organização & recepção de texto ... - sabine mendes moura · [plano14 –organização...
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[Plano14 – Organização & Recepção de Texto]
ORGANIZAÇÃO & RECEPÇÃO DE TEXTO
[ABREU, A. Suárez. Curso de redação. São Paulo: Ática, 1998. 144 p.]
I - A FORÇA ILOCUCIONAL
- subjaz à linguagem humana –
e permite:
•Convencer
•Impressionar
•Solicitar
•Ordenar
•Elogiar
•Amedrontar
•Reprovar
FORMA e FUNÇÃO NA LINGUAGEM
O contrato de cooperação
(Máximas ou postulados de Grice, (Logic and conversation, 1967, apud Slobin, (1988))
MODO..................seja claro;
QUANTIDADE.....seja informativo na medida certa (ou processável no tempo
que passa);
QUALIDADE.......seja sincero (ou rápido e natural);
RELAÇÃO...........seja relevante (ou expressivo).
ATIVIDADES DE COMPREENSÃO NA INTERAÇÃO VERBAL
• Interlocutores em atividades colaborativas;
• Cooperação = acordo (c/s aquiescência);
• Colaboração = parceria (c/ sinergia)
(Morris, 1998)
• Colaboração = cooperação para produzir ações coordenadas
consenso;
• O texto oral ou escrito é sempre um evento discursivo (Beaugrande
(1977), apud Preti (1999);
• Coerência conversacional processos léxico-gramaticais +
colaborativos;
• Atividades essenciais para a produção de sentidos: negociação +
produção conjunta;
• O falante ouvinte: administração do sentido situacional e
temporal do discurso;
• O falante ouvinte: cooperação (cf. Grice) + coordenação >
entendimento;
• A negociação tem limites: mais vale sacrificar um tema do que as
relações pessoais caso se queira continuar interagindo;
II - TEXTUALIDADE e COESÃO
MECANISMOS de COESÃO TEXTUAL
•Textualidade: trama formada pelo encadeamento semântico do
texto.
•Coesão: a conexão entre os elementos de uma frase ou sentença.
Ex.1 - Pegue o casaco. Coloque-o sobre o sofá.
[*Pregue o casaco. Coloque o mesmo sobre o sofá.]b
Obs. Não há propriedade no uso do demonstrativo mesmo em substituição a outro tipo de
pronome ou a um substantivo (ver SACONI, Nossa Gramática – Teoria e Prática.18.ed. São Paulo,
Atual, 1994, p. 175).
Ex.2 – Quero comprar o livro, mas antes preciso saber o seu (ou
ø) preço.
[*Quero comprar o livro, mas antes preciso saber o preço do mesmo.]
Ex.3 – O acidente que ocorreu ontem foi presenciado por inúmeras
pessoas.
[*O acidente ocorreu ontem, e o mesmo foi presenciado por inúmeras pessoas.]
Ex.4 - João-Paulo II esteve, ontem, em Varsóvia. Nessa cidade, disse
que a Igreja continua a favor do celibato.
[*João-Paulo II esteve, ontem, em Varsóvia. Na referida cidade, o mesmo disse que a Igreja
continua a favor do celibato.]
Ex.5 - José levava o patrão todas as manhãs ao aeroporto; (este)
preferiaø viajar de avião (a automóvel).
[*José levava o patrão todas as manhãs ao aeroporto: o mesmo preferia viajar de avião a
automóvel.]
Ex.6 - Confiando na inocência do prisioneiro, ser-lhe-á mais fácil
defendê-lo.
[*Confiando na inocência do prisioneiro, ser-lhe-á mais fácil defender o mesmo.]
Ex.7 - Ao ler o relatório constatei três erros de ortografia cometidos
por minha secretária.
[*Ao ler o relatório constatei três erros de ortografia – os mesmos foram cometidos por minha
secretária.]
Ex.8 – Vou ao escritório do Sr. Savana; falarei ø (com ele) sobre o
processo.
[*Vou ao escritório do Sr. Savana; falarei com o mesmo sobre o processo.]
Ex.9 – Devemos estudar português e (as matérias (a ele)
relacionadas.
[*Devemos estudar português e as matérias relacionadas com o mesmo.]
Mecanismos de coesão
Coesão por referência:
Pronomes pessoais, possessivos, demonstrativos, advérbios de
lugar, artigos definidos.
Ex.10 - João-Paulo II esteve, ontem, em Varsóvia. Lá, ele disse que a
Igreja continua a favor do celibato.
Coesão por elipse:
Ex.11 - João Paulo II esteve, ontem, em Varsóvia. ø, ø Disse que a
Igreja continua a favor do celibato.
Coesão lexical:
Ex.12 - João Paulo II esteve, ontem, em Varsóvia. Na capital
polonesa, o papa disse que a Igreja continua a favor do celibato.
Ex.13 - Acabamos de receber trinta termômetros. Esses
instrumentos* deverão ser encaminhados ao departamento de
pediatria.
*Superordenados, hiperônimos ou “cover words”
Ex.14 - João-Paulo II esteve, ontem, em Varsóvia. Lá, Sua Santidade*
disse que a Igreja continua a favor do celibato.
*Enunciação com marca apreciativa
Ex.15 - João-Paulo II esteve, ontem, em Varsóvia. Lá, o mais recente
aliado do capitalismo ocidental* disse que a Igreja continua a favor
do celibato.
*Enunciação com marca depreciativa
Ex.16 - O presidente Reagan* deverá reunir-se ainda esta semana
com o premier Gorbachev*. Fontes bem informadas acreditam,
entretanto, que não será ainda desta vez que Moscou* cederá às
pressões da Casa Branca*.
*Coesão lexical por metonímia (parte pelo todo/todo pela parte)
Coesão por substituição:
Ex.17 - O presidente pretende anunciar as novas medidas que
mudarão o imposto de renda, mas não deverá fazer isso* nesta
semana.
Ex.18 - Nesta semana, o presidente pretende anunciar as novas
medidas que mudarão a fórmula de calcular o imposto de renda.
Isso* vai atingir diretamente o bolso da classe média.
Ex.19 - Licença-gestante de 120 dias
[Veja, 13/08/88]
Antes mesmo de entrar em vigor, o dispositivo da nova Constitiuição
que aumenta de 84 para 120 dias a licença maternidade1 começou a
produzir seus efeitos – mas contra aquelas que seriam suas
principais beneficiárias, as mulheres que trabalham.
No último dia 1º, apenas quatro dias após a aprovação da medida1
pelo plenário da Constituinte, a Fábrica de Chocolates Garoto2,
instalada em Vila Velha, no Espírito Santo, demitiu 184 funcionários,
sendo 159 mulheres, das quais vinte estavam grávidas. Em Santa
Catarina, o Departamento de Recursos Humanos da Hering dizia que
a novidade1 vai apressar a automatização, embora não saiba ainda
se haverá demissões de mulheres, que formam 70% de toda a mão-
de-obra da empresa.
“As demitidas foram vítimas dos direitos aprovados na Constituinte”1, acusou o presidente do sindicato dos trabalhadores da Fábrica de
Chocolates Garoto2, José Carlos Costa. “Não há nenhuma relação
entre as duas coisas”, defende-se Helmut Meyerfreund3, diretor-
presidente da empresa Garoto2. “Contratamos as mulheres para
embalar artigos sazonais, como ovos de Páscoa e produtos para o
Natal. Quando esses ciclos terminam, sempre ocorrem demissões,
pois a mão-de-obra se torna ociosa”. O sindicato, porém, garante
que a seção de embalagem da empresa2 continua trabalhando a todo
vapor, com sobrecarga de serviço para os empregados que ficaram,
e que as demissões não obedecem a nenhum critério de
sazonalidade.
