o vinho e seus espaÇos de memÓria- a rota das cantinas

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O VINHO E SEUS ESPAÇOS DE MEMÓRIA- A ROTA DAS CANTINAS HISTÓRICAS - BENTO GONÇALVES- RS-BRASIL Marilei Piana Giordani [email protected]

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Page 1: O VINHO E SEUS ESPAÇOS DE MEMÓRIA- A ROTA DAS CANTINAS

O VINHO E SEUS ESPAÇOS DE MEMÓRIA- A ROTA DAS CANTINAS HISTÓRICAS - BENTO

GONÇALVES- RS-BRASIL

Marilei Piana Giordani [email protected]

Page 2: O VINHO E SEUS ESPAÇOS DE MEMÓRIA- A ROTA DAS CANTINAS

O Vinho e seus Espaços de Memória- A Rota das Cantinas Históricas - Bento Gonçalves- RS-Brasil

Resumo:

O presente estudo ainda em andamento , analisa o Patrimônio Cultural inserido nas Cantinas Vinícolas familiares que se encontram no Distrito de Faria Lemos,mas também se fazem presen-tes em outros Distritos do município de Bento Gonçalves -RS

A Rota das Cantinas Históricas nasce da celebração do vinho na sua origem, como um produto cultural; enfocando seus usos, costumes,saberes e memórias ,passadas aos descendentes no gosto da produção e elaboração dos vinhos.Foi baseado no patrimônio cultural existente e em dados cientificamente coletados nas várias cantinas vinícolas familiares existentes na Região do Distrito , e arredores.

A Cantina para os italianos ali chegados há mais de 130 anos - e hoje para os seus descenden-tes,era o porão da casa . Um espaço cultural,lugar de identidade e memória , de fabricação de seus produtos e utensílios também de marcenaria para o uso cotidiano, além e local de elabora-ção e repouso dos vinhos , devido às condições oferecidas pelos materiais utilizados e pelas técnicas de edificação empregadas.Lugar de sociabilidades, de encontro com os amigos , e não raro, onde eram realizadas as festas de casamentos.

O vinho traz consigo esta riqueza de valores, identidade,saberes, memória e a partilha e confra-ternização de nossas comunidades até os dias atuais - são mais de 130 anos de história. Isto é o que diferencia a etnia italiana predominante e pólo turístico, representados na história de cada família e sua cantina. Hoje, muitas delas transformadas em Vinícolas e varejos para a comerciali-zação de seus produtos.

Palavras chave: Vinho, Espaços de Memória-Cantina Históricas

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1 .Introdução

O presente estudo pretende analisar o Patrimônio Cultural presente nas Cantinas vinícolas famili-ares que se encontram no Distrito de Faria Lemos – Bento Gonçalves -RS , sendo estas o lugar , a principio, da elaboração de vinhos pra o consumo da família e um espaço de significados , sa-beres , identidade e memória .

A Cantina para as famílias italianas que aportaram na Serra Gaúcha a partir de 1875,é o porão da casa , um espaço cultural, pois era ali que era elaborado o vinho para consumo da família,assim como os embutidos,doces de frutas, marcenaria. Era também espaço de sociabilidades, de en-contro com os amigos e local para festas de casamentos.

Ali, estão inseridos os saberes ,as vivências e a identidade das famílias italianas, que desde a sua chegada, construíram suas edificações e, com as técnicas empregadas , criaram um lugar ideal para a elaboração e repouso dos seus vinhos, e também a outros afazeres que faziam parte do cotidiano da família e o cultivo das videiras.

Esta relação com o tempo, está explicita nas cepas de mais de cem anos,nas edificações , no seu entorno, e nos utensílios que formam os espaços de memória. Ainda que a elaboração dos vinhos e plantio das videiras estejam vinculadas a novas técnicas esta identidade está presente nas novas gerações.Como bem cita ,Walter Benjamin1 em Experiência e pobreza”:”(...) qual o va-lor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula à nós?”

