oc - demolindo otávio de ramalho

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Demolindo Otvio de Ramalho

Olavo de CarvalhoMdia Sem Mscara, 4 de maio de 2012

O sr. Rodrigo Constantino, que estreou no teatro do mundo, uns anos atrs, invadindo comunidades no Orkut (especialmente as minhas) para ali meter fora mensagens em apoio dele mesmo assinadas com nomes imaginrios, diz que, ao mencion-lo en passant nos meus programas de rdio, estou mendigando a sua ateno. Dois dias depois de colocada essa declarao no Youtube, ela tinha 250 visitantes. Bastou aparecerem dois artigos contra ela no Mdia Sem Mscara, e horas depois as visitaes tinham subido para 3.763. Quem escreve uma coluna intitulada Mundo s Avessas o dr. Emir Sader, mas em matria de inverso o sr. Constantino no fica atrs: no universo dele, foi a formiguinha que mandou o elefante baixar as calcinhas.

Algumas das inverses em que ele incorre, no entanto, so menos cmicas do que alarmantes. Ele assegura que descer das suas altas cogitaes para prestar ateno ao que digo um desperdcio dos seus talentos, ao qual s se entrega, de m vontade e por brevssimos instantes, quanto forado a isso pela minha mrbida insistncia. Mas, ao mesmo tempo, informa estar escrevendo um romance que tem entre seus personagens... a minha pessoa. Aparecendo ali sob o nome Otvio de Ramalho, sou um religioso hipcrita, um falso profeta que se d muito mal e acaba sendo socorrido por outro personagem, encarnao, claro, do prprio sr. Constantino.

A confisso apareceu numa conversa entre o sr. Constantino e seu leitor Eduardo Ribeiro no Facebook, dia 26 de abril (https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=314756478593697&id=100000289514686):

Eduardo Ribeiro: Existe alguma possibilidade de reconciliao entre vocs, Rodrigo?

Rodrigo Constantino: S na fico. Devo lanar meu livro novo, um primeiro romance, onde h um personagem religioso chamado Otvio de Ramalho... Ele quebra a cara, claro, mas o personagem principal estende a mo para ele.

Conjeturar motivaes neurticas inconscientes na conduta alheia algo que se deve evitar o quanto possvel, s recorrendo a to extremo expediente quando a conduta em questo demasiado incongruente para poder ser explicada por qualquer intuito racional. precisamente esse o caso. Como possvel algum deixar sua imaginao ser to vivamente afetada, seu mundo interior ser to vastamente ocupado por outro indivduo ao ponto de querer exorcis-lo mediante uma criao literria, e ao mesmo tempo, em pblico, fazer de conta que jamais pensa nesse indivduo, que o considera insignificante demais para merecer um minuto de ateno? A intensidade da experincia interior contrasta a de tal modo com a afetao pblica de indiferena, que impossvel deixar de enxergar nessa conduta o sinal de um conflito pessoal muitssimo mal camuflado.

Uma breve anlise mostrar a complexidade do problema.

Que algum aspire a provar sua superioridade moral imaginando o adversrio em desgraa e colocando a si prprio no papel da mo generosa que ao mesmo tempo o socorre e humilha, j uma fantasia pueril de onipotncia que uma pessoa normal s vivenciaria, se chegasse a tanto, por um breve momento, desvencilhando-se dela em seguida com um sorriso de auto-ironia, e esquecendo-a para sempre.

Se, porm, a fantasia se torna to recorrente e obsessiva que j no se satisfaz em expressar-se no recinto modesto da fantasia privada, mas tem de exteriorizar-se em criao romanesca, ento bvio que se trata de um sintoma neurtico inquietante -- um mecanismo imaginrio de compensao de um insuportvel sentimento de inferioridade. To insuportvel que tem de ser camuflado em pblico mediante a ostentao forada de indiferena, por sua vez desmascarada logo em seguida pela confisso da fantasia literria.

fato amplamente reconhecido na psicologia da criao literria que os escritores de fico tomam como material de base os fantasmas que povoam as suas obsesses interiores. Com toda a evidncia, ocupo um lugar considervel no espao interior do sr. Constantino, certamente maior do que concedo a ele (e talvez at a mim mesmo) no meu. Escrevendo, ele busca domar o fantasma, primeiro levando-o derrota e ao fracasso, depois montando a cena triunfal em que Constantino, o magnnimo, estende a mo de ateu generoso ao hipcrita desmoralizado. No entanto, o esforo mesmo de elaborar literariamente o personagem leva-o a pensar nele mais e mais, agravando em vez de aplacar a obsesso. Nessas condies, a menor provocao (ser citado de passagem num de meus programas de rdio como autor de um contra-senso lgico) bastou para levar o sr. Constantino a uma exploso de fria na qual veio a lanar sobre o adversrio as acusaes mais toscas e fantasiosas (v. adiante). Como a exploso, no entanto, arriscava perigosamente revelar em pblico a obsesso originria que ele desejaria ocultar, ele precisou recobri-la de uma segunda camuflagem ainda mais postia, afetando indiferena superior a um objeto de dio no qual no consegue parar de pensar.

J vi muita gente ostentar ou fingir recusa de ateno, para se fazer de importante e rebaixar o interlocutor condio de pedinte. O que mais raro, e que j sai da esfera da pura hipocrisia para entrar no terreno da simulao neurtica, algum usar desse truque e ao mesmo tempo dar com a lngua nos dentes, revelando que o tipinho alegadamente indigno da sua ateno lhe remexe os sentimentos e assombra a imaginao ao ponto de faz-lo perder o equilbrio emocional.

Desde que apareci no cenrio da sua existncia, a vida interior do sr. Constantino tornou-se um jogo de esconde-esconde com ele mesmo, caracterizando, sem a menor possibilidade de dvida, aquele tipo de drama neurtico que, se no for desmascarado logo, arrisca transformar-se em fantasia psictica.

Se o sr. Constantino j transps ou no essa fronteira perigosa uma pergunta que, tendo em vista o carter fantstico e alucinatrio das acusaes que ele me lana no seu vdeo do Youtube, no posso deixar de fazer. Eu no a faria se algo nessas acusaes sugerisse a hiptese de mentiras conscientes, maquiavelicamente concebidas para destruir minha reputao. Mas, bem ao contrrio, o tom em que as emite indica antes que ele acredita nelas piamente, como quem enxergasse ao vivo, com seus prprios olhos, coisas que nunca existiram nem podem existir.

Com toda a evidncia, o Olavo de Carvalho que povoa as fantasias ntimas do sr. Constantino tem pouco a ver com o personagem de carne e osso que tantos conhecem, seja pessoalmente, seja atravs de seus escritos e aulas.

Cada palavra do sr. Constantino no vdeo que ele colocou no Youtube mostra que ele praticamente nada sabe do que Olavo de Carvalho pensa, escreve e . Nem jamais procurou investigar nada a respeito. O alvo sobre o qual ele despeja a sua ira de alto a baixo um personagem imaginrio, uma criao de fantasia.

