oferta e demanda por educação formal em comunidades de trabalhadores remanescentes de quilombo do...

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Oferta e demanda por educação formal em comunidades de trabalhadores remanescentes de quilombo do Vale do Mucuri Bolsista: Thayse Palmela Nogueira 1 Orientadora: Profª. Dra. Eva Aparecida da Silva Introdução Com o Artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais e Transitórios, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, garante-se o direito de propriedade da terra aos remanescentes de quilombolas. Somado a esse direito há a necessidade de se pleitear, junto aos órgãos governamentais, a garantia de outros direitos de igual importância, como é o caso do acesso a saúde e à educação. Nesta pesquisa objetivamos apresentar e discutir a situação de333 escolaridade de três (3) comunidades negras rurais do Vale do Mucuri, pré-identificadas como remanescentes de quilombo (CEDEFES, 2007) - Cama Alta, Córrego Novo e São Julião. Num primeiro momento buscou-se traçar o perfil educacional de cada uma das comunidades quilombolas, ao apreender a oferta de educação formal, mediante o acesso à educação básica, em particular fundamental e média, e a demanda por este tipo de educação, bem como ao Ensino Superior. 1 Serviço Social (UFVJM-MG)

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Oferta e demanda por educação formal em comunidades detrabalhadores remanescentes de quilombo do Vale do Mucuri

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  • Oferta e demanda por educao formal em comunidades de

    trabalhadores remanescentes de quilombo do Vale do Mucuri

    Bolsista: Thayse Palmela Nogueira1

    Orientadora: Prof. Dra. Eva Aparecida da Silva

    Introduo

    Com o Artigo 68 dos Atos das Disposies Constitucionais e Transitrios, da

    Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, garante-se o direito de

    propriedade da terra aos remanescentes de quilombolas.

    Somado a esse direito h a necessidade de se pleitear, junto aos rgos

    governamentais, a garantia de outros direitos de igual importncia, como o caso do

    acesso a sade e educao.

    Nesta pesquisa objetivamos apresentar e discutir a situao de333 escolaridade de

    trs (3) comunidades negras rurais do Vale do Mucuri, pr-identificadas como

    remanescentes de quilombo (CEDEFES, 2007) - Cama Alta, Crrego Novo e So

    Julio.

    Num primeiro momento buscou-se traar o perfil educacional de cada uma das

    comunidades quilombolas, ao apreender a oferta de educao formal, mediante o acesso

    educao bsica, em particular fundamental e mdia, e a demanda por este tipo de

    educao, bem como ao Ensino Superior.

    1 Servio Social (UFVJM-MG)

  • Em seguida a anlise focou-se nos alcances e limites da insero de adolescentes e

    jovens 2 de idades entre 15 a 25 anos no ensino superior, em especial aqueles que esto

    em fase de concluso e/ou que concluram o Ensino Mdio.

    Para efeito deste trabalho, primeiramente, numa perspectiva nacional, faremos uma

    breve descrio da realidade que envolve as comunidades remanescentes de quilombo.

    Em seguida, destacaremos as comunidades pertencentes ao estado de Minas Gerais,

    para ento centrarmos nossa ateno nas trs comunidades do Vale do Mucuri.

    O direito especfico terra reconhecido s comunidades quilombolas

    relativamente recente no nosso pas, j que se refere ao ano de 1988. Diferentemente, o

    direito dos indgenas s suas terras reconhecido desde a poca colonial e pelas

    sucessivas Constituies Brasileiras, desde a de 1934. Deste modo, podemos observar

    quo moroso foi o reconhecimento dos direitos direcionados aos quilombolas.

    Na Constituio Federal de 1988, no Artigo 68 do Ato dos Dispositivos

    Constitucionais e Transitrios (ADCT), prev-se que: Aos remanescentes das

    comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras reconhecida a

    propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os ttulos respectivos. (BRASIL,

    1988)

    Todavia, no podemos apenas citar o Artigo 68 sem tentar minimamente

    explicitar seu sentido histrico. Segundo Arruti (2003), s vsperas de se completar 100

    anos da Abolio da Escravizao, saindo de uma ps-ditadura, se assim pode ser

    chamada, o movimento negro se apropria do momento histrico da formulao do

    Artigo 68, ainda que com receios no presente, porm com perspectivas de possveis

    mudanas no futuro.

    O Artigo 68 sedimentou na lei, mesmo como dispositivo constitucional

    transitrio, uma conquista histrica da cidadania brasileira. claro que o artigo teve sua

    formulao sem maiores aprofundamentos e discusses sobre o tema com a sociedade

    2 O Estatuto da Criana e do Adolescente classifica em adolescentes pessoas de doze at dezoito anos incompletos. J as Naes Unidas classifica como jovem pessoa de idade entre 15 e 24 anos. Nesta pesquisa trabalharemos com o termo adolescente, tomando como referncia o Estatuto da Criana e do Adolescente, e com o termo jovem ( pessoas de 18 a 25 anos), tal como expresso pelas Naes Unidas.