Assim , seus hábitos e costumes perpetuaram-se, por ser essa uma forma de amainar o senti-mento de mudança e a saudade do país que deixaram, em busca de uma nova vida, em um novo país. O Brasil os acolhe, e mesmo com as dificuldades iniciais encontradas, aqui construíram seu espaço de vivências e sabedoria dedicadas ao vinho, principalmente como se observa na Região.

Um povo se distingue dos outros pelos seus saberes, usos e costumes, memórias e histórias que formam sua identidade. Assim se distinguem os habitantes deste Distrito na sua maioria descen-dentes de imigrantes italianos da Região do Veneto – Itália ,em menor número, da Região do Trento e do Friuli Venezia Giulia. Também se observa a presença de italianos, que vieram logo após o término da Segunda Guerra mundial.

Por ter se tornado uma Região essencialmente vinícola desde a sua colonização, fomos buscar os saberes e a identidade presente no vinho produzido até os dias atuais, e também através do gosto pela produção vinícola passado de geração em geração.

O porão de casa era erguido com as técnicas construtivas trazidas da Itália, com os tijolos maci-ços de barro confeccionados manualmente pela família e de pedra basalto talhada à mão- mate-rial abundante na região. Além de propiciar conforto térmico e umidade suficientes para manter a temperatura na conservação do vinho e embutidos, esses materiais também expressam a solidez da edificação e da própria família italiana.

A Cantina tornou-se o lugar de vivências e convivências. Para ela eram convidados os visitantes, porque 2“ In catina i gavea due bote di vin, i salami,il fomaio” Ou seja: “No porão , eles tinham du-as pipas de vinho, salame e queijo” e como se diz ainda hoje no dialeto veneto “No semo mia delicati,nò:. portane pan formaio e vin” “ Quer dizer: “Não somos exigentes, traga-nos ,pão queijo e salame.” 1 CASTRIOTA,Leonardo Barci.Patrimônio Cultural: coceitos,políticas,instrumentos.São Pau-lo:Annablume.Belo Horizonte.IEDS,2009. 2 LUZZATO,Darcy Loss.Dicionário Talian Veneto Brasileiro Português.Porto Alegre.: Editora Sagra Luzzatto,2000.

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Neste levantamento, destacaremos a identidade da Cultura do Vinho, como Patrimônio Cultural ,as técnicas do plantio, do cuidado , da colheita, da elaboração e da guarda dos vi-nhos,transmitidas às novas gerações,demonstrando sua presença nas várias cantinas construídas desde o início do povoamento deste lugar.Manteremos o foco na Cantina,como lugar de vivên-cias e saberes, dando ênfase ao patrimônio imaterial presente em cada família, como lugar de memória que, passados quase 130 anos, continua presente com sua identidade , usos, costu-mes, musica e religiosidade.

2.Objetivos

Levantar e contextualizar o Patrimônio Cultural existente na região das Cantinas Históricas, bem como sua atual presença nas lides diárias, como o manejo das videiras e elaboração do vinho, identificando os elementos culturais presentes nas Cantinas e no cotidiano dos seus habitantes.

3. Objetivo Específico

Demonstrar e comprovar que as denominações da Região das Cantinas Históricas na formatação de um Roteiro Cultural e Turístico advêm de sua base cultural, que as mesmas se mantêm pre-sentes e preservadas no lugar e fazem parte da memória e identidade de seus habitantes e tam-bém daqueles que ali nasceram e cresceram, ainda que alguns, posteriormente,tenham optado por se transferir pra outros lugares.

Verificar que mesmo com a construção de novas instalações nas vinícolas, a Cantina se mantém preservada como lugar de memória e faz parte dos espaços edificados, assim como da contextua-lização de todos os bens com significativa expressão cultural, formando uma porção identitária deste território.

4. Metodologia

Para contextualizar este estudo, será efetuado um levantamento de dados históricos e cadastrais que caracterizam o espaço como patrimônio Cultural.

Visando identificar e quantificar, a metodologia fará uso de entrevistas dirigidas, com uma ficha para a compilação dos dados, envolvendo aspectos culturais do patrimônio material e imaterial.

Será realizado levantamento fotográfico de edificações, ruínas e vestígios que determinam que naquele lugar, houve ou continua havendo a produção de vinho, também através de cepas cente-nárias existentes e testemunhos orais que irão somar-se à memória imaterial.