Alguns exemplos bastaro para demonstr-lo acima de qualquer possibilidade de dvida.

1. Foro de So Paulo

Segundo o sr. Constantino, criei em torno do Foro de So Paulo toda uma teoria da conspirao na qual amplio imaginariamente os poderes dessa entidade ao ponto de descrev-la como um grupo secreto de meia dzia de pessoas onipotentes que, a portas fechadas, decidem os destinos... da Nova Ordem Mundial!

Quem quer que tenha lido meus artigos a respeito ver que, exatamente ao contrrio, descrevo o Foro como uma vasta entidade de massas, formada por mais de duzentos partidos e organizaes, que toma decises em assemblias plenrias e as publica em atas, em dois idiomas, vista de todo o mundo.

Mesmo aquilo que pudesse ter havido de mais discreto nas conversaes do Foro no permaneceu em segredo por muito tempo, j que o prprio fundador da entidade, o sr. Lus Igncio Lula da Silva, revelou tudo em dois discursos que pronunciou j na condio de presidente da Repblica e que, longe de ficar secretos por um minuto sequer, foram imediatamente estampados no site oficial da prpria Presidncia.

Se alguma conspirao de meia dzia de pessoas existiu no caso, no foi do Foro de So Paulo: foi dos diretores de jornais brasileiros que, por medo, por interesse poltico ou por instinto de proteo paternal para com a esquerda, decidiram nada publicar a respeito e se mantiveram fiis ao seu voto de silncio por dezesseis anos.

Para dar s coisas um ar ainda mais demencial, o sr. Constantino imagina que o Foro, no meu entender, decide em segredo no s os rumos da poltica latino-americana, mas os da Nova Ordem Mundial inteira.

Se eu assim pensasse haveria toda a razo em me chamar de maluco. Na verdade tenho dito e repetido, e meus leitores o sabem de cor e salteado, que, embora nenhuma entidade decida por si os destinos do mundo, os quais dependem de um jogo de foras humanamente incontrolvel, existe presentemente uma complexa disputa entre trs esquemas de poder global russo-chins, islmico e ocidental qual preciso prestar ateno para compreender alguns dos fatos maiores que se desenrolam no cenrio poltico internacional. O Foro de So Paulo no nem mesmo visvel nessa escala. um reflexo longnquo, numa rea limitada do Terceiro Mundo, de processos globais que provavelmente seus lderes e os participantes das suas assemblias no chegam nem mesmo a compreender.

O mundo conduzido por onipotentes conspiradores secretos fechados numa sala do Foro de So Paulo , de cabo a rabo, uma criao do prprio sr. Constantino, ou, mais precisamente, de Otvio de Ramalho, que seu criador, aps t-lo inventado, j no consegue mais distinguir da pessoa real que ele diz ter-lhe servido de inspirao remota.

2. Teocracia

O sr. Constantino afirma, com inflamada convico, que defendo a implantao de um governo teocrtico.

Ele no pode citar uma nica frase minha que comprove, ou mesmo sugira, minha adeso a essa proposta esdrxula.

Poderia, ao contrrio, se desejasse saber o que penso, encontrar vrias passagens que apontam a centralizao do poder papal, iniciada na Idade Mdia e consumada no incio da modernidade, como uma das causas da decadncia da Igreja Catlica. O sr. Constantino no enxerga nenhuma contradio entre fazer de mim um apstolo do governo teocrtico e, ao mesmo tempo, um saudosista da Idade Mdia. Isso em si no constitui loucura, apenas ignorncia, mas a ignorncia da realidade um componente essencial de qualquer interpretao alucinatria dos fatos. Se algo louvei um dia na sociedade medieval foi justamente a diversidade, a pluralidade de poderes autnomos que na ordem feudal asseguravam, ao menos regionalmente, uma grande independncia ante os poderes centrais o papado e as monarquias. Ora, como qualquer estudante de Histria tem a obrigao de saber, e como j expliquei mil vezes nos meus cursos, foi justamente a tentativa insana de instalar na Europa um governo teocrtico, a partir do sculo XI, que desmantelou o sistema feudal e abriu caminho para o advento dos governos absolutistas, cada um deles, a seu modo, com pretenses de representar a autoridade da religio (processo descrito em O Jardim das Aflies, que o sr. Constantino mente ao dizer que leu). S na cabea de um completo ignorante pode a Idade Mdia aparecer como sinnimo de governo teocrtico. Mas nem todo ignorante usa da sua ignorncia como instrumento para criar uma interpretao alucinatria das idias alheias. Para isto j preciso alguma loucura.

O sr. Constantino, se tivesse algum interesse em saber o que penso, em vez de invent-lo imagem e semelhana de Otvio de Ramalho, poderia ter encontrado tambm este pargrafo, que publiquei j em 1998 na Frmula da minha composio ideolgica (http://www.olavodecarvalho.org/textos/compideo.htm):

Acredito que h princpios morais universais, permanentes, que a inteligncia discerne por baixo da variao acidental das normas e costumes, e acredito, enfim, que h o certo e o errado. Mas, por isso mesmo, impor o certo errado, a no ser em caso de vida ou morte. A autoridade religiosa deve se limitar a ensinar o certo, com toda a pacincia, sem tentar expulsar o pecado do mundo fora. E se nem os religiosos, que por sua dedicao vida interior tm autoridade para falar dessas coisas, devem impor regras morais fora, muito menos deve faz-lo o Estado, que afinal no passa de uma gerncia administrativa, a coisa mais mundana e prosaica que existe. As leis devem fundar-se apenas em consideraes prticas de ordem, segurana e interesse coletivo, muito corriqueiras, e jamais em motivos pretensamente elevados de tica, que terminam por fazer da burocracia estatal um novo clero, e do Cdigo Penal um novo Declogo. A coisa mais nojenta que existe a metafsica estatal.

Pode haver uma expresso mais clara de oposio radical a toda veleidade de governo teocrtico? Pergunto eu que regime teocrtico seria concebvel sem o poder estatal de ditar normas morais, esvaziando a religio, alis, de uma de suas misses especficas mais importantes. O curso inteiro de tica que proferi na Pontifcia Universidade Catlica do Paran em 2003 foi uma longa apologia do aprendizado da moral por experincia, o que implica a liberdade individual de tentar e errar, proibida, por definio, em qualquer Estado teocrtico ou simplesmente moralista.

Quando digo que uma norma moral s deve ser imposta pelo Estado em caso de vida ou morte, evidente que a proibio do aborto se inclui nessa categoria. Na imaginao do sr. Constantino isso basta para fazer de mim um adepto do Estado teocrtico, mas nesse caso ser preciso admitir que o Estado brasileiro, tal como definido na Constituio de 1988 e nas anteriores, j teocrtico, uma vez que probe o aborto como um crime contra a vida humana.

