merit oc racia

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FUNDAÇÃO PEDRO LEOPOLDO MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO MERITOCRACIA – REVELANDO AS MELHORES PESSOAS OU O MELHOR DAS PESSOAS?: Um Estudo de Caso em uma Empresa Brasileira Neuza Maria Dias Chaves Pedro Leopoldo 2012

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Meritocracia

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  • FUNDAO PEDRO LEOPOLDO MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAO

    MERITOCRACIA REVELANDO AS MELHORES PESSOAS OU O MELHOR DAS PESSOAS?:

    Um Estudo de Caso em uma Empresa Brasileira

    Neuza Maria Dias Chaves

    Pedro Leopoldo

    2012

  • NEUZA MARIA DIAS CHAVES

    MERITOCRACIA REVELANDO AS MELHORES PESSOAS OU O MELHOR DAS PESSOAS?:

    Um Estudo de Caso em uma Empresa Brasileira

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado de Administrao Profissional como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Administrao. rea de concentrao: Gesto da Inovao e competitividade. Linha de Pesquisa: Inovao e Organizaes. Orientadora: Profa. Dra. Vera L. Canado.

    Pedro Leopoldo Fundao Pedro Leopoldo

    2012

  • 658.4038 CHAVES, Neuza Maria Dias

    C512m Meritocracia : revelando as melhores pessoas

    ou o melhor das pessoas ?: um estudo de caso

    em uma Empresa Brasileira.

    - Pedro Leopoldo: FPL , 2012.

    119 p.

    Dissertao: Mestrado Profissional em Administrao

    Orientador(a): Prof. Dr Vera L. Canado

    l. Meritocracia. 2 .Avaliao de Desempenho.. 3.

    Mrito. 4. Traos Culturais . 5. Cultura Brasileira.

    Ficha Catalogrfica elaborada por Maria Luiza Diniz Ferreira CRB 6-1590

  • AGRADECIMENTOS

    Profa. Dra. Vera L. Canado, pela inspirao, orientao, comprometimento e

    firmeza para me desafiar at a linha tnue onde se cruzam as placas de

    sinalizao: seguir adiante ou desistir.

    Ao presidente e diretores da Empresa Alvo, por disponibilizarem as condies

    para a realizao desta pesquisa. Um agradecimento especial a todos os

    gerentes, coordenadores e supervisores, que mesmo annimos foram essenciais

    para esta pesquisa.

    Cristiane Lopes, pela luz estatstica; Darly, Izabela Lanna, Cnthia Dante, Rita

    Gontijo e Prates; Jamile Dias, pelo apoio que fez toda a diferena na reta final;

    aos colegas do INDG, que me ouviram falar dos encantos e tropeos da ousadia

    de um mestrado em condies restritas de tempo.

    Aos professores da Fundao Pedro Leopoldo, por compatibilizarem to bem a

    competncia e a exigncia com a afetividade.

    Agradeo especialmente Prof. Dra. Amyra Sarsur, por ter iluminado pontos

    crticos na qualificao, tornando melhor a construo deste estudo.

    equipe de funcionrios da FPL, especialmente atenciosa Jussara.

    Aos colegas que compartilharam comigo dos seminrios, das mesas de almoo,

    caronas e tudo aquilo que suavizou estes trs anos e fez os sbados valerem a

    pena.

    famlia e aos amigos, com um pedido de desculpa por me ausentar mais do que

    gostaramos.

  • RESUMO

    A discusso terica desenvolvida por esta dissertao tem a meritocracia como tema central, a avaliao de desempenho como instrumento para sua execuo e traos da cultura brasileira como o elemento influenciador do processo. Meritocracia entendida como um conjunto de valores que define os lugares do indivduo e a sua recompensa por meio do seu desempenho, rejeitando toda e qualquer forma de privilgio hereditrio ou corporativo. A meritocracia nas organizaes pode ser exercida por meio da avaliao de desempenho e da atribuio do mrito. Pesquisas e estudos confirmam que existem alguns traos da cultura brasileira que influenciam o processo de avaliar o desempenho e, por consequncia, de atribuir o mrito. Assim, esta dissertao tem como objetivo identificar como os traos da cultura brasileira influenciam a forma de avaliar e de atribuir o mrito na Empresa Alvo, segundo a percepo dos avaliados. Foi realizado estudo de caso de carter descritivo e quantitativo na Empresa Alvo, que atua no Brasil no setor de telecomunicaes e que aplica um sistema de meritocracia desde 2001. Os dados foram coletados por meio de documentos da empresa, entrevistas com dois executivos e questionrios aplicados aos gerentes, coordenadores e supervisores da empresa Alvo. Obtiveram-se 232 respostas vlidas consideradas representativas da populao, com margem de erro de 5% e nvel de confiana de 95%. Para a anlise dos dados, foram utilizadas tcnicas univariadas, bivariadas e multivariadas. Os resultados indicaram que a avaliao de desempenho e atribuio do mrito na Empresa Alvo so realizadas por meio do Programa de Participao nos Resultados, descrito no Manual do Sistema de Gesto Polticas Internas. Tem objetivos, critrios, valores e metas claramente descritos, atrelando-se ao atingimento das metas estabelecidas para os gerentes e desdobradas at os nveis da operao, cujos resultados refletem-se nos bnus e prmios. Na percepo dos avaliados, o mrito consequncia do desempenho, sendo considerada significativa e positiva a relao entre os dois constructos. Observou-se que os traos da cultura brasileira tomados como referncia ambiguidade, personalismo e distncia do poder exercem pouca influncia na forma de avaliar o desempenho e de atribuir o mrito na Empresa Alvo. Por sua vez, os trs construtos possuem peso alto na composio da avaliao de desempenho e no mrito, ressaltando a sua adequao para mensur-los. Entretanto, a empresa deve estar atenta impossibilidade da reduo total da subjetividade no processo, atentando-se para aspectos comportamentais, como a comunicao sobre os critrios e a relao entre avaliado e avaliador, no tocante troca de feedback. Concluiu-se que o fato de os respondentes perceberem forte relao entre o que fazem e como so reconhecidos sinaliza a legitimidade da meritocracia. Esta dissertao avana em termos acadmicos ao comprovar e identificar os traos culturais que influenciam a avaliao de desempenho e a atribuio do mrito. Ao propor um questionrio validado, propicia um instrumento de utilidade tanto para a academia quanto para as empresas, que podem utiliz-lo no diagnstico de seu processo de meritocracia. Palavras-chave: Meritocracia. Avaliao de desempenho. Mrito. Traos culturais. Cultura brasileira.

  • ABSTRACT

    The theoretical discussion developed in this dissertation has the meritocracy as a central theme, the performance evaluation as an instrument for its execution and the Brazilian culture as an element which influences the process. Meritocracy is understood as a set of values which defines the location of the individual and his work through his performance, rejecting all forms of hereditary or corporate privileges. Meritocracy in organizations can be exercised by means of performance evaluation and merit awards. Research and studies confirm that there are some traces of Brazilian culture that influence the process of evaluating the performance and, consequently, assigning credit. This dissertation aims to identify how the traces of Brazilian culture influence the way of evaluating merits and assigning the Target Company, according to the perception of the individuals. We conducted a descriptive and quantitative case study in the Target Company, which operates in Brazil in the telecommunications sector and implements a system of meritocracy since 2001. The data were collected through company documents, interviews with two executives and interviews with the managers, coordinators and supervisors of the Target Company. There were 232 valid responses, considered representative of the population with a margin of error of 5% and confidence level of 95%. For the data analysis techniques, there were used univariate, bivariate and multivariate analyzes. The results indicate that the performance evaluation and award of merit in the target company are held by the Profit Sharing Program, described in the User Management System Internal Policies. It has purpose, criteria, values and goals clearly stated, linking to the achievement of targets for managers and deployed to the levels of operation, the results reflected in bonuses and awards. Evaluating the perception of the merit is due to the performance, and a possible relationship between the two constructs is considered significant and positive. It was observed that traces of Brazilian culture taken as a reference - ambiguity, personalism and power distance has a little influence in how we evaluate performance and allocate merit in the target company. In turn, the three constructs have high weight in the composition of performance evaluation and merit, pointing out its suitability for measuring them. However, the company must be aware of the impossibility of the total reduction of subjectivity in the process, paying attention to behavioral aspects such as information on the criteria and the relationship between evaluator and evaluated with regard to exchange feedback. In conclusion, the fact that respondents perceive a strong relationship between what they do and how they are recognizes the legitimacy of meritocracy. This dissertation advances in academic terms to confirm and identify the cultural traces that influence the performance evaluation and merit award. By proposing a validated questionnaire, it provides a useful tool both for the academy and for companies that can use it to diagnose the process of meritocracy. Keywords: Meritocracy. Performance evaluation. Merit. Cultural traits; Brazilian culture.

  • LISTA DE ILUSTRAES Figuras

    FIGURA 1 Espao semntico do mrito ............................................................28

    FIGURA 2 Fatores que atingem o sistema de desempenho humano ................35

    FIGURA 3 - Nveis da cultura propostos por Schein (2007)..................................44

    FIGURA 4 Traos culturais brasileiros de integrao dos subsistemas.............59

    FIGURA 5 Modelo hipottico da pesquisa .........................................................66

    FIGURA 6 - Estatstica t para os caminhos...........................................................82

    FIGURA 7 - Modelo estrutural ajustado ................................................................83

    FIGURA 8 - Trao ambiguidade x grau de escolaridade.......................................88

    FIGURA 9 - Trao distncia do poder x grau de escolaridade..............................90

    FIGURA 10 - CHAID para o trao M-ambiguidade................................................94

    FIGURA 11 - CHAID para o trao personalismo e tempo de trabalho

    na empresa ...........................................................................................................97

    FIGURA 12 - CHAID para o trao personalismo e local de trabalho na empresa. 98

    FIGURA 13 Influncia dos traos culturais brasileiros na meritocracia............104

    Grficos

    GRFICO 1 - Eficcia dos gestores no processo de gesto de desempenho......35

    Quadros

    QUADRO 1 Traos predominantes da cultura brasileira,

    segundo Freitas (1997).......................................................................................... 54

    QUADRO 2 Traos predominantes da cultura brasileira, segundo Caldas e

    Wood Jr. (1999) .....................................................................................................54

    QUADRO 3 Pesquisa sobre a influncia dos traos culturais em processos de

    transformao cultural............................................................................................ 56

