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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS
CAMPUS BELO HORIZONTE
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
ESTER MARIA DE CASTRO
LUIZ CLÁUDIO GOMES MAIA
MICHELLE CRISTINA DA COSTA SANTOS
RAFAELLE DE OLIVEIRA SILVA
SUÉLLEN CRISTINA FERREIRA GOMES
ORIENTADOR EDUCACIONAL: situação atual na rede
municipal de ensino de Belo Horizonte.
Monografia apresentada à Faculdade de
Educação da Universidade do Estado de Minas
Gerais como requisito parcial para conclusão
da graduação em Pedagogia.
Orientadora: Maria do Carmo Matos
BELO HORIZONTE
Novembro/2010
Dedicamos este trabalho a quem, junto conosco, incentivou e
participou de seu processo de construção.
AGRADECIMENTOS
A Deus por iluminar e guiar sempre o nosso caminho;
a Maria do Carmo de Matos, nossa orientadora, pela paciência, compreensão, apoio e
dedicação;
a Neide Elisa Portes dos Santos, professora interlocutora, pela disponibilidade e valiosa
contribuição;
aos entrevistados pela colaboração nas atividades iniciais da pesquisa de campo;
aos nossos pais, marido e noivo pela paciência, pela compreensão, pelo envolvimento e pelo
amor dedicado a todo o momento;
as nossas famílias que incentivaram e apoiaram nossas escolhas;
aos amigos e professores do Curso de Pedagogia da FaE/UEMG pelo carinho e atenção;
aos nossos amigos pelo estímulo e presença constante.
Por fim, a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para o desenvolvimento desse
trabalho.
CASTRO, Ester Maria de; GOMES, Suéllen Cristina Ferreira; MAIA, Luiz Cláudio Gomes;
SANTOS, Michelle Cristina da Costa; SILVA, Rafaelle de Oliveira; ORIENTADOR
EDUCACIONAL: situação atual na rede municipal de ensino de Belo Horizonte. 2010.
Monografia (Pedagogia) – Universidade Estadual de Minas Gerais – UEMG. Belo Horizonte,
2010.
Resumo
Esta pesquisa enfoca a atuação do Orientador Educacional escolar. Envolveu elementos
históricos, descritivos e analíticos, buscados na bibliografia utilizada e na visão de
profissionais da rede municipal de ensino da capital. Constatou-se a importância do trabalho
de cunho democrático e participativo desenvolvido, articulado a interesses pedagógicos e da
realidade social, apesar das condições precárias de atuação do pedagogo, decorrente de
mudanças na política educacional e na gestão escolar.
Palavras-chave: orientação educacional; gestão do trabalho pedagógico; política educacional;
formação do pedagogo.
Sumário
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 4
2. METODOLOGIA ......................................................................................... 13
2.1. Percurso metodológico e o processo de seleção dos entrevistados ........................... 16
2.2. Análise e intrepretação das informações coletadas................................................... 18
3. CRÍTICA À ESCOLA E AO ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃO NA
DÉCADA DE 1980 ............................................................................................ 20
3.1. A divisão social do trabalho ........................................................................................ 22
3.2. A divisão técnica do trabalho na Escola .................................................................... 26
3.3. Formação do pedagogo: a Orientação Educacional ................................................. 30
4. A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO E O PROCESSO DE
REGULAMENTAÇÃO DO CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL ...... 33
4.1. O Curso de Pedagogia no Brasil e suas origens ........................................................ 33
4.2. A Lei 5540/68 e o Especialista em Educação ............................................................. 36
4.3. Entre as diretrizes oficiais e as propostas dos educadores ....................................... 38
5. ORIENTADOR EDUCACIONAL NA REDE MUNICIPAL DE BELO
HORIZONTE .................................................................................................... 49
5.1. A nova visão político-educacional do município ....................................................... 49
5.2. O cargo de Orientador Escolar na rede municipal de Belo Horizonte ................... 52
5.3. A atuação do Orientador Educacional em âmbito escolar ...................................... 60
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 71
4
1. INTRODUÇÃO
A atuação do Orientador Educacional em escolas é o tema deste trabalho. Esse
profissional é considerado por muitos autores como um dos responsáveis por planejar e
executar propostas de ensino e aprendizagem de forma que estas se desenvolvam. A
partir de concepções como essa e de informações obtidas na bibliografia disponibilizada
no Curso de Pedagogia, assim como nos estágios e práticas vivenciadas no decorrer do
mesmo e, em especial em palestra proferida1 por uma orientadora educacional escolar
surgiu o interesse pelo tema.
Na citada palestra, foi enfatizada a importância da Orientação Educacional hoje,
sobretudo diante das grandes questões e dificuldades com que se defrontam as escolas,
como problemas disciplinares, relações família – comunidade entre outros aspectos
relacionados aos problemas de ensino aprendizagem. Mas, ao mesmo tempo foi
admitida a escassez a que estão submetidas as escolas municipais da capital, em relação
à atuação desse profissional. Esse confronto instigou o interesse pelo estudo do tema; o
interesse de investigar como é realizado o trabalho do Orientador Educacional e qual o
seu papel em âmbito escolar, bem como os motivos que levaram à redução dos cargos
desse profissional nas instituições de ensino municipais de Belo Horizonte.
Nessa definição foi também importante a constatação de que diversos autores como
Carvalho (1979), Nérici (1992) e Grispun (1998, 2001) reconhecem a importância e
distinguem um campo de atuação que é próprio da Orientação Educacional. Um campo
de atuação que é diferente da função do docente, do supervisor, do diretor ou do
inspetor.
De acordo com Nérici (1992), passou a ser exigido do professor mais do que
simplesmente a pura transmissão do conhecimento, mas que ele atente para a realidade
do aluno e ensine de forma que o sujeito se torne um cidadão crítico, capaz de
transformar a sociedade onde vive. Surgiu então a necessidade do Orientador
Educacional, para auxiliar tanto o professor nas suas dificuldades relacionadas ao
processo de ensino aprendizagem quanto os educandos.
1 Palestra proferida na Faculdade de Educação / UEMG – Aula de Integração Pedagógica (AIP).
5
A Orientação Educacional, de certo modo, forçou o advento da Orientação
Pedagógica, focalizando, a primeira, o papel do educando e, a segunda, o
papel do professor no processo educativo, visando ambas a formar o cidadão
consciente, eficiente e responsável (NÉRICI, 1992 p. 20)
Ainda segundo o autor, a Orientação Educacional é de extrema necessidade para dar
assistência e orientação ao professor e ao educando:
Parece evidente que um órgão escolar especial se faz necessário, para auxiliar
os professores na tarefa de instruir, educar e orientar. Este órgão só pode ser a
Orientação Educacional, que procurará atender às necessidades dos
educandos e auxiliar o professor na tarefa de individualizar o atendimento a
cada um deles (NÉRICI, 1992, p. 37).
Para Carvalho (1979), o papel da Orientação Educacional é o de complementar a função
educativa. Destaca também que todo orientador educacional é um educador - já que o
papel deste é o de ajudar o indivíduo a escolher e decidir-se por determinada “[...] forma
de vida”. “Ensino e orientação fazem parte de um mesmo processo e, portanto, devem
acompanhar o desenvolvimento do ser humano” (p. 57).
O aluno, por sua vez, é a razão de ser da escola. Para colaborar com o aluno e
com as suas necessidades, a escola precisa contar com o trabalho do
orientador educacional. Esse é o profissional que trabalha diretamente com o
aluno e se preocupa com a sua formação pessoal. A ele cabe desenvolver
propostas que elevem o nível cultural do aluno e tudo fazer para que o
ambiente escolar seja o melhor possível (PASCOAL, et al, 2008, p. 7)
Há proposições para a atuação desse profissional, que a defendem na perspectiva de sua
articulação às grandes mudanças operadas na sociedade e suas repercussões na escola,
propiciando condições para uma formação voltada para que o aluno possa exercer a
cidadania de forma consciente, crítica e responsável e que, nesse processo o Orientador
Educacional tem papel de mediação entre os integrantes da comunidade escolar
(GRISPUN, 2002 citada por CAZELA, 2007).
Segundo esse entendimento, a sociedade passa por transformações todos os dias, a todo
o momento. A escola sofre as influências dessas mudanças e não pode ignorá-las, mas
sim trabalhar para que a formação do educando possa desenvolver-se levando em conta
suas experiências, interesses e capacidades. Para Nérici (1992), a Orientação
Educacional visa, além de outras coisas, a esse desenvolvimento do sujeito.
6
A Orientação Educacional foi um acordar para a realidade biológica, social,
psicológica e vocacional do educando, a fim de melhor ajudá-lo a realizar-se
e melhor integrar-se no processo geral “do viver” como autêntico cidadão no
contexto social em que tem de atuar (NÉRICI, 1992, p. 20).
Cumpre considerar que, analisando as origens da orientação educacional, constata-se
que suas raízes encontram-se na orientação profissional, praticada nos Estados Unidos
da América por volta de 1930, quando o incremento das ocupações ampliou a
necessidade de orientar os jovens para uma correta decisão, que fosse capaz de lhes
assegurar êxito no mercado de trabalho. Juntamente com a psicologia científica, a
orientação profissional elaborou testes psicológicos de inteligência, de personalidade e
de interesses, capazes de detectar as diferenças individuais, tornando-se um modo de
persuasão psicológica, visto que objetivava convencer os indivíduos de que conseguir
um emprego dependia das capacidades pessoais. Dessa forma, a orientação profissional
passou a integrar a área da orientação educacional, pois a formação do profissional tem
início com a formação do homem, nos vários aspectos da vida: familiar, escolar, social e
profissional (PIMENTA, 1995).
Na França, a orientação era desenvolvida em âmbito escolar, como um serviço de
psicologia escolar, objetivando conhecer o educando no ambiente formal e informal.
Tornou-se orientação profissional, embasada na aplicação de testes, sendo que o
profissional da área era denominado de psicólogo escolar, cabendo-lhe elaborar
relatórios com todas as informações disponíveis sobre os alunos (PIMENTA, 1995).
No Brasil, a história da orientação educacional inspira-se nesses dois modelos, o
americano e o francês que, embora divergentes em alguns aspectos, estão alicerçados
em um mesmo conceito de sociedade, isto é, segundo Pimenta (1995, p. 26), concebem
a sociedade como: “[...] um todo orgânico ao qual todos os indivíduos se devem ajustar
nas mesmas bases psicológicas”. Devido a esse caráter, os aspectos sociais e individuais
são mais acentuados no Brasil do que na França.
Desta forma, a orientação educacional foi criada no país seguindo experiências externas
que se delinearam através das leis, com base na dimensão psicológica e em consonância
com os objetivos educacionais mais amplos. Deve-se a Lourenço Filho a criação do
serviço de orientação profissional e educacional no Departamento de Educação do
7
Estado de São Paulo, em 1931, e em 1934, a Maria Junqueira Schmidt e Aracy Muniz
Freire, na Escola Comercial Amaro Cavalcanti, no Rio de Janeiro (PIMENTA, 1995).
Nos últimos anos a Orientação Educacional passou por um enfraquecimento, na visão
de Paschoal, et al (2008) com a extinção da FENOE – Federação Nacional dos
Orientadores Educacionais – na década de 1990. Desde então, a AOERGS - Associação
dos Orientadores Educacionais do Rio Grande do Sul – vem sendo responsável pela
publicação de uma revista que traz matérias sobre a orientação no Brasil; o que tem sido
uma grande contribuição para a categoria. Todavia, diferentes motivos podem ter
contribuído para isso, desde questionamentos acirrados à formação como à atuação dos
profissionais da área.
A Orientação Educacional tem sido objeto de diferentes argumentações, entre autores
que a reconhecem em sua especificidade e com campo próprio (CARVALHO, 1979;
NÉRICI, 1992; GRISPUN, 1998, 2001), defendendo sua importância nas escolas,
mesmo com diferentes perspectivas teóricas; enquanto outros, baseados em críticas à
formação e à atuação, questionam o papel do orientador. Tais críticas tornaram-se mais
incisivas a partir da década de 1980, enfocando, sobretudo, as especializações do Curso
de Pedagogia como reflexo da divisão social do trabalho na educação e no processo
pedagógico (COELHO, 1982; RASIA, 1981; GARCIA, 1982).
O especialista em educação passou a ser criticado como o técnico detentor do saber,
objetivo e neutro; essa manifestação da divisão social do trabalho na educação de forma
natural e racional, era criticada principalmente por levar a uma separação entre os que
planejavam e os que executavam, fragmentando ao máximo o trabalho pedagógico e
subestimando a capacidade reflexiva dos docentes (COELHO, 1982; RASIA, 1981;
GARCIA, 1982).
Como decorrência, tanto a formação como a atuação dos especialistas passaram por
modificações. Em algumas instâncias passou a ser priorizada a atuação do profissional
que fosse portador das duas habilitações: Orientação Educacional e Supervisão
Pedagógica; em outras, observou-se a redução do número de cargos desses profissionais
nas escolas ou a alteração da denominação do cargo e a conseqüente descaracterização
das suas atribuições.
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Observa-se, nos dias atuais, que é comum encontrarem-se orientadores educacionais que
reclamam do “desvio de função” que sofrem. São os “quebradores de galhos”. No
entanto, há profissionais que exercem a função de orientador educacional e conseguem
desenvolver trabalhos voltados para a formação e desenvolvimento das capacidades dos
alunos e que apóiam a escola e professores diante das complexas questões com que se
defronta a escola nos dias atuais.
Aqueles que defendem a Orientação Educacional argumentam que o orientador
educacional deve estar atento às mudanças sofridas em nossa sociedade e propiciar que
o aluno desenvolva sua autonomia e que tenha a capacidade de exercer a cidadania de
forma consciente, crítica e responsável. Acreditam que o Orientador Educacional
atualmente possui um papel mediador entre todos os atores da escola de maneira a fazer
com que a educação atenda às demandas da comunidade escolar;
“[...] por efetiva consciência profissional, o orientador tem espaço próprio
junto aos demais protagonistas da escola para um trabalho pedagógico
integrado, compreendendo criticamente as relações que se estabelecem no
processo educacional.” (GRINSPUN 2002, p.28, citado por CAZELA, 2007,
p.10).
Para seus defensores, a partir da década de 1990, a Orientação Educacional ganha uma
nova visão.
A orientação, hoje, está mobilizada com outros fatores que não apenas e
unicamente cuidar e ajudar os ‘alunos com problemas’. Há, portanto,
necessidade de nos inserirmos em uma nova abordagem de Orientação,
voltada para a ‘construção’ de um cidadão que esteja mais comprometido
com seu tempo e sua gente. Desloca-se, significativamente, o ‘onde chegar’,
neste momento da Orientação Educacional, em termos do trabalho com os
alunos. Pretende-se trabalhar com o aluno no desenvolvimento do seu
processo de cidadania, trabalhando a subjetividade e a intersubjetividade,
obtidas através do diálogo nas relações estabelecidas (GRINSPUN, 1994, p.
13 citado por PASCOAL, et al, 2008, p. 47).
Segundo esse entendimento, o orientador seria um mediador entre o aluno e o social,
podendo atuar nas diversas dimensões implicadas no trabalho escolar. Na escola, ele se
voltaria para que o processo pedagógico aconteça da melhor forma possível. Na esfera
familiar, esse profissional teria como função aproximar a família do educando; fazendo
com que esta esteja presente no ambiente escolar e participe da formação do aluno. Na
9
comunidade, o profissional buscaria conhecer a realidade local e promover a integração
desta com a escola (PASCHOAL, et al, 2008).
Neste sentido alguns aspectos colocados por Paschoal, et al (2008) como atividades
inerentes ao papel do Orientador Educacional, são a seguir enfocados, os quais
poderiam se constituir em referenciais que possibilitem repensar a importância e o papel
do orientador educacional no âmbito escolar:
. o orientador educacional e os alunos: mediador do processo de aprendizagem, este
profissional é responsável por criar espaços para o desenvolvimento social e ajudar no
exercício da cidadania. Isso pode ocorrer, segundo Paulo Freire (2005, p. 87) “[...] na
medida em que os ajudo a aprender não importa que saber, o do torneiro ou o do
cirurgião, com vistas à mudança do mundo, à superação das estruturas injustas, jamais
com vistas à sua imobilização”;
. o orientador educacional e a escola: visa à construção de um espaço educativo ético
e solidário onde todos os atores da escola estarão envolvidos com o intuito de criar
condições adequadas e facilitadoras de aprendizado;
. o orientador educacional e a família: é responsável pela “ligação”, ou seja, pela
articulação da escola e a família. É a busca por tentar integrar ao máximo a família nos
projetos escolares visando sempre a qualidade da aprendizagem dos educandos;
. o orientador e a comunidade: compreender como é a comunidade local; buscar
entender seus anseios e necessidades. É propiciar maneiras de abrir a escola para a
comunidade.
Reforça essa perspectiva mais ampla para a atuação do Orientador Educacional, o
argumento de Placco (1998), segundo o qual, a Orientação Educacional mobiliza todos
os atores da escola para que estes auxiliem na formação dos educando de forma a fazer
com que consigam superar a alienação causada pela organização social, tornando-se
atuante de forma consciente dentro desta; ou seja,
“[...] participando do planejamento e da caracterização da escola e da
comunidade, o orientador educacional poderá contribuir, significativamente,
para decisões que se referem ao processo educativo como um todo”
(GIACAGLIA e PENTEADO, 2002, p. 15).
10
Neste sentido, é oportuno lembrar Paulo Freire (2005) ao afirmar que a escola precisa
levar em consideração as experiências e o ambiente sócio-cultural em que os alunos
vivem para que o conhecimento ali aprendido faça sentido para eles. Que ele, educando,
faça parte da construção do próprio conhecimento e se aproprie dele da melhor maneira
possível, de forma a utilizá-lo em diversas situações.
Vale lembrar também McLaren (1997), ao expressar seu pensamento sobre o educador
crítico:
O propósito geral do educador crítico é revelar aos estudantes as forças
subjacentes às suas próprias interpretações, questionar a natureza ideológica
de suas experiências e ajudar os estudantes a descobrirem as interconexões
entre a comunidade, cultura e o contexto social em geral: em suma, engajar-
se na dialética do indivíduo e sociedade (McLAREN, 1997, p. 259).
Nas colocações dos autores analisados, evidencia-se uma mudança de perspectiva em
relação à orientação educacional e à educação, e do seu papel no âmbito escolar, tanto
por parte daqueles que a defendem dentro de uma visão conservadora da educação e da
sociedade, como na ótica de outros, que a percebem articulada aos interesses dos alunos,
e a uma formação crítica, voltada à construção de uma sociedade mais justa e
igualitária.
