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MOVIMENTO Instituto e Clínica Sistêmica de Florianópolis DA CIBERNÉTICA À TEORIA FAMILIAR SISTÊMICA KARINA FILOMENO

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MOVIMENTO – Instituto e Clínica Sistêmica de Florianópolis

DA CIBERNÉTICA À TEORIA FAMILIAR SISTÊMICA

KARINA FILOMENO

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KARINA FILOMENO

DA CIBERNÉTICA À TEORIA FAMILIAR SISTÊMICA

UM RESGATE DOS PRESSUPOSTOS

Monografia apresentada ao Movimento como requisito parcial para obtenção do

certificado de formação em Terapia Sistêmica

ORIENTADORA: MARIA CRISTINA D’AVILA CASTRO

Florianópolis

2002

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DEDICATÓRIA

À Ana Lúcia Coelho Pfitzer,

que me “iniciou” na Teoria Sistêmica,

que acompanhou todo meu processo de transformação,

que me auxilia ser um “ser sistêmico”,

que em todos os momentos me deu força, incentivo e apoio,

e que não deixa de ser um pedacinho de todas as minhas conquistas e vitórias.

A ela devo não somente meu crescimento profissional,

mas principalmente meu crescimento pessoal.

A ela também, todo meu reconhecimento e admiração,

não somente por ser uma excelente profissional,

mas por ser uma pessoa maravilhosa.

Pela sua eficiência, lucidez, clareza, profissionalismo,

e pelas suas colocações sempre bem feitas, que me fizeram crescer muito,

dedico todo meu esforço e empenho.

Meu Obrigada!!!!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço com alegria e prazer:

À minha Mãe, pelos seus incalculáveis esforços para a realização deste momento,

meu reconhecimento pela sua força e dedicação,

para me proporcionar tudo que sou e tenho hoje.

Ao meu Pai, meu agradecimento por em alguns momentos ter se privado,

de suas prioridades para me proporcionar à realização deste desejo.

À minha querida e amada avó Verônica,

pelo “seus cuidados”, amor, carinho e total dedicação.

À minha irmã, que através de seu exemplo me motivou para alcançar meus objetivos.

À Renata Sá Fortes Régis, minha amiga e colega de caminhada,

por dividir as alegrias e preocupações da profissão.

À minhas amigas pessoais e as que adquiri no Movimento,

que pacientemente me compreendem e me ajudam a seguir em frente.

E, a vocês, equipe do Movimento,

sem as quais não poderia concretizar o meu desejo de ser terapeuta sistêmico.

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SUMÁRIO

1. Resumo

2. Introdução

3. Referencial Teórico

3.1. Origem da Teoria Sistêmica

3.1.1. Cibernética de Primeira Ordem

3.1.2. Cibernética de Segunda Ordem

3.1.3. Teoria Geral dos Sistemas

3.2. Do Construtivismo ao Construcionismo Social

3.3. Alguns Pontos Básicos da Terapia Sistêmica

4. Conclusão

5. Referências Bibliográficas

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1. RESUMO

Esta monografia foi elaborada para fins de conclusão de curso de formação em

Terapia Sistêmica do Movimento – Instituto e Clínica Sistêmica de Florianópolis.

O tema escolhido foi a trajetória da Teoria Sistêmica, ou seja, um estudo do

surgimento da teoria, de onde veio até os dias de hoje, objetivando clarear os princípios e

situar melhor a própria teoria.

Para isto, utilizarei como metodologia a revisão bibliográfica, principalmente

autores como Grandesso, Rosana Rapizo, Gergen, Maria José de Vasconcelos, Capra,

Maruyana, entre outros. O uso desta metodologia necessita de muita leitura de vários livros,

vários autores, o que num primeiro momento acaba confundindo mais ao invés de clarear,

pois cada um tem seus pensamentos, idéias e conceitos. Portanto, após este momento de

confusão e de angústia, as idéias vão clareando.

Outra dificuldade desta metodologia é que muitas vezes a idéia pode até estar

clara para quem escreve, o problema então, é passar a idéia para o papel. Em alguns

momentos, parece que já escrevemos tudo que tínhamos a escrever e tudo está lógico e

claro. Em outros, parece que por mais que escrevamos sempre há muito ainda a serem

escrito.

Existe um pensamento que desconheço o autor que pode retratar minha sensação:

uma coisa é o que pensamos, outra coisa é o que falamos e outra coisa é o que os outros

entendem do que falamos.

Até porque, dentro da Teoria Sistêmica existe uma imprecisão conceitual muito

grande. Vários termos, vários autores sem concordância entre eles. Isto acabou dificultando

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muito meu trabalho. Tentar entender o que cada termo significava, foi uma árdua tarefa.

Cibernética de Primeira Ordem, Cibernética de Segunda Ordem, Primeira Cibernética,

Segunda Cibernética, Teoria Geral do Sistema, Construtivismo, Construcionismo

Social....são termos que o limite de diferença entre eles é muito pequeno, definir cada um e

tentar dividi-los mesmo que para fins didáticos e de entendimento, fica realmente difícil, na

medida em que cada um acaba sendo uma evolução do outro, como explico melhor na

conclusão da monografia. Cito evolução não no sentido de um ser melhor que o outro, mas

no sentido de ampliação de visão, de complemento, de soma.

Portanto, resgatar toda esta teoria e colocá-la num papel, não foi nada fácil, mas

acredito que tenha sido uma experiência muito valiosa. Principalmente, como monografia

de conclusão do curso de Terapia Familiar Sistêmica, nada mais propício do escrever sobre

a própria teoria, para poder me integrar bem com tudo que foi dado ao longo destes quatro

anos.

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2. INTRODUÇÃO

Esta monografia busca resgatar os pressupostos da Teoria Sistêmica, nascida de

um desejo de conhecer e de me aprofundar mais. Acredito que este estudo seja fundamental

para um melhor entendimento da própria teoria como um todo. A partir do momento que

conseguimos entender de onde vêm os pressupostos da teoria, entende-se melhor seus

princípios, técnicas e recursos.