    QUADRO 4 Traos da cultura brasileira, segundo Barros e Prates (1996)........ 58

    QUADRO 5 Categorizao das questes........................................................... 70

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 - Caracterizao da amostra ...............................................................77

    TABELA 2 - Descrio do modelo ajustado ..........................................................79

    TABELA 3 - Cargas cruzadas: construto avaliao de desempenho....................80

    TABELA 4 - Cargas cruzadas: construto meritocracia ..........................................81

    TABELA 5 - Cargas cruzadas das variveis latentes: avaliao

    de desempenho ....................................................................................................81

    TABELA 6 - Cargas cruzadas das variveis latentes............................................82

    TABELA 7 - Modelo ajustado: coeficientes de caminho e cargas fatoriais ...........84

    TABELA 8 - Trao ambiguidade e avaliao de desempenho..............................87

    TABELA 9 - Trao distncia do poder x avaliao de desempenho .....................89

    TABELA 10 - Trao personalismo x avaliao de desempenho ...........................91

    TABELA 11 - Composio do construto avaliao de desempenho.....................92

    TABELA 12 - Trao ambiguidade e mrito............................................................93

    TABELA 13 - Trao distncia do poder e mrito...................................................95

    TABELA 14 - Trao personalismo e mrito...........................................................96

    TABELA 15 - Composio do construto meritocracia ...........................................99

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    A Ambiguidade

    AVE Average Variance Extracted

    CHAID Chi-squared Automatic Interaction Detector

    DP Distncia do Poder

    EC Enfrentar Conflitos

    Ent. Entrevistado

    GoF Goodness of Fit

    HBR Harvard Business Review

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    LISREL LInear Structural RELationships

    LP Lealdade s pessoas

    PAT Paternalismo

    PER Personalismo

    PEX Postura de Expectador

    PIV Para Ingls Ver

    PLS Partial Least Squares

    PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio

    PPR Programa de Participao nos Resultados

    SPSS Statiscal Package for Social Science

    TQM Total Quality Management

  • SUMRIO1

    1 INTRODUO...................................................................................................13

    2 REFERENCIAL TERICO.................................................................................23

    2.1 Origem e conceitos de meritocracia................................................................23

    2.2 Avaliao de desempenho e a meritocracia...................................................29

    2.2.1 Modalidades de avaliao do desempenho e a meritocracia.......................38

    2.2.2 Aplicao da meritocracia nas empresas brasileiras ...................................40

    2.2.3 Remunerao varivel e o mrito ................................................................41

    2.3 Cultura e meritocracia .....................................................................................43

    2.3.1 Conceito de cultura organizacional ..............................................................43

    2.3.2 Cultura nacional e organizacional: os estudos de Hofstede.........................46

    2.3.2.1 Distncia do poder ....................................................................................47

    2.3.2.2 Coletivismo e individualismo ....................................................................48

    2.4 Traos da cultura brasileira nas organizaes................................................53

    2.5 Impactos da cultura coletivista e individualista na meritocracia ......................60

    3 METODOLOGIA ................................................................................................64

    3.1 Caracterizao da pesquisa............................................................................64

    3.2 Modelo de pesquisa ........................................................................................65

    3.3 Populao e amostra ......................................................................................67

    3.4 Tcnicas de coleta de dados...........................................................................68

    3.5 Tcnicas de anlise e tratamento dos dados..................................................71

    4 APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS ..................................73

    4.1 Avaliao de desempenho e mrito na Empresa Alvo....................................73

    4.2 Caracterizao da amostra .............................................................................77

    4.3 Validao do modelo.......................................................................................78

    4.4 Modelo ajustado da pesquisa..........................................................................83

    1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortogrficas aprovadas pelo Acordo Ortogrfico assinado entre os pases que integram a Comunidade de Pases de Lngua Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil desde 2009. E foi formatado de acordo com a ABNT NBR 14724 de 17.04.2011.

  • 4.5 Traos culturais e avaliao de desempenho .................................................86

    4.6 Traos culturais e atribuio do mrito ...........................................................92

    5 CONCLUSO ..................................................................................................102

    REFERNCIAS...................................................................................................113

    APNDICE..........................................................................................................118

  • 13

    1 INTRODUO

    Ao posicionarem-se estrategicamente diante dos desafios contemporneos, as

    organizaes tm verificado que a complexidade das suas operaes vem

    aumentando de forma mais veloz do que a sua capacidade para se adaptar ou se

    reorganizar. As organizaes modernas esto revendo os seus modelos de

    gesto de forma abrangente, focando nos seus clientes e organizando os seus

    processos para se tornarem mais adequados s exigncias de sobrevivncia do

    negcio. Para tal, necessitam de profissionais com competncias diferenciadas,

    com amplo domnio no conhecimento sobre o negcio, de forma que possam ter

    autonomia para assumir responsabilidade em cenrios complexos (SANT'ANNA,

    2008).

    Nesse contexto, o fator humano, diferencial para a competitividade das

    organizaes, tem se destacado como um ponto limitador do aproveitamento das

    oportunidades de negcio, seja pela escassez, falta de qualificao ou

    rotatividade (DUTRA, 2007).

    A disputa por recursos humanos qualificados, as dificuldades para mant-los

    motivados e o aumento do turnover tm ampliado o interesse das organizaes

    por estratgias de gesto de pessoas. Embora, em qualquer cenrio, o papel das

    pessoas seja essencial na gerao de resultados e diferenciais que definem o

    posicionamento competitivo, essa viso torna-se mais clara nos momentos de

    restrio, principalmente quando as perdas de oportunidades se do pela falta

    e/ou inadequao das pessoas. Com base nesse contexto, Davel e Vergara

    (2010) propem aos gestores uma reflexo: quanto maior a dependncia da ao

    do ser humano na realizao dos resultados, maior ser a necessidade de

    compreender a sua complexidade.

    Seria mais simples se o desafio se limitasse procura de pessoas competentes

    para preenchimento das vagas, mas h ainda a necessidade de que elas estejam

    comprometidas e dispostas a contribuir para os propsitos das organizaes que

  • 14

    as empregam. Segundo Ulrich e Ulrich (2010), o baixo comprometimento tambm

    um fator crtico, que, devido a vrias causas, levam as pessoas a um

    desempenho insatisfatrio ou mesmo ao desligamento do emprego. Para

    fundamentar tal afirmativa, os autores citam a pesquisa realizada pelo Saratoga

    Institute com mais de 19 mil trabalhadores norte-americanos de 17 setores, a qual

    revela que 72% dos empregados que pediram demisso o fizeram por falta de

    reconhecimento ou porque no se sentiam respeitados e apoiados por seus

    lderes. Outra pesquisa realizada pela Employee Engagement Index do Gallup

    Management Journal concluiu que apenas 29% dos empregados esto

    ativamente envolvidos em seus empregos. Tambm no Reino Unido pesquisas do

    YouGov, com mais de 40 mil empregados, mostram que apenas 51% se sentem

    plenamente envolvidos em sua empresa (ULRICH; ULRICH, 2010).

    Nesse mbito, as organizaes que j vivenciaram declnio de resultados ou

    limitao de crescimento do negcio pela dependncia de pessoas competentes

    perceberam que a reteno e o seu comprometimento requerem uma nova forma

    de administrao e de solues adequadas a esse perfil demandado. Essas

    pessoas sinalizam que no so atradas por estabilidade e salrio fixo, mas pelas

    oportunidades de conquistar posies e remunerao, de forma diferenciada, em

    funo do desempenho. A questo que se impe como diferenci-las utilizando

    parmetros que avaliem os seus nveis de desempenho e que permitam

    reconhec-las de forma compatvel e satisfatria. As organizaes pblicas e

    privadas cobram das cincias da administrao solues que equilibrem a sua

    necessidade de resultados, cada vez mais arrojados, com as aspiraes de

    pessoas competentes para alcan-los (HERZOG, 2009).

    Essa demanda traz o tema meritocracia para o foco e o destaca entre as solues

    debatidas tanto no meio corporativo como no acadmico, pelo seu potencial de

    ajudar a reter talentos em mercados competitivos, revelando os melhores e

    desafiando-os a mostrar o seu melhor. Ao se basear no mrito para reconhecer e

    remunerar de forma compatvel com a entrega dos resultados, a gesto de

    pessoas busca conciliar e satisfazer as expectativas das pessoas e das

    organizaes (BARBOSA, 1999).

  • 15

    Embora no seja um conceito novo, a meritocracia vem despertando o interesse,

    de forma crescente, das organizaes pblicas e privadas. Segundo Barbosa

    (1999), o termo foi cunhado pelo socilogo Young, na dcada de 50, para expor a

    ideia de uma sociedade na qual os papis sociais e as recompensas so

    distribudos de acordo com a capacidade de realizaes e desempenho

    demonstrado. Embora o autor tenha embalado as suas crticas em um misto de

    utopia e stira sobre o sistema meritocrtico praticado na Frana, conseguiu

    inspirar o debate sobre a justia social, com base no mrito.

    Em uma verso mais contempornea, Barbosa (1999, p. 22) definiu meritocracia

    como um conjunto de valores que rejeita toda e qualquer forma de privilgio

    hereditrio e corporativo, permitindo que os indivduos sejam avaliados e

    valorizados independentemente de suas trajetrias e biografias sociais. Assim

    sendo, a projeo social, crescimento, reconhecimento e promoes so

    condies conquistadas por meio do mrito de cada um e avaliadas por critrios

    preestabelecidos (BARBOSA, 1999).

    O modelo meritocrtico, quando concebido de forma sistmica, permeia todas as

    etapas da relao do indivduo com a organizao, desde a forma como

    recrutado, selecionado, alocado, promovido, reconhecido ou mesmo demitido.

    Aps a sua admisso, o indivduo passa a se revelar diante da cultura e dos

    estmulos que lhe so oferecidos e a o seu desempenho pode ser avaliado e

    direcionado para o mrito. O pensamento de que o desempenho deva ser o fator

    que indica o mrito compartilhado principalmente por Barbosa (1999), Falconi

    (2009), Tenret (2008) e Young (2008), entre outros, e para isso tm sido utilizados

    vrios instrumentos para avali-lo. Esse processo, denominado na maioria das

    vezes de avaliao de desempenho, definido por Dutra (2007) como a medio

    das entregas e resultados do empregado para a organizao, conforme a sua

    capacidade de resposta diante da complexidade dos desafios. O autor apresenta

    esse processo de forma mais abrangente, defendendo uma abordagem de gesto

    por competncias que no se restringe aos aspectos convencionais de uma

    avaliao de desempenho, mas considera as dimenses de desenvolvimento,

    esforo e comportamento. Para ele, todas as formas de avaliar o desempenho

  • 16

    apresentam a dificuldade de avaliar por meio de critrios que diferenciem a

    contribuio individual e sejam, ao mesmo tempo, aceitos pelos envolvidos.

