querendo ao mesmo tempo efetuar, quanto às temáticas da ficção científica, análises e,

não, descrições somente, fiz algumas escolhas. Vou me referir a quatro das temáticas

em questão. Duas têm a ver com especulações acerca do tempo, do espaço e das

sociedades humanas. As outras, com problemáticas envolvendo inteligências não-

humanas ou só parcialmente humanas.

2. Utopias e distopias

Utopia é, como se sabe, termo cunhado por Thomas More em 1516, num

texto escrito em latim (só apareceria em inglês em 1551): tratava-se de uma ilha

imaginária cujo nome remete a “nenhum lugar”, à negação de um lugar concreto,

palpável.

A questão que se formula primeiro é a possibilidade, ou não, de generalizar o

termo e o conceito de utopia, em especial, no que nos interessa, projetando-o em

períodos anteriores ou posteriores ao renascentista e, mesmo, no que é ainda o futuro

para nós. Na opinião do medievalista Hilário Franco Jr. : [a] “palavra [utopia indica]

toda sociedade idealizada, concebida como evasão do concreto ou como proposta de

mudanças nele. Portanto, concebida como literatura e/ou como ideologia”.12 Se

12 FRANCO JR., Hilário. As utopias medievais. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 11.

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adotada, esta postura permitiria uma aplicação a etapas históricas quaisquer,

anteriores ou posteriores a 1516. Ela indica também, no conceito, dois eixos ou

ênfases que de fato permitem caracterizar todas as construções utópicas: 1) comentar

o mundo ou sociedade do autor mediante o uso da metáfora e da extrapolação; 2) criar

alternativas imaginárias à sociedade do autor.

Em 1868, John Stuart Mill, falando no Parlamento, usou o termo distopia.

Em nosso século, o seu uso se disseminou, nos países de língua inglesa, a partir do

livro Quest for Utopia (“Em busca da Utopia”), de Glenn Nedley e J. Max Patrick,

publicado em 1952.

Em tal linha, poderíamos considerar, tomando utopia como termo genérico,

que ele pode ter, seja uma ênfase na dimensão espacial, seja na dimensão temporal.

No primeiro caso teríamos eutopias ou distopias (o termo alternativo cacotopias,

proposto por Anthony Burgess em 1978, não se difundiu); no segundo, eucronias -

que, na ficção científica, costumam ser localizadas no futuro remoto - e discronias. É

possível também - mas menos usual - postular uma utopia ou distopia no presente,

seguindo o modelo narrativo do “mundo perdido”, atualmente pouco freqüentado no

que tange ao nosso próprio planeta. Achamos, no entanto, um exemplo brasileiro em

A cidade perdida (1948), de Jerônimo Monteiro (1908-1970), romance em que

exploradores encontram uma Atlântida utópica em pleno Brasil: na região amazônica,

embora não em área florestal. Em termos de vocabulário, vou ater-me ao par

utopia/distopia.

Seria possível, em princípio, afirmar a pertinência de todas as utopias para a

ficção científica, por constituírem alternativas e extrapolações sociológicas ou

políticas. De um ponto-de-vista estrito, porém, as utopias se aproximam mais do

gênero que nos ocupa quando se apresentam, não principalmente como sátiras mas,

sim, como especulações racionais que buscam ser críveis. Tais especulações podem

ser divididas em dois grandes grupos: utopias científico-tecnológicas, as mais fáceis

de encontrar em obras de ficção científica; e utopias bucólicas, que implicam um

desejo de volta à natureza ou a valores tradicionais ameaçados que o autor valorize: as

utopias deste grupo se prestam mais a obras de fantasia.

Exemplo do primeiro tipo se acha em Ralph 124C 41+, de Hugo Gernsback,

livro de 1925 em que o Estado utópico futuro aparece como produto inevitável do

progresso tecnológico. Nesta linha, uma obra de peso - mas sobretudo por inspirar

respostas distópicas - foi não-ficcional: Daedalus, or science and the future (“Dédalo,

ou a ciência e o futuro”: 1924), do biólogo John B. S. Haldane, em resposta e

contraposição à qual surgiram as distopias Icarus, or the future of science (“Ícaro, ou

o futuro da ciência”: 1924), de Bertrand Russell, e Admirável mundo novo (1932), de

Aldous Huxley.

Page 53: A FICÇÃO CIENTÍFICA

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As distopias foram, no conjunto, apesar do esforço de pessoas como

Haldane, Gernsback ou, posteriormente, Asimov, bem mais características da ficção

científica do que as utopias. Na década de 1930, a utopia mais famosa apareceu, não

na ficção científica mas, sim, na literatura fantástica. Trata-se de Horizonte perdido

(1933), de James Hilton, um sonho impossível destinado a leitores de classe média

numa época insegura: um lugar remoto do Himalaia esconderia o segredo do

prolongamento da vida e, ao mesmo tempo, ofereceria uma vida liberada das

complicações e excessos do mundo contemporâneo, embora dotada dos confortos

mais básicos.

O fato de serem as distopias mais freqüentes e interessantes, no conjunto, do

que as utopias se deve, parece, a conterem as situações negativas características delas

maior potencial dramático, oferecendo à ficção elementos narrativos de peso. Os

quais, aliás, bem rapidamente podem tornar-se clichês. Por exemplo, a noção de um

indivíduo rebelde, ou de um pequeno grupo de revolucionários, enfrentando poderoso

Estado distópico. Nesse tipo de história, outro clichê é que, de início, tem-se a

impressão - logo corrigida - de ser aquele Estado uma utopia.

Uma exceção foi, em especial no final da década de 1950 e na década

seguinte, a ficção científica decididamente otimista acerca do estado de coisas no

futuro que se produzia na União Soviética e em outros países socialistas europeus. O

melhor autor, que por sinal relançou após algumas décadas de estagnação tal tipo de

ficção entre os russos, foi Ivan Efremov, em obras como A nebulosa de Andrômeda

(1958). Efremov conseguiu garantir a tensão ficcional necessária para manter o

interesse do leitor por intermédio dos riscos envolvidos: 1) na exploração do vasto

cosmo, cheio de desconhecido e de perigo; 2) nas possibilidades de catástrofe

implícitas na própria busca do progresso científico (um acidente gigantesco causado

por uma experiência prematura, por exemplo; 3) na existência residual de uma parte

do mundo não-assimilada ao comunismo mundial utópico que o livro descreve (noção

tomada de Aldous Huxley). Tais elementos dinamizadores, que no livro funcionam

bastante bem, falham na tediosa versão cinematográfica de Eugene Sherstobytov

(1968), apesar de bons efeitos especiais, numa confirmação de que as visões utópicas

tendem a ser estáticas e, portanto, pouco interessantes. As más línguas observaram

que o elenco do filme se parece a um time olímpico soviético nas evidentes saúde e

musculatura... e também na sua capacidade quase nula de representar!

A utopia comunista futura é também um dos objetos do conto de Efremov “O

coração da serpente”, de 1959, de que uma passagem é a seguinte:

“Longe, muito longe dali, a uma distância de setenta e oito anos luz,

havia ficado a Terra, a boa e maravilhosa Terra onde os homens haviam

construído um paraíso através de um constante e inspirado trabalho de criação.

Naquela sociedade sem classes, todas as pessoas tinham perfeito conhecimento

do planeta. Não se preocupavam apenas com suas fábricas e minas, suas

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plantações e indústrias pesqueiras, seus centros de ensino e pesquisa, seus

museus e suas reservas naturais, mas também com seus retiros de repouso,

onde podiam apreciar as belezas da Natureza, e com o isolamento ao lado do

ser amado.”13

O sucesso de Efremov levou à multiplicação de utopias inspiradas em

princípios marxistas e socialistas na União Soviética (por exemplo: Guianeya, de

Gueorgui Martinov, cuja tradução para o espanhol, de 1974, não menciona a data em

que foi publicado o original russo) e em outros países do Leste europeu. Merece

menção especial Retorno das estrelas (1961), de Stanislaw Lem, tentativa menos

idealizada do que a de Efremov de construir um futuro socialista crível. É verdade que

se trata de um futuro bem mais próximo do que aquele descrito em A nebulosa de

Andrômeda. Um astronauta, de regresso à Terra após uma longa expedição a outros

sistemas estelares, devido ao efeito relativista do tempo nas altas velocidades da nave

sideral, vê-se imerso numa época mais de um século à frente daquela em que deixara

o planeta natal, sofrendo problemas variados - lingüísticos, sociológicos, emocionais -

em sua adaptação às novas realidades que encontra. Uma das idéias centrais do

romance é a betrização, tratamento químico graças ao qual os humanos e animais a

ele submetidos tornam-se incapazes de matar ou agredir. Isto, na ficção de Lem, é

enfocado ao mesmo tempo como um ganho e como um fator limitador dos seres

humanos. Na sociedade futura que o livro retrata, as necessidades básicas são

fornecidas gratuitamente por um Estado que unificou o planeta: as pessoas só têm de

gastar com extras, tais como temporadas de lazer em centros turísticos.

Num livro da década de 1970 em que - coisa pouco usual na ficção científica

soviética - o tema que organiza a ação é o esforço científico para explorar versões

paralelas da própria União Soviética, decaladas no tempo, o relato funciona bem e

mantém-se grande interesse narrativo enquanto tais versões alternativas se localizam

no passado ou no presente: ao tentar descrever uma Moscou altamente utópica no

final do século XX e, a seguir, um mundo comunista ainda mais perfeito no final do

século XXI, entretanto, o romance perde vigor (Viagem por três mundos, de

Alexander e Serguei Abramov, pai e filho respectivamente).

Um exemplo recente de utopia “ocidental” é o romance 3001: the final

odyssey (3001: a odisséia final: 1997), de Arthur C. Clarke, último de uma série de

quatro romances iniciada com 2001: uma odisséia no espaço (1968). Frank Poole, um

dos astronautas que no livro de 1968 (e no filme de Kubrick) era “assassinado” pelo

supercomputador HAL 9000, é achado congelado no espaço e restaurado pela ciência

do ano 3001, voltando a viver numa utopia futura, talvez, como o romance dá a

13 EFREMOV, Ivan. “O Coração da Serpente”. Trad. de E. C. Caldas. In: CUNHA, Fausto (org.).

Encontro no espaço. Rio de Janeiro: Elo, 1969, pp. 67-168 (a citação é da p. 75).

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entender mais de uma vez, perfeita e segura demais. No entanto, trata-se de um

mundo onde o crime foi controlado, ninguém sofre necessidades e a ciência e a

tecnologia acumularam enormes avanços. Clarke é explícito ao afirmar que o

comunismo só poderia ser bom para seres semelhantes a formigas ou abelhas: o

regime daquele futuro é democrático e, não, socialista; e, se os signos exteriores de

status foram todos eliminados (tendo também desaparecido a dominação masculina),

no igualitarismo reinante alguns milhares de pessoas são “mais iguais do que as

outras”.

O livro é decepcionante, pois, ao descrever algo do mundo de 3001, limita-se

à ciência e à tecnologia - com a segurança que o autor sempre demonstrou na ficção

científica hard -, bem como a costumes e algumas das crenças e convicções. Mas não

explica como se produz, como se distribui a riqueza, como funciona a tal democracia

futura num mundo unificado que se estendeu por vários outros corpos celestes do

sistema solar. Que seja possível descrever em detalhe, ficcionalmente, situações

futuras postuladas por um autor, dão testemunho os romances já mencionados,

produzidos nos países socialistas europeus nas décadas de 1950 e 1960: tais obras são

bastante detalhadas em sua descrição da economia, sociedade, política, mesmo das

artes do futuro - um futuro, sem dúvida, de signo bem distinto daquele de Clarke.

Também Asimov decepciona quanto a muitos aspectos que omite em suas

visões do porvir, as quais muitas vezes se assemelham a uma projeção pouco sutil da

sociedade e dos valores norte-americanos no futuro.

Passando às distopias, vamos focalizar somente, além de generalidades,

algumas obras especialmente importantes deste século. É mais fácil, aliás, apontar

distopias de considerável interesse ficcional, além de filosófico, do que utopias.

Na primeira metade do século XX, destacam-se nitidamente três obras como

sendo as mais importantes e influentes, muito imitadas até hoje: Nós, de Evgueni

Zamiatin (livro escrito em 1920, circulou em exemplares datilografados, sendo

publicada em inglês, nos Estados Unidos, em 1924); Admirável mundo novo (1932),

de Aldous Huxley; e 1984 (1949), de George Orwell.