A embaladora Glória Gomes de Oliveira4, grávida de oito meses, é
um exemplo: ela tinha um ano e sete meses de casa. Glória4 chorou
ao saber que fora demitida. “Perdi o direito à assistência médica e
não tenho dinheiro para pagar o parto. Não sei o que vou fazer”,
lamenta ela4, que é solteira e trabalhava para ajudar no sustento da
mãe. “Eles prometeram me indenizar, mas com quatro anos no
emprego é claro que eu não queria sair”, afirma Mônica Raphasky da
Silva, outra das demitidas, também grávida de oito meses.
Apesar de negar que dispensas sejam conseqüência dos novos
direitos trabalhistas incluídos no projeto de Constituição1
Meyerfreund3 diz não ter dúvidas de que a ampliação da licença-
maternidade acabará criando sérios problemas de emprego para as
mulheres - pois, via de regra, não será do interesse das empresas
contratá-las para funções que possam ser exercidas por homens.
Mecanismos de coesão
Coesão Textual e Concordância Transfrástica:
• Concordância do termo da sentença A e o termo que o retoma na
sentença B:
Ex.20 – Os jogadores chegaram há dois dias.
Deverão treinar ainda amanhã.
[*Os jogadores chegaram há dois dias. Deverá treinar ainda amanhã.]
[*Os jogadores chegaram há dois dias. Ele deverá treinar ainda amanhã.]
[*Os jogadores chegaram há dois dias. Esse atleta deverá treinar ainda amanhã.]
Ex.21 – As reservas de bauxita foram encontradas em levantamento
aéreo; possuem alto teor de pureza, avaliadas em 25 milhões de
toneladas.
[*As reservas de bauxita foram encontradas em levantamento aéreo; possui alto teor de pureza,
avaliada em 25 milhões de toneladas.]
Ex.22 – O povo brasileiro teria melhores condições de vida, teria
uma vida mais digna.
[*O povo brasileiro teria melhores condições de vida, teriam uma vida mais digna.]
Ex.23 – Comprei duas bonecas. A da Suzana fala e ri.
Ex.24 – Comprei dois velocípedes para as crianças. O do Roberto é o
mais bonito.
Ex.25 – Organizar duas viagens – a do chanceler Eduard
Shevardnadze ao Brasil, no começo do ano, e depois a do
presidente Sarney à União Soviética – são as duas primeiras tarefas
que esperam o novo embaixador soviético no Brasil.
Ex.26 – Muita gente pensa que o Brasil ainda é um país
subdesenvolvido, mas ø está completamente enganada.
[*Muita gente pensa que o Brasil ainda é um país subdesenvolvido, mas eles estão completamente
enganados.]
[*Muita gente pensa que o Brasil ainda é um país subdesenvolvido, mas ela está completamente
enganada.]
Ex.27 – Muita gente pensa que o Brasil ainda é um país
subdesenvolvido, mas essa gente está completamente enganada.
Ex.28 – Alguém telefonou à sua procura, mas esse alguém não
deixou nome.
Ex.29 – Alguém telefonou à sua procura, mas essa gente não deixou
nome.
Ex.30 – Os candidatos de São Paulo que não possuem comprovante
de inscrição deverão trazer a cédula de identidade.
[*Os candidatos de São Paulo que não possui comprovante de inscrição deverão trazer a cédula
de identidade.]
[*Os candidatos de São Paulo os quais não possuem comprovante de inscrição deverão trazer a
cédula de identidade.]
Ex.31 – O computador emitirá uma etiqueta de preço que deverá ser
colada no produto.
III – ARTICULAÇÃO SINTÁTICA DO TEXTO
USOS DOS OPERADORES ARGUMENTATIVOS
Oposição
Causa
Condição
Fim
Conclusão
Articulação sintática de oposição
Coordenação adversativa: mas, (porém, todavia, contudo
entretanto, no entanto, senão ...)
MAS - ocupa posição fixa dentro da sentença;
PORÉM (...) - primitivamente advérbios (função ilocucional), ocupam hoje posição livre dentro da
sentença.
Ex.32 – A espada vence, mas não convence.
Ex.33 – O mar é generoso, porém, às vezes, torna-se cruel.
Ex.34 – A polícia conseguiu prender todos os ladrões, mas porém,
as jóias ainda não foram recuperadas.
*mas = oposição; porém = força ilocucional (intenção)
Ex.35 – A polícia conseguiu prender todos os ladrões, mas as jóias,
entretanto, ainda não foram recuperadas.
Ex.36 – A polícia conseguiu prender todos os ladrões, mas as jóias
ainda não foram recuperadas.
Ex.37 – A polícia conseguiu prender todos os ladrões, entretanto as
jóias ainda não foram recuperadas.
Ex.38 – A polícia conseguiu prender todos os ladrões, as jóias,
entretanto, ainda não foram recuperadas.
Ex.39 – A polícia conseguiu prender todos os ladrões, as jóias ainda
não foram, contudo (entretanto), recuperadas.
Ex.40 – A polícia conseguiu prender todos os ladrões, as jóias ainda
não foram recuperadas, no entanto (entretanto).
Subordinação concessiva: embora, muito embora, ainda que,
conquanto, posto que; apesar de, a despeito de, não obstante.
Ex.41 – Embora* a polícia tenha conseguido* prender todos os
ladrões, as jóias ainda não foram recuperadas.
*Conjunções (embora) modo subjuntivo (tenha conseguido).
Ex.42 – Apesar da* polícia ter conseguido prender* todos os ladrões,
as jóias ainda não foram recuperadas.
*Locução prepositiva (apesar de) forma infinitiva (ter conseguido prender).
Obs.: O que determina a escolha da coordenação ou da
subordinação é o fator ilocucional.
Ex.43 – Fizemos o possível para conseguir suas férias; portanto,
você poderá afastar-se a partir do dia 13*.
*Argumentação com conclusão positiva.
Ex.44 – Fizemos o possível para conseguir suas férias, mas por
motivo de força maior não poderá afastar-se agora*.
*Argumentação com conclusão negativo.
Ex.45 – Embora* tenhamos feito o possível para conseguir suas
férias, vão não poderá tê-las agora por motivo de força maior.
*Efeito modalizador: prepara o destinatário para uma conclusão contrária à esperada.
• Articulação sintática de causa
a) porque, pois, como;
b) por isso que, já que, visto que, uma vez que;
c) por motivo de, em virtude de, devido a, em conseqüência de,
por razões de.
Ex.46 – Não fui até Roma porque estava* com pressa de regressar ao
Brasil.
*Com a) e c), o verbo se mantém no seu tempo finito (estava).
Ex.47 – Não fui até Roma em virtude de estar* com pressa de
regressar ao Brasil.
*Com b), o verbo assume a forma infinita (estar).
A oração causal pode preceder a oração:
Ex.48 – Porque estava com pressa de regressar ao Brasil, não fui até
Roma.
Ex.49 – Em virtude de estar com pressa de regressar ao Brasil, não
fui até Roma.
Observação:
a) Como só tem valor causal quando preceder a oração principal:
b) Com pois é exatamente o contrário:
Ex.50 – Como estava com pressa de regressar ao Brasil, não fui até
Roma.
*Não fui até Roma como estava com pressa de regressar ao Brasil.
Ex.51 – Não fui até Roma, pois estava com pressa de regressar ao
Brasil.
*Pois estava com pressa de regressar ao Brasil, não fui até Roma.
• Articulação sintática de condição
se (o principal), caso, contanto que, desde que, a menos que, a
não ser que.
