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O USO DA PORCENTAGEM NO COTIDIANO DOS ALUNOS: UMA E XPERIÊNCIA

COM A MODELAGEM MATEMÁTICA

Beatris Maria Piva Giongo1

Luciana Pagliosa Carvalho Guedes2

Resumo

O ensino de Matemática possibilita desenvolver no estudante, o raciocínio lógico, o pensamento independente, a criatividade e a capacidade de resolver problemas. Além disso, promove a participação crítica dos alunos na sociedade, discutindo questões políticas, econômicas, ambientais, nas quais a matemática é utilizada como suporte tecnológico. No entanto, é comum e ao mesmo tempo lastimável, observar que inúmeros alunos concluem o ensino fundamental e médio demonstrando dificuldades em relacionar a Matemática escolar com a Matemática do cotidiano. A intenção para o desenvolvimento deste estudo foi explorar a Matemática e o uso da porcentagem por meio das situações vivenciadas pelos alunos, utilizando a modelagem matemática e a etnomatemática, cuja relação se estabelece nos conhecimentos étnicos de cada grupo. Buscou-se melhorar a compreensão e o entendimento do processo matemático no ensino da porcentagem, partindo dos conhecimentos dos alunos relacionando-os com o dia a dia. Sabe-se que o uso da porcentagem tem grande utilidade no cotidiano de todas as pessoas. Por isso, este estudo escolheu assuntos voltados para a agricultura e pecuária, que fazem parte da economia do município onde a escola está inserida e também por ser a principal fonte de renda das famílias dos alunos. Os resultados foram atingidos com sucesso, sendo que os alunos compreenderam e associaram a importância da porcentagem sobre a realidade que os cerca.

Palavras-chaves: Modelagem Matemática; Porcentagem; Ensino; Etnomatemática.

INTRODUÇÃO

No atual sistema de ensino da Matemática a metodologia de aulas

expositivas com base no livro didático é pouco condizente com a realidade dos

alunos, que devem ser orientados a buscar significados e não a decorar conceitos. A

1 Professora PDE – 2011, Matemática, Núcleo Regional de Francisco Beltrão/PR. E-mail: [email protected]. 2 Professora orientadora IES, UNIOESTE, Campus de Cascavel/PR. Licenciada em Matemática e Dra. Em Estatística e Experimentação Agronômica. E-mail. [email protected].

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partir disso, o professor deve criar situações, que despertem o interesse e a

responsabilidade dos educandos, contribuindo para a formação e o desenvolvimento

de cidadãos com uma visão crítica da realidade.

A partir dos conceitos, conhecimentos, anseios e experiências que os alunos

trazem para a sala de aula, o professor pode definir a aplicação e a contextualização

dos conteúdos, buscando respostas para que o ensino da Matemática se torne

significativo para a aprendizagem dos alunos, bem como para melhorar a

compreensão e o entendimento do processo matemático no ensino da porcentagem,

partindo das vivências cotidianas.

Sendo assim, considerando a importância da interação do conhecimento

matemático, com o cotidiano dos alunos, pretendeu-se estudar, analisar e aplicar

para o ensino da porcentagem. Sendo que a metodologia de ensino usada foi

baseada na utilização de atividades relacionadas ao cotidiano dos alunos,

associando a teoria à prática, por intermédio de problemas envolvendo

porcentagem, ligados a agricultura e pecuária, tornando o processo de

aprendizagem matemática agradável e atraente.

A modelagem matemática e a etnomatemática favoreceram esse tipo de

trabalho, sendo que requerem modelos estabelecendo relações entre os

conhecimentos étnicos de cada grupo e as vivências cotidianas. Como a

comunidade onde a escola se insere são é formada por agropecuaristas, a utilização

da porcentagem procurou resgatar temas relacionados a economia (trabalho e

renda) das famílias dos alunos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A Matemática é uma disciplina que faz parte do cotidiano das pessoas, ela é

importante para a compreensão do mundo, contribui para desenvolver o raciocínio

lógico utilizando as técnicas de resolução de problemas. A origem da palavra

Matemática vem do grego “máthema” que significa ciência, conhecimento ou

aprendizagem do raciocínio lógico e abstrato.