Para Zamiatin, toda crença, ao ser vitoriosa, torna-se repressiva. Em Nós, a

história é relatada do ponto de vista de uma revolta minoritária frustrada contra um

Estado centralizado e totalitário, mas a descrição deste não implica, para o autor, um

total abandono do princípio utópico. A solução, ao que parece, estaria na integração

da ciência e da arte (esta última incluindo o amor). O livro influiu grandemente tanto

em Huxley quanto em Orwell e constitui, talvez, a mais detalhada análise ficcional do

medo de ser o indivíduo engolido por uma sociedade orgânica - coisa já retratada

desde 1901 por H. G. Wells em Os primeiros homens na Lua, onde a descrição se

refere a uma sociedade selenita semelhante à das formigas.

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Huxley, em Admirável mundo novo, estava criando, sem o suspeitar, um

clichê: o de uma distópica sociedade totalitária, farmacologicamente controlada (entre

outros autores, Ira Levin e, satiricamente, Stanislaw Lem explorariam depois a mesma

idéia), embora o autor agregue, ao controle pelas drogas, aquele por meio de uma

espécie de filme multimídia, criador de uma realidade virtual ao estimular

simultaneamente vários dos sentidos. No futuro enfocado, emoções e atos não-

conformes à ordem vigente são reprimidos pelos governantes, que tentam fazer

parecer que tal se efetua para que todos vivam melhor. As crianças são tratadas

quimicamente para ajustá-las ao tipo físico e mental adequado às suas futuras funções,

de acordo com as necessidades socialmente definidas no momento, do que resulta

uma sociedade dividida em cinco tipos ou castas. O sexo é casual, sem afeto. Como,

umas três décadas depois, exporia também Efremov na Nebulosa de Andrômeda,

paralelamente à sociedade organizada existe outra, minoritária, vivendo numa reserva

selvagem. Huxley, com seu romance, parece ter querido responder tanto às utopias do

período intermediário de H. G. Wells quanto, como já se disse, às idéias de Haldane.

Ele é também o autor de um romance utópico, não muito bom: Island (“Ilha”: 1962),

onde descreve Pala, ilha imaginária situada no oceano Índico; ali, o controle social,

desta vez benigno de fato, depende igualmente de uma bebida e das práticas do

budismo tântrico.

George Orwell é pseudônimo do escritor inglês, nascido em Bengala (atual

Bangla Desh), Eric Arthur Blair (1903-1950). Foi jornalista, correspondente de guerra

durante o segundo conflito mundial. Escreveu, em 1945, A revolta dos bichos (Animal

farm), uma sátira do comunismo burocrático da União Soviética: uma revolta dos

animais logo é desviada pelos porcos, que se tornam “mais iguais” que os demais

bichos. Certamente um anti-stalinista e um inconformista eternamente insatisfeito,

Orwell não era, no entanto, contrário ao socialismo (moderado) como tal. Lutou ao

lado dos republicanos na guerra civil da Espanha. Morreu, tuberculoso, em Londres,

pouco depois da publicação de seu livro principal em 1949.

O romance 1984 dá a quem o lê uma sensação de intensa claustrofobia, ao

descrever um mundo empobrecido, totalitário e sadístico do qual não há como

escapar. Os governantes, cujo símbolo máximo é o “irmão maior” (Big Brother),

arregimentam as massas para uma guerra contínua, na qual as alianças mudam sem

aviso prévio, e contra o sexo, controlando as pessoas por meio de ligas, organizações

policiais e uma televisão interativa. Outrossim, exercem o controle lingüístico do

pensamento através do newspeak ou “novilíngua”, partindo do princípio de que só é

possível pensar aquilo para o qual existem palavras; e o da história, por meio da

eliminação de documentos, incluindo imagens de pessoas que se tornassem

indesejáveis representadas em fotos. O enredo mostra Winston Smith, um homem

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solitário que vivia segundo os preceitos do regime uma vida pouco atraente, tentando

libertar-se com uma namorada: ambos acabam presos, torturados e ganhos de volta

para o sistema.

De tremendo impacto como livro, a história funcionou mal em suas duas

adaptações cinematográficas, dirigidas por Michael Anderson (1956) e por Michael

Radford (1984). Na medida em que os aspectos intelectuais do romance não poderiam

ser detalhados no cinema, os filmes se concentraram mais na intriga amorosa e no

quadro emocional, com resultados melodramáticos e medíocres. A versão filmada em

1984, ao ser bastante fiel, no conjunto, ao texto de Orwell, acaba remetendo o enredo

a um universo paralelo, já que o espectador sabe tratar-se de projeção passada de um

futuro que não foi.

Se na primeira metade do século as sociedades distópicas são sempre outras

em relação à do autor - a par dos livros resumidos, houve bom número de distopias

abertamente anti-soviéticas, antinazistas, etc. -, nota-se uma mudança a partir

sobretudo da década de 1960, mesmo havendo já prenúncios de peso na década de

1950, com Os mercadores do espaço, de 1953, romance escrito por Cyril Kornbluth e

Frederik Pohl em que as agências publicitárias dominam o mundo a favor de um

capitalismo consumista; e, acima de tudo, com o famoso Fahrenheit 451 de Ray

Bradbury, de 1953 igualmente. Nos países ocidentais tanto quanto nos socialistas -

nestes últimos, agora enfraquecendo-se a ficção científica utópica -, as angústias se

referem doravante a medos incrustados na própria sociedade do autor, ou na época em

geral, provocados por coisas como: superpopulação, perigo ecológico, controle e

desumanização crescente das pessoas pelos meios de comunicação de massa,

terrorismo.

Tal corrente distópica expressou-se na literatura e, de maneira bem mais

eficaz do que no passado, no cinema e nas histórias em quadrinhos também; foi

menos efetiva na TV, muito controlada e asseptizada. A descrição concentra-se quase

sempre num futuro próximo, situado só algumas décadas ou um século à frente, o que

mostra a presença de um forte pessimismo a respeito de nossa própria época:

aparentemente, nada de muito bom pode nascer dela. A onda distópica estende-se, por

meio do cyberpunk, até estes últimos anos do século XX. No mundo ocidental, uma

das mais poderosas distopias foi Laranja mecânica, de Anthony Burgess (1962),

estupendamente filmada por Stanley Kubrick em 1971. Entre as do Leste europeu,

destacam-se alguns romances de Stanislaw Lem - como Memórias encontradas numa

banheira, de 1973, acerca da paranóia da Guerra Fria, e o cômico mas poderoso

Congresso futurológico, de 1971 -, bem como a maioria das obras maduras dos

irmãos soviéticos Arkady e Boris Strugatsky, aquelas escritas após 1960.

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3. Antecipação; passados e futuros alternativos

O futuro é a temporalidade em que são ambientadas na sua maioria as histórias

de ficção científica. É óbvio, entretanto, que não há como antecipar de verdade o

porvir, se se estiver falando da trama social de uma época em toda a sua

complexidade. Os acertos da ficção científica em matéria de antecipação - bem

limitados, aliás - tiveram a ver com fatos pontuais, aspectos específicos, quase sempre

de tipo científico ou, principalmente, tecnológico.

H. G. Wells, em alguns de seus contos e romances, previu acertadamente, em

1903, o uso de tanques (veículos blindados) de guerra, em 1908 os bombardeios

aéreos, em 1914 algo semelhante à bomba atômica. Após o surgimento da teoria da

relatividade, a possibilidade da energia nuclear e das armas atômicas povoou as

histórias de ficção científica das décadas de 1920 e 1930, tornando-se mais detalhada

na década de 1940 em escritos de Robert Heinlein, Cleve Cartmill e Lester del Rey,

por exemplo. É verdade, também, que o local da Flórida de onde o obus foi lançado

em direção à Lua, na obra de Júlio Verne Da Terra à Lua, ficava muito perto do cabo

Canaveral, mas trata-se de mero acidente. Nevil Shute prognosticou, num romance de

1948, o perigo que a fadiga de metais poderia significar para os aviões, pouco antes de

acontecerem acidentes aéreos causados exatamente por tal razão. O médico e o

monstro, de Robert Louis Stevenson, prefigurou em 1886, de forma melodramática,

algumas das noções que, naquela mesma época, estavam começando a tomar forma

nas pesquisas de Sigmund Freud.

A lista poderia ser ampliada. Mas também é verdade que o rol das previsões

erradas em ficção científica seria bem maior, sem excluir um tema tão central quanto

o dos vôos espaciais: acertou-se em apostar ficcionalmente em sua possibilidade e no

uso da propulsão por foguetes, mas na sua maioria os detalhes que se avançavam

estavam errados. Assim, na ficção científica norte-americana anterior ao início da era

espacial em 1957, previa-se que a iniciativa privada é que se ocuparia de organizar e

financiar a ida à Lua, ninguém pensava na presença dos russos (menos ainda na

prioridade que de início teriam), não houve quem previsse que haveria transmissão

direta pela televisão quando a Lua fosse por fim atingida. No assunto dos

computadores, a ficção científica por muito tempo atrasou-se em relação até à

realidade presente dos autores, para não falar na antecipação do futuro. Na verdade,

porém, poucas pessoas ligadas ao gênero - um dos escassos exemplos sendo Hugo

Gernsback - viram-no como previsão do que iria indubitavelmente acontecer: sua

atitude para com o futuro sempre foi, muito mais, de ocupar-se com aquilo que

poderia eventualmente vir a ocorrer, dadas certas premissas tomadas como ponto de

partida.

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No caso do programa espacial, o papel da ficção científica parece ter sido, não o

de prever no sentido exato da palavra mas, sim, o de criar um ambiente favorável a

respeito, uma expectativa, junto aos cientistas e ao público, sem a qual seria

impensável que o governo pudesse gastar somas tão extraordinárias em tal programa

como o fez nos Estados Unidos e na União Soviética durante vários anos, mesmo se

considerarmos também os fatores estratégicos envolvidos na corrida espacial.

Nos séculos XIX e XX, os seres humanos podiam verificar por si mesmos o

ritmo acelerado da mudança histórica, posto que no transcurso de uma vida muitas

coisas se transformavam até tornar-se irreconhecíveis. Daí a idéia, sem a qual a ficção

científica como gênero não seria possível, de que o presente não é igual ao passado,

nem o futuro será igual ao presente. Na verdade, um corte radical com o passado

tornou-se cada vez mais evidente em matéria de ciência e tecnologia. Diz, por

exemplo, Carlo Cipolla:

“... os agrônomos dos séculos XV e XVI podiam ainda referir-se

usualmente aos tratados escritos pelos romanos. As idéias de Hipócrates e

Galeno continuavam representando bem, no século XVIII, as bases da medicina

oficial, dois séculos após a rebelião de Paracelso. Quando Maquiavel

planejava um exército para sua época, não achava absurdo referir-se à

constituição romana. Quando Catarina II da Rússia fez transportar da

Finlândia até São Petersburgo uma grande pedra para construir um

monumento à memória de Pedro, o Grande, no final do século XVIII, o método

de transporte foi o mesmo utilizado milênios antes pelos egípcios para construir

suas pirâmides. (...) Uma continuidade básica caracterizava o mundo pré-

industrial, apesar de grandes ascensões e quedas como as do Império Romano,

do Islã medieval ou das dinastias chinesas. (...) Entre 1750 e 1850, esta

continuidade se rompeu. Se, em meados do século XIX, um general estudasse a

organização do exército romano, ou se um médico estudasse Hipócrates e

Galeno, ou um agrônomo, Columela, fazia-o unicamente como exercício

acadêmico cujo único interesse era histórico. (...) Em 1850 o passado não era

somente passado: estava morto.”14

Esta ruptura pode ser vivida como exaltação ou como uma perda que provoca

a nostalgia dos tempos anteriores, mais simples, talvez mais humanos, seja isto o que

for. E, no contexto da nova convicção de que o futuro por sua vez será distinto, a

ficção científica, se não pode de fato prevê-lo, trata de imaginá-lo - em especial,

projetando os receios de que certas variáveis que o autor enxerga como negativas

possam crescer fora de qualquer proporção. A literatura ficcional extrapola com o

objetivo de avisar ou prevenir; na maioria dos casos, descreve-se exatamente aquilo

que se deseja não aconteça.

Até este ponto de nossas considerações, porém, a trama mesma do tempo

ficou fora das cogitações: as coisas mudam, mas o tempo, parâmetro ou dimensão

14 CIPOLLA, Carlo. “Introduction”. In: ____ (org.). The Fontana economic history of Europe. 3. The

industrial revolution. London: Collins/Fontana, 1973, pp. 7-21 (a citação é das pp. 8-9).