Nesse espaço caracterizado por concepções divergentes e às vezes antagônicas, coloca-
se a atuação do orientador educacional com suas dificuldades e possibilidades. Cumpre
ainda ressaltar que apesar da ênfase atribuída à sua atuação, por alguns autores, pode-se
observar que, mesmo estando preparados, muitos pedagogos não se sentem
reconhecidos e aceitos como profissionais capacitados para o desenvolvimento do seu
trabalho. Outros desenvolvem atividades nem sempre condizentes com a sua formação e
seu cargo. Tem sido ainda bastante sinalizada a resistência de profissionais de outras
áreas à presença do pedagogo na escola.
Todas essas questões constituíram-se em motivos que instigaram o interesse pelo tema;
interesse em penetrar nessa realidade e examiná-la no sentido de analisar a atuação do
orientador educacional, suas possibilidades e limites para uma atuação crítica articulada
às demandas colocadas hoje para a educação e a escola. Por isso, considerou-se
pertinente investigar também: que motivos levaram à redução da orientação educacional
11
nas escolas municipais da capital, em meio às críticas dirigidas ao especialista de
educação e no contexto das mudanças ocorridas na educação, em especial na década de
1980, na formação do pedagogo e na constituição da orientação educacional no país.
Diante do referencial delineado e dos questionamentos apresentados, a pesquisa foi
direcionada pelo objetivo de analisar o papel do Orientador Educacional no âmbito
escolar e o porquê da escassez desse profissional na rede municipal de ensino de Belo
Horizonte. Como objetivos específicos foram previstos: a) investigar os motivos que
levaram ao questionamento das atribuições do Orientador Educacional na rede
municipal de ensino de Belo Horizonte e a conseqüente redução dos respectivos cargos
nas escolas; b) identificar quais as reais funções que o Orientador Educacional
desempenha no espaço escolar quando se faz presente; c) analisar a atuação desse
profissional frente aos desafios colocados hoje para a escola, considerando a
abrangência de suas atribuições e as perspectivas que se vislumbra para a sua atuação na
atualidade na rede municipal de ensino de Belo Horizonte.
A abordagem do objeto de estudo foi realizada sob três diferentes ângulos: a) no
contexto das críticas dirigidas à escola e ao especialista de educação na década de 1980
e das mudanças ocorridas na sua formação, no âmbito do processo de regulamentação
do Curso de Pedagogia no país; b) no plano da diversidade de concepções que
fundamentam a formação e a atuação do orientador educacional c) na visão de alguns
profissionais da rede municipal de ensino entrevistados.
Uma análise das principais críticas dirigidas à escola e ao especialista de ensino na
década de 1980 no Brasil, encontra-se no terceiro capítulo; seu objetivo foi o de
identificar os motivos que levaram às mudanças observadas na rede municipal de ensino
de Belo Horizonte, uma vez que as citadas críticas tiveram repercussão nos meios
educacionais de todo o país.
O quarto capítulo apresenta uma reconstituição das modificações ocorridas na formação
do pedagogo, no âmbito do processo de regulamentação do Curso de Pedagogia,
consideradas as mudanças introduzidas na política educacional e de formação do
profissional da educação em diferentes épocas.
12
O quinto capítulo apresenta uma análise da situação da Orientação Educacional na Rede
Municipal de Ensino de Belo Horizonte, na visão de alguns profissionais, que atuam em
diversos espaços daquela rede e, que, na condição de entrevistados, constituíram a base
da pesquisa de campo desta investigação.
Tendo em vista o objeto de estudo, assim como os pressupostos teóricos que a
fundamentaram, esta pesquisa teve uma abordagem qualitativa; suas concepções básicas
percurso metodológico, diretrizes e procedimentos que direcionaram o trabalho de
campo, a seleção dos profissionais entrevistados, assim como a análise das informações
coletadas serão abordados no segundo capítulo a seguir.
13
2. METODOLOGIA
Em razão do objeto de estudo, objetivos e pressupostos que fundamentaram, esta
pesquisa foi desenvolvida sob uma abordagem qualitativa (CARDOSO, 1976; ANDRÉ
e LUDKE, 1986; MAROY, 1997; ALVES-MAZZOTTII e GEWANDSZNAJDER,
2002), envolvendo questões de natureza teórica e prática. Buscou-se a compreensão do
objeto de estudo, a partir da percepção dos sujeitos envolvidos, como também apreender
a realidade mais aproximada do significado dos dados e informações coletados, no
sentido de captá-la sob a visão destes.
O processo de investigação incluiu elementos históricos, descritivos, analíticos e
interpretativos. Os estudos tiveram como ponto de partida a pesquisa bibliográfica,
abrangendo também pesquisa documental (GIL, 2002), além de informações e dados
buscados na realidade de trabalho do Orientador Educacional da Rede Municipal de
Ensino de Belo Horizonte, por meio de entrevistas abertas e semi-estruturadas
(BOGDAN e BIKLEN, 1994).
A escolha da metodologia levou em consideração que a pesquisa qualitativa permite
uma análise mais ampla dos dados coletados. O instrumento utilizado na pesquisa in
loco foi entrevista semi-estruturada, a partir de um roteiro básico, usado de forma
flexível, direcionando os objetivos do trabalho e a abordagem do problema em questão,
com respaldo em Patton (1980)2 citado por Ludke e André (1986).
A investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a idéia de que nada é
trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que permita estabelecer uma
compreensão mais esclarecedora do objeto de estudo (BOGDAN e BIKLEN, 1994).
Nesse contexto, foram consideradas todas as possibilidades de obtenção de dados e
informações, o que permitiu a observação de vivências, situações e processos que se
mostraram importantes para a compreensão da realidade em foco. Foi ainda importante
a abordagem qualitativa porque tornou possível o contato com diferentes contribuições
2 PATTON. M.Q. Qualitative Evaluation. Beverly Hills, Ca.,SAGE, 1980.
14
científicas sobre o tema em estudo e ainda possibilitou agrupar essas informações para
análise como sinaliza Ludke e André (1986).
A orientação metodológica que conduziu a pesquisa e lhe confere especificidade e
importância caracteriza-se pela busca de informações in loco, de modo abrangente, as
quais foram submetidas a um tratamento minucioso e reflexivo, buscando revelar
processos e relações internas que, de modo geral, não são percebidas de imediato
(MAROY, 1997).
Embora a observação não tenha sido formalmente prevista como instrumento de coleta
de informações, ela permeou o trabalho e seu registro imediato integrou o conjunto do
material consolidado e discutido no âmbito do grupo responsável pela pesquisa e
contribuiu para fundamentar a análise. Neste aspecto foram levados em conta os
pressupostos teóricos que orientaram a pesquisa, bem como a pesquisa bibliográfica e a
busca diversificada de fontes de informação (TURA, 2003).
Importante enfatizar que a observação na pesquisa qualitativa permite que o pesquisador
tenha uma visão mais aproximada da concepção de mundo dos sujeitos envolvidos e
conseqüentemente dos significados que estes atribuem à realidade. A observação
também permite que os dados sejam coletados em situações que não seria possível de
outras maneiras, por exemplo, quando o entrevistado não pode disponibilizar
informações. Dessa forma, o observador precisa dominar os procedimentos de coleta de
dados, além de ser organizado e preparar-se mentalmente para centrar-se nos aspectos
relevantes no ato da observação (PATTON, 1980, citado por (LUDKE e ANDRÉ,
1986).
A abordagem qualitativa pautou-se na perspectiva compreensiva ou interpretativa,
partindo do pressuposto de que as ações e os comportamentos das pessoas são
orientados por concepções, percepções, sentimentos, valores e significados, não
demonstrados de forma imediata e suas explicações dependem do entendimento das
inter-relações que se manifestam em cada contexto. O contato no campo teve a duração
necessária à apreensão das informações e dos seus prováveis significados diante dos
comportamentos observados e indicações apresentadas no decorrer da análise com apoio
em Alves Mazzottii e Gewandsznajder (2002).
15
Em relação à pesquisa bibliográfica levou-se em conta a vantagem de permitir ao
investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela
que poderia pesquisar diretamente. Essa vantagem torna-se particularmente importante
quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço (GIL, 2002).
Para reduzir as possibilidades de erro, buscou-se assegurar as condições em que os
dados foram obtidos e analisá-los para detectar possíveis incoerências ou contradições
entre um e outro. Neste aspecto foram selecionados profissionais em atuação na rede
municipal de ensino de Belo Horizonte em instâncias consideradas estratégicas para a
obtenção das informações necessárias à análise do objeto de estudo.
O problema foi, portanto, abordado sob o ponto de vista dos sujeitos pesquisados -
pedagogas em exercício em escolas; profissionais em atuação em diferentes instâncias
do Sistema municipal de Ensino de Belo Horizonte (Secretaria de Educação regionais) e
no sindicato de profissionais da citada rede; procedeu-se à busca de informações que
envolvem toda a complexidade do fenômeno observado em seu próprio contexto
(BOGDAN & BIKLEN, 1994). Na investigação das percepções dos sujeitos
pesquisados foram consideradas suas concepções, propostas e atividades, nos seus
próprios contextos, nos quais são produzidas as práticas, os discursos, bem como os
significados de suas experiências.
Por isso mesmo, de outra parte, exigiu clareza conceitual para orientar e proceder a essa
leitura, a qual foi norteada pelo referencial de análise (TURA, 2003) que conduziu a
pesquisa, ou seja: pelos fundamentos teóricos apresentados por autores que buscam
teorizar sobre a atuação do Orientador Educacional, argumentos defendidos por autores
que analisam as críticas atribuídas à atuação e à formação do especialista de educação,
em especial a partir da Lei Nº 5540 de 1968; por autores que enfocam a sua formação
numa perspectiva histórica, a partir do processo de regulamentação do Curso de
Pedagogia no país.
As entrevistas constituíram o momento em que os entrevistados puderam expor suas
idéias, concepções, questionamentos, opiniões, críticas e sugestões, além de se
explicarem, pontuando as razões e fundamentos que informam suas ações e percepções.
Foram utilizados roteiros semi-estruturados para a realização dessas entrevistas, sem
16
desconsiderar as informações abstraídas de conversas espontâneas que ocorreram de
modo informal. Os dados e informações obtidos nas diferentes situações foram reunidos
e constituíram o material de análise.
As informações obtidas por meio das entrevistas foram ainda complementadas pelo
exame de alguns documentos disponibilizados pelas profissionais entrevistadas, junto à
Secretaria Municipal de Educação. Estes foram utilizados de modo a esclarecer aspectos
relacionados ao tema, tendo em conta que o propósito com que foram elaborados é
importante para a comprensão e interpretação dos mesmos. Os documentos são
produzidos com base em idéias e teorias e são vinculados a certas condições e estruturas
sociais, históricas, particulares e administrativas, o que evidencia a importância de situá-
los no seu contexto, de modo a alcançar seu significado (GIL, 2002).
2.1. Percurso metodológico e o processo de seleção dos entrevistados
O estudo teve como ponto de partida o levantamento de monografias existentes na
biblioteca da FaE/UEMG que tivessem como tema de investigação a orientação
educacional. A partir disso foram encontradas três monografias que se referiam ao
assunto, entretanto o seu foco não era o da pesquisa em questão, pois tratavam de forma
mais geral o cargo do orientador educacional, centrando-se na figura do professor.
A seguir teve início a pesquisa bibliográfica que buscou abordar a crítica feita à
Orientação Educacional no Brasil, em especial a partir do início dos anos 1980, quando
os educadores começaram a se organizar, no contexto do processo de redemocratização
do país, em torno da luta pela formação do profissional da educação. A análise de
autores como Rasia (1981), Moreira (1982), Silva (1982) e Garcia (1982) possibilitou o
exame dos argumentos que fundamentaram as críticas feitas à formação e à atuação do
pedagogo/especialista de educação àquela época, bem como as proposições dos
educadores em contraposição às diretrizes oficiais definidas no período do governo
militar.
Embora a pesquisa bibliográfica tenha permeado todo o processo de investigação, este
estudo inicial foi considerado essencial para respaldar o trabalho de campo. O
conhecimento prévio das críticas dirigidas à escola, a seus processos intra-organizativos
17
e aos seus profissionais na década de 1980 foi considerado como básico para a
realização das entrevistas, análise de documentos e informações com que o grupo
responsável pela pesquisa pudesse se defrontar na ida a campo.
A delimitação dos espaços para a realização das entrevistas teve como principal
determinante o objeto de estudo. O primeiro espaço que se afigurou como indicado para
buscar informações necessárias à análise da situação foi a Secretaria Municipal de
Educação, uma vez que alterações no quadro de pessoal das escolas envolvem a tomada
de decisão, no âmbito da política educacional e necessariamente passam pela
administração central do sistema. Paralelamente foram feitos contatos com diversos
profissionais da área para detectar locais e pessoas que pudessem oferecer informações.
Para a entrevista com as pedagogas e profissionais envolvidos foram feitos roteiros
prévios que indicaram o enfoque da entrevista. Antes de realizar as entrevistas, foi
reunido o máximo de informações disponíveis sobre o tema da pesquisa e o contexto em
que está inserido aquele profissional. Em posse desse material o grupo formulou as
perguntas que levaram os entrevistados a fornecer informações novas e importantes para
o desenvolvimento da pesquisa. Segundo Gil (2002) entrevista é uma conversação entre
duas ou mais pessoas, onde o entrevistador tem por objetivo obter informações do
entrevistado (GIL, 2002).
Foram inúmeras as dificuldades encontradas no processo de investigação começando
pela dificuldade em encontrar pessoas que quisessem ou se dispusessem a falar sobre a
questão abordada. Quando encontradas e contatadas as mesmas diziam nada saber a
respeito ou diziam que talvez em outro setor seria possível encontrar respostas às
questões colocadas. Persistentemente, foram tentados contatos com alguns profissionais
da SMED - Secretaria Municipal de Educação, sem sucesso, já que os mesmos não
disponibilizaram informações para análise. Em alguns casos quando o primeiro contato
se fazia e a questão era colocada o entrevistado dizia não dispor de tempo para nos
atender.
Diante das dificuldades encontradas, foi possível realizar duas entrevistas na Secretaria
Municipal de Educação e duas no sindicato de profissionais da rede municipal. Optou-
se ainda por entrevistar pedagogas em exercício em escolas; uma onde essa profissional
18
atua como Orientadora Educacional e a outra não, tendo em vista um dos objetivos
desta pesquisa que é justamente analisar a importância do trabalho desse profissional em
âmbito escolar.
2.2. Análise e intrepretação das informações coletadas
A análise e interpretação das informações foi realizada a partir do referencial teórico
que direcionou a pesquisa, no sentido de compreender a situação do Orientador
Educacional na Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte. Tendo como diretriz os
objetivos previstos no projeto de pesquisa buscou-se investigar sua importância no
âmbito escolar, como se efetiva e dinamiza sua atuação, procedimentos e pessoas /
profissionais envolvidos e o porquê da sua escassez na citada rede.
A análise levou em conta argumento de Cardoso (1976), segundo o qual é esperada do
pesquisador uma participação crítica, vontade, empenho em conseguir descobrir ou
construir uma explicação capaz de atender o nível de exigência requerido. Trata-se de
uma construção a partir de um projeto, evidenciando que há uma interferência decisiva
do pesquisador, sujeito teórico, enquanto constrói a teoria, empírico enquanto a coloca
em prática. O sujeito empírico é portador de um projeto e é com ele que conduz e
realiza a experiência. Longe de se neutralizar, ele depesempenha o papel de ativar a
teoria. Na experiência ele cria as condições, cria o objeto; este não é algo que aconteça e
que seja observado de fora, mas sim algo produzido.
Em vista disso e considerando que o objetivo fundamental da pesquisa foi o de
investigar a importância e a escassez do orientador educacional na rede municipal de
ensino de Belo Horizonte, a partir da visão dos entrevistados, compreender e interpretar
a situação atual e a atuação dos mesmos foi de fundamental importância; isso exigiu um
cuidadoso tratamento das informações coletadas, de modo a alcançar a devida
interpretação do material em estudo e, sobretudo da realidade sob análise.
A análise teve como foco a exploração do conjunto de informações, representações e
observações sobre o objeto em processo de investigação, buscando evidenciar tanto os
pontos e aspectos de convergência como as singularidades e diferenças. A descrição
buscou abranger as opiniões dos entrevistados, bem como as observações feitas, os
19
relatos e conversas informais da maneira o mais fiel possível. A intenção foi a de ir
além do descrito, procedendo a uma decomposição dos dados e buscando as relações
entre as partes e, ao interpretá-las alcançar o sentido das falas e práticas, atingindo assim
uma compreensão que ultrapassasse o descrito e o analisado.
A organização das informações presentes nas entrevistas foi importante para sua análise
e interpretação. O trabalho partiu do estudo do material coletado visando à consolidação
das informações e sua análise; para isso foram definidos aspectos considerados
importantes para a compreensão do objeto de estudo, presentes nas transcrições das
entrevistas realizadas e as questões incluídas no roteiro que as direcionou. Foi um
trabalho importante e que demandou certo tempo para que fosse assegurada a
abordagem de questões que realmente interessam ao estudo e implicou em diversas
releituras do material obtido.
Em síntese, essa pesquisa buscou analisar a situação do Orientador Educacional na Rede
Municipal de Ensino de Belo Horizonte, a partir de quando se deu a redução do número
de orientadores educacionais nas escolas e as razões que levaram a esse quadro.
Procurou também compreender como se dá a atuação de uma Pedagoga que atua como
Orientadora Educacional em âmbito escolar, a dinâmica do seu trabalho e seu
significado diante dos desafios colocados para a escola na atualidade.
Dessa forma, no capítulo 05 foi enfocada a situação da orientação educacional na rede
municipal de ensino de Belo Horizonte, as mudanças pelas quais passou, sob a
influência das críticas e mudanças ocorridas na atuação e na formação do pedagogo no
país, bem como as possibilidades que se colocam para o orientador educacional na
atualidade; nos capítulo 03 e 04 que se constituíram em referencial para essa análise,
foram abordados: a argumentação teórica que fundamentou a crítica ao trabalho do
especialista de educação e o processo de constituição do Curso de Pedagogia no Brasil,
suas modificações ao longo do tempo, em articulação com a política educacional em
diferentes momentos.
20
3. CRÍTICA À ESCOLA E AO ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃO
NA DÉCADA DE 1980
A educação e a escola no país passaram por um período de intensa crítica, na década de
1980, por parte dos próprios educadores, cujo discurso alcançou todo o meio
educacional. Nesse âmbito o papel do especialista em educação esteve sob o alvo dessa
crítica, gerando diferentes formas de entendimento e apropriação, bem como
conseqüências diversas do ponto de vista de posicionamento político, no nível dos
sistemas de ensino (BALL, 1998, citado por MATOS, 2008). Segundo a análise de Ball
(1998) e Ball y Bowe (1998), citados por Matos (2008), as políticas educacionais
constituem processos de negociação complexos; constituem um nexo de influências e
interdependências entre diferentes sujeitos e instâncias do sistema educacional. Para
esses autores, embora haja uma agenda global para a educação há variações locais na
forma como os princípios que a direcionam são traduzidos em função de outros a que se
associam.