5. Recorte Espacial

O Distrito de Faria Lemos pertence ao município de Bento Gonçalves –RS localizado na Serra Gaúcha ao sul do Brasil. Foi colonizado a partir de 1875, por imigrantes vindos da Itália princi-palmente das Regiões do Vêneto, Trento , Friuli Venezia Giulia e Lombardia. Com a demarcação das terras próximas do rio das Antas, estabelecera-se as famílias polonesas.

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No lugar os imigrantes se organizaram social, econômica, política e culturalmente, e em reconhe-cimento ao seu progresso, a Comunidade foi elevada para a condição de Distrito em 31 de janeiro de 1925.

O nome Faria Lemos, resulta de uma homenagem prestada ao 2° Vice Presidente da Província do Rio Grande do Sul- Desembargador Francisco Faria Lemos, que governou o Estado do Rio Gran-de do Sul, no período de 1877 à 1878.

Vista parcial de Faria lemos Vista do Entorno

6. A História dos que povoaram o Lugar....

As famílias que povoaram o lugar, vieram na sua maioria da Província de Treviso- Veneto, e tam-bém da Província do Trento – Italia, Adquiridas as terras para a instalação da família, as primeiras casas foram construídas com o porão de pedra e a parte superior em madeira de araucária, a-bundante na região.

Muitos foram obrigados a mudar de lugar dentro da Comunidade, depois de estabelecidos. Alguns pela localização definitiva do lote rural, outros porque no lugar onde se estabeleceram, não havia

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água. Em algumas propriedades, estavam plantadas as primeiras videiras, sendo que com a mu-dança de lote, as mesmas foram levadas e replantadas no lugar definitivo

O crescimento das famílias exigia uma casa maior para abrigar os filhos, os parentes e também os viajantes que passavam pela Região. Esta construção geralmente era feita defronte ou próxima a primeira casa, como também o forno de tijolos maciços de barro, traduzindo seus costumes e hábitos trazidos da Itália.O pão , além de alimento, tem um significado maior para os imigrantes, que analisaremos adiante , nas referências à gastronomia.

Logo, deram inicio ao plantio das videiras e começaram a aflorar os ensinamentos passados de geração em geração no cultivo e na produção de vinhos, inicialmente para o consumo das pró-prias famílias. Muitos jovens nos idos de 1900... Demonstravam interesse no cultivo das videiras e na elaboração dos vinhos, sempre utilizando o porão edificado com pedras ou tijolos maciços ge-ralmente elaborados na propriedade e nas horas de folga, quando não estavam trabalhando no plantio.

Na época da imigração -1875 data da chegada dos primeiros imigrantes, na Itália Região do Ve-neto- Italia, o cultivo da uva era muito presente, também em alguns casos de exportação de vinho à granel3 .Também na Região de Treviso nesta época ,acontecia as primeiras amostras de pro-dução de uvas para vinhos e espumantes.

7. Características construtivas das edificações

As características construtivas das cantinas localizadas nos porões são os alicerces em pedra basalto e com paredes também de pedra basalto, geralmente nas dimensões de 50 x50 cm de base quadrada, cortadas à mão, com os pilares internos. Quando há necessidade,é usada a ma-deira de araucária,nos pilares e nas vigas superiores , sendo neste caso falquejas à mão para sua utilização, pois não havia energia elétrica no lugar e o trabalho era manual.A ampliação tanto na altura quanto novas paredes era feita de tijolos maciços.

O Piso era de chão batido, útil para conservar a umidade necessária para a conservação do vinho queijos e salames.

Cantina Cristófoli Cantina Passaia

3 CALÒ,Antonio, PARONETTO, Lamberto,RORATOA.Storia Regionale della vitte e Del Vino in Itália-Veneto.Stampa:Il Guardo:Soc-Corbeta-Milano-1996

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A composição das fachadas, nas residências localizadas na parte superior das cantinas ,tinham as elevações externas rebocadas,com janelas e portas em ângulo reto.

Família Antônio Moret Família Duílio Cristófoli Família Danilo Dall’Oglio

A cantina sempre foi lugar de sociabilidades e também local da Festa que era realizada após a vindima, para comemorar o termino da colheita.