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intangível, fluiu do passado para o presente, continuará fluindo, imperturbável, em

direção ao futuro. Interessa-nos agora abordar, no entanto, o tipo de ficção científica

que não aceita este fluxo temporal como algo intocável, uma dimensão na qual não se

possa influir. As principais possibilidades ficcionais no sentido de vencer ou dobrar o

tempo são as seguintes: 1) o efeito relativista, que faz com que o tempo relativo

daqueles sujeitos a grandes acelerações e a velocidades próximas à da luz em vôos

espaciais (ou também, ficcionalmente, superiores à da luz, contradizendo Einstein)

difira do tempo relativo dos que ficaram na Terra: assim, ao voltarem a este planeta,

os astronautas terão envelhecido relativamente pouco, mas acharão uma Terra futura

muito diferente da sua; 2) a viagem no tempo, seja por meios pouco científicos como

uma catalepsia seguida pelo despertar, seja por meios pseudocientíficos como

máquinas que permitam o deslocamento temporal; 3) a suspensão da vida,

criogenicamente ou por outros meios, de modo que, por exemplo, uma pessoa do

passado desperte no presente - o que abre caminho à descrição de seu mundo perdido

-, ou que astronautas em trânsito permaneçam inconscientes por um tempo mais ou

menos longo, até serem acordados, ou que, neste mesmo planeta, pessoas congeladas

voluntária ou acidentalmente no presente despertem num futuro para elas

desconhecido; 4) os universos paralelos, muitas vezes na prática reduzidos a Terras

paralelas, mundos alternativos parecidos entre si no geral, mas diferentes no detalhe:

em especial, tais versões de nosso planeta podem estar defasadas no tempo, em

proporção maior ou menor, umas relativamente às outras.

Foi em relação a Stanislaw Lem e seu Retorno das estrelas que abordamos,

em outro momento, a questão do efeito relativista como artifício de enredo que

permite visitar algum futuro mais ou menos distante. Mas trata-se de procedimento

narrativo bastante difundido na ficção científica. Um extremo foi atingido, nesta

ordem de idéias, por Poul Anderson em Tau Zero (1970), pois, neste romance, os

protagonistas, em sua nave estelar, continuam vivendo quando o universo atual já

deixou de existir e, por fim, desembocam num universo diferente, nascido de uma

nova explosão inicial - tudo no interior da hipótese do universo oscilante, que se dilata

para contrair-se e explodir de novo. Algo semelhante caracteriza The singers of time

(“Os cantores do tempo”, 1991), dos veteranos Frederik Pohl e Jack Williamson.

A viagem no tempo, desde H. G. Wells, é um dos assuntos centrais da ficção

científica em todos os veículos que a difundem. Na TV norte-americana, por exemplo,

houve a série The time tunnel (O túnel do tempo: 1966-1967), na britânica a do Dr.

Who e sua máquina do tempo, o “Tárdis”, que se parece a uma cabina telefônica

quando vista do exterior. A manipulação do tempo, com os paradoxos que pode

ocasionar, é também há muito uma constante do subgênero. Assim, Isaac Asimov, em

O fim da eternidade (1955), imaginou uma casta de controladores que, vivendo “fora

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do tempo”, dirigem o devir humano de séculos numerosos (mas não de todos eles),

através das manipulações de uma espécie de engenharia social e temporal baseada no

uso da máquina do tempo. Como é habitual na ficção asimoviana, os detalhes

sociológicos faltam e a descrição das diferentes temporalidades é superficial e

reducionista: cada século aparece como algo homogêneo e monolítico, o que é

inverossímil.

Em Os guardiães do tempo (1961), Poul Anderson reuniu quatro contos

longos em que o protagonista, Manse Everard, um homem do século XX, é recrutado

pela Patrulha do Tempo e vive aventuras nas antigas Grécia e Cartago, entre outras

exóticas temporalidades. O pioneiro nesta área ficcional foi Jack Williamson, ao

imaginar em 1938, no contexto da ficção pulp, a guerra entre mundos e

temporalidades alternativas (The legion of time, “A legião do tempo”, obra publicada

em forma de livro em 1961). Em Lest darkness fall (“Para que não caiam as trevas”,

1941), L. Sprague de Camp imaginou um norte-americano transportado para a

Antigüidade tardia por um meio impossível - um raio que caiu quando visitava o

Panteon, em Roma -, o qual envida esforços para impedir que venha a Idade Média,

por exemplo inventando a imprensa para que a cultura intelectual continue circulando.

No cinema, se A máquina do tempo (The time machine: 1960), de George

Pal, é decepcionante como tentativa de ilustrar o clássico de Wells, houve muitos

filmes que enfocaram melhor as viagens temporais, como Je t’aime, je t’aime (“Eu te

amo, eu te amo”: 1967), de Alain Resnais, com excelente roteiro do escritor de ficção

científica Jacques Sternberg em colaboração com Resnais; ou, numa veia mais

satírica, Um século em 43 minutos (Time after time, 1979), de Nicholas Meyer, em

que H. G. Wells é o protagonista que viaja à São Francisco (Califórnia) de 1979

perseguindo Jack, o Estripador, ambos usando uma máquina do tempo inventada por

Wells. Filmes que se referem mais diretamente a uma tentativa deliberada de mudar o

tempo mediante viagens ao passado (que é o presente dos espectadores) são

muitíssimos. Por exemplo: O exterminador do futuro (The Terminator; Terminator 2:

Judgment day) I e II , dirigidos por James Cameron em 1984 e em 1991. Um caso

curioso é o de Fugindo do futuro (Timescape, 1991), de David Twohy, em que

pessoas de um futuro pacífico e tedioso viajam ao passado, incluindo o nosso

presente, para assistir como turistas, sem intervir, a grandes catástrofes mortíferas.

A suspensão da vida pela criogenia, isto é, por supercongelamento, é usada

na ficção científica em diversas situações hipotéticas: para esperar que a medicina

descubra o tratamento adequado para um dado mal; para superar dificuldades de vôos

espaciais muito longos, diminuindo, por exemplo, as rações consumidas durante parte

da viagem, ou tornando possíveis viagens às estrelas, caso se aceite o limite absoluto

da relatividade quanto às velocidades. Em conjunto com outras formas fictícias de

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vida suspensa, serve também para um efeito usado com alguma freqüência: a

irrupção, no mundo de hoje - ou seja, no presente do escritor ou do diretor do filme,

ou do escritor do episódio de um seriado de TV -, de uma pessoa de um passado

remoto ou recente; ou, num processo análogo, a irrupção de alguém de hoje no futuro

próximo ou distante. Em ambos os casos, a intenção pode ser puramente descritiva -

do passado, do presente ou do futuro -, ou pode tratar-se de um enredo que envolva

tentativas de mudar a época em que irrompe o adormecido. A criogenia tem alguma

base real: a Sociedade Criogênica da Califórnia começou a congelar pessoas recém-

falecidas em 1967; em 1981, uma interrupção de eletricidade descongelou vários dos

cadáveres, propiciando uma série de processos nos tribunais.

Na literatura, este elemento narrativo começou explicando a vida suspensa

por meio de processos “acidentais” de congelamento ou algum outro modo de sono,

catalepsia ou hibernação, como por exemplo em The frozen pirate (“O pirata

congelado”, 1887), de W. Clark Russell, em que o despertar se dava no presente do

escritor, ou em Dix mille ans dans un bloc de glace (“Dez mil anos num bloco de

gelo”, 1898), de Louis Boussenard, em que um homem do fim do século passado era

assim projetado no futuro distante. No século XX, predominaram os meios

pseudocientíficos de suspensão da animação, embora no cinema da década de 1950

ainda aparecessem monstros liberados do gelo ártico por explosões atômicas e que

reviviam então. Por outro lado, em nosso século outros problemas vinculados à

própria suspensão hipotética da vida foram ficcionalmente considerados: roubo de

órgãos de vítimas indefesas para transplante - por exemplo em Coma (1977), de

Robin Cook, filmado por Michael Crichton em 1978 -, problemas econômicos e éticos

ligados à superpopulação e à ecologia quando se tratasse de despertar os que foram

congelados. Assim, os casos em que ocorre uma intervenção no presente ou no futuro

da parte daqueles cuja vida foi suspensa por certo tempo constituem somente uma

possibilidade entre muitas.

É bastante freqüente, em especial no cinema, o uso de um artifício desse tipo

no relato para expor questões que têm a ver com o amor e outros aspectos emocionais,

como em Eternamente jovem (Forever young: 1992), dirigido por Steve Miner, ou em

Passaporte para o futuro (Late for dinner: 1991), cujo diretor é W. D. Richter. Um

exemplo literário de considerável repercussão, em especial sobre contos das revistas

pulp, no tocante à tentativa de uma personagem no sentido de intervir num tempo

diferente do seu próprio, é a história de Hierânia, mulher de uma civilização

desaparecida há milhões de anos, cuja vida fora suspensa por meios científicos, a qual

desperta na Austrália do século XX, logo planejando mudanças radicais no mundo

que encontra: trata-se do romance A esfera de ouro (Out of the silence, 1925), de Erle

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Cox, provavelmente influenciado por When the world shook (“Quando a Terra

tremeu”, 1919), de Henry Rider Haggard, relato inspirado pelo mito da Atlântida.

Por último, a hipótese dos mundos paralelos ou alternativos, defasados

temporalmente entre si, permite também o contato entre temporalidades diferentes,

com a eventual tentativa de influir no tempo. Citamos já, em outro contexto, um

exemplo soviético: Viagem por três mundos, obra da década de 1970 de Alexander e

Serguei Abramov. Mas o exemplo literário mais famoso é provavelmente O homem

do castelo alto (The man in the high castle: 1962), de Philip K. Dick: num mundo

alternativo, a Alemanha nazista e o Japão ganharam a guerra e dividiram entre si os

Estados Unidos; uma das personagens aprende (através do I-Ching!) que em outro

mundo - que, no entanto, não é o nosso - os Aliados é que venceram. No cinema,

podemos citar, entre os filmes mais recentes numa ordem de idéias similar, Projeto

Filadélfia II (The Philadelphia experiment II: 1993), de Stephen Cornwell: enquanto

Projeto Filadélfia I era uma história de pessoas projetadas no futuro, neste caso se

trata de alguém que se vê transportar a uma versão dos Estados Unidos controlada por

um governo totalitário, onde se alia aos rebeldes locais.

4. Inteligências artificiais

A ficção científica surgiu, como gênero literário e depois expressando-se

também através de outros veículos, no bojo da civilização ocidental. Esta última,

sobretudo desde o século XVII, aparece marcada contraditoriamente por uma então já

antiga visão cristã do mundo, dos homens e das coisas, bem como por outra, derivada

da revolução científica com sua noção de progresso, em conjunção com as

conseqüências ideológicas da emergência de uma sociedade burguesa e

individualista. A contradição aludida permanece viva em nossos dias e não poderia

deixar de influir nas formas em que as temáticas da ficção científica aparecem nas

obras, especificamente, no que agora interessa, naquelas que têm a ver com as

inteligências artificiais: autômatas, robôs, andróides, computadores, ciborgues.

Se quisermos ir ainda mais longe, a questão terá a ver com a própria

especificidade da evolução humana, uma vez concluído (pelo menos por enquanto) o

processo biológico da hominização: a adaptação biológica ao meio ambiente cedeu

lugar à adaptação cultural, razão de que a humanidade com o tempo haja sido capaz

de sobreviver nos nichos ecológicos mais variados. Ora, a adaptação cultural de certo

modo inverte a relação ser vivo/natureza: a humanidade interfere no meio ambiente

natural, muda-o, dá-lhe formas variadas para adaptá-lo aos seus fins, às suas

necessidades cambiantes. Em lugar de uma relação direta com o mundo natural,

quanto mais avançam a cultura, as interferências que implica e as modificações que

provoca - posto que a cultura aparece como uma espécie de meio ambiente artificial,

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secundário -, formula-se para os seres humanos é a questão de suas relações com o

meio ambiente mudado e conformado por eles mesmos.

A ideologia científico-tecnológica derivada da revolução científica e a seguir da

Revolução Industrial pode considerar o progresso, de que as mudanças no meio

ambiente natural são uma conseqüência inseparável, como algo positivo e que não

deve conhecer limites. Mas, mesmo antes do ecologismo do século XX, as pessoas

religiosamente inclinadas podiam (como continuam podendo, na atualidade), por

outras razões, interrogar-se acerca dos limites das intervenções legítimas dos humanos

num universo que os cerca mas também os inclui, o qual, para os religiosos, foi criado

por uma Divindade que se teria reservado certos domínios, certas áreas de atuação.

Com muita freqüência, a criação da vida - incluindo a da espécie humana - é

considerada como província exclusiva de Deus, do qual derivaria uma interdição aos

humanos de infringirem tal exclusividade.