    Esse um dos pontos delicados, pois, para Barbosa (1999), a avaliao e a

    atribuio do mrito, embora sejam etapas que concretizem o modelo

    meritocrtico, so, tambm, as que o fragilizam. Segundo a autora, as pessoas

    concordam quanto aos critrios utilizados, mas desconfiam da forma como so

    aplicados.

    Enquanto a meritocracia se apresenta como um modelo e ainda est no plano

    terico, conta com a adeso dos envolvidos, conforme afirma Barbosa (1999). O

    dilema comea a se delinear a partir do momento em que ela sai do papel e

    comea a acontecer de fato. como se, at ento, as pessoas a vissem como um

    modelo ideal e desejvel, pois promove a igualdade, condio nobre da qual se

    orgulham de ter como princpio. Quando esse princpio comea a ser aplicado

    para a prpria pessoa ou para outros de sua relao, descobre-se que o seu

    significado igualitrio restringe os prprios privilgios, ou seja, ele no serve

    somente para regular os privilgios dos outros. A descoberta da perda dos

    padrinhos, do status diferenciado e de que no h mais a blindagem pelo tempo

    de casa, provoca a tomada de conscincia do lado mais concreto da meritocracia,

    podendo disparar um processo de rejeio. Esse o ponto de encontro da

    inteno com a realidade, aquele que tira a organizao do plano discursivo e a

    introduz no processo de execuo. A face consensual da meritocracia se desfaz e

    entra em cena a desconfiana quanto interpretao dos critrios, utilizao

    honesta dos pesos e ponderaes e das prprias decises sobre a distribuio do

    mrito (BARBOSA, 1999).

    Concordando com essa afirmativa, Falconi (2007) observa que a posio

    favorvel meritocracia permanece at que as pessoas tomem conscincia da

    sua execuo, ponto crtico no qual a maioria das instituies malsucedida.

    Segundo ele, a meritocracia no pode se limitar aos postulados e discursos, mas

    deve ser praticada com coragem. E define a meritocracia como a prtica da tica

    no trabalho, consistindo em privilegiar e promover os melhores,

    independentemente de raa, credo, ideologia, relacionamento familiar ou

  • 17

    amizade. A deciso pelo modelo meritocrtico exige que a organizao seja

    coerente e que d a todos a mesma oportunidade. Caso permita privilgios ou

    excees, perder a confiana do grupo e os talentos se desligaro, por no

    aceitarem que o mrito seja atribudo sem que a ele se faa jus.

    Essa dificuldade de se praticar a meritocracia tem sido discutida no plano da

    administrao, mas, tambm, j estudada h algum tempo em outras cincias.

    Ao analis-la sob a perspectiva da Sociologia, Bell (1974) listou a inteligncia

    gentica, a classe social e a casualidade do local onde o indivduo nasce e se

    educa como aspectos influenciadores do nvel de coerncia da execuo da

    meritocracia. Uma pessoa que nasce, por exemplo, nos Estados Unidos, j

    recebe compulsivamente uma cultura que privilegia o desempenho.

    Nesse sentido, tomando o desempenho como o fator que direciona a

    meritocracia, Barbosa (1999) ressalta a dificuldade da sua legitimidade social,

    pois, para isso, as pessoas deveriam estar inseridas em um cenrio que lhes

    desse condies de serem avaliadas exclusivamente pelas suas realizaes, sem

    que fatores externos como relaes familiares ou sociais, poder econmico

    status, etc interferissem na sua avaliao.

    Comparando essa questo a uma competio esportiva, Dubet (2004) considera

    que a justia meritocrtica seria uma realidade se as regras fossem conhecidas

    igualmente por todos, se o campo tivesse condies semelhantes e se os juzes

    fossem imparciais. Por essas razes, o socilogo defende a necessidade de se

    desenvolver um sistema meritocrtico em que todos tenham as mesmas

    oportunidades, embora acredite que mesmo assim o modelo continuar criando

    mais vencidos do que vencedores.

    Mesmo nos Estados Unidos, onde a meritocracia encontra cultura favorvel e

    amplamente aplicada, McNamee e Miller Jr. (1994) identificam uma lacuna entre o

    que as pessoas afirmam que funciona e como o sistema realmente funciona, ao

    que denominam de mito da meritocracia. A afirmativa de que o sistema distribui

    a renda e a riqueza de acordo com o mrito dos indivduos superestimada pela

  • 18

    ideologia do american dream2. Tambm na sociedade americana h vrios

    fatores que inibem o sistema meritocrtico de funcionar conforme se deseja. Essa

    viso compartilhada por Lawson (1993), ao tratar a questo da dissimulao da

    meritocracia com prticas que geram a percepo de igualdade para a sociedade.

    Tomando como base o ensino britnico, ele faz uma reflexo sobre as vantagens

    que continuam para aqueles que j so privilegiados e os obstculos para

    aqueles que no o so. Nesse sentido, a meritocracia vista por McNamee e

    Miller Jr. (1994) como um mito que coloca as prticas com igualdade para todos,

    mas com chances desiguais.

    As experincias de vrias culturas e as diferentes perspectivas sociolgicas e

    administrativas reforam as dificuldades de implantao da meritocracia e alertam

    quanto s implicaes culturais. Para Barbosa (1999), os casos de insucesso da

    aplicao da meritocracia nem sempre tm solues satisfatrias, pela tendncia

    da organizao a focar nos instrumentos de avaliao e ignorar os elementos

    culturais, nos quais, geralmente, se concentram as causas fundamentais do

    problema. Como afirma Schein (2007), a indiferena cultura pode levar perda

    de recursos e de avanos na mudana que se est implantando.

    Ao desconsiderar a cultura, ignora-se uma realidade que, segundo DaMatta

    (1984, p. 23), construda pelo transitar das pessoas entre a rua e a casa,

    influenciando e sendo influenciadas, mutuamente, pela convivncia. Essa

    concepo utilizada por ele para traduzir a cultura brasileira, marcada pelas

    relaes pessoais e construda no dia-a-dia pelas atitudes, pelas instituies e

    pelos comportamentos sociais. Esses traos da cultura so transportados,

    influenciam e promovem a reproduo cultural nas organizaes, conforme

    afirmam Barros e Prates (1996).

    A partir dos pressupostos da administrao e da antropologia, pretende-se, nesta

    dissertao, estabelecer uma ponte entre as vrias perspectivas, tendo a

    meritocracia como tema central, a avaliao de desempenho como instrumento

    para sua execuo e a cultura brasileira como o elemento influenciador do

    2 Sonho americano traduo da autora.

  • 19

    processo. desafiador promover um dilogo entre essas teorias, ancorado por

    duas cincias - a antropologia e a administrao - cujo histrico de proximidade

    ainda muito recente. Igualmente desafiador tratar, no mbito da cultura

    brasileira, a meritocracia dos processos de avaliao de desempenho que no

    podem ser vistos apenas como tecnologias gerenciais, por trazerem em seu bojo

    os valores que vo atestar a sua credibilidade. Ao enlaar as duas cincias em

    um mesmo estudo, Barbosa (1999) prope o termo cultura administrativa, por

    entender que, juntas, abrigam diferentes tecnologias gerenciais, que se

    desdobram em termos de significados e interpretaes, conforme os panoramas

    organizacionais em que forem sendo aplicados.

    Embora a meritocracia ainda no seja uma prtica amplamente difundida nas

    organizaes brasileiras e apresente lacunas naquelas que a implantaram, h

    instituies que a aplicam e atestam a sua contribuio para os empregados e

    empregadores (EXAME, 2011). Isso instiga um aprofundamento na anlise dos

    fatores culturais que limitam a sua adequada aplicao.

    O ponto delicado que se destaca, nessa questo, como avaliar o desempenho,

    pois a desconfiana dos avaliados se concentra na forma de se interpretar os

    critrios para se tomar a deciso do mrito. Pesquisas e estudos de Barbosa

    (1999), Barros e Prates (1996), DaMatta (1984), Tanure (2005) e Freitas (1997)

    confirmam que existem caractersticas da cultura brasileira que influenciam esse

    processo de se avaliar o desempenho e, por consequncia, a atribuio do

    mrito.

    A meritocracia, a despeito de trazer resultados que conciliam os objetivos

    organizacionais com os interesses dos funcionrios, tem apresentado dificuldades

    em ser implementada plenamente, apresentando uma lacuna entre a linha

    ideolgica e a linha da execuo.

    Assim, considerando-se que: a) autores como Barbosa (1999), Bellat (2006),

    Tenret (2008) e Young (1994), entre outros, afirmam que a meritocracia deve ser

    determinada pelo desempenho e que essa relao nem sempre plenamente

    efetiva; e b) pesquisas de Barbosa (1999), Barros e Prates (1996), Caldas e

  • 20

    Wood Jr (1999), Freitas (1997), Hofstede (1984) e Tanure (2005) revelam que as

    prticas administrativas so influenciadas pela cultura brasileira, delineia-se a

    pergunta desta dissertao: em que medida a avaliao de desempenho e a

    atribuio do mrito so afetadas pelos traos da cultura brasileira na Empresa

    Alvo (nome fictcio da empresa pesquisada)?

    A escolha da Empresa Alvo foi motivada pelo fato de atender ao pr-requisito de

    adotar uma gesto meritocrtica e pela possibilidade de encontrar nela elementos

    representativos da diversidade cultural brasileira. A empresa, fundada em 1975,

    foi reestruturada no final dos anos 90, tendo passado por diversas mudanas,

    sendo uma delas a transio de estatal para o segmento privado. Atua no setor

    de telecomunicaes e emprega cerca de 17.000 funcionrios diretos, distribudos

    em dez estados e no Distrito Federal.

    Frente essa realidade e a partir da questo estabelecida, define-se como objetivo

    geral: identificar em que medida os traos da cultura brasileira influenciam a forma

    de avaliar e de atribuir o mrito na Empresa Alvo, segundo a percepo dos

    avaliados.