O interesse por esta busca surge a partir de uma falta, como falei, uma

necessidade de estudar mais. Ao fazer meu estudo de caso, tive que resgatar muito os

princípios da teoria para fazer a conexão com a prática. Isto me motivou a ler e me

aprofundar um pouco mais no assunto, pois acredito que, ter clareza destes pressupostos

auxiliam e muito na prática terapêutica.

“Se um clínico não reconhece as premissas subjacentes à sua maneira de operar,

essa falta de compreensão pode tornar o trabalho menos eficaz”. (Vasconcelos, Maria José

de, 1995, p.25).

Além de sentir a necessidade de conhecer, de aprofundar mais a Teoria Sistêmica

enquanto respaldo para a prática clínica, minha busca foi motivada também pela entrada no

mestrado1. Acredito que na grande maioria dos mestrados a exigência pela cientificidade é

a busca essencial. Foi onde me deparei com o fato de ter introjetado a teoria sim, mas ela

não estava tão definida, tão clara, tão situada para mim. Havia ainda algumas dúvidas em

relação aos princípios, as escolas, os autores que faziam parte destas escolas, como foi o

1. Meu projeto do mestrado é integrar alguns princípios da Teoria familiar Sistêmica à Orientação

Profissional. Mais especificamente, a influência dos mitos familiares na escolha profissional, suas

possibilidades e limites.

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surgimento da teoria, a evolução da teoria....enfim, precisava me situar dentro de tudo isto e

me absorver da teoria, pois achava que para mim a Teoria Sistêmica estava muito “solta”.

Com este desafio lançado, percebi ao longo da caminhada, que esta sensação não

era minha e que isto fazia parte da própria teoria.

Maria José de Vasconcelos (livro citado), dedica um capítulo do seu livro sobre a

imprecisão conceitual na Terapia Familiar Sistêmica e sobre a fragmentação teórica. Estas

duas foram minhas grandes dificuldades ao escrever. Primeiro, sobre a imprecisão

conceitual, o que aconteceu é que em determinado momento, eu já não sabia se Cibernética

de Primeira Ordem era igual a Primeira Cibernética e se Cibernética de Segunda Ordem era

igual a Segunda Cibernética.......a cada leitura, me confundia ainda mais. Foi então que

descobri que esta confusão não era minha e sim da própria teoria, pois há divergência entre

os autores e existem várias nominações. Segundo ponto é a questão da fragmentação

teórica, que gera uma dificuldade de integração das diferentes contribuições que são: Teoria

Geral dos Sistemas, Cibernética, Física Quântica, Física Clássica.......que a princípio,

parece mais uma “sopa de letrinhas”.

Juntamente com tudo isso, minha maior frustração foi a falta de material

encontrada para tal esclarecimento - até este momento ou dos que tive contato - onde

nenhum dos livros utilizados parecia suprir esta minha necessidade, de trazer a evolução

passo a passo da Teoria Sistêmica. É importante eu deixar claro aqui que não estou

desmerecendo nenhum livro, muito pelo contrário, sem os quais jamais poderia ter

realizado esta monografia, mas volto a ressaltar que é uma necessidade minha.

Espero então estar descrevendo neste presente trabalho esta evolução passo a

passo da Teoria Sistêmica.

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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:

3.1.Origem da Teoria Sistêmica

A Teoria Sistêmica tem suas origens na física quântica, a partir da mudança na

visão de mundo, onde passou-se da concepção linear-mecanicista de Descartes e Newton

para uma visão holística e ecológica. O termo holístico, do grego “holos”, totalidade,

refere-se a uma compreensão da realidade em função de totalidades integradas, cujas

propriedades não podem ser reduzidas a unidades menores. Vivemos hoje num mundo

globalmente interligado, no qual fenômenos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais

são todos interdependentes, intimamente interligados, sistêmicos.

Num primeiro momento a ênfase dada ao método cartesiano levou à fragmentação

do pensamento e a uma atitude generalizada de reducionismo na ciência, na crença que

todos os aspectos dos fenômenos complexos poderiam ser compreendidos se reduzidos às

suas partes constituintes. Para Descartes, o universo material era uma máquina, nada além

de uma máquina. Não havia propósito, vida ou espiritualidade na matéria. A natureza

funcionava de acordo com leis mecânicas, e tudo no mundo material podia ser explicado

em função da organização e do movimento de suas partes. Animais, plantas e seres

humanos eram considerados simples máquinas. O pensamento de Descartes compara um

homem doente com um relógio mal fabricado e um homem saudável com um relógio bem

feito.

A evolução do pensamento reducionista de Descartes leva ao surgimento de um

novo paradigma: o universo é um todo unificado que pode, até certo ponto, ser dividido em

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partes separadas, em objetos feitos de moléculas e átomos, compostos, por sua vez, de

partículas. Mas atingindo esse ponto, no nível das partículas, a noção das partes separadas

dissipa-se. As partículas e todas as partes do universo, não podem ser entendidas como

entidades isoladas, devem ser definidas através de suas interrelações. Cada evento é

influenciado pelo universo todo, embora não possamos descrever essa influência em

detalhe.

Neste novo paradigma o universo então, é visto como uma teia dinâmica de

eventos interrelacionados. Nenhuma das propriedades de qualquer parte dessa teia é

fundamental, todas elas decorrem das propriedades das outras partes do todo, e a coerência

total de suas inter-relações determina a estrutura da teia.

A concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e de integração. Os

sistemas são totalidades interligadas, cujas propriedades não podem ser reproduzidas a

unidades menores. Todo e qualquer organismo é uma totalidade integrada e portanto, um

sistema vivo. Embora possamos discernir suas partes individuais em qualquer sistema a

natureza do todo é sempre diferente da mera soma de suas partes. Um outro aspecto

importante reconhecido a partir do estudo dos sistemas é sua natureza intrinsecamente

dinâmica. Suas formas não são estruturas rígidas, mas manifestações flexíveis, embora

estáveis, de processos subjacentes.