No mito medieval e renascentista hebraico do Golem, o qual nos chegou em

várias versões, a coisa aparece com especial clareza. Na versão mais interessante, a de

Praga, do século XVI, um sábio construiu um ser artificial de forma humana com

areia e barro das margens do rio Moldávia. Para dar-lhe vida, ele e seus assistentes

efetuaram um ritual mágico que incluiu a recitação de Gênesis 2, 7 - isto é, uma

passagem que tem a ver com a criação de Adão por Jeová (“Então Iahweh Deus

modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e

o homem se tornou um ser vivente.”). O Golem viveu: mas era um ser sem passado

nem futuro, desprovido de qualidades humanas tão essenciais quanto a inclinação para

o bem ou para o mal, uma alma (no mito que seguimos, associada à linguagem) e a

capacidade de se reproduzir. Em suma, o Golem era uma abominação, nascida da

interferência abusiva dos humanos na esfera divina de atuação, da soberba ligada a

finalidades humanas que não reconhecem limites a si mesmas, como deveriam. Não

por acaso, em várias das versões deste mito o sábio responsável pela criação

abominável acabava sendo destruído.

Além de que este mito pôde influir em concepções posteriores mais próximas da

ficção científica, há nesta questão, para os religiosamente inclinados, uma lógica,

mesmo na ausência de influências literárias diretas. Lógica que, aliás, se estende sem

dificuldade a coisas tão variadas quanto robôs, andróides, computadores, manipulação

do código genético, bebês resultantes da fertilização in vitro, mutações natural ou

artificialmente provocadas, ou seja, seres que se afastam do plano divino. E, no caso

de religiosos fundamentalistas, até mesmo a assuntos como transfusões de sangue,

transplantes de órgãos, marcapassos ou o uso de um coração artificial durante as

intervenções cirúrgicas cardíacas. Assim, não são somente Frankenstein, o andróide

primordial da proto-ficção científica, e seus descendentes ficcionais deste século, que

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podem aparecer marcados por uma carga negativa de origem religiosa e conduzir à

noção de que as infrações humanas ao domínio de Deus levam à queda, à destruição.

Outrossim, não é só a religião que pode originar uma reação negativa. Já os

românticos se rebelaram contra a destruição dos laços coletivos e das “verdadeiras”

qualidades humanas pelo mundo novo, crescentemente urbanizado - nas cidades, as

relações humanas se perdem no anonimato - e cada vez mais dependente das

máquinas, que estava sendo criado pelo avanço da revolução industrial. Os fatores

encarados como desumanizadores e malignos se faziam, aliás, mais presentes a cada

fase de tal revolução.

Já no século XIX era claro o temor das conseqüências de tais processos.

Dostoievsky, por exemplo, via em 1864 o homem como ser programado (se

quisermos usar um termo atual) pelos avanços no conhecimento das leis da natureza,

tornando-se algo análogo a uma tecla de piano ou ao tubo de um órgão. Encarava com

horror um mundo em que as responsabilidades desaparecem em nome da

matematização: a vida se torna fácil, tudo estando previsto como em tábua de

logaritmos, mas num mundo assim já não há feitos ou aventuras.

No século XX, tais temores só fizeram acentuar-se. Foram primeiro as

aplicações do taylorismo e do fordismo, a maximização da eficiência (prefigurando a

moderna ergonomia) e a linha de montagem, em que os operários individuais se

pareciam a engrenagens limitadas e alienadas. Foi a seguir a descoberta das

programações sociais dos comportamentos e o medo da desumanização e da perda de

autonomia pelo gênero de vida - aquilo que os franceses chamam de

métro/boulot/dodo, isto é, metrô ou outros transportes coletivos/trabalho/sono como

resumo da vida da maioria das pessoas, a não ser nas férias, que ocupam somente uma

pequena parte do ano -, pelo consumismo, pela publicidade, pelos meios de

comunicação de massa. Num contexto assim, um robô pode ser metáfora ficcional em

mais de um sentido: os homens se parecem crescentemente a máquinas; e as máquinas

podem voltar-se contra os seus criadores ou, simplesmente, como máquinas que são,

os robôs podem ser malignos.

Note-se que o surgimento, em 1947, do termo cibernética, da lavra de Norbert

Wiener, só fez fortalecer tal linha de pensamento. O autor, num livro publicado no

ano seguinte, o usou para designar o estudo dos sistemas complexos que possam

regular seu próprio desempenho, sua própria função - em suma, seu output - à base de

dados recebidos acerca de tal desempenho ou função (input); o que é o mesmo que

falar de sistemas dotados de retroalimentação. Um homem ou um animal

exemplificam um sistema desses; mas também um computador ou outro tipo qualquer

de máquina em que exista a retroalimentação (feedback). A partir daí, existia uma

base teórica para considerar irrelevante, pelo menos em certos níveis de enfoque, a

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distinção entre biológico e não-biológico, natural e artificial. O próprio Wiener era

otimista a respeito. Dizia que um homem artificial - em seu vocabulário, um homem

“análogo” - seria um aliado do homem biológico na luta contra o caos universal, tanto

um quanto o outro constituindo-se em “ilhas de entropia localmente decrescente”.

Em escritos ficcionais, a aquisição de controle por seres artificiais ou

máquinas inteligentes (robôs, supercomputadores) surgiu bem cedo. Na própria peça,

R.U.R., em que Karel Capek inaugurou, em 1921, o uso do termo “robô” (embora se

tratasse na verdade do que hoje chamaríamos de andróides), trabalhadores artificiais

superam a humanidade, a qual já desapareceu antes de iniciar-se o último ato; e a

ficção científica das revistas pulp já havia criado como um clichê a noção de robôs

enlouquecidos ou malignos que se revoltavam contra seus criadores ou prejudicavam

outros seres humanos.

O receio - ou, pelo contrário, a afirmação disso como algo positivo - de uma

tal tomada de controle não apareceu, aliás, só nos escritos de ficção. Em 1966, Roger

A. Mac Gowan (que trabalhava no setor de computação de um comando de mísseis do

exército dos Estados Unidos, em Alabama) e Frederick I. Ordway III (especialista

inglês em astronáutica) escreveram coisas como as seguintes:

“A pesquisa e o desenvolvimento no ramo do pensamento em

computadores e o ritmo atual do progresso na tecnologia microeletrônica

indicam fortemente que as sociedades tecnologicamente avançadas poderão

produzir autômatas inteligentes completamente sintéticos, capazes de

pensamento criativo em todos os sentidos do termo. Pode tornar-se possível

criar uma inteligência sintética superior à humana na Terra dentro de poucas

décadas.” (...)

“Qualquer nação que arcasse com o extraordinário esforço financeiro

necessário para produzir um autômata artificial inteligente quase certamente

tentaria tirar o máximo proveito de tal dispositivo quando completo,

especialmente porque uma nação que com ela competisse poderia ser a

primeira a fazê-lo. Portanto, no futuro as nações mais importantes do mundo

poderão encarar a alternativa seguinte: entregarem o controle nacional a um

autômata sintético, ou serem dominadas por outra nação que escolheu aquela

possibilidade. Isto implica que os autômatas artificiais serão inevitavelmente

empregados para tomar decisões executivas no mais alto nível.”15

Considerando-se tais idéias surgidas no contexto da Guerra Fria, não é de

estranhar, então, nem o HAL 9000 de 2001, que tenta ficar no mando exclusivo da

expedição espacial que lhe foi confiada em conjunto com humanos (que trata de

eliminar), nem o Colossus de The Forbin project (“O projeto Forbin”), filme dirigido

por Joseph Sargent em 1969, no qual dois supercomputadores, um construído pelos

norte-americanos, o outro pelos russos, assumem de comum acordo o controle do

15 MAC GOWAN, Roger A. e ORDWAY III, Frederick I. Intelligence in the universe. Englewood

Cliffs (New Jersey): Prentice-Hall, 1966, pp. 219, 234.

Page 67: A FICÇÃO CIENTÍFICA

67

planeta! E o romance Colossus, de D. F. Jones, em que se baseou o segundo filme, é

de 1966 como o livro de Mac Gowan e Ordway. Mas já em 1957, no filme The

invisible boy (“O menino invisível”), dirigido por Herman Hoffman, baseado num

conto de Edmund Cooper (de 1956), um supercomputador - o protótipo real, ainda

muito primitivo, dos computadores modernos havia sido construído nos Estados

Unidos no final da década de 1940 - tentava conquistar o mundo, para tal usando a

chantagem e a implantação de sistemas de controle no cérebro de pessoas importantes.

Neste último filme, curiosamente, um robô grosseiramente humanóide “bom” se opõe

ao computador “malvado” que o dominara por algum tempo manipulando sua

programação, o que indica a moral implícita de que máquinas que se pareçam com os

homens são mais confiáveis do que máquinas que de fato pareçam máquinas...

Na década de 1970 e posteriormente, eram freqüentes as obras literárias ou

cinematográficas em que um supercomputador fosse mostrado no controle de todo o

planeta já no início do relato, às vezes com o auxílio de drogas, mas nem sempre.

Assim, no cinema, temos Rollerball, os gladiadores do futuro, de Norman Jewison

(1975; roteiro de William Harrison baseado em um conto seu de 1973), em que se

mesclam vários temas, entre eles o de um supercomputador que apresenta sintomas

análogos aos da esclerose na velhice, o qual, juntamente com as grandes corporações

capitalistas, governa o mundo. E podemos citar como exemplos os romances This

perfect day (“Este dia perfeito”: 1970), de Ira Levin, e The last rose of summer (“A

última rosa do verão”: 1978), de Steve Gallagher, este último baseado numa excelente

série radiofônica britânica da Piccadilly Radio de Manchester. Tais obras enlaçam a

temática dos computadores com outra, mais antiga: a dos futuros distópicos próximos

ou distantes, derivada de autores como H. G. Wells, Huxley ou Orwell.

Um caso à parte na literatura dos computadores - e da cibernética em geral -,

pela inteligência e ousadia de suas concepções, por seus vôos metafísicos e mesmo

teológicos, embora se trate de uma “teologia sem Deus”, bem como por seu sólido

embasamento científico, é o conjunto de livros e contos de Stanislaw Lem em torno

do tema. Um dos mais impressionantes é a primeira reminiscência do astronauta Ijon

Tichy incluída na edição em inglês chamada Memoirs of a space traveler, “Memórias

de um viajante espacial” (1983; a história original é de 1971). No conto, o tema

central é o de um especialista em cibernética, o professor Corcoran, que construiu

diversos cérebros artificiais contidos em caixas metálicas, cada um dos quais está

ligado a um repositório de inúmeras fitas magnéticas perfuradas que fornecem a cada

cérebro inputs sensoriais de todos os tipos. Deste modo, cada cérebro artificial tem a

ilusão de possuir uma personalidade humana, incluindo um corpo, e acha que vive

num mundo real e completo. Como se fosse o Deus de suas criaturas, Corcoran,

apesar de tentado a intervir no destino desses “seres” sintéticos ou, mais exatamente,

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68

virtuais, abstém-se de fazê-lo e deixa que os inputs continuem a fluir aleatoriamente.

No final do conto, extrapola-se a noção de ser também possível que

“(...) o dono do laboratório empoeirado em que nós somos caixas em

prateleiras seja ele mesmo uma caixa construída por outro cientista de

hierarquia mais alta, que tem noções originais e fantásticas... e assim em

diante, ad infinitum. Cada um desses experimentadores é Deus, o criador de

um universo na forma de caixas e de seu destino, e ele tem sob si Adães e Evas,

sobre si o seu Deus, um degrau acima na hierarquia. (...)”16

Em Congresso futurológico, de 1971, Lem explora em tom de farsa hilária a

possibilidade de computadores mentirosos, farsantes e delinqüentes:

“Se o computador não for muito brilhante, se for incapaz de refletir,

fará tudo que lhe mandarem. Mas uma máquina esperta pensará primeiro no

que lhe for mais conveniente: executar uma dada tarefa ou, pelo contrário,

encontrar uma forma de se furtar a ela. Escolherá o que lhe for mais fácil. E

por que haveria de comportar-se de modo diferente, sendo de fato inteligente?

A verdadeira inteligência requer capacidade de opção, liberdade interior.” (...)

“O Grande Mentidor, por exemplo, que durante nove anos teve a seu

cargo o projeto de melhoramentos de Saturno, não fez absolutamente nada

naquele planeta, mas enviou montes de relatórios de falsos progressos, faturas,

requisições; e, ou subornava os supervisores, ou os mantinha em estado de

choque eletrônico.” (...)

“Houve outro [computador] administrador, presidente do CPI (o todo-

poderoso Conselho do Planejamento Interplanetário) que, em lugar de cuidar

da fertilização de Marte, dedicou-se ao tráfico de escravas brancas para aquele

planeta: era chamado de le computainer, por ter sido construído, sob

encomenda, pelos franceses.”17

Deixando de lado doravante os computadores, concentrar-nos-emos nos

robôs, andróides e ciborgues.