Segundo o Dicionárioweb (2012), Matemática é

3

Ciência que estuda, por meio do raciocínio dedutivo, as propriedades dos seres abstratos (números, figuras geométricas etc.), bem como as relações que se estabelecem entre eles. Matemática aplicada, aplicação da teoria matemática às ciências físicas e naturais. Matemática pura, a que estuda as propriedades dos seres em abstrato. Ciência que tem por objeto os números, as figuras e os intervenientes. Conjunto das ciências, em que usa as teorias dos números.

D’Ambrosio (1998) considera a Matemática como sendo uma estratégia, que

a espécie humana, naturalmente inserida num contexto natural e cultural,

desenvolveu no decorrer da história para explicar, entender, manejar e conviver com

a realidade.

Llinares (1993, p.383) salienta que:

A compreensão que os professores tem do conteúdo matemático deve reunir várias características que lhes permitam gerar atividades e situações de ensino através das quais os alunos possam construir, de uma maneira significativa, o conhecimento matemático.

O ensino de Matemática possibilita desenvolver no estudante, o raciocínio

lógico, o pensamento independente, a criatividade e a capacidade de resolver

problemas. Além disso, promove a participação crítica dos alunos na sociedade,

discutindo questões políticas, econômicas, ambientais, nas quais a matemática é

utilizada como suporte tecnológico.

No entanto, é comum e ao mesmo tempo lastimável, observar que inúmeros

alunos concluem o ensino fundamental e médio sem conseguir interpretar um gráfico

ou as relações entre preços de custo e venda de qualquer produto, demonstrando

dificuldades em relacionar a Matemática escolar com a Matemática do cotidiano.

D’Ambrósio (1998) justifica que, fatos como este acontecem porque a

Matemática da sala de aula está muito diferente da Matemática compreendida pelo

aluno no seu cotidiano e, que, além disso, os currículos não são elaborados a partir

do contexto em que o aluno vive.

Carraher & Schilemann (1988, p. 179-180), afirmam que:

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Não precisamos de objetos na sala de aula, mas de objetivos na sala de aula, mas de situações em que a resolução de um problema implique a utilização dos princípios lógico-matemáticos a serem ensinados. [...] Isto porque o material apesar de ser formado por objetivos pode ser considerado como um conjunto de objetos 'abstratos' porque esses objetos existem apenas na escola, para a finalidade de ensino, e não tem qualquer conexão com o mundo da criança.

Sendo assim, os objetivos do ensino da Matemática encontram-se

descontextualizados da realidade e não estão correspondendo às expectativas dos

alunos e da sociedade em que se inserem.

Para Thompson (1992) o modelo de educação matemática no Brasil,

centrado no conteúdo matemática instrumental3, tem sido muito criticado. A autora

também alerta para a perspectiva instrumentalista da Matemática:

... não envolve ativamente os alunos no processo de exploração e de investigação de idéias; e que, por isso, não só nega aos alunos a oportunidade de fazerem ‘verdadeira’ matemática, como lhes faz uma representação errônea da Matemática (THOMPSON, 1992, p.136).

Estudos de Thompson (1992), D’Ambrósio (1998) e Abreu (1998) salientam

para a necessidade de os educadores matemáticos, procurarem alternativas para

motivar a aprendizagem, desenvolver a autoconfiança, a organização, a

concentração e estimular a socialização, a fim de tornar o ensino de Matemática

mais significativo para o educando.

Abreu (1998) chama a atenção para o insucesso escolar, principalmente no

que se refere à matemática, este autor enfatiza que:

Com efeito, não só as porcentagens de insucesso escolar elevada nos diversos níveis do sistema, [...]. Além disso, aparecem novos indicadores de disfuncionamentos graves, reveladores da ineficácia estrutural do sistema e respeitantes à curta durabilidade dos conhecimentos adquiridos na escola (ABREU 1998, p.135).

