objectos e conceitos que transformam os dias€¦ · trabalho de fazer uma coisa assim. eu acho que...

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CIDADE HOJE 9 OUTUBRO 2014 EMPREENDEDORISMO PAG 03 IDEIAS À ESPERA DE APOIOS Mais do que peças e dese- nhos, João Faria cria sobre- tudo conceitos com a fina- lidade de resolver proble- mas e ultrapassar dificul- dades que identifica no dia- a-dia das pessoas. São inúmeros os projectos e as ideias que vai criando e desenvolvendo na gara- gem de casa, transformada numa verdadeira oficina. Há ali um infindável nú- mero de protótipos, assim como pela habitação deste casal de arquitectos fama- license, que aguardam oportunidade para encon- trar o parceiro certo para conhecerem a luz do dia. A aventura nesta área começou com a criação de uma mesa-de-cabeceira iluminada por leads, com sensor de movimento, e que tinha incorporada co- lunas de som. Outra parti- cularidade do objecto é que permite carregar os tele- móveis por indução, aca- bando com o emaranhado de fios de electricidade. Desde então, o processo criativo nunca mais cessou. «A minha fonte de inspira- ção são as necessidades que vou identificando», re- vela o arquitecto, que do- mina, como poucos, diver- sas áreas. Isso faz com que não fique apenas pela con- cepção mas também pelo desenvolvimento dos res- pectivos protótipos. De entre os vários projec- tos, destaca-se o desenvol- vimento de uma mesa de centro, a “Roots”. A peça surge com o objectivo de resolver um conflito con- jugal. «A minha esposa é arquitecta e tem tendência, como todas as mulheres, a pôr determinadas coisas na mesa, como jarras e re- vistas, coisas que pretendo ver-me livre para, como homem, colocar ali os pés». Para resolver o diferendo, resolveu desenhar uma peça que fosse «tão forte e bonita» que dispensasse outros adereços. «Ganhou a batalha», refere a espo- sa. A peça nasce de um candeeiro que não teve de- senvolvimento e que se inspirava no estádio olím- pico chinês “O ninho”, que foi usado nos Jogos Olím- picos. Com várias versões e diferentes linhas, a “Ro- ots” está a ser preparada para ser apresentada em concursos internacionais de design. João Faria dá voz às difi- culdades de um autor em ver os seus trabalhos ga- nhar forma e avança que os investidores ainda não estão muito sensibilizados para isso. «Existem em Portugal, teoricamente, muitas boas intenções. Falam em em- preendedorismo, em busi- ness angels, acho todas essas estratégias impor- tantes e interessantes mas ainda não tive nenhuma. Acredito que possa estar a falhar nalguma coisa», aponta, notando que ainda não esteve no Gabinete de Apoio ao Empreendedor, criado recentemente pela Câmara de Famalicão. P.C. MANTEIGUEIRA DE FAMALICENSE PREMIADA EM SERRALVES OBJECTOS E CONCEITOS QUE TRANSFORMAM OS DIAS João Faria conjuga as técni- cas artesanais e tradicio- nais com a tecnologia de ponta e associa-lhe um tra- ço único de beleza e de ele- gância, razões que conven- ceram o júri da 6.ª edição do concurso de Projectos Originais Portugueses 2014, promovido pelo Mu- seu de Serralves. A manteigueira “Íris”, de- senhada pelo arquitecto João Faria, radicado em Famalicão, cuja designação faz jus aquela que foi uma das referências gastronó- micas do concelho - o res- taurante Íris -, conquistou o primeiro prémio nos “Ob- jectos de Decoração”, uma das seis categorias a con- curso. Fabricada em aço inoxidá- vel, a peça sobressai em qualquer mesa. A forma elegante que a manteiga adquire, uma espécie de flor, quando o objecto é pressionado motiva reac- ções diferentes. «O restaurante “Íris” sem- pre foi um local que me fas- cinou. Existia aí uma peça cilíndrica com uns buracos em cima por onde saía