Talvez o sr. Otvio de Ramalho seja realmente um teocrata. No sei, porque no o conheo. Mas a hiptese de que eu o seja tambm to despropositada, to estranha e hostil a tudo o que escrevi e ensinei, que s pode ter sido calcada no modelo dele, no em algo que eu tenha jamais dito ou pensado.

3. A seita

O sr. Constantino, espumando de indignao, acusa-me de ser um desses pseudo-gurus da Nova Era, um chefe de seita rodeado de discpulos fanatizados e servis que me oferecem, alm da obedincia canina, toda sorte de louvores e rapaps para satisfazer minha vaidade insana.

Tempos atrs, com o projeto de escrever um livro que nunca terminei, mas de cujos rascunhos utilizei uns pedaos em O Jardim das Aflies, estudei bastante o fenmeno das seitas Rajneesh, Moon, Love Family e similares para ter uma idia de como funcionam e de como conseguem reduzir pessoas normais e saudveis ao estado de apatetada passividade mental e venerao idoltrica do mestre, que o sr. Constantino atribui aos meus alunos.

Mais recentemente, estudei o caso dos Legionrios de Cristo, organizao sui generis porque se constituiu no fora a margem das religies tradicionais, mas no seio mesmo da Igreja Catlica (fato que basta para explicar por que passou despercebida por tanto tempo).

No esforo de coletar material, tornei-me at mesmo membro da International Cultic Studies Association (ICSA), a maior instituio cientfica destinada ao estudo do fenmeno das seitas.

No sou, pois, um principiante na matria.

Em absolutamente todos os casos estudados na bibliografia a respeito, sem qualquer exceo, a tcnica empregada pelos chefes de seitas para produzir nos seus discpulos o estado mrbido acima aludido inclui os seguintes itens:

1) Os discpulos so fisicamente separados de seus ambientes familiares e sociais de origem e levados para morar em instalaes especiais (como ashrams ou monastrios) onde convivem to-somente com o guru e seus auxiliares.

2) Nesses locais de residncia, so sistematicamente desprovidos de toda privacidade e forados a viver num ambiente de promiscuidade psicolgica (s vezes tambm fsica) que destri neles todo senso de autonomia individual.

3) So submetidos prtica constante e repetida de complexos rituais coletivos e exerccios psicolgicos que afetam sua imaginao e suas emoes para alm de tudo quanto possam compreender racionalmente.

4) So levados a sentir-se comprometidos para com o grupo e o chefe por meio de juramentos de fidelidade e segredo, bem como submetidos a humilhantes rituais de acusao e autocrtica em caso de desobedincia.

Em muitos casos, mas no em todos, o impacto desse conjunto de tcnicas reforado por medidas especiais, como privao alimentar e dietas debilitantes, ingesto de drogas, sexo grupal etc.

Nos meus cursos, no tenho contato nenhum com meus alunos exceto as aulas expositivas que profiro aos sbados, por internet. A maior parte deles nunca vi em pessoa e no tenho sequer um arquivo com as fotos dos estudantes matriculados. No tenho um corpo de auxiliares para fiscalizar a conduta dos alunos, que continuam vivendo em seus ambientes sociais longe de qualquer possibilidade ou pretenso minha de control-los ou fiscaliz-los. No praticamos rituais nem exerccios psicolgicos de espcie alguma.

Como posso ento exercer sobre eles o tipo de domnio que caracteriza um chefe de seita? Ou inventei algum tipo de tcnica mgica, que me permite controlar distncia e por meio de simples conferncias semanais a conduta de pessoas que nunca vi nem sei quem so, ou ento o sr. Constantino que est vendo coisas.

Mais caracteristicamente ainda, todas as seitas conhecidas envolvem sua atividade numa aura de segredo, mantida fora de juramentos de fidelidade e s rompida, quando vem a s-lo, longos anos depois, quando algum ex-discpulo resolve contar o que se passou ou algum reprter investigativo consegue furar a barreira de silncio e descobrir o que se passa entre os muros do ashram.

Minha atividade, ao contrrio, toda pblica, seja atravs de artigos e livros, seja atravs dos meus programas de rdio ou de cursos abertos a quem deseje freqent-los. No s no h juramentos de fidelidade e segredo, como no h nenhuma proibio de revelar o que quer que seja. H, no mximo, um pedido para que os alunos evitem se envolver em discusses na internet enquanto no tiverem completado os seus estudos de filosofia, calculados para uma durao de cinco anos. No h qualquer punio para quem falhe em atender esse pedido, como de fato centenas de meus alunos falham regularmente. H, ademais, uma multido de ex-alunos que escrevem a meu respeito, a favor ou contra, embora o simples fato de a maioria escrever a favor baste para que o sr. Constantino a considere composta de teleguiados, vtimas de lavagem cerebral, adoradores fanticos e coisas do gnero.

Em suma, a diferena entre o que se passa nos meus cursos e em qualquer organizao do tipo seita to patente, to imensurvel, que o simples desejo de denegrir no basta para que um crtico em seu juzo perfeito se esquive de enxerg-la e saia proclamando bobagens que a mais breve inspeo desmente.

Para acreditar que sou um chefe de seita, dominador psquico imperando sobre milhares de zumbis teleguiados, preciso jamais ter assistido s minhas aulas e, em vez disso, invent-las no laboratrio de uma imaginao doentia.

4. O astrlogo embusteiro

O sr. Constantino chama-me de astrlogo embusteiro do tipo Walter Mercado.

Os trabalhos que publiquei e os cursos que proferi sobre matria astrolgica diferem tanto, situam-me a to imensurvel distncia no s dos vulgares astrlogos de mdia, mas tambm at mesmo dos astrlogos profissionais mais tcnicos aqueles que no fazem previses genricas para os signos, mas s trabalham com base em horscopos individuais calculados para o instante do nascimento , que o sr. Constantino, para me igualar ao supracitado personagem, tem de ignorar por completo tudo o que escrevi e disse a respeito, e inventar-me de novo na base da pura criatividade alucinatria.

Aqui, novamente, ele fala de Otvio de Ramalho e pensa estar falando de Olavo de Carvalho.

Para no me estender em explicaes, desnecessrias por demasiado bvias, reproduzo em apndice dois escritos meus j antigos, mas bem divulgados na poca, nos quais resumo minhas opinies, at hoje inalteradas em essncia, sobre a questo astrolgica.

Os leitores faro as comparaes necessrias e diro por si mesmos se possvel, se razovel, se normal e so, a algum que tenha lido esses ou outros escritos meus a respeito do tema, conceber-me segundo o molde e semelhana do sr. Walter Mercado ou tipo similar.

5. O destruidor da direita

O sr. Constantino diz que a direita no Brasil est mal por causa de pessoas como eu. Vejamos se isso possvel, se mesmo concebvel como hiptese.