Ex.52 – Se você viajar à noite, poderá descansar mais amanhã.
*O único que leva o verbo ao futuro do subjuntivo: viajar (futuro do subjuntivo) poderá
descansar (futuro do presente);
Ex.53 – Se você viajar à noite, pode descansar mais amanhã.
*O único que leva o verbo ao futuro do subjuntivo: viajar (futuro do subjuntivo) pode descansar
(presente com valor de futuro);
Ex.54 – Caso você viaje hoje à noite, poderá descansar mais
amanhã.
*Os outros articuladores, como caso, levam o verbo para o presente do subjuntivo: viaje (presente
do subjuntivo) poderá descansar (futuro do presente);
Ex.55 – A menos que você preste atenção, vai errar.
*A menos que e a não ser que incorporam a marca de negação de uma oração condicional, isto é,
cancelam o advérbio não: Se não prestar atenção, vai errar.
• Articulação sintática de fim
para (o principal), a fim de, com o propósito de, com a intenção de
com o fito de, com o intuito de, com o objetivo de.
Ex.56 – Os salários precisam subir para que haja uma recuperação
do mercado consumidor.
Ex.57 – Os salários precisam subir para haver uma recuperação do
mercado consumidor.
Obs.: Os outros articuladores aparecem apenas em situação em que,
na oração principal, haja uma construção agentiva:
Ex.58 – Ricardo promoveu Carlos com o objetivo de angariar mais
votos.
[*Os salários precisam subir com o objetivo de haver uma recuperação do mercado consumidor].
•Articulação sintática de conclusão
logo, portanto, então, assim, por isso, por conseguinte, pois
(posposto ao verbo), de modo que, em vista disso.
logo e de modo que só se empregam antes de verbo;
pois só se emprega depois do verbo;
Ex.59 – Sidney vendeu sua moto prateada, logo poderá viajar de
carro.
Ex.60 – Agnaldo comprou um capacete, de modo que usará sua
moto com maior segurança.
[*Agnaldo comprou um capacete, usará, de modo que, sua moto com maior segurança].
Ex.61 – Agnaldo comprou um capacete, usará, pois, sua moto com
maior segurança.
[*Agnaldo comprou um capacete, pois, usará sua moto com maior segurança].
Ex.62 – Agnaldo comprou um capacete, usará, por isso, sua moto
com maior segurança.
Ex.63 – Agnaldo comprou um capacete, por isso, usará sua moto
com maior segurança.
Observação: Empregando os verbos no gerúndio, é possível
estabelecer articulação sintática sem usar articulador(es):
Ex.64 – Estando com pressa de regressar ao Brasil, não fui até
Roma. [causa]
Ex.65 – Viajando hoje, você poderá descansar amanhã. [condição]
Ex.66 – Ricardo promoveu Carlos, objetivando angariar mais votos.
[fim]
IV – COERÊNCIA TEXTUAL.
MACROESTRUTURA DOS TEXTOS ARGUMENTATIVOS E
NARRATIVOS
Coerência textual
• O texto é estático; o discurso, dinâmico.
• O destinatário (ouvinte ou leitor) precisa refazer o percurso
enunciação texto = discurso.
• Nessa refacção acontece o ciclo do discurso e a coerência
definitiva do texto.
Ex.67 – Texto coerente/não-coerente
a) - O cinzeiro está cheio. [p/ a faxineira]
b) - Seu pai está? [adulto]
c) - Está. [criança; desliga]
Macroestrutura do texto argumentativo
- Tema: Futebol
- Problema (em forma interrogativa):
a) o calendário dos campeonatos regionais;
b) a escolha de jogadores para a seleção brasileira;
c) a violência em campo.
- Hipótese: possíveis respostas para a solução de um dado
problema.
- Tese: a melhor hipótese ou a mais plausível.
- Argumentação: defesa de tese, ou seja, atacando as hipóteses
rejeitadas e defendendo a hipótese escolhida.
Macroestrutura do texto narrativo
- Narrativa simples: resumir-se num simples relato em ordem
cronológica: ata, relatório, experiência científica;
- Narrativa dramática, subordinada à macroestrutura de plots ou
motivos:
[Comparato, D. Roteiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1983]
situação
complicação
solução
Ex.68 – Tipos de plots:
1. Plot de Amor – Um casal que se ama é separado por alguma
razão, volta a se encontrar e tudo acaba bem.
2. Plot de Sucesso – Estórias de um homem que ambiciona o
sucesso, com final feliz ou infeliz, de acordo com o gosto do
autor.
3. Plot Ciderela – É a metamorfose de um personagem de acordo
com os padrões sociais vigentes.
4. Plot Triângulo – É o caso típico do triâgulo amoroso.
5. Plot da Volta – Filho pródigo que volta à casa paterna, marido
que volta da guerra.
6. Plot da Vingança – Um crime ou injustiça foi cometido e o herói
faz justiça pelas próprias mãos, ou vai em busca da verdade.
7. Plot da conversão – Converter um bandido em herói, uma
sociedade injusta etc.
8. Plot do Sacrifício – Um herói que se sacrifica por alguém ou por
uma causa.
9. Plot da Família – Mostra a relação entre famílias ou grupos que
de alguma forma estão ligados. É a inter-relação em um mesmo
núcleo dramático.
Esquema seqüencial:
Plot 1: situação 1 complicação 1;
Plot 2: situação 2 complicação 2;
Plot 3: situação 3 complicação 3 solução 2
Macroestrutura do texto descritivo
• Essencial para situa o leitor no espaço e no tempo da narrativa ou
do comentário;
• Toda descrição está necessariamente vinculada a uma
narração ou a uma argumentação
IV - MACROESTRUTURA DO TEXTO E USO DOS TEMPOS VERBAIS
Nos textos narrativos: verbos no passado:
- Perfeito (contei...);
- Imperfeito (contava...);
- Mais que perfeito (contara, tinha contado...);
- Futuro do pretérito (contaria);
• Nos textos argumentativos: verbos no presente:
- Presente do indicativo (canto...)
- Futuro do presente (cantarei... vou cantar);
Ex.69 – Texto narrativo
Na Segunda feira passada a estudante Kátia de Souza Rodrigues de
15 anos, saiu de casa à tarde para tentar conseguir seu primeiro
emprego. No bairro paulista da Lapa, onde ela iria tentar conseguir o
trabalho, seus planos tiveram um violento ponto final. Atropelada
por um Escort, cujo motorista ainda não foi identificado, Kátia
entrou em coma e morreu menos de 24 horas depois. A morte da
menina teria um significado de vida para seis outras pessoas.
Jovem, sadia, sem nunca Ter tido uma doença grave, o corpo de
Kátia serviu como doador de seis órgãos para pacientes de
transplantes, algo inédito no Brasil.
[Veja, 20 (34):87]
Ex.70 – Texto narrativo
O presidente dos Estados Unidos chegou a Los Angeles às 10 horas
da manhã de ontem. Às 11 horas faria um discurso pelo partido
Republicano.
Ex.71 – Texto argumentativo
São três os nutrientes calóricos, isto é, que fornecem energia para o
corpo, ao liberarem calor na combustão, ou queima. Os carboidratos
são os primeiros a serem queimados como fonte de energia pelo
corpo, pois sua combustão é mais fácil. Cada grama de açúcar ou
outro carboidrato tem quadro calorias. A gordura ou líquido, apesar
de produzir mais energia, ou calor na queima, é a Segunda fonte de
energia do corpo humano.