    2

  • civil e sobre a realidade dos grupos quilombolas3, o que o torna restrito, ainda que haja

    uma inspirao histrica e arqueolgica. A poca de sua formulao, embora seja uma

    conquista histrica, o Artigo 68 desconhecia o real problema social que envolvia o

    tema tratado.

    importante destacar, contudo, o que a lei trouxe para o contexto histrico-

    poltico-social daquele momento. O primeiro ponto que Arruti (2003) nos chama a

    ateno que os formuladores da lei no tinham elementos suficientes para calcular os

    efeitos de sua criao, e que tal inteno no ia de encontro com a realidade, observando

    que o Artigo 68 era muito obscuro e confuso, e que o conhecimento utilizado para sua

    formulao era bastante restrito, no indo de encontro realidade em que o artigo se

    faria representar. Os formuladores no possuam a clareza de que estariam chamando

    para atuar sujeitos que permaneciam merc da sociedade. Sujeitos esses que

    tornariam o artigo uma valiosa ferramenta na abertura de novos caminhos para a luta

    social, ao contrrio do que sua formulao inicial pretendia. (ARRUTI, 2003:2)

    A categoria remanescente de quilombo, segundo Arruti (2003), foi criada pelo

    mesmo ato que a instituiu como sujeito de direitos (fundirios e, de forma mais geral,

    culturais), mas tambm reconheceu o direito que as comunidades remanescentes de

    quilombo tm a propriedade das terras que ocupam. Este autor mostra que com a

    criao do Artigo 68 e com o conhecimento acerca dos direitos cria-se um novo sujeito

    social, um novo sujeito poltico etnicamente diferenciado pelo termo quilombola

    (ARRUTI, 2003:1)

    A base da questo quilombola o direito terra, como salienta o artigo da

    constituio federal, porm h algo que chama ateno aos nossos olhos - identidade

    quilombola - que reafirmada com a posse da terra, pois por meio da terra que as

    comunidades quilombolas tiram seu sustento e constroem a sua lgica de vida. A

    territorialidade est diretamente ligada ao processo de criao de identidade, pois

    atravs da materialidade (terra) que se mantm vivo o imaterial (identidade), por meio

    de seus costumes e crenas, no tornando a posse da terra apenas um meio de

    subsistncia dessas comunidades.

    3 A palavra quilombo, ou calhambo, de origem banto e significa acampamento ou fortaleza e foi usada pelos portugueses para denominar as povoaes constitudas por escravos fugidos. O termo tambm pode ser atribudo casa ou refgio. (CEDEFES, 2008:41)

    3

  • As comunidades quilombolas despertam uma srie de questes socioeconmicas,

    espaciais, jurdicas e culturais que passaram a fazer parte da discusso sobre o que

    representam os quilombos contemporneos na atualidade e sobre a sua efetiva insero

    cidad. (OLIVEIRA, PARS, VELLOSO, 2007:217). Na maioria das vezes, estas

    questes so representativas de suas precrias condies socioeconmicas de vida

    (ausncia de infra-estrutura, dificuldade de acesso sade, educao, ao emprego e

    renda,etc.), espaciais (constantes ameaas garantia de suas terras), culturais (perda de

    suas identidades culturais) e jurdicas (morosidade do processo que leva ao ttulo de

    suas terras).

    A criao de polticas pblicas e aes afirmativas pelo Estado uma medida de

    suprimir as desigualdades acumuladas historicamente, buscando a garantia de

    oportunidades iguais para cidados, como o caso da populao negra (urbana e/ou

    rural), que sofreram diversas formas de discriminao, excluso, o alijamento do

    processo produtivo e o acesso a uma vida social digna (GOMES, SILVA, 2008). No que

    se refere s comunidades remanescentes de quilombo, so vrias as polticas pblicas a

    elas destinadas pelo governo federal, atravs do Programa Brasil Quilombola.

    Segundo Arruti (2003: 1), o reconhecimento deste grupo por parte do Estado,

    que no caso trata-se de um grupo quilombola, um ato de nomeao oficial que fixa

    uma identidade poltica, administrativa e legal.

    Analisando o Artigo 68, enquanto uma conquista histrica, podemos notar como o

    conceito de quilombo mudou no decorrer das dcadas. Durante o perodo colonial e

    imperial, muitos quilombos se formaram com a fuga de escravos que se rebelaram

    contra a ordem escravista (CEDEFES, 2008:41).

    A sua primeira definio se d no corpo das legislaes colonial e imperial, de uma forma explicitamente indefinida, que buscava abarcar sob um mesmo instrumento repressivo, o maior nmero de situaes, bastando para a sua caracterizao, a reunio de cinco (colonial) ou trs (imperial) escravos fugidos, que formassem eles ranchos permanentes (colonial) ou no (imperial). (Arruti apud Almeida, 1996)

    4

  • Haviam variadas formas de quilombo: grupos itinerantes que sobreviviam de

    assaltos nas estradas e fazendas at grandes estruturas mais complexas.

    At o final dos anos de 1970, o conceito de quilombo era tratado como reduto de

    escravos fugitivos e o grande modelo era o Quilombo de Palmares. Aps este perodo,

    circulavam informaes em escala regional e nacional sobre comunidades negras

    rurais. (RATTS, 2004:90)

    Na dcada de 1980, Nascimento sintetiza o que para ele era a razo de ser desse

    fenmeno e imprime sua interpretao do que quilombo: Quilombo no significa

    escravo fugido. Quilombo quer dizer reunio fraterna e livre, solidariedade,

    convivncia, comunho existencial. (Nascimento apud Ratts, 2004:93). J Santos

    define quilombo como uma organizao camponesa livre, praticante de policultura,

    defensora da natureza e com pequenas desigualdades internas. (Santos apud Ratts,

    2004: 93)

    Na compreenso do que significa o termo quilombola, podemos observar que a

    formao de quilombos em todas as colnias e pases do Novo Mundo constituiu-se em

    estratgia utilizada pelos africanos que, escravizados, ansiavam por liberdade.