Diante disso, este capítulo tem por objetivo investigar os motivos e argumentos que
fundamentaram a crítica à Orientação Educacional no país, no âmbito das críticas
dirigidas à escola e ao especialista de educação na década de 1980, as quais, por sua
vez, levaram sua atuação e formação.
A problemática atribuída aos especialistas do ensino e à divisão técnica do trabalho na
escola, segundo a análise de Silva (1982), relaciona-se à ampliação das oportunidades
educacionais e às conseqüentes mudanças que ocorreram no interior das escolas
envolvendo as relações dos sujeitos. Segundo a autora, o crescimento da escola pública,
do então Ensino de 1º Grau, trouxe para dentro da escola um aluno que esta não estava
preparada para receber. Tal situação reacendeu o discurso de culpar a vítima pela perda
da qualidade do ensino, ou seja, a responsabilidade pelos índices de reprovação e evasão
passou a ser atribuída ao aluno.
Ainda na visão da autora, o movimento que buscou contextuar a escola caminhou no
sentido da superação desse discurso, na medida em que buscou examiná-la à luz do
espaço e do tempo em que se encontra como parte de uma engrenagem mais ampla e
21
complexa. Altos índices de evasão e de repetência passaram a ser considerados
reveladores da incompetência da escola, o que conduziu ao repensar da mesma, ou, a
pensar a escola concreta. Isso, por sua vez, levou a outro movimento: buscar alternativas
possíveis para a escola em questão. Este movimento voltou-se para o interior da escola;
para os currículos, programas, métodos, relação de trabalho, entre outros aspectos.
Segundo algumas críticas da década de 80, o processo de produção escolar tinha por
finalidade formar um determinado tipo de homem que reproduzisse as exigências da
sociedade capitalista; a organização escolar tornou-se muito próxima da organização
fabril. Por sua vez, o lugar que era dedicado ao saber, foi se caracterizando como uma
organização burocrática, complexa, como que em resposta às contradições geradas pela
sociedade capitalista. A divisão social do trabalho manifestou-se na educação de forma
natural e racional, levando a uma separação entre os que planejavam e os que
executavam. Essa separação fragmentava o trabalho pedagógico, subestimando a
capacidade reflexiva dos docentes, considerados executores e reprimia sua capacidade
intelectual criadora (SILVA, 1982; RASIA, 1981; GARCIA, 1982; COELHO, 1982).
Os profissionais de ensino eram criticados, por muitos autores, por perceberem sua
prática como sendo um trabalho totalmente neutro, desligado da dimensão política da
educação; por considerarem que essa era uma prática voltada para o bem do aluno tendo
em vista o desenvolvimento de suas potencialidades, a formação de um bom cidadão e o
progresso da sociedade - era um ofício educativo desinteressado das relações de poder e
da dominação de classes. Diante disso, a preocupação no processo de ensino e
aprendizagem voltava-se para os métodos e as técnicas (COELHO, 1981).
De acordo com esse entendimento, a educação na sociedade capitalista consagrou-se
como uma forma de reprodução social que permitiu a diferenciação entre a força de
trabalho considerada intelectual (detentora do saber) e o trabalhador manual. O
trabalhador, que se encontrava desprovido de saber e sem condições de adquirir na
escola o conhecimento técnico-cientifico, não tinha o controle técnico e social do
processo de produção. Portanto, a escola legitimava a divisão social e a reproduzia, a
partir do momento em que transmitia a ciência e a tecnologia aos filhos das classes
dominantes e a alguns outros do seu interesse. A utilização desses critérios contribuía
para legitimar a discriminação das camadas populares, e ainda impor a todas as classes
22
sociais uma visão de mundo da classe dominante com seus valores, normas e
linguagem. A organização escolar também suportou determinados mecanismos de
seleção, dominação e criação de comportamentos e atitudes que se refletiram nas
representações pedagógicas dos seus agentes. Esses mecanismos se legitimaram a partir
do momento em que apareceram no modo de agir, de pensar, de se comportar dos
professores e alunos frente às situações da vida, diante do mundo e da sociedade em
geral (COELHO, 1982; RASIA, 1981).
A dimensão política do trabalho pedagógico passou a ser considerada e este passou a ser
apontado como essencialmente comprometido com a reprodução, exploração e
dominação das relações de poder. Por conseguinte, era imposto aos educandos o modo
de pensar e os modelos de comportamentos considerados corretos pela classe
dominante, tendo como resultado personalidades dóceis e submissas. A educação
buscava fazer com que cada indivíduo se sentisse responsável pela sua posição na
estrutura social de forma que essa posição não seria uma decorrência de sua classe e sim
dependeria de seus esforços e talentos. O discurso da classe dominante conduzia o
indivíduo a acreditar que de forma igualitária ele participava da vida social e ainda a
supor que não existia a contradição social. Dessa forma a educação servia como agente
alienante acerca da conservação da ordem econômica, social e política (COELHO,
1982).
Toda essa discussão sobre a organização escolar deixou aparecer o conflito que existia
entre o próprio pessoal “técnico” - uma divisão organizada dentro do trabalho
intelectual. Dessa forma, passou-se a fazer um paralelo entre a fábrica e a escola. Da
mesma forma que na fábrica havia a divisão entre as funções e os trabalhadores, na
escola havia a separação entre o trabalho do pedagogo – orientador, diretor, supervisor –
e o trabalho do professor. A única diferença é que os dois tipos de trabalho eram
realizados na área intelectual (RASIA, 1981).
3.1. A divisão social do trabalho
Ao longo de toda a história da humanidade, a divisão social do trabalho se fez presente.
A diferenciação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual se tornou a distinção
mais significativa na produção social. As forças produtivas capitalistas se
23
desenvolveram enquanto o trabalho manual/artesanal sofreu com o declínio e até
mesmo com a destruição de determinadas técnicas. A manufatura, até então,
dominadora de todo ciclo produtivo (desde a criação até a comercialização) viu seu
processo ser dividido com a chegada do capitalismo. Surge assim, a necessidade de
especialização por parte do trabalhador (RASIA, 1981).
Como afirma Rasia:
O trabalhador independente passa a pertencer a um corpo coletivo de
trabalho. Executa no processo toda uma operação única, parcial, e desenvolve
com isso ao máximo sua habilidade, não mais em relação à totalidade do
processo, mas em relação a uma única atividade (RASIA, 1981, p. 10-11).
Ainda que haja toda a divisão em torno do processo de produção, a base para o trabalho
continuou sendo o trabalhador (RASIA, 1981). Mesmo que a operação fosse simples ou
complexa, era necessária a força, a habilidade, a rapidez, que o trabalhador possuía. Este
ainda detinha a habilidade técnica que só seria superada com o desenvolvimento das
máquinas que se constituiriam na força produtiva capitalista. Houve assim a
subordinação do trabalho ao capital, gerando sua valorização, processo denominado por
Marx (1985, citado por RASIA, 1981) como “mais valia”.
Com a chegada do maquinário e de suas técnicas, o trabalhador foi então separado
definitivamente do processo de produção tornando-se um sujeito livre, desimpedido
para vender a sua força de trabalho. O mercado que antes era tido como lugar de
socialização e de aprendizagem agora era visto como lugar de socialização entre
capitalistas e trabalhadores; vendedores e compradores de mercadoria. Era a valorização
da força de trabalho que fazia com que os capitalistas transformassem seu dinheiro em
capital; pois esse último pagava bem menos do que valia a força produtiva do
trabalhador. O trabalhador manufatureiro desapareceu e surgiu o trabalhador coletivo -
utilizável somente como elemento de criação de valor (RASIA, 1981).
Assim, com toda a dissociação do processo de produção, ocorreu a perda do
conhecimento que antes era fundamental para seu ofício. A partir de então, não era mais
essencial que o trabalhador aprendesse as técnicas, mas que aprendesse a operar as
máquinas sem necessariamente entender o seu funcionamento. Era exigido do indivíduo
que ele se adaptasse ao ritmo do novo processo de produção, senão o mesmo estaria sob
24
ameaça de romper-se. Era difícil para o capitalista conseguir a disciplina necessária bem
como a transformação dos hábitos irregulares no trabalho (RASIA, 1981).
Para que o funcionamento do processo ocorresse segundo as novas exigências, a
disciplina era conseguida de forma autoritária através da dominação direta do capital
sobre o trabalho. Contudo, essa nova forma de trabalho não se deu sem a resistência por
parte daqueles que sofriam com a coerção; conflitos e enfrentamentos diretos
aconteciam constantemente. Dessa forma, mecanismos de coação foram criados para
que a submissão, a passividade e a alienação fossem garantidas; essas atitudes e
comportamentos já não mais eram desenvolvidos no local de trabalho, mas em outro
local mais específico: a escola (RASIA, 1981).
A organização escolar que antes era controlada pela Igreja, passa a ser controlada pelo
Estado Capitalista sendo de suma importância para a formação do trabalhador coletivo e
o desenvolvimento das 'habilidades' para o trabalho. Ocorreu a transformação da escola
de 'escola para a elite' em 'escola para todos'. O interesse para os capitalistas era garantir
que o operário introjetasse o discurso de que o rendimento máximo era uma exigência
da própria máquina suportando, assim, qualquer que fosse a natureza e a quantidade do
trabalho. O ambiente escolar, diante desse interesse, constituiu-se no local perfeito para
que a ideologia e os valores morais da burguesia fossem incorporados pelos
trabalhadores. Basicamente a instituição escolar tinha como função homogeneizar as
consciências e padronizar as atitudes e comportamentos dos trabalhadores (RASIA,
1981).
A instrumentalização técnica do trabalhador, de alguns trabalhadores, através
de um conhecimento distribuído vertical e desigualmente pela escola é a
outra forma de contribuição escolar à perpetuação dos despotismos e da
alienação no trabalho. A escola, ao formar os técnicos, está hierarquizando os
trabalhadores e legitimando o controle de uns sobre os outros (Rasia, 1981, p.
16).
A hierarquização que acontecia no processo de produção retirou dos operários o
controle sobre o funcionamento das máquinas, fazendo com que determinado grupo
ficasse responsável por essa tarefa. Isso fez com que esse grupo fosse separado da
massa operária tornando-os mais qualificados e atribuindo-lhes funções também
separadas. Com a intenção de tornar mais eficiente o processo produtivo, houve a
25
necessidade de uma qualificação social crescente; mais uma vez a escola estava inserida
nesse processo. A intenção da escola era a de socializar os trabalhadores e fazer com
que conteúdos como disciplina, submissão e respeito à hierarquia fossem incutidos
neles criando, dessa forma, um sistema educacional que se tornou inaceitável; assim
como o sistema capitalista também começou a ficar inaceitável. O que antes era lugar de
destaque para a ‘formação do trabalhador’ passou a ser motivo de questionamento
quanto a sua real eficácia; já que aparelhos ideológicos muito mais ‘potentes’ –
televisão, rádio, imprensa escrita – estavam rapidamente reproduzindo as relações
capitalistas (RASIA, 1981).
Algumas contradições também aconteciam nesse período de transição entre a
manufatura e a fábrica. Ao mesmo tempo em que o trabalhador deixou de deter o
processo de produção do produto, e se viu em meio ao mundo da submissão e alienação,
aumentou também a sua tomada de consciência para o que estava acontecendo e
começou a se organizar de forma a lutar contra o poder absoluto exercido pelos
capitalistas. A escola tentou impedir esse clareamento de idéias por parte dos operários,
mas não conseguiu reproduzir com a eficácia de antes a passividade e a submissão
esperada (RASIA, 1981).
A organização escolar, que deveria mediar o saber ofertado e as reais necessidades dos
alunos, iniciou um novo movimento - o de procurar as melhores alternativas possíveis
para atender a nova clientela - para isso precisava de um novo modelo pedagógico.
Dentro desse quadro, apareceu uma crescente atenção voltada para a atuação dos
profissionais do ensino – suas práticas começaram a ser apontadas como um dos
caminhos possíveis para resolver os problemas entre o saber a ser transmitido e as
características dos alunos. O professor continuava sendo visto como um importante
elemento na relação ensino-aprendizagem. No entanto, não ocorreu o mesmo com os
especialistas do ensino; estes - supervisores, orientadores e diretores - não tiveram
nenhuma atenção ou alternativas de atuação, pois pouco se sabia sobre a real função
desses profissionais e sobre o espaço que eles ocupavam dentro da escola (SILVA,
1982).
26
Surgiu então a necessidade de redimensionar a gestão escolar e fazer com que esta fosse
uma gestão coletiva. Observando melhor o sistema escolar, percebe-se que os
pedagogos tinham funções de controle e administração e os professores funções de
execução e talvez de algum planejamento institucional. Novamente remete-se à
hierarquização e ao parcelamento ou divisão das tarefas (RASIA, 1981).
3.2. A divisão técnica do trabalho na Escola
Os pedagogos – orientadores, supervisores, coordenadores – tentaram manter sob seu
controle a organização escolar tendo em vista sua continuidade, agindo, assim, com
certo despotismo em relação aos professores e alunos, conforme analisa Rasia (1981).
Mas, de acordo ainda com esse autor, essa autoridade não se assemelhou na íntegra
àquela praticada no processo de produção das fábricas. O educador não estava em um
processo de alienação e submissão como se encontravam os operários; ele, enquanto
professor possuía determinada autonomia e flexibilidade na administração dos
conteúdos. Por outro lado, o controle dessa autonomia era extremamente importante
para que o Estado conseguisse cobrar dos pedagogos o cumprimento das leis em vigor;
leis essas que se tornaram a expressão jurídica formal dos mecanismos de dominação
por parte do Estado (RASIA, 1981).
O sistema escolar não tinha formas efetivas de cobrar um produto final, assim voltou
sua atenção para a exigência do cumprimento dos conteúdos burocráticos,
conseqüentemente o especialista ficou limitado ao nível administrativo e destinou-se a
prestar contas a instâncias superiores. O professor que era visto como bem amparado
acabou por enfrentar a realidade difícil da escola. Diante disso, a prática dos
profissionais da escola – professores e especialistas – ficou distorcida, pois a divisão se
apoiou mais em pressupostos do que na própria divisão do trabalho. A crise que se
instalou no processo educativo não foi necessariamente a crise da escola, mas da
organização capitalista frente ao mundo do trabalho. Todavia, ao reproduzir suas
relações despóticas, a escola acabou também por criar seu próprio estado de crise
(SILVA, 1982).
27
Autores como Rasia (1981), e Silva (1982) argumentam que os pedagogos tinham
funções de controle e administração e os professores funções de execução e talvez de
algum planejamento institucional. O ato de ensinar também foi fragmentado, surgindo a
figura de um professor especialista para cada matéria. Na realidade brasileira, as
disciplinas eram compartimentadas não facilitando a globalização do conhecimento e o
trabalho docente era reduzido cada vez mais à repetição de uma série de atividades
repassadas, decididas e programadas pelos especialistas da educação, bastando apenas a
execução. Dessa maneira, o aspecto crítico e questionador do profissional foi limitado,
de acordo com o interesse capitalista, considerando que a reflexão poderia ser
ameaçadora aos objetivos do sistema vigente.
Em relação à função do professor no âmbito do processo pedagógico, era sinalizado que
ele estava cada vez mais afastado do exercício do poder. A partir do momento em que
as funções escolares se tornaram mais especializadas, a autonomia dada ao educador se
reduziu à sala de aula. Quanto mais a escola se tornava complexa e as técnicas didáticas
e os conteúdos se burocratizavam, o papel do professor foi se perdendo - segundo Rasia
(1984) - dentro do espaço político. Nesse contexto, o professor se viu obrigado ou a
fazer parte da administração da escola, aceitando o que era proposto, ou buscando
reconquistar através da organização política o espaço que lhe era de direito. Seja qual
for a alternativa escolhida, esta se caracterizava como sendo um tipo de poder e
conseqüentemente em um saber voltado para a dominação ou voltado para a crítica do
pensamento burguês (COELHO, 1982; RASIA, 1981) .
A caracterização dos docentes como “simples” professores e não como especialistas em
educação funcionou como um pretexto para sua subordinação à burocracia escolar, bem
como para a desqualificação de seu trabalho e a degradação de seu salário. O diploma
do grande número de professoras normalistas foi perdendo o seu valor simbólico e
econômico, o que era visto pelas mesmas como normal por serem mão de obra não-
especializada (COELHO, 1982).
De um modo sutil, como afirma Coelho (1982), interessava transparecer apenas os
problemas metodológicos e técnico-administrativos do aparelho escolar, desligados das
relações existentes entre a educação, classe social e poder. Nesse contexto, a figura do
Orientador Educacional, tornou-se imprescindível dentro do ambiente escolar –
28
contribuindo para a reprodução da cultura dominante, da força de trabalho e preparando
os alunos das classes abastadas para funções de mando e os alunos da classe
trabalhadora para funções de menor prestígio (COELHO, 1982).
A Orientação Educacional teria um importante papel, pois era necessário conter a
pressão das classes trabalhadoras ao ensino superior e a uma eventual ascensão social.
Era preciso um ajustamento entre os três níveis de ensino (o que hoje seria o
fundamental, médio e superior) de acordo com o modelo econômico vigente. Dessa
forma, a Orientação Educacional contribuiria sob a forma de Orientação Vocacional
com o intuito de caracterizar a comunidade e a clientela, sondar interesses e aptidões,
entre outros aspectos. Com isso, a Orientação Vocacional classificava os alunos e
reforçava a dicotomia entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, uma vez que os
alunos das classes mais abastadas eram “orientados” para atividades intelectuais –
possuíam aptidões mais “complexas” – e os alunos das classes menos favorecidas eram
orientados para atividades manuais (GARCIA, 1982).
Desta forma, o papel do Orientador Educacional coadunava-se em certo sentido com as
demandas do processo de desenvolvimento acelerado da industrialização. Pela ideologia
da orientação vocacional perpassava a visão da separação de indivíduos e grupos que
possuíam certas aptidões estimadas pela sociedade. Conseqüentemente os grupos
considerados inferiores eram alvos de discriminação, sutilmente disfarçada pelo
trabalho de “descoberta dos dons” reforçada pelo especialista da educação (GARCIA,
1982).
Com a Lei 5692/71, ao destacar as adequações às necessidades sociais e à formação
profissional, a Orientação Educacional torna-se indispensável; a sua obrigatoriedade foi
instituída no momento em que incluía o aconselhamento vocacional em colaboração
com os professores, a família e a comunidade. Já o Parecer 339/72 dá ênfase à
qualificação profissional no ensino médio com a intenção de descobrir aptidões e
habilidades para o trabalho, uma vez que a Orientação Educacional era um importante
instrumento educacional em resposta à radicalização do projeto capitalista de
desenvolvimento, que visava conter a pressão das classes trabalhadoras – ao acesso as
universidades – e continuar garantindo a formação de profissionais qualificados para
suas indústrias (GARCIA, 1982).