[Veja, 20 (34):77]
Ex.72 – Texto narrativo com Metáfora Temporal (tempos do mundo
comentado no mundo narrado e vice-versa)
No dia 12 de março de 1500, Pedro Álvares Cabral deixou o porto de
Belém, em Lisboa, rumo às Índias. Quando se aproxima das costas
da África, tem medo das calmarias. Desvia, então, sua frota de treze
navios para longe da África. No dia 22 de abril do mesmo ano,
descobre/descobrirá uma nova terra, que é/será chamada, mais
tarde , de Brasil.
Ex.73 – Texto argumentativo com Metáfora temporal, empregando
tempos do passado: a modalização.
O governo teria por obrigação tomar providências imediatas para
diminuir os gastos públicos. Todos nós ficaríamos satisfeitos se a
diminuição desses gastos fizesse diminuir também a inflação.
Ex.74 – Texto sem/com modalização
a) sem modalização:
Tendo em vista as perspectivas que a diplomacia abre a quem queira
abraçá-la, os percalços traduzem a queda vertical em que o
Brasil mergulha sem que se saiba onde e quando vai parar, para
reiniciar a ascensão que haverá de expressar uma recuperação
indispensável.
b) com modalização:
Tendo em vista as perspectivas que a diplomacia abre a quem queira
abraçá-la, os percalços traduzem, provavelmente, a queda vertical
em que o Brasil parece mergulhar, sem que se saiba onde e quando
vai parar para reiniciar a ascensão que haveria de expressar uma
recuperação indispensável.
Obs.: a modalização, usada com critério, é recurso útil para textos de ajuste: cartas, ofícios etc.
IV - POLIFONIA & INTERTEXTUALIDADE
• Polifonia: outras vozes dentro da voz do escritor inseridas por
intermédio do processo de citação direta e indireta.
Ex.75 – (Em reportagens de jornais e revistas):
Em 1982, quando a montadora [Volkswagen] suspendeu a produção da
Brasília, um engenheiro de lá não se conteve: “Mataram o carro
errado” [o “certo”, no caso, seria o Fusca, só extinto em 1986]. Tinha lá suas razões:
a Brasília oferecia, na ocasião, a mesma consagrada mecânica do
Fusca, num carro muito mais espaçoso e três décadas mais
moderno.
[Quatro Rodas, 28 (4):35]
Ex.76 – (Em redação de textos científicos – MODELO 1):
Lakoff (1971) afirma que não se pode admitir que seja possível falar
de boa ou má formação de uma frase de modo isolado, sem levar em
conta todas as pressuposições sobre a natureza do mundo.
[Koch, 1984, p. 55]
Ex.77 – (Em redação de textos científicos – MODELO 2):
Lakoff1 afirma que não se pode admitir que seja possível falar de boa
ou má formação de uma frase de modo isolado, sem levar em conta
todas as pressuposições sobre a natureza do mundo.
Ex.78 – (Em redação de textos científicos – MODELO 3):
Lakof2 afirma que não se pode admitir que seja possível falar de boa
ou má formação de uma frase de modo isolado, sem levar em conta
todas as pressuposições sobre a natureza do mundo.
_________
1apud Koch (1984, p. 55).
2apud Koch, I. V. Argumentação e linguagem. São Paulo:, Cortez, 1984, p. 55.
Verbos dicendi, que introduzem a voz de outra pessoa dentro do
texto:
- advertir, afirmar, aludir, apontar, arrematar, assegurar, asseverar,
atestar, ...
- cientificar, concluir, confidenciar, confirmar, continuar, ...
- declarar, deduzir, delinear, demonstrar, denotar, designar,
determinar, dizer, ...
- entender, enunciar, esboçar, estabelecer, estudar, examinar,
expedir, explicar, expor, exprimir, ...
- falar, formular, ...
- indicar, inferir, interpretar, insistir, ...
- julgar, ...
- manifestar, mencionar, mostrar, ...
- notar, ...
- observar, ...
- ponderar, prosseguir, ...
- reportar, revelar, ...
- sintetizar, sustentar, ...
Observação:
a) Há implicações semânticas no uso de cada um dos verbos acima; é
preciso empregá-los com cautela para não manipular a voz do autor da
sentença ou da idéia.
Ex.79 – O presidente disse que a inflação vai diminuir.
Ex.80 – O presidente advertiu que a inflação vai diminuir.
Ex.81 – O presidente ponderou que a inflação vai diminuir.
Ex.82 – O presidente confidenciou que a inflação vai diminuir.
• O leitor colocado como voz no texto:
Ex.83 – (de forma explícita):
Imagine o leitor que ...
Ex.84 – (juntamente com o autor do texto):
Imaginemos que temos à frente ...
Ex.85 – Impessoalização do texto
O autor como parte de um conjunto abstrato de pessoas;
Fórmula recomendável para textos
a) científicos:
É preciso conseguir, antes de tudo, que ...
Procura-se neste artigo indicar alguns ...
Verifica-se nas afirmações que ...
Foi observado que ...
b) instrucionais:
Pintar a casa por dentro e por fora; rever o encanamento; trocar
os azulejos avariados.
• Intertextualidade: Fragmento (excerto) explícito ou implícito de um
texto de outra voz inserido no texto do autor, cujo entendimento
depende do leitor ter, em seu repertório, conhecimento
prévio pleno ou parcial.
• No texto científico, é imprescindível que o artifício
da “intertextualidade” seja sempre acompanhado da menção
explícita ao autor [respeito à paternidade, ao direito autoral]; é o uso do
argumento da autoridade que sustenta a hipótese que estamos
defendendo.
• Aparece também no texto narrativo jornalístico e na ata (documento
polifônico por natureza).
Ex.86 – [intertextualidade implícita]
Na questão da inflação e das taxas de juro, pouca gente pode dizer
que se encontra em berço esplêndido, neste país.
Ex.87 – [requer repertório específico]
Estava eu, em minha fazenda, posto em sossego, examinando uma
vaca (...)
[Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito
Naquele engano da alma ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos de Mondengo
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas]
__________
Camões, Os Lusíadas, canto III, estrofe 120.
Ex.88 – O caminho da personalização
[Shirato, Sérgio José. Homem 70. São Paulo: Loyola, 1974]
O homem é um ser cuja vocação fundamental é ser pessoa: buscar
sua unidade, sua liberdade, sua felicidade. Essa vocação é
conquistada à custa de sofrimentos e de riscos, porque “quando a
gente anda sempre para frente não pode mesmo ir longe”1.
O homem é um ser que se personaliza através de uma constante
evolução, de um contínuo caminhar, de uma contínua subida. O
homem que aceita evoluir aceita correr uma série de riscos,
exatamente porque o mundo dos outros nem sempre é paz, amor,
receptividade. Quando tudo parece estar em ordem, pronto!
Reaparecem problemas e, conseqüentemente, o desânimo2. O outro
é alguém que encontro num processo igualmente difícil como o
meu. As dificuldades com as quais me deparo em minha conversão
para ser pessoa são as mesmas dificuldades que o outro encontra._______________
1Saint-Exupéry, E. O pequeno príncipe. Trad. de D. Marcos Babosa. 12. ed. Rio: Agir, 1976, p. 18.
2”A comunicação é mais rara do que a felicidade, mais frágil do que a beleza. Um nada a pode
suspender ou quebrar entre duas pessoas (...): Mourier, E. O personalismo. 2.ed. São Paulo: Duas
Cidades, 1964, p. 70.
Não estou diante de pessoas prontas; ao contrário, minha atitude é
de fundamental importância para a personalização do outro. É na
troca de experiências que mantemos, que encontramos a bagagem
necessária para o longo caminho da personalização.