Nas cantinas também se observa os ângulos retos e também o arco abatido em pedra.

8. Paisagem e entorno

A paisagem e seu entorno é um dos elementos mais significativos. Possui, além da paisagem ca-racterizada pelo plantio das videiras, uma grande área de mata tropical que dá singularidade ao lugar e que a diferencia dos vinhedos do mundo.

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Estas visuais constituem referenciais ao lugar, com seus elementos significativos, em que se pode distinguir claramente a intervenção do homem no território da mata nativa que permanece preser-vada.

Vista do Vale Aurora- Bento Gonçalves-RS

A paisagem natural e da paisagem construída caracterizam o lugar, que se também pela presen-ça das araucárias preservadas.

Plantação das videiras em forma de espaldeiras e ao fundo as araucárias.

Verifica-se no lugar e em todo a região vinícola da Serra Gaúcha, o cultivo de uvas em forma de latada. Foi assim que os primeiros imigrantes plantavam sua uva e que permanece nos dias atu-ais em grandes proporções. A separação dos parreirais é feita com a plantação de plátanos. O fio metálico principal passa pelo centro do caule superior das árvores dando a sustentação das videiras. Este é o único lugar do mundo, em que a videira é cultivada desta maneira.

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Plátanos na sustentação da videira Cultivo da videira em forma de latada

Divisão e sustentação dos parreirais efetuadas com os plátanos.

9. Vinho nos seus Espaços de Memória

O vinho traz consigo, esta riqueza de valores, identidade, saberes, memória, partilha e confrater-nização das comunidades até os dias atuais. São mais de 130 anos de história que diferencia

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nossa etnia e nosso pólo turístico, representados na história de cada família e sua Cantina hoje, muitas transformadas em Vinícolas de grande e pequeno porte e varejos de seus produtos.

As primeiras produções de vinho nesta Região deram-se por volta de 1898 em diante, sendo a primeira para o consumo da família, com as videiras erguidas sem o uso do arame porque não havia disponibilidade de uso e consumo. A segurança dos cachos era feita com pedaços de ma-deira. Como não havia produtos para a conservação do vinho, que geralmente durava em torno de seis meses após a safra, as festas eram organizadas em função do mesmo. Os casamentos geralmente aconteciam na época do “Vinho Novo”, pois era a garantia da bebida para a festa, enfatizando assim as sociabilidades.

Em 1931, foi criada uma grande cooperativa Vinícola existente até os dias atuais. Muito agriculto-res se associaram e passam a transportar o vinho com as mulas, em pipas próprias para o transporte com animais.

Os primeiros vinhos eram produzidos a partir das cepas de uva Isabel e francesa, posteriormente outras varietais começam a ser cultivadas,como a moscato,trebiano,barberad’asti,marzemino, canaiollo, barbera e shiaz e zeperina.O processo de esmagamento das uvas era artesanal, com os pés em equipamentos de madeira, e as pipas e as dornas para armazenar,

Como não havia produtos defensivos para as pragas, eram feitas três aplicações de água e cinzas para a proteção das videiras.

Alem do vinho, muitas famílias tinham o habito de produzir licores para o consumo próprio, com destilado do bagaço de uva, chamado grappa, e mais frutas da época, ou com nozes aindas ver-des chamado de nozin.

As estações do ano eram bem definidas com invernos rigorosos, e assim também a distribuição das tarefas no ano. A poda acontecia em agosto, e tendo uma agenda mensal de trabalhos assim definida: janeiro- colheita, fevereiro-colheita, março - alambique na fabricação da grappa, abril - plantação do trigo, maio – levantamento de taipas, junho- limpeza do parreiral e plantação de mi-lho, julho- limpeza do parreiral e no final, início da poda, agosto – poda, setembro- tratamento da parreira, outubro – tratamento, novembro -colheita do trigo e tratamento das parreiras, dezembro – limpeza do milho e o cuidado com as parreiras.