29
Portanto, segundo Garcia (1982) a função do Orientador Educacional como agente de
mudança está à mercê do seu despreparo e do discurso institucional frente à sua
reprodução nas relações de poder. Em contrapartida, inicia-se um movimento de
repensar as teorias da orientação vocacional, cujo Orientador Educacional começa a
tomar consciência que essas teorias privilegiavam apenas os ideais da classe dominante
e não atendiam as demandas da classe oposta.
Nesse contexto, o Orientador Educacional se viu nos limites de sua ação individual e
percebeu que esta apenas ganharia sentido com a ajuda de todos os indivíduos da escola.
À medida que todos os profissionais da escola perceberam seus limites houve a
necessidade de ações coletivas em favor de atender aos reais interesses da classe
operária buscando o trabalho coletivo entre alunos e professores permitindo, assim, a
luta por um ideal (GARCIA, 1982).
A concepção do poder da ação coletiva consciente e intencional ampliou os horizontes
para novas possibilidades. Ao mobilizar os profissionais da educação para a reflexão de
problemas comuns, o Orientador Educacional desencadeou o reposicionamento de sua
própria práxis de forma crítica, partindo pela busca de uma inovação na qualidade do
ensino. Se o trabalho era voltado para atender somente os preceitos da classe dominante,
agora era possível estudar a realidade do aluno da classe popular. Portanto, o
surgimento de uma escola realmente inserida na luta política das classes populares, e
não somente na reprodução da divisão social, foi também um importante instrumento
cultural e sócio-político (GARCIA, 1982).
Os valores do ambiente escolar impregnados de individualismo e hierarquização foram
dando espaço à participação grupal, à cooperação, ao inconformismo e ao pensamento
crítico. Logo, essa nova concepção de valores resultou em uma mudança tanto no
enfoque da escola quanto na práxis do Orientador Educacional. Conforme Garcia (1982)
houve uma tentativa de romper com a alienação do sistema na medida em que este
profissional tomou consciência de suas ações.
30
Essa discussão amplamente divulgada na literatura em circulação à época e em eventos
científicos diversos, inclusive nos movimentos dos educadores, alcançou todo o país.
Mas as mudanças a que se refere Garcia (1982) alcançaram de modo diferente as
escolas e sistemas de ensino. Lembrando a análise de Ball (1998, citado por MATOS,
2008), ao serem apropriadas as concepções são ressignificadas e mescladas a outras pré-
existentes; no contexto da prática a política não é somente implementada, mas é recriada
por processos de recontextualização.
Quando ocorreu essa massificação da escola pública, ao mesmo tempo ocorreu a divisão
do Curso de Pedagogia em habilitações e conseqüentemente a divisão em
especializações; processo esse resultante de questões culturais e históricas. De acordo
com Silva (1982), a escola passou a ser dirigida de forma centralizada e a ser vista como
uma empresa com investimentos de recursos públicos. A realidade, nesse contexto,
mostrou que o Curso de Pedagogia acabou por formar profissionais desinteressados pelo
processo pedagógico, pois, intitulados como técnicos e diante de uma visão distorcida
da escola, acabaram por se mostrarem incapazes de lidar com os problemas dos alunos
que atendiam (SILVA, 1982).
3.3. Formação do pedagogo: a Orientação Educacional
Tendo em vista o momento de crise pelo qual a escola passava – os questionamentos
acerca das relações de poder, o caráter da prática pedagógica, a hierarquização – a
formação adquirida pelos sujeitos, ao cursarem o Curso de Pedagogia, também foi
criticada por autores como Silva (1982). O profissional recebia informações
compartimentadas, com uma supervalorização do aspecto técnico de sua profissão e,
acima de tudo, obtinha uma visão ingênua do que realmente era a Educação (RASIA,
1981; SILVA, 1982).
A função do Orientador Educacional foi de certa forma questionada desde a sua
formação acadêmica. O curso era muito voltado para a Psicologia, aproximando o foco
do profissional da concepção capitalista, voltada para o universo do trabalho com a
concepção de Orientação Vocacional. As disciplinas não contribuíam para que o
Orientador Educacional se reconhecesse como um agente de mudança na sua área de
especialização. A relação entre teoria e prática era uma inconstância no ambiente
31
acadêmico. Havia a necessidade de disciplinas que complementassem a formação
(GARCIA, 1982).
A formação do profissional contemplava o ensinamento de técnicas e teorias da
Psicologia, que permeavam a aplicação, entre outros, de testes de aptidão ou de
dinâmicas de grupo, muitas vezes, sem um fundamento aprofundado dos conceitos
necessários e muito menos de uma consciência crítica para melhor desenvolvimento do
trabalho do Orientador Educacional. Havia uma precariedade de se entender, de fato, os
significados importantes que poderiam complementar a ação de executar - como o que é
rotular, o que é testar, o que é desenvolvimento. Com relação às dinâmicas de grupo,
faltava a compreensão de fatores como competição, organização, ou seja, das
construções que o grupo pode tanto adquirir quanto desenvolver baseando no sentido
que é posto ao mesmo (GARCIA, 1982).
Na Filosofia consolidava-se na maioria das vezes o Histórico da disciplina, sendo
transmitidas as idéias dos grandes pensadores, mas sem proporcionar maiores reflexões
acerca dos problemas da sociedade a exemplo dos filósofos estudados. Já na Sociologia,
o foco era o pensamento funcionalista americano que, influenciado pela visão
positivista, não concebia a lógica da possibilidade de mudança social. Portanto, essa
visão não visava a ação transformadora do indivíduo na sociedade (GARCIA, 1982).
Desse modo, as disciplinas não contribuíam para que o aluno incluísse a Orientação
Educacional em um processo educacional que englobasse o contexto sócio-econômico,
histórico, político e cultural. Nesse sentido, o profissional concluía o curso com mais
conhecimentos psicológicos do que pedagógicos e críticos, reconhecendo-se como um
especialista, com a responsabilidade de estabelecer um ambiente harmonioso para o
melhor desempenho grupal e pessoal no espaço escolar (GARCIA, 1982).
Nessa análise pode-se constatar que, as críticas ao especialista de educação e, nesse
âmbito, os questionamentos à Orientação Educacional, na década de 1980, tiveram
como argumento fundamental os efeitos da divisão social do trabalho na organização do
trabalho escolar. Na medida em que essa divisão gerava a separação entre aqueles que
planejavam e aqueles que executavam, ocasionava a fragmentação do processo
pedagógico. Situação diretamente relacionada também à perspectiva técnica que
32
direcionava a formação do Pedagogo, cujo Curso passou pela mesma influência com a
sua divisão em habilitações. Importante, pois, analisar como se deu esse processo, o que
será abordado no capítulo a seguir, que enfoca as mudanças introduzidas na formação
do pedagogo, a partir do processo de regulamentação do Curso de Pedagogia no país.
33
4. A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO E O PROCESSO DE
REGULAMENTAÇÃO DO CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL
4.1. O Curso de Pedagogia no Brasil e suas origens
A criação do Curso de Pedagogia se deu a partir da necessidade de formar docentes para
a Escola Secundária. Os profissionais de educação do ensino secundário e superior até
então eram oriundos de outras carreiras como, por exemplo, médicos advogados,
padres, ou simplesmente autodidatas. Essa situação incluía também os administradores
e inspetores escolares. O sistema não exigia controles de seriação e freqüência o que
favoreceu essa situação.
Durante o governo provisório de Getúlio Vargas, emergiram as bases para a definição
das primeiras políticas de formação de professores em nível superior, com a
regularização do exercício do magistério secundário feita pelo Ministro da Saúde e
Educação, Francisco Campos, a partir da Exposição de Motivos do Estatuto das
Universidades Brasileiras-Decreto n° 19851/31 e criação da Universidade do Distrito
Federal - Decreto n° 19.852/1931 (BRZEZINZKI, 1996, p.33).
Este modelo de faculdade, que não deveria apenas restringir-se ao conteúdo
especificamente profissional, mas desenvolver um papel cultural e social mais amplo
em toda a universidade, não foi implantado; serviu, entretanto de referência para a
criação do Instituto de Educação, que posteriormente foi elevado ao nível de Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo e cujo principal objetivo era formar os
professores para o ensino secundário.
A partir de uma pesquisa realizada para o jornal Estado de São Paulo, foi fundamentado
um projeto de Fernando de Azevedo que idealizava transformar o ensino, antes voltado
apenas para a educação profissionalizante e que predominava nas instituições de ensino
superior, em uma nova forma de educação que segundo ele seria:
não apenas portadora, mas criadora de cultura, e deveria organizar-se como
núcleo em que se tem de centrar a universidade em torno e em função do qual
se reorganizariam, pela base, as escolas profissionais (AZEVEDO citado por
HADDAD, 1988, p.22).
34
Apesar dessa importante relação entre os institutos profissionais e a Faculdade de
Filosofia, que poderia acabar com a educação exclusivamente técnica e profissional que
limita e fragmentam as ações do sujeito, a resistência ao projeto foi forte dificultando a
ação inovadora da Faculdade, que acabou oprimida pela oposição e dificuldades geradas
por grupos de cursos profissionalizantes. Esse projeto foi realmente finalizado em 1938,
quando Capanema impôs sua política autoritária que padronizava o sistema de ensino
secundário e superior.
Ao assumir, em 1934, o Ministério da Educação e Saúde, Capanema propôs uma
política nacional de educação de caráter amplo e controlador. Para Capanema o Brasil
precisava progredir em todas as suas esferas produtivas, mas como esse objetivo
necessitava de um grande numero de cidadãos altamente capacitados no campo da
técnica, das ciências e das letras, ele projetou a construção de universidades para formar
esse tipo de profissional.
Juntamente com esse projeto para o ensino superior, Capanema preocupava-se com a
Educação Secundária, com a consciência individual que ela produziria na construção de
uma forte cultura nacional e também com a formação para atuação profissional como
afirmava Francisco Campos na Exposição de Motivos do Decreto nº 21.241/32: “[...] a
finalidade exclusiva do ensino secundário não há de ser a matrícula nos cursos
superiores; o seu fim, pelo contrário, deve ser a formação do homem para todos os
grandes setores da atividade nacional” (LOPES e MATOS, 2002). Mas, um dos
problemas que a Escola Secundária enfrentava era a falta de professores. Então,
Capanema direcionaria essa função para a Faculdade Nacional de Filosofia, parte
integrante da Universidade do Brasil, que deveria formar bacharéis e licenciados em
várias áreas incluindo a pedagógica para a função de lecionar. Essa Faculdade seria
dividida em quatro seções, uma a de Filosofia, outra de Ciências, a de Letras e
Pedagogia e uma seção especial de Didática.
Foram então definidos os currículos no esquema 3+1. Para formação de bacharéis a
duração era de três anos de curso e no caso dos licenciados após esses três anos, seria
cursado mais um ano de Didática. No Curso de Pedagogia seriam pois diplomados os
Bacharéis em Pedagogia; receberiam o diploma de licenciado os estudantes que
cursassem mais uma ano de Didática. Dessa forma foi regulamentado o primeiro Curso
35
de Pedagogia no Brasil. Esse modelo foi instituído e incorporado pelas outras
instituições de ensino superior como padrão federal. Os diplomados Bacharéis recebiam
a nomeação de técnicos em educação, porém não possuíam uma função precisa. Os
licenciados atuavam nas Escolas Normais.
De acordo com Silva (1999), o Curso de Pedagogia desde sua origem apresenta falhas
decorrentes de sua própria formulação, como por exemplo, a falta de funções bem
definidas e de campo que demandasse a atuação dos formados Bacharéis. Já na área dos
Licenciados a dificuldade enfrentada era a falta de exclusividade para lecionar, pois
todo sujeito com uma formação superior poderia dar aulas.
Outro ponto de inadequação seria o que regulamenta esse modelo de currículo que
vigorou até 1962. Ao Bacharel caberiam as funções técnicas, porém as disciplinas
lecionadas no curso possuíam caráter generalista. Pode-se perceber ainda a visão
distorcida e fragmentada do processo pedagógico, quando se analisa a divisão do curso
entre bacharelado e licenciatura, separando claramente a teoria da prática, o conteúdo do
método.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4.024/61 foram instituídos
currículos mínimos para diversos cursos, incluindo o de Pedagogia, pelo Conselho
Federal de Educação. A partir disso o conselheiro e professor Valnir Chagas formulou e
aprovou o Parecer CFE n.º 251/62. Segundo a análise de Chaves (1980), Brzezinski
(1996) e Silva (1999), o próprio autor, no citado Parecer mostrava as divergências do
Curso de Pedagogia, argumento que muitos autores utilizaram para defender a extinção
do Curso.
Esses argumentos levantavam a idéia de que o Curso não possuía conteúdo próprio e as
pessoas que defendiam a sua extinção propunham que a formação do professor primário
se desse em nível superior seguindo o modelo dos países desenvolvidos, situação que
ocasionaria a extinção das Escolas Normais. Já a formação dos Técnicos em Educação
seria feita em cursos de pós-graduação.
Como argumenta o professor Vanir Chagas, para a realidade do país, naquele momento,
a formação de professores primários em Cursos Secundários constituía-se em um
36
avanço, pois a maioria dos professores possuía apenas o curso primário; coloca também
a visão da época de que o Curso de Pedagogia estava sendo oferecido apenas em caráter
provisório. Como é afirmado pelo mesmo:
Não há dúvida, assim, de que o sistema ora em vigor representa o máximo a
que nos é lícito aspirar nas atuais circunstâncias: formação do mestre primário
em cursos de grau médio e consequente formação superior, ao nível de
graduação, dos professores desses cursos e dos profissionais destinados às
funções não docentes do setor educacional. Na porção maior do território
brasileiro, sem a ocorrência de fatores que no momento estão fora de equação,
vários lustros serão ainda necessários para a plena implantação desse sistema.
Nas regiões mais desenvolvidas, entretanto, é de supor que ela seja atingida – e
comece a ser ultrapassada – antes talvez de 1970. À medida que tal ocorrer, a
preparação do mestre-escola alcançará níveis post-secundários, desaparecendo
progressivamente os cursos normais e, com eles, a figura dos respectivos
professores. Ao mesmo tempo, deslocar-se-á para a pós-graduação a formação
do pedagogista, num esquema aberto aos bacharéis e licenciados de quaisquer
procedências que se voltem para o campo de educação. O curso de pedagogia
terá então de ser redefinido; e tudo leva a crer que nele se apoiarão os
primeiros ensaios de formação superior do professor primário (Parecer nº
251/62 citado por CHAVES, 1980, p.49-50).
A fixação do currículo mínimo trouxe pouca definição para o trabalho do Técnico em
Educação. A determinação do Parecer seria somente a de que os Cursos de Bacharelado
e de Licenciatura deveriam juntos somar quatro anos e recomendava que fossem
cursados paralelamente.
Essa situação gerou a idéia de reformular a estrutura do Curso de Pedagogia. A sugestão
levantada pelos alunos e professores seria a de que o aluno teria a liberdade de fazer
suas opções curriculares considerando as funções e áreas de seu interesse.
4.2. A Lei 5540/68 e o Especialista em Educação
Com o início do regime autoritário do governo militar em 1964 também as
universidades passaram a ser controladas pelo Estado, levando-as à economia de
recursos e maior produtividade, além da busca imediata de reformulação do ensino
superior. A partir da lei da Reforma Universitária - Lei Federal Nº 5.540, de 28 de
novembro de 1968, os princípios de racionalidade, eficiência e produtividade foram
levados do campo da economia para a educação. No Curso de Pedagogia essa
determinação reforçou ainda mais a idéia da necessidade de formação do técnico em
educação.
37
Com o Parecer Nº 252/69, formulado por Valmir Chagas, foi feita a nova
regulamentação do Curso de Pedagogia. Ela fixava um currículo mínimo e a duração do
Curso de Pedagogia. Extinguiu-se a distinção entre o bacharelado e a licenciatura. Nesse
momento o título obtido no curso passou a ser o de licenciado. Esse parecer estabelecia
também que o Curso formaria professores para o ensino normal e especialistas em
educação para as áreas de orientação, supervisão e inspeção em todo o sistema de
ensino (LOPES e MATOS, 2004).
Pelo citado Parecer, Valmir Chagas aponta que o Curso de Pedagogia seria estruturado a
partir de uma base comum, onde o estudante deveria ter contato com as disciplinas,
conteúdos e fundamentação teórica, considerada básica para exercício da profissão. E
posteriormente, uma base diversificada compreenderia as disciplinas que dariam
fundamento para sua prática.
Com a Lei Nº 5.540/68, foi prevista também a criação de cursos profissionalizantes de
curta duração3. Na formação do profissional de educação constavam cinco habilitações
aprovadas em lei, sendo que três delas, as de administração, supervisão e inspeção
escolar, poderiam se dar em cursos de curta duração; os profissionais formados nessa
condição poderiam atuar em escolas de primeiro grau. Esse tipo de formação recebeu
diversas críticas todas embasadas no argumento de que elas representavam uma
formação rápida e corrida de profissionais (LOPES e MATOS, 2004). Já para a
Orientação Educacional, área de análise da nossa pesquisa, a formação se daria apenas
em nível de longa duração como é regulamentado pelo Parecer 252/69:
Previu-se apenas uma habilitação (de orientação educacional) para as escolas
primária e média, embora seja visível a predominância desta última, ante as
características muito próprias que assume a escolarização a nível de
adolescência. No ensino de primeiro grau o sincretismo do comportamento
infantil, levando a uma indispensável globalização das atividades escolares,
reduz em muito a importância de um Conselheiro individualizado. O que dia
a dia mais se reclama, neste caso, é a formação de melhores professores que,
sob coordenação adequada, possam de fato reunir em sua missão a dupla
tarefa de instruir e educar. A isto se procurou atender, de uma parte, com o
novo tratamento dispensado ao preparo do magistério para os cursos normais
e, de outra, com a institucionalização da figura do supervisor... (CHAVES,
1980, p.53).
3 A licenciatura de curta duração era prevista para atuação do professor no então Ensino de 1° Grau
compreendendo o período de 3 anos.
38
A grande crítica a esse Parecer foi a de que, ao mesmo tempo em que trouxe a definição
de ações para cada especialização fragmentou a formação do pedagogo quando
designou profissionais específicos para cada tipo de atividade que seria desempenhada.
Outra grande questão é analisada por Silva (1999), que critica este Parecer quando este
considera apenas o pedagogo como educador, pois ao definir uma base comum para o
Curso de Pedagogia define que essa base é fundamental a todo educador, mas, como as
disciplinas que a integram abrange apenas a formação do pedagogo, acaba excluindo os
outros professores.