No Brasil s h dois partidos de direita: o DEM e o PP. Algum deles segue a minha orientao, ouve os meus conselhos, presta ao menos alguma ateno ao que digo? No. Quando no permanecem num estado de total abstinncia ideolgica, temendo as definies como se fossem promessas de morte certa, abrem-se, na mais ousada das hipteses, influncia dos liberais, como o prprio sr. Rodrigo Constantino. Que se encontrem num estado de debilitao extrema, s portas da extino, portanto algo pelo qual sou to responsvel quanto pela exploso de Chernobyl. J o sr. Constantino no pode dizer o mesmo.

H tambm entidades no partidrias, que pretendem influir na poltica de maneira indireta, ideologicamente. Algumas denominam-se liberais:

Instituto Millenium

Instituto Atlntico

Instituto de Cultura da Cidadania

Instituto Mises Brasil

Instituto de Estudos Empresariais

Instituto Liberal

Instituto Liberdade

Instituto Ling.

Na primeira, sou, por motivos que no vm ao caso, persona non grata. A segunda, a terceira e a quarta me ignoram solenemente, como eu as ignoro. Nas ltimas quatro fui bem recebido em tempos remotos, mas nunca deram o menor sinal de ter sido afetadas, no mais mnimo que fosse, por qualquer idia ou proposta minha. Tanto estas quanto as quatro primeiras seguem a mesma frmula liberal mnima (democracia e liberdade de mercado), com a qual concordo em tese, mas que sempre considerei demasiado fraca para embasar qualquer ao poltica eficiente, ou at para distingui-las suficientemente do PT ante os olhos do povo. Na esfera cultural, as oito so alheias, indiferentes ou at simpticas s propostas da esquerda, como abortismo, gayzismo e liberao das drogas. So tambm entusiastas da globalizao, porque a entendem somente como abertura de fronteiras comerciais e culturais, sem querer perceber o risco de uma ditadura burocrtica mundial que essa abertura traz consigo incontornavelmente. Em suma: pensam como o sr. Rodrigo Constantino, no como eu.

Dentre essas entidades, a mais poderosa e influente , por ironia, aquela na qual o sr. Constantino exerce um cargo e ouvido, no digo com admirao, mas ao menos com a ternura paternal de quem espera, cruzando os dedos, que um dia ele venha a ser alguma coisa. Essa entidade foi fundada com verbas considerveis e apoio institucional macio. Tem mais figures da poltica, das finanas e da mdia elegante na sua Diretoria e no seu Conselho do que qualquer outra entidade do gnero jamais teve no Brasil. Nascida em bero de ouro, apareceu trombeteando as mais promissoras esperanas de uma renovao triunfal da direita no Brasil. Decorridos sete anos, a direita j nem mesmo existe. E, enquanto os partidos pertencentes ao Foro de So Paulo dominam tranqilamente o espao em volta, ali ainda parece predominar a opinio do sr. Constantino, de que falar do Foro de So Paulo teoria da conspirao. Que perigo pode representar, para a esquerda, uma assemblia de socialites que, ciosos das boas aparncias, da sua imagem de pessoas polidas, elegantes e equilibradas, tm medo at de dizer o nome do inimigo? No espanta que, numa grande mdia esquerdista, essa instituio e o prprio sr. Constantino sejam aceitos como representantes tpicos da direita respeitvel. O pior que eles prprios lem isso e, lisonjeados, acreditam. Murray Rothbard o liberal dos liberais j advertia que no h perigo maior para um liberal do que o desejo de ser respeitado pela Mdia Respeitvel. Quando o sr. Constantino se gaba de representar a direita decente, ele encarna em pessoa uma das causas do mal que me imputa.

H tambm as entidades religiosas, ou associadas de algum modo religio. Estas apreciam o meu combate contra as propostas culturais da esquerda, mas divergem de mim ou antipatizam com a minha pessoa sob tantos outros aspectos e com tamanha variedade de pretextos, que nenhuma proximidade ou colaborao entre ns possvel, nem mesmo numa esfera puramente intelectual. Algumas, catlicas, rejeitam como peste o liberalismo econmico e poltico, que para mim uma condio indispensvel, embora parcial e ambgua, da resistncia ao totalitarismo revolucionrio. Outras no querem ter seus nomes associados ao meu porque abominam toda independncia de pensamento e concebem a sua pusilanimidade intelectual como uma virtude crist. Outras, por fim, catlicas ou evanglicas, tm contra mim toda sorte de prevenes supersticiosas, desde a suspeita de que sou um gnstico (coisa da qual tm uma concepo entre mitolgica e ginasiana) at o fato de que digo palavres, o que nos seus sacrossantos recintos ningum nunca faz, sendo todos os seus membros, nesse quesito, mais santos que S. Bernardo de Clairvaux, S. Thomas More e S. Francisco de Assis.

A nica direita sobre a qual posso ter exercido alguma influncia portanto a massa annima e inorgnica dos meus leitores, ouvintes e alunos ou seja, aqueles brasileiros tipicamente separados por distncias enormes, socialmente isolados, desprovidos de qualquer canal de ao poltica, desamparados e rfos aos quais a direita liberal e a conservadora, igualmente, nada tem tido a dizer desde h muitos anos.

Esses me ouvem, no mnimo, porque ningum mais fala com eles ou, quando fala, s lhes desperta bocejos, quando no tristeza e desesperana.

Como essa direita dispersa e muda no uma organizao, nem atua politicamente, nem alis ambiciona faz-lo, no pode estar em crise nem em decadncia como as direitas institucionalizadas, seja as que do ouvidos ao sr. Constantino, seja as que os negam a mim, seja as que fazem ambas essas duas sapientssimas coisas.

6. Porta-voz de quem?

Se existe pena de amor perdida, a nfase que o sr. Constantino pe em declarar alto e bom som que no sou um porta-voz legtimo da direita, que no tenho autoridade para falar em nome dela. Pois j no expliquei mil vezes que nunca falo em nome de ningum, exceto do meu prprio, que no represento nada nem ningum exceto a minha pessoa? E no tenho feito disso, ostensivamente, quase obsessivamente, um princpio e regra de ao indispensvel minha independncia de julgamento?

Para que negar com tanta veemncia meu direito de representar entidades e partidos que no desejo representar de maneira alguma, que alis, se os representasse, morreria de vergonha?

patente que, ao negar-me um posto que no desejo ocupar, o sr. Constantino se oferece para preench-lo ele prprio, se insinua como o porta-voz legtimo e autorizado da direita nacional.

Tambm so penas de amor perdidas. At certo ponto, ele j desempenha esse papel, que ningum lhe nega. Esse , alis, o nico motivo que posso ter para mencion-lo de vez em quando em meus artigos e programas. Pessoalmente, por seus talentos, pelo valor da sua obra escrita e a criatividade dos seus pronunciamentos, o sr. Constantino um zero esquerda. somente o posto que ocupa na rede de organizaes de direita que lhe d o direito a alguma ateno da minha parte, ateno alis inevitvel em vista da do meu compromisso jornalstico de analisar o estado mental das classes falantes no Brasil luz das palavras de seus representantes.

