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A REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA NO DISCURSO DO SUJEITO-ALUNO DOS
CURSOS DE LETRAS E AS IMPLICAÇÕES NO CONTEXTO EDUCACIONAL DA
CIDADE DE BELÉM1
Josane Daniela F. PINTO
Universidade do Estado do Pará (UEPA)
RESUMO
O objetivo geral desta pesquisa é contribuir para a compreensão do processo identitário da
formação dos professores do ensino fundamental e médio. Barros (2002, p. 17) afirma que “os
sujeitos envolvidos na comunicação não são lugares vazios e sim casas cheias – de valores,
crenças, de projetos, de aspirações, de desejos, de sentimentos”. Tem-se observado que o(a)
aluno(a) do curso de Letras/Português ou Letras/Inglês é inserido no ensino superior trazendo
consigo do ensino fundamental e médio a “casa cheia”. Assim, um estudo da representação
identitária dos alunos da gradução Letras/ Português e Letras/ Inglês da UEPA se faz necessário
para entender a formação desse profissional que trabalha com as línguas materna e estrangeira,
contribuindo para uma reflexão sobre ensino fundamental e médio em Belém. As bases teóricas
para desenvolver essa pesquisa estão alicerçadas na Análise de Discurso Crítica, nas noções de
Ideologia, Identidade e Ethos discursivo. São usadas como fundamento teórico as discussões
feitas pelos autores Amossy (2014), Charaudeau e Maingueneau (2014), Orlandi (2012),
Oliveira e Carvalho (2013), Resende e Ramalho (2011), van Dijk (2010), entre outros. As
hipóteses estabelecidas para este estudo são: a) Os alunos dos cursos de Letras passam por
mudanças significativas na sua constituição identitária ao longo da graduação em Letras; b)
Apesar do conhecimento das teorias da Sociolínguística, LT e AD, os alunos dos cursos de
Letras mantêm ligações estreitas no seu discurso com as concepções mais tradicionais de
ensino/aprendizagem de LM e LE. Partindo da produção textual e das participações orais em
sala de aula, serão analisados os elementos linguísticos constituintes da prática discursiva, as
estratégias discursivas utilizadas na formulação desse discurso dos sujeitos-alunos ingressantes
e concluintes dos dois cursos de licenciatura. Como o discurso é elemento constitutivo do
homem, um ser social e lembrando o modelo tridimensional proposto por Fairclough, serão
identificados os elementos ideológicos, identitários, constituintes do ethos discursivo e,
finalmente, realizar a caracterização da representação identitária desses futuros professores. A
fase em que se encontra este estudo é a de pesquisa bibliográfica e coleta de dados, através da
observação participante.
Palavras-chave: Identidade. Análise de Discurso Crítica. Formação do Professor de LM e LE.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo se propõe a discutir a representação identitária no discurso do
sujeito-aluno nos cursos de graduação em Letras/ português e Letras/inglês do campus
1 Este artigo surgiu a partir do projeto de doutorado da USP, sob orientação da Profª DRª Zilda
Gaspar de Oliveira Aquino
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Belém da Universidade do Estado do Pará (UEPA). O objetivo geral estabelecido para
esta pesquisa é contribuir para a compreensão do processo identitário da formação dos
professores do ensino fundamental e médio. Os objetivos específicos são:
Analisar a representação identitária presente no discurso oral e
escrito dos alunos dos cursos de graduação em Letras/ Português e Letras/Inglês
para permitir um entendimento desse futuro profissional;
Identificar quais são os aspectos da identidade a partir dos
elementos linguísticos presentes nos discursos para realizar a caracterização
desses sujeitos;
Proceder a comparação de como se constrói a identidade dos
alunos ingressantes em relação aos concluintes para compreender a futura
atuação educacional desses participantes.