Convém fazer a diferença entre os termos, por mais que ela seja, às vezes,

pouco clara ou insuficientemente taxativa. Um autor tão importante para a rede

temática que estamos estudando como Philip K. Dick tende a usar indistintamente

“robô” e “andróide”. Em princípio, robô e andróide são, ambos, totalmente artificiais,

embora o primeiro seja uma máquina e o segundo, um ser orgânico, um homem

artificial. Formas mistas são possíveis, como no filme O exterminador do futuro I, em

que um robô aparece revestido externamente de tecido orgânico. Já o ciborgue seria

um ser humano, mas com implantes mais ou menos importantes de elementos

mecânicos e/ou chips de computador. Na televisão, foram exemplos primitivos de

ciborgues: O homem de seis milhões de dólares, série norte-americana de 1973-1978,

16 LEM, Stanislaw. Memoirs of a space traveller. Further reminiscences of Ijon Tichy. Trad. de J. Stern e M. Swiecicka-Ziemianek. San Diego/New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1983, p. 50.

17 LEM, Stanislaw. The futurological congress. Trad. de Michael Kandel. London: Futura, 1977, pp.

84, 86.

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69

baseada no romance Cyborg, de 1972, cujo autor é Martin Caidin; e A mulher biônica

(The bionic woman: 1976-1978). Aparecem também, ficcionalmente, seres humanos

modificados por engenharia genética, ou por alguma outra forma de biotecnologia,

para adaptá-los a certas funções e ambientes: por exemplo, em Maelstrom, de Paul

Preuss, um romance claramente cyberpunk de 1988.

Os robôs têm ilustres antepassados nos autômatas construídos na

Antigüidade por sábios gregos como Filão de Bizâncio (século III a.C.). Muito tempo

depois, no início do século XIX, houve outra vez máquinas que imitavam a forma e

alguns dos movimentos dos humanos, dotadas de mecanismo de relojoaria, o que

levou a uma moda literária incipiente dos autômatas desse tipo, por exemplo a

Olímpia de um dos contos de E. T. A. Hoffmann (1816). Já então, como em muitos

outros escritos do século passado, o seu papel era sinistro e ameaçador, mesmo se às

vezes isto fosse temperado por elementos cômicos. Note-se, porém, que nestes casos

temos somente a aparência de vida e inteligência.

Os sentimentos dos autores de contos das revistas pulp foram ambivalentes.

Se alguns robôs constituíam servidores leais de seus criadores e até podiam ser

vítimas de perseguições dos humanos, outros pretendiam dominar o mundo ou

praticar atos igualmente repreensíveis: desejar a filha de seu criador, por exemplo,

num conto escrito em 1931 por Abner J. Gelula, detalhe que poderia também ser

interpretado como metáfora do receio diante de relações sexuais inter-raciais. Um

robô muito superior aos humanos, mas altruísta, aparece em um conto de Harry Bates

em 1940: tendo a humanidade se tornado excessivamente dependente de seus

serviços, despede-se e a abandona. A explosão das bombas atômicas dos Estados

Unidos no Japão, em 1945, inaugurou novo período de inclinação antitecnológica,

trazendo à ficção científica outra fase de ambigüidade em relação aos robôs, até fins

da década de 1950. Mas, entrementes, dera-se decisiva intervenção de Asimov nessa

temática.

Considera-se efetivamente como um marco, no concernente aos robôs da

literatura de ficção científica, a obra de Isaac Asimov. Em discussões com John W.

Campbell Jr., ele criou a partir de 1940 a noção pseudocientífica de um “cérebro

positrônico” para seus robôs e, em função de sua programação, as “três leis da

robótica”: 1) “um robô não pode fazer dano a um ser humano ou, por sua inação,

permitir que um humano sofra”; 2) “um robô deve obedecer às ordens a ele dadas

pelos seres humanos, exceto quando tais ordens entrarem em conflito com a primeira

lei”; 3) “um robô deve proteger sua própria existência, na medida em que tal proteção

não infringir a primeira ou a segunda lei”. Na ficção de Asimov, comportamentos

estranhos dos robôs se devem a conseqüências inesperadas de conflitos na

programação, causados por contradições ligadas às leis. O autor criou até mesmo uma

Page 70: A FICÇÃO CIENTÍFICA

70

psicóloga de robôs, Susan Calvin, encarregada de solucionar conflitos assim. Em

alguns romances seus, as relações entre robôs e humanos são claramente metafóricas

de questões de discriminação racial. Embora os robôs de Asimov sejam quase sempre

nobres e bons, há umas poucas exceções em sua ficção posterior.

A idéia dos conflitos de programação também serviu para explicar, no

romance e no filme 2001, o “esgotamento nervoso” do supercomputador HAL 9000,

em função do qual ele liquida todos os membros humanos da expedição

interplanetária que quer controlar sozinho, menos um, que o desliga por fim.

Também quanto aos robôs, a obra de Stanislaw Lem é algo numa categoria

separada. Não que seja único o caso de seu Mortal engines (“Engenhos mortais”),

compilação em inglês de contos de Lem organizada em 1992 pelo tradutor Michael

Kandel (os originais em polonês datam de 1971 a 1976), em que todas as personagens

importantes são robôs e de que consta, no conto “A máscara”, algo que poderia

chamar-se de metafísica para robôs, num tom reminiscente de um famoso romance do

mesmo autor, Soláris. Embora coisas mais ou menos semelhantes existam na

literatura anglo-saxônia de ficção científica, o nível de Lem é nitidamente superior

nos vôos metafísicos - a ponto de ele já ter sido chamado de “o Borges da cultura

científica”.

Se os robôs são ambíguos, os andróides, na maioria dos casos, aparecem

submetidos à escravidão ou à exploração sexual. Os robôs de Capek - em nosso modo

atual de classificar, de fato andróides - foram assim designados a partir de um termo

eslavo que se refere à noção de trabalho. A palavra “andróide” tornou-se comum, em

ficção científica, na década de 1940. No contexto de certa fluidez de vocabulário já

mencionada, aplicou-se muitas vezes a seres mecânicos e, não, orgânicos - a robôs,

portanto, na definição habitual hoje em dia. A distinção atualmente vigente parece ter

sido iniciada por Edmond Hamilton numa revista pulp da década de 1940, Captain

Future, na qual um robô gigantesco e um andróide apareciam como entidades bem

diferentes entre si.

Note-se que o Golem do folclore judaico, que já mencionamos, era quando

muito um proto-andróide, posto que sua animação foi mágica e, não,

científica/tecnológica. O arquétipo do andróide foi a criatura de Frankenstein,

construída como se poderia imaginar numa época em que a sintetização da matéria

orgânica não se considerava possível - ou seja, feita com pedaços de cadáveres - e

animada pela eletricidade. O que não quer dizer, claro está, que em seu romance

Mary Shelley se privasse de ilações mítico-religiosas: pelo contrário, ela as

multiplicou no texto.

É provável que sejam alguns dos livros de Philip K. Dick - em especial O

caçador de andróides (Do androids dream of electric sheep?: 1968) - aqueles que

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71

levaram ao clímax, até agora, a problemática ficcional dos andróides. No romance

mencionado como exemplo, os andróides em questão são humanos: mas há também

réplicas de animais, praticamente extintos no universo ficcional do livro. No relativo

aos andróides humanos, a preocupação central de Dick é com a relação entre o

simulacro e o real, problema central na cultura de nosso século até mesmo antes do

surgimento da realidade virtual. Por outro lado, trata-se de um elemento temático que

permite discutir a natureza e os limites do que seja um ser humano “autêntico”. Este

último aspecto - acoplado a um subtexto que remete à opressão e exploração por um

capitalismo cínico e aético, numa modalidade pós-moderna da reflexão acerca do

assunto - foi tornado central no filme feito a partir do romance de Dick: Blade runner,

o caçador de andróides, dirigido por Ridley Scott em 1982, o mais famoso exemplo

do emprego da temática dos andróides no cinema.

É interessante notar que os andróides demoraram mais a desenvolver-se

ficcionalmente do que os robôs. Provavelmente isto possa explicar-se por existir um

tabu mais forte, do ponto de vista religioso, à tentativa de criar seres humanos

artificiais do que à construção de simulacros mecânicos de tais seres.

A engenharia genética - portanto, o desenvolvimento de seres humanos

geneticamente modificados - pertence a uma ordem de idéias um tanto diferente,

mesmo se também ligada a preocupações éticas e religiosas de ordem análoga. Mas o

tema dos ciborgues tem lugar aqui, pela artificialidade parcial dos mesmos e por

ilustrarem a ambigüidade homem/máquina; já que por definição um ciborgue - sendo

o termo original inglês, cyborg, uma contração da expressão cybernetic organism:

“organismo cibernético” - participa das duas naturezas, tratando-se de um humano

que foi individualmente modificado pela incorporação de elementos mecânicos e/ou

eletrônicos.

Pode-se citar, já em 1923, em romance da autoria de E. V. Odle, The

clockwork man (“O homem com mecanismo de relojoaria”), uma personagem que é

um ciborgue plenamente caracterizado - embora sem que se use o termo, inventado

posteriormente. Durante muito tempo, porém, o que aparecia com maior freqüência na

ficção científica era um cérebro humano artificialmente mantido vivo e ativo por

meios tecnológicos, sem o seu corpo. O cérebro em questão costumava apresentar

forte tendência a tornar-se monstruoso e dominador. O romance mais famoso nesta

linha foi, provavelmente, O cérebro de Donovan (1943), de Curt Siodmak, filmado

três vezes, sendo a melhor versão a que foi feita em 1953, com o mesmo título, sob a

direção e com roteiro de Felix Feist. A literatura da década de 1950 foi mais pródiga

em ciborgues à maneira atual, com freqüência humanos modificados para adaptá-los

às viagens interplanetárias e à exploração de outros mundos.

Page 72: A FICÇÃO CIENTÍFICA

72

A difusão dos microcomputadores levou a diversas versões de ciborgues com

implantes de microchips, às vezes acopláveis diretamente aos terminais de

computador - um verdadeiro clichê no interior da tendência cyberpunk. O fato de que

a noção atual do ciborgue ligou-se também de perto aos avanços da cirurgia que se

fizeram presentes desde a década de 1960 - em especial a cirurgia cardíaca, com o uso

de corações artificiais e marcapassos - fica claro em O homem terminal (1972), de

Michael Crichton, em que eletrodos e um microcomputador muito miniaturizado que

os controla são implantados - com resultados sinistros - num homem que sofreu um

acidente automobilístico, para debelar convulsões e tendências a tornar-se violento,

causadas por ter sido o seu cérebro afetado. Quando a experiência conduz por fim a

violências muito piores, isto simboliza uma vinculação entre homem e máquina

mutuamente destrutiva. O romance foi filmado, sob a direção de Mike Hodges, em

1974.

Nas obras literárias ou cinematográficas cyberpunk, os ciborgues são, com

freqüência, vítimas de exploração e de manobras para esconder-lhes alguma verdade

secreta. Mas, tanto na literatura como no cinema ou na TV, houve igualmente

ciborgues ameaçadores ou malignos. Um deles aparece numa obra de Philip K. Dick,

The three stigmata of Palmer Eldricht (Os três estigmas de Palmer Eldricht: 1964).

Um exemplo televisivo são os Borg da segunda geração de Jornada nas estrelas, na

verdade, um dos elementos de maior sucesso e mais interessantes da série, permitindo

verdadeiros vôos líricos em louvor do individualismo burguês ocidental,

especialmente incrementado na tendência pós-moderna. Caso fora do comum é o

cetáceo ciborgue que figura em The Godwhale (“A baleia divina”: 1974), de T. J.

Bass.

Como no caso dos robôs - máquinas que parecem seres humanos -, os

ciborgues - seres humanos parcialmente transformados em máquinas - podem servir

para metaforizar os problemas envolvidos nas relações entre homens e máquinas, em

especial no que se refere à dependência crescente dos humanos em relação aos

artefatos mecânicos e eletrônicos e à tecnologia em geral. Já mencionamos O homem

terminal; outro bom exemplo é o romance Moderan, de David R. Bunch, que reuniu

em 1971 histórias publicadas entre 1959 e 1970.