A direita no Brasil uma entidade em plena decomposio, em estado terminal, cuja ltima esperana de sobrevivncia cavar um lugarzinho de fora auxiliar na implantao do programa cultural da esquerda e, em troca disso, obter algumas concesses paternais do governo na rea econmica.

Ningum personifica esse estado de abjeo melhor que o sr. Constantino. Quem lhe negar o posto de representante tpico e at mximo da direita brasileira cometer uma injustia revoltante.

, pois, pura fantasia dele imaginar que tem algo a disputar comigo nesse campo. A paixo, o entusiasmo com que ele se entrega a essa disputa sinal seguro de que o eixo das suas preocupaes passa longe da sua situao real.

***

Cinco anos atrs, o sr. Constantino era apenas um argumentador desastrado, ignorante dos princpios mais elementares da argumentao e da prova, que se tornava ainda mais grotesco por apresentar-se como personificao da razo em luta contra o obscurantismo.

A passagem do tempo e o sucesso obtido em impor-se como representante de uma faco moribunda excitaram-lhe a veia imaginativa ao ponto de lev-lo a duelar com fantasmas de sua prpria inveno, acreditando piamente que, ao humilh-los, inflige derrota acachapante a alguma pessoa de carne e osso.

No hesito em conceder ao sr. Constantino a vitria triunfal sobre seu arqui-inimigo Otvio de Ramalho, que jaz a seus ps, desmascarado e humilhado, implorando a caridade de um olhar, de um gesto de perdo, talvez de uns trocados para uma mdia com po e manteiga. No era esse o sonho da sua vida? Pois ei-lo aqui, realizado, sem nem mesmo esperar pela publicao do romance, que talvez no venha a ser concludo jamais, ou cujo enredo, depois de o sr. Constantino ler isto, talvez venha a ser modificado para no dar demasiado na vista.[1]

Apenas advirto que, cedendo com demasiada freqncia tentao de reforar por esse meio factcio um ego perturbado e vacilante, o sr. Constantino arrisca passar do fingimento neurtico invencionice psictica. Como vimos no caso presente, parece que j passou. No de estranhar que, em tamanho estado de confuso interior, ele perca at as minguadas capacidades que tinha no comeo, e termine incapaz at mesmo de compreender o sentido patente de suas prprias palavras, como expus no artigo Inocente como um feto. Aqueles que, em volta, aplaudem e reforam a sua conduta so aproveitadores inescrupulosos, que se servem da autodestruio psicolgica de um ser humano para us-la como instrumento a servio de seus interesses grupais ou que seja de seus projetos polticos.

Richmond, VA, 2 de maio de 2012

Apndices

Como esse esprito eminentemente idneo, ilustrado e confivel que o sr. Rodrigo Constantino andou alertando os incautos quanto aos riscos que correm quando se expem minha influncia nefasta de astrlogo embusteiro e chefe de seita, decidi reproduzir aqui dois escritos meus, j antigos, sobre o tema da astrologia, que ilustram o fanatismo cego, o fundamentalismo religioso barbaramente anticientfico dos ensinamentos com que impus a geraes de jovens inocentes o culto idoltrico da minha linda personalidade.

1. O debate que entrou em rbita

Ao longo das ltimas dcadas, a astrologia tornou-se um sucedneo de religio para as massas de classe mdia e um hobby espiritual para os letrados. Montada na onda do novo paradigma que alguns tericos reclamam para a cincia no sculo XXI, ela ganhou mesmo ares de respeitabilidade em muitos crculos acadmicos. Nada parece deter sua ascenso. At as reaes hostis de alguns religiosos e homens de cincia apenas aumentam sua popularidade. No mnimo, o que objeto de debate objeto de ateno.

No entanto, os debates, na sua quase totalidade, tm se limitado aos aspectos mais vistosos e perifricos da questo astrolgica, sem fazerem avanar um passo sequer o esforo para responder s perguntas que constituem, ou deveriam constituir, o miolo do problema: existe, objetivamente, uma relao entre os movimentos dos astros no cu e o desenrolar da vida humana na Terra? Se existe, qual a sua natureza e o seu alcance? Quais as causas que a determinam? Quais as possibilidade e os meios de conhec-la cientificamente?

Em vez de enfrentar essas perguntas, os adeptos e adversrios da astrologia preferem discutir o seguinte tpico: Astrologia funciona? O debate toma por foco a astrologia como prtica divinatria ou diagnstica, e deixa de lado a questo das influncias astrais propriamente ditas. Aparentemente, nenhum dos partidos em disputa se deu conta de que a existncia ou inexistncia de influncias planetrias sobre a vida humana, de um lado, e de outro a eficcia ou ineficcia da cincia ou pseudocincia que se gaba de conhec-las, so questes perfeitamente distintas, e de que no se pode decidir segunda sem haver antes dado primeira uma resposta satisfatria. Pois o que define e singulariza a astrologia no a afirmao genrica de que existem influncia astrais (a qual pode ser admitida at mesmo por quem odeie astrologia, como Sto. Agostinho, por exemplo), mas sim a pretenso de j possuir um conhecimento cabal de suas manifestaes e variedades, ao ponto de poder descrever meticulosamente as diversificaes da influncia de cada planeta conforme o lugar que ocupe no cu no instante do nascimento de cada indivduo em particular sem excees ou dificuldades notveis. Bem pode ser, claro, que esta pretenso seja descabida, maluca mesmo, sem que por isto o fenmeno das influncias astrais, em si mesmo e independentemente das interpretaes que os astrlogos lhe dem, deva ser considerado inexistente.