3 A “matemática instrumental” varia de uma área para outra, não como grandezas independentes, mas como partes da matemática tendo utilidade de diversas formas. Exemplos de Matemática Instrumental: medidas, razões e proporções, grandezas diretamente e inversamente proporcionais, regra de três, porcentagem e juros simples. (BOTTINI, BARRACA, 2006).

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Segundo Piaget (1994), a construção do conhecimento se dá a partir das

constantes interações do sujeito com seu meio e não como uma simples cópia da

realidade (“Conhecer o objeto é agir sobre ele”).

Freire (1986, p 22) resume: “[...] ensinar não é transferir conhecimentos, mas

criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção”.

Conhecer é modificar, transformar e também entender esses processos de

transformação. Essa prática revela que é possível aprender matemática, por meio de

um processo de transmissão e troca de conhecimentos científicos, propondo aos

alunos aplicar esses conhecimentos adquiridos no seu cotidiano. Logo, o

conhecimento matemático é inserido na realidade dos alunos e com isso o educando

sente-se valorizado e estimulado a participar da construção do seu próprio saber,

interagindo socialmente.

Segundo as Diretrizes Curriculares Estaduais (PARANÁ, 2006, p.21):

A tendência histórico-crítica, por sua vez, concebe a Matemática como um saber vivo, dinâmico, construído historicamente para atender às necessidades sociais e teóricas. Nessa tendência, a aprendizagem da Matemática não consiste apenas em desenvolver habilidades, como calcular e resolver problemas ou fixar conceitos pela memorização ou lista de exercícios, mas criar estratégias que possibilitam ao aluno atribuir sentido e construir significado às idéias matemáticas de modo a tornar-se capaz de estabelecer relações, justificar, analisar, discutir e criar.

Nesse contexto, o ensino de Matemática precisa estar apoiado e embasado

no uso de objetos de aprendizagem, como a solução de problemas reais aplicados

em situações que nossos educandos estejam envolvidos, conforme apresentado nas

DCE’s: “a visão do mundo do aluno, suas opções diante da vida, da história do

cotidiano” (PARANÁ, 2006, p.21). Dessa forma, o ensino da Matemática baseada na

realidade do aluno contribui para compreensão dos problemas cotidianos.

A metodologia da resolução de problemas, baseada no cotidiano dos alunos,

mais adequada para o ensino de Matemática, é denominada como Etnomatemática.

Para D’Ambrósio (1998, p.78):

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A etnomatemática é uma metodologia de retraçar e analisar os processos de geração, transmissão, difusão e institucionalização do conhecimento. É também um esforço para entender como os diferentes processos identificados ao longo da historia das civilizações têm determinado diferentes processos de comportamento individual, diferentes processos cognitivos, diferentes modos de interação e, portanto, de comportamento coletivo ou social em diferentes culturas.

Consequentemente, além de sistematizar a informação recolhida, organizar

tempo e espaço adequado, o professor deve considerar na elaboração da sua aula

os interesses, as motivações, as dificuldades e as potencialidades intelectuais

relacionadas à faixa etária dos alunos e a sua realidade cotidiana.

O conhecimento gerado na área da Matemática é fruto da construção

humana, quando interage com a natureza, a sociedade e a cultura. Nesse sentido, o

homem busca formas de compreender e atuar no mundo. O atual contexto social

exige uma formação crítica e reflexiva dos sujeitos em todas as áreas do

conhecimento, e a Matemática é imprescindível na formação e preparação para o

trabalho (BRASIL, 1999).

Neste sentido, Araújo (2004, p.6), citando sobre a Educação Matemática,

enfatiza que:

O objetivo não é simplesmente desenvolver habilidades de cálculos matemáticos, mas também de promover a participação crítica dos alunos/cidadãos na sociedade, discutindo questões políticas, econômicas, ambientais etc., nas quais a Matemática é utilizada como suporte tecnológico.