    (COSTA, 2008:25), instituindo assim, uma forma alternativa ao sistema de escravido

    at ento vigente no pas. Da, a necessidade que se tinha de se procurar reas afastadas

    e de difcil acesso, criando uma barreira entre o sistema de escravido e a liberdade que

    se pretendia ter.

    H indcios de que a maior parte das comunidades quilombolas em Minas Gerais se

    constituiu aps a abolio da escravido em 1888. Depois de expedido o decreto, grande

    parte dos negros no tinha onde ficar, no possua trabalho e nem perspectiva de

    integrao na sociedade. Diante de tudo isso, muitas famlias migraram para os

    grotes, para terras desabitadas ou para margens de fazendas. H alguns casos de

    famlias que receberam doao de terras de seus antigos senhores e ali formaram

    comunidades, outras conseguiram atravs da compra adquirir seu pedao de terra, onde

    trabalhavam. (CEDEFES, 2007:41)

    Desenvolvido pelo Centro de Documentao Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), no

    perodo de 2003 a 2007, o Projeto Quilombos Gerais pr-identificou 435 comunidade

    5

  • quilombolas no estado de Minas Gerais, em aproximadamente 170 municpios (20% do

    total do Estado). Essas comunidades esto distribudas nas regies de Campos das

    Vertentes, Central Mineira, Jequitinhonha, Metropolitana/Belo Horizonte, Noroeste,

    Norte de Minas, Oeste de Minas, Sul, Tringulo/Alto Paranaba, Vale do Mucuri, Vale

    do Rio Doce e Zona da Mata, conforme Tabela 1.

    Tabela 1 Distribuio regional das comunidades remanescentes de quilombo do

    Estado de Minas Gerais

    Regio Nmero %

    Campos das Vertentes 5 1,1

    Central Mineira 8 1,8

    Jequitinhonha 105 24,1

    Metropolitana/Belo Horizonte 54 12,6

    Noroeste 15 3,4

    Norte de Minas 153 35,1

    Oeste de Minas 8 1,8

    Sul 8 1,8

    Tringulo/Alto Paranaba 10 2,3

    Vale do Mucuri 19 4,4

    Vale do Rio Doce 29 6,7

    Zona da Mata 21 4,8

    Total 435 100,0

    Fonte: CEDEFES, 2008, p.46.

    Entre as 435 comunidades remanescentes de quilombo encontradas no estado de Minas

    Gerais, 97,9 % (426) esto localizadas nas zonas rurais do Estado e o restante, 2,1 % (9)

    nas zonas urbanas. A existncia de comunidades negras urbanas ocorre devido grande

    6

  • concentrao de ex-escravos em reas urbanas e circunvizinhas. Podemos encontrar

    comunidades negras urbanas nas regies Metropolitana de Belo Horizonte,

    Jequitinhonha, Noroeste e Vale do Mucuri.

    A presente pesquisa, entretanto, centra sua ateno nas comunidades quilombolas da

    mesorregio do Vale do Mucuri4, em especial em trs (3) delas So Julio, Crrego

    Novo e Cama Alta, localizadas no municpio de Tefilo Otoni. Essa mesorregio

    apresenta dezenove (19) comunidades pr-identificadas como remanescente de

    quilombo, e se encontram nos municpios de Atalia, Carlos Chagas, Fronteira dos

    Vales, Nanuque, Ouro Verde de Minas e Tefilo Otoni.

    Segundo o CEDEFES (2007), algumas destas comunidades j entraram com o pedido

    de titulao de suas terras junto ao Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    - INCRA, e outras j so cadastradas pela Fundao Palmares, possuindo uma

    declarao de reconhecimento como remanescente de quilombo, a qual torna possvel

    pleitear polticas pblicas especficas. (SILVA, 2009:2)

    O processo de titulao das terras dos remanescentes de quilombo muito longo

    e muito moroso, por isso o fato de existir apenas uma comunidade em todo o Estado

    com o ttulo da terra - Porto Cors, no municpio de Leme do Prado, na regio do

    Jequitinhonha.

    Ao Ministrio do Desenvolvimento Agrrio - por intermdio do INCRA-

    compete a identificao, o reconhecimento, a delimitao, a demarcao e a titulao

    das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades de quilombos, atravs da

    realizao do Relatrio Tcnico de Identificao e Delimitao (RTID).

    Este relatrio realizado em diversas etapas a) Relatrio antropolgico de

    caracterizao histrica, econmica, ambiental e scio-cultural da rea quilombola

    identificada; b) levantamento fundirio; c) planta e memorial descritivo do permetro da

    rea reivindicada pelas comunidades remanescentes de quilombo, bem como

    4 Essa mesorregio composta por vinte e trs (23) municpios agrupados em duas (2) microrregies: Tefilo Otoni e Nanuque. A microrregio de Tefilo Otoni compreende treze (13) municpios: Atalia, Catuji, Fransciscpolis, Frei Gaspar, Itaip, Ladainha, Malacacheta, Novo Oriente de Minas, Ouro Verde de Minas, Pavo, Pot, Setubinha, Tefilo Otoni; e a microrregio de Nanuque dez (10) municpios: guas Formosas, Bertpolis, Carlos Chagas, Crislita, Fronteira dos Vales, Machacalis, Nanuque, Santa Helena de Minas, Serra dos Aimors, Umburatiba.( SILVA, 2009:2)

    7

  • mapeamento e indicao dos imveis e ocupaes por todo seu territrio; d)

    cadastramento das famlias, utilizando-se de formulrios especficos do INCRA; e)

    levantamento e especificao detalhada de situaes em que as reas pleiteadas estejam

    sobrepostas a unidades de conservao constitudas, a reas de segurana nacional, a

    reas de faixa de fronteira, terras indgenas ou em outras terras pblicas arrecadadas

    pelo INCRA; f) parecer conclusivo da rea tcnica e jurdica sobre a proposta de rea,

    considerando os estudos e documentos apresentados.