Por bvia que seja essa advertncia, os protagonistas do debate astrolgico tm preferido omiti-la, confundindo a si mesmos e ao pblico. Invariavelmente, no calor da polmica, cada pequeno indcio da existncia de influncias astrais tomado como argumento legitimador da prtica astrolgica existente; de outro lado, cada sinal de ineficcia ou erro dos astrlogos exibido como prova da irrealidade das influncias astrais. Isto em lgica chama-se um non sequitur: tirar fora, de uma premissa, concluses que dela no se seguem logicamente. Por exemplo, a pesquisa realizada por Michel Gauquelin, na Frana, que numa reviso de 500 mil horscopos de nascimento encontrou uma correlao estatstica altamente significativa entre grupos profissionais e tipos astrolgicos (conforme a posio dos planetas na hora do nascimento), brandida orgulhosamente pelos astrlogos como prova de que astrologia funciona (e no somente de que existem influncias astrais). Inversa e complementarmente, o fsico Shawn Carlson, da Universidade da Califrnia, aps ter verificado, em testes estatsticos, a incapacidade de vinte astrlogos para identificarem traos de personalidade com base em horscopos de nascimento, divulgou esse resultado (na revista Nature) como prova de que no existem influncias astrais (e no somente de que a astrologia no funciona, pelo menos tal como praticada atualmente). Confuses dessa ordem so a regras geral nos debates sobre astrologia, mesmo quando os debatedores so homens cultos e preparados. Numa recente mesa-redonda na UFRJ, confrontado com um sujeito que, para cmulo, era professor de metodologia cientfica, no consegui, por nada deste mundo, faz-lo compreender a inpcia de uma discusso colocada nesses termos. Com os astrlogos, excetuando uns happy few, no tenho logrado resultados melhores. Coisas desse tipo contribuem para fazer do debate astrolgico um sinal particularmente enftico da demncia contempornea. No entanto, a questo das influncias astrais, em si, e independentemente da polmica, da mxima importncia para a nossa civilizao em seu estgio presente. Se nos lembrarmos de que a geografia se constituiu e se expandiu rapidamente como cincia a partir do momento em que uma Europa culturalmente unificada partiu para as navegaes e a descoberta da Terra, fcil perceber, por analogia, que a humanidade culturalmente unificada de hoje, ao partir para a explorao do ambiente csmico em torno, se defronta com a necessidade urgente de um nova colocao do problema das relaes entre o cosmos e a vida humana, no somente biolgica, mas histrica e psicolgica; e este , precisamente, o tema da astrologia. Este tema sugere, inclusive, a oportunidade de uma recolocao global das relaes, ainda hoje obscuras, entre cincias naturais e cincias humana. A nulidade dos resultados que a astrologia tenha at agora alcanado na sua investigao, com os mtodos peculiares e um tanto extravagantes que emprega, no justifica que seu objeto mesmo seja negligenciado. Alis, no foi a propsito da astrologia que Kepler enunciou seu clebre aviso sobre a criana e a gua do banho? Se a astrologia tal como se praticou e se prtica hoje falsa, o que temos de fazer uma verdadeira, ao invs de proclamar, com uma autoconfiana de avestruz, a inexistncia do fenmeno astral sob a alegao de falsidade do que dele se diz. Se os historiadores erram em suas interpretaes da Revoluo Francesa, ou se os zologos eventualmente se equivocam quanto fisiologia das vacas, isto no constitui motivo suficiente para concluir que a Revoluo Francesa no aconteceu e que as vacas no existem. Mesmo na hiptese de que nada se salve da astrologia, mesmo na hiptese de que tudo o que os astrlogos disseram a respeito do fenmeno astral seja rematada besteira, isto no desculpa o desinteresse pela perguntas mesmas s quais a astrologia pretendeu oferecer resposta.

Por tudo isso, espantoso o contraste entre o baixo nvel do debate astrolgico hoje em dia e as discusses que seis ou sete sculos atrs os acadmicos faziam a respeito do mesmo tema. Quanto examinamos as pginas que Sto. Toms de Aquino, Hugo de S. Vitor, John de Salisbury e outros intelectuais medievais consagraram ao problema astrolgico, surpreendemo-nos com o rigor e a serenidade de suas colocaes, que constituem um exemplo para ns.

Particularmente Sto. Toms chegou a desenvolver uma teoria completa das influncias astrais, que constitui at hoje uma das mais lmpidas colocaes do problema e pode servir de marco inicial para as nossas investigaes.

Tendo tocado no assunto, de passagem, na Suma Teolgica e nos comentrios Fsica de Aristteles, ele lhe d um tratamento sistemtico em cinqenta densas pginas da Suma contra os Gentios (1258). Ele no discute a existncia das influncias astrais, que no seu tempo era geralmente admitida (mesmo pelos que, em nome da religio, condenavam a prtica da astrologia divinatria); esfora-se apenas por definir a sua natureza e precisar o seu alcance. verdade que sua anlise se detm no nvel meramente conceptual e lgico, sem entrar no campo da investigao emprica. Mas quem no sabe que sem conceitos claros e uma hiptese condutora a investigao emprica perda de tempo? O que Sto. Toms sugere, em essncia, que um corpo no pode exercer nenhuma influncia causal sobre o que no seja tambm corpo; e que, portanto, est excluda a hiptese de que os astros exeram qualquer influncia sobre a psique e o comportamento humano a no ser por intermdio de alteraes fisiolgicas (ou fisiopatolgicas). Ele chega a sugerir que os astros afetem a formao do embrio e que, produzindo assim conformaes corporais diversas, acabem por agir como causas remotas do comportamento humano. Os movimentos planetrios, diz ele, no influenciam a inteligncia e a vontade humanas, mas, atuando sobre os corpos, predispem a distrbios passionais que podem obstar a livre operao da inteligncia e da vontade.

A tremenda importncia dessas observaes reside em que elas colocam a questo astrolgica na linha de uma investigao cientfica possvel, tirando-a da esfera dos argumentos metafsicos e teolgicos sobre determinismo e livre-arbtrio. Mas, passados sete sculos, a lio do grande escolstico ainda no foi assimilada, pois tais argumentos continuam comparecendo invariavelmente em toda discusso sobre o problema astrolgico, malgrado sua j demonstrada impertinncia e esterilidade.

O tratamento que Toms deu questo mostra, ademais, que ela pode e deve ser abordada independentemente de quaisquer reivindicaes polmicas sobre a legitimidade ou ilegitimidade da astrologia enquanto prtica. Esta lio tambm no foi assimilada. Em resumo, no sculo XII estvamos mais perto de uma colocao racional do problema do que estamos hoje em dia, justamente quando ele se revela mais importante e urgente.

De outro lado, claro que, se em vez de investigar diretamente o fenmeno astral continuarmos polemizando sobre a astrologia, no chegaram a nada. A astrologia um amlgama enorme e confuso de cdigos simblicos, mitos e preceitos empricos, procedentes de pocas e civilizaes diversas, numa variedade que se rebela contra toda tentativa de reduzi-la a um corpo unitrio de doutrina. Como pronuciar-nos, de um s golpe, sobre a veracidade ou falsidade de uma massa to heterclita? S a ignorncia fantica ou o desejo de aparecer explicam que algum se disponha a tomar partido num debate que se coloque nesse termos. Mas, se os interessados no debate astrolgico esto atrasados de sete sculos em assimilar a lio de Toms, que esto atrasados de vinte em assimilar a de Aristteles, o qual ensinava que, de um sujeito equvoco, nada se pode predicar univocamente. A astrologia muitas coisas. Talvez algumas delas sejam verdadeiras, outras falsas, umas valiosas, outras desprezveis. Quando essa mixrdia milenar se houver transformado num corpo terico explcito, custa de depuraes dialticas e metodolgicas como as que Sto. Toms realizou para um aspecto em particular, ento e somente ento poderemos debater com proveito sua veracidade ou falsidade.

At l, tudo o que podemos fazer declarar, humildemente, se gostamos dela ou no. Quanto a mim, claro que gosto.