5. Outros mundos, outros seres

Arthur Clarke escreveu a respeito de seu primeiro encontro com Kubrick:

“Quando me encontrei com Stanley Kubrick pela primeira vez, no

[hotel] Trader Vic’s, em 22 abril de 1964, ele já havia absorvido uma imensa

quantidade de fatos científicos e de ficção científica e corria algum perigo de

Page 73: A FICÇÃO CIENTÍFICA

73

acreditar nos discos voadores; senti que chegara exatamente a tempo de salvá-

lo desse destino horrível.”18

Sim, mas... No processo complicado de que resultaram o livro e o filme

2001, as idéias de Clarke acabaram arrastando Kubrick para um destino a meu ver não

menos “horrível”: o de embarcar nas canoas furadas dos “deuses astronautas”, à

maneira de von Däniken (a civilização humana como algo resultante de contatos

primevos com seres alienígenas superiores, que nos visitaram em algum passado

longínquo), e do ser humano como “primata assassino” (com territorialidade,

hierarquia e belicosidade geneticamente programados, portanto inevitáveis e naturais),

à maneira de Robert Ardrey e Desmond Morris. A ficção científica, mais do que com

a ciência, tem a ver é com a cultura popular - e com as variações dela no tempo -,

mesmo no caso de um autor de tão boa formação científica quanto Clarke. E, no

assunto das relações entre os homens e os extraterrestres, bem como naquele das

relações entre o homem e o cosmo, as ênfases, bem variáveis, refletiram, ao longo das

décadas deste último século, medos e convicções difusos que se faziam presentes na

cultura popular em seu conjunto.

Um dos temas mais interessantes da viagem espacial, ao conduzir à exploração

e à colonização de outros mundos, é o eventual encontro com formas de vida

alienígenas, com tudo que disto possa resultar. Antes, porém, de abordar tal ângulo da

questão, falemos da outra possibilidade: a da hipotética vida extraterrestre vir até nós,

ter algum tipo de impacto direto ou indireto sobre nosso planeta mesmo sem dele

sairmos.

Como em tantos outros pontos de temática e enfoque, H. G. Wells foi fundador

também aqui: em A guerra dos mundos (1898), ao mesmo tempo que, em pleno auge

vitoriano do Império Britânico, criticava metaforicamente as atrocidades e genocídios

vinculados ao colonialismo praticado por seus conterrâneos, postulava, a partir do

darwinismo, que extraterrestres inteligentes - embora monstruosos de nosso ponto de

vista, outro futuro clichê - poderiam vir a competir com os humanos, numa corrida

darwinista pela sobrevivência do mais apto. Isto foi sublinhado muitas vezes. O que

talvez se tenha salientado menos é que, pioneiramente e sem muitos imitadores até

bem entrado este século, o desenlace do romance mostra que Wells também

prenunciou e preparou a abordagem ecológica do tema. Os seus marcianos,

invencíveis para os meios de guerra disponíveis, no final do século XIX, mesmo na

nação mais avançada tecnologicamente de então, foram derrotados, por fim, pela

ecologia terrestre à qual eram estranhos, não dispondo, por tal razão, de defesas

18 CLARKE, Arthur C. The lost worlds of 2001. The ultimate log of the ultimate trip. New York: New

American Library, 1972, p. 29.

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74

imunológicas que neutralizassem a ação dos seres microscópicos que abundam neste

mundo.

Seja como for, a linha aberta por Wells, a dos alienígenas que vêm do espaço

exterior para atacar-nos, existe até hoje - veja-se o filme Independence day, de 1996 -

e, durante várias décadas, foi a que predominou. O ataque não foi sempre o da guerra

aberta. Além desta última, foram variantes dele, entre outras: o artefato humano que

traz do espaço um vírus letal (O enigma de Andrômeda, romance de Michael Crichton

de 1969, filmado por Robert Wise em 1971; a idéia já tivera um memorável

antecedente no filme britânico The Quatermass Xperiment: the creeping unknown, “O

experimento de Quatermass: o desconhecido rastejante”, de 1955, dirigido por Val

Guest); a nave alienígena que, pairando sobre uma aldeia inglesa, adormece os

habitantes, verificando-se depois que todas as mulheres do lugar ficaram grávidas,

dando à luz crianças desprovidas de emoções e dotadas de poderes especiais, coisa

que, descobre-se, também acontecera ao mesmo tempo em outros pontos do planeta

(A aldeia dos malditos, de John Wyndham, 1957; filme de Wolf Rilla, 1960); vegetais

vindos do espaço crescem na Terra, desenvolvendo grandes vagens que tomam a

forma de seres humanos adormecidos e os substituem por cópias perfeitas: estas retêm

as recordações daqueles que substituem, mas não as emoções (Invasores de corpos, de

Jack Finney, 1955, filmado por Don Siegel em 1956, Vampiros de almas; e por Philip

Kauffman em 1978: Invasores de corpos); uma cabeça com um corpo atrofiado e

mãos de três dedos, dentro de uma redoma de vidro - marciano que reproduz idéias

então difundidas na ficção científica quanto ao aspecto que adquirirão os homens do

longínquo futuro -, comanda um bando de andróides invasores e transforma a

população de uma pequena cidade norte-americana em zumbis sob controle telepático

(Invasores de Marte, filme dirigido por William Cameron Menzies em 1953,

refilmado lamentavelmente em 1986 sob a direção de Tobe Hooper); no planeta

Marte, uma civilização de mulheres acaba com os varões e então, com problemas para

reproduzir-se, manda à Terra uma emissária vestida de couro e acompanhada de um

robô gigantesco para recrutar reprodutores sadios, usando métodos no mínimo hostis

(filme britânico Devil girl from Mars, “Garota diabólica de Marte”, de 1954, dirigido

por David Macdonald, baseado numa peça de teatro); um asteróide, tripulado no

passado por seres que depois se descobre estarem mortos há muito, agora sob controle

de um computador, aproxima-se da Terra e envia discos voadores que combatem os

humanos (Il pianetta degli uomini spenti, “O planeta dos homens mortos”, filme

italiano dirigido por Anthony Dawson, aliás Antonio Margheriti, em 1961). Esta lista

está muito longe de esgotar as possibilidades, tendo sido a imaginação a respeito

extremamente fértil e variada.

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75

Na época em que Wells escreveu A guerra dos mundos, a Grã-Bretanha

conhecia uma grande moda de romances relativos a guerras futuras, em grande parte

inspirados pelo medo de uma invasão germânica, provocado pelo forte militarismo do

Império Alemão sob o kaiser Guilherme II. Nos seriados de Flash Gordon, os ataques

do imperador Ming contra a Terra eram apenas uma das modalidades da noção de um

“perigo amarelo”, já bem anteriormente plasmado na figura ameaçadora de Fu

Manchu. Na década de 1950, os extraterrestres hostis, em suas diversas modalidades,

refletiam a paranóia anticomunista da Guerra Fria em sua primeira fase e, ao mesmo

tempo, o medo de que estivesse ocorrendo uma crescente desumanização das pessoas

- sendo metáforas disso, por vezes, os zumbis humanos controlados por

extraterrestres, ou figuras análogas. Como de hábito, a ficção científica, em cada

época, inseria-se no imaginário da cultura popular de então.

Houve sempre exceções, entretanto. O alienígena de O dia em que a Terra

parou (filme de Robert Wise, 1951) veio avisar os humanos de que não se toleraria

que levassem sua belicosidade para o espaço exterior; e provou ele mesmo na carne os

efeitos da agressividade dos habitantes deste planeta. O homem do planeta X (filme de

Edgar G. Ulmer, 1951) e os alienígenas muito menos humanos chegados n’O meteoro

do espaço (filme de Jack Arnold, 1953) buscavam somente ajuda numa situação

difícil; encontraram, no entanto, incompreensão. Num conto de Eando Binder, “The

teacher from Mars” (“O professor de Marte”: a história foi deliciosamente ilustrada

por Joe Orlando no segundo número de 1954 da revista Weird Science-Fantasy, da

EC Comics), o professor marciano do título sofre feroz perseguição de seus alunos

humanos, numa parábola acerca do racismo e da intolerância cultural. Também neste

caso, estes são apenas uns poucos exemplos. Mas, no cinema e na TV, o predomínio

dos alienígenas invasores ou hostis em visita à Terra durou mais do que na literatura.

Mencionemos, como exemplo, a série televisiva Os invasores, 1967-1968:

tipicamente paranóica, seu relativo insucesso pode ter-se ligado a estar defasada

quanto às inquietudes da década de 1960, que não eram as mesmas da anterior.

O início da era espacial tornou crível a idéia já antiga de tentar uma

comunicação - agora por rádio, acreditava-se - com outras civilizações da nossa

galáxia. Um projeto pioneiro, Ozma, ocorreu em 1960. Em 1971, um primeiro

congresso russo-norte-americano reuniu-se no observatório soviético de Biurakan, na

Armênia, para discutir o tema da comunicação com civilizações extraterrestres. Isto,

como não poderia deixar de ser, inspirou uma onda ficcional em torno da

possibilidade de, mesmo sem sairmos deste planeta, ou em todo caso antes de irmos

muito longe dele, recebermos uma comunicação de outra civilização.

Nesta linha, predominou o otimismo, no sentido de que a comunicação acabaria

por acontecer. Os melhores romances a respeito são, provavelmente: The listeners

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76

(“Aqueles que escutam”, 1972), de James E. Gunn, em que, após muitas décadas de

tentativas, chega a mensagem de uma civilização já desaparecida, por ter a sua estrela

(Capella) se tornado uma gigante vermelha; e Contato (1985), de Carl Sagan, filmado

recentemente numa forma bastante diferente da do livro, em que uma mensagem

cósmica com indicações acerca de como construir um artefato provoca grandes

intrigas políticas e tem repercussões existenciais e religiosas.

Note-se que a questão da busca de inteligências extraterrestres (designada em

inglês como SETI: Search for extraterrestrial intelligence) foi combatida como inútil

por alguns, como perigosa por outros: estaríamos atraindo possíveis invasores... Do

ponto de vista ficcional, foi de outro ângulo que Stanislaw Lem, em A voz do dono, de

1968, se pronunciou a respeito. No romance, uma mensagem é recebida e estabelece-

se nos Estados Unidos um projeto secreto para lidar com o assunto. No entanto,

embora até mesmo se chegue a confeccionar uma substância segundo o que se

entende como instruções contidas na mensagem, no final das contas constata-se que a

verdadeira comunicação entre seres radicalmente diferentes é impossível. Mas não

teríamos aí, de fato, um reflexo, na ficção científica, das angústias da época a respeito

da solidão inevitável, da incomunicabilidade dos seres, mesmo neste planeta,

problema muito ventilado pelo existencialismo do segundo pós-guerra e ilustrado pela

nouvelle vague do cinema francês, bem como pelo nouveau roman, francês também?

A partir da década de 1960 sobretudo, em literatura, e do final da década

seguinte no cinema, os extraterrestres que visitavam ficcionalmente este planeta

tornaram-se menos hostis. Refletindo a chamada revolução sexual, desde então

começaram, mesmo, a entrar em “relações adultas e significativas” com humanos:

assim ocorreu, por exemplo, no romance Those who watch (“Aqueles que observam”,

1967), de Robert Silverberg; e no filme Starman, o homem das estrelas (1984),

dirigido por John Carpenter. É verdade que, em ambos os casos, tiveram de assumir

um corpo humano para que a experiência pudesse ser tentada. Autores houve, no

entanto, que não acharam ser isto necessário. Outros alienígenas sofreram horrores

devido à xenofobia e à intolerância dos seres humanos, como O homem que caiu na

Terra, no romance de Walter Tevis (1963; filmado por Nicolas Roeg em 1976: neste

filme, David Bowie tornou-se um dos mais críveis extraterrestres do cinema).

Terminada a Guerra do Vietnã, em tempos de distensão da Guerra Fria, de

conversações Oeste-Leste para tentar limitar os arsenais de mísseis nucleares

intercontinentais, o clima tornou-se mais favorável do que no passado a que visitantes

simpáticos viessem ter conosco: o mais famoso foi E.T., o extraterrestre (filme de

Steven Spielberg, 1982), que, com os angelicais e frágeis alienígenas que aparecem no

final de Contatos imediatos do terceiro grau (também de Spielberg, 1977), inaugurou

um clichê visual do que seria o extraterrestre “bom”.

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77

Isto não impediu, porém, a volta dos visitantes ameaçadores, em especial

acusados de raptarem e torturarem seres humanos: Fogo no céu (Fire in the sky, filme

de 1993 dirigido por Robert Lieberman), num renascimento da paranóia cujo foco

eram os discos voadores. Nem a visita de um incômodo e gosmento extraterrestre que,

tomando conta de corpos que roubava de seres humanos, trazia para este planeta seus

próprios conflitos interplanetários: The hidden (“O escondido”: 1987, dirigido por

Jack Sholder). Este filme explorou o clichê, novo no caso da ficção científica, do

policial humano colaborando com o tira extraterrestre. Trata-se, porém, de clichê

derivado provavelmente de outro, o dos policiais branco e negro, no Sul dos Estados

Unidos, forçados a uma colaboração de início relutante, inaugurado em In the heat of

the night - “No calor da noite” -, filme de 1967, dirigido por Norman Jewison. Ele

reapareceria em Alien nation, também de 1987, a seguir em outros filmes. Como se

pode notar na atual série televisiva Arquivo X, nestes novos tempos pessimistas há

quem prefira acreditar que o que anda mal neste mundo não seja culpa nossa e, sim,

de outros, isto é, de “um complô vindo de fora”.19

Passemos, agora, ao caso oposto: não são os extraterrestres que vêm à Terra

mas, sim, os seres humanos empreendem viagens espaciais, durante as quais

eventualmente entram em contato com outros seres inteligentes.