Vinícola Monte Rosário Casa Antônio Moret

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10. Saberes e fazeres da Gastronomia, musicalidade e Religiosidade

A alimentação das famílias era baseada nos produtos cultivados na propriedade como a sopa de feijão com uma massa fina feita em casa.Também a sopa chamada de minestra , em que era utilizada a massa fina enrolada e cortada a mão, carne de frango em pequena quantidade, até pela dificuldade de armazenamento e às vezes carne de caça. As carnes de caça eram utilizadas somente para o consumo próprio,como o pombo recheado e ao molho, passarinhadas e coelhos, mas não eram freqüentes .

Do frango mais velho era feito caldo chamado de brodo onde era cozido o pien que era a pele do pescoço do frango recheado com os miúdos do frango e seus temperos. Os frangos velhos, cha-mados de “polastro “criados na propriedade ,também eram consumidos em forma de carne ao molho,num prato muito característico chamado de “toccio” que podia ser consumido também com a polenta recém feita . Esta, por sua vez também era preparada como polenta assada chamada de “brustolada”, ou seja, aquecida na chapa do fogão ,ficando com as marcas características da chapa de ferro . Também a polenta temperado com molho de carne, cebola e salsa , era uma pre-sença constante na alimentação das famílias.

Com a carne suína eram preparados na Cantina os embutidos,como o salame, morci-lha,,codeguim,copa e pancceta.Ali mesmo permaneciam envelhecendo.Também eram preparados os “ fegatei” embutidos de fígado de porco com toucinho, ,especiarias e temperos verdes (figalet,) que deveriam ser consumidos no máximo em quinze dias.

Nas saladas, era utilizado preferencialmente radici,ou o radici cozido e refogado , as flores das abóboras , passadas no ovo batido e fritas.

As massas sempre estiveram presentes, como podemos dizer que na totalidade das famílias de descendentes italianos, feitas com farinha de trigo, ovos e sal, amassadas e estiradas com o rolo de madeira, ou passadas na maquina de onde derivavam vários tipos , como espaguete que era denominada de “bìgoli’ ,e o macarrão para serem consumidas com molho.A fortaia, elaborada com queiijo, ovos batidos e temperos e servida com polenta fresca ou aquecida na chapa do fo-gão.

O crem, raiz selvagem muito utilizada até os dias atuais, ralada e colocada no vinagre, era con-sumido como um condimento, e acompanhamento para a carne de frango cozida no brodo, cha-mada de “carne lessa”.

O peixe preparado de modo frito, pescado no rio próximo, principalmente nas épocas de seca, e conservados em banha suína.

O queijo era preparado de duas maneiras, ou para ralar, que ficava maturando na cantina sobre uma tábua de madeira próxima do forro, ou o queijo colonial menos curado para a alimentação diária.Havia ainda a “puina”, que era o requeijão resultado do aproveitamento do soro do leite.

A gastronomia relacionada aos doces elaborados com ingredientes advindos da época da uva madura, do mosto de uva ou o vinho doce,surgia o sugolo,o suco de uva engrossado com farinha de trigo tipo uma polenta. As fogasse, e o fregolá uma espécie de torrone, assado no forno, com ovos, açúcar,farinha de trigo, manteiga e amendoins, cortados em cubos , e o mandolato feito com mel colocados na palha de milho, sendo o mel produzido pela família, também gróstolis mas-sa doce, frita na banha, e pães preparados com o fermento caseiro de batatas.

O pão tinha um significado muito especial,principalmente para as primeiras famílias de imigrantes italianos.Representava , além de alimento a chegada da mesa farta em um país distante, e o es-

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quecimento das agruras passadas na Itália, onde o pão era escasso e geralmente elaborado com cereais pouco triturados que o tornava escuro.Por isto , o pão branco crescido e assado nos for-nos caseiros, além de alimento é um símbolo de prosperidade e fartura.

Com as família mais estabilizadas , mas numerosas, as festas de casamento eram bem elabora-das. Era costume fazer as “fogasse” que se tratava de um pão doce, envolvido nas folhas de ba-naneira e cozidas na brasa.

A respeito das Fogasse, encontra-se em 1521 nos poemas do escritor de comédias Padovano – Ângelo Beolco mais conhecido como “ Il Ruzzante” porque escrevia seus poemas em dialeto Ve-neto, e escreve assim na sua “Prima Orazione”4

“ Pan meglio che fugasse e biscotti.