    Como objetivos especficos, pretendem-se:

    Validar o modelo de pesquisa proposto;

    Caracterizar o processo de avaliao de desempenho e a forma de atribuir

    mrito na Empresa Alvo;

    Identificar a relao entre os traos da cultura brasileira e a forma de

    avaliar o desempenho na Empresa Alvo;

    Identificar a relao entre os traos da cultura brasileira e a forma de

    atribuir o mrito na Empresa Alvo;

    Avaliar se o mrito consequncia do desempenho, sob a perspectiva dos

    avaliados.

    Para atingir tais objetivos, foi realizado um estudo de caso de carter quantitativo

    na Empresa Alvo, por meio da aplicao de questionrios a uma amostra de 232

    gerentes, coordenadores e supervisores das unidades regionais. Foram tambm

  • 21

    coletados dados primrios e secundrios sobre o sistema de meritocracia da

    Empresa Alvo, por meio de entrevistas com dois executivos, das reas de gesto

    e de recursos humanos, e de anlise documental.

    Ao abordar a relao da cultura brasileira com o desempenho e a meritocracia,

    este estudo poder ampliar o conhecimento sobre o tema, uma vez que, segundo

    Barbosa (1999), a despeito de ser do interesse de todos os stakeholders3, o

    conceito ainda pouco divulgado ou entendido. Ao contribuir para a melhor

    compreenso da maneira como os traos culturais interferem na avaliao do

    desempenho e na aferio do mrito, a pesquisa poder salientar a preocupao

    de se estudar os traos da cultura brasileira que podem restringir ou facilitar a

    implementao dessa prtica nas empresas. Para a empresa pesquisada, este

    estudo poder contribuir com o diagnstico do processo de avaliao implantado,

    ressaltando aspectos da interferncia de fatores culturais na meritocracia.

    Para a academia, este estudo se prope a oferecer subsdios anlise da

    combinao da cultura e das tcnicas gerenciais, denominada por Barbosa (1999)

    de cultura administrativa, despertando o interesse em aprofundar na temtica da

    meritocracia que, a despeito da sua atratividade, ainda desafia os pesquisadores

    com questes relativas a influncia dos traos culturais. H, entretanto, poucos

    estudos sistemticos que integrem a meritocracia no ambiente da antropologia e

    da administrao. Considerando o nvel de interesse, espera-se fundamentar e

    inspirar novas pesquisas que reforcem a relevncia e a aplicabilidade da

    meritocracia, conforme os seus pressupostos.

    Aps esta introduo, na qual se apresentam o tema, o problema e os objetivos

    da dissertao e sua justificativa, passa-se a descrever, no captulo 2, a teoria

    norteadora deste estudo, a partir de conceitos e vises dos principais autores que

    ajudaram a estabelecer um painel de entendimento para a pesquisa. Discorre-se

    sobre a origem e a concepo terica da meritocracia, vises sobre o

    desempenho e sua relao com o mrito, apresentando um painel sobre traos da

    cultura, a partir dos estudos da cultura nacional e organizacional. O captulo 3

    3 Partes interessadas.

  • 22

    descreve a metodologia a qual detalha a caracterizao e modelo da pesquisa, a

    definio da populao e amostra, as tcnicas e instrumentos da coleta de dados

    e como estes foram analisados e tratados. O captulo 4 aborda os resultados da

    pesquisa e no captulo 5 so registradas as concluses, sendo includas ao final

    as referncias e os apndices utilizados na coleta de dados.

  • 23

    2 REFERENCIAL TERICO

    Esta dissertao aborda os eixos da avaliao de desempenho e atribuio do

    mrito, influenciados por traos da cultura brasileira. Considerando-se que

    existem pesquisas demonstrando a influncia da cultura brasileira nas prticas

    gerenciais, sero analisados os traos mais frequentes indicados pelos autores,

    combinando os pressupostos da antropologia e da administrao.

    2.1 Origem e conceitos de meritocracia

    A meritocracia tem sido, por dcadas, alvo de interesse da humanidade nas

    vrias culturas. No incio do sculo XXI, Weber (1967) j mencionava a

    meritocracia em seus escritos sobre a sociologia da religio, criticando a

    discriminao que impedia a seleo dos judeus para as universidades. Segundo

    ele, o fato de a sociedade ignorar o mrito dos judeus e de outras raas por

    preconceito aos atributos hereditrios traria prejuzos, reforando o

    apadrinhamento e o favoritismo para as promoes sem mrito. Weber (1967)

    explicava o desenvolvimento do capitalismo pela religio, considerando o

    protestantismo o responsvel por estabelecer as bases econmicas e racionais

    da sociedade ocidental. Para ilustrar o seu pensamento sobre essa

    interdependncia entre religio e capitalismo, o socilogo costumava utilizar a

    parbola do senhor que confiou o seu dinheiro aos empregados e, ao retornar,

    diferenciou-os pelo resultado, rejeitando aquele que no se esforou para frutificar

    os talentos recebidos.

    Embora concordasse com as ideias de Weber (1967), o socilogo Parsons (1971)

    associou a sociologia a outros campos da cincia para ampliar o entendimento

    sobre a cultura e os sistemas, numa abordagem mais atualizada dos ltimos

    cinquenta anos. Para ele, o sculo XX, a partir da Revoluo Industrial, trouxe

    uma nova ideologia em que o valor passou a se deslocar para o indivduo e sua

  • 24

    capacidade de conquistar o mrito por seus prprios atributos, substituindo

    aqueles herdados pela famlia e pela origem social.

    A viso de Parsons (1971) sobre a meritocracia e a avaliao de desempenho

    pode ser entendida no ponto em que ele se refere necessidade de que os

    sistemas sociais definam um status daquilo que se espera da parte do outro e que

    possa servir como referncia para se fazer posteriormente uma distino entre os

    participantes e os no participantes. Em segundo lugar, deve haver uma

    diferenciao entre os participantes em relao ao seu status e funes, de forma

    que algumas categorias faam algumas coisas no esperadas de outras. Outro

    ponto enfatizado por Parsons (1971) que a educao um fator determinante

    nos ambientes meritocrticos, pois influenciam as competncias e

    responsabilidades que iro diferenciar as pessoas na seleo para os empregos,

    nas suas avaliaes e nos salrios. O autor considera que a revoluo

    educacional conseguiu ampliar as oportunidades na sociedade norte-americana e

    permitiu a institucionalizao de um padro basicamente igualitrio. Alm dela, o

    fato de ter a liberdade como um valor fez com que os Estados Unidos se

    destacassem em relao aos demais pases na criao de um campo favorvel

    meritocracia, por dar ao cidado o direito de adquirir as competncias necessrias

    para ter direito s oportunidades e garantir a igualdade de ser reconhecido pelo

    mrito.

    O termo meritocracia relativamente novo, cunhado pelo socilogo britnico

    Young (2008), e mistura razes latinas e gregas em uma combinao de termos

    que significam ganho, salrio digno e esforo. Fazendo uma projeo da

    sociedade em 2033, Young (2008) descreveu um conflito entre princpios

    ambguos, evidenciando a vitria do mrito sobre o parentesco e a emergncia de

    uma nova ordem social na qual todas as pessoas poderiam ascender pelos

    atributos do esforo e do talento. Segundo a sua projeo, pela primeira vez a

    sociedade se orgulharia em contemplar a ascenso dos brilhantes pelos seus

    prprios mritos, e no por herana ou relacionamento (YOUNG, 2008).

    Young (2008) analisa a origem da meritocracia na Frana em 1793, estudando a

    Constituio, e na Inglaterra, por volta de 1890, avaliando a rea da educao.

  • 25

    Faz uma ressalva quanto cultura americana, por reconhecer que a meritocracia

    j existia como uma ideologia inerente ao pas, desde a sua formao. Em 1958,

    o socilogo publicou um estudo com o objetivo de criticar a sociedade da poca

    por permitir a ascenso de pessoas pelas suas origens e riquezas e pela

    influncias dos pais a lhes propiciar as melhores escolas, viagens ao exterior, etc.

    Segundo ele, o castigo seria que, a despeito de obterem posies privilegiadas e

    status, essas pessoas no poderiam se orgulhar nem se sentir os melhores, pois

    sabiam que no haviam conquistado essas posies por mrito e que existiam

    subordinados que se destacariam como iguais ou melhores, se tivessem em

    condies semelhantes.

    A essncia dessa crtica compartilhada por Tenret (2008), para quem as

    recompensas e as posies sociais no ambiente meritocrtico somente deveriam

    ser concedidas pelas qualificaes e habilidades do indivduo e de forma no

    tendenciosa. Mas reconhece que, apesar de dar a todos iguais oportunidades, a

    meritocracia ameaada pelas diferenas sociais, uma vez que alguns indivduos

    saem na frente por serem privilegiados pela sua origem, enquanto outros

    comeam a sua luta como perdedores por terem nascido em lares de pessoas

    com pouca ou nenhuma instruo, frequentarem escolas piores e terem pouco

    acesso a viagens, eventos culturais, entre outros estmulos.

    Esse um fenmeno que, na viso de Bellat (2006), vem desafiando as

    sociedades democrticas desde o final do sculo XIX, pois a meritocracia ainda

    no plenamente legitimada como parte integrante das suas normas e valores. O

    desejo sempre foi faz-la funcionar como um sistema para distribuir de forma

    justa, lugares desiguais, diferenciando os indivduos, independentemente de

    atributos herdados.

    Tambm no Brasil, a cultura meritocrtica vem sendo sinalizada desde a primeira

    Constituio de 25 de maro de 1824, art. 179, na qual se lia que os talentos e

    virtudes, sem outra diferena, seriam os nicos critrios vlidos para que o

    cidado fosse admitido aos vrios cargos pblicos. Tal ponto na Constituio

    mereceu destaque nas narrativas de missionrios norte-americanos que,

    admirados, documentaram que a lei brasileira concedia aos homens negros e

  • 26

    mulatos, uma vez livres e possuidores de energia e talento, o direito de erguerem-

    se s mais altas posies sociais, das quais a raa estava excluda nos Estados

    Unidos (TUNA, 2003). No entanto, embora a meritocracia j se fizesse presente

    na primeira Constituio, j eram percebidos sinais de no efetividade, pois no

    eram fornecidos critrios para identificar os talentos e virtudes requeridos, ficando

    a cargo dos diferentes rgos do governo. Tambm havia contradies nos

    artigos 92-95, que estabeleciam ao mesmo tempo a igualdade de todo cidado

    perante a lei e exclua do direito de voto os criados, religiosos e pessoas com

    restrio de renda.