    Concludo o RTID, existem ainda etapas posteriores: a) o INCRA dever

    Publicar os dados adquiridos no Dirio Oficial da Unio e no Dirio Oficial da unidade

    federada onde se localiza a rea sobre o estudo; b) Consultar aos rgos e entidades,

    como IPHAN, IBAMA, FUNAI, Fundao Cultural Palmares, dentre outros que podem

    opinar sobre as matrias de suas respectivas competncias; c) Receber contestaes dos

    rgos e entidades referentes no prazo de 90 dias aps a publicao; d) Analisar a

    situao fundiria dos territrios pleiteados; e) Demarcar; f) Titular (clusula de

    inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade).

    A morosidade que envolve esse processo de emisso dos ttulos s

    comunidades remanescentes de quilombo, revela a dicotomia existente entre o direito

    afirmado pelo Artigo 68 e a efetiva concretizao deste direito.

    A tabela abaixo mostra o nmero de comunidades na mesorregio de Tefilo Otoni e

    suas respectivas documentaes, ou no, junto ao INCRA e Fundao Palmares.

    Tabela 2 Comunidades remanescentes de quilombo do Vale do Mucuri

    Comunidade Municpio Ano pedido titulao

    INCRA

    Ano Cadastro

    Fundao Palmares

    gua Preta Ouro Verde de Minas *** 2005

    gua Preta de Cima Ouro Verde de Minas 2006 2006

    Cama Alta Tefilo Otoni *** ****

    Carneiro Ouro Verde de Minas *** ****

    Crrego Santa Cruz Ouro Verde de Minas 2004 2005

    Fazenda Pedra Azul Tefilo Otoni *** ****

    Ferreiro Atalia *** ****

    8

  • Futrica Nanuque *** ****

    Gumercindo dos Pretos Nanuque *** ****

    Imburama Tefilo Otoni *** ****

    Marques I Carlos Chagas 2006 2005

    Marques II Carlos Chagas *** 2005

    Nunes Fronteira dos Vales *** ***

    Palmeiras ou Margem da

    Linha

    Tefilo Otoni *** ***

    Paulos Atalia *** ***

    Prejuzo Fronteira dos Vales *** ***

    So Julio ou

    Lavra dos Pretos

    Tefilo Otoni *** ***

    Salineiro Atalia *** ***

    Ventania Fronteira dos Vales *** ***

    Fonte: CEDEFES, 2008.

    Ao tratar das comunidades remanescentes de quilombo da mesorregio de

    Tefilo Otoni h duas comunidades que chamamos ateno Fazenda Pedra Azul e

    Imburama. A Imburama que foi pr-identificada pelo CEDEFES como quilombo, na

    realidade parte dos quatro (4) ncleos familiares que compem a comunidade

    quilombola Crrego Novo que est situada no distrito de Topzio, pertencente ao municpio de Tefilo Otoni. A comunidade Pedra Azul no representa mais uma comunidade,

    mas sim um dos pequenos ncleos de povoamento, denominado Stio Pedra Azul, pertencentes

    comunidade Marques I, localizada no municpio de Carlos Chagas e no de Tefilo Otoni.

    (LIMA apud SILVA, 2009:3)

    1- Percurso metodolgico

    Esta pesquisa trata-se de um estudo acerca do perfil educacional de trs (3)

    comunidades remanescentes de quilombo do Vale do Mucuri: Cama Alta, Crrego

    Novo e So Julio.

    9

  • O desenvolvimento desta pesquisa contou com o levantamento e leituras

    bibliogrficas sobre o tema aqui tratado, o que possibilitou o aprofundando do

    conhecimento sobre as comunidades remanescentes de quilombo do Vale do Mucuri.

    A pesquisa de campo contou com visitas regulares s comunidades, e com os

    dados coletados junto populao de cada uma delas, num mapeamento mais amplo,

    que busca conhec-las em suas mltiplas facetas (histria, economia, cultura,

    demografia, educao, relaes sociais, etc.), do qual essa pesquisa parte.

    Ao tratar do tema central da pesquisa, nos utilizamos da tcnica de grupo focal,

    para suprir as lacunas que os nmeros no puderam contemplar. O grupo focal uma

    tcnica de entrevista em grupo, haja vista que esse grupo possui caractersticas comuns

    que os qualifica a debater a questo em destaque, neste caso o tema a educao. Os

    participantes devem ter alguma vivncia com o tema tratado, de tal forma que sua

    participao traga informaes acerca de suas experincias cotidianas. (GATTI,

    2005:7).