O aspecto dinâmico do sistema leva a conceitos como “Cibernética” que estuda a

comunicação e o sistema de controle dos organismos vivos e também nas máquinas.

Este pensamento desenvolvido pelas diversas áreas de conhecimento científico,

reiterado pelo pensamento filosófico da época, também foi absorvido pela prática clínica

dentro do campo das psicoterapias. Ocorre então uma mudança de foco das teorias clínicas,

que passa a observar mais os sistemas humanos do que o indivíduo recordado do seu

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contexto. O foco da visão clínica deixa de ser o intrapsíquico e passa para o interrelacional.

Surge então, a Teoria Sistêmica aplicada à atividade clínica. A seguir descreverei um pouco

mais sobre o desenvolvimento da física na área específica dos sistemas, relacionando-a com

a Terapia Sistêmica, que é o tema que nos interessa no presente trabalho.

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3.1.1. Cibernética de Primeira Ordem

Aqui seguirei a linha de pensamento trazido por Maruyama, seguida por

Grandesso. O estudo da Cibernética dividiu a própria Cibernética em duas fases: primeira

ordem e segunda ordem. Como esclarecimento vale situar, que a Cibernética de Primeira

Ordem divide-se em dois momentos: o primeiro momento, que se dá por Primeira

Cibernética e o segundo momento, a Segunda Cibernética.

Um dos princípios norteadores da Primeira Cibernética é o interesse pela

estabilidade, pela estrutura, entendendo que os sistemas funcionam com uma meta, um

propósito que equivale a um equilíbrio. Interessam-se então pelo que denominam

mecanismo de homeostase, que são as estratégias de ação dos sistemas e organismos para o

mantenimento de sua estabilidade.

“o primeiro período da cibernética de primeira ordem

(primeira cibernética), se ocupava dos mecanismos e processos

pelos quais os sistemas, em geral, funcionavam com o intuito de

manter a sua organização. O sistema, de acordo com essa

concepção, operava de acordo com um propósito ou meta, cujo

alcance era garantido por mecanismos de regulação e controle

(...) regulação, enquanto um mecanismo, visa manter a

sobrevivência do sistema à medida que controla os distúrbios que

o atingem, impedindo-os de evoluírem para uma mudança, que

possa quebrar a sua organização. Nesse sentido, o sistema

cibernético era compreendido como equivalente a uma máquina

trivial, fosse ele uma máquina, um organismo biológico, ou um

sistema social, que, tendo uma organização e um propósito,

operava na correção dos desvios, de modo que se mantivessem

estável e sobrevivesse. Esse processo conhecido como

retroalimentação negativa, por meio do qual um sistema vivo

sobrevive mantendo a sua constância apesar das mudanças do

meio, convencionou-se chamar de morfoestase”. (Grandesso,

Marilene. 2000, p.124)

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Aplicada à clínica o conceito de homeostase negativa, advinda da Primeira

Cibernética leva a idéia de que a permanência ou surgimento do sintoma é uma forma de

não mudança, uma forma do sistema voltar a ser o que era antes, no sentido de auto-

regulação2 do sistema.

Por estes motivos os terapeutas da Primeira Cibernética são mais diretivos,

planejando ativamente suas estratégias e ações. Têm como objetivo definir o problema de

forma clara e aplicar técnicas para a eliminação ou redução do problema ou sintoma

apresentado pela família, pois os sintomas são considerados, nesta época uma ameaça de

desequilíbrio.

Neste sentido nasce a idéia de homeostase familiar, ao se observar que os esforços

psicoterapêuticos dirigidos ao membro da família que trazia o sintoma (paciente

identificado) podiam ser frustrados pelo comportamento de outros membros, ou que outros

membros poderiam tornar-se perturbados na medida em que o membro em tratamento

melhorasse. Isso sugeria que a família é algo como um sistema estável e o sintoma existe

para manter o status quo.

Assim o terapeuta dedicava-se a entender os padrões de relação da família que

mantinham ou alimentavam o sintoma.

As técnicas destinavam a burlar a homeostase e a induzir uma crise na família que

reorganizava-se mais funcionalmente, sem a necessidade do sintoma. O que importava

então era a função do sintoma e não o comportamento em si. O ponto chave da terapia era

que o terapeuta assumia a responsabilidade de planejar ações a fim de resolver o problema

2 Auto-regulação refere-se à capacidade do próprio sistema corrigir desvios em sua trajetória, de modo a

garantir o alcance da meta, afim de manter a estabilidade do sistema.

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de seu cliente. Isso implica uma definição clara do problema com o qual vai se trabalhar a

partir da queixa trazida pela família.

A idéia básica é gerar, a partir de intervenções, situações que vençam a

homeostase, sua resistência a mudança e empurrar a família para outro padrão de

funcionamento que não necessite a presença do sintoma.

Assim, enfatizavam o sintoma, para quebrá-lo. O tratamento rapidamente se

efetivava e a terapia de família se tornou um tratamento eficiente e breve, se contrapondo

aos tratamentos psicoterapêuticos da época. Porém, passando algum tempo do tratamento,

muitas famílias voltavam a fazer sintomas em busca da sua homeostase conforme se

acreditava.

Surge então a chamada Segunda Cibernética onde coloca que o sintoma não é o

foco, o sintoma é apenas para identificar que algo não vai bem na família, sendo o foco

agora as relações e não o sintoma ou a pessoa que traz o sintoma. A pessoa com o sintoma,

denomina-se como paciente referido (P.R.), que é a pessoa que leva a família à terapia.

Dentro dessa visão, não significa que o problema é do paciente referido somente, mas sim

que o problema passa por todos os membros da família.