O trabalho com a Matemática em sala de aula deve considerar dois aspectos

indissociáveis. De um lado, as aplicações permanentes das ações mais simples no

cotidiano às ações mais complexas para a elaboração de outras ciências. De outro

lado, a especulação pura, a busca de respostas a questões geradas na própria

construção da Matemática. A indissociabilidade desses dois aspectos fica

evidenciada pelos inúmeros exemplos de construções abstratas originadas em

problemas aplicados e, por outro lado, de surpreendentes aplicações encontradas

para as mais puras especulações (BRASIL, 1999).

Flach (2000, p.15) salienta que:

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A Matemática é uma peça chave que instrumentaliza muitas outras ciências. Daí o valor e a necessidade de um espírito inerente e constante de curiosidade, por parte do educador, para descobrir sempre mais, novas metodologias e aplicações para o conhecimento matemático.

Assim, inúmeros estudos apontam a necessidade de que se construa o

conhecimento a partir daquilo que o aluno sabe. O desenvolvimento de uma visão

crítica da sociedade em que os alunos vivem, é uma das metas que os professores

buscam alcançar a partir das aulas ministradas.

Segundo Piaget (1994) a base de todo conhecimento é gerada pela

interação da criança com o seu meio físico e social. O autor enfatiza que:

Os conhecimentos não partem, com efeito, nem do sujeito [...] nem do objeto [...] mas das interações entre sujeito, objeto, e de interações inicialmente provocadas pelas atividades espontâneas do organismo tanto quanto pelos estímulos externos (PIAGET, 1994, p.39).

O autor salienta que a criança passa por estágios e sua aprendizagem

acompanha o desenvolvimento cognitivo. Na assimilação, a criança adapta cada

experiência nova às suas estruturas mentais já existentes. Cada fase (estágio)

evolui e segue uma sequência constante.

Os estágios matemáticos de Piaget englobam as operações concretas, que

é o período mais longo da vida da criança, vai dos dois anos de idade aos doze anos

e subdivide-se em dois subestágios, pré-operacional (+/- 2 a 7 anos) e o das

operações concretas ou formais (+/- dos 7 aos 12 anos)

É no estágio das operações formais, que se identificam todos os fatores, se

usa a análise combinatória, formulam-se hipóteses, conclui-se e testam-se as

fórmulas. A experiência adquirida e a influência do meio social desempenham papel

de preparação para avançar de um estágio4 ao outro. Nesse estágio, a

aprendizagem deve ser significativa, para que a criança aprenda para a vida adulta

(ROSA, 2009).

4 Pré-operatório (2/7 anos); operatório concreto (7/12 anos) e operações abstratas (12/15 anos) (ROSA, 2009, p.803).

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Nesse contexto, a aprendizagem significativa é o processo em que uma

nova informação se relaciona com conceitos disponíveis no indivíduo. E para que

ocorra essa aprendizagem, é necessário um relacionamento entre o conteúdo a ser

aprendido e o que já se sabe. Por isso, deverá haver uma relação entre o novo

assunto a ser aprendido e que deve ser programado para ensinar, pois poderá

ocorrer uma aprendizagem mecânica. Para que ocorra uma aprendizagem

significativa, Ausubel apud Massin e Moreira (2001) afirma que o aluno, por meio de

suas próprias palavras, é capaz de emitir os conceitos que lhe foram ensinados e

não simplesmente repeti-los mecanicamente.

A atuação do professor na sala de aula deverá estar voltada para a

utilização de princípios e estratégias que facilitem a aquisição de uma estrutura

adequada de conhecimento, na qual os conceitos estejam claramente estabelecidos.

A contextualização dos conceitos aplicados no cotidiano dos alunos tem sido

defendida por teóricos e pesquisadores de Educação Matemática, como Skovsmose

(2001) e D’Ambrósio (1998), que sugerem tarefas que envolvam o mundo-real e o

dia-a-dia do educando para que ele possa construir o significado dos conceitos.

Ausubel apud Massini e Moreira (2001) lembra ainda que a programação do

conteúdo deve explorar as relações, chamar atenção para diferenças e similaridades

de conceitos e reconciliar teorias reais e aparentes.