a manteiga quando pressio- nava um êmbolo. Achei a forma muito elegante de apresentar a manteiga e o conceito engraçado. Na- quele espaço os valores es- tavam, de facto, muito bem pensados e foi inspirado nisso que desenvolvi esta peça», refere o autor, adiantando que desde que o restaurante encerrou en- cetou diligências para che- gar até uma dessas peças, mas não teve êxito. Decidiu então desenhar algo parecido, com o pro- pósito de oferecer a um amigo como prenda de ca- samento. Fê-lo à mão e en- tregou os esquissos a um ourives para dar corpo a esse objecto feito em pra- ta. O resultado final «foi in- teressante», mas não pre- enchia o desejo do autor. A ideia ficou «alguns anos a marinar», até que decidiu recuperar o projecto e ar- quitectar uma segunda pe- ça, introduzindo-lhe pe- quenas nuances que lhe deram um ar ainda mais elegante. Segundo João Faria, que é professor, o tempo é im- portante no processo criati- vo e quando as coisas ficam no pensamento acabam por ir amadurecendo. Foi o que aconteceu com a “Íris”. Seguiu-se o processo de execução, com a selecção de empresas locais - um dos requisitos do concurso - com capacidade para con- cretizar o projecto. Con- cluiu que há em Famalicão e nos arredores «empresas com capacidade técnica de nível mundial», mas com «falta de produto». Após várias semanas de apuro, o resultado final cor- respondeu, finalmente, às expectativas. «É uma peça elegante e tudo o que lá es- tá tem razão de ser. Não acontece apenas porque fica giro. É feita em aço inox 316, resistente a am- bientes salinos. É polida à mão porque a geometria da peça não permite poli- mento industrial e também não preenchia um dos meus objectivos, que é dar mão-de-obra. Tudo o resto é maquinado e cortado a laser. Foi uma aprendiza- gem interessante», frisa. As críticas foram positivas, mas como objecto emo- cional que é as reacções são naturalmente diversas. «Há quem diga que é mais uma maluquice de um ar- quitecto e que o pacote de manteiga servia perfeita- mente, mas há outros que se surpreendem, até por- que a “Íris” tem esse factor surpresa. Quando se pres- siona a parte superior, o efeito da manteiga surpre- ende as pessoas. Alguns acham piada e dizem que é uma peça bonita, mas outros não compreendem bem porque me daria ao trabalho de fazer uma coisa assim. Eu acho que a bele- za merece este trabalho adicional», aponta. A opinião é partilhada pelo júri do concurso do Museu de Serralves, que foi unâ- nime na decisão de lhe atri- buir o primeiro prémio, de- pois de, em 2013, ter le- vado a concurso uma colu- na de som bluetooth, cha- mada “Old Friend”, que foi finalista na mesma cate- goria. «Sentimos que o nosso tra- balho é valorizado, mas es- tes prémios, por mais in- teressantes que possam ser para o nosso ego, não significam nada se nós de- pois não tivermos uma es- tratégia de saída», diz João Faria, que está já a traba- lhar para lançar o objecto no mercado. O processo não é simples. É preciso encontrar os for- necedores certos e, a jun- tar a isso, faltam os apoios. Até agora arriscou as pró- prias economias numa ideia que ainda não sabe o que vai dar. «O que falta são empresas que queiram arriscar», atira. Avaliada em cerca de 80 euros a unidade, só no se- gundo semestre do próxi- mo ano é que a “Íris” deve- rá chegar ao grande públi- co. Até lá a aposta incidirá noutros segmentos de mercado, como a hotelaria de gama alta. «Nunca será uma peça de massas», diz o autor, admitindo que a vitória no concurso forçou- o a acelerar um processo que normalmente andaria mais devagar. «Estas coi- sas andam com o nosso di- nheiro e os fundos são limi- tados e têm que ser muito bem alocados», aponta. PAULO CORTINHAS