    Segundo Gatti:

    O trabalho com os grupos focais permite compreender

    processos de construo da realidade por determinados grupos sociais,

    compreender prticas cotidianas, aes e reaes a fatos e eventos,

    comportamentos e atitudes, constituindo uma tcnica importante para

    o conhecimento das representaes, percepes, crenas, hbitos,

    valores, restries, preconceitos, linguagens e prevalentes no trato de

    uma dada questo por pessoas que partilham alguns traos em comum,

    relevantes para o estudo do problema visado.A pesquisa com os

    grupos focais alm de ajudar na obteno de perspectivas diferentes

    sobre uma mesma questo, permite tambm a compreenso de idias

    partilhadas por pessoas no dia-a-dia e dos modos pelos quais os

    indivduos so influenciados pelos outros. (GATTI, 2005:11)

    Recomenda-se que o grupo focal tenha entre seis (6) a doze (12) participantes.

    Em geral, para projetos de pesquisa, o ideal no trabalhar com mais de dez (10)

    participantes (GATTI, 2007:22). Os grupos maiores restringem a participao, a

    10

  • oportunidade de troca de informaes entre os participantes, tornando o moderador

    apenas um condutor da entrevista, deixando que suas perguntas sejam respondidas pelos

    prprios participantes, permitindo ao investigador obter uma quantidade

    necessariamente boa de informaes em um perodo menor de tempo.

    No decorrer da pesquisa foram formados trs (3) grupos focais5 em cada

    comunidade Cama Alta, Crrego Novo e So Julio com adolescentes e jovens de

    idades entre 15 a 25 anos, de ambos os sexos. O objetivo do grupo focal foi debater

    sobre os alcances e limites da insero dos jovens no ensino superior, e para isso

    contamos com a participao de adolescentes e jovens em fase de concluso e/ou que j

    haviam concludo o Ensino Mdio.

    2- Comunidades Negras Rurais do Vale do Mucuri

    A regio do Vale do Mucuri era constituda por uma densa Mata Atlntica, lugar

    propcio para a vida de inmeros animais. Tambm viviam nessa regio os ndios

    Botocudos e os Maxacali, que estendiam seu territrio pelos vales do Rio Doce e So

    Mateus.

    O Vale do Mucuri comea a ser ocupado, por volta do sculo XIX, por meio das

    polticas de colonizao europia dos governos do Imprio e da Provncia. Diversos

    grupos de alemes se instalaram na regio da antiga Filadlfia, atual Tefilo Otoni,

    desde 1854. (CEDEFES, 2008: 309)

    Segundo relatos coletados pelo Centro de Documentao Eloy Ferreira da Silva-

    CEDEFES- a formao de muitos dos quilombos da regio do Vale do Mucuri iniciou-

    se no fim do sculo XIX, quando negros libertos ou fugidos das fazendas de caf se

    dirigiam para as matas do Vale do Mucuri. O CEDEFES localizou 19 comunidades no

    Vale do Mucuri, entretanto, no INCRA h pedidos de titulao de somente trs (3)

    comunidades.

    2.1 - Cama Alta

    5 Utilizamos a tcnica de grupo focal, fizemos grupos de dez (10) participantes em cada entrevista, seguindo assim a metodologia proposta pela autora Bernadete Angelina Gatti. No total foram entrevistados cerca de trinta (30) adolescentes e jovens das trs comunidades pesquisadas.

    11

  • A Comunidade Cama Alta se localiza a 45 km do municpio de Tefilo Otoni,

    no distrito de Brejo. O relato de moradores de Cama Alta sobre a ocupao bastante

    semelhante aos relatos das outras comunidades quilombolas dos municpios vizinhos ou

    prximos aos de Tefilo Otoni.

    Por volta de 1915 e 1920, fugindo da seca que castigava a regio de Salinas,

    situada no norte de Minas Gerais, chegam o senhor Manoel Pereira de S, seu filho

    Jlio Pereira de S, entre outros, conforme relatou o senhor Horrio Pereira Barbosa,

    filho do senhor Jlio e neto do senhor Manoel.

    Quando os primeiros moradores ali chegaram, se depararam com uma mata

    densa Mata Atlntica provavelmente, havia tambm na regio Botocudos. Durante

    muito tempo os ndios e os quilombolas viveram em harmonia em uma regio que era

    bastante forte a presena de animais selvagens. O nome da comunidade Cama Alta um

    retrato da necessidade, da poca, de se construir as camas muito altas para se proteo

    de animais, principalmente onas. (CEDEFES, 2008, p.314).

    A economia dessa comunidade se mantm atravs de pequenas roas de

    subsistncia arroz, milho, caf, amendoim e da criao de animais. Por falta de

    alternativas de gerao de renda, a migrao para os centros urbanos bastante

    freqente em Cama Alta.

    Atualmente a comunidade conta com aproximadamente pessoas, totalizando

    famlias. A populao de adolescentes e jovens de 18, sendo 9 adolescentes- 15 a 18- e

    9 jovens- 19 a 15. Na tabela abaixo mostra a insero destes adolescentes e jovens no

    ensino.

    Grau de escolaridade- Cama Alta

    Analfabeto 0

    1 a 4 incompleta 1

    1 a 4 completa 1

    5 a 8 incompleta 5

    5 a 8 completa 1

    Ensino Mdio incompleta 5

    Ensino Mdio completa 4

    12

  • Superior 0

    No sabe 0

    Total 18

    2.2 - Crrego Novo

    A Comunidade Crrego Novo se situa a 40 km de Tefilo Otoni, prxima ao

    distrito de Topzio. Sua formao se d a partir de quatro grandes ncleos familiares:

    Barbosa Lima, Barbosa Pinto, Imburama e Trega. O ncleo dos Barbosa Lima o

    ncleo familiar com maior nmero de pessoas hoje na comunidade.