Barros (2002, p. 17) afirma que “os sujeitos envolvidos na comunicação não
são lugares vazios e sim casas cheias – de valores, crenças, de projetos, de aspirações,
de desejos, de sentimentos”. Tem-se observado que o(a) aluno(a) do curso de
Letras/Português ou Letras/Inglês é inserido no ensino superior trazendo consigo do
ensino fundamental e médio a “casa cheia”, ou seja, uma visão carregada de crenças,
ideologias, concepções de ensino/aprendizagem, etc. Ao longo da graduação, ele(a) tem
contato com diversos teóricos, professores que apresentam uma outra visão da
linguagem, ou melhor, novas formas de estudar/analisar a linguagem, mas no dia-a-dia
das escolas públicas e privadas ainda se vê uma ênfase nas concepções tradicionais.
Nos PCNs de Língua Estrangeira (1998, p.24), é feita a seguinte afirmação:
[...] Evidencia-se a falta de clareza nas contradições entre a
opção priorizada e os conteúdos e atividades sugeridos. Essas
contradições aparecem também no que diz respeito à
abordagem escolhida. A maioria das propostas situam-se na
abordagem comunicativa de ensino de línguas, mas os
exercícios propostos, em geral, exploram pontos ou estruturas
gramaticais descontextualizados. [...]
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Apesar de ser dito que há uma escolha pela abordagem comunicativa, há uma
preferência por “exercícios gramaticais descontextualizados”, característico de uma
concepção de ensino baseada na gramática tradicional. Paiva (1997, p 12) descreve a
realidade do ensino de inglês:
Em vez de se estabelecerem objetivos básicos para a formação
do indivíduo de capacitar o aprendiz a utilizar a língua para
tarefas orais e escritas simples, tais como preencher
formulários, cupons, subscritar envelopes, cumprimentar,
apresentar-se, etc., que seriam perfeitamente possíveis dentro da
escola secundária, pretende-se ensinar apenas a gramática ou a
leitura, transformando a aula de inglês em uma tarefa inútil e
desestimulante.
As duas citações apresentam a realidade de ensino das línguas materna e
estrangeira pautada ainda no ensino da gramática. Sabe-se que há um grande número de
graduados em Letras/Português e Letras/Inglês formados com base nas teorias da
Linguística, Sociolinguística, Linguística Textual (LT), Análise do Discurso (AD), mas
ainda persiste a existência de aulas com ênfase na gramática tradicional, no uso de
textos e exercícios, descontextualizados, que se distanciam da realidade do aluno.
Os PCNs (1998, p.32) estabelecem como objetivos para o ensino da língua
materna:
[...] salientam também a necessidade de os cidadãos
desenvolverem sua capacidade de compreender textos orais e
escritos, de assumir a palavra e produzir textos, em situações de
participação social. Ao propor que se ensine aos alunos o uso
das diferentes formas de linguagem verbal (oral e escrita),
busca-se o desenvolvimento da capacidade de atuação
construtiva e transformadora. O domínio do diálogo na
explicitação, discussão, contraposição e argumentação de idéias
é fundamental na aprendizagem da cooperação e no
desenvolvimento de atitude de autoconfiança, de capacidade
para interagir e de respeito ao outro.
Observa-se que os PCNs foram elaborados com base nas teorias da
sociolinguística, LT e AD e desde, então, tem-se debatido sobre o ensino de LM e LE,
criticando o foco principalmente nas normas gramaticais. Em decorrência desse
contexto, surgiu o interesse em realizar esta pesquisa e para direcioná-la foi estabelecida
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a seguinte pergunta: como se caracteriza a representação identitária no discurso dos
alunos do primeiro e quarto anos dos cursos de Letras?
As bases teóricas para desenvolver esse estudo serão alicerçadas na Análise de
Discurso Crítica, nas noções de Ideologia, Identidade e Ethos discursivo. Assim, serão
usadas como fundamento teórico as discussões feitas pelos autores Amossy (2014),
Charaudeau e Maingueneau (2014), Orlandi (2012), Oliveira e Carvalho (2013),
Resende e Ramalho (2011), van Dijk (2010), entre outros.