Neste caminho, corremos riscos inúmeros. Mas correr riscos é
condição necessária para quem quer crescer. Quem não sabe “ex-
por-se”, não chegará a ser pessoa, não evoluirá. Jamais atingirá a
perfeição.
Essa evolução significa exatamente a passagem do egocentrismo
para o amor. Eu vivia só até que resolvi sair de mim mesmo para
descobrir o meu “outro-eu”. Percebi a dificuldade de sair do meu
planeta, porque ele era pequeno demais. Não havia aí lugar para
duas pessoas. Mas percebi também que podia desembaraçar o meu
pequeno mundo – jogar fora muita coisa velha que guardava durante
o tempo de minha solidão. Constatei, então, que o meu planeta não
era tão pequeno assim. Desatravancado, eu estava mais apto para
amar de verdade.
Compreendi que enquanto não me conhecesse um pouco mais não
poderia reconhecer como verdadeiro o mundo do outro, do tu. Senti
necessidade de crescer em minha autoconfiança de ter certeza do
que eu queria, de tomar consciência de que o movimento de
personalização só tem pleno sentido quando atinge a pessoa do
outro e sobretudo quando eu me torno capaz de ser fiel a uma rosa.
Descobri que “o essencial é invisível aos olhos. Só se vê bem com o
coração”3. As experiências enganam. É preciso chegar ao íntimo de
mim mesmo para poder chegar ao íntimo da pessoa amada. E
quanto mais eu chego ao íntimo dessa pessoa que eu quero atingir,
tanto mais eu descubro as riquezas do meu próprio ser.
_____________
3Saint-Exupéry. Op. Cit. , p. 74.
V – PARÁGRAFO, TÓPICO DE PARÁGRAFO E DESENVOLVIMENTO
• Parágrafo: estrutura superior à frase, que desenvolve, eficazmente,
uma única idéia núcleo;
• Início de parágrafo:
Ex.89 – Declaração inicial (geralmente ocorre no mundo comentado).
O hábito de correr, benéfico para o coração, os pulmões e a
manutenção da forma física, também origina sérios problemas,
principalmente ortopédicos.
Ex.90 – Alusão histórica (geralmente ocorre no mundo narrado)
Em algum dia perdido na noite dos tempos, há cerca de seis mil
anos, o homem lançou seu primeiro barco na água e, flutuando,
movimentou-se pela primeira vez fora de terra firme.
Ex.91 – Interrogação (pergunta resposta)
De que maneira uma nação pode conciliar seu desenvolvimento com
uma pesada dívida externa?
Ex.92 – Omissão de dados identificadores (visa criar certo suspense no leitor)
De uns tempos para cá, tem surgido um elemento novo no cenário
político nacional. Extremamente movediço, ele sempre aparece onde
não se espera. Se os espreitamos, ele se esconde, em hibernação
cautelosa.
• Desenvolvimento do parágrafo:
Tópico inicial: A vida agitada das grandes cidades aumenta os
índices de doenças do coração ...
Ex.93 – Desenvolvimento por detalhes:
A vida agitada das grandes cidades aumenta os índices de doenças
do coração. O tráfego intenso, o ruído do tráfego, as preocupações
geradas pela pressa, o almoço corrido, o horário de entrar no
trabalho, tudo isso abala as pessoas, produzindo o estresse que
ataca o coração.
Ex.94 – Desenvolvimento por definição:
A vida agitada das grandes cidades aumenta os índices de doenças
do coração. Vida agitada é aquela em que o indivíduo não tem tempo
para cuidar de si próprio, mercê dos compromissos assumidos e do
tempo exíguo para cumpri-los. Entre as doenças do coração, a mais
comum é a que ataca as artérias coronárias, assim chamadas
porque envolvem o coração, como uma coroa, para irrigá-lo em toda
a sua topologia.
Ex.95 – Desenvolvimento por exemplo específico:
A vida agitada das grandes cidades aumenta os índices de doenças
do coração. Imaginemos um chefe de família que deixa sua casa, às
6h30 da manhã. Logo de início, tem de enfrentar a fila da condução.
A angústia da demora: será que vem ou não vem o ônibus?
Finalmente, vem. Superlotado. Sobe ele, aos trancos, e logo enfrenta
a roleta. - Troco? – Não tem troco pra cem. – Espera um pouco pra
passar na roleta. – Agora tem, pode passar. Finalmente o ponto de
descida. O relógio de ponto. Em cima da hora. Nesse momento, o
relógio do coração do nosso amigo já passou do ponto. Está
acelerado. Suas coronárias sofrem sob o impacto do estresse e
entram em débito de fluxo sangüíneo.
Ex.96 – Desenvolvimento por fundamentação da proposição:
A vida agitada das grandes cidades aumenta os índices de doenças
do coração. Somente na última década, segundo informações da
Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, o paulistano se
enfartou vinte vezes mais do que no decênio anterior. O estresse
causado pela vida intensa acelera os batimentos cardíacos, por
intermédio da injeção exagerada de adrenalina e apressa o
surgimento dos problemas do coração.
Ex.97 – Desenvolvimento por comparação:
A vida agitada das grandes cidades aumenta os índices de doenças
do coração. Imagine o leitor, por exemplo, um automóvel dirigido
suavemente, com trocas de marcha em tempo exato, sem freadas
bruscas ou curvas violentas. A vida útil desse veículo tende a
prolongar-se bastante. Imagine agora o contrário: um automóvel
cujo proprietário se compraz em arrancadas de “cantar pneus”,
curvas no limite de aderência, marchas esticadas e freadas
violentas. A vida útil deste último tende a decair miseravelmente. O
mesmo podemos fazer com nosso coração. Podemos tratá-lo
agressivamente, exigindo-o fora de seu ritmo e de seu tempo de
recuperação.
V – PARÁGRAFO, TÓPICO DE PARÁGRAFO E DESENVOLVIMENTO
• Composição do Texto:
Argumentativo ou narrativo?
A questão da relevância ilocucional!
• Texto argumentativo:
- dissertações escolares,
- monografias científicas,
- cartas,
- ofícios,
- relatórios,
- petições jurídicas,
- editoriais de jornal.
Obs.: geralmente compõe-se com o narrativo e o descritivo.
• Por que se misturam?
- intencionalidade;
- “refacção” do percurso enunciação-texto;
- decodificação da intenção de quem o produziu;
- entendimento do que é realmente argumentar ou narrar.
Ex.98 – A era da incerteza
[Galbraith, J. K. A era da incerteza. 2.ed. ver. São Paulo: Pinoneira, 1980, p. 90-1]
Macroestrutura Argumentativa: um contra-exemplo
Tema: Revolução;
Problema: Quais as condições necessárias para que uma revolução
aconteça?
Tese: Três são as condições necessárias para o êxito de uma
revolução:
a) lideres decididos que sabem exatamente o que querem e que
sabem também que têm tudo a ganhar ou tudo a perder;
b) seguidores disciplinados que executem as ordens dos líderes,
sem muita discussão;
c) adversários fracos (Toda revolução é “como um pontapé numa
porta já podre”)
O levante de fevereiro de 1848 uniu grupos inteiramente díspares,
algo que não animou muito Marx. Havia os operários que clamavam
por trabalho e ganhos maiores. Estes foram acompanhados dos
comerciantes, na maioria pequenos empresários, que exigiam
liberdade de empreendimento e uma oportunidade de ressarcir-se
dos prejuízos sofridos nos anos anteriores de crise econômica. E,
logo de início, houve o apoio dos camponeses, que queriam
melhores preços. A liderança do movimento coube na maior parte a
homens que queriam liberdade de expressão – ver-se livres da
censura e das atenções da polícia. Pela maioria dos padrões
estabelecidos, os líderes eram conservadores. Como símbolo da
revolução, a bandeira vermelha foi rejeitada em favor da tricolor. A
tricolor foi considerada menos prejudicial à confiança do mundo dos
negócios e ao crédito popular.