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CIDADE HOJE 9 OUTUBRO 2014 EMPREENDEDORISMO PAG 03

IDEIASÀ ESPERADE APOIOS

Mais do que peças e dese-nhos, João Faria cria sobre-tudo conceitos com a fina-lidade de resolver proble-mas e ultrapassar dificul-dades que identifica no dia-a-dia das pessoas.São inúmeros os projectose as ideias que vai criandoe desenvolvendo na gara-gem de casa, transformadanuma verdadeira oficina.Há ali um infindável nú-mero de protótipos, assimcomo pela habitação destecasal de arquitectos fama-license, que aguardamoportunidade para encon-trar o parceiro certo paraconhecerem a luz do dia.A aventura nesta áreacomeçou com a criação deuma mesa-de-cabeceirailuminada por leads, comsensor de movimento, e

que tinha incorporada co-lunas de som. Outra parti-cularidade do objecto é quepermite carregar os tele-móveis por indução, aca-bando com o emaranhadode fios de electricidade.

Desde então, o processocriativo nunca mais cessou.«A minha fonte de inspira-ção são as necessidadesque vou identificando», re-vela o arquitecto, que do-mina, como poucos, diver-sas áreas. Isso faz com quenão fique apenas pela con-cepção mas também pelodesenvolvimento dos res-pectivos protótipos.De entre os vários projec-tos, destaca-se o desenvol-vimento de uma mesa decentro, a “Roots”. A peçasurge com o objectivo de

resolver um conflito con-jugal. «A minha esposa éarquitecta e tem tendência,como todas as mulheres, apôr determinadas coisas namesa, como jarras e re-vistas, coisas que pretendover-me livre para, comohomem, colocar ali ospés».Para resolver o diferendo,resolveu desenhar umapeça que fosse «tão fortee bonita» que dispensasseoutros adereços. «Ganhoua batalha», refere a espo-sa. A peça nasce de umcandeeiro que não teve de-senvolvimento e que seinspirava no estádio olím-pico chinês “O ninho”, quefoi usado nos Jogos Olím-picos. Com várias versõese diferentes linhas, a “Ro-ots” está a ser preparada

para ser apresentada emconcursos internacionaisde design.João Faria dá voz às difi-culdades de um autor emver os seus trabalhos ga-nhar forma e avança queos investidores ainda nãoestão muito sensibilizadospara isso.«Existem em Portugal,teoricamente, muitas boasintenções. Falam em em-preendedorismo, em busi-ness angels, acho todasessas estratégias impor-tantes e interessantes masainda não tive nenhuma.Acredito que possa estar afalhar nalguma coisa»,aponta, notando que aindanão esteve no Gabinete deApoio ao Empreendedor,criado recentemente pelaCâmara de Famalicão. P.C.

MANTEIGUEIRA DE FAMALICENSEPREMIADA EM SERRALVES

OBJECTOS E CONCEITOSQUE TRANSFORMAM OS DIAS

João Faria conjuga as técni-cas artesanais e tradicio-nais com a tecnologia deponta e associa-lhe um tra-ço único de beleza e de ele-gância, razões que conven-ceram o júri da 6.ª ediçãodo concurso de ProjectosOriginais Portugueses2014, promovido pelo Mu-seu de Serralves.A manteigueira “Íris”, de-senhada pelo arquitectoJoão Faria, radicado emFamalicão, cuja designaçãofaz jus aquela que foi umadas referências gastronó-micas do concelho - o res-taurante Íris -, conquistouo primeiro prémio nos “Ob-jectos de Decoração”, umadas seis categorias a con-curso.Fabricada em aço inoxidá-vel, a peça sobressai em