Na Segunda Cibernética se acrescenta a homeostase positiva, cuja equilibração

leva a permanência ou surgimento do sintoma como forma de mudança, porque se há

sintoma tem que se procurar ajuda terapêutica, aumentando assim a possibilidade de

mudança (auto-transcendência). Não temos mais como modelo um sistema resistente,

“paralizado” em seu movimento, mas sim um sistema que, inevitavelmente, muda para

novas coerências e onde o sintoma não é mais um “mecanismo homeostático” que impede a

família de mudar ou de sucumbir a uma crise, mas apresenta-se como alternativa

amplificada, solução possível naquele momento, para aquele sistema.

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Esta visão implica a idéia de que o sistema tem e adquire, ao longo do tempo, seus

próprios recursos para realizar mudanças, possuindo autonomia e uma capacidade de auto-

organização3. A crise, ao invés de ser considerada como um perigo, como na Primeira

Cibernética, é vista agora como parte do processo de mudança, e o sintoma como surgido

no meio dela.

“A sobrevivência dos sistemas vivos não dependia apenas

de sua capacidade de morfoestase. Além de conseguir manter sus

estabilidade, um sistema vivo necessitava, também de ser capaz de

modificar sua estrutura básica, para adaptar-se às situações de

mudanças do meio. Esse processo, chamado de morfogênese, não

poderia ser explicado por uma retroalimentação negativa, mas, sim,

por uma retroalimentação positiva, consistindo de seqüências que

amplificavam o desvio de modo que o organismo, adaptando-se às

condições do contexto, conseguisse sobreviver. Esses processos de

amplificação do desvio, por meio da retroalimentação positiva, e os

processos sistêmicos de mudança, daí decorrentes, foram descritos

por Maruyama como segunda cibernética, constituindo-se assim no

segundo período da cibernética primeira ordem.

Até então, os teóricos dos sistemas costumavam ver a

retroalimentação positiva como indesejável, associando-a à

destruição do sistema. Diferentemente da primeira cibernética que

se constituía como uma visão homeoSTÁTICA dos processos

sistêmicos, a segunda cibernética caracterizou-se por uma visão

homeoDIMÂMICA, termos cuja grafia assim cunhada por Sluzki

salientam a dialética estabilidade-mudança”. (Grandesso,

Marilene. 2000, p.125)

Portanto, o foco da Teoria Sistêmica está nas relações, e a proposta terapêutica é

trabalhar com todos os membros da família juntamente. Uma vez que se entende a família

como um sistema em interação, em que cada um dos seus membros tem responsabilidades e

funções a desempenhar, criando assim um jogo de interdependência e interrelação, seria

então contraditório pensar que somente um membro está “doente”.

3 Auto-organização refere-se a capacidade que a família tem de se adaptar às mudanças, a cada mudança a

família encontra uma forma de se organizar novamente.

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“Quando consideramos a intervenção terapêutica numa

perspectiva sistêmica, temos de redefinir a terapia não como uma

intervenção centrada num indivíduo „doente‟, mas como um ato de

participação e crescimento num grupo com uma história”.

(Andolfi. M, 1996, p.87)

“A patologia que se manifesta nele (P.R.) é a ponta do

iceberg, que reflete e esconde toda uma intrincada redes de

relações que existem na família (...) Na medida que aceitamos que

o problema reside na interação afastamos uma explicação linear

dos fenômenos, de causa e efeito, e nos aproximamos da noção de

circularidade e, assim, da responsabilidade compartilhada da

patologia familiar. A questão deixa de ser de um para ser de

todos”. ( Groisman. M, 1991, p.26)

Além da preocupação com a homeostase positiva ou negativa, um sistema pensado

a partir da Cibernética de Primeira Ordem, pode ser operado “de fora”, entendendo seus

modelos como correspondentes a uma realidade independente do observador. Este seria o

outro princípio importante da Cibernética de Primeira Ordem, a não inclusão da idéia de

auto-referência, caracterizada pelo postulado de independência entre observador do sistema

e sistema observado. Esta idéia de auto-referência, onde o observador faz parte da

observação, foi trazida pela Cibernética de Segunda Ordem, portanto estarei descrevendo

melhor no item que refere-se a esta cibernética.

Resumindo, toda esta idéia de Cibernética de Primeira Ordem, Primeira Cibernética,

Segunda Cibernética, Cibernética de Segunda Ordem, embasado em Maruyama podíamos

até esquematizar4 desta maneira:

4 Utilizarei em forma de esquema uma vez que já foi descrito extensamente, para uma melhor visualização.

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1ª Ordem: palavras e princípios básicos: não inclusão da auto-referência.

Primeira Cibernética: homeostase negativa.

Segunda Cibernética: homeostase positiva.

2ª Ordem: palavras e princípios básicos: auto-referência

relação

Foi Maruyama em 1963, quem introduziu, na área da Cibernética, este conceito de

Segunda Cibernética.

“A 1ª cibernética trataria dos processos morfostáticos,

resultantes de retroação negativa ou retroação auto-reguladora.

Diante do desvio, a retroalimentação negativa conduz o sistema de

volta a seu estado de equilíbrio homeostático, otimizando a

obtenção do objetivo. A 1ª cibernética trataria da capacidade de

auto-estabilização do sistema. Por outro lado, a 2ª cibernética

trataria dos processos morfogenéticos, resultantes de retroação

positiva ou amplificadora do desvio, amplificação que pode – caso

não produza a destruição ou ruptura do sistema – promover a sua

transformação, levando-o a um novo regime de funcionamento.

Poderíamos dizer que a 2ª cibernética trataria da capacidade de

auto-organização – no sentido de auto-mudança – do sistema,

enquanto a 1ª cibernética trataria da capacidade de reorganização

– no sentido de auto-manutenção – do sistema”. (Maruyama in Mª

José de Vasconcelos, 1995, p.105).