A revolta foi rápida e bem-sucedida. O Palácio das Tulherias foi
ocupado. Louis Philippe achou conveniente ir embora. O Palácio de
Luxemburgo foi utilizado como sede de uma comissão que estudaria
os meios de salvar os trabalhadores da miséria. Esse expediente
não era ainda um despiste ou pretexto evidente.
Argumentos:
a) os revolucionários não tinham um líder;
b) Faltavam as três condições básicas da tese:
- “havia muita conversa mole”;
- o outro lado não era “uma porta já podre”;
- o governo dominava amplamente a guarda nacional, a
polícia e o exército.
A preocupação com os trabalhadores concentrou-se nos Jardins. A
assembléia ali realizada foi, como tem sido chamada, o primeiro
congresso de trabalhadores em toda a história. Foi também, mais do
que por simples acaso, um meio de segregar e manter sob controle
os mais encrenqueiros e perigosos participantes da revolta. Uma
coisa era ser liberal, republicano, romântico. Outra coisa era
contestar a propriedade privada, ser pelos direitos dos
trabalhadores, por maiores salários, por uma jornada de trabalho de
doze horas. Que haja revolução, mas que ela não seja irresponsável.
A palavra “revolução” vem fácil à língua; sempre há ameaça de uma
revolução. Mas, se soubéssemos como é difícil fazê-la, usaríamos a
palavra muito menos, e os conservadores poderiam afligir-se menos
com o perigo. Eles estão muito mais seguros do que julgam estar.
Três condições são absolutamente indispensáveis. Tem que haver
líderes decididos, homens que sabem exatamente o que querem e
também que sabem que têm tudo a ganhar e tudo a perder. Homens
assim são raros. As revoluções atraem os homens que estão de olho
na sua grande oportunidade, os aproveitadores.
É preciso que os líderes tenham seguidores disciplinados, gente que
acate suas ordens, que as execute sem muita discussão. Isso
também é bastante difícil; os revolucinários têm o hábito
desconcertante de achar que devem pensar por si mesmos,
defender seus próprios pontos de vista. Existe a oportunidade e
muita atração para os tagarelas. Mas estes não podem nem devem
ser permitidos. Homens desse jaez serão esmagados enquanto
discutem.
E, acima de tudo, o outro lado deve ser fraco. Toda revolução bem-
sucedida é como o pontapé numa porta já podre. A violência das
revoluções é a violência de homens que arremetem contra o vácuo.
Foi assim na Revolução Francesa. Foi assim na Revolução Russa de
1917. Assim foi também na Revolução Chinesa após a Segunda
Guerra Mundial. E assim não foi em 1848.
No Palácio de Luxemburgo, a liderança era fraca e havia muita
conversa mole. Falava-se em oficinas governamentais em que os
homens produziriam cooperativamente para o bem comum não
importando o que e a que custo. Ou, então, de obras públicas, um
grande canal subterrâneo cruzando Paris, no qual a imaginação
tomava o lugar da engenharia. Os salários foram, em verdade,
aumentados. Mas essa e outras medidas de amparo tiveram o efeito
de aumentar os impostos e de dar aos camponeses a impressão de
que eles é que estavam pagando a revolução. Entrementes, ninguém
pensava em apoderar-se dos instrumentos do poder – a guarda
nacional, a polícia, o exército. Toda essa gente é extremamente
importante na hora da verdade de uma revolução.
E esse momento de verdade revolucionária aconteceu nos primeiros
dias do verão de 1848. A 23 de junho, os trabalhadores decidiram
abandonar seu gueto revolucionário e reunir-se em assembléia no
Pantheon, a algumas centenas de passos dali. Desse local
marcharam até a Praça da Bastilha para impor ao governo provisório
os direitos de há muito discutidos. O governo não carecia de
recursos, e já estava olhando para os operários com crescente
apreensão.
Os trabalhadores conseguiram chegar à Praça da Bastilha e aí erigir
uma forte barricada. Os primeiro ataque da guarda nacional foi
repelido, e uns trinta guardas foram mortos. As tendências
românticas dos revolucionários davam-lhes maior confiança. Duas
belas prostitutas subiram no topo da barricada, ergueram as saias e
perguntaram qual francês, não importando quão reacionário fosse,
atiraria na barriga desnuda de uma mulher. Os franceses
responderam ao desafio com uma saraivada de balas mortíferas.
A essa altura as barricadas eram tomadas de assalto, e os operários
subjugados. Foram feitos prisioneiros, que de início eram fuzilados.
Mas a seguir, pelo que consta, em consideração aos moradores do
local, que reclamavam do barulho, foram mortos à baioneta. O
massacre estendeu-se até os Jardins. Num outro gesto de
consideração, segundo a lenda, o logradouro público foi mantido
fechado durante vários dias, até que o sangue fosse lavado ou
limpado. Como se vê, já em 1848 o pessoal estava se
conscientizando do meio ambiente.
Marx não se surpreendeu muito com esse resultado. A liderança
burguesa da revolução não inspirou sua confiança. E, quanto aos
trabalhadores, ele achou que tanto a hora como a seqüência
cronológica estavam erradas: primeiro, tinha que haver uma
revolução burguesa, e depois o triunfo socialista. Mais tarde,
naquele mesmo ano, Marx assinalou que a revolução, pelo menos
simbolicamente, havia tido êxito quanto à bandeira. “A república
tricolor agora tem uma única cor, a cor da derrota, a cor de sangue”.
• Macroestrutura Argumentativa (revendo):
Tema: Revolução
Problema: Quais as condições necessárias para que uma revolução
aconteça?
Tese: Três são as condições necessárias para o êxito de uma
revolução:
d) lideres decididos que sabem exatamente o que querem e que
sabem também que têm tudo a ganhar ou tudo a perder;
e) seguidores disciplinados que executem as ordens dos líderes,
sem muita discussão;
f) adversários fracos (Toda revolução é “como um pontapé numa
porta já podre”)
Argumentos:
c) os revolucionários não tinham um líder (na verdade, um contra-
exemplo);
d) Faltavam as três condições básicas da tese:
- “havia muita conversa mole”;
- o outro lado não era “uma porta já podre”;
- o governo dominava amplamente a guarda nacional,
a polícia e o exército.
Processos de esfriamento do texto.
Importância do repertório.
• Meios quentes e meios frios
[McLuhan, M. Os meios de comunicação como extensão do homem. Trad. De D. Pignatari. São
Paulo: Cultrix, 1964.]
Meios quentes: aqueles que concentram a informação num alto
grau de tensão e complexidade. Uma revista científica, texto de
física para um leigo no assunto...
Meios frios: aqueles que oferecem a informação diluída, em baixo
grau de tensão e complexidade.
Dois textos sobre o mesmo assunto podem ter temperaturas
diferentes;
Ex.99 – A era da incerteza - é, a um tempo, um frio e quente:
situação - narração para cativar o leitor;
complicação: argumentação para apresentar o problema e a
proposta;
solução – narração/argumentação para concluir a tese.
A temperatura de um texto depende do repertório de seus
destinatários;
Um texto frio não é, necessariamente, menos sério e/ou menos
informativo do quem texto quente sobre um mesmo assunto.
Ex.100 - Televisão, texto de física para um PhD em Física...