Com referência à fragmentação do curso após a divisão em habilitações, que gerou
grande polêmica e controvérsias, Libâneo e Pimenta (1999), argumentam que essa
divisão correspondia a uma lógica da organização escolar e afirmam que houve
realmente uma fragmentação das tarefas a serem desempenhadas, mas que isso não
serve como argumento para extinção dos especialistas na escola. Para estes autores essa
divisão permite uma melhor organização escolar a partir de uma formação específica
exigida pela complexidade dessa área.
Em contraposição Silva (1999) questiona à fragmentação gerada no currículo, onde cada
habilitação trata o conhecimento de maneira diferente, como se cada área possuísse um
conjunto de conhecimento próprio. Logo, não há uma preocupação com a integração do
conhecimento, com um atendimento integral, onde sejam consideradas as necessidades
do aluno.
4.3. Entre as diretrizes oficiais e as propostas dos educadores
A compreensão das mudanças mais recentes introduzidas no Curso de Pedagogia no
Brasil requer a abordagem de pelo menos dois movimentos que se tornaram evidentes
desde o final da década de 1970 e início da década de 1980: no âmbito oficial, o
processo como se deu a tomada de decisões e a definição das políticas públicas,
principalmente a política educacional; de outro, a construção das concepções e
fundamentos que informaram as propostas que os educadores organizados,
39
considerando sua produção teórica e prática, passaram a defender visando melhorias na
formação dos professores e da escola básica.
Como evidencia a análise de Miranda (1998) por volta de 1975, o Regime Militar já
refletia desgastes provocados pelo declínio do “milagre econômico” e conseqüente
elevação da inflação. Simultaneamente, as denúncias de repressão, tortura e morte
aglutinavam diversos setores da sociedade civil em torno da “redemocratização” do
país. Assim, o governo militar iniciou um processo de “distensão lenta, gradual e
segura”, que desembocou num movimento de transição política. Segundo Miranda
(1998) esse processo implicou na recomposição de direitos civis e políticos e na
redefinição dos limites dos direitos sociais.
Ainda de acordo com Miranda (1998), emergiu e generalizou-se na sociedade a
consciência do “direito a ter direitos”, ou seja, os limites dos direitos previamente
definidos foram extrapolados, enunciando-se a necessidade de novas conquistas.
Ocorreu também a passagem do plano individual para o horizonte coletivo, uma vez que
o reconhecimento de novos direitos requeria a constituição de sujeitos sociais ativos.
Uma das características marcantes que surgiu com essa nova função social foi a busca
da democratização da educação e da escola, no sentido da sua abertura para a
participação de toda a comunidade e da horizontalização das relações em seu interior –
como eleições diretas para diretores de escola, criação de colegiados e finalmente a
rediscussão do papel dos orientadores e supervisores, tema deste trabalho.
Como parte desse movimento voltado à redemocratização do país, na década de 1980,
os educadores se organizaram e passaram a reivindicar a reformulação do Curso de
Pedagogia e das Licenciaturas. Alguns encontros que sinalizam o início dessa
organização aconteceram ainda no ano de 1982, com a realização de eventos de cunho
democrático, como: I Congresso Mineiro de Educação, I Encontro de Professores de
Primeiro Grau do Estado do Rio de Janeiro e o Fórum de Educação do Estado de São
Paulo (LOPES e MATOS, 2004). Em todo o país os educadores começaram a se
organizar em torno da luta pela reformulação do Curso de Pedagogia e das
Licenciaturas, contrapondo-se à imposição de reformas definidas nas instâncias oficiais
(AGUIAR e SCHEIBE, 1999).
40
É neste contexto de controvérsias quanto à formação dos educadores que se organizou,
em 1983, a Comissão Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(CONARCFE), com o objetivo de construir coletivamente uma visão sócio-histórica do
profissional de educação, contrapondo-se ao caráter tecnicista e conteudista então
predominante; uma base comum nacional, opondo-se à concepção de currículo mínimo
de Valmir Chagas. Defendiam também a organização de uma política nacional de
formação dos profissionais de educação que valorizasse o magistério, com uma sólida
formação inicial, adequadas condições de trabalho, salário e carreira dignas, com
garantia de uma formação continuada, como obrigação do Estado e das instituições
contratantes (FREITAS, 1999).
A base comum nacional construída pelos educadores tinha como idéia central a
contraposição à concepção de pedagogo como generalista, que não contemplava na
formação a preparação para a docência. Foi assim delineada
A base comum nacional dos Cursos de Formação de Educadores não deve ser
concebida como um currículo mínimo ou um elenco de disciplinas, e sim
como uma concepção básica de formação do educador e a definição de um
corpo de conhecimento fundamental. Todas as licenciaturas (pedagogia e
demais licenciaturas) deverão ter uma base comum: são todos professores. A
docência constitui a base da identidade profissional de todo educador
(CONARCEFE, 1983, p. 4, citado por ANFOPE, 2002, p. 9).
Os encontros nacionais seguintes buscaram aprofundar e ampliar as discussões na
tentativa de superar as antigas dicotomias expressas pela divisão em habilitações, no
caso do Curso de Pedagogia, e nas licenciaturas em geral pelo sistema que separava
bacharelado e licenciatura, ou seja, que separava conteúdo específico e formação
pedagógica, como um complemento ao final do curso. Assim, a busca de uma base
comum nacional expressava a posição dos educadores contra a imposição de uma
formação dicotomizada nos cursos de licenciatura (ANFOPE, 2002).
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n° 9394/96, ocorreram
mudanças quanto à perspectiva da formação do pedagogo, como pode ser visto no Art.
64:
A formação de profissionais da educação para a administração, planejamento,
inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será
feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a
critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum
nacional.
41
Com isso, o pedagogo passa a ter, do ponto de vista legal, a possibilidade de uma
formação mais abrangente, com uma organização curricular direcionada para a
superação da divisão em habilitações. Porém, nenhuma menção foi feita à docência
entre as atribuições previstas para o pedagogo e o Art. 63 prevê a criação de institutos
superiores de educação para a formação de professores.
Deste modo, as proposições do movimento dos educadores foram de certa forma,
desconsideradas, o que tornou o debate em torno dessas questões mais acirrado, no
decorrer da regulamentação da Lei Nº 9394/96, tanto no que se refere ao local da
formação, como no que diz respeito às concepções, fundamentos e diretrizes da
formação.
Em relação ao espaço da formação, grande polêmica foi gerada em torno do Parecer
970/99 da Câmara de Educação Superior, ocasionando inúmeras moções, por parte das
instituições de ensino superior de todo o país. Mesmo assim, o Decreto Presidencial N°
3276/99 definiu que a formação de professores para a educação infantil e das séries
iniciais do ensino fundamental seria feita exclusivamente nos Cursos Normais
Superiores. Somente após resistências e diversas manifestações contrárias a essa
definição, por parte dos profissionais da educação, a palavra exclusivamente foi
substituída pela palavra preferencialmente.
Na perspectiva dos movimentos dos educadores, com uma história construída nas
Faculdades e Centros de Educação do país, o Curso de Pedagogia, nos anos de 1990,
emergia como principal local de formação dos profissionais de educação para atuação
na educação básica, na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental.
Porém, fora das instituições universitárias, ele não poderia oferecer essa formação,
ficando destinada preferencialmente ao Curso Normal Superior. Com isso, a legislação
vigente indicava para o curso a condição de um Bacharelado Profissionalizante para
formação em gestão administrativa e coordenação pedagógica (ANFOPE, 2002).
As diretrizes do Curso de Pedagogia, propostas pelos educadores, no entanto,
defendiam a idéia de que o Curso não poderia dicotomizar Bacharelado Acadêmico,
Bacharelado Profissionalizante e Licenciatura, sendo necessário que a formação
42
envolvesse essas três dimensões, ainda que no seu aprofundamento desse maior relevo a
uma ou outra.
Importante destacar que os textos legais – Decretos, Resoluções e Pareceres, que
regulamentaram a Lei Nº 9394/96, no tocante à formação do profissional da educação,
foram aprovados e divulgados de forma parcial e fragmentada, sem considerar a
proposta dos educadores quanto a uma política global de formação, tampouco as
concepções, fundamentos e diretrizes que fundamentavam as suas proposições. No
entanto, essa forma aparentemente fragmentada, guardava coerência com as diretrizes
mais amplas que predominavam no âmbito das definições no plano oficial. Seu sentido
e significado podem ser melhor entendidos se situados no contexto da política
educacional definida para a América Latina e o Brasil, sobretudo a partir do final da
década de 1970, a partir da reformas que se deram visando adequar a educação ao
processo de reestruturação produtiva4 e aos rumos atribuídos ao papel do Estado
(LOPES e MATOS, 2004).
Na visão de Cavalcante, et. al (2005) a reestruturação produtiva do trabalho teve início
nos países desenvolvidos, na década de 70 e no Brasil na década de 90. Aliado a um
conjunto de mudanças econômicas em nível mundial, as relações de trabalho se inserem
num mundo cada vez mais dividido e pleno de exclusões. Segundo o autor:
Profundas transformações tecnológicas revolucionam o modo de produzir
nossa vida material, com enormes implicações sobre a organização da
produção e do trabalho: novas estruturas industriais parecem impactar de
maneira definitiva os mercados e as relações de trabalho; nossos modos de
vida e de organização social são violentamente modificados; verdades
arraigadas, que não pareciam passíveis de ser contestadas, já não convencem
mais; novas institucionalidades são criadas, ao mesmo tempo em que novas
formas de se posicionar diante da vida emergem de modo vigoroso Leite
(2003, p. 17, citado por CAVALCANTE, et. Al, 2005).
4 A Crise enfrentada pelo capitalismo na década de 1970 - choque do petróleo, aumento da taxa de juros
internacionais e da queda de lucros - teve conseqüências no modelo de organização do trabalho até então
vigente, a produção em massa. Focado na base técnica microeletrônica, na década de 1980/1990 o mundo
vivia o momento pós-fordismo, tendo o princípio da flexibilidade como aspecto fundamental. Para
Cavalcante, et. al (2005, p.75): “[...] essa estrutura do capital – buscando inovações organizacionais e
tecnológicas – se dá num processo de aumento de competição empresarial voltado para um mercado cada
vez mais segmentado, no qual ganha destaque a procura por produtos diferenciados”.
43
De acordo com a análise de Freitas (1999, p. 89) a importância que assumia a formação
nas políticas oficiais visava elevar os níveis de qualidade da educação nos países
subdesenvolvidos, qualidade que, na concepção do Banco Mundial, era determinada por
vários fatores, entre os quais: o tempo de instrução, os livros didáticos e a melhoria do
conhecimento dos professores, privilegiando a capacitação em serviço sobre a formação
inicial e estimulando as modalidades a distância. A formação geral seria obtida no nível
médio a baixo custo, à qual seria agregada a formação para a docência, oferecida em
cursos curtos de formação inicial, centrados na capacitação pedagógica (TORRES,
1996, p. 65, citado por FREITAS, 1999, p. 18).
A influência dessas concepções nas políticas de formação deu-se no Brasil desde o final
dos anos 1980 e se consolidou na década de 1990, a partir dos acordos firmados na
Conferência de Ministros da Educação e de Planejamento Econômico, realizada no
México, em 1979 e na Conferência de Jomtien, na década de 1990 na Tailândia. Sob a
ótica de Frigotto (1998), nesse contexto o Banco Mundial desempenhava papel central
no que se referia à orientação pedagógica. Esta orientação teria como eixo a adaptação e
conformação do trabalhador no plano psicofísico, intelectual e emocional às novas bases
materiais, tecnológicas e organizacionais da produção. Com a pedagogia da
competitividade centrada nos conceitos de competências e habilidades buscava-se uma
profunda mudança no papel econômico atribuído à escola e aos processos de formação.
Para Cavalcante et al (2005), no Brasil, a partir da década de 1990, a reestruturação do
trabalho refletia as influências de uma produção flexível; o paradigma da flexibilidade
se refletia também nas mudanças nos modos de emprego, revelando tendências
insatisfatórias com o aumento do desemprego, da precarização do trabalho, do aumento
do trabalho informal e das diferentes formas de contratação.
Frigotto (1996), afirma que na década de 90 as novas tecnologias, a divisão de trabalho,
as mudanças na base técnica de produção, a qualificação e a formação humana são
agentes que caracterizam a categoria do trabalho como uma problemática e como um
desafio teórico e político-prático. Anuncia-se uma crise do modelo fordista de
desenvolvimento frente ao esforço de atender a novas formas de sociabilidade do
capital.
44
Segundo Frigotto (1996), em oposição à tecnologia rígida do sistema fordista e
taylorista, este novo modelo de organização social provoca um novo tipo de
organização industrial, baseada em tecnologia flexível e conseqüentemente num
trabalhador com nova qualificação humana e mais flexível. Para o autor, no plano da
nova ordem econômica, os conceitos relacionados são flexibilidade, participação,
competência, trabalho em equipe, competitividade e qualidade total. No cenário de
formação humana as categorias que envolvem são: pedagogia da qualidade, formação
abstrata, polivalência, multi-habilitação e policognição.
A análise de Machado (1994) revela que tais inovações mudam completamente o
conceito das tarefas individuais. O trabalhador acumula mais responsabilidades, exige
disposições cognitivas novas e outras capacidades para se adaptar às freqüentes
modificações no processo produtivo. Esse fato aumenta o nível de estresse no trabalho
devido à pressão psicológica resultante de novas cobranças, devido às inovações
implantadas. Nesta circunstância, cumpre registrar que a autora chama atenção para a
importância que tem sido dada à revisão do modelo de gestão no mundo do trabalho.
Neste contexto a ANFOPE, reafirmou suas posições no X Encontro de 2000, visando
superar os antagonismos presentes nas estruturas curriculares de formação do pedagogo:
bacharelado x licenciatura, conteúdos específicos x conteúdos pedagógicos, pedagogia x
licenciatura. Foi firmado ainda o entendimento de que o avanço da discussão requeria
maior articulação com os Fóruns de Licenciatura nos sentido de melhor integrar as
diversas áreas e unidades institucionais responsáveis pela formação dos profissionais da
educação (ANFOPE, 2000).
Já no XI Encontro, em 2002, foi considerada fundamental a reafirmação do seu projeto
histórico, em razão do conturbado embate que permeava o processo de definição da
legislação sobre a formação dos professores e suas organizações institucionais. Nesse
encontro concluiu-se que: a luta pela formação teórica de qualidade implicava em
recuperar nas reformulações curriculares, a importância do espaço para análise da
educação enquanto disciplina seus campos de estudo, métodos e status epistemológico;
na busca da compreensão da totalidade do processo de trabalho docente, contra
tentativas de aligeiramento da formação do profissional da educação. Foi também
reafirmada a concepção da docência entendida como trabalho pedagógico, como base da
45
identidade profissional de todo educador. A ANFOPE reconheceu ainda constituir-se
em uma referência para os profissionais da educação de diferentes instituições
formadoras e que sua atuação vinha se estendendo por todo o país, em diversas
instâncias e fóruns de discussão (ANFOPE, 2002).
Oportuna a análise de Macedo (2003, p. 238), segundo a qual, “[...] por sua natureza os
documentos de política curricular são codificados de forma complexa em meio a lutas,
negociação, compromissos, alianças, espelhando a sua própria historicidade”. Os
formuladores das políticas buscam controlar os significados dos documentos, de modo a
facilitar a viabilização de determinadas finalidades sociopolíticas e dificultar outras. A
trama política deixa espaços para ações não previstas e, ao mesmo tempo fortalece
mecanismos de controle. Evocando Ball (1977), a autora enfatiza que a análise dos
documentos curriculares precisa buscar compreender as relações entre restrições e
possibilidades.
A ANFOPE (2002) reconhece muitas limitações às suas proposições nas diretrizes
oficiais, mas reconhece também várias conquistas. Com referência às Diretrizes
Curriculares para Formação de Professores da Educação Básica e sua carga horária, por
exemplo, a ANFOPE, destaca algumas definições importantes, dentre elas as
disposições do Art. 7°, da Resolução CNE/CP N° 01/02 que trouxe para a licenciatura
identidade, integralidade e terminalidade própria, valorizando a formação do professor
como profissional de ensino. Outra determinação do artigo citado seria a interação
sistemática entre as instituições formadoras com as escolas de educação básica, com o
objetivo de desenvolver projetos de formação compartilhados, incluindo na jornada de
trabalho dos formadores tempo e espaço para as atividades coletivas dos docentes.
Tomando como referência o documento final do XI Encontro Nacional da ANFOPE, as
Diretrizes Curriculares para Formação de Professores da Educação Básica (Resolução
n° 01/02), partem do pressuposto de que a formação do profissional de educação deve
promover o conjunto de competências necessárias para sua atuação, considerando que
essas competências devem nortear a proposta pedagógica do currículo e da avaliação, da
organização institucional e da gestão da escola de formação. Todavia, essa noção de
competências como nuclear à formação dos profissionais da educação, na percepção da
ANFOPE (2002), representava uma concepção fragmentada e instrumental de
46
formação, como também uma concepção individualista na sua essência e imediatista em
relação ao mercado de trabalho. Na percepção do movimento “[...] os princípios
norteadores das referidas Diretrizes caracterizam uma concepção limitada e limitadora
em relação à perspectiva da formação humana unilateral” (ANFOPE, 2002, p. 2002, p.
21).
Em sua análise, Macedo (2003) sinaliza que a noção de competência presente nas
diretrizes curriculares oficiais nem sempre apresentava o mesmo significado, na medida
em que se remetia a fontes teóricas diversas e, por vezes, contraditórias. A autora (2003)
distingue pelo menos duas das tradições pedagógicas modernas sobre competências
mescladas nas políticas curriculares. A primeira originária dos trabalhos de Piaget e na
concepção hegemônica na reforma curricular francesa, divulgada no Brasil pelos
trabalhos de Perrenoud; a outra, procedente da tradição americana da eficiência social
de cunho comportamental, embora de modo não muito explícito, mas predominante, em
que escola, conhecimento e mercado de trabalho parecem estar fortemente associados.
Com outra perspectiva teórica, a proposta defendida pela ANFOPE procurava reunir as
produções teóricas e práticas das instituições formadoras, visando à formação de um
profissional comprometido com a transformação da escola e da sociedade. Com isso,
desde 1998, o movimento se posicionou junto ao MEC quanto ao projeto de formação
defendido pela comunidade acadêmica. Com a abertura do Edital n° 004/97 da
SESu/MEC, que solicitava sugestões para a elaboração das Diretrizes Curriculares
Nacionais para os cursos de graduação, a ANFOPE, partindo de seu documento final do
IX Encontro Nacional em 1998, afirma sua posição de defender que as Universidades e
Faculdades de Educação deveriam ser espaços prioritários para formação dos
profissionais da educação para atuação na educação básica e superior, que após uma
reorganização interna fosse superada a fragmentação entre as habilitações no Curso de
Pedagogia e a dicotomia entre a formação dos pedagogos e demais licenciados,
colocando a docência como base da identidade profissional dos educadores.