    O tema meritocracia abordado nesta dissertao em duas dimenses, conforme

    proposto por Barbosa (1999): a primeira, no nvel ideolgico, como um conjunto

    de valores em que as posies dos indivduos devem ser consequncia do mrito.

    Nesse nvel, o mrito atribudo de forma coerente com os critrios,

    independentemente das trajetrias, tempo de casa, biografias dos indivduos,

    sobrenomes, rejeitando-se os privilgios herdados ou concedidos.

    As situaes relatadas confirmam com fatos a dupla face da meritocracia

    apresentada por Barbosa (1999): uma representando a teoria que a postula e a

    outra a prtica que a torna visvel. A primeira representa o consenso entre os

    envolvidos, na qual todos concordam que as posies dos indivduos na

    sociedade devem ser consequncia do mrito. O mrito atribudo de forma

    coerente com os critrios, independentemente de trajetrias, tempo de casa,

    biografias dos indivduos, sobrenomes, rejeitando-se os privilgios herdados ou

    concedidos. Segundo a autora, essa a linha ideolgica que sustenta os

    discursos e as representaes. Se, teoricamente, essa primeira dimenso

    aceita, na segunda o consenso no ocorre. A segunda a linha da execuo na

    qual o mrito anunciado atribudo. Nesse caso, espera-se que ele seja decidido

    em funo do desempenho individual, como o critrio bsico de avaliao de

    talento, habilidades e esforos. Apesar do critrio determinante do mrito ser

    desempenho, o processo de avali-lo suscita desconfiana. As pessoas

    desconfiam das diferentes interpretaes que os avaliadores fazem dos critrios e

    da forma como o relacionam ao mrito.

  • 27

    Na primeira perspectiva, a meritocracia apresentada de forma apreciada pela

    sociedade, pois, conforme Tenret (2008), responde ao desejo de justia presente

    nas pessoas. Como enfatiza Barbosa (1999), as divergncias emergem quando

    se coloca em prtica o principal instrumento para definio do mrito: a avaliao

    de desempenho. A subjetividade no entendimento do mrito faz surgir a

    desconfiana quanto aos aspectos determinantes para a legitimao da

    meritocracia, tais como: as interpretaes sobre as variveis que compem a

    avaliao de desempenho, dvidas sobre a composio do mrito, o que foi

    considerado para defini-lo, dvidas sobre a igualdade de aplicao dos critrios,

    se as oportunidades sero realmente para os que tiveram a melhor pontuao, a

    traduo em bnus, remunerao, promoes, entre outras. A coliso entre as

    duas dimenses pode gerar a interrupo da aplicao da meritocracia, em

    funo de um discurso sobre uma prtica inexistente.

    Ao se referir meritocracia de forma terica, ela se mostra atraente e parece ser

    razovel sua aceitao e efetivao. Sua complexidade se revela no mbito das

    organizaes, quando o mrito estabelece correlaes com outros conceitos com

    os quais interage para compor o seu significado. Essas implicaes emaranhadas

    demandam por uma cultura meritocrtica que, segundo Bellat (2006), uma

    iniciativa que vem desde o final do sculo XIX, mas ainda no conseguiu ser

    plenamente legitimada como parte integrante das normas e valores das

    sociedades democrticas.

    Os valores, de acordo com Parsons (1971), so essenciais para regular os

    compromissos sociais e devem estar includos nas normas que, por sua vez,

    devem integrar os sistemas, determinar as funes e orientar as pessoas sobre

    como devem exercer os seus papis. Os papis so as formas como os

    indivduos, dentro de expectativas recprocas, contribuem para a coletividade. O

    socilogo estabelece a interdependncia entres esses elementos, afirmando que

    a coletividade e os papis devem ser gerenciados por valores e normas e que

    estas necessitam da execuo dos papis pela coletividade para serem

    institucionalizadas.

  • 28

    Os componentes apresentados por Parsons (1971) como condio para

    institucionalizar uma prtica social coincidem com a observao de Tenret (2008).

    O significado da meritocracia mais profundo e abrangente do que o termo que a

    define tem conseguido comunicar. Isso porque, segundo a autora, as implicaes

    de cunho sociolgico e psicolgico coexistentes em seu bojo apenas se

    manifestam durante a sua execuo. Nesse momento, pode-se ver quantos

    elementos se correlacionam e precisam ser harmonizados para que possam

    cumprir a funo de relacionar o mrito performance das pessoas, conforme se

    pode visualizar na FIG. 1.

    FIGURA 1 Espao semntico do mrito

    Fonte: Dicionrio de sinnimos da lUniversit de Caen, 2008.

    Fonte: lUniversit de Caen (2008).

    A FIG. 1 expressa a complexidade da meritocracia, ilustrando por meio do mapa

    semntico as correlaes do mrito com vrios outros elementos que tambm se

    desdobram e se influenciam mutuamente. por esse motivo que a meritocracia

    no pode ser entendida de forma simples e corriqueira, pois contm um sentido

    de justia de cunho sociolgico. O conhecimento dessa complexidade pode

    contribuir para a melhor compreenso das dificuldades das instituies para medir

    Perfeio

    Capacidade

    Comprometimento Talent o

    Qualidade

    Fora

    Virtude

    Moral Honestidade

    Honra

    Orgulho

    Superioridade

    Distino

    Mrito

    Grandiosidade

    Utilizao

    Remunerao

    Brlho

    Louvor

    Classe

    Valor

  • 29

    objetivamente o resultado da meritocracia e fazer com que a origem do indivduo

    no influencie o destino e que a posio ocupada por ele seja definida pelas suas

    qualificaes (TENRET, 2008).

    Reforando a viso da autora, McNamee e Miller Jr. (2004) observaram que tanto

    os franceses como os americanos so influenciados por diversas foras sociais

    que atuam para restringir os objetivos da meritocracia, a despeito do mrito

    individual. Um dos pontos que confirmam isso, segundo os autores, o prprio

    nascimento do indivduo, que j d a ele a vantagem de sair na frente, o que

    sempre ter maior peso do que o mrito.

    Utilizando a expresso loteria gentica, Bell (1974) tambm faz aluso

    condio natural das pessoas que nascem em lares privilegiados e que so

    beneficiadas desde o incio de suas vidas, herdando diferenciais. Isso faz com

    que a meritocracia nunca seja pura, pois sempre haver aqueles cujas posies

    sero herdadas, e no conquistadas.

    Tais preocupaes provocam importante reflexo sobre a funcionalidade do

    desempenho na meritocracia, pois, de acordo com Young (2008), Barbosa (1999),

    Bellat (2006) e Tenret (2008), a partir dele que o mrito poder ser atribudo

    com justia. Como estabelecer os prmios, bnus ou remuneraes variveis,

    selecionar as pessoas e decidir suas posies, realizar as promoes, admisses

    e demisses, entre outras movimentaes, sem um processo de avaliao de

    desempenho coerente? Esse o ponto no qual os estudiosos sobre o assunto

    assentam as suas preocupaes e buscam estratgias para tornar os

    instrumentos de avaliao do desempenho coerentes com os objetivos da

    meritocracia.

    2.2 Avaliao de desempenho e a meritocracia

    Enfatizando que o desempenho um fator determinante para se estabelecer a

    meritocracia, Barbosa (1999) afirma que ele ainda uma prtica polmica nas

    organizaes brasileiras. Como exemplo, a autora cita que a simples cobrana e

  • 30

    mensurao de resultados costumam ser o suficiente para classificar o lder como

    autoritrio, deixando-o desconfortvel para avaliar o desempenho e atribuir o

    mrito. E que a falta de uma ideologia meritocrtica amplamente estabelecida na

    sociedade a principal causa da dificuldade de se efetivar os critrios de forma

    igualitria para avaliar o desempenho e decidir, em funo do resultado, o tipo de

    recompensa ou reconhecimento do empregado.

    Embora reconhea tais dificuldades, Barbosa (2006) defende o processo de

    avaliao de desempenho como o instrumento mais adequado para a execuo

    da meritocracia. Compartilhando dessa viso, Falconi (2009) afirma que a melhor

    maneira de se executar a meritocracia ter um bom sistema de avaliao de

    desempenho que avalie a pessoa quanto sua capacidade de realizar resultados

    (atingir metas ou resolver problemas) e quanto sua conformidade aos valores da

    empresa. A forma de torn-la mais impessoal permitir que uma pessoa seja

    avaliada por vrias outras e no apenas por amigos ou pelos mesmos chefes

    sempre. Sem um instrumento de avaliao atrelado ao mrito, a organizao

    poder reter os colaboradores menos empenhados e perder os melhores, o que

    pode comprometer a sobrevivncia do negcio.

    Para reforar essa afirmativa, Osso (2010) cita o exemplo de dois empregados de

    mesmo nvel hierrquico, salrio, benefcios e exigncias iguais de entregas. Um

    deles entrega no prazo, com qualidade e de acordo com os valores da

    organizao, enquanto o outro no atende conforme o esperado. Tomando a

    justia como ponto focal, Osso (2010) afirma que sem critrios meritocrticos o

    segundo ser recompensado, porque ganha o mesmo salrio que o outro,

    entregando menos. Essa situao sinalizar a tolerncia aos baixos

    desempenhos e a indiferena ao reconhecimento daqueles que fizeram jus ao

    mrito.

    Na tentativa de evitar essas situaes, algumas organizaes ainda utilizam o

    mtodo da escolha forada. Esse mtodo parte do princpio de que os

    desempenhos se diferenciam para pior ou para melhor em relao ao padro

    requerido pela organizao (LOPES, 2009). A partir de parmetros, os

    avaliadores identificam 20% de pessoas que superam o padro, 70% daquelas

  • 31

    consideradas vitais para manter o negcio e 10% que no atendem, formando,

    assim, a chamada curva de desempenho. O mrito e as demais consequncias

    so decididas em funo dessa classificao. O autor concorda que sempre

    haver desempenhos diferentes, mas alerta para as distores em funo dos

    traos da cultura e para a desmotivao das pessoas quanto s equipes de alta

    performance.