Assim, um estudo da representação identitária dos alunos da gradução Letras/
Português e Letras/ Inglês da UEPA se faz necessário para entender a formação desse
profissional que trabalha com as línguas materna e estrangeira, contribuindo para uma
reflexão sobre ensino fundamental e médio em Belém.
2. UMA DISCUSSÃO INICIAL SOBRE AS ORIGENS DA AD E ADC
Na década de 70, a Análise do Discurso (AD) ganha força e ocorre a mudança
de foco dos estudos linguísticos, da frase para o texto, que é a manifestação concreta do
sujeito. No entanto, do texto parte-se para o estudo do discurso, entendido como um
suporte abstrato dos diferentes textos produzidos no meio social.
A AD concebe o texto como tendo materialidade própria, como afirma Orlandi
(2012), uma significação, ou seja, o texto é concebido em sua discursividade. Para
entender a ideia de discursividade, é importante perceber a relação linguagem-
pensamento-mundo, que não se apresenta igual para todos os sujeitos de uma sociedade.
Charaudeau e Maingueneau (2014, p.43) afirmam que a Análise do Discurso é
uma disciplina recente e apresentam o seguinte histórico para o termo:
É difícil retraçar a história da análise do discurso, pois não
se pode fazê-la depender de um ato fundador, já que ela resulta,
ao mesmo tempo, da convergência de correntes recentes e da
renovação da prática de estudos muito antigos de textos
(retóricos, filológicos e hermenêuticos).
O próprio termo “ análise do discurso” vem de um artigo de
Harris (1952), que a entendia como a extensão dos
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procedimentos distribucionais a unidades transfrásticas2. É
preciso considerar o ambiente dos anos 60 para compreender as
correntes que modelaram o atual campo da análise do discurso.
(..) É necessário, também, dar um lugar para reflexões vindas de
outros domínios, tais como a de Foucault (1969b) (...) ou a de
Bakhtin (...).
Com base no que os autores afirmam, não há como determinar o fundador da
Análise do Discurso, pois esta disciplina foi e está alicerçada sob as bases de vários
teóricos, como Gramsci, Bakhtin, Althusser e, mais recentemente, Charaudeau,
Maingueneau, Fairclough e Van Dijk. Assim, há o imbricamento de várias discussões,
definições e terminologias que constituem a Análise do Discurso, a qual é classificada
por Charaudeau e Maingueneau (2014, p.45) como instável por ser uma disciplina
“situada no cruzamento das ciências humanas”.
Charaudeau e Maingueneau (2014, p.44) preferem “associar a análise do
discurso, sobretudo, à relação entre texto e contexto”, ou seja, os estudos linguísticos
transcendem o estudo da palavra, da frase ou, simplesmente, do texto, envolvendo os
sujeitos participantes de determinado evento discursivo e o contexto, ou melhor, as
condições extraverbais inerentes à produção, circulação e recepção do texto. As relações
entre o texto, os interlocutores, o contexto que são elementos constituintes do discurso
se caracterizam pelo dialogismo, ou seja, dentro de uma concepção de língua como
interação verbal.
No Dicionário de Análise do Discurso, Charaudeau e Maingueneau (2014,
p.44) subdividem a Análise do Discurso da seguinte forma:
a) como estudo do discurso: uma disciplina que “estuda a
linguagem como atividade ancorada em um contexto e que
produz unidades transfrásticas”, ou seja, “ o estudo do uso real da
linguagem por locutores reais em situações reais” (Van Dijk,
1985, apud Charaudeau; Maingueneau, 2014, p.44). Propõe-se o
estudo criativo da língua “viva”, rica em sentidos, em
dramaticidade/ dialogicidade;
2 O termo transfrástico se refere: “a extensão da linguística frástica aos encadeamentos mínimos
de proposições, de frases (raramente mais de duas) ou à estrutura de períodos conhece hoje um
certo desenvolvimento com os trabalhos sobre a macrossintaxe (...), as anáforas e os
conectores.” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2014, p. 482)
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b) como estudo da conversação: nos países anglo-saxônicos,
consideram o estudo do discurso como interacional, e assim,
estabelece-se duas correntes: a análise do discurso e a análise
conversacional;
c) como ponto de vista específico sobre o discurso. De acordo
com Nunan (1993, apud Charaudeau ; Maingueneau, 2014, p.44),
inspirado nos trabalhos de Halliday, afirma que o analista do
discurso tem como objetivo: “explicitar e interpretar ao mesmo
tempo a relação entre as regularidades da linguagem e as
significações e as finalidades expressas por meio do discurso.”