    De acordo com seu patriarca, o Senhor Geraldo Barbosa Lima, sua famlia chegou

    regio do Vale do Mucuri por volta de 1929 e j encontrou ali instalados Manezinho da

    Cachoeira, de quem comprou a terra, e os Imburamas, os quais abriram posse na

    mata ainda pouco povoada. (SILVA, 2009:6)

    Atualmente a comunidade formada por 45 famlias, totalizando 178 habitantes. A

    populao de adolescentes e jovens da comunidade Crrego Novo de 31, com 19

    adolescentes- 15 a 18 anos- e 12 jovens 19 a 25 anos. Na tabela abaixo podemos

    observar a insero destes adolescentes e jovens no ensino.

    Grau de escolaridade- Crrego Novo

    Analfabeto 0

    1 a 4 incompleta 2

    1 a 4 completa 0

    5 a 8 incompleta 12

    5 a 8 completa 2

    Ensino Mdio incompleta 12

    Ensino Mdio completa 2

    Superior 0

    No sabe 1

    13

  • Total 31

    2.3 - So Julio

    So Julio, tambm conhecida como Lavras dos Pretos, est situada na zona

    rural do municpio de Tefilo Otoni a 83 km da cidade, prxima ao distrito de

    Maravilha.

    Segundo Me Augusta, matriarca da comunidade, os primeiros moradores

    vieram de um lugarejo prximo cidade de Jequitinhonha- ao que tudo indica

    Felisburgo. Sua formao est ligada com a fuga das famlias da Guerra do Paraguai

    (1864-1870), e busca por melhores condies de vida e de um lugar para fixar

    residncia. Os descendentes dos fundadores, em particular os Pereiras, ocupam o

    territrio que teve origem h quase 150 anos. (SILVA, 2007:4)

    A comunidade So Julio tambm conhecida como Lavras dos Pretos por

    causa da extrao de minrios que havia na regio. Atualmente, a maioria das famlias

    de So Julio sobrevive dos trabalhos do campo, havendo poucos casos de subempregos

    na cidade.

    A comunidade possui aproximadamente 397 habitantes, totalizando 104 famlias,

    contando com 44 jovens e adolescentes, sendo que destes 44, 19 so adolescentes com

    idades entre 15 a 18 e 25 so jovens de idades entre 19 e 25 anos. A tabela abaixo

    mostra a insero destes adolescentes e jovens no ensino.

    Grau de escolaridade- So Julio

    Analfabeto 2

    1 a 4 incompleta 9

    1 a 4 completa 4

    5 a 8 incompleta 16

    5 a 8 completa 4

    14

  • Ensino Mdio incompleta 8

    Ensino Mdio completa 0

    Superior 0

    No sabe 1

    Total 44

    3- Educao formal e no-formal, e a juventude das comunidades

    quilombolas

    Ao tratar do tema educao no-formal o paralelo com educao formal quase

    instantneo. Para alguns autores o termo no-formal sinnimo de informal.

    A educao no-formal ou educao informal trata-se da educao em que os

    indivduos aprendem no decorrer do processo de socializao, nas experincias

    cotidianas compartilhadas como, por exemplo, o convvio com a famlia, com os

    amigos, os valores e culturas que os indivduos vo absorvendo nas relaes sociais, etc.

    trata-se de apreender o mundo da vida. Por outro lado, a educao formal, trabalha

    com contedo previamente demarcado, e desenvolvida em um lugar especfico na

    escola.

    Segundo Gohn:

    A educao no-formal designa um processo com vrias dimenses tais como: a aprendizagem poltica dos direitos dos indivduos enquanto cidados; a capacitao dos indivduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou potencialidades; a aprendizagem e exerccio de prticas que capacitam os indivduos a se organizarem com objetivos comunitrios, voltadas para a soluo de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de contedos que possibilitem aos indivduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreenso do que se passa ao seu redor; a educao desenvolvida na mdia e pela mdia, em especial a eletrnica etc. (GOHN, 2006:2)

    15

  • Quando se indaga acerca do agente do processo de construo do saber, logo

    pensamos que na educao formal esse agente trata-se do professor, que se encontra no

    seu espao institucionalizado regulamentado por lei, certificado e organizado segundo

    diretrizes nacionais a escola que um local normatizado, com regras e padres

    comportamentais definidos.

    Ao contrrio da educao formal, na educao no-formal o grande educador o

    outro - famlia, amigos, colegas de escola, etc. tornando a trajetria de vida em

    sociedade o territrio propcio para a aprendizagem. Por se tratar de um ambiente e de

    situaes de interao construdos no coletivo, de acordo com diretrizes do prprio

    grupo, a participao dos indivduos se torna opcional, podendo o indivduo optar

    devido a circunstncias de seu histrico de vida. Ocorrendo assim, uma intencionalidade

    na ao, no ato da participao, do aprendizado e da transmisso de outros saberes.