Da mesma forma que designou uma comissão de especialistas para a elaboração de
diretrizes para o curso de pedagogia, o MEC o fez para as licenciaturas e em 06/05/99
essa comissão tornou pública sua proposta para o Curso de Pedagogia. As discussões
geradas neste grupo resultaram no documento Norteador para a Elaboração de
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Formação de Professores (1999). Porém,
47
segundo Pimenta e Libâneo (1999), durante as reuniões de elaboração do documento
houve várias manifestações de posições diferentes quanto à formação dos profissionais
da educação e que não foram incluídas no documento final. Segundo esses autores:
- O Curso de Pedagogia destinar-se-á à formação de profissionais
interessados em estudos do campo teórico-investigativo da educação e no
exercício técnico-profissional como pedagogos nos sistemas de ensino, nas
escolas e em outras instituições educacionais, inclusive não-escolares;
- Os cursos de formação de professores e os programas mencionados,
abrangendo todos os níveis da educação básica, serão realizados num Centro
de Formação, Pesquisa e Desenvolvimento Profissional de Professores –
CFPD, que integrará a estrutura organizacional das faculdades de educação e
destinar-se-á formação de professores para a educação básica, da educação
infantil ao Ensino Médio.
Embora não se tenha a clareza quanto ao significado dessas diferentes posições em nível
nacional, mas considerando a existência de cursos que àquela época ofereciam as
habilitações separadas, outros que só ofereciam a formação para a docência e ainda
aqueles que ofereciam ambas de forma integrada, pode-se perceber a divergência de
idéias e de posicionamento quanto a essa questão. Haja vista a última modificação
ocorrida na regulamentação do Curso de Pedagogia em 2005, destinando-o à formação
para a docência nos anos iniciais do ensino fundamental e na educação infantil.
Pelo que se pode perceber a luta por identidade ao longo da história do Curso de
Pedagogia foi uma constante, modificando apenas sua natureza em função dos
fundamentos teóricos predominantes em diferentes contextos e na politica educacional.
Percebem-se muitas divergências entre os próprios educadores e entre esses
profissionais e os representantes dos órgãos oficiais, onde internamente também
ocorriam diferenças de posicionamento.
Não se pode deixar de considerar que as proposições da ANFOPE conquistaram
significativa representatividade entre os educadores e ganharam a adesão de muitas
instituições formadoras. Além disso, apóiam-se em princípios que expressam o caráter
de resistência e contraposição às pressões políticas voltadas para o aligeiramento da
formação; as concepções e princípios que norteiam a base comum nacional de estudos
proposta pelo movimento, ao partirem de uma concepção sócio-histórica da educação,
evidenciam a dimensão crítica de sua proposta teórico-pedagógica (LOPES e MATOS,
2004).
48
Todas essas mudanças pelas quais passou o Curso de Pedagogia ao longo do tempo,
assim como as discussões e críticas dirigidas à atuação do pedagogo e à escola,
alcançaram de modo diferenciado as instituições formadoras e sistemas de ensino.
Segundo Ball (1998, citado por MATOS, 2008), as políticas educacionais são processos
de negociação complexos e precisam ser compreendidas como um nexo de influências e
interdependências. Nas diferentes instâncias do meio educacional essas políticas passam
por processos de ressignificação ao serem apropriadas e interpretadas. Com essa
perspectiva, o capítulo a seguir, busca apresentar uma análise da repercussão das
discussões e proposições dos educadores e das mudanças, ocorridas na definição da
política educacional do país, no sistema de ensino municipal de Belo Horizonte,
enfocando de modo particular a situação atual da orientação educacional.
49
5. ORIENTADOR EDUCACIONAL NA REDE MUNICIPAL DE
BELO HORIZONTE
5.1. A nova visão político-educacional do município
Em sua análise sobre a constituição da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte
Miranda (1998), sinaliza que política educacional do município de Belo Horizonte,
conduzida no período compreendido entre 1989 a 1992, adotou por diretriz a melhoria
da qualidade do ensino público, tomando por referência as lutas empreendidas ao longo
de vários anos pelos profissionais da educação e pelos movimentos populares. De
acordo com a autora emergiu a necessidade de uma política educacional voltada para as
classes populares, não só no atendimento, mas na recomposição dos métodos utilizados
pela escola. A análise da situação da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte
indicou “[...] um desnorteamento da ação do poder público na proposição de uma
política educacional com as necessidades básicas e reais da população” (BELO
HORIZONTE, 1986, p. 132). Foi ressaltada como função da escola a “[...] transmissão
de conteúdos e saberes que garantam a igualdade de oportunidades para as camadas
populares”.
A crítica à escola e a seus processos intra-organizativos sinalizada por Silva (1982), em
âmbito nacional, refletiu-se também em Belo Horizonte, como evidencia a análise de
Miranda (1998). Na sua visão, o interior do espaço escolar já vinha se colocando como
foco da política educacional do município, desde a gestão iniciada em 1983. Ou seja, a
política educacional do município, a partir de 1983, tomou por perspectiva central a
intervenção nas unidades de ensino. Reafirmando o pressuposto de que “o fracasso do
aluno é o fracasso da escola”, a gestão 1989/1992 anunciou sua concepção de escola
pública: instituição inserida na sociedade e concebida coletivamente pelos profissionais
que nela atuam e pela comunidade. A partir dessa noção, a qualidade do ensino emergiu
como desafio da escola, como uma questão institucional, como um processo coletivo; o
que, por sua vez, colocou a necessidade da criação de um clima que alterasse de modo
positivo, o resultado de sua ação pedagógica (BELO HORIZONTE, 1992).
Desvencilhou-se deste modo a qualidade dos índices de produtividade da escola,
voltando-a para o envolvimento coletivo no resultado da ação pedagógica.
50
Foi possível perceber a articulação de dois princípios na política educacional: a
democratização da gestão, viabilizando canais de participação da comunidade na escola;
e a autonomia pedagógica, aprofundando o envolvimento da escola na construção de um
projeto coletivo. As medidas delineadas para atingir a qualidade de ensino da escola
pública, foram encaminhadas no sentido da reorganização escolar, buscando dinamizar
a gestão democrática (MIRANDA, 1998). Buscou-se a “construção da Escola a partir
dela própria e da comunidade escolar que a constitui” (BELO HORIZONTE, 1992 p.
6). As estratégias adotadas instituíram canais de participação da comunidade, ao mesmo
tempo em que se investia na consolidação da experiência que já vinha sendo realizada
em muitas escolas: a construção coletiva do projeto político-pedagógico5.
Um dos principais mecanismos implantados para dinamizar a democratização da
organização escolar, foi a instituição de eleições diretas para diretores e vice-diretores
de escola, regulamentada no Decreto Municipal n° 6237, de 03 de fevereiro de 1989.
Poderiam disputar os cargos “professores e especialistas em exercício no
estabelecimento de ensino, pertencentes ao quadro do magistério” (art. 2º), inscritos em
chapas completas compostas de diretor e vice-diretor (§ 1º). Poderiam votar, de acordo
com o art. 3º, “os professores e especialistas e demais servidores em exercício no
estabelecimento, alunos regularmente matriculados no 2º grau, a mãe, o pai ou
representante legal de aluno de 1º grau”. Este decreto ainda não estabelecia a duração do
mandato, possivelmente por tratar-se do primeiro pleito, que pode ter assumido um
caráter experimental.
Posteriormente a promulgação da Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte, que
instituiu a eleição direta como instrumento de escolha dos diretores de escola, foi
aprovada a Lei Municipal nº 5796, de 10 de outubro de 1990, que regulamentou o
processo eleitoral. Nesta lei foi prevista a “eleição direta e secreta com a participação de
todos os membros da comunidade” (art. 1º). Também foi definida a duração do
mandato: dois anos, permitida uma única recondução consecutiva (art. 2º, §3º). Nos
critérios para exercício do voto pela comunidade, houve uma mudança significativa.
5 No documento analisado, a denominação é “projeto pedagógico”.
51
Anteriormente, era com base no critério de escolarização que se definia os alunos com
direito ao voto. A partir dessa Lei, há uma flexibilização no critério de escolaridade,
combinando-o à idade do aluno, na faixa reconhecida legal e socialmente. Conforme o
art. 4º, inciso II, o direito de voto é conferido aos “alunos regularmente matriculados,
que estejam cursando a 5ª série, ou série subseqüente, e que tenham completado
dezesseis anos até a data da eleição”.
De acordo com Miranda (1998 p. 131) “[...] a experiência do processo eleitoral
seguramente provocou uma grande movimentação nas escolas. Possivelmente, a
definição da natureza do processo eleitoral contou com disputas em torno do poder
decisório.” O processo eleitoral destacou-se como uma das possibilidades – talvez a
mais importante – de instaurar a democracia “como aprendizagem que se aprimora com
a vivência” (BELO HORIZONTE, 1992 p. 7). Mais adiante, o momento da eleição
“começa a ser reconhecido como um espaço para se discutir um projeto pedagógico”
(MIRANDA, 1998 p. 132). Outros canais de participação já existentes na Rede
Municipal de Ensino, Assembléia e Colegiado Escolar, foram enfatizados. Houve uma
atribuição de significado mais preciso a esses espaços.
O Colegiado Escolar foi repensado e redefinido, ganhando maior poder decisório. O
Decreto Municipal nº 6274, de 13 de junho de 1989 determinou a obrigatoriedade da
implantação do “Colegiado em todas as escolas da Rede Pública Municipal” (art. 1º),
definindo-o como “órgão máximo de decisão das escolas municipais” (art. 2º).
Conforme o parágrafo único do mesmo artigo, “o Colegiado tem caráter consultivo,
normativo e deliberativo nos assuntos da vida escolar e nos que se referem ao
relacionamento escola comunidade. A criação do Colegiado deveria reforçar a
construção da democracia na gestão da escola, o exercício da cidadania e possibilitar
mudanças nas relações do interior da escola (BELO HORIZONTE, 1992).
De acordo com a análise de Miranda (1998), no período que vai de 1982 a 1992,
investiu-se na gestão democrática participativa e na autonomia pedagógica - esta última
principalmente, a partir de 1989. Miranda (1998, p.138) coloca em destaque a “[...] o
sentido que, na década de 80, se atribuiu à educação escolar: espaço público de
participação e lugar privilegiado de apropriação do conhecimento”. A produção da
política educacional desse período, como a autora buscou demonstrar, esteve em
52
sintonia com os princípios democráticos que consolidaram novos direitos. Ao mesmo
tempo, foram levados em consideração os problemas que a educação municipal
enfrentava, focalizando o interior das unidades escolares. Miranda (1998) enfatiza ainda
que essa mudança de enfoque potencializou a construção coletiva e diversificou a
produção pedagógica de cada escola.
5.2. O cargo de Orientador Escolar na rede municipal de Belo Horizonte
Neste novo contexto político de gestão democrática (1980/1990), determinados cargos
da escola passariam a ser ocupados por eleição direta, envolvendo todo o corpo docente.
Com as mudanças ocorridas para democratizar o processo e a gestão do trabalho
pedagógico, o cargo de Orientador Educacional, assim como as demais especializações
do pedagogo foram colocadas em discussão. Neste capítulo, selecionamos algumas falas
dos profissionais entrevistados para nos ajudar a compreender a mudança que ocorreu
com relação ao cargo de Orientador Educacional na Rede Municipal de Ensino de Belo
Horizonte. Os apontamentos aqui apresentados contribuíram para nos mostrar como se
refletiram no campo de trabalho e na rede municipal de ensino da capital, toda aquela
discussão ocorrida no país, a partir da década de 1980, que buscamos apresentar nos
capítulos anteriores.
As entrevistas realizadas como parte dessa pesquisa envolveram duas orientadoras
educacionais de escolas distintas da rede municipal de Belo Horizonte; uma profissional
da Secretaria Municipal de Educação - SMED, pedagoga; dois profissionais em atuação
no Sind-Rede, um assessor e uma pedagoga do setor administrativo. Neste estudo, para
manter a privacidade dos mesmos, estão mencionados como R e H as duas pedagogas
das escolas, E e K, os entrevistados do Sind-Red e C a da SMED6.
As entrevistas realizadas com os citados profissionais tiveram como foco questões
fundamentais sobre a atuação do Orientador Educacional na rede municipal de ensino
de Belo Horizonte e os motivos que levaram à redução dos cargos desse profissional
naquela rede. Foi possível perceber que a Orientação Educacional passou por muitas
transformações nos últimos anos, cujo marco inicial pode ser situado na década de
6 Embora duas profissionais tenham sido contatadas na SMED, uma forneceu material e a outra concedeu
a entrevista que integrou a presente análise.
53
1980, mais precisamente no período referente à gestão compreendida entre 1989/1992,
conforme sinaliza a análise de Miranda (1998) e colocações feitas pelas pessoas
entrevistadas. A repercussão mais direta na situação funcional do Orientador
Educacional, e demais especialistas de educação da rede municipal, pode também estar
relacionada à mudança da denominação do seu cargo, a qual teve como respaldo o
entendimento que passou a ser atribuído à gestão do trabalho pedagógico, em especial a
partir das críticas às especializações e à escola e seus processos de trabalho.
O último concurso para o cargo de Orientador Educacional ocorreu na segunda metade
da década de 19807 por meio de uma seleção interna. As orientadoras entrevistadas
confirmaram que seu ingresso na Prefeitura Municipal, no citado cargo, se deu através
desse concurso. Em sua entrevista, a orientadora R. afirma ter ingressado na rede em
1980, como P1, professora alfabetizadora, situação em que permaneceu por 7 anos. Em
1988/1987 com a competição interna, passou a atuar como Orientadora Educacional,
assim como outras pessoas que já trabalhavam na rede; afirma ainda que depois não
houve mais concursos para a função, o que a orientadora H. também confirmou em sua
entrevista.
Uma das pedagogas entrevistadas junto à Secretaria de Educação, associa essa falta de
concurso, na Rede Municipal de Educação, a um desmantelamento político do próprio
Curso de Pedagogia, cuja repercussão pode ser percebida não só pelo fato de não terem
sido abertos mais concursos públicos específicos para essa função, como também pelo
fato de que as funções próprias do pedagogo passaram a poder ser realizadas por
profissionais de outras áreas, naquela rede.
Os entrevistados, de forma geral, abordaram a atual situação de precariedade da
Orientação Educacional na rede municipal. Na sua entrevista, a Orientadora escolar H.
afirmou que a denominação do cargo mudou de Orientador Educacional para Pedagogo,
e que, depois do último concurso não foram mais convocados orientadores educacionais
para atuar; disse ainda que, embora tenha feito concurso para Orientadora Educacional,
seu cargo passou a ser o de Coordenadora Pedagógica. A orientadora H. afirmou que
qualquer professor poderia atuar em seu cargo, desde que eleito pelo grupo de
7 O Concurso foi realizado entre 1986/1987, conforme colocação das entrevistadas, não houve entretanto
uma precisão em relação ao ano.
54
professores - estes analisam e escolhem o mais adequado para aquela função; mas, no
seu entendimento, na escola em que trabalha, ela é responsável pela coordenação,
porque ocupa o cargo por direito, pelo concurso em que foi aprovada.
Conforme colocações dos profissionais entrevistados a denominação do cargo foi se
modificando ao longo das duas últimas décadas. A pedagoga da SMED, ao abordar essa
questão, fala sobre como os profissionais atualmente são denominados pela Prefeitura.
Através de sua fala, podemos então inferir que a mudança da denominação dos cargos
relaciona-se com a mudança da política educacional e com a mudança na política de
definição do quadro das escolas da rede municipal. Segundo a pedagoga da SMED C.:
(...) “eles foram chamados de Técnico Superior de Ensino, depois Técnico
Superior de Educação, depois de Pedagogos e todos enquadrados nessa
mesma perspectiva, dentro dessa mesma categoria; e sem a abertura de
concurso realmente não se tem mais esse profissional. Antes, anos atrás,
existia o que, existia o concurso para supervisão, o concurso para orientação,
certo, mas desde a transformação dessa denominação me parece que até aí já
havia um movimento – vamos dizer assim – para a não abertura de concursos
mais. Então, aqueles que estão no processo, estão, mas não se abre mais
condição para estar. Quer dizer, a única condição de pedagogo, hoje, a
adentrar na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte é única e exclusivamente
para docência” (...).
Através das falas das pedagogas – e mais especificamente da pedagoga da SMED C. -
podemos perceber de certa forma o que Rasia (1981) apontou em seu discurso sobre a
divisão técnica do trabalho intelectual, na qual todas as funções eram separadas e cada
profissional fazia aquilo que era de sua competência. Portanto, quando ainda havia
concurso para os respectivos cargos, essa divisão ocorria; porém, a partir do momento
em que as especializações passaram a ser questionadas, acarretando a mudança de
entendimento em relação à gestão do trabalho pedagógico, não houve mais essa forma
de ingresso na rede municipal de educação; as habilitações pedagógicas passaram a não
ser mais divididas; de forma geral, passaram a compor um só tipo de trabalho - o
trabalho do pedagogo (RASIA, 1981).
O assessor do Sind-Rede, K., em sua entrevista, também enfoca essa mudança e
questiona como o profissional tem sido escolhido para exercer a função do Orientador
Educacional e do Supervisor Pedagógico, evidenciando um outro entendimento da
situação. Para o assessor, a mudança da denominação e o rumo que foi dado ao
profissional Orientador Educacional se baseiam em interesses políticos e foi realizada
55
de forma ilegal. Na sua visão, até a maneira como é escolhido o profissional que
realizará as funções dos profissionais citados se dá de maneira incorreta relacionada a
determinados interesses políticos e financeiros. Neste sentido, pode-se destacar em sua
fala a seguinte colocação:
(...) “Eles preferem economizar recursos, mas, principalmente, de
manutenção do grupo no poder; porque o governo atualmente é máquina de
manter grupo no poder. E foram tirando, e foi desvirtuando... quando houve a
tal intenção, porque nunca passou de uma intenção, de escola plural; a maior
parte, quase a totalidade, do magistério não entendeu o quê que foi a escola
plural; não foram preparados pra isso muito menos o governo os preparou.
Tudo não passou de uma intenção. No início disso aí, desvirtuou mais ainda e
só ficou no quadro o cargo de coordenador político pedagógico; e agora –
pior ainda – porque ele teria que ser eleito entre os membros do corpo
docente, pelo corpo docente, e a maior parte das escolas a diretora está
indicando e nunca houve suporte legal para essa atuação.