Considerando as relações dialógicas entre os elementos constituintes do
discurso, é importante ressaltar que tanto na sua expressão oral quanto na escrita o
sujeito vai expor as suas experiências, crenças, etc., que vão se alterando com o passar
do tempo, com o acréscimo de novas vivências.
Nenhum sujeito está pronto e acabado, assim também é o seu discurso, que vai
se constituindo ao longo da sua vida. Por isso, na AD deve se considerar não só o
discurso, mas também o sujeito e a sua história. É dentro dessa concepção que Orlandi
(2012, p. 15) afirma que a AD “concebe a linguagem como mediação necessária entre o
homem e a realidade natural e social”. É essa mediação que vai refletir a transformação
do homem e da sua realidade, ou seja, é o reflexo da sua existência humana, da sua
exterioridade.
Na segunda metade da década de 1980 na Inglaterra, começa a ganhar impulso
os estudos da Análise de Discurso Crítica, que aparece na década seguinte no Brasil. A
ADC nasce com Norman Fairclough, se consolidando como disciplina na década de
1990 e, por conta de sua complexidade, se caracteriza por uma abordagem de cunho
transdisciplinar e multidisciplinar. Resende e Ramalho (2011, p.14) afirmam que a
ADC é, principalmente transdisciplinar, visto que além de usar outras teorias, “por meio
do rompimento de fronteiras epistemológicas, operacionaliza e transforma tais teorias
em favor da abordagem sociodiscursiva”.
Resende e Ramalho (2011, p.22) declaram que Fairclough, desde o início,
objetivava, através do estudo crítico da linguagem auxiliar na “conscientização sobre os
efeitos sociais do texto e também nas mudanças sociais que superassem relações
assimétricas de poder, parcialmente sustentadas pelo discurso”. Em outras palavras, há
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três questões principais estudadas por Fairclough e que são apresentadas por Oliveira e
Carvalho (2013, p. 282): as relações dialéticas entre discurso e sociedade; a
conscientização das pessoas a respeito dessas relações; e o papel do discurso na
transformação social.
Sob a influência do materialismo histórico, proposto por Gramsci, Fairclough
(2008, p.22) apresentou um modelo tridimensional de análise do discurso, que foi alvo
de muitas críticas:
Figura 1: Modelo Tridimensional de Análise proposto por Fairclough
As três dimensões propostas aparecem na figura 1 inter-relacionadas. Para
Fairclough, o texto é a manifestação linguística da prática discursiva, que é uma forma
de prática social, ou seja, não se pode considerar um sem o outro. Os conceitos teóricos
básicos usados por Fairclough para discutir poder, ideologia, classe estão historicamente
associados à esquerda marxista, no entanto, eles estariam perdendo espaço no meio
acadêmico, principalmente para as ideias de uma nova direita, possivelmente até mais
agressiva. O próprio Fairlough (1995, p. 16) reconhece que a ADC é alvo de críticas e
justifica:
Minha visão é a de que os abusos e contradições da
sociedade capitalista que fizeram surgir a teoria crítica
não diminuíram, assim como não diminuíram as
características de prática discursiva dentro da sociedade
capitalista que fizeram surgir a análise crítica do
TEXTO
PRÁTICA DISCURSIVA
PRÁTICA SOCIAL
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discurso. Por isso, há uma razão para se sustentar o
empreendimento crítico contra seus críticos.
Com base nas ideias expostas por Fairclough, alguns críticos afirmaram que a
ADC possuía “um caráter reducionista por atribuir as questões de poder às estruturas
econômicas marcadas pelas relações de classe” (OLIVEIRA ; CARVALHO, 2014, p.