    O efeito obtido pelo mtodo da curva forada aproxima-se da viso de Barbosa

    (1999), ao afirmar que no universo meritocrtico as nicas hierarquias legtimas e

    desejveis so aquelas baseadas na seleo dos melhores, para quem devem

    ser destinados o prestgio, honra, status e bens materiais. A autora enfatiza que

    toda sociedade reconhece a existncia das desigualdades individuais, mas que

    nem sempre tm mecanismos para legitimar a meritocracia, garantindo s

    pessoas a igualdade das condies para se revelarem.

    Conforme Siqueira (2002), qualquer que seja o instrumento, a avaliao de

    desempenho deve ser sempre uma anlise crtica sobre a lacuna existente entre

    a expectativa de desempenho, seja da organizao ou do indivduo, e o seu real

    desempenho, realizada a partir de critrios e orientao para o mrito,

    disseminados e entendidos pelo pblico envolvido. Ainda assim, de acordo com

    Barbosa (1999), o processo est sujeito a divergncias e desconfianas quanto

    interpretao dos avaliadores sobre as habilidades e esforos, quanto aos

    critrios e mtricas estabelecidos e quanto igualdade de oportunidades.

    Isso pode ocorrer devido face subjetiva do processo, que pode levar ao risco de

    parcialidade e de desvio do foco do desempenho. Segundo Lopes (2009), no

    Brasil predominam processos de avaliao de desempenho tendenciosos, que

    priorizam os sentimentos e traos da personalidade em detrimento das aes

    concretas e resultados entregues. Tais aspectos subjetivos, que vm sendo

    observados por dcadas, retratam fatores da cultura brasileira, expressa nos

    traos de paternalismo, de apadrinhamento, de formalismo, conforme pesquisado

    por Barbosa (1999), Barros e Prates (1996), Caldas e Wood Jr. (1999) e Freitas

    (1997).

  • 32

    H organizaes que se apoiam em laudos psicolgicos, como exposto por Lopes

    (2009), atendo-se a aspectos da personalidade do avaliado. Embora a sistemtica

    de avaliao de desempenho venha se modificando ao longo dos anos, a autora

    reporta que muitas vezes alteram-se os nomes e cdigos, mas no as prticas,

    prevalecendo o papel do julgador, e no o de avaliador, sem se cumprir os

    objetivos aos quais o instrumento se prope. Tal ocorrncia percebida quando o

    avaliador utiliza as escalas de traos da personalidade em detrimento da relao

    de competncias definidas pela organizao. A autora cita como exemplo o fato

    de um gerente de perfil centralizador avaliar a proatividade de um avaliado como

    algo negativo, por contrapor-se a um dos seus traos, embora seja essa uma das

    competncias descritas pela empresa como desejvel.

    Essas caractersticas na realizao da avaliao de desempenho ainda refletem o

    histrico da administrao, cujo foco foi, durante muitos anos, nos aspectos de

    carter controlador e punitivo. O importante era saber se as pessoas estavam

    trabalhando e quanto, como indicam Barbosa (1999) e Milkovich e Boudreau

    (2000). Com a emergncia da escola das relaes humanas, passou-se a cobrar

    novos objetivos, por meio desse mesmo instrumento, visando atender

    necessidades organizacionais e dos indivduos.

    Os objetivos da avaliao de desempenho vm sendo ampliados ao longo do

    tempo, desencadeando novas expectativas quanto s suas funes. Entretanto,

    ao reunir em um nico instrumento uma diversidade de objetivos, a avaliao de

    desempenho pode se tornar to controversa, a ponto de no conseguir

    corresponder. Tomando como exemplo os dois objetivos mais comuns, o de

    melhorar e o de recompensar o desempenho do empregado, j se pode identificar

    algum tipo de conflito entre eles (MILKOVICH; BOUDREAU, 2000).

    O primeiro objetivo direciona o olhar do avaliador para o futuro e para o indivduo,

    pois busca identificar necessidades especficas para estabelecer aes e ajudar a

    melhorar os pontos de desempenho insatisfatrios. J o segundo direciona o

    avaliador para o passado e para as comparaes, pois visa a identificar o que foi

    realizado e diferenciar quem dever receber a recompensa. Nesse ngulo, a

    avaliao responde expectativa de direcionar para o mrito, pois a partir das

  • 33

    informaes sobre o desempenho que os indivduos podero ser diferenciados e

    o mrito atribudo (MILKOVICH; BOUDREAU, 2000).

    A despeito do redirecionamento dos objetivos e do esforo para fazer de seus

    resultados uma fonte para o crescimento e desenvolvimento humano, a avaliao

    de desempenho continua provocando atritos, insatisfaes e desconforto, tanto

    entre avaliadores como avaliados. Essa situao faz com que os gerentes no

    gostem de avaliar e, para evitar os conflitos, o que um comportamento

    caracterstico da cultura brasileira, preferem avaliar todos positivamente

    (BARBOSA, 1996).

    A autora ilustra sua concluso expondo o resultado de uma pesquisa realizada

    como parte de um projeto de anlise cultural tomando, como amostra, 432

    questionrios aplicados em uma empresa estatal:

    O tipo de sistema de avaliao, o processo, o modo como realizado, os avaliadores, tudo criticado. A desconfiana acerca do sistema total. Ningum confia nos resultados. Verifiquei que as pessoas normalmente consideram injustos os critrios (79,1%), o mesmo valendo para os avaliadores (50,7%). Em regra, os mais bem-avaliados so vistos como apadrinhados, puxa-sacos dos chefes, etc., mesmo que sejam reconhecidos como bons profissionais, de alto desempenho. Ou seja, quem no recebe boa avaliao, em geral, no legitima a boa avaliao alheia. Quarto, descobri que a antiguidade como critrio de ascenso vertical vista como mal necessrio por 54,8%, na medida em que corrige as injustias da avaliao de desempenho. Ao mesmo tempo, vista como incentivo acomodao do funcionrio, uma vez que, trabalhando ou no, o funcionrio promovido (BARBOSA, 1999, p. 61).

    Essas crticas e insatisfaes avaliao de desempenho se arrastam, conforme

    Gil (2009), desde a Segunda Guerra Mundial, pela inadequao de sua

    metodologia s novas realidades empresariais. Uma das explicaes para o

    descontentamento com a avaliao de desempenho dada por Deming (1990),

    que a define como uma das pragas das prticas administrativas que desagregam

    equipes e machucam as pessoas, estimulam a rivalidade e levam as pessoas a

    disputar resultados em curto prazo, sem se preocuparem com a melhoria do

    sistema em longo prazo. E considerada, ainda, um evento perturbador do clima

    organizacional. Segundo ele, impossvel realizar uma avaliao justa, sendo

    que o desempenho da pessoa apenas uma entre as vrias foras que o

  • 34

    compem, tais como equipamentos, clientes, condies ambientais, a chefia, os

    colegas e outros recursos. Sua anlise que apenas 15% dos problemas de

    desempenho so de responsabilidade do trabalhador e 85% se encontram no

    sistema, sendo, portanto, de responsabilidade gerencial. O autor alerta que o erro

    que a avaliao de desempenho ou classificao por mrito leva em conta

    apenas o produto final e no a liderana que poderia melhorar as pessoas

    durante o processo. Segundo ele, a promessa feita com a classificao por mrito

    fascinante, mas o resultado o oposto, pois estimula a corrida da pessoa com

    foco nela mesma, no se importando com os resultados da instituio.

    Compartilham dessa afirmativa Rummler e Brache (1992), que tambm atribuem

    ao sistema a maior parte da responsabilidade pelos resultados, sustentando que

    a se encontram 80% das oportunidades de melhoria. Essa premissa os leva a

    defender a necessidade de que o desempenho contemple variveis nos nveis da

    organizao, do processo e do trabalhador. Nessa linha de raciocnio, referem

    que se a avaliao focar apenas o desempenho humano, pode-se pensar que

    possvel ter o resultado satisfatrio de um trabalhador, mesmo que as suas

    funes sejam inadequadas, as estratgias mal definidas, os produtos ou servios

    direcionados para clientes no prioritrios, etc. Para eles, preciso levar em

    conta a competncia das pessoas contratadas e o ambiente no qual se insere o

    desempenho. Dessa forma, cabe aos gerentes a responsabilidade de estabelecer

    e comunicar as especificaes de desempenho de forma que as pessoas as

    compreendam, removendo as barreiras que esto fora da sua autonomia. Alm

    disso, preciso estruturar as consequncias para reforar o alcance dos objetivos

    e fornecer feedback regular sobre as rotas do desempenho, para que o

    empregado redirecione sua atuao. A FIG. 2 descreve o modelo de relao do

    trabalhador com o fluxo do trabalho e os fatores que afetam o Sistema de

    Desempenho Humano, desenvolvido por Rummler e Brache (1992).

  • 35

    FIGURA 2 Fatores que atingem o sistema de desempenho humano

    Fonte: Adaptado pela autora a partir de Rummler e Brache (1992).

    Segundo Rummler e Brache (1992), a prtica de uma avaliao de desempenho

    responsvel capaz de oferecer subsdios para atribuir o mrito, seguindo-se o

    modelo em seis etapas. A etapa da entrada, com a especificao do

    desempenho, deve receber dos gerentes os cuidados necessrios para reduzir ao

    mximo as interferncias no trabalho do executor. Segue-se a etapa de

    consequncias, enfatizando a necessidade de que os executores sejam

    comunicados dos efeitos do seu trabalho e saibam o seu significado. Alimenta-se

    todo o fluxo de desempenho com o feedback. Complementando o processo, os

    autores mostram a etapa de conhecimento, habilidades, condies fsicas,

    mentais e emocionais dos executores. As vises de Rummler e Brache (1992) e

    de Deming (1990) reforam a ideia de que no se pode atribuir ao avaliado a

    ENTRADA EXECUTOR

    INTERFERNCIA NA TAREFA Verifica-se se o executor pode reconhecer a entrada

    que exige ao, se a tarefa pode ser feita sem

    interferncia de outras, se os procedimentos e o fluxo

    do trabalho so lgicos e se existem recursos

    adequados para o desempenho

    ESPECIFICAES DE DESEMPENHO Verificam-se a existncia e o nvel de

    conhecimento dos padres por parte

    dos executores e ainda se estes os

    consideram realizveis

    CONHECIMENTO/ HABILIDADE

    Verifica-se a suficincia

    dos conhecimentos e

    habilidades dos

    executores, a conscincia

    do grau de importncia do

    que fazem e a capacidade

    fsica, mental e emocional

    FEEDBACK Verifica-se se os

    executores recebem

    informaes sobre o seu

    desempenho, se estas so

    oportunas e contribuem em

    relevncia, especificidade

    e facilidade de

    entendimento.