De acordo com Skovsmose (2001, p.131): “A matemática é relevante e

confiável, porque pode ser aplicada a todos os tipos de problemas reais. A aplicação

da matemática não tem limite, já que é sempre possível matematizar um problema”.

A aplicação da Matemática ao cotidiano dos alunos oportuniza a reflexão

sobre sua própria aprendizagem, ao mesmo tempo em que os estimula a relacionar

essa aprendizagem com a realidade em que estão inseridos.

Nesse contexto Lins apud D’Ambrósio (1998, p. 2) destaca que:

A matemática está presente em todos os níveis da educação escolar, tem grande importância em várias outras áreas do conhecimento, como instrumento, e faz parte de osso cotidiano na forma de noções como porcentagens, estatísticas, juros etc.

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Logo, o professor deve explorar as experiências do cotidiano dos alunos

com os conteúdos desenvolvidos em sala de aula, comparando conteúdos ou

conhecimentos novos com situações já vivenciadas, tornando “mais real” o objeto a

ser aprendido. Com isso, motivando-o a estudar, despertando seu senso crítico e

contribuindo para o seu desenvolvimento integral e, de certa forma, promovendo

melhorias na área educacional.

O ensino da Matemática, por intermédio da resolução de problemas que

envolvem o cotidiano, deve considerar exemplos ligados a realidade cultural dos

alunos. Nesse contexto está inserido o Programa Etnomatemática, defendido por

D’Ambrósio (1993), que oferece fundamentos teóricos muito fortes para incentivar os

alunos na construção e reconstrução de conhecimentos a partir da sua própria

realidade (e até necessidade), usando os instrumentos materiais e intelectuais,

impregnados ou não de tecnologias, que são próprios da sua cultura.

Conforme D’Ambrósio (1993, p.17-18):

Ao falar de matemática associada a formas culturais distintas, chegamos ao conceito de etnomatemática. Etnomatemática implica uma conceituação muito ampla do etno e da matemática. Muito mais do que simplesmente uma associação a etnias, etno se refere a grupos culturais identificáveis, como por exemplo, sociedades nacionais, tribais, grupos sindicais e profissionais, crianças de uma certa faixa etária etc. e inclui memória cultural, códigos, símbolos, mitos e até maneiras específicas de raciocinar e inferir.

A Etnomatemática vai além de entender o conhecimento e do saber e fazer

matemática considerando distintos ambientes e culturas periféricas. Procura

considerar com atenção a passagem do abstrato para o concreto e entender o ciclo

da geração, organização intelectual, organização social e difusão do conhecimento.

Utilizando esses princípios, o professor então, considera e incentiva o conhecimento

próprio de cada aluno, valoriza o indivíduo, relacionando os seus “saberes” com

outra visão de natureza e realidade. Dessa forma, o ensino da Matemática, poderá

propiciar um aumento da compreensão dos conteúdos e a construção de indivíduos

mais críticos, capazes de construir e transformar sua realidade (D’AMBRÓSIO,

1993).

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Além disso, a introdução de novos temas que gerem novas idéias,

questionamentos, hipóteses e reflexões podem promover o diálogo e a

transformação do convívio em sala de aula, em ambiente de debates. Essas

vivências e descobertas matemáticas compartilhadas poderão gerar confiança no

aluno para expor o seu raciocínio, conduzindo-o à autonomia intelectual, o que

significa poder exercitar a sua cidadania (BRASIL, 1999).

Especificamente, o assunto de porcentagem está muito presente na

comunidade escolar, vinculado a problemas de compra, venda, pagamentos,

crediário e financiamentos. Ocorre assim, a necessidade de se aprofundar a

pesquisa nessa área de estudo, na tentativa de contribuir para que os alunos

possam reconhecer que a Matemática da sala de aula pode ser aplicada no dia-a-

dia, e que o domínio desse conhecimento os auxiliaria a torná-los participantes em

sua sociedade. Observa-se ainda, que trabalhar com conceitos matemáticos a partir

de aplicações em situações do dia-a-dia do aluno, pode levar a um aprendizado

duradouro, agradável e criativo, reconhecendo o aluno como participante do

processo educacional (BRASIL, 1999).