304). A verdade é que a língua em uso não pode ser considerada como neutra, pois os
seus interlocutores através dela veiculam sentidos, carregam valores, o que torna
impossível de se desconsiderar o caráter ideológico presente nessas relações dialógicas.
Oliveira e Carvalho (2014) afirmam que a ADC proposta por Fairclough tem os seus
pontos positivos e negativos. No entanto, há um ponto muito importante a ser
considerado que através da ADC, Fairclough propõe uma reflexão da relação entre
sociedade e discurso, além de oferecer ferramentas utéis na análise de textos, das
práticas sociais e das discursivas.
Van Dijk (2010, p. 9) afirma que prefere usar o termo Estudos Críticos do
Discurso (ECD) e assim o define: “[...] um movimento científico especificamente
interessado na formação de teoria e na análise crítica da reprodução discursiva de abuso
de poder [...]”. O autor ressalta o seu interesse em investigar “reprodução discursiva de
abuso de poder e desigualdade social” (p.9). O abuso de poder se revela na dominação
que leva à desigualdade social, ou melhor, os analistas críticos do discurso enfocam “os
modos como as estruturas do discurso produzem, confirmam, legitimam, reproduzem ou
desafiam as relações de poder e dominação na sociedade” (van Dijk, 2010, p.115).
De acordo com van Dijk (2010, p.130), a ACD tem realizado pesquisas sobre a
desigualdade de gênero, discurso na mídia, discurso político, dominação do grupo ao
poder profissional e institucional, entre outras. O autor enfatiza:
Em todos esses casos, o poder e a dominação estão associados a
domínios sociais específicos (política, mídia, direito, educação,
ciência, etc.), as suas elites e instituições profissionais e a
regras e rotinas que formam a base da reprodução discursiva
cotidiana do poder nesses domínios e instituições. As vítimas ou
os alvos desse poder são normalmente o público ou os cidadãos
em geral, as “massas”, os clientes, os sujeitos, a audiência, os
estudantes e outros grupos que são dependentes do poder
institucional e organizacional. (van Dijk, 2010, p.130).
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Considera-se relevante a perspectiva crítica da linguagem como prática social
para permitir uma compreensão da formação dos indivíduos que irão exercer a profissão
de professores de Português e Inglês. Segundo Fairclough (2003, p. 15), “a visão
científica de crítica social justifica-se pelo fato de a ADC ser motivada pelo objetivo de
prover base científica para um questionamento crítico da vida social em termos políticos
e morais de justiça social e de poder”.
Através dessa perspectiva crítica, é possível refletir e entender como acontecem
as relações dialéticas entre discurso e sociedade. Assm, será usada a abordagem
transdisciplinar e multidisciplinar da Análise de Discurso Crítica para alcançar os
objetivos estabelecidos neste projeto. Van Dijk (2010, p. 13) faz referência aos métodos
usados nas pesquisas em ADC ou como ele mesmo prefere usar ECD ou ainda ACD:
É importante notar, contudo, que apesar desse
pluralismo metodológico, há preferências e tendências
em função do enfoque especial dos ECD sobre os
aspectos de abuso de poder e, portanto, mais
geralmente, sobre as condições e consequências
sociais da escrita e da fala. Em primeiro lugar, as
pesquisas em ECD, em geral, preferem métodos que
não infringem os direitos das pessoas estudadas e que
são compatíveis com os interesses de grupos sociais que
são o foco da pesquisa. Em outras palavras, os métodos
dos ECD são escolhidos de modo que a pesquisa possa
contribuir para a apoderação social de grupos
dominados, especialmente no domínio do discurso e da
comunicação. (grifo nosso)
Dessa forma, entende-se que os estudos da ADC se concentram nas relações
complexas entre estrutura discursiva e social. Dentro do contexto escolar, tanto
professores quanto alunos fazem parte dos grupos dominados por um sistema
educacional que dita as normas, paradigmas a serem seguidos, ou seja, exerce “um
poder social em termos de controle” (van Dijk, 2010, p.17).