2. Astrologia e cincia

Conferncia proferida no auditrio do Palcio Tiradentes (Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) por ocasio dos festejos do 10 aniversrio da Escola Astroscientia, em 22 de outubro de 1994.

A pergunta A astrologia uma cincia? tem obtido as seguintes respostas:

1 uma cincia. Assim respondem os adeptos da chamada astrologia cientfica, como Paul Choisnard e Adolfo Weiss. Esta escola caracteriza-se por julgar que, para a astrologia ter direito ao estatuto de cincia, tudo o que preciso tomar as afirmaes correntes dos manuais de astrologia e submet-las a uma verificao estatstica, que as confirmar em toda a linha.

2 uma pseudocincia. o que dizem alguns dos mais encarniados adversrios da astrologia, recrutados sobretudo entre os astrnomos de profisso. Dentre eles destacam-se, como tpicos, o falecido diretor do Observatrio de Paris, Paul Couderc, e, no Brasil, o diretor do Observatrio do Valongo, Ronaldo Rogrio de Freitas Mouro. As razes que fundamentam esta resposta so muitas algumas perfeitamente impertinentes, como por exemplo a de que impossvel calcular horscopos de pessoas nascidas no Polo Norte, ou a de que os signos no coincidem com as constelaes; mas algumas pertinentes e razoveis, como aquelas que se alegam o princpio de falseabilidade de Popper ou os resultados negativos obtidos em testes estatsticos. importante notar que esta corrente entende como critrio de cientificidade da astrologia o mesmo, no fundo, que adotavam Choisnard e Weiss, apenas com a ressalva de que sua aplicao dar resultados negativos.

3 um saber revelado, superior cincia e como tal, furta-se a todo exame cientfico na medida em que no pode ser apreendida pelas categorias racionais. Esta resposta defendida ou presumida, em geral, pelos que abordam a astrologia pelo lado da psicologia junguiana, da mitologia e dos estudos de simbolismo e que ao mesmo tempo tm uma atitude crtica face cincia contempornea. O famoso astrlogo Charles E. O. Carter um deles. um teosofista. Mas igual atitude encontra-se em Ren Gunon, temvel adversrio do teosofismo.

4 uma linguagem simblica e, como todas as linguagens, escapa das categorias do verdadeiro e do falso, podendo ser julgada apenas por sua adequao e expressividade.

a atitude daqueles que, abordando a astrologia igualmente pelo lado do simbolismo, da mitologia, da psicologia mas tambm da antropologia, da sociologia , tomam no entanto como universalmente vlidos os critrios da cincia moderna. o caso de um Gaston Bachelard, de um Claude Lvi-Strauss e, em geral, da comunidade acadmica.

Alguns encaram a astrologia como um corpo de crenas que no cabe cincia julgar, mas descrever e compreender em suas estruturas, relacionando-as com as da sociedade humana.

Malgrado suas enormes diferenas e malgrado o fato de que parecem abranger totalmente a gama das alternativas possveis, todas essas respostas so falsas ou, pelo menos, inadequadas.

A primeira delas a tese da astrologia cientfica falsa pelas seguintes razes:

1. Uma tcnica no se torna cientfica pelo simples fato de empregar, mesmo com sucesso, mtodos cientificamente vlidos para testar os resultados de sua aplicao. preciso que ela mesma, no seu contedo, nas teorias em que se embasa, tenha carter cientfico. No o caso da astrologia, que se fundamenta em pressupostos simblicos que escapam a todo critrio de verificabilidade.

2. Uma cincia no se limita a registrar correlaes estatisticamente, mas busca uma explicao terica para os fatos. A idia de que montanhas de fatos estatisticamente comprovados fazem uma cincia de um primarismo grosseiro.

3. Mesmo assim, os testes estatsticos relativos eficcia dos diagnsticos astrolgicos tm chegado uniformemente a resultados negativos. Todas as tentativas de correlacionar estatisticamente posies planetrias e traos de personalidade falharam.

4. No h cincia sem contnua reviso dos pressupostos luz dos resultados experimentais, e a astrologia tem alguns pressupostos imutveis e dogmticos.

Mas aqueles que negam todo estatuto cientfico astrologia tambm esto errados, porque:

1. impossvel saber se um conjunto de teorias cientfico ou no sem primeiro reduzir esse conjunto a um sistema, a uma teoria unificada. Nunca se fez isto.

2. Os critrios pelos quais se condena a astrologia dariam resultados negativos tambm se aplicados a uma multido de cincias atualmente admitidas como tais, como por exemplo a sociologia, a psicologia, etc.

3. Embora seja um fato que a astrologia no atende ao princpio de falseabilidade de Karl Popper, considerado universalmente um critrio vlido, tambm um fato que, com base no mesmssimo princpio de Popper, no tem cabimento rejeitar como falso aquilo que escapa ao critrio de falseabilidade; e os crticos da astrologia aqui referidos no pretendem apenas que ela seja uma no-cincia, e sim que ela seja falsa. Confundem assim cincia e verdade. Um conhecimento essencialmente verdadeiro e no-cientfico pode transformar-se em cientfico mediante simples adaptaes lgicas e metodolgicas.

A hiptese que subtrai a astrologia ao julgamento cientfico alegando que ela um saber revelado tambm falsa, porque:

1. Saber revelado e saber cientfico se distinguem somente por sua origem diversa, mas o critrio de validade o mesmo para ambos, e este critrio cientfico. Alegar origem revelada eludir a questo.

2. O saber revelado divinamente s ao primeiro que o recebe. Este o transmite aos demais por meios humanos, que subentendem o uso da linguagem, da razo, etc.

3. Deus nunca enviou uma revelao sem milagres que a acompanhassem ao longo do tempo, para legitim-la aos olhos dos crentes. Se os astrlogos so profetas, no devem limitar-se a prever o futuro como vulgares vaticinadores, mas deter o movimento do Sol, separar as guas do Mar Vermelho e curar os leprosos.

4. Um saber revelado no se furta ao teste da verdade por meios cientficos. Ao contrrio: Todas as grandes religies sempre submeteram as partes testveis de sua f verificao.

Finalmente, no tem cabimento eludir a questo da veracidade mediante a alegao de que a astrologia uma linguagem simblica:

1. Uma linguagem apenas um sistema de signos e smbolos com os quais se podem expressar muitas idias. A linguagem em si no pode ser verdadeira ou falsa. O que verdadeiro ou falso o contedo das idias que o homem expressa com a ajuda delas, as quais, por sua vez, no constituem um sistema de signos, mas afirmaes sobre a realidade, com referncia extra-lingustica. Se a astrologia uma linguagem, est fora do domnio do verdadeiro e do falso e nada afirma sobre o real. Ora, a prtica astrolgica universal consiste precisamente em fazer afirmativas sobre a realidade sobre o carter e o destino das pessoas, por exemplo.