Entretanto, Maruyama, acaba contribuindo para a confusão conceitual quando

nomeia um segundo momento da Cibernética de Primeira Ordem, como Segunda

Cibernética pois acaba-se confundindo com Cibernética de Segunda Ordem, o que não seria

a mesma coisa. É claro que acaba recebendo críticas por isso. Keeney in Maria José de

Vasconcelos, fala que as idéias cibernéticas surgiram mais ou menos simultaneamente por

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diversos autores, sendo que cada um nomea de uma forma diferente as mesmas coisas, não

havendo concordância entre eles. São os termos: Cibernética de Primeira Ordem,

Cibernética de Segunda Ordem, Primeira Cibernética, Segunda Cibernética, Primeiro Grau

da Cibernética, Segundo Grau da Cibernética, Cibernética da Cibernética, Si-Cibernética,

Segunda Potência, Visão de Segunda Ordem, entre outros.

“Devo preveni-los, imediatamente, de que certos

terapeutas de família têm feito uso da distinção estabelecida por

Maruyama entre o primeiro e o segundo grau da cibernética, que

reenvia respectivamente aos processos de estabilidade e mudança.

Essa é uma distinção não-cibernética, diferente da enunciada por

Von Foerster. A distinção de Maruyama entre o primeiro e o

segundo grau de cibernética não se inscreve na tradição histórica

do pensamento cibernético a que estamos nos referindo.” (Keeney

in Mª José de Vasconcelos, 1995, p.107).

Portanto, esta questão da discussão de nomeação não é um assunto para me

aprofundar neste momento, foi apenas um recorte para podermos entender melhor alguns

princípios e suas diferenças dentro da Teoria Sistêmica e também para poder me situar e

situar os leitores dentro de algum autor, no caso Maruyama.

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3.1.2. Cibernética de Segunda Ordem

A velha noção de consertar uma estrutura que apresenta um problema, não serve

mais. Os problemas não estão nas famílias, mas em sua construção da realidade, em sua

relação e na forma pela qual esta permite a emergência de realidades, sujeitos, crenças e

sintomas.

Não há uma família dada “lá fora” a ser conhecida, previsível e manipulada, mas

uma família ou um sistema, imprevisível, incerto, dependente de uma história, auto-

organizador e autônomo, regidos por suas próprias leis. Com base no conceito de

autonomia, questiona-se o valor e a pertinência de intervenções que pretendem dirigir o

sistema para determinado lugar. Questiona-se também a idéia de que tais intervenções

causam mudanças, já que o meio (terapeuta) não determina o que acontece no sistema

(família).

O interesse dos terapeutas desloca-se assim das seqüências de comportamento a

serem modificadas para os processos de construção da realidade e identidade familiar, para

os significados gerados no sistema. Não é o sistema que determina o problema, mas o

problema que determina o sistema.

A terapia transforma-se em uma rede de conversações em torno do problema e o

terapeuta em um participante ativo da transformação do sistema. O terapeuta não é mais um

implementador de técnicas. Ele trata de tentar criar um espaço para a conversação, busca

compartilhar e acompanhar a visão de mundo trazida pela família, para co-construir

realidades alternativas, novas conotações, com as quais o sistema terapêutico desenvolva

novas perspectivas que não trazem em si o comportamento sintomático.

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Não se trata de solucionar problemas, mas de solucionar impasses na resolução de

problemas, através da mudança de perspectiva que permita um melhor agenciamento do

próprio sistema para tomada de decisões e mobilização de seu potencial auto-organizativo.

A terapia introduz complexidade nas narrativas, sugere ações, que não têm caráter

fundante, mas que dão lugar ao surgimento de alternativas possíveis de ação.

“A tarefa terapêutica é facilitar o diálogo entre

diferente vozes do sistema, operando com a ambigüidade,

fontes de mal-entendido e contradições, diferenças que

permitam gerar descrições mais abrangentes, menos

antagônicas do problema compartilhado. Neste sentido, a

terapia deve promover um canal de expressão”. (Rapizo,

Rozana.1998, p.75).

A intervenção é feita através de perguntas conversacionais, reflexivas, circulares.

Perguntas que procuram explorar a influência do problema na vida da família e a influência

da família na vida do problema. Investigam conexões, padrões, relações. Perguntas

conversacionais, são aquelas que abem espaço para novas perguntas e criam oportunidade

para que novos significados do cliente emerjam e promovam a mudança de visão e

comportamento.

Boscolo e Cecchin (in Rapizo, Rosana. 1998, p.79), divulgaram o primeiro

modelo discursivo ou de conversação para a terapia de família. Adotando estas premissas, o

terapeuta, ou equipe terapêutica questiona também suas próprias crenças a respeito da

família e de seu trabalho. Temos então, a valorização de um contexto terapêutico mais

colaborativo e menos hierárquico.

Enfim, com o passar do tempo a Cibernética amplia seu olhar e começa a se

deslocar para o entendimento de sistemas que não são, e não podem ser organizados de

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fora, colocando em cheque a possibilidade de se falar em uma observação objetiva de uma

realidade independente, livres das influências do observador.

A noção de auto-referência é fundamental, na Cibernética de Segunda Ordem,

surgindo à idéia de que o observador está inserido na observação que realiza, pois aquele

que descreve suas observações, descreve a respeito de si. Conceito não trazido pela

Primeira Cibernética, onde entende seus modelos como correspondentes a uma realidade

independente do observador. Então, quem traz esta idéia é a Cibernética de Segunda Ordem

e o Construtivismo e Construcionismo Social, que veio dar consistência ao pensamento

Cibernético.