Van Dijk (2010, p. 114-5) elenca cinco requisitos necessários para que a
investigação crítica do discurso possa concretizar os seus objetivos. Dos cinco,
reproduz-se principalmente dois que estão relacionados com esta pesquisa:
Em vez de meramente descrever estruturas do
discurso, a ACD procura explicá-las em termos
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das propriedades da interação social e
especialmente da estrutura social.
A ACD enfoca, mais especificamente, os
modos como as estruturas do discurso
produzem, confirmam, legitimam, reproduzem
ou desafiam as relações de poder e de
dominação na sociedade.
Van Dijk (2010, p.11) afirma que nos Estudos Críticos do Discurso ou nos
estudos discursivos em geral há uma interação entre métodos de observação, descrição
ou análise, e suas aplicações. Ele ainda declara que o discurso não pode ser analisado
como algo isolado, como “objeto ‘verbal’ autônomo”, mas deve ser analisado
considerando a atividade interacional, a prática social, ou seja, analisar o discurso dos
interlocutores, inseridos na situação social, cultural, histórica ou política.
Com base nas discussões iniciais sobre AD e ADC, serão apresentadas nos sub-
itens seguintes os conceitos de Ideologia, Identidade e Ethos discursivo como uma
tomada de posição na análise da representação identitária desses participantes.
2.1. SOBRE O CONCEITO DE IDEOLOGIA
Charaudeau e Maingueneau (2014), no Dicionário de Análise do Discurso,
afirmam que diferentes autores já definiram ideologia. Nos anos 60 e 70, apesar das
variadas definições, houve um consenso no sentido de entendê-la como “um sistema
global de interpretação do mundo social” (Aron, 1968, apud Charaudeau ;
Maingueneau, 2014, p. 267). Nos anos 80, o termo ideologia perdeu espaço para outros.
No entanto, Van Dijk (1996, apud Charaudeau ; Maingueneau, 2014, p. 269) traz para a
ADC a noção de ideologia associada a correntes cognitivistas e ele faz a seguinte
afirmação:
[...] redefinir, em primeiro lugar, de maneira muito
específica e precisa, o que são ideologias, isto é, os
sistemas sociocognitivos das representações mentais
socialmente partilhadas que controlam outras
representações mentais, como as atitudes dos grupos
sociais (aí compreendidos os preconceitos) e os
modelos mentais. [...] Em segundo lugar, queremos
pesquisar, de maneira sistemática, através de quais
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estruturas do discurso como as estruturas semânticas (os
assuntos, a coerência), a sintaxe (a ordem das palavras
etc.), o léxico, os atos de linguagem etc., as opiniões
ideológicas se manifestam no texto e na fala.
A ADC com a finalidade de sistematizar a relação ideologia/discurso retoma o
enfoque militante antes presente na AD da década de 70. Essa dimensão social não se
pode perder e a ADC vem renovar a necessidade de se estudar as “representações
mentais socialmente partilhadas” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2014, p. 269) e
elas só vão se fazer entender na manifestação da linguagem do(s) sujeito(s).
Considerando essa presença material da ideologia na(s) prática(s) discursiva(s)
e a sua interconexão com o conceito de hegemonia3, Fairclough (2008, p. 117)
conceitua ideologias assim:
As ideologias são significações/ construções da realidade (o
mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais) que
são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das
práticas discursivas e que contribuem para a produção, a
reprodução ou a transformação das relações de dominação.
Portanto, quando se fala em discurso, não há como deixar de considerar as
questões ideológicas, já que o homem é um ser social por natureza e a sua prática
sempre irá refletir as relações de poder existentes na sociedade em que vive.