Uma pergunta prévia poderia ser: o que vão buscar os humanos no espaço

exterior? Há quem ache que não deveriam ir até lá. Criticando o 2001 de Kubrick,

Stanley Kauffmann afirma que o filme em questão tornou claro para ele “por que eu

não gosto da idéia da exploração espacial”. Alega não ser por razões filosóficas, nem

pelo argumento prático e “válido” de que o dinheiro e o talento gastos nela são

urgentemente necessários na Terra. O sentido em que o filme lhe teria esclarecido a

verdadeira razão é este:

“Imagine percorrer milhões de milhas todos aqueles tediosos dias de

clausura, ou mesmo semanas só para viver depois dentro de um traje

espacial! (...) Kubrick torna gráfico o paradoxo: o espaço exterior só parece

vasto. Para os seres humanos, ele é confinador. Eis porque, apesar do tamanho

do firmamento estrelado, a idéia da viagem espacial me provoca

claustrofobia.”20

Segundo Stanislaw Lem, falando através da personagem Snow, de Soláris

(1961):

“Nós não queremos conquistar o cosmo, queremos simplesmente

estender os limites da Terra até às fronteiras do cosmo. (...) Somos

19 Para uma interpretação deste tipo de Arquivo X, ver: PIRAS, Pierine. “Fascinations pour un

nouveau mysticisme”. Le Monde Diplomatique (Paris). Agosto de 1997, p. 18. 20 KAUFFMANN, Stanley. “Lost in the stars”. In: AGEL, Jerome (org.). The making of Kubrick’s

2001. New York: New American Library, 1970, pp. 223-226 (a citação é da p. 226).

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humanitários e cavalheirescos; não queremos escravizar outras raças,

queremos apenas transmitir-lhes os nossos valores e, em troca, apoderarmo-

nos da sua herança. Consideramo-nos os Cavaleiros do Sagrado Contacto. Isto

é outra mentira. Nós procuramos apenas o Homem. Não temos necessidade de

outros mundos. Um único mundo, o nosso, basta-nos; mas não o podemos

aceitar por aquilo que é. Andamos à procura de uma imagem ideal para o

nosso próprio mundo: andamos à procura de um planeta com uma civilização

superior à nossa, mas que se tenha desenvolvido a partir da base de um

protótipo do nosso primitivo passado. Ao mesmo tempo, há dentro de nós algo

que não gostamos de encarar de frente, do qual tentamos proteger-nos, mas que

sempre permanece, pois não abandonamos a Terra num estado de inocência

primária. (...) ...todos nós queríamos [o] contacto com outra civilização. Agora

conseguimo-lo! E podemos observar, como se através de um microscópio, a

nossa monstruosa fealdade, a nossa loucura, a nossa vergonha!”21

Claro está, porém, que, como cultura popular que é, a ficção científica

raramente se eleva a tais alturas metafísicas. Lem provavelmente esteve influenciado,

em passagens como a citada, por idéias do tipo das de Ernst Cassirer: o homem se

enredou tanto em seus próprios símbolos culturais que, quando pensa que dialoga com

o mundo, no fundo só está monologando consigo mesmo. O universo se transforma

em espelho gigantesco. Entretanto, examinando o tipo de reconstituição ficcional de

outros mundos e seus habitantes que predominou por décadas, seria fácil dar razão ao

argumento do autor polonês.

Um caso extremo poderia ser o ciclo do Império Galáctico de Trantor,

elaborado por Isaac Asimov entre 1942 e 1953. Nossa galáxia foi inteiramente

colonizada por seres humanos, que não encontraram outra espécie inteligente. Os

planetas descritos são, aliás, meras extrapolações reducionistas de aspectos parciais da

Terra: Trantor é inteiramente urbanizado e tem funções só burocráticas, há mundos

que são unicamente agrícolas, outros se dedicam ao comércio em forma exclusiva,

Kalgan é um mundo que provê somente atividades de lazer, Terminus é um oásis

tecnológico numa periferia galáctica neofeudal. É verdade que, em outras obras, o

autor se dedicou a descrever cosmologias e seres realmente extraterrestres.

No cinema, com freqüência os alienígenas têm aspecto humano ou, no

mínimo, motivações humanas. Podem, mesmo, repetir ou prenunciar a história deste

planeta: assim acontece em Rocketship X-M (“Foguete espacial X-M”:1950), filme de

Kurt Neumann em que “mutantes” cegos, cuja aparência é de todo humana, habitam

um planeta Marte onde a civilização foi destruída por uma guerra atômica.

É certo que, literariamente, o ciclo trantoriano de Asimov é muito superior ao

romantismo pulp e àquele do Marte de Edgar Rice Burroughs, onde o terrestre John

Carter conhecia aventuras incríveis entre monstros - alguns deles simpáticos, outros

21 LEM, Stanislaw. Soláris. Trad. de Inês Busse. Lisboa: Europa-América, 1983, p. 67.

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terríveis - e belas princesas. A space opera da era pulp, ligada a nomes como E. E.

“Doc” Smith, Edmond Hamilton, Jack Williamson, entre vários outros, caracterizava-

se por planetas que eram paráfrases do nosso com alguns toques de exotismo,

alienígenas monstruosos (ou estranhos mas positivamente retratados, quando aliados),

humanos arrogantes e imperialistas, batalhas espaciais em astronaves cada vez

maiores e usando armas cada vez mais terríveis. Um certo ar de fronteira e faroeste

caracterizava muitas dessas narrativas. A onda de “capa, espada e astronave” se

prolongou nos seriados produzidos para as matinês de cinema na década de 1930, por

exemplo os de Flash Gordon. A Lua como típico faroeste aparece tardiamente, no

cinema, no filme britânico Moon zero two (“Lua zero dois”), de Roy Ward Baker

(1970). Algo do espírito da space opera das revistas pulp e dos seriados

cinematográficos seria depois recuperado em obras literárias nostálgicas e,

cinematograficamente, na trilogia de George Lucas (Guerra nas estrelas, 1977; O

Império contra-ataca, 1980; O retorno do Jedi, 1983).

Elemento simetricamente oposto a esse cosmo radicalmente “humanizado”

seria a descrição de alienígenas em seus ambientes, sem qualquer presença de gente

da Terra, ou a ela semelhante. Isto existiu, mas não com freqüência, por ser difícil

conseguir uma identificação do leitor com um mundo de fato “outro”, totalmente

estranho à humanidade. Um exemplo das obras que funcionaram melhor em tal

sentido é The crucible of time (“O cadinho do tempo”, 1983), do inglês John Brunner,

uma epopéia inteiramente alienígena que cobre, num período extremamente longo, a

história de uma espécie que nada tem de humana e conquista uma civilização

tecnológica em moldes nada terrestres.

Um caso à parte é o de Marte. Uma imagem poderosa a respeito gerou-se

com a teoria do astrônomo amador Percival Lowell, exposta em especial num livro de

1908. O planeta vermelho era nele descrito como um mundo agonizante de desertos,

com a pouca água disponível, proveniente do degelo polar, sendo distribuída pelos

marcianos através do seu bombeamento para que circulasse num sistema de canais.

Desde então, a ficção científica abundou em aventuras marcianas dentro desse

cenário. Mesmo Ray Bradbury - numa época em que boa parte do mito se tornara já

de impossível sustentação diante das descobertas astronômicas acerca de Marte -, em

suas Crônicas marcianas (coleção de 1950), ajudou a prolongar a vida do clichê

marciano. Vida que ultrapassou até mesmo o efeito das sondas não-tripuladas que, nas

décadas de 1960 e 1970, provaram cabalmente que aquilo imaginado por Lowell não

passava de total fantasia: nem isto cortou de todo o fluxo de romances marcianos

ambientados num mundo vetusto e agonizante com seus canais.

Apareceram desde então, sem dúvida, ficções marcianas mais realistas. E a

noção de um Marte menos hostil do que o mostrado pelas sondas foi transferida seja

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para o passado (The valley where time stood still, “O vale onde o tempo parou”, 1974,

de Lin Carter), seja para o processo tecnológico (e biológico) de sua transformação

em algo semelhante à Terra. No último caso, trata-se do conceito conhecido como

terraforming (em português traduzido habitualmente pelo horrível “terraformização”),

aplicado também a outros mundos como solução tanto não-ficcional quanto ficcional

para a futura colonização de um sistema solar que a exploração por sondas vem

mostrando sistematicamente ter características inóspitas para os humanos. No caso de

Marte, o melhor desenvolvimento da idéia na ficção está na série marciana de Kim

Stanley Robinson, cuja publicação foi iniciada em 1992, acerca da colonização do

planeta - anteriormente desabitado - por seres humanos.

Em todo caso, já na década de 1930 ecologias extraterrestres mais críveis

começavam a aparecer. O pioneiro no ramo foi o romancista Stanley G. Weinbaum.

Na mesma década, também Olaf Stapledon usou a imaginação para descrever mundos

coerentes em seus ecossistemas, mas distintos deste, embora sem grande detalhe. Foi

a preocupação difundida com a ecologia, típica da época iniciada na década de 1960,

que levou às melhores descrições de sistemas ecológicos alienígenas, em mundos

partilhados por humanos e extraterrestres inteligentes, ou habitados só por humanos: o

mais famoso é provavelmente o planeta Arrákis no romance Duna (1965), de Frank

Herbert, iniciador de uma série muito popular. Tal romance foi filmado em forma

desapontadora - apesar de conter o filme muitas imagens portentosas e memoráveis -

por David Lynch, em 1984. Há outro mundo extraterrestre notável, mas em relação ao

qual é impossível falar em ecossistema, já que o único ser vivo, gigantesco, seria o

próprio oceano do planeta, não estando o oceano em questão formado por matéria

comprovadamente orgânica: trata-se de Soláris, no romance homônimo de Stanislaw

Lem (1961), uma das parábolas do autor acerca da impossibilidade de uma

comunicação plena entre seres radicalmente diferentes.

Desde a década anterior, numa tendência confirmada após 1960, a

colonização humana de outros mundos começou a ser vista como tarefa bem mais

árdua do que antes se imaginava; também, como algo contestável eticamente. Era a

época da descolonização e do anticolonialismo, do movimento norte-americano e na

África do Sul pelos direitos civis dos negros, do feminismo cada vez mais militante

em suma, aquela em que se tornou forte a crença numa “culpa do Ocidente”. Na

ficção científica, os efeitos disto foram dos mais fecundos. Arthur Clarke, por

exemplo, já na década de 1950 imaginara os próprios colonos humanos da Lua e de

Marte revoltando-se contra uma administração metropolitana terrestre injusta ou

inadequada, o que também aparecia nas obras de outros autores.

Na etapa seguinte do gênero, porém, a ênfase - influenciada em especial

pelas atrocidades da Guerra do Vietnã - foi na interferência culpada, colonialista,

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genocida e ao mesmo tempo antiecológica de colonos e administradores humanos em

outros planetas, bem como na revolta de extraterrestres contra tal situação. A autora

que melhor representa tal tendência, inclusive por sua alta qualidade literária, é Ursula

K. Le Guin, por exemplo no romance The word for world is forest (“O termo para

mundo é floresta”: 1976). Na literatura tanto quanto no cinema, a tendência cyberpunk

estende a outros mundos a competição e a dominação, cínicas e aéticas, de

corporações capitalistas, idéia inaugurada na década de 1950 por Cyril Kornbluth e

Frederik Pohl. Um filme claustrofóbico que simboliza isto precede, de fato, a

designação cyberpunk e, por outro lado, baseia-se na ambientação no espaço de um

faroeste famoso de 1952, Matar ou morrer, de Fred Zinnemann: trata-se de Outland:

comando titânio, dirigido por Peter Hyams (1981).

Mencionemos, para terminar, que outros planetas foram às vezes usados

simplesmente como pretexto para apresentar utopias ou distopias, ou mesmo um

ideário religioso. Nesta última categoria estão algumas das obras do britânico C. S.

Lewis, escritas nas décadas de 1930 e 1940, e o filme - militantemente anticomunista

e religioso ao mesmo tempo - Red planet Mars (“Marte, o planeta vermelho”: 1952),

dirigido por Harry Horner. Um clichê comum no cinema da década de 1950 era a

noção de que, ao empreender viagens espaciais e a conquista de outros mundos, a

humanidade estaria infringindo os limites do domínio reservado a Deus. Citemos

como exemplo A conquista do espaço, de 1955, filme dirigido por Byron Haskin.