“Nossa estrutura enquanto observadores, desde a nossa

corporeidade até a nossa linguagem e a nossa cultura, impõe

restrições ao tipo de observações que podemos fazer. Essa nova

cibernética implicou uma teoria sobre o observador, a crença na

impossibilidade de separar o observador do sistema observado e,

portanto, o questionamento da possibilidade de conhecimento

objetivo, de previsão e controle. Um discurso científico passa a ser

entendido não apenas como um discurso sobre um referente, mas

também como um discurso sobre os limites da linguagem e dos

processos mentais de quem o produz (...) a incorporação dessa nova

epistemologia às práticas sistêmicas implicou mudanças fundamentais

no papel do terapeuta e na própria concepção da terapia. Antes de ser

um interventor que opera sobre um sistema (família, casal, indivíduo,

por exemplo) para mudá-lo em uma dada direção, previamente

definida como „mais funcional‟ para o sistema, o terapeuta passa a ser

visto como mais um no sistema. No lugar de intervir, o terapeuta co-

participa do sistema terapêutico, atuando para uma transformação

co-evolucionária que conta com a surpresa e o imprevisível à medida

que os sistemas produzem sua própria mudança. Da mesma forma que

a cibernética de segunda ordem, enquanto uma epistemologia, se

define como construtivista/construcionista social, as terapias, segundo

este modelo, também passam a ser chamadas de terapias de segunda

ordem ou de terapia sistêmica construtivista/construcionista social”.

(Grandesso, Marlene. 2000, p.131)

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3.1.3. Teoria Geral dos Sistemas

A partir do momento em que se adota uma visão de sistema, a ciência tende a não

isolar os fenômenos de seus contextos, examinando unidades cada vez maiores. Sob o título

comum de investigação dos sistemas, convergem os avanços de diversas especializações

científicas.

Várias disciplinas se incluem entre as “ciências dos sistemas”, entre elas e às que

são relevantes neste momento, são: Teoria Geral dos Sistemas e Cibernética, uma

organicista e outra mecanicista. A tendência mecanicista se relaciona a técnicas de controle,

automatização, inovações tecnológicas, tendo como teoria a Cibernética. Já a tendência

organicista, partindo do princípio que um “organismo é uma coisa organizada”, trata-se de

especificar as leis de funcionamento desse tipo de sistema.

As duas tendências desenvolveram-se paralelamente, Wiener – Cibernética e

Bertalanflly – Teoria Geral dos Sistemas.

Bertalanffy preocupava-se com os sistemas biológicos e sociais, diferentemente

dos matemáticos (mecanicistas) da cibernética. Para ele, o modelo de retroalimentação

(homeostase negativa e positiva), podia muito bem explicar o processo das máquinas,

portanto era insuficiente para explicar ou descrever sistemas biológicos. O organismo vivo

mantém através destas interações dinâmicas múltiplas um estado de desequilíbrio

constante. E, a desconsideração do potencial evolutivo e de crescente organização dos

organismos vivos na cibernética inviabilizava sua aplicação ao mundo biológico ou social.

Para ele sistemas de retroalimentação são sistemas fechados, aonde não se considera a

possibilidade de transição a estados de maior complexidade.

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Portanto, estas considerações apontam certamente para limitações que foram parte

dos problemas da aplicação do modelo cibernético ao mundo biológico e social. No

entanto, com a retomada do estudo dos sistemas auto-organizadores (homeostase positiva) e

as novas concepções daí decorrentes, muitas destas lacunas foram preenchidas. E, apesar do

esforço de Bertalanffy em diferenciar sua teoria da Cibernética, as duas praticamente se

confundem e o modelo desenvolvido por ele é absorvido, transformado e mesmo

ultrapassado pela Cibernética de Segunda Ordem.

E isto acaba refletindo na escassez de material e muitas vezes até pouco

explorada, enquanto embasamento da Teoria Sistêmica. Por estes motivos é que acabei me

atendo mais à Cibernética.

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3.4. Do Construtivismo ao Construcionismo Social

No início da década de 80 com as idéias de von Foerster – onde observador e

observado são inseparáveis – e de Maturana e Varela – onde a percepção visual nasce da

intersecção entre o que nos é oferecido e nosso próprio sistema nervoso, o que vemos não

existe como tal, no lado externo de nosso campo de experiência, mas é resultado da

atividade interna que o mundo exterior deflagra dentro de nós. A validação de uma

pesquisa científica não precisa do mundo objetivo para funcionar, ao pesquisador um

mundo não é composto por objetos, mas uma comunidade de observadores, cujas

declarações venham a compor um sistema coerente, sendo esta a razão da “objetividade

entre parênteses” – surge o Construtivismo na terapia familiar.

O pressuposto do Construtivismo é que os indivíduos reagem a um mundo não tal

como ele é na sua objetividade, mas ao mundo conforme ele é percebido, sendo, todo o

conhecimento auto-referente. É impossível referirmo-nos a uma situação da qual

participamos sem que nossas descrições sejam influenciadas por nossas qualidades pessoais

(auto-referência). Fica evidente nessa afirmação a questão da auto-referência de qualquer

observação. Quando se fala em auto-referência está sendo assumido que qualquer

observador inclui a si mesmo nas observações que faz. Conforme Epítetus (in Grandesso,

Marilene. 2000, p.27), “os homens não são movidos pelas coisas, mas pela visão que fazem

delas”.

É aqui que se estabelece a inter-relação e interdependência do observador com o

observado. Ao se observar algo é claro que o observador vai estar “colocando” conteúdos

seus. Portanto, convêm notar que este pressuposto acaba enfatizando o individualismo.

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Já ao final desta década (80), o construcionismo social começa a tomar impulso na

terapia familiar com Kenneth Gergen, incluindo o contexto social.

“A seus olhos, tanto os significados como o sentido do

self e as emoções tem sua origem em um contexto intrinsecamente

relacional, não apenas o “eu” e o “tu” não se manifestam senão

nos diálogos permitidos pelas relações humanas, como também a

própria identidade é produzida pelas narrativas que têm origem

em trocas comuns; tais narrativas dizem respeito, na verdade,

muito mais a relações sociais do que as escolhas individuais” .