Ex.101 – A violência contra as crianças
[Veja, 1988, 20 (39):98]
O garoto Felipe, de 3 anos de idade, debruçou-se na janela do
apartamento onde mora com seus pais, no 2º andar de um edifício
em Porto Alegre. A mãe, Liege Pelegrini Flores, gritou desesperada
para o filho saísse dali. “Eu falei várias vezes para o Felipe não se
debruçar na janela, mas ele sempre desobedecia”, conta Liege.
“Então peguei o Felipe com cuidado, para ele não cair, e dei-lhe uma
surra. Ele nunca mais se aproximou da janela”.
A história de Liege e Felipe é apenas uma entre as milhares de
histórias de pais que batem nos filhos, impondo graus variáveis de
sofrimento às crianças. (...)
Ex.102 – O psicolingüista convertido
[Albano, E. Cadernos de Estudos Lingüísticos. Campinas: Unicamp (13), 1987]
A autora escreve para o público infantil e sua principal
característica reside em esfriar textos científicos com narrativoas
envolvendo o pessoa do Sítio do Picapau Amarelo.
[Situação]
Era uma vez um jovem chamado Stéfano, que tinha desistido de uns
três cursos universitários até fazer Comunicação. Stéfano se formou
jornalista e, como já havia mexido com matemática, física,
psicologia etc., acabou arranjando um emprego na seção de ciência
e tecnologia de um jornal de grande circulação. Um dia o editor
científico chamou Stéfano e disse:
- Ouvi dizer que tem uns caras aí fazendo pesquisa num troço
chamado psicolingüística. Dizem que, se a coisa der certo, daqui a
pouco vai te bebê falando com dois meses de idade. Quero uma
matéria sobre isso para ontem.
[Complicação - Argumentação]
Ao indagar brevemente sobre o significado do termo, Stéfano
aprendeu que psicolingüística não se faz só no campo (é assim que
os psicolingüistas chamam a casa e a escola).
Ali, adultos preenchem testes ou escutam com fones de ouvido
misteriosos sons saídos do computador. Lá, uma gente de branco
conversa com uma gente sofrida que, por obra de um acidente, por
pouco perdera a capacidade de falar. Mais além – dá pra acreditar? –
um bando de gente munida de belas máquinas se apresenta como
capaz de puxar altos papos com macacos.
(...)
[Solução]
Stéfano é demitido do jornal e vai fazer um curso de pós-graduação.
A Metáfora como processo de esfriamento.
Ex.103 – Algumas manchetes
- A economia brasileira na corda bamba.
- A política do feijão-com-arroz é essencial; falta, porém, alguns
ingredientes para uma bela feijoada.
- Sem controlar o déficit público, vamos ficar enxugando gelo com
medidas paliativas.
- A Rede Globo engatilhou o que promete ser um tiro certeiro na
guerra com o SBT pela audiência nas tardes de domingo.
Ex.104 – Algumas expressões
- Fritar o ministro da fazenda
- Fazer uma cirurgia nos juros
- Criar trens da alegria
- Estou me lixando com a opinão dos outros
- Estou afagado em problemas
- Fulano está na crista da onda
- Congelamento de preços
- Rolar a dívida
- Abrir ou fechar um regime político
Ex.105 – [texto quente]
As altas taxas de juro estão colocando em perigo a contenção da
inflação.
Ex.106 – [esfriamento da mensagem]
As altas taxas de juro colocaram a inflação na marca do pênalti.
Ex.107 – [texto quente]
O ministro da Fazenda parece não ter condições de resolver esse
urgente problema.
Ex.108 – [esfriamento da mensagem]
O ministro da fazenda não tem a menor chance de pegar essa bola.
Classificação de Jensen.
[Jensen, J. V. Metaphorical consctructs for the problem-solving process. Journal of Creative
Behavior, New York, Creative Education Foundation, 9 (2).]
Ex.109 – Metáfora de restauração (médica)
Vamos ver como se comporta a saúde da economia brasileira até o
final do ano. O termômetro da inflação do próximo mês indicará se o
país poderá deixar a U.T.I. ou se, ao contrário, precisará de uma
terapêutica ainda mais séria para conseguir curar-se.
Ex.110 – Metáfora de percurso (em terra)
Vamos ver que caminhos vai percorrer a economia brasileira até o
final do ano. A inflação do próximo mês deverá ser o obstáculo mais
poderoso. Ser for vencido, estaremos no caminho certo, depois de
muito cansaço.
Ex.111 – Metáfora de percurso (no mar)
Vamos ver em que águas vai navegar a economia brasileira até o
final do ano. A bússola da inflação do próximo mês indicará se o
país encontrará mar calmo ou se deverá enfrentar ainda mais
tempestades, antes que consiga chegar a algum porto seguro.
Ex.112 – Metáfora natural (luz/escuridão)
Finalmente, há uma luz no fundo do túnel;
Fulano enfrentou uma noite escura de desespero;
Raiar de um novo dia.
Ex.113 – Metáfora militar
Os defensores do meio ambiente abriram ontem fogo cerrado contra
as posições dos empresários que pretendem construir na orla
marítima. Ao final do combate, percebeu-se, entretanto, que a
munição dos ecologistas era puro festim.
Colocando em prática o aprendido.
• Um bom texto precisa ser:
- Coerente,
- Coeso,
- Bem articulado,
- Bem composto.
• Texto dissertativo:
- Tema
- Problema,
- Hipótese(s),
- Tese,
- Argumentação.
Ex.114 – Da Natureza da Cultura Ou da Natureza à Cultura
[Laraia, R. B. Cultura – um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2000]
Este volume trata da discussão de um dilema: a conciliação da
unidade biológica e a grande diversidade cultural da espécie
humana.1 Um dilema que permanece como o tema central de
numerosas polêmicas, apesar de Confúcio ter, quatro séculos antes
de Cristo, enunciado que “A natureza dos homens é a mesma, são
os seus hábitos que os mantêm separados”.
Mesmo antes da aceitação do monogenismo, os homens se
preocupavam com a diversidade de modos de comportamento
existentes entre os diferentes povos.
____________
1 Geertz, C. (1978, p. 33).
Até mesmo Heródoto (484-424 a.C.), o grande historiador grego,
preocupou-se com o tema quando descreveu o sistema social dos
lícios:
Eles têm um costume singular pelo qual diferem de todas as outras nações do mundo.
Tomam o nome da mãe, e não o do pai. Pergunta-se a um lício quem é, e ele responde
dando o seu próprio nome e o de sua mãe, e assim por diante, na linha feminina. Além
disso, se uma mulher livre desposa um homem escravo, seus filhos são cidadãos
integrais; mas se um homem livre desposa uma mulher estrangeira, ou vive
com uma concubina, embora seja ele a primeira pessoa do Estado, os filhos não terão
qualquer direito à cidadania.2
__________________
2 Pelto, P. (1967, p.22).
Ao considerar os costumes dos lícios diferentes de “todas as outras
nações do mundo”, Heródoto estava tomando como referência a sua
própria sociedade patrilineal,3 agindo de uma maneira etnocêntrica,
embora ele próprio tenha teoricamente renegado essa postura ao
afirmar:
Se oferecêssemos aos homens a escolha de todos os costumes do mundo, aquele que
lhes parecessem melhor, eles examinariam a totalidade e acabariam preferindo os
seus próprios costumes, tão convencidos estão de que estes são melhores do que
todos os outros.
____________
3 Chamamos de sociedade patrilineal aquela em que o parentesco é considerado apenas pelo lado
paterno. Isto é, o irmão do pai, por exemplo, é um parente, o mesmo não ocorrendo com o irmão
da mãe.