Segundo Maia (2009), a porcentagem tem uma forte implicação social.

Sendo que, os diversos movimentos de redemocratização do país e,

consequentemente, das escolas, instituiu um ensino que tenha utilidade teórica e

prática para a vida do aluno, ou seja, a escola democrática busca a inserção do

aluno no mundo do trabalho e na sociedade em geral. E como tal, a Matemática está

presente em todos os momentos e transações do mundo globalizado, inclusive a

utilização da porcentagem está presente em todos os índices informativos tanto

social quanto políticos e econômicos. Por isso é importante que se dê devida

atenção a este ensino, principalmente no Ensino Fundamental.

Vizolli (2006, p.9) também enfatiza que o ensino de porcentagem deve

proporcionar “oportunidades para que os alunos estabeleçam relações

intercontextuais que lhes permitam generalizar procedimentos de situações

familiares para não-familiares”.

Este autor buscou relacionar os estudos de Maia (2009) sobre o ensino da

porcentagem, momento em que a autora salienta que o professor traz as

representações da sua vida diária para a sala de aula e a porcentagem está

presente em muitas das transações financeiras.

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Neste sentido, a etnomatemática relacionada à vivência das pessoas,

fornece ao professor uma ferramenta importante para o ensino-aprendizagem.

Assim, a Modelagem Matemática “é o processo que envolve a obtenção de um

modelo” (BIEMBENGUT e HEIN, 2000, p.12). Ela consiste basicamente na “arte de

transformar problemas da realidade em problemas matemáticos e resolvê-los,

interpretando suas soluções na linguagem do mundo real” (BASSANEZI, 1994,

p.61).

Para Biembengut e Hein (2000) a realidade e a Matemática se fundem

através da modelagem, envolvendo situações de interação, matematização e

modelo matemático.

A interação é a fase em que se encontra a situação a ser estudada e busca-

se um conhecimento mais detalhado sobre o assunto, através de livros ou revistas

especializadas.

A matematização é o momento de expressar a situação-problema para a

linguagem matemática. Sendo considerada a etapa mais complexa do processo,

podendo ser subdividida em formulação do problema e resolução.

A meta principal, nessa situação, é definir “um conjunto de expressões

aritméticas ou fórmulas, ou equações algébricas, ou gráficos, ou representações, ou

programa computacional, que levem à solução ou permitam a dedução de uma

solução” (BIEMBENGUT e HEIN, 2000, p.14).

A resolução acontece por meio das ferramentas matemáticas que se tem.

Sendo, evidentemente, imprescindível o conhecimento matemático usado na etapa

da formulação. Estas ferramentas incluem o uso de calculadoras, computadores,

planilhas e cálculos manuais.

O modelo matemático é obtido pela interpretação da solução e avaliação

(validação). De maneira que precisa responder às necessidades que o geraram,

caso contrário deve-se rever a etapa de matematização.

Araújo (2004, p.6) enfatiza que, “de maneira geral, a Modelagem Matemática

pode ser entendida como a utilização da Matemática para abordar uma situação, ou

resolver um problema, não-matemático, do dia-a-dia”.

A Modelagem Matemática se encaixa na escolha do tema e na

aplicabilidade, e na resolução de problemas relacionados à vivência dos alunos. A

função da modelagem é desenvolver o conteúdo programático partindo de um tema

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ou modelo matemático resultante do trabalho dos próprios alunos orientados pelo

professor.

Ao buscar, por meio do método de modelação, possíveis melhorias no

processo de ensino-aprendizagem de Matemática, o professor deve sentir-se

responsável pelo andamento do trabalho, que requer dedicação, conhecimento e

criatividade do que nas aulas tradicionais.

Portanto, o professor, ao ensinar Matemática, precisa pensar em formular

problemas que despertem o interesse do aluno, permitindo-lhes desenvolver

estratégias de resolução e ao mesmo tempo, que possibilite ao professor a

avaliação do processo ensino-aprendizagem. Segundo Polya apud Cury (1997)

existem quatro etapas que envolvem a resolução de problemas matemáticos, ou

seja, a compreensão, o estabelecimento de um plano de resolução, a execução e a

retrospectiva da solução encontrada.