E qual’elo El paltron Che non magnarave quatro par far merenda?

Mo quel vino sgarboso na?

Vin Che dise ” bevime....bevime” Che El te salta dal bocal ”.....

Isto quer dizer:

Pão melhor que fugasse e biscoitos

E qual o patrão que não comia quatro na hora do lanche?

E aquele vinho garboso também?

O vinho que dizia: bebe-me... Bebe-me que saltava do bocal.

Aqui se observa a ligação dos costumes trazidos da Itália, que remontam desde o século XV.

Os alimentos embutidos como salames e o queijos eram conservados no porão , na Cantina .As carnes eram primeiramente cozidas e posteriormente conservadas em uma lata com banha suína, igualmente com os bifes de gado.Os ovos eram conservados no cal.

Quase todas as famílias possuíam um apelido que se referia geralmente ao oficio que pratica-vam na Italia.

A musicalidade era muito acentuada com canto e música de instrumentos.Algumas famílias se diferenciavam por esta habilidade.O Terno de Reis era muito festejado e cantado. Durante o ano, os filós e cantoria com os vizinhos eram muito freqüentes.

A religiosidade muito acentuada, praticada com o terço em família e nos capitéis na beira das estradas ,e a missa aos domingos .

11. Considerações Finais

Em razão da pesquisa ainda não estar concluída mas podemos considerar nos dados levanta-dos até o momento, que no Distrito de Faria Lemos- Bento Gonçalves – RS verificam-se a exis-tências das cantinas que, por seus valores identitários, tornam-se históricas ,sendo na sua grande

4 IL DOMINIO .Tenuta di proprietà Borletti.Bagnoli Denominazione di Origine Controllata” Clássico Friularo .Poesie di Carlo Goldoni.1995. Bagnoli di

Sopra- Padova – Itália.

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maioria construídas pelos primeiros moradores imigrantes italianos quando da aquisição das suas terras.Conservam tanto as suas características arquitetônicas e de materiais utilizados na sua edificação quanto expressões sócio -culturais como linguagem, hábitos e costumes.

Este conjunto de valores, expressões e modo de construir define a identidade dos primeiros mo-radores fixados no lugar em meados dos anos de 1890 e que, sucessivamente, foi sendo povoa-do.

O cultivo das videiras e a elaboração dos vinhos que, a principio , supriam as necessidades das famílias, foram se tornando, posteriormente, também um fator econômico gerador de indepen-dência financeira relevante, não só deste local , mas de toda a Região.

O modo rústico e simples de construção da cantina, com paredes de pedra ou de tijolo maci-ço,forro de madeira e chão de terra batida, garantia em seu interior uma temperatura de baixa variação e apresentava as características necessárias para a conservação do vinho, assim como os embutidos e outros alimentos produzidos na propriedade.

A manutenção destas Cantinas construídas no final do sec. IXX o início do século XX, pode ser vista hoje como uma a recompensa para as famílias que conservam com orgulho essa história construída juntamente com seu Patrimônio Cultural.Percebe-se ,ainda, que os valores agregados, podem vir a ser mais efetivados.

Também observa-se , a falta de reconhecimento da própria identidade de um modo geral, e da grandiosidade que cada família representa como patrimônio cultural e que os identifica para as futuras gerações.Não só isto, também a riqueza de identidade e memória que pode vir a ser transmitida em todos os produtos, e principalmente pelo vinho.

Priorizando a cultura e identidade local, evita-se a “importação” desnecessária de outras culturas, de outros países que cultivam há séculos a videira, e que ,para diferenciar seus produtos basei-am-se na sua identidade, cultura, território e memória .

Estas observações dizem respeito a um roteiro turístico e cultural, cuja permanência e sustentabi-lidade, dependem da compreensão da necessidade de sua preservação como Patrimônio Cultu-ral, autêntico e original, para e pelos visitantes e , principalmente ,pelos habitantes desse lugar.

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Crédito das fotos : Marilei Elisabete Piana Giordani

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12.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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