qualquer mesa. A formaelegante que a manteigaadquire, uma espécie deflor, quando o objecto épressionado motiva reac-ções diferentes.«O restaurante “Íris” sem-pre foi um local que me fas-cinou. Existia aí uma peçacilíndrica com uns buracosem cima por onde saía amanteiga quando pressio-nava um êmbolo. Achei aforma muito elegante deapresentar a manteiga e oconceito engraçado. Na-quele espaço os valores es-tavam, de facto, muito bempensados e foi inspiradonisso que desenvolvi estapeça», refere o autor,adiantando que desde queo restaurante encerrou en-cetou diligências para che-gar até uma dessas peças,mas não teve êxito.Decidiu então desenharalgo parecido, com o pro-pósito de oferecer a umamigo como prenda de ca-

samento. Fê-lo à mão e en-tregou os esquissos a umourives para dar corpo aesse objecto feito em pra-ta. O resultado final «foi in-teressante», mas não pre-enchia o desejo do autor.A ideia ficou «alguns anosa marinar», até que decidiurecuperar o projecto e ar-quitectar uma segunda pe-ça, introduzindo-lhe pe-quenas nuances que lhe

deram um ar ainda maiselegante.Segundo João Faria, que éprofessor, o tempo é im-portante no processo criati-vo e quando as coisas ficamno pensamento acabampor ir amadurecendo. Foi oque aconteceu com a “Íris”.Seguiu-se o processo deexecução, com a selecçãode empresas locais - umdos requisitos do concurso

- com capacidade para con-cretizar o projecto. Con-cluiu que há em Famalicãoe nos arredores «empresascom capacidade técnica denível mundial», mas com«falta de produto».Após várias semanas deapuro, o resultado final cor-respondeu, finalmente, àsexpectativas. «É uma peçaelegante e tudo o que lá es-tá tem razão de ser. Nãoacontece apenas porquefica giro. É feita em açoinox 316, resistente a am-bientes salinos. É polida àmão porque a geometria dapeça não permite poli-mento industrial e tambémnão preenchia um dosmeus objectivos, que é darmão-de-obra. Tudo o restoé maquinado e cortado alaser. Foi uma aprendiza-gem interessante», frisa.As críticas foram positivas,mas como objecto emo-cional que é as reacçõessão naturalmente diversas.

«Há quem diga que é maisuma maluquice de um ar-quitecto e que o pacote demanteiga servia perfeita-mente, mas há outros quese surpreendem, até por-que a “Íris” tem esse factorsurpresa. Quando se pres-siona a parte superior, oefeito da manteiga surpre-ende as pessoas. Algunsacham piada e dizem queé uma peça bonita, masoutros não compreendembem porque me daria aotrabalho de fazer uma coisaassim. Eu acho que a bele-za merece este trabalhoadicional», aponta.A opinião é partilhada pelojúri do concurso do Museude Serralves, que foi unâ-nime na decisão de lhe atri-buir o primeiro prémio, de-pois de, em 2013, ter le-vado a concurso uma colu-na de som bluetooth, cha-mada “Old Friend”, que foifinalista na mesma cate-goria.«Sentimos que o nosso tra-balho é valorizado, mas es-tes prémios, por mais in-teressantes que possamser para o nosso ego, nãosignificam nada se nós de-pois não tivermos uma es-tratégia de saída», diz JoãoFaria, que está já a traba-lhar para lançar o objectono mercado.O processo não é simples.É preciso encontrar os for-necedores certos e, a jun-tar a isso, faltam os apoios.Até agora arriscou as pró-prias economias numaideia que ainda não sabe oque vai dar. «O que faltasão empresas que queiramarriscar», atira.Avaliada em cerca de 80euros a unidade, só no se-gundo semestre do próxi-mo ano é que a “Íris” deve-rá chegar ao grande públi-co. Até lá a aposta incidiránoutros segmentos demercado, como a hotelariade gama alta. «Nunca seráuma peça de massas», dizo autor, admitindo que avitória no concurso forçou-o a acelerar um processoque normalmente andariamais devagar. «Estas coi-sas andam com o nosso di-nheiro e os fundos são limi-tados e têm que ser muitobem alocados», aponta.

PAULO CORTINHAS