(Gergen in Elkaïn, Mony. 1998, p.228)

O Construcionismo Social, coloca que, os critérios para identificar eventos no

mundo não são objetivos, mas circunscritos por uma cultura, história ou contexto social.

Assim sendo, não se postula uma base objetiva para o conhecimento convencional. Pois, o

mundo é compreendido em termos de artefatos sociais, historicamente situados, e produtos

do intercâmbio entre pessoas. Assim, longe de ser ditado pelas forças da natureza, o processo

de compreender resulta de uma ação cooperativa de pessoas em interação. É assim que se

pode compreender as mudanças nas construções psicológicas sobre o indivíduo e os

relacionamentos ao longo do tempo, bem como de uma cultura para outra.

Neste sentido, a comunicação, a negociação são fundamentais, manutenção ou mudança de

uma interpretação não depende da sua validação por meio da observação, dos procedimentos

ou da metodologia, mas do questionamento de sua comunidade lingüística. As comunidades

desenvolvem o seu consenso sobre uma suposta natureza das coisas por meio da negociação

contínua de práticas rituais e da socialização dos novos usuários dessas práticas.

O conhecimento, então, de acordo com essa epistemologia construcionista, é

considerado como uma interpretação lingüística, manifesta na forma de proposições, que

constituem as práticas sociais. Gergen ( in Grandesso, Marilene. 2000, p.84) afirma: “o

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conhecimento não é alguma coisa que as pessoas possuem em algum lugar de suas cabeças,

mas algo que fazem juntas. Linguagens são, essencialmente, atividades compartilhadas”.

Segundo Gergen (in Mony Elkaïn, p.229) “O

construtivismo está ligado ainda à tradição do individualismo, à

medida que descreve a construção do saber a partir de processos

intrínsecos ao indivíduo, enquanto o construcionismo social, ao

contrário, volta-se para traçar as fontes da ação humana nas

relações sociais. Portanto, a relação que se estabelece entre o

construtivismo e o construcionismo social é que ambos partem do

pressuposto de que o saber é uma construção do espírito e se

recusam a definir o conhecimento como um reflexo fiel de uma

realidade, ou seja, a principal característica do

construtivismo/construcionismo social é a interdependência entre

o observador e o universo observado”.

Pode-se então dizer que o Construcionismo Social foi um pouco mais além,

evoluiu, ampliou a idéia, do Construtivismo, levando em conta o social, as relações sociais,

o intercâmbio social.

Considero que o limite entre estes dois pressupostos é muito pequeno, na medida

em que o individual e o social são interdependentes e um não se constitui sem o outro. “Se

é indivíduo na medida em que se é social, e o social surge na medida em que seus

componentes são indivíduos”. (Grandesso, 2000, p.160).

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3.5. Alguns Pontos Básicos da Terapia Sistêmica

Após todo este resgate teórico, gostaria de estar descrevendo aqui, de que forma

estes pressupostos se aplicam na prática clínica da terapia sistêmica, para isso utilizei

algumas aulas dadas e principalmente o livro de Marilene Grandesso.

Visão de mundo e de homem: a visão de mundo é holística e/ou ecológica

onde o universo é uma rede de interrelações. Nada existe se não em relação. Desse modo, o

homem é parte desta rede que está em constante mudança. Nada é definitivo, tudo é

relativo. Isso não inviabiliza a construção de hipóteses, porém, essas hipóteses não são

vistas como verdadeiras ou falsas e podem sofrer transformações conforma mudanças na

rede de interrelações.

Então, a hipótese sistêmica engloba todos os elementos de uma situação problema

e a forma como eles se ligam. Como não há uma tentativa de ver a hipótese como

verdadeiras ou falsa, o que interessa é que ela possa ser útil no sentido de conduzir a novas

informações que levem o sistema à mudança Há sempre vários ângulos, várias

possibilidades.

Globalidade: todo e qualquer sistema comporta-se como um todo coeso.

Assim, uma mudança em uma parte do sistema provoca mudança em todas as outras partes e

no sistema como um todo.

Não-somatividade: um sistema não pode ser considerado como a soma de suas

partes. Esse princípio definidor implica que se considere o todo, na sua complexidade e

organização, em detrimento de suas partes. A complexidade sistêmica não pode ser explicada

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a partir da soma de seus elementos. Contudo, qualquer mudança nas relações entre as partes

constituintes de um sistema implica uma mudança no funcionamento do todo.

Circularidade: a interação entre os componentes de um sistema manifesta-se

como uma seqüência circular, de modo que a relação entre quaisquer de seus elementos é

bilateral. Dentro desse pressuposto de causalidade circular, a ordem dos fatores não altera o

produto, um todo não possui começo nem fim. As partes unidas de um sistema estão em

relação circular, num circuito de retroalimentação: cada pessoa afeta e é afetada pelo

comportamento de outra pessoa e do contexto em que está inserido.

Objetividade entre parênteses: tudo que é visto, é visto através de alguém.

Então não existe uma verdade única. Ela pode ser construída e desconstruída pelo grupo de

observadores, pela família, pelo sistema terapêutico, criando-se espaços consensuais de

inter-subjetividade.

Estar na relação: o terapeuta compartilha experiências de sua própria vida,

com o objetivo de desmistificar o processo e reduzir a distancia profissional, quando

perceber que isso é importante para o cliente no momento.

Sintoma: a idéia central é ver o doente, o membro sintomático como um

representante circustancial, de alguma disfunção no sistema familiar (paciente referido). O

sintoma é a expressão de padrões inadequados de interação no interior da família. É um

movimento de sair do mal-estar em direção ao bem-estar para os membros do sistema de

uma situação tida como problema.

Padrão de relação: forma de se relacionar, de interagir com as pessoas, com

o mundo, que se modifica permanentemente na medida em que suas idéias, crenças, valores

vão se transformando como resultado de intercâmbios dialógicos.