    CONSEQUNCIAS Verifica-se o alinhamento

    das consequncias para

    apoiar o desempenho

    desejado, se os

    executores as percebem

    como significativas e se

    so oportunas.

    CONSEQUNCIAS SADA

    FEEDBACK

    2

    4 5

    1

    3

  • 36

    responsabilidade pelo seu desempenho sem que as condies sistmicas tenham

    sido atendidas pelos lderes.

    Tambm na percepo de Gil (2009), os fatores que mais distanciam a avaliao

    de seus objetivos esto predominantemente sob a responsabilidade do sistema,

    tais como objetivos indefinidos ou muito gerais, levando os avaliadores a

    cumprirem uma formalidade, preenchendo os formulrios. O processo de

    avaliao pode perder a sua funo na atribuio do mrito e reforar a

    desconfiana no seu uso, pela baixa eficincia no cumprimento de alguns fatores,

    como os citados a seguir:

    Baixo nvel de envolvimento da alta administrao;

    despreparo para administrar pessoas restringindo-se parte burocrtica;

    avaliao como um evento de um dia especfico;

    influenciada pelos acontecimentos mais prximos;

    no envolvimento do empregado no processo de discusso das suas

    prprias melhorias, restringindo-se a comunicar-lhe o resultado.

    Esses fatores so de responsabilidade gerencial e o cumprimento insatisfatrio

    enfraquece os objetivos do processo de avaliao de desempenho, impedindo a

    identificao das pessoas que fazem jus ao mrito. A pesquisa de Lins (2010),

    realizada no Brasil com 51 empresas de grande porte que so referncias em

    prticas de gesto e abrangem em torno de 600.000 empregados, indica que 58%

    delas utilizam o processo de avaliao de desempenho de cinco a 10 anos e que

    mesmo nesse patamar de maturidade elas ainda no atendem adequadamente

    s etapas que so crticas para a meritocracia.

  • 37

    GRFICO 1 - Eficcia dos gestores no processo de gesto de desempenho

    5%

    35%47%

    12%1%

    No Efetiva Pouco efetiva

    Efetiva Muito Efetiva

    No papel do gestor

    Acordar planos de desenvolvimento individual

    7%

    54%32%

    5% 2%

    No Efetiva Pouco efetiva

    Efetiva Muito Efetiva

    No papel do gestor

    Acompanhar contrataes de desenvolvimento

    2%

    45% 45%

    8%0%

    No Efetiva Pouco efetiva

    Efetiva Muito Efetiva

    No papel do gestor

    Gerenciar expectativas

    15%

    54%

    21%5% 5%

    No Efetiva Pouco efetiva

    Efetiva Muito Efetiva

    No papel do gestor

    Atuar como coach, mentor, counsellor

    0%

    28%

    53%

    19%

    0%

    No Efetiva Pouco efetiva

    Efetiva Muito Efetiva

    No papel do gestor

    Fornecer feedback

    Fonte: Lins (2010).

    Observa-se, pelos resultados da pesquisa, que etapas essenciais como gerenciar

    expectativas, acompanhar contrataes de desenvolvimento e atuar como coach,

    mentor ou counsellor no foram cumpridas satisfatoriamente pelos gestores,

    reduzindo as chances de melhor desempenho. Esses dados reforam o

    pensamento de Deming (1990) e Rummler e Brache (1992), quando se referem

    ao fato de os avaliados no serem totalmente responsabilizados pelos resultados,

    se o sistema no proveu as condies.

    Complementando essa viso da necessidade da gesto do sistema, Lopes (2009)

    ressalta a importncia do princpio da mensurabilidade, ou seja, da necessidade

    de se estabelecerem parmetros para os resultados a serem gerados. Assim,

    atender-se-ia condio exigida pela meritocracia, demonstrando,

    quantitativamente, a relao entre a execuo do processo e os efeitos

    provocados nos resultados organizacionais. Com base em dados e informaes

  • 38

    suficientes e confiveis, seria possvel aferir o mrito, de forma coerente, com o

    nvel agregado pelo desempenho ao negcio.

    Para tal, de acordo com Oakland (1994), preciso que as organizaes revejam a

    forma de avaliar, recomendando-se metodologia mais participativa, que inclua as

    pessoas no processo e no desenvolvimento de medidas, o que pode aumentar as

    chances do comprometimento e promover mais compreenso e aceitao.

    2.2.1 Modalidades de avaliao do desempenho e a meritocracia

    A meritocracia exige uma forma de avaliar mais abrangente, atrelada s

    estratgias do negcio e aos valores organizacionais. Nesse sentido, Dutra (2007)

    defende a adequao da metodologia e dos instrumentos utilizados para avaliar

    as pessoas no contexto atual, estimulando comportamentos mais autnomos e

    com iniciativa, comprometidos com o negcio e com trocas justas na agregao

    de valor. O autor acredita que a gesto pelas competncias oferece um modelo

    adequado a essa demanda, pois aborda importantes dimenses para medir as

    entregas e resultados da pessoa para o negcio. As trs dimenses do modelo

    so: desenvolvimento, esforo e comportamento.

    O desenvolvimento uma dimenso que deve ser mensurada por uma escala de

    complexidade cuja variao define o grau de competncia da pessoa na

    execuo das atividades. A avaliao consiste no estabelecimento de uma tabela

    contendo variveis diferenciadoras e os valores que permitam diferenciar os

    indivduos mais competentes para alocao em atividades complexas. Em geral,

    essa dimenso remunerada na modalidade fixa, em funo dos desafios

    alcanados e das expectativas atendidas. A dimenso do esforo normalmente

    remunerada de forma varivel, pois se trata de algo contingencial, estimulado por

    condies externas que provocam nas pessoas uma ao motivada. J o

    comportamento avaliado a partir de um padro de conduta relacionado aos

    valores da organizao, utilizando critrios que possam reduzir tendncias e

    subjetividade, no envolvendo remunerao (DUTRA, 2007).

  • 39

    Dessa forma, o mrito pode ter critrios distintos de mensurao e, ao mesmo

    tempo, caracterizar de forma integrada a competncia do indivduo, fornecendo

    subsdios objetivos para se pactuar a troca da contribuio pelo reconhecimento e

    a recompensa. H a tendncia das organizaes a se concentrarem no esforo e

    no comportamento e a se restringirem a um valor de curto prazo, o que no ajuda

    a construir padres de diferenciao justos que possam avaliar as entregas feitas.

    A exigncia de critrios de diferenciao mensurveis que ajudem a discernir a

    contribuio de cada um, aceitos como justos e adequados e que estejam

    disponveis de forma transparente para todos, mesmo em tempos de crise

    (DUTRA, 2007).

    Corroborando essa proposio de melhorar a forma como vem sendo realizada a

    avaliao, segundo Carvalho e Nascimento (1997), a aplicao da avaliao 360

    pode reduzir a subjetividade e cumprir mais amplamente os seus objetivos. A

    dinmica implica a avaliao do indivduo por pessoas de diferentes nveis

    hierrquicos pares, chefes e subordinados e por diversas reas internas e

    externas organizao com as quais ele tem contato. Assim, um gerente, alm

    de elaborar a sua prpria avaliao, analisado por sua equipe, pela hierarquia

    superior e equivalente, por representantes de outros departamentos, pelos

    clientes e fornecedores externos, caso tenha contato externo.

    Na modalidade 360o h mais chance de a organizao demonstrar efetivamente

    que o desempenho o fator que define o mrito. Segundo a Revista Harvard

    Business Review (2008), a forma mais bem-sucedida tem sido aquela em que a

    avaliao se estende a todas as gerncias e se baseia nas metas estratgicas

    mensuradas pelos indicadores financeiros e operacionais. Podem-se incluir outras

    variveis de gerenciamento, evitando-se que sejam apresentados dados irreais

    que possam comprometer o negcio em longo prazo, inclusive a distribuio de

    bnus. Dessa forma, todos os nveis so avaliados por um instrumento e com

    critrios conhecidos que garantem a igualdade de condies para alcanarem o

    mrito de forma justa para as pessoas e para o negcio (HARVARD BUSINESS

    REVIEW, 2008, capa).

  • 40

    2.2.2 Aplicao da meritocracia nas empresas brasileiras

    A avaliao do desempenho pode ser um conector da estratgia organizacional

    com as prticas do dia-a-dia, alinhando os sistemas de reconhecimento,

    recompensa e gesto de carreiras aos critrios meritocrticos. Entrevistas

    envolvendo as melhores e maiores empresas do Brasil pelos critrios da Revista

    Exame mostram a satisfao das pessoas e das organizaes com a

    meritocracia, salientando que possvel atender aos interesses organizacionais e

    das pessoas, por meio de uma investigao de desempenho que contempla os

    aspectos comportamentais relevantes para o negcio e o resultado financeiro

    (EXAME, 2011).

    H empresas que somente priorizam os resultados financeiros. Porm, a

    pesquisa realizada por Lins (2010) envolvendo 51 empresas de grande porte dos

    segmentos indstria, energia, tecnologia e servios revela que 86% das empresas

    utilizam um sistema de avaliao de desempenho que no apenas foca metas,

    mas as associa aos indicadores qualitativos. Para analisar quantitativamente,

    adotam metas estratgicas que se desdobram em todos os nveis gerenciais de

    forma individual. A base operacional, exceto as reas comerciais, vem recebendo

    metas para serem atingidas em equipe. Para os aspectos qualitativos, a maioria

    das empresas tem utilizado o sistema de competncias de liderana e

    competncias tcnicas. Segundo a pesquisa, os resultados da gesto de

    desempenho, nessas empresas, tm sido utilizados para decises relacionadas

    meritocracia, diferenciando os resultados das metas e a evoluo das pessoas

    nas competncias desejadas. Os resultados relativos s metas direcionam a

    remunerao varivel. E a evoluo das competncias influencia

    predominantemente os aspectos relativos carreira, demisses e plano de

    sucesso. Entretanto, mesmo contemplando aspectos objetivos, a concluso de

    que a subjetividade, embora possa ser reduzida, continuar presente no processo

    (LINS, 2010).