A surpresa de Heródoto pela diversidade cultural dos lícios não é
diferente da de Trácio (55-120), cidadão romano, em relação às tribos
germânicas, sobre as quais escreveu com admiração:
Por tudo isso, o casamento na Alemanha é austero, não há aspecto de sua
moral que mereça maior elogio. São quase únicos, entre os bárbaros, por se
satisfazerem com uma mulher para cada. As exceçõe, que são extremamente raras,
constituem-se de homens que recebem ofertas de muitas mulheres devido ao seu
posto. Não há questão de paixão sexual. O dote é dado pelo marido à mulher, e não por
esta àquele.4
__________
4 Pelto, P. (1967, p.23).
Marco Polo, o legendário viajante italiano que visitou a China e outras
partes da Ásia, entre os anos 1271 e 1296, assim descreveu os
costumes dos tártaros:
Têm casas circulares, de maneira e cobertas de feltro, que levam consigo onde vão, em
carroças de quatro rodas... assegurando-lhes que as mulheres compram, vendem e
fazem tudo o que é necessário para seus maridos e suas casas. Os homens não se têm
de preocupar com coisa alguma, exceto a caça, a guerra e a falcoaria... Não têm
objeções a que se coma a carne de cavalos e cães, e se tome o leite de égua... Coisa
alguma no mundo os faria tocar na mulher do outro: têm extrema consciência de que
isto é um erro e uma desgraça...5
__________
5 Idem. (Ibidem, p. 23).
O padre José de Anchieta (1534-1597), ao contrário de Heródoto,
se surpreendeu com os costumes patrilineares dos índios Tupiambá
e escreveu aos seus superiores:
O terem respeito às filhas dos irmãos é porque lhes chamam filhas e nessa conta as
têm, e assim neque fornicarie as conhecem, porque têm para si que o parentesco
verdadeiro vem pela parte dos pais, que são agentes; e que as mães não são mais que
uns sacos, em respeito dos pais, em que se criam as crianças, e por esta causa os
filhos dos pais, posto que sejam havidos de escravas e contrárias cativas são sempre
livres e tão estimados como os outros; e os filhos das fêmeas, se são filhos de cativos,
os têm por escravos e os vendem, e às vezes matam e comem, ainda que sejam seus
netos, filhos e suas filhas, e por isto também usam das filhas das irmãs sem nenhum
pejo ad copulam, mas não que haja obrigação e nem o costume universal de as terem
por mulheres verdadeiras mais que as outras, como dito é.6
Montaigne (1533-1572) procurou não se espantar em demasia com
os costumes dos Tupinambá, de quem teve notícias e chegou
mesmo a Ter contato com três deles em Ruão, afirmando não ver
nada de bárbaro ou selvagem no que diziam a respeito deles, porque
na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra.
______________
6 Anchieta, J. (1947).
Imbuído de um pioneiro sentido de relativismo cultural,
Montaigne assim comentou a antropofagia dos Tupinambá:
Não me parece excessivo julgar bárbaro tais atos de crueldade, mas que o fato de
condenar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos nossos. Estimo que é
mais bárbaro comer um homem vivo do que o comer depois de morto; e é pior
esquartejar um homem entre suplícios e tormentos e o queimar aos poucos, ou
entregá-lo a cães e porcos, a pretexto de devoção e fé, como não somente o lemos
mas vimos ocorrer entre vizinhos nossos conterrâneos.7
_____________________
7Montaigne, (1972, p. 107).
E terminou, ironicamente, após descrever diversos costumes
daqueles índios: “Tudo isso é interessante, mas, que diabo, essa
gente não usa calças”.
Desde a Antigüidade, foram comuns as tentativas de explicar as
diferenças de comportamento entre os homens, a partir das
variações dos ambientes físicos.
Marcus V. Pollio, arquiteto romano, afirmou enfaticamente:
Os povos do sul têm uma inteligência aguda, devido à raridade da atmosfera
e ao calor; enquanto os das nações do norte, tendo se desenvolvido
numa atmosfera densa e esfriados pelos vapores dos ares carregados, têm
uma inteligência preguiçosa.8
______________
8 Polio, M. V. apud Harris (1969, p.41).
Jbn Khaldun, filósofo árabe do século XIV, tinha uma opinião
semelhante, pois também acreditava que os habitantes dos climas
quentes tinham uma natureza passional, enquanto aos dos climas
frios faltava a vivacidade.
Jean Bodin, filósofo francês do século XVI, desenvolveu a teoria que
os povos no norte têm como líquido dominante da vida o fleuma,
enquanto os do sul são dominados pela bílis negra. Em decorrência
disto, os mórdicos são fiéis, leais aos governantes, cruéis e pouco
interessados sexualmente, enquanto os do sul são maliciosos,
engenhosos, abertos, orientados para as ciências, mas mal
adaptados para as atividades políticas.9
Contudo, explicações deste gênero não foram suficientes para
resolver o dilema proposto, tanto é que D’Holbach replicava em
1774:
Será que o sol que brilhou para os livres gregos e romanos emite hoje raios diferentes
sobre os seus degenerados descendentes?10
_________________
9 Bodin, J. apud Harris (1969, p. 42).
10 D’Holbach, apud Harris (1969, p. 42).
Qualquer um dos leitores que quiser constatar, uma vez mais, a
existência dessas diferenças não necessita retornar ao passado,
nem mesmo empreender uma difícil viagem a um grupo indígena,
localizado nos confins da floresta amazônica ou em uma distante
ilha do Pacífico. Basta comparar os costumes de nossos
contemporâneos que vivem no chamado mundo civilizado.
Esta comparação pode começar pelo sentido do trânsito na
Inglaterra, que segue a mão esquerda; pelos hábitos culinários
franceses, onde rãs e escargots (capazes de causar repulsa a muitos
povos) são considerados como iguarias, até outros usos e
costumes que chamam mais a atenção para as diferenças culturais.
No Japão, por exemplo, era costume que o devedor insolvente
praticasse o suicídio na véspera do Ano Novo, como uma maneira
de limpar o seu nome e o de sua família. O harakiri (suicídio
ritual) sempre foi considerado como uma forma de heroísmo. Tal
costume justificou o aparecimento dos “pilotos suicidas” durante a
Segunda Guerra Mundial.
Entre os ciganos da Califórnia, a obesidade é considerada como um
indicador da virilidade, mas também é utilizada para conseguir
benefício junto aos programas governamentais de bem-estar social,
que a consideram como uma deficiência física.
A carne de vaca é proibida aos hindus, da mesma forma que a de
porco é interditada aos muçulmanos.
O nudismo é uma prática tolerada em certas praias européias,
enquanto nos países islâmicos, de orientação xiita, as mulheres mal
podem mostrar o rosto em público. Nesses mesmos países, o
adultério é uma contravenção grave que pode ser punida com a
morte ou longos anos de prisão.
Não é necessário ir tão longe, nesta seqüência de exemplos que
poderia se estender infinitamente; basta verificar que em algumas
região do Norte do Brasil a gravidez é considerada como uma
enfermidade, e o ato de parir é denominado “descansar”. Esta
mesma palavra é utilizada, no Sul do país, para se referir à morte
(fulano descansou, isto é, morreu). Ainda entre nós, existe uma
diversidade de interdições alimentares que consideram perigoso o
consumo conjunto de certos alimentos que isoladamente são
inofensivos, como a manga com o leite etc.
Enfim, todos estes exemplos e os que se seguem, servem para
mostrar que as diferenças de comportamento entre os homens não
podem ser explicadas através das diversidades somatológicas ou
mesológicas. Tanto o determinismo geográfico como o
determinismo bilógico, como mostraremos a seguir, foram
incapazes de resolver o dilema proposto no início deste trabalho.
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