Cury (1997, p.21) enfatiza ainda que:

Após as tentativas de resolução, sejam quais forem as estratégias utilizadas, devemos discuti-las com os alunos, para eles se acostumarem a aceitar a existência de soluções diferentes das suas e saibam criticá-las com argumentos matemáticos.

Os desafios colocados para os alunos possibilitam a busca por soluções,

mesmo sobre os erros cometidos, na interação com os outros colegas e com o

professor, os alunos encontram e criam novas estratégias de ação que contribuem

para a resolução de problemas dentro e fora da escola.

DESENVOLVIMENTO

O projeto de intervenção pedagógica foi desenvolvido no Colégio Estadual

Julio Giongo, localizado na cidade de Pranchita, Sudoeste do Paraná, com 29 (vinte

e nove) alunos da 6ª série. Nos procedimentos desse trabalho tornou-se necessário

reconhecer as necessidades e a realidade dos alunos para aplicar conteúdos

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referentes à Etnomatemática. Nesse contexto, foram desenvolvidos estudos e

atividades relacionadas à pecuária, mais precisamente a suinocultura.

A primeira ação envolveu a interação com o objeto de estudo, através das

leituras que ofereceram subsídios para os textos e o enunciado dos problemas.

A segunda ação envolveu a elaboração da Unidade Didática com o

desenvolvimento dos problemas e a testagem dos mesmos para validação e

implementação. Para avaliar os conhecimentos dos alunos, aplicou-se um

questionário contendo oito questões, conforme segue:

ALTERNATIVAS SIM NÃO

1) Você já ouviu falar em porcentagem?

2) Seus pais fazem algum comentário sobre porcentagem?

3) Sabem o que é?

4) Já viu esse símbolo %?

QUESTÕES DESCRITIVAS

5) Onde é utilizado?

6) Para que serve?

7) Onde você acha que podemos usar a porcentagem?

8) O que representa a porcentagem?

Quadro 1 – Questionário Fonte: Autor, 2011

Os alunos demonstraram conhecimento sobre o tema proposto e a

problematização enfatizou o uso da porcentagem, que é um tema de interesse dos

alunos. Utilizando a Modelagem e a Etnomathemática, escolheu-se para este estudo

dados de uma granja de suínos, sendo que essa atividade faz parte da economia do

município onde a escola está inserida e também é principal fonte de renda das

famílias dos alunos.

A terceira ação envolveu a aplicação dos conteúdos com sugestão de

atividades a serem desenvolvidas em conjunto com os alunos. Em sala de aula,

explicou-se sobre porcentagem, conceitos e fórmulas para cálculo e aplicaram-se

alguns problemas relacionados à vida dos alunos como: aluguel, compras,

descontos, acréscimos e outros. A atividade seguinte englobou a granja de suínos

com aplicação de modelos e fórmulas para cálculo matemático.

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A quarta ação consistia em uma visita a granja, mas não foi possível realizá-

la, devido às proibições da Vigilância Sanitária no que tange a visitações públicas

aos alojamentos de suínos confinados. Mas, a professora e os alunos contaram com

a visita do proprietário na sala de aula, que ofereceu importantes informações a

respeito da granja e da criação de suínos, inclusive respondendo aos

questionamentos dos alunos sobre: as instalações, o número de matrizes alojadas, a

origem, o tipo e a quantidade diária de alimentação, de onde vinha a água que era

utilizada na granja e para onde iam os dejetos desses suínos. A partir das

informações aplicaram-se os conceitos de Modelagem Matemática em novos

problemas (interação, matematização e modelo).

A quinta ação envolveu uma palestra com um veterinário, sobre a criação de

suínos, matrizes, alimentação, produção, preços da carne, custos e vendas

envolvendo porcentagens. Os materiais das palestras foram utilizados para o

aprendizado em sala de aula.