    Segundo Gohn, a educao no-formal tem seus espaos educativos demarcados por

    referncias de nacionalidade, localidade, idade, sexo, religio, etc. (GOHN, 2006:29)

    Se por um lado educao formal exige tempo, um local especfico, profissionais

    especializados, sistematizao seqencial das atividades que se divide por idade e por

    classe de conhecimento; por outro, a educao no-formal no organizada, o

    conhecimento repassado no decorrer das prticas e experincias anteriores, como se o

    passado orientasse o presente. A educao informal atua sobre o campo emocional e

    sentimental, atuando tambm sobre aspectos subjetivos do grupo, trabalha e forma a

    cultura poltica de um grupo, desenvolvendo laos de pertencimento e ajudando na

    construo da identidade coletiva. (GOHN, 2006:30)

    Os resultados obtidos a partir de cada educao so variados. Na educao formal

    espera-se que ocorra uma aprendizagem efetiva onde os indivduos possam se certificar

    e se titularem seguindo graus mais avanados na educao. Diferentemente, da

    educao no-formal no se espera resultados, os resultados simplesmente acontecem a

    partir do desenvolvimento de cada indivduo.

    Segundo Gohn, a educao no-formal pode desenvolver como resultados uma

    srie de processos como: a) conscincia e organizao de como agir em grupos

    coletivos; b) a construo e reconstruo de concepo (es) de mundo e sobre o

    mundo; c) contribuio para um sentimento de identidade com uma dada comunidade;

    d) forma o indivduo para a vida e suas adversidades (e no apenas o capacita para

    16

  • entrar no mercado de trabalho); e) quando presentes em programas com crianas ou

    jovens adolescentes, a educao no-formal resgata o sentimento de valorizao de si

    prprio (o que a mdia e os manuais de auto-ajuda denominam simplificadamente como

    a auto-estima); ou seja, d condies aos indivduos para se desenvolverem sentimentos

    de auto-valorizao, de rejeio dos preconceitos que lhes so dirigidos, o desejo de

    lutarem para ser reconhecidos como iguais (enquanto seres humanos), dentro de suas

    diferenas (raciais, tnicas, religiosas, culturais, etc.); f) os indivduos adquirem

    conhecimento de sua prpria prtica, os indivduos aprendem a ler e interpretar o mundo

    que os cerca. (GOHN, 2006:29/30)

    A educao no-formal tem como mtodo bsico a vivncia e a reproduo do

    conhecido, a reproduo das experincias segundo os modos e as formas como foram

    aprendidas e codificadas. (GOHN, 2006:31) Sua metodologia parte da cultura dos

    indivduos e dos grupos como meio para a aprendizagem, seu mtodo surge da

    problematizao da vida cotidiana segundo temas que so tidos como necessidades,

    carncias, desafios, etc. Os contedos so construdos no processo e no so dados a

    priori. A aprendizagem entra no campo do simblico, das orientaes e representaes

    que conferem sentido e significado s aes humanas. Com um carter humanista, visa

    formao integral dos indivduos. (GOHN, 2006:31/32)

    As dificuldades de acesso e de permanncia na educao, particularmente no ensino

    mdio e superior, relatadas por adolescentes e jovens das 3 comunidades pesquisadas,

    parecem demonstrar a no eficcia da educao formal.

    Na Comunidade quilombola So Julio h aproximadamente quarenta (44)

    adolescentes e jovens, sendo 19 so adolescentes e 26 jovens que freqentam

    regularmente a escola, entretanto, apesar de alguns jovens j terem idade para se inserir

    no ensino superior, a realidade outra. Nenhum jovem da comunidade est inserido em

    Universidades e/ou Faculdades, h casos de jovens que tentaram se inserir via Enem ou

    vestibular, porm, no obtiveram pontos suficientes para sua efetiva insero.

    Os motivos para no insero so variados. Muitos adolescentes e jovens necessitam

    trabalhar, o que impossibilita a concluso do ensino fundamental e mdio, dificultando

    assim, aprender o conhecimento necessrio que cobrado em provas de seleo das

    Universidades e Faculdades do Brasil. Os jovens acham muito difcil conciliar o

    17

  • trabalho que pesado, pois se trata de trabalho rural - com os estudos, o que contribui

    para o grande nmero de reprovaes.

    Outro ponto que importante ressaltar a dificuldade de acesso escola. Apesar

    de haver nibus para lev-los escola, concedido pelo poder pblico, alguns

    adolescentes e jovens relatam que ainda necessitam caminhar bastante para pegar o

    nibus que passa em determinado ponto da estrada e quando est em poca de chuvas o

    problema ainda maior. As estradas que ligam a comunidade quilombola escola no

    so asfaltadas, tornando o trajeto impossvel de ser feito.

    Marcos - 23 anos e com ensino fundamental completo diz que caminha cerca de

    30 km para ir e voltar escola, pois o nibus no passa em sua casa para apanh-lo. O

    jovem trabalhador rural e diz que o motivo das reprovaes que teve, se d pela

    dificuldade de conciliar os estudos com o trabalho e tambm diz que alguns temas

    tratados na escola so muito difceis para o entendimento.

    Na Comunidade Cama Alta existem aproximadamente 18 adolescentes e jovens,

    dentre os quais 9 so adolescentes e 9 so jovens, alguns desses jovens j concluram o

    ensino mdio, entretanto, ainda no entraram no ensino superior.

    Segundo eles, a maior dificuldade se manter na faculdade despesas de aluguel de

    casa na cidade, mensalidades da faculdade, gastos com o estudo em geral- apesar de ter

    o apoio dos familiares para ingressarem na faculdade, seus familiares no possuem

    condies financeiras de sustent-los no ensino superior.

    Por no tornarem o sonho de entrar na Faculdade real, muitas das jovens saem da

    comunidade e vo trabalhar na cidade e logo constituem famlia e engravidam. A

    realidade dos jovens tambm no diferente, logo conseguem um trabalho, tambm

    constituem famlia e desistem do ensino superior.