    O anurio da Revista Exame (CORREA, 2009), em parceria com a revista Voc

    S/A., vem apresentando o crescimento do interesse das organizaes brasileiras

    em utilizar o desempenho e adotar os critrios meritocrticos. Sua pesquisa

  • 41

    revela que crescente o nmero de empresas que adotam prticas como

    remunerao varivel, promoes e outras oportunidades, que diferenciam os

    profissionais pelo seu desempenho nas empresas classificadas como as

    melhores para se trabalhar (CORREA, 2009).

    Na edio de 2010 da pesquisa (EXAME, 2010), a categoria satisfao e

    motivao foi citada por 41,8% dos 137.000 respondentes como o fator que

    decide a entrada e a permanncia dos funcionrios na empresa. Ao tomar

    conhecimento dos fatores mais valorizados pelos funcionrios, a organizao

    pode direcionar as estratgias motivacionais, como reconhecimento, remunerao

    e benefcios, para aqueles que tiveram o melhor desempenho, conforme os

    critrios da meritocracia. A incoerncia entre o mrito e o desempenho tem sido

    uma das principais causas de desmotivao, fato este citado por Osso (2010)

    como recorrente nas empresas de micro a grande porte. Segundo ela, a prtica

    da meritocracia auxilia a reverter tal situao, na medida em que se busca

    recompensar e reconhecer a contribuio dos profissionais para o negcio, de

    forma diferenciada e criteriosa. Barbosa (1999) tambm afirma que a meritocracia

    uma prtica que atrai principalmente os profissionais mais jovens, pois permite

    desafi-los a revelar o seu potencial e recompens-los independentemente do

    tempo de empresa.

    2.2.3 Remunerao varivel e o mrito

    A vinculao da remunerao varivel ao desempenho considerada forte fator

    motivacional, principalmente para atrair e reter os profissionais (WOOD JR.;

    PICARELLI, 2011). A adoo de prticas gerenciais como a meritocracia, que

    promove a vinculao de recompensa ao esforo e ao resultado, tendncia

    global, por estarem as organizaes mais complexas e precisarem empregar e

    reter trabalhadores mais competentes.

    A remunerao varivel tem o objetivo de alinhar e convergir esforos para

    melhorar a empresa e pode ser classificada em curto e longo prazo. A primeira,

    remunerao em curto prazo, direcionada para o alcance dos resultados de

  • 42

    metas estabelecidas para o ano e geralmente vinculada a um sistema de bnus

    que ser distribudo conforme os critrios especficos de cada organizao. A

    remunerao varivel em longo prazo visa perenizao do negcio e ao

    comprometimento dos profissionais em permanecer e desenvolver a organizao.

    Pode ser paga com bnus, com participao acionria e seus indicadores

    transcendem o ano fiscal. Ambas as modalidades tm a mesma premissa de

    autossustentao, ou seja, preciso que as metas e indicadores sejam definidos

    de forma a gerar condies de pagar o benefcio. O mercado tem utilizado os

    gatilhos, expresso que significa o valor definido para os indicadores financeiros

    que precisam ser atingidos para disparar o pagamento de benefcios (WOOD JR.;

    PICARELLI, 2011).

    A remunerao varivel, segundo Hiplito (2002), insuficiente, levando-se em

    conta que a maioria das metas da organizao coletiva e a meritocracia

    voltada para o indivduo. As modalidades de remunerao por competncias e por

    habilidades no operam com medidas convincentes que identifiquem a relao do

    desempenho com o valor agregado aos resultados. O autor reconhece a

    contribuio de tais modalidades nos indicadores de desenvolvimento das

    pessoas e as classifica como qualitativas. Ele defende que ambientes dinmicos

    requerem reviso dos critrios que estabelecem a remunerao fixa e que no se

    pode prescindir dela, porque a base para se calcular a parcela varivel, caso

    seja essa a opo. Por fim, Hiplito (2002) chama a ateno para a possibilidade

    de a remunerao varivel frustrar os profissionais e at estimular turnover,

    contrariando os objetivos que a sustentam.

    Robbins (2009) apresenta uma pesquisa realizada com empresas norte-

    americanas que ilustra tal perspectiva. Verificou que 70% das empresas

    pesquisadas adotam alguma modalidade de remunerao varivel, mas que a

    maioria dos trabalhadores revelou que no consegue associ-la ao seu

    desempenho. Outro fator crtico abordado pelo autor o fato de as pessoas

    contarem automaticamente com as bonificaes anuais como se fossem um

    direito adquirido, reduzindo o sentido motivacional que norteia a meritocracia.

  • 43

    Segundo a Revista Exame (2012), o modelo de participao nos resultados por

    meio de metas est sendo amplamente praticado no Brasil e no exterior. O artigo

    ratifica a vantagem de atrelar uma remunerao que varia conforme o alcance de

    metas preestabelecidas, embora estimulem os gestores a priorizar os resultados

    de curto prazo, uma vez que as metas so anuais. Se, por um lado, os gestores

    aceleram os resultados anuais, ficam livres para negociar com a concorrncia ao

    final do ciclo, agravando o problema de turn over, conforme abordado na

    introduo dessa dissertao. Conforme o artigo, 80% das empresas limitam-se a

    copiar modelos da concorrncia sem analisar e elaborar algo que contemple o

    seu perfil.

    Por mais que os fatores e critrios de avaliao sejam semelhantes no tocante

    meritocracia nos vrios pases, autores como Hofstede (1984) e Morgan (1996)

    alertam para o erro de se descartar as diferenas culturais entre as naes.

    Ambos ressaltam a influncia da cultura nacional nos estilos e filosofia das

    organizaes, destacando que a origem do indivduo tambm cria uma marca

    forte na sua trajetria de vida. A prxima seo trata dos aspectos culturais,

    iniciando-se com a pesquisa de Hofstede (1984) sobre a cultura nacional, que

    inspirou vrios estudiosos e ampliou a compreenso sobre os pensamentos,

    sentimentos e comportamentos em diferentes pases.

    2.3 Cultura e meritocracia

    2.3.1 Conceito de cultura organizacional

    A cultura, segundo Schein (2007, p. 35), um fenmeno constitudo por valores,

    crenas e certezas aprendidos em conjunto, que so compartilhados e tidos como

    corretos medida que a organizao continua a ter sucesso. As interaes da

    equipe, a influncia do lder, a estrutura, normas e outros elementos que modelam

    o comportamento vo sendo aprendidos em conjunto e aos poucos sendo

    incorporados e compartilhados como modelos mentais.

  • 44

    s vezes, a cultura mostra-se mais visvel, o que o autor qualifica como o nvel

    dos artefatos e criaes; s vezes, no nvel mais consciente dos valores; e, s

    vezes, se mostra no nvel dos pressupostos. Para ilustrar essa ideia, Schein

    (2007) apresenta um modelo em trs nveis (FIG. 3) e enfatiza a sua preocupao

    no sentido de que a cultura seja compreendida alm das suas representaes

    cotidianas, tais como comunicao, relacionamento gerente-colaborador, grau de

    autonomia e outros que costumam conduzir elaborao de programas pouco

    eficazes de mudana de cultura.

    FIGURA 3 - Nveis da cultura propostos por Schein (2007)

    Fonte: Schein (2007, p. 32).

    Conforme demonstram os estudos de Schein (2007), a cultura difcil de ser

    alterada, porque os elementos que fazem a diferena esto em uma camada mais

    profunda e invisvel, representando os modelos mentais construdos, aceitos e

    compartilhados por determinado grupo. As ideias, princpios, valores e crenas de

    uma organizao so influenciados pelos seus fundadores. Segundo Schein

    (2007), eles vo conseguir influenciar a estrutura, na medida em que esses

    fatores forem sendo vivenciados e os resultados comprovarem os acertos, sendo

    validados e internalizados pelo grupo. possvel observar, em ambientes

    diversos, como as atitudes das pessoas se parecem ao protegerem as suas

    certezas tcitas, pois foram aprendidas e aceitas no dia-a-dia e, por isto, lhes do

    segurana e fora para lutarem contra uma mudana que ameaa a estabilidade.

    Artefatos, Estruturas Processos Organizacionais

    Visveis, mas nem sempre decifrveis

    CRENAS E VALORES EXPOSTOS

    CERTEZAS BSICAS FUNDAMENTAIS

    Valores, crenas e valores aprendidos em conjunto. Percepes,

    pensamentos e sentimentos pressupostos

    Alto nvel de conscincia

    Tidos como certos invisveis - inconscientes

  • 45

    As camadas mais profundas podem alojar as explicaes para inconsistncias

    encontradas por Schein (2007) em algumas organizaes, como, por exemplo,

    nas equipes de trabalho em que a filosofia de cooperao e outros valores que as

    fundamentam costumam contrapor-se s regras que privilegiam o individualismo e

    promovem a competitividade interna. Ao explicar a cultura a partir desses trs

    nveis, Schein (2007) se preocupa em evitar que ela seja tratada de forma

    superficial. Essa preocupao pertinente, em se tratando da meritocracia, pois

    sendo um instrumento utilizado para responder s exigncias dos padres globais

    de eficincia, nem sempre as organizaes percebem que a efetividade do seu

    gerenciamento est condicionada cultura que as permeia (SCHEIN, 2007).

    Nesse sentido, Freitas (1997) indaga por que novas prticas ou programas so

    implementados sem se identificar e analisar os fatores que podero influenci-los,

    uma vez que j se constatou que a cultura brasileira impacta o dia-a-dia das

    organizaes. Quanto mais se conhecer os fatos relacionados histria do pas,

    aos fundadores, trajetria das organizaes ao longo do tempo e,

    principalmente, aos traos da cultura brasileira, maior ser a chance de sucesso

    da prtica gerencial.

    Atualmente, esse conhecimento tem se tornado mais disponvel com pesquisas

    de vrios autores brasileiros, que ancoram as questes administrativas no bojo de

    outras cincias, como a antropologia. Pesquisa desenvolvida no Brasil pela

    antroploga Barbosa (1999) coerente com as ideias apresentadas e refora que

    a meritocracia no pode ser implementada sem se considerar a cultura. At h

    bem pouco tempo, esse assunto no era debatido na administrao; a cultura ,

    agora, reconhecidamente presente em vrias disciplinas, tais como

    comportamento do consumidor e propaganda, no desempenho econmico de

    longo prazo (KOTTER; HESKETT, 1994), na deciso dos gerentes (HOFSTEDE,

    1984), entre outros. Portanto, h indicativos de que o conhecimento da cultura

    brasileira e sua interferncia desde o incio da implementao de um modelo

    meritocrtico poder reduzir os con