2.2 SOBRE O CONCEITO DE IDENTIDADE
De acordo com Charaudeau e Maingueneau (2014), embora o termo identidade
esteja presente na maior parte das ciências humanas e sociais, possui diferentes
definições e algumas delas podem ser consideradas vagas. Os autores ainda tratam da
noção de identidade dentro da AD:
3 Segundo Fairclough (1997, p.80), “o conceito de hegemonia implica o desenvolvimento – em
vários domínios da sociedade civil (como o trabalho, a educação, as atividades de lazer) – de
práticas que naturalizam relações e ideologias específicas e que são, na sua maioria, práticas
discursivas [...]”
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Em análise do Discurso, para poder utilizar a noção de
identidade, convém acrescentar-lhe duas outras noções que
circulam igualmente nos domínios filosóficos e psicológicos, as
de sujeito e de alteridade. A primeira dessas noções permite
postular a existência do ser pensante como o que diz “eu” [...] A
segunda noção permite postular que não há consciência de si
sem consciência da existência do outro, que é na diferença entre
“si” e “o outro” que se constitui o sujeito. (CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2014, p. 266)
Como vive em sociedade, deve não só considerar o indivíduo em si, mas
igualmente os outros seres, ou seja, não existe um “eu” isolado, um sujeito e um outro
se complementam. O princípio do dialogismo estabelecido por Bakhtin4 se baseia na
interação verbal que enunciador e enunciatário estabelecem entre si no espaço criado
pelo texto, ou melhor, o “eu” pressupõe o “outro”, pois estão ligados, interconectados
através da linguagem.
A identidade de um indivíduo se constrói por meio de suas práticas sociais e
discursivas. Assim, “[...] as identidades são ideias culturais sobre status sociais que
ocupamos, ou seja, quem deveríamos ser e não realmente quem somos, se é que
simplesmente somos.” (Johnson, 1997, p.204). Essa construção da identidade se dá na
escola, na igreja, enfim, em todos os espaços sociais onde há a possibilidade de
interação entre indivíduos.
2.3. SOBRE O CONCEITO DE ETHOS DISCURSIVO
O termo ethos foi tomado de empréstimo da Retórica de Aristóteles e significa
a imagem de si que o orador constrói no seu discurso com o objetivo de influenciar o
alocutário (Charaudeau e Maingueneau, 2014, p. 220). A noção de Ethos foi usada por
Ducrot associada à uma teoria de polifonia, mas vai ser retomada mais tarde por
Maingueneau. Então, para Maingueneau,
o enunciador deve legitimar seu dizer: em seu discurso, ele se
atribui uma posição institucional e marca sua relação a um
saber. [...] A imagem discursiva de si é, assim, ancorada em
estereótipos, um arsenal de representações coletivas eu
4 apud GALEMBECK. Marcas de subjetividade e intersubjetividade em textos
conversacionais. In: PRETI, D. (org), 2002.
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determinam, parcialmente, a apresentação de si e sua eficácia
em uma determinada cultura. (CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2014, p. 220-1).
Para Amossy (2014), de forma consciente ou não, o locutor oferece no seu
discurso uma apresentação de si, ou seja, “seu estilo, suas competências linguísticas e
enciclopédicas, suas crenças implícitas são suficientes para construir uma representação
de sua pessoa” (AMOSSY, 2014, p.9).
Os estudos de análise do discurso desenvolvidos por Maingueneau e Amossy
fazem uma reflexão contemporânea da noção de ethos discursivo, além de ressaltarem
“a necessidade de considerar a posição do locutor como ser empírico no campo em que
ele se situa (político, intelectual, literário ou outro)” (AMOSSY, 2014, p.25) e elabora
“ferramentas de análise que se encontram no cruzamento da teoria da argumentação
com a pragmática” (AMOSSY, 2014, p.27).
A teoria da Análise de Discurso Crítica e as noções dos termos discutidas neste
item com a finalidade de compreender a representação identitária dos alunos
ingressantes e concluintes dos cursos de Licenciatura em Língua Portuguesa e em
Língua Inglesa da UEPA.