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Perguntas circulares e reflexivas: interligam os fatos e os membros do

sistema, ampliando a capacidade de refletir sobre si, sobre os outros, sobre o presente, o

passado e o futuro. Por exemplo: o que significa essa palavra para cada um de vocês?

Releitura ou redefinição: ver o problema de um jeito mais possível de

trabalhar. Contar a mesma história com marcações diferentes.

Conotação positiva: qualifica-se o esforço da família/cliente para alterar o

problema, estimulando-se sua capacidade auto-organizadora.

Responsabilidades do terapeuta: constante responsabilidade de o cliente se

responsabilizar pelo seu processo; estar em simetria não ingênua, o terapeuta está ali para

ajudar na solução do problema mas isso não o coloca na posição de expert do problema do

outro; acreditar na capacidade auto-reguladora do sujeito; trabalho estruturado no respeito e

apreciação do outro, passando a sensação de possibilidade e esperança. Há um respeito

ético pela autonomia do cliente; questionamento freqüente sobre seu próprio pensar

terapêutico na aventura interminável do auto-conhecimento.

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4. CONCLUSÃO:

Escrever tudo o que pensamos, para que o outro entenda, sempre é uma tarefa

difícil, parece sempre que há muitas coisas a serem ditas.

Escrever ainda, sobre os pressupostos ou sobre a epistemologia da Teoria Sistêmica

não foi uma tarefa nada simples. Cibernética de Primeira Ordem, Primeira Cibernética,

Segunda Cibernética, Cibernética de Segunda Ordem, Teoria Geral dos Sistemas,

Construtivismo, Construcionismo social...são termos que acabam se confundindo muito e é

difícil perceber o limite de cada um, ou seja, até onde vai, onde começa, suas diferenças,

suas semelhanças, sua contribuição para a teoria......

Estes termos podem nos deixar bastantes confusos se estivermos apoiados no

paradigma da ciência tradicional, em busca da verdade, de uma única verdade, do certo e do

errado...o que no início acabei procurando; o termo “certo” e o significado de cada termo

para poder então escrever a monografia. Após esta irrefutável tentativa, percebi que estava

imbuída pelo pensamento ocidental: é isto ou aquilo, e até talvez tentando realmente buscar

uma única resposta, aquela que fosse a mais científica, trazendo o próprio pensamento do

mestrado. Não sendo de todo mal, pois acredito que temos que ter um referencial.

Portanto, foi quando me deparei que a própria Teoria Sistêmica faz o convite a este

novo paradigma da ciência, a substituição desta forma de pensar separativista do ou-ou para

um pensamento integrador e-e que não reduza as diferenças, mas sim some estas

diferenças. Podemos ser Construcionistas sociais, sem deixar de sermos Construtivistas, ou,

sermos Cibernéticos de Segunda Ordem sem deixar de ser de Primeira Ordem. Até porque

em certos momentos, nós enquanto psicoterapêutas, podemos utilizar algumas estratégias

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da Cibernética de Primeira Ordem e em outros momentos trabalhar dentro da Cibernética

de Segunda Ordem. Trazendo a questão da circularidade - termo da Teoria Sistêmica, A

influenciando em B, assim como B influenciando em A - podemos pensar que circulamos

dentro das cibernéticas, estando em determinados momentos na primeira depois vamos

para a segunda e podemos ainda voltar para a primeira.

No meu entender, tanto a Cibernética de Segunda Ordem em relação à Cibernética

de Primeira Ordem e o Construcionismo Social em relação ao Construtivismo, acabaram

sendo uma evolução. Não sei se poderia usar o termo evolução, pois pode passar a idéia de

ser melhor, de ser superior, e não seria neste sentido que estou me referindo, pois a

Cibernética de Segunda Ordem não existiria sem a Cibernética de Primeira Ordem, mas

sim, no sentido de ampliação da visão de construção em cima, de acréscimo.

Neste sentido, é que acredito ser tão difícil definir quais autores são da Cibernética

de Primeira Ordem e/ou da Segunda Ordem, pois foi uma árdua tarefa delimitar quem ficou

na primeira e quem foi para a segunda, encontrando pouquíssimas bibliografias que

delimitassem isto e tivessem concordância entre eles.

É grande a satisfação de estar finalizando este trabalho, pois não significa apenas o

fechamento deste, mas a finalização (ou quase) desta longa jornada, com muitas alegrias,

aprendizados e crescimentos, mas também com muito esforço, dedicação e frustrações, ou

ainda, a grande realização de uma meta, de um propósito, de um desejo.

Neste momento é com grande alegria, e com a certeza de ter conquistado muitos

aprendizados, crescimento e um novo olhar, talvez mais ampliado, que a Teoria Sistêmica

me proporcionou, que agradeço á todas vocês Cris, Telma, Letícia, Noeli...e todas as

amigas e pessoas que fazem parte do Movimento.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ELKAÏM, Mony. Panorama das terapias familiares. São Paulo: Summus, 1998, v.2.

GRANDESSO, Marilene A. Sobre a reconstrução do significado: Uma análise

epistemológica e hermenêutica da prática clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo,

2000.

GROISMAN, Moisés. Família, trama e terapia: A responsabilidade repartida.

Rio de Janeiro: Objetiva, 1991, 10ªed.

McNAMEE, Sheila e GERGEN, Kenneth. A terapia como construção social. Porto

Alegre: Artes Médicas, 1998

RAPIZO, Rosana. Terapia sistêmica de família: Da introdução à construção. Rio de

Janeiro: Instituto Noos, 1998.

VASCONCELOS, Maria José de. Anais do Iº Congresso Brasileiro de Terapia

Familiar: A Cibernética como Base Epistemológica da Terapia Familiar Sistêmica. São

Paulo: ed. Rosa Mª Stefanini de Macedo- PUC, 1994, v. 2.

____________________________Terapia Familiar Sistêmica: Bases da Cibernética.

São Paulo: Editorial Psy, 1995.