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V. A ficção científica no Brasil

Existe uma ficção científica brasileira?

Sua inexistência foi claramente declarada em 1988 num manifesto, publicado

em revista de um clube de fãs, Somnium, por Ivan Carlos Regina. Entenda-se, porém,

o seguinte: na expressão “ficção científica brasileira”, a ênfase de Regina, depois

apoiado no mesmo sentido por Roberto de Sousa Causo, está em “brasileira”. Isto é,

parecia-lhes urgente e necessário o surgimento de uma corrente específica, original,

de ficção científica nacional.

Braulio Tavares, ao localizar nos anos anteriores ao final da década de 1930

uma proto-ficção científica brasileira, afirmava que com Jerônimo Monteiro (1908-

1970) é que, da década de 1940 em diante, surgiu uma ficção científica que via a si

mesma como tal. A qual, portanto, existe.

Minha opinião a respeito é que a ficção científica brasileira existe, talvez

desde 1960, quando se deu - mas com base em duas editoras pequenas - alguma

autoconsciência e relativa vigência ao gênero entre nós; mas que ela existe apenas,

sendo pequeno seu peso específico nas letras nacionais, além de apresentar poucas

tendências de continuidade em suas linhas de atuação e em sua própria presença, que

flutua muito no tempo, na ausência de uma massa crítica decisiva (do lado dos autores

mas também do público e, portanto, das editoras).

As raízes tanto da presença quanto da pequena importância, até agora, da

ficção científica como gênero no Brasil foram já bem percebidas, por autores

diversos, em certas características do país. A partir da segunda metade da década de

1950, sobretudo, são patentes tanto a forte urbanização quanto uma industrialização e

um setor de serviços que contêm alguns elementos altamente sofisticados e em dia

com a tecnologia contemporânea (incluindo a da chamada “revolução informacional”;

muito pouco ainda, porém, no setor das biotecnologias derivadas do descobrimento do

código genético). No entanto, os governos brasileiros, sem excetuar o atual, nunca

dispuseram de políticas consistentes de educação, ciência e tecnologia, pelo qual

nossa massa crítica nesses terrenos é ainda, no conjunto, muito débil. Em suma, em

nossa sociedade brigam entre si tendências contraditórias que ao mesmo tempo

favorecem e limitam as possibilidades de surgimento e desenvolvimento da ficção

científica como gênero.

É preciso reconhecer, também, que o pouco que há do gênero entre nós se

limita quase de todo a textos literários. Recordo vagamente uma série radiofônica que

acompanhei quando criança pela Rádio Nacional: Átoman, o homem atômico; pelo

que me lembro, e à luz do que hoje sei acerca da história do rádio, era decalque de

programas similares norte-americanos, sem um pingo de originalidade. Não ignoro

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que Jerônimo Monteiro realizou transmissões radiofônicas de obras de ficção

científica na década de 1930, mas não disponho de maior informação a respeito. Até

onde sei, a TV brasileira se limitou, em matéria de ficção científica, a oferecer

enlatados importados dos Estados Unidos. Situação análoga - diferentemente daquela

da Argentina, que tem uma interessante tradição própria no setor - caracterizou a

história em quadrinhos. Em matéria de cinema, além de um ou outro curta-metragem,

só conheço o filme Brasil ano 2000, de Walter Lima Jr. (1968).

Antes de 1960 enxergo, quando muito, uma proto-ficção científica, mesmo

admitindo que Jerônimo Monteiro fosse, já, um autor do gênero: um caso único não

muda de verdade o panorama, apesar do entusiasmo e efeito multiplicador que, afinal

de contas, só após 1960 aquele escritor de fato teve condições de exercer. Ainda

assim, podem-se citar exemplos diversos, que a erudição crítica vem reunindo. Dentre

os textos que eu mesmo (tendo nascido em 1942) li quando criança - o que entre

outras coisas significa que pude achá-los com facilidade na década de 1950 -, livros

pelos quais tenho por isso certo afeto, independentemente de seus eventuais defeitos,

citarei: O choque das raças (depois chamado O presidente negro), de Monteiro

Lobato (1926); Viagem à aurora do mundo, de Érico Veríssimo (1939); e A cidade

perdida, de Jerônimo Monteiro (1948). Minha própria experiência indica, porém, que

o universo ficcional acessível a um já ávido leitor de ficção científica tinha por força

de consistir, naquela época, quase inteiramente em traduções de romances e contos

estrangeiros - que, um pouco mais tarde, eu começaria também a ler no original.

A década de 1960 foi marcada por vários eventos. O mais importante foi a

ação de duas editoras pequenas - a GRD de Gumercindo Rocha Dorea e a Edart de

Álvaro Malheiros - na animação do gênero no Brasil. Dorea, em especial, além de

publicar traduções de prestigiosas obras estrangeiras, atraiu para a GRD conhecidos

autores brasileiros de fora do gênero (tais como Dinah Silveira de Queiroz, Rachel de

Queiroz e Antônio Olinto, entre outros), encorajando-os a que escrevessem obras de

ficção científica, também chamou a si pioneiros do gênero como Jerônimo Monteiro,

Fausto Cunha (cuja atuação até então fora principalmente como crítico literário) e

Rubens Teixeira Scavone, descobrindo, ainda, novos talentos, André Carneiro em

especial.

Em 1969, o tradutor José Sanz organizou no Rio de Janeiro, em conexão com

o Festival Internacional de Cinema, o Simpósio de Ficção Científica, que contou com

a presença de conhecidos nomes do gênero, como por exemplo Arthur C. Clarke e A.

E. van Vogt. Entretanto, a publicação do evento mostrou seu caráter de vitrine

brasileira para autores internacionais, sem participação nacional efetiva.

A década viu também sério esforço de Jerônimo Monteiro no sentido de

congregar um grupo de fãs de ficção científica, com reuniões em sua própria casa,

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culminando no ano de sua morte (1970) na criação do efêmero Magazine de Ficção

Científica, que chegou a lançar alguns novos nomes, além de publicar contos de

membros do que se conhece como “geração GRD”.

A década de 1970 foi, no conjunto, de retração, mesmo se autores como

Fausto Cunha, André Carneiro e Rubens Scavone continuaram a publicar e outros

surgiram, como Gerald C. Izaguirre (de curta carreira no gênero).

Uma retomada se nota na década de 1980, menor talvez em intensidade

quando comparada ao boom da década de 1960, mas com características novas e que

pareciam promissoras. A revitalização do gênero agora vinha, com efeito, da presença

de clubes de fãs com suas próprias publicações caseiras ou semiprofissionais. Entre

outras associações, surgiram: em 1982, a Sociedade Astronômica Star Trek, com seu

boletim Trek News; em 1983, o Clube de Ficção Científica Antares, no Rio Grande do

Sul, que instituiu o prêmio Fausto Cunha e publicava o Boletim Antares; o Clube de

Leitores de Ficção Científica, criado em 1985 por C. Roberto Nascimento, com seu

órgão Somnium. No conjunto, São Paulo foi - de longe - o centro da maior atividade,

sendo interessante uma grande participação do interior do estado. No Rio de Janeiro

destacavam-se, desde a década anterior, os esforços de Fausto Cunha e Braulio

Tavares.

De alguma importância, embora efêmero (1990-1992), foi o Isaac Asimov

Magazine - versão brasileira da conhecida revista -, publicado pela editora Record,

que instituiu o concurso Jerônimo Monteiro. Em 1987 Roberto de Sousa Causo

lançava, em sua revista artesanal Anuário Brasileiro de Ficção Científica, o Prêmio

Nova, desde 1993 vinculado à Sociedade Brasileira de Arte Fantástica.

Uma das novidades do relativo renascimento ocorrido especialmente a partir

de meados da década de 1980 foi a diversificação de interesses e, apesar de o

movimento partir no princípio de amadores, o desenvolvimento de uma escrita mais

segura e conhecedora das regras que o gênero vinha criando há décadas, bem como de

suas novas tendências (new wave, cyberpunk).

Gerson Lodi-Ribeiro ressalta que, no Brasil, o público leitor sempre

manifestou clara preferência pela ficção científica hard: quanto a isto, paralelamente

ao consumo habitual de obras dos Estados Unidos e da Inglaterra, agora surgia

também uma produção hard devida a autores brasileiros (Jorge Luiz Calife, Henrique

Villibor Flory, o próprio Lodi-Ribeiro). Outros autores se caracterizaram por assuntos

ligados a temas históricos ou a temporalidades virtuais (Roberto Causo, Rubens

Teixeira Scavone, Ivanir Calado, Henrique Flory - já citado acima pela ficção hard

que também produziu). André Carneiro foi comparado por van Vogt a Kafka e a

Camus: aparece na ficção científica nacional como um expoente do subgênero soft,

com ênfase em temas que têm a ver com o sexo, sendo o autor brasileiro do gênero de

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maior inserção internacional. Também no subgênero soft é que atua com maior

freqüência Roberto Schima.

Minha impressão pessoal é que o impulso iniciado em meados da década de

1985 manteve-se relativamente vigoroso por dez anos, perdendo força a seguir. Se for

assim, confirma-se que a presença entre nós da ficção científica entendida como

produção nacional é ainda instável e mesmo um tanto errática, pelas razões já

indicadas.

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Conclusão

A revista Locus, no início da década de 1980, listava anualmente uns 180

romances de ficção científica publicados em língua inglesa por ano; no final da

década, já eram cerca de 280. Ou seja: a explosão editorial iniciada em 1950 persiste

ainda em nossos dias. Aconteceu, entretanto, uma fusão da ficção científica com

gêneros próximos, tornando-a uma subcultura menos fechada sobre si mesma do que

no passado. Não por acaso, a associação norte-americana dos escritores ligados ao

gênero passou a chamar-se, em 1992, Science Fiction and Fantasy Writers of America

(Escritores de ficção científica e de fantasia [dos Estados Unidos] da América).

Houve, ao mesmo tempo, claro retrocesso das revistas especializadas.

Continuando a exemplificar com publicações em inglês, dirigidas a um mercado que

abocanha uma fatia muito predominante do gênero, as revistas mais importantes no

setor, incluindo a de maior sucesso, Isaac Asimov’s Science Fiction Magazine,

fundada em 1977, têm circulação cada vez menor. Uma novidade de meados da

década de 1980 que continua até hoje, ligada à proliferação de microcomputadores e

seus periféricos, cada vez mais eficientes, tem sido a alternativa representada pela

publicação caseira ou semiprofissional de revistas ou folhetos contendo ficção, crítica,

ou ambos.

O gênero que nos ocupa, desde sobretudo a década de 1950, também esteve

presente e ocupou um lugar considerável no cinema, na televisão e nas histórias em

quadrinhos. Se isto for levado em conta em conjunto com a literatura, pode-se dizer

que a ficção científica constituiu um dos vetores centrais de expressão para o

imaginário do século XX, no tocante à chamada cultura popular ou cultura de massa.

Suas temáticas, por extraterrestres que possam parecer às vezes, têm muito a ver com

angústias e esperanças reais, projetadas em metáforas e imagens variadas: variadas no

interior de cada período mas, também, no tempo, conforme mudem as preocupações

presentes na sociedade, tais como as capta a cultura popular.

Se acreditarmos em Anthony Burgess, o surgimento, em meados deste

século, da ficção científica no cinema e na televisão, também, passageiramente, um

certo auge seu no teatro (que, no passado, contara já com um escritor do porte de

Karel Capek) - sendo que alguns filmes do gênero da década de 1950 basearam-se em

peças teatrais - significou, qualitativamente, um patamar diferente no tocante ao peso

e influência sociais que passou a ter doravante:

“A ficção tem de ser traduzida para um dos meios dramáticos - palco,

cinema ou televisão - antes de poder começar a exercer uma influência ampla.

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(...) Filmes e programas de televisão ditam o gosto e o comportamento mais do

que o romance jamais conseguiu fazer.”22

Em todas as suas etapas e modalidades, bem como em todos os seus veículos,

a ficção científica é um gênero de enorme interesse para o historiador e o sociólogo,

por sua associação visceral com as grandes correntes da cultura popular

contemporânea, característica que o torna imediatamente sensível às preocupações

sociais e culturais dominantes em cada período.

22 BURGESS, Anthony. “O romance”. In: FADIMAN, Clifton (org.). O tesouro da Enciclopédia

Britânica. Trad. de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, pp. 9-29

(a citação é da p. 29).

Page 88: A FICÇÃO CIENTÍFICA

88

Bibliografia básica:

(Inclui todas as obras de referência citadas no texto ou utilizadas ao redigi-lo. Não

inclui as obras ficcionais nele mencionadas.)

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