    Anarlei (18 anos, ensino fundamental incompleto) ficou um ano e meio sem ir na

    escola porque teve que cuidar da filha, aps engravidar. A comunidade no possui

    creche e por isso no tem com quem deixar sua filha. Sua me, j de idade, no tem

    condies de ficar com o beb para ela voltar aos estudos, o que torna difcil o trmino

    do ensino fundamental e mdio, e o ingresso na universidade. Segundo a jovem,

    18

  • algumas outras jovens levam seus filhos para a escola enquanto elas esto estudando,

    mas para ela isso errado, porque as mes no conseguem se concentrar nas aulas, indo

    somente para ter presena, pois no aprendem nada.

    A Comunidade Crrego Novo conta com 31 adolescentes e jovens, onde 19 so

    adolescentes e 12 so jovens, freqentando o ensino fundamental e mdio. Muitos

    desses jovens j tiveram algumas reprovaes, os motivos mais frequentes deste atraso

    escolar se d pela insero dos jovens no trabalho e pela dificuldade de transporte para

    as escolas.

    Observamos que nas trs comunidades pesquisadas os jovens e adolescentes

    gostariam de frequentar a universidade, mas apesar de desejarem entrar no ensino

    superior, ainda no h um esclarecimento do que de fato a universidade.

    Segundo Leonardo (18 anos, ensino fundamental incompleto), da Comunidade

    Crrego Novo, uma das dificuldades saber qual curso escolher para seguir uma

    carreira. Ele sabe que deve ter afinidade com o curso que far, entretanto diz que na

    escola no se tem um aprofundamento do que a universidade/ faculdade. Os

    professores no trabalham esse tema com os estudantes, tornando o ensino superior algo

    que fica somente no imaginrio desses adolescentes e jovens quilombolas.

    5- Consideraes finais

    Esta pesquisa buscou entender a oferta e a demanda por educao formal em

    comunidades remanescentes de quilombo do Vale do Mucuri, em especial em trs delas

    Cama Alta, Crrego Novo e So Julio- compreendendo os limites e alcances para a

    insero de adolescentes e jovens quilombolas no Ensino Superior brasileiro.

    Tornando-se o aprofundamento bibliogrfico de extrema importncia para

    entender a situao das comunidades remanescentes de quilombo, em particular no que

    diz respeito ao acesso educao, voltamos ao Artigo 68 da Constituio Federativa do

    Brasil para esclarecer que h um direito previsto em lei direito a terra- e que esse

    direito necessita ser ampliado abrangendo outros direitos que possuem o mesmo peso na

    vida dessas comunidades quilombolas.

    19

  • Para a obteno de dados educacionais, foram feitas visitas s trs comunidades do

    Vale do Mucuri e a aplicao de questionrios em toda a populao dessas

    comunidades, como parte de uma pesquisa mais ampla. Utilizamo-nos do grupo focal

    para coletar informaes junto aos adolescentes e jovens com idades entre 15 e 25 anos,

    para ento ouvirmos deles o que pensam sobre sua insero ou no insero no ensino

    superior.

    O que observamos nas falas dos prprios adolescentes e jovens das comunidades

    que apesar de desejarem entrar no ensino superior, a realidade enfrentada por eles os

    distanciam de alcanar tal desejo. A falta de conhecimento sobre as polticas pblicas de

    acesso e permanncia no ensino superior, como por exemplo, o sistema de cotas tnico-

    raciais nas universidades e faculdades que reservam vagas em instituies pblicas ou

    privadas para afro-brasileiros, o Programa Universidade Para Todos- Prouni que

    fornece bolsa em instituies privadas, as prprias universidades federal e estaduias, nas

    quais h programas internos de auxlio estudantil, bolsa-atividade e de iniciao

    cientfica, que podem auxiliar na permanncia dos estudantes no espao da

    universidade. O desconhecimento acerca destes programas, somado tambm a no-

    clareza acerca dos cursos oferecidos e de seu papel profissional, torna o universo do

    ensino superior algo bastante estranho para esses jovens que, muitas vezes, nasceram e

    cresceram nestas comunidades.

    O trmino tardio do ensino mdio por estes adolescentes e jovens dificulta ainda

    mais o processo de insero no ensino superior. Muitos deles encontram um trabalho e

    formam famlia e no regressam mais a escola, e outros nem mesmo tentam ingressar na

    universidade. neste momento, em que h essa desistncia, que deveria ter um projeto

    junto a esses jovens de motivao para alcanar o ensino superior e mudar um pouco a

    realidade na qual eles se encontram.

    O que observamos que as escolas do ensino fundamental e mdio poderiam fazer

    um trabalho de orientao com esses jovens em fase de formao, tanto acerca do

    universo universitrio, dos procedimentos de insero e de permanncia no ensino

    superior, como quanto em relao reas de trabalho e suas possibilidades de atuao

    profissional e/ou de pesquisa, e tambm fazendo com que eles prprios possam

    encontrar o que eles realmente esto buscando com o ensino fundamental e mdio.

    20

  • Por fim, este estudo exploratrio aponta para possveis desdobramentos de pesquisa da

    temtica aqui proposta educao, ensino superior e juventude quilombola, uma vez

    que o efetivo acesso educao em todos os seus nveis de ensino, bem como a uma

    educao quilombola, no caso especfico das comunidades quilombolas, ainda se mostra

    como um desafio.

    Referencia Bibliogrfica

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