3. METODOLOGIA
De acordo com afirmações do van Dijk (2010) e usando outros analistas de
discurso críticos, já citados nas bases teóricas e com o propósito de delimitar o campo
de investigação, será analisado o discurso oral e escrito produzido pelos sujeitos-alunos
dos cursos de Letras/ Português e Letras/Inglês. As hipóteses estabelecidas para este
estudo são: a) Os alunos dos cursos de Letras passam por mudanças significativas na
sua constituição identitária ao longo da graduação em Letras; b) Apesar do
conhecimento das teorias da Sociolínguística, LT e AD, os alunos dos cursos de Letras
mantêm ligações estreitas no seu discurso com as concepções mais tradicionais de
ensino/aprendizagem de LM e LE.
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Partindo da produção textual e das participações orais em sala de aula, serão
analisados os elementos linguísticos constituintes da prática discursiva, as estratégias
discursivas utilizadas na formulação desse discurso dos sujeitos-alunos ingressantes e
concluintes dos dois cursos de licenciatura. Como o discurso é elemento constitutivo do
homem, um ser social e lembrando o modelo tridimensional proposto por Fairclough,
serão identificados os elementos ideológicos, identitários, constituintes do ethos
discursivo e, finalmente, realizar a caracterização da representação identitária desses
futuros professores.
Um estudo etnográfico pode contribuir na descrição e compreensão do discurso
dos alunos das licenciaturas em Português e Inglês e, dessa forma, pode permitir o
entendimento de como se faz presente a ideologia, relação de poder, identidade, ethos
discursivo na prática discursiva desses indivíduos.
Os corpora constituem-se de 4 grupos: o primeiro grupo será composto por 30
alunos do primeiro ano de Letras/Português; o segundo grupo por 30 alunos do primeiro
ano de Letras/Inglês; o terceiro por 20 alunos do quarto ano de Letras/Português e o
quarto por 20 alunos do quarto ano de Letras/Inglês.
Com base na abordagem etnogrática, será usada a observação participante.
Durante o primeiro e o segundo semestres de 2016, serão selecionadas 10 aulas do curso
de Letras/Português e 10 do curso de Letras/Inglês. Essas aulas serão gravadas com a
permissão dos professores, com o objetivo de analisar as experiências escolares já
vivenciadas desses sujeitos (também as que estão sendo vivenciadas na graduação), as
suas concepções de língua, as suas crenças, ideologias, enfim, identificar os elementos
constituintes do discurso, analisando as interações em sala de aula.
Ao longo dos anos de 2015 e 2016, serão solicitados dos alunos pesquisados
relatos escritos detalhando as experiências escolares vivenciadas no ensino fundamental,
médio e superior. Esses textos serão solicitados no início e no final de cada semestre
para verificar os elementos linguísticos e extralinguísticos presentes na produção
escrita.
As categorias de análise que serão utilizadas são: Elementos linguísticos do
discurso do aluno ingressante; elementos linguísticos do discurso do aluno concluinte;
aspectos identitários; aspectos ideológicos; ethos discursivo e relação de poder.
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Assim, por meio desses procedimentos metodológicos, serão identificados os
aspectos constituintes do discurso oral e escrito para que se realize a caracterização
identitária dos futuros professores e as suas possíveis influências no contexto
educacional na cidade de Belém.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como esta pesquisa ainda se encontra na fase de leitura da bibliografia e coleta
de dados, não se pode estabelecer conclusões a respeito do problema levantado sobre a
representação identitária dos alunos dos cursos de Letras.
No entanto, este artigo objetivou, principalmente, propor reflexões sobre AD e
ADC, para que se entendesse a importância de considerar a “casa cheia” (BARROS,
2002, p.17), as ideologias, crenças, etc. presentes nos dicursos oral e escrito desses
futuros profissionais. Também discutimos de forma breve os principais conceitos
(ideologia, identidade e ethos discursivo), que estão norteando este estudo. Finalmente,
os procedimentos metodológicos do estudo em questão foram apresentados.
Espera-se que ao terminar as etapas dessa pesquisa, uma caracterização da
representação identitária dos alunos dos cursos de Letras possa ser realizada,
contribuindo para uma melhoria da educação belenense.
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