Isso foi um desvio de função ilegal nos dois sentidos: porque ocupava o posto
de uma carreira e porque foi desvirtuada a noção pedagógica onde se criaria
um projeto na coordenação interna da escola. Tanto que esse coordenador
político-pedagógico não aparece em lugar nenhum como cargo, como função;
legalmente ele não existe. É um professor em desvio de função interna
acobertado pela corporação. (...) Todas as decisões do governo atualmente
são para racionalizar custos para que sobre mais para as destinações que
resultem em votos. Política pública no Brasil é só isso (...)”.
Ainda na percepção do citado assessor, a mudança de denominação do cargo “[...] veio
pra desarticular”. Pois, segundo ele, a partir do momento em que não se tem mais
concurso público para a função de Orientador Educacional conseqüentemente não
haverá mais servidor. Para ele as mudanças ocorreram para desarticular grupos de
interesses. No seu ponto de vista havia uma intenção política quando foi feito isso, que
era a de substituir o coordenador político-pedagógico; mas, para ele, “[...] isso
desvirtuou tanto de um lado como do outro – ele não deixou de ser político, mas deixou
de ser pedagógico”.
Na entrevista da Orientadora Educacional escolar R. percebe-se outra realidade. Ela
atua na Orientação Educacional o que, após relatos de funcionárias da escola, que
presenciaram a entrevista, ficou evidenciado tratar-se de um “privilégio” da escola em
questão. A diretora e a coordenadora afirmaram que, em reuniões escolares das
regionais de Belo Horizonte, percebem que nenhuma escola possui o cargo de
Orientador Educacional. Elas afirmaram também que em sua regional, Pampulha, há 13
escolas sendo que, entre estas, apenas a metade possui um pedagogo atuando em sua
56
função; o restante encontra-se em sala de aula ou em outras áreas dentro da escola. Já,
para atuar na coordenação pedagógica, é necessário que os professores se reúnam e
elejam um profissional para atuar neste setor, sem concurso público para a função.
Foi possível constatar, a partir desse relato, que a função do Orientador educacional é
muito importante naquela escola, sendo considerada até mesmo como sendo um
“privilégio”. Mas, apesar dessa importância, na visão do assessor do Sind-Rede, os
profissionais da área não conseguiram, à época, entender claramente o que aconteceu
com esse profissional. Em sua fala ele declara que os professores não sabem o que
ocorreu; afirma ainda:
“[...] as direções sindicais não viram isso (a importância) porque era
considerada (a mudança) uma imposição da Administração na escola. Mas, não
devia nem ser essa imposição, que de fato nunca acontecia, porque era um
elemento externo ao corpo docente, que tinha a vontade da Administração não.
E nem era o outro ponto, também o pessoal era coordenador político... então
não ficou nem um nem outro e acaba que essas escolas... e isso é camuflado pra
todo lado”.
De outra parte, uma das entrevistadas ponderou que um dos motivos pelos quais os
profissionais não se deram conta dessa perda pode ter sido pela “arrogância” dos
especialistas que havia na escola. De acordo com a fala da pedagoga do Sind-Rede E.,
as supervisoras se achavam “donas da escola”, das turmas, diziam o que deveria e o que
não deveria acontecer. De acordo com a entrevistada.:
“esse era um problema político-pedagógico da escola. E aí começou a fazer
um movimento inverso; ao invés do coletivo de professores tomarem pra si a
responsabilidade do pedagógico da escola, começaram a fazer campanha
contra os pedagogos. E não foi assim uma coisa escancarada, mas aconteceu
(...)”.
A partir desse relato podemos observar um pouco do despotismo apontado por Rasia
(1981). Os especialistas tentavam manter sob controle toda a organização escolar e
muitas vezes se esqueciam de sua real atribuição, contribuindo assim para que houvesse
um “mal estar” entre os atores da escola. Há também a questão da desvalorização da
função docente que, segundo Coelho (1982), passou a ser assim percebida, por não ser
considerada uma especialização, o que também pode ter contribuído para que ocorresse
o movimento citado pela pedagoga do departamento administrativo do sindicato
(COELHO, 1982; RASIA, (1981).
57
Apesar dessa situação que se deu no espaço escolar no qual o trabalho dos especialistas
foi gerando conflitos e, talvez, perdendo o foco, a pedagoga da SMED C. em sua fala,
pontua questões importantes para o resgate desse profissional - uma vez que sua função
não foi extinta e está sendo realizada, em algumas situações, por outros profissionais
que, segundo a entrevistada, não possuem o preparo que o Pedagogo possui, no que se
refere às especificidades do Curso de Pedagogia:
“Então, entendo que se há de pontuar todas essas questões de maneira que a
gente possa resgatar o espaço de direito, uma vez que ele não foi extinto,
vamos buscar esse espaço novamente; e as instituições de educação superior,
de ensino superior do país – a meu ver – elas teriam que ter realmente uma
mobilização mais intensa pra que a gente pudesse realmente mostrar que há
um prejuízo em relação a essa perda do curso, do teor do curso. Porque, o
profissional de área específica, ele no seu curso de graduação, ele não vê uma
série de componentes curriculares, uma série de disciplinas que são voltadas
para o curso de Pedagogia. (...) são componentes instrumentais da maior
importância para a formação desse pedagogo; a própria didática ela é muito
mais pesada o que permite, em termos de carga horária, o que permite
realmente você ter uma visibilidade muito maior das questões da escola, da
gestão escolar. (...) é da maior importância que se pontue devidamente essas
questões e que se passe a fazer uso desse direito de, inclusive, resgatar o
espaço do pedagogo”.
Em outro momento, foi possível constatar, na fala de R., outro aspecto que denota a
precariedade das condições de trabalho deste profissional; segundo ela “[...] não tem
ninguém que substitui o pedagogo. Se eu entro de licença, por exemplo, gestação, entrei
de licença...”, não houve possibilidade de substituição; o que não ocorre com o
professor. “Mas o pedagogo quando sai de licença não tem substituição”, frisou a
entrevistada. A orientadora H. também confirma que não existe substituto para o
pedagogo na escola em que trabalha. No entanto, muitas vezes o pedagogo também
substitui o professor em suas faltas, mesmo em prejuízo de suas atividades, como
lembrou em sua fala a Orientadora Educacional escolar R.
O assessor do Sind-Rede K., enfoca também as precárias condições do trabalho
pedagógico realizado nas escolas, sem os profissionais capacitados para tal. Segundo ele
a “[...] situação das escolas atuais só não é pior porque alguns professores são
Pedagogos”. A orientadora R. confirma essa situação ao colocar que essas escolas, que
não possuem mais os especialistas com suas funções definidas, vêm sofrendo por
sobrecarga de função, tanto o pedagogo como o professor; este inclusive, sem formação
58
em pedagogia, fica com a responsabilidade de resolver questões para as quais ele não
possui formação que lhe dê condições de resolver.
Em sua entrevista, o assessor do Sind-Rede, K., destaca a importância da formação em
Pedagogia para a qualidade da educação e aponta, de certa forma, uma contradição, que
percebe na rede municipal, onde muitos pedagogos encontram-se na sala de aula, em
prejuízo da Orientação Educacional e da Supervisão Pedagógica. Argumenta o assessor:
“Primeiro, nós temos que começar pela Constituição, porque quando a
Constituição fala em qualidade na educação, pressupõe-se como ação técnica
para essa qualidade; e sem a orientação e supervisão não existe nenhuma
possibilidade para a qualidade. Só não é pior porque a maior parte dos
professores atualmente, e mais da metade dos professores da rede, são
pedagogos, como forma de melhorar salário. Ao ter a habilitação superior e
estar na escola, dando aula para educação infantil e anos iniciais, a maior
parte das professoras são pedagogas; mas não exercem a Pedagogia. Mas,
pelo menos, tem a formação; porque senão seria um desastre total. Mas não
cumprem a função real, estão em separadas... então fica um coordenador pra
escola, um coordenador pra 40 turmas”.
A orientadora escolar R., em sua entrevista, também evocou a questão das dificuldades
relacionadas à falta da formação específica para o cargo de Coordenador Pedagógico e,
ao mesmo tempo, evidencia o acúmulo de atividades a que está sujeito o pedagogo, pelo
que evidencia sua fala, a seguir:
“Esse espaço aqui ele é duro e penoso. Porque o espaço que você fica é
resolvendo aqui as questões que você não dá conta de resolver, mas você está
no lugar de coordenador da escola. Mas às vezes as pessoas têm habilidades
para ele. Então eu enxergo que a escola que não tem orientador educacional
esta sofrendo mais do que a que tem”. Em reunião com uma Secretária de
Educação, “[...] ela disse para mim que ela não acreditava em um profissional
para salvar a escola... eu estava defendendo o orientador, né? Ai, eu disse pra
ela que realmente, eu não quero salvar nada sozinha, que eu não dou conta,
né? Não quero. Não tenho pretensão nenhuma. Mas, eu seria mais uma do
grupo. E que ela disse que na escola dela, na época em que ela foi diretora, a
sala do orientador, ficava lotada. Ai, eu disse para ela, que hoje a sala do
coordenador fica super lotada, e ele não sabe o que fazer, porque ele não teve
formação. Às vezes, um professor de matemática está lá na coordenação, e eu
acho que é “cada macaco no seu galho”. E eu não vou lá dar aula de
matemática, não, porque eu não formei e ele, fez Pedagogia? Ele fez tudo
isso ai que vocês tão tendo? Fez especificado com a supervisão, com a
orientação? O cara pode ser competente, mas ele não foi formado para isso e
ele está coordenador. Por quê? Porque o grupo tirou para coordenação. Ai a
Prefeitura pode questionar isso comigo: R., mas tem que ter perfil. E quando
não tem ninguém pra colocar o nome?”
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Pelo que foi possível perceber todos os entrevistados reconhecem a precariedade com
que vem sendo realizado o trabalho do pedagogo escolar na rede municipal de ensino,
seja no que se refere às condições de trabalho, seja no que diz respeito à formação
requerida para o desempenho de algumas funções, como no caso mais específico do
coordenador pedagógico. Todos foram unânimes em reconhecer a importância e
especificidades da formação oferecida no Curso de Pedagogia para tais funções. Ficou
também claro que não houve uma extinção do cargo de Orientador Educacional. Houve
uma mudança no entendimento da gestão do trabalho pedagógico, como decorrência das
críticas às especializações e a ênfase que passou então a ser atribuída ao trabalho do
pedagogo como gestor de processos educativos em contraposição ao especialista de
educação.
Ao ser apropriada na rede municipal de ensino, essa discussão passou a fundamentar a
tomada de decisões no âmbito das definições políticas, resultando na mudança de
entendimento em relação à concepção da escola, à gestão do trabalho pedagógico, com
a ênfase no trabalho coletivo e na democratização das relações, com repercussão na
denominação dos cargos de especialista de educação. Essa mudança aliada à
precariedade das condições de trabalho desse profissional, como a sobrecarga de
atividades, tem levado, como se pode perceber à perda da especificidade das suas
funções, tanto no caso da coordenação pedagógica, que qualquer professor pode
exercer, como no que diz respeito à orientação educacional.
Foi possível ainda constatar que em diferentes instâncias, SMED, Sind-Rede, Escolas,
tal situação passou por interpretações distintas (BALL, 1998, apud MATOS, 2008). Há
explicações que a situam numa perspectiva técnica, relacionada apenas à mudança da
denominação do cargo, sem nenhuma outra fundamentação; outros, a atribuem a
determinados interesses políticos e financeiros; há argumentos que evocam o próprio
desempenho dos especialistas e sua formação como explicação e, mesmo no âmbito das
escolas há divergências quanto a esse entendimento.
Uma das Orientadoras entrevistadas enfatizou que só exerce a função de Coordenadora
Pedagógica, ressaltando ainda: “[...] de repente se eu chegar e falar que vou cuidar só da
Orientação Educacional e não vou cuidar da supervisão, então atividades como
planejamento... a área da coordenação fica toda desfalcada; temos que assumir o que
60
tem que trabalhar né?”. Questionada sobre possíveis projetos envolvendo o aluno e a
comunidade, a orientadora H. disse que não é possível desenvolver nenhuma atividade
neste sentido por falta de tempo. Disse ainda a “[...] Orientação Educacional eu não faço
aqui não, porque não tenho tempo de sair da sala para fazer um trabalho direto com os
alunos...”.
Em uma das escolas visitadas a orientadora tornou-se coordenadora pedagógica e não
encontra espaço, nem tempo para a orientação educacional, em razão da sobrecarga de
trabalho a que está submetida. Em outra escola, no entanto, a Orientadora Educacional,
apesar também do acúmulo de atividades, desempenha um papel que conta com o
reconhecimento de todos.
5.3. A atuação do Orientador Educacional em âmbito escolar
Nas entrevistas realizadas com as orientadoras, também foram discutidas as funções do
orientador escolar. A orientadora R. atribui significativa importância à articulação
escola e comunidade; para ela, as funções do Orientador Educacional devem procurar
construir essa relação de forma participativa, oferecendo oportunidades para que toda a
comunidade se sinta acolhida e motivada no espaço escolar com objetivos concretos
para desenvolvimento daquele ambiente, diferente, portanto de uma relação em que a
escola chama a comunidade para participar de algo já pronto, previamente definido, em
função dos interesses só dela, por exemplo.
De acordo com a visão de R. o orientador deve buscar a estreitar a relação com a
comunidade: “[...] eu não perco de vista essa relação porque não tem jeito né?”
Continua a entrevistada: “[...] qual a relação que a gente tem que fazer? “[...] é só
chamar o pai pra gente ficar ensinando a ele a educar o filho? Não”. Enfatiza ainda que
em sua trajetória sempre entendeu “[...] que a relação com a comunidade tem que ser
uma relação participativa”; e acentuou: “[...] a comunidade tem que vir aqui construir
essa escola junto com a gente”. Neste sentido ressaltou que ela mesma não tem uma
proposta pronta para isso, mas que essa construção é coletiva; deve estar a cargo de
todos os profissionais da escola, dos alunos e dos pais.
61
Na sua fala, a orientadora demonstrou uma perspectiva, que norteia seu papel e seu
trabalho na escola, que se aproxima, de certa forma, da análise de Garcia (1982),
segundo a qual o profissional que antes realizava um trabalho apenas para a classe
dominante percebeu que, somente com a ajuda de todos aqueles que fazem parte da
comunidade escolar, é que seu trabalho atenderia àquilo que era esperado. Isso
evidencia, neste caso, que a orientação educacional ampliou seu horizonte, passando a
ter um alcance coletivo, com possibilidade de contribuir para a transformação da
realidade (COELHO, 1982; GARCIA, 1982).
Interessante também enfatizar a estratégia utilizada pela Orientadora R para trazer a
comunidade para a escola; foi planejado o desenvolvimento da atividade de forma
gradativa, tanto no que se refere ao envolvimento do pessoal da escola como dos pais,
usando dinâmicas interessantes como a contação de histórias e a roda de conversa. Foi
proposta a constituição de pequenos encontros com os pais para abordar questões
relacionadas à relação com os filhos e à disciplina de uma forma que assegurasse a
participação dos pais - neste momento ela mostra a falta da infraestrutura necessária
para o desenvolvimento de suas atividades, pois a escola não dispõe de um espaço
adequado para a realização de reuniões, encontros e atividades junto à comunidade
escolar8.
Para o ingresso da família dos alunos na atividade, de início seriam envolvidas as
turmas que apresentavam maiores dificuldades em relação à disciplina, sem, no entanto
deixar de envolver outros atores que não apresentavam o mesmo problema. Para ela
todos são importantes e necessários no processo de ensino, e todas as famílias devem
ser valorizadas.
Na entrevista, a orientadora R. esclarece sua estratégia:
8 Outra questão discutida durante a entrevista foi a repercussão das faltas de professores na escola, por
motivo de licença, e como esse fato altera a rotina das pedagogas, que devem procurar cobrir essas faltas
com professores eventuais. Quando essa rotina não é alterada a coordenadora pedagógica ocupa-se das
questões que envolvem o aluno como as provas avaliativas federais e estaduais, por exemplo. Para isso
elas contam com uma professora que foi afastada por laudo médico da sala de aula, que as auxilia quando
necessário. Essa situação mais uma vez confirma as condições precárias em que se encontra a orientação
educacional e o trabalho do pedagogo na rede municipal de ensino.
62
“Eu tenho uma proposta pra essa escola que eu passei segunda-feira pro
grupo; é de fazer pequenos encontros, vamos trabalhar com os pais é a
relação com os filhos, a vivência familiar, a disponibilidade de tempo nas
relações, disciplina e limite, princípios e valores, mas de uma forma com que
o pai participe, não que ele veja esse material pronto e que ele leia e está tudo
pronto e acabado. Vamos convidar as salas que estão com maior problema na
indisciplina. Então pro primeiro encontro nos vamos chamar 75 pais. E esse
encontro vai ser como? Vai ser mais dinâmico. Sabe? Dinâmica, contação de
história, roda de conversa, pro pai colaborar. Então vai ser aquela aula legal
porque nós não vamos ensinar ninguém nada. Nós vamos estar aprendendo
juntos. Mas vai ser aquele momento de troca E aí não é interessante chamar
só pai de menino que está indisciplinado, porque ele precisa trocar com
alguém. Nós vamos fazer a reunião pra trocar com os pais dos meninos que
estão aí, porque esse pai precisa também de ser valorizado, porque a gente
fica tão preocupado com os meninos que estão com problema de disciplina,
dificuldade de aprendizagem que, os que tão aí indo, e que fazem tudo... eu
fico incomodada, porque a gente não chama esse pai pra dizer pra ele assim:
seu filho esta de parabéns né? Ele está aqui fazendo tudo, respeita, sabe o
limite né? Então meu papel é essa relação.”
Durante a entrevista foi possível perceber que no desenvolvimento de seus projetos na
área de orientação, R. busca sempre a integração com a parte pedagógica desenvolvida
pela orientadora pedagógica que, por sua vez, oferece assistência aos professores. Neste
contexto, a orientadora R. nos mostra que essa relação se dá durante todo o tempo.
Apesar da falta de infraestrutura adequada para realização dos trabalhos e de condições
de trabalho para a atuação conjunta, pois a escola conta apenas com uma orientadora e
uma coordenadora para seus quinhentos alunos, elas conseguem definir as áreas em que
cada uma deverá dar mais ênfase. A orientadora R. assume as questões que envolvem o
aluno e a relação entre ele, a escola e sua família. Fica a cargo da coordenadora
pedagógica auxiliar o professor.
Para conseguir essa integração dos assuntos escolares, proposta pela orientadora R., ela
realiza a chamada seção coletiva. Nesta seção R. entrega para cada aluno uma ficha para
ser preenchida com a ajuda dos pais constando dados: pessoais, questões
socioeconômicas, a visão dos pais sobre as necessidades especiais de seus filhos entre
outros temas. Após a leitura dessas fichas a entrevistada aborda com cada professor o
perfil de sua turma e a partir das informações o professor pode esclarecer suas dúvidas.