A sexta ação contou com uma atividade lúdica, um jogo de corrida de carro

baseado no Jogo Corrida de Obstáculos, adaptado de Smole; Diniz e Milani (2007,

p.87) para o conteúdo de porcentagem. O jogo possibilitou que os alunos

interagissem com os colegas, e sendo uma atividade em grupo devem seguir certa

organização própria, pois deverão resolver as situações problemas e verificar a sua

validação. Esta atividade foi feita como revisão dos conteúdos e avaliação.

Com a implementação dessa intervenção pedagógica, observou-se que os

alunos tiveram mais interesse e participaram mais ativamente nas aulas de

Matemática, inclusive contando com a participação dos pais no processo de ensino

e aprendizagem de conceitos importantes para a vida e para o trabalho.

Observou-se ainda, que o os alunos perceberam a importância da

porcentagem no cotidiano, sendo que a maioria das informações sobre índices

sócio-econômicos e políticos são apresentados em forma de porcentagem. Assim, o

conhecimento da mesma envolve os saberes necessários para a vida e para o

trabalho.

A sétima ação consistiu na exposição final dos trabalhos (grupos, cartazes,

fotos, e conhecimentos sobre os temas abordados, com gráficos elaborados em

Excel, no Laboratório de Informática da Escola), sobre a problematização elaborada

com os alunos.

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CONCLUSÃO

Considerando a grande importância de relacionar o conhecimento

matemático com o cotidiano dos alunos, o projeto de intervenção pedagógica em

Matemática desenvolveu atividades com modelagem, para o ensino de matemática.

Cuja problematização foi extraída de uma granja de suínos e da agricultura, que é a

principal fonte de renda do município onde a escola se insere. As atividades

priorizaram o ensino e a aprendizagem, aliando teoria e prática, despertando maior

interesse pela aprendizagem e possibilitando a compreensão da realidade em que

os alunos estão inseridos.

Todos os procedimentos metodológicos levaram em consideração os

conhecimentos e anseios dos alunos, contextualizando suas experiências,

favorecendo a participação crítica e ativa de todos os indivíduos na sociedade,

aprimorando seus saberes e dando significado aos conceitos ensinados, culminando

assim com a qualidade do processo de ensino e aprendizagem.

O professor foi o mediador desse processo, analisou, preparou, sugeriu,

ensinou e aprendeu por meio do contato, do diálogo, da troca de saberes, do uso do

raciocínio matemático, pensamento algébrico, da utilização de sugestões e critérios

metodológicos em variadas fontes, proporcionando assim a interdisciplinaridade.

Dessa forma o professor propôs situações que partiram das peculiaridades locais,

remetendo aos conhecimentos globalizados.

As diferentes estratégias proporcionaram debates e trocas de

conhecimentos, entre alunos, professora e pessoas da comunidade, que tornaram

possíveis explorar as mais diferentes formas, os conhecimentos fazendo-os

perceber que a Matemática está presente em todos os momentos. Portanto, o

projeto possibilitou entender que é preciso aprender a porcentagem e a decifrá-la,

tornando-a uma aliada nas variadas ações executada no decorrer do dia a dia na

vida dos alunos e seus familiares.

Acredita-se que os objetivos de melhorar a compreensão dos alunos quanto

ao entendimento do processo matemático no ensino da porcentagem, foi atingido

com sucesso.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Manuel Viegas de. Cinco ensaios sobre motivação. Coimbra: Almedina,

1998.

ARAÚJO, Jussara de Loiola. Como aprender matemática. In: Jornal Mundo Jovem. Porto Alegre, Ano XLII, nº 344, março de 2004.

BASSANEZI, Rodney. Modelagem matemática. Revista Dynamis, Blumenau. Vol.1, nº 7, p.55-83, abril/junho, 1994.

BIEMBENGUT, Maria Salet; HEIN, Nelson. Modelagem matemática no ensino. São Paulo: Contexto, 2000.

BOTTINI, Joana; BARRACA, Renato. Matemática instrumental. 1.ed. Rio de Janeiro: Editora SENAC Nacional, 2006.

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