2. Das regras de uma linguagem impossvel deduzir o contedo do que nela se vai dizer. Se a astrologia uma linguagem, no um conhecimento, exceto de si mesma. No entanto, a pretenso de constituir um conhecimento inerente prtica astrolgica, antiga ou moderna, Ocidental ou Oriental.

Essas quatro categorias de respostas resumem o essencial do que foi, no sculo XX, o debate da questo astrolgica. Por elas, fica patente que esse debate no levou a nenhum resultado aprecivel, e que, portanto, necessrio recolocar a questo desde suas bases, para tentar chegar a um quinto grupo de respostas, na esperana de que sejam mais consistentes. Comeo por rever o sentido dos termos.

Que propriamente uma cincia? Todo estudioso do assunto sabe que as cincias reais (historicamente existentes) no servem, por si, como fundamento para uma resposta. Por induo, os traos que obteramos seriam demasiado amplos e frouxos para poder abranger a Histria, a Antropologia, a Matemtica, a Biologia, a Fsica Terica, etc. Resta a alternativa husserliana de conceber a cincia como um modelo ideal de conhecimento, do qual se podem deduzir, como diferentes possibilidades de realizao, mais perfeitas ou imperfeitas, as cincias que se manifestaram historicamente e ainda outras cincias possveis.

Esse modelo impe certas exigncias para que um conhecimento possa aproximar-se do ideal cientfico:

I. Todas as cincias historicamente existentes procuram realizar, por variados meios, um ideal de saber fundamentado, firme, oposto mera opinio. A definio ideal de cincia implica como condies essenciais:

1. Evidncia. O termo evidncia aqui no significa o dado ou o imediatamente apreendido pelos sentidos. Significa apenas aquilo que certo e inegvel por si mesmo, no requerendo prova. Mesmo as correntes de pensamento que no aceitam nenhum tipo de intuio do dado fundam-se em alguns princpios tomados como evidentes ou ao menos convencionalmente colocados fora de toda discusso. Esses pontos de partida so indispensveis em toda cincia, e inconcebvel uma cincia que presuma poder prosseguir indefinidamente suas investigaes sem referi-las a um ponto de partida.

2. Prova.

3. Nexo evidncia-prova.

4. Carter evidente (e no provado) do nexo mesmo.

II. Como condies existenciais, a cincia requer:

1. Repetibilidade do ato intuitivo referido mesma essncia.

2. Repetibilidade do fenmeno cuja essncia intuda.

3. Registro.

4. Transmissibilidade.

III. Esse ideal foi realizado, historicamente, segundo modalidades variadas, calcadas nas cincias que casualmente obtivessem maior sucesso no momento.

1. Geometria (sc. IV a. C.)

2. Biologia [ classificao ] (sc. VI em diante: influncia aristotlica tardia).

3. Dialtica e Lgica (sc. XII em diante).

4. Matemticas (sc. XV em diante).

5. Fsica mecanicista (sc. XVII em diante).

6. Biologia e medicina experimental (sc. XIX). Ao mesmo tempo: Histria.

7. Fsica matemtica, lgica matemtica, lingustica, informtica e neurobiologia (sc. XX).

IV. A astrologia pode tentar em vo copiar o modelo de alguma delas ou, ao contrrio, procurar constituir-se como cincia desde o ideal mesmo que define a idia de cincia.

V. S este ltimo caminho vlido, porque o objeto da cincia astrolgica radicalmente diverso do de todas as demais cincias. Que objeto esse?

1. O estudo das influncias astrais? No.

2. O estudo da personalidade luz dos astros? No.

3. o estudo das relaes entre fenmenos celestes e terrestres de qualquer natureza.

VI. Pode a astrologia ser uma cincia?

1. Logo, a astrologia, se houver uma, uma cincia:

a) Comparativa.

b) De objeto lgico e no ftico.

c) Mltipla. A variedade de objetos requer variedade de mtodos.

d) Interdisciplinar.

2. Eis a razo pela qual a astrologia perdeu, no Renascimento, seu estatuto de cincia. A astrologia at ento existente bastava para dar conta da fenomenalidade terrestre tal como descrita pela fsica de Aristteles, mas o sbito avano das demais cincias as fragmentou de tal modo que uma cincia comparativa, sinttica e interdisciplinar como a astrologia se tornou impossvel.

3. Hoje, graas ao sistema internacional de intercmbio de informaes cientficas, a cincia astrolgica se torna novamente possvel.

4. Como realiz-la?

1. Enfrentando logo as questes preliminares de delimitao, de mtodos investigativos e de critrios de validao.

2. Enfrentando logo o problema da unificao da teoria astrolgica, o que implica a reinterpretao de todo o legado da astrologia antiga trabalho para muitas geraes.

3. Distinguindo para sempre as duas questes que o debate atual confunde:

a) O fenmeno astral em si.

b) A validade das tcnicas astrolgicas.

4. A resposta sobre a validade ou no da astrologia no pode preceder a resposta sobre a existncia ou inexistncia do fenmeno astral (chamemos assim as relaes entre fenmenos celestes e terrestres).

a) A resposta sobre o fenmeno astral j nos foi dada por Gauquelin.

b) A comprovao da existncia do fenmeno no basta para validar a astrologia, mas basta para justificar a necessidade de uma cincia astrolgica: resta faz-la, em vez de proclamar que est feita e cultuar uma imagem de sonho.

P. S.Como prova de que sou um astrlogo embusteiro, o sr. Rodrigo Constantino reproduz no seu blog uma reportagem da Veja, datada de 9 de abril de 1980, na qual, desafiado pelo reprter Luiz Henrique Fruet, analiso o mapa astrolgico de uma pessoa desconhecida e, em resultado, forneo um perfil integralmente correto do indivduo, sem um erro ou impreciso sequer, e com detalhes que nenhuma especulao divinatria poderia jamais alcanar. Veja deu o brao a torcer.

Que prova maior poderia haver de que, tendo exercido brevemente a profisso de astrlogo entre 1978 e 1980, no me conduzi nela seno com a maior idoneidade possvel, no me furtando sequer a um teste que, em caso de fracasso, danaria a minha reputao para sempre?

No h ali o menor sinal de embuste.

Tentando usar essa reportagem como prova contra mim, o sr. Constantino fora o documento a dizer o contrrio do que diz.

No intil observar que minha atividade de astrlogo cessou trinta e dois anos atrs, quando o sr. Constantino tinha seis aninhos de idade. Se, decorrido esse tempo que quase coincide com a durao da sua vida, o sr. Constantino ainda insiste em me rotular de astrlogo, com repetitividade obsessiva, no porque tenha algo de srio a alegar contra meu desempenho profissional de ento, mas porque julga que a palavra astrlogo, por seus prprios poderes mgicos, e no obstante a passagem de trs dcadas, lanar sobre mim uma imagem negativa e me caracterizar como embusteiro sem que para isso eu precise ter cometido embuste nenhum. Raramente o puro desejo de difamar se revelou de maneira mais patente, mais indubitvel.