Para o período 2010/2011 foi definido o tema cidadania a ser trabalhado, envolvendo a
escola como um todo, sob a coordenação da orientadora R. Para iniciar o projeto foi
decidido o tema cooperação; cooperação no sentido de partilha esclareceu a
entrevistada. O projeto busca valorizar todas as pessoas; dinâmicas neste sentido são
63
desenvolvidas para que todos se sintam participantes e integrados ao trabalho. A
orientadora disse também que busca articular o desenvolvimento da atividade aos
interesses dos alunos, daí a utilização de dinâmicas interessantes e a determinados
conteúdos, literatura, por exemplo; ao momento e a questões que estejam presentes em
circulação no contexto. Na situação em foco era época da Páscoa, daí a idéia de partilha
atribuída à cooperação. Aproveitando a campanha do momento, em relação a Belo
Horizonte, trabalhou também com a seguinte proposição: “Eu Amo a Escola X
Radicalmente e Provo”.
A integração das questões pedagógicas com os professores está sendo realizada a partir
do projeto cidadania. Foi previsto o início do projeto com o convite aos pais para
comparecerem à escola com o objetivo de discutir questões como princípios e valores.
Com a conscientização dos pais o aluno é inserido em um ambiente que favorece o
trabalho sobre cidadania, tanto na escola quanto em sua casa. Após esse momento R.
começaria a trabalhar com os professores dentro de cada disciplina. Uma das atividades
previstas é o recreio colorido, que, segundo a fala da entrevistada vai trabalhar a questão
da cooperação, dentro do tema mais amplo que é cidadania; nas palavras da orientadora
R. seria:
“Eu comecei na sala, mas na escola como um todo, nós vamos fazer na
semana que vem uma dinâmica que se chama recreio colorido. No início da
aula, eu vou dar umas fichinhas para as professoras de 5 cores. Essas 5 cores
elas vão distribuir pros meninos da sala dela. Então, no recreio colorido, os
meninos vão conversar o que eles acham que é cooperar. Então os meninos
azuis da sua sala vai conversar com os azuis da outra sala. O verde com a
outra e esse recreio, estou colocando de recreio colorido”.
Durante essas atividades, que são realizadas com os alunos, os professores passam por
períodos de formação com duração de duas horas com a coordenadora pedagógica e
com um grupo de professores da UFMG que tratam sobre analfabetismo funcional. A
escola também contrata oficineiros9 com a verba da Prefeitura para desenvolver
dinâmicas com os alunos sobre o tema cidadania. Após esse momento de formação o
grupo de professores encontra com a entrevistada R., que desenvolve atividades como
redigir textos sobre o tema: “Por que não temos uma aula do jeito que a gente deseja?”
Então a orientadora distribuiu materiais para confecção da metade de um barco. Essa
9 Profissionais contratados pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte para desenvolver atividades com
os alunos de acordo com sua qualificação.
64
atividade foi feita com os dois grupos de professores e no final eles uniram partes do
barco e discutiram o tema: Estamos todos no mesmo barco. Cooperar é preciso. Neste
momento ela cita como exemplo o aluno cadeirante da escola. Ela coloca que o auxilio a
este aluno deve ser feito por toda a escola e não somente pela professora de sua turma.
Durante toda a entrevista a orientadora educacional, R. enfatizou os projetos que
desenvolve na escola, com o objetivo de motivar e incluir toda a comunidade na escola
em que trabalha. Outra dessas atividades foi o Chá dos Avós10
, realizado na escola com
o objetivo de favorecer a interação entre os avós dos alunos: O Chá dos Avós nas
palavras de R.:
“Outro evento que fizemos ano passado foi observar: quem é que esta
cuidando das crianças hoje? Na maioria das vezes são os avós porque os pais
estão trabalhando, pai às vezes tá sumido, porque foi falado na reunião de
pais na escola, pai, homem né? Vem pouco. Então nós fizemos um encontro
que a gente chamou assim: o chá dos avós, para resgatar o quê? A
importância do avô né? Na construção desse conhecimento junto com o
menino, aquele avô que conta história. Então foi uma manhã de cantiga de
roda, de resgate das poesias, que o avô foi no microfone, que contou história,
que cantou. Então, que a gente percebe? A relação esta estreitando, a relação
dessa escola.”
Frente a todos esses projetos e atividades desenvolvidas pela Orientadora Educacional
R. questionamos a ela sobre sua percepção em relação à falta de concurso público para
essa área e a conseqüente escassez deste profissional na rede de ensino de Belo
Horizonte e com sua resposta foi evidenciada a desarticulação da categoria e de certa
forma seu enfraquecimento e poder de negociação junto à rede.
A orientadora R. acha que o profissional (pedagogo) também foi um pouco responsável,
por não ter demonstrado clareza quanto à sua função:
“O que eu não aguento é o profissional pedagogo, procurando o papel dele a
vida inteira. Eu sei que na época, alguém tinha que estar trabalhando muito
mal. Porque eu não estou justificando de não ter, não, porque eu falo que
existem professores e professores, diretores e diretores, funcionários e
funcionários, assim como existiu também, orientadores e orientadores. Só
que o grupo como é menor, o professor, a Secretaria não consegue quebrar,
porque não são muitos? Como o orientador era um grupo menor, inspeção era
um grupo menor, eles conseguiram quebrar. Foi na época em que a secretaria
de educação era a...11
, que é uma contra esse profissional. Agora, porque que
10
A orientadora enfatizou a dificuldade de conseguir a presença de pais ou responsáveis do sexo
masculino na escola. 11
A orientadora mencionou o nome da Secretaria da Educação da época, referente ao período 1989/1992.
65
não é contra o professor também, que não é bom? O diretor que não é bom?
Porque a gente sabe que tem diretor que não dá conta, porque não cortam
esses cargos? Por quê? Porque o professor é forte. E esse grupo do pedagogo
é um grupo fraco. Então, às vezes, eles ficaram procurando papel tanto tempo
que alguém achou de falar que não existe esse papel e não deu tanta
importância. Eu luto em todos os movimentos dizendo da importância. Estou
saindo daqui um tempo aí essa escola não vai ter, como não teve até agora e
eu cheguei porque até teve supervisora aqui, mas já ou aposentaram ou foram
para a secretaria. Estou no lugar de uma que é supervisora e ela hoje trabalha
numa outra regional lá, nordeste, norte. Mas esse cargo aqui é dela mas não
sei nem se ela volta pra esse lugar.”
Corroborando a fala da orientadora R., a pedagoga da SMED, C. também aborda um
pouco dessa questão do Orientador Educacional buscar o seu lugar. Em sua fala, a
pedagoga da SMED C. deixa claro que tiveram profissionais que “deixaram seu espaço
se perder”:
(...) que deixaram seu espaço ser esvaziado por não fazer devidamente suas
funções, as suas devidas atribuições com o conhecimento necessário para
intervir. Muitas vezes querendo intervir do ponto de vista do conhecimento,
do saber conteúdo, conteudista, sem de repente pontuar naquilo que ele
estaria ali para pontuar (...)
Em relação à importância desse profissional na Educação, a pedagoga do SMED C. e a
profissional do Sindicato E. também fazem algumas considerações sobre o Curso de
Pedagogia e sobre o despertar das instituições que oferecem cursos superiores em
relação a esse assunto. Segundo a entrevistada do Sind- Rede E: “acho que você amplia
muito, sabe, o curso em si, eu acho que é muito bom; eu não sei se continua bom como
na época que eu fiz12
. Na sua percepção, “[...] hoje, nas escolas, a gente tem uma
carência muito grande da discussão político-pedagógica. Hoje as pessoas que entram,
elas não têm uma discussão e o Curso de Pedagogia, na época, ele era muito voltado pra
isso”.
A pedagoga da SMED, C. aponta como positivo o despertar das instituições para os
problemas vivenciados pelos pedagogos, que envolvem o Curso de Pedagogia:
“Olha, eu percebo e fico muito feliz que as instituições de ensino superior
estão despertando né, para esse despertar dos formandos em função desse
problema que nós estamos vivendo político e normativo em relação ao curso
de pedagogia. A meu ver, essa situação começou a se acirrar cada vez mais
com a chegada da própria LDBN 9394/96. Por quê? Porque quando já
previram na lei a possibilidade da criação dos institutos superiores de
12
A Pedagoga fez seu curso na FaE/CBH-UEMG.
66
educação, com a criação do curso Normal Superior de educação, retirando do
curso de Pedagogia aquilo que ele já vinha fazendo há anos – que era aquela
formação também docente do Pedagogo – e direcionando totalmente para o
curso Normal Superior; já foi ali uma perda – eu acho – uma forma de
desmantelar um pouco o Curso de Pedagogia”.
Ainda segundo a pedagoga do sind-Rede E.:
eu não me arrependo de estar na Educação; não me arrependo e acho que tem
jeito. Acho que tem jeito e acho que a gente tem que ter vontade. Eu espero
que vocês se tornem bons profissionais e cheguem nas escolas e não deixem,
não aceitem as coisas como elas estão. E façam realmente aquela frase que
ficou tão batida, que ficou banal, tão batida em que as pessoas em tudo
quanto é trabalho colocam aquela frase assim : ‘o meu objetivo é que eu
consiga formar os meus alunos pra que tenham, pra que sejam um cidadão
crítico, transformador da sua realidade...’ ; isso é lindo e é no que a gente
deveria estar pensando todos os dias.
A formação que se dava no Curso de Pedagogia também pode ter contribuído para que
conflitos e até mesmo um pouco da perda da especificidade da função do Orientador
Educacional ocorresse. Relembrando Silva (1982), o Curso de Pedagogia formava
profissionais pouco interessados pelo aspecto pedagógico, atentando somente para o
aspecto técnico da profissão. O trabalho que era para ser realizado com os alunos, que
precisavam de sua atenção, se perdia e o profissional não conseguia resolver os
problemas pertinentes à sua função (RASIA, 1981; SILVA, 1982).
A partir de tudo o que foi exposto, percebemos que as perdas que cercam a atuação do
Orientador Educacional na Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte não ocorreram
de forma isolada. Vários fatores, situações – de acordo com as falas abordadas –
colaboraram para que a situação chegasse ao estágio em que se encontra hoje.
Percebemos sua importância e a carência de sua função dentro das escolas como ficou
explicitado a partir das atividades desenvolvidas pela Orientadora Educacional R e
como a pedagoga do Sind-Rede E. finaliza sua fala.
67
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A situação atual da Orientação Educacional na Rede Municipal de Belo Horizonte é
reveladora dos questionamentos e grandes mudanças pelas quais passou a educação, a
formação e a atuação do Pedagogo nos últimos anos, em especial a partir da década de
1980. Esta década se caracterizou por uma grande crítica que alcançou a escola de modo
amplo, desde sua função social e política na sociedade aos seus processos organizativos,
currículos e programas, métodos e materiais didáticos, às relações entre os seus profissionais e
sua repercussão na organização do trabalho pedagógico. Intensa crítica foi dirigida à atuação e à
formação do especialista de educação com fundamento na conseqüente fragmentação gerada no
processo pedagógico, como decorrência da divisão de tarefas na escola.
Esse discurso fundamentado em estudos e pesquisas acadêmicas e na literatura à época
em circulação se disseminou em diferentes instâncias do meio educacional e gerou
diferentes formas de apropriação e posicionamentos, inclusive no âmbito dos sistemas
de ensino. Na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte gerou grande questionamento
redundando na redefinição da gestão do trabalho pedagógico, a partir do entendimento
que passou a ser atribuído à educação e à escola, com a ênfase na democratização das
relações em seu interior, na valorização do trabalho coletivo e na eleição direta para
cargos como a direção de escola e a coordenação pedagógica.
Nesse processo o papel do pedagogo foi redefinido e os cargos até então nominados
segundo a especialização cursada, tiveram sua denominação modificada. Segundo
informações constantes das entrevistas realizadas não houve a extinção do cargo de
Orientador Educacional; houve a mudança da sua denominação, que passou a incluir
todas as funções próprias do pedagogo. Todavia há ainda alguns Orientadores
Educacionais, remanescentes do último concurso para a categoria, realizado na segunda
metade da década de 1980.
Na opinião dos/as entrevistados/as, o pedagogo é um profissional cuja atuação é de
reconhecida importância nas escolas, pois domina conhecimentos pedagógicos
específicos de sua formação, podendo atuar dentro de uma variedade de atividades
voltadas para o educativo. Neste sentido pode-se perceber que a atuação do/a
68
pedagogo/a está relacionada à formação que obteve, mas também à forma como percebe
seu trabalho, no contexto de mudanças que marcou a política educacional e de formação
desse profissional, bem como sua atuação, no país e no município. Dentro das mesmas
condições de trabalho e tendo passado pelos mesmos processos de mudanças na política
educacional e na gestão do trabalho pedagógico, foi possível constatar que a
apropriação dessas mudanças se deu de forma diferente não só em instâncias distintas,
mas também ao nível das próprias escolas e Orientadores Educacionais envolvidos.
Neste aspecto cabe mencionar que o Curso de Pedagogia envolve uma discussão quanto
à sua especificidade que o acompanha desde sua criação. A regulamentação do Curso
passou por muitas alterações em diferentes épocas, de acordo com as mudanças
ocorridas na política educacional e de formação do educador no país. Estas, por sua vez,
sempre tiveram estreita relação com as mudanças operadas no mundo do trabalho e
sempre foi motivo de muitas controvérsias.
Foi possível constatar também que a discussão que envolve a formação do Pedagogo, na
atualidade, precisa ser entendida no interior da política educacional e de formação do
profissional da educação, definidas no conjunto de reformas da década de 1990 no país.
Estas, por sua vez, fazem parte de um modelo mais amplo proposto por organismos
internacionais para toda a América Latina desde o final da década de 1970, que tem
relação com as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, como procuramos
demonstrar ao analisar as mudanças introduzidas na política educacional e de formação
docente, em especial na década de 1990.
Essa análise permitiu ver que grandes mudanças vêm ocorrendo no processo de trabalho
como decorrência, sobretudo, da crise do fordismo; a reestruturação produtiva se
intensificou em relação às inovações tecnológicas, organizacionais e gerenciais. Com
essas mudanças vêm a precarização das condições de trabalho, a redução de empregos
formais com proteção social e o aumento da sub-contratação, da sub-utilização da força
de trabalho, aliados à elevação do desemprego e desregulamentação dos direitos
trabalhistas e previdenciários; ao lado disso, novas exigências são colocadas para a
educação e a formação do trabalhador.
69
Nesse contexto, se deram as reformas educacionais oficias e a construção das propostas
dos educadores para a formação do Pedagogo. As reformas definiram muitas mudanças
para a educação desde seus objetivos, funções, organização gestão e financiamento.
Com relação às proposições dos educadores, muitas das reivindicações, que
constituíram motivo de muita luta, ao serem incluídas pela legislação foram
modificadas, em função das diretrizes que presidiam as citadas reformas. Todavia, não
se pode deixar de considerar que as propostas dos educadores, em especial as da
ANFOPE exerceram influência no meio educacional, principalmente nos Cursos de
Pedagogia que, como vimos, grande polêmica gerou. Esse embate acompanhou todo o
processo de regulamentação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº
9394/96.
Como tivemos a oportunidade de verificar, toda essa influência alcançou o trabalho das
Orientadoras Educacionais e das Pedagogas de modo geral, tanto no seu
posicionamento em relação à formação oferecida no Curso de Pedagogia, como no que
se refere às condições de trabalho vigentes. Se, de um lado, foi importante detectar que
há um espaço de trabalho para o Orientador Educacional em âmbito escolar, com
atribuições claras e desempenhando atividades relevantes e com significativa
repercussão no seu meio, sua posição não está bem definida na estrutura organizacional,
tampouco na perspectiva do sistema municipal de ensino, há clareza quanto às suas
atribuições. Pelo que se pode perceber o próprio profissional deve definir seu projeto de
trabalho.
Apesar dos avanços em relação a gestão do trabalho pedagógico, com a democratização
das relações na escola e a eleição de dirigentes escolares esse mesmo processo
comprometeu a especificidade do trabalho do pedagogo, como foi possível constatar.
Não se pode deixar de admitir, de outra parte, que o volume e a abrangência do trabalho
e, em alguns casos as exigências a que estão submetidas as pedagogas, são reveladoras
da precarização e da intensificação das atividades no espaço escolar, como reflexo tanto
da política educacional como das mudanças ocorridas no processo produtivo.
A orientadora educacional que desenvolve atividades coerentes com o seu cargo é
responsável pela coordenação de pessoas e de diferentes processos, tanto dentro da
escola como em âmbito externo, ao buscar trazer a comunidade para o interior da
70
mesma. A dinâmica de operacionalização envolve instituições e grande número de
pessoas, tanto do ponto de vista da equipe com que atua - professores e demais
profissionais da escola - como no plano dos alunos e da comunidade, ao buscar envolver
os pais na construção e desenvolvimento de projetos e atividades. Além disso, é
responsável por todas as fases do processo.
Apesar da escassez do cargo, ao conhecer o trabalho de uma Orientadora Educacional
na Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, pudemos constatar a sua importância
no funcionamento da escola. Em sua atuação percebemos o quanto essa profissional se
preocupava em orientar todos os contatos que o estudante pudesse ter, tanto dentro
quanto fora do espaço escolar, no sentido de torná-lo ciente de suas necessidades e
conquistas. Isso contribuía também para o professor perceber qual a melhor prática a ser
realizada em cada contexto e a forma de se relacionar com cada turma. A todo o
momento eram desenvolvidos projetos que visavam a integração da família, alunos e
profissionais da escola, em torno de temas de interesse para os alunos e o processo de
ensino, articulados a questões indicadas pelo contexto e o momento, com o objetivo de
criar um ambiente favorável à aprendizagem e à formação do aluno, na escola e na
comunidade.
No caso específico da Orientadora entrevistada percebemos que ela acumulava muitas
funções, o que dificulta a realização de um trabalho de orientação mais amplo.
Entretanto, suas atitudes, práticas, desempenhos promovem um significativo resultado
para o educando, pois elas resultam na imagem que os educandos formam da escola e
do processo educativo de forma geral. A visão que ficou do Orientador Educacional não
é mais a daquele profissional que direciona a sua prática por determinados interesses,
numa perspectiva técnica, atrelada a questões individualizadas de cunho técnico-
instrumental. Atualmente, o Orientador Educacional precisa levar em conta o contexto
socioeconômico, político e cultural, a realidade social da população que por ele é
atendida, articulando suas atividades e projetos às necessidades e questões colocadas
pelas mudanças operadas na sociedade, na educação e na escola.
71
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