o trabalho do assistente social na equipe de...

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1 O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA EM BELO HORIZONTE: DESAFIOS DIANTE DO FENÔMENO DA VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS Aline Pinto de Souza RESUMO O presente artigo irá falar sobre a atuação do profissional de serviço social dentro das unidades básicas de saúde (UBS) do município de Belo Horizonte MG, no que se refere aos casos de violência contra os idosos. Como objetivo geral tem-se o de conhecer, refletir e analisar como é realizada essa atuação, analisar a relação do assistente social com os outros profissionais da equipe de saúde da família no trabalho com esse público específico e conhecer qual a rede do município que atende casos de violência contra idosos. Palavras-chave: Unidades Básicas de Saúde; Idosos; Violência, Serviço Social.

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O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA

EM BELO HORIZONTE: DESAFIOS DIANTE DO FENÔMENO DA VIOLÊNCIA

CONTRA IDOSOS

Aline Pinto de Souza

RESUMO

O presente artigo irá falar sobre a atuação do profissional de serviço social dentro das unidades básicas de saúde (UBS) do município de Belo Horizonte – MG, no que se refere aos casos de violência contra os idosos. Como objetivo geral tem-se o de conhecer, refletir e analisar como é realizada essa atuação, analisar a relação do assistente social com os outros profissionais da equipe de saúde da família no trabalho com esse público específico e conhecer qual a rede do município que atende casos de violência contra idosos.

Palavras-chave: Unidades Básicas de Saúde; Idosos; Violência, Serviço Social.

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1. INTRODUÇÃO

Com a implantação e implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), através da

Constituição Federal de 1988, começa a se reconhecer a saúde como um direito a

ser assegurado pelo Estado. Todos aqueles cidadãos, independente de raça,

religião, classe econômica, tem este direito assegurado, sendo preferencialmente o

atendimento realizado em locais próximos à residência dos indivíduos, no seu

território. Nessa perspectiva, criam-se as Unidades Básicas de Saúde (UBS) para

atenderem àqueles pacientes que se encontram em sua área de abrangência, tendo

como foco o trabalho de prevenção junto à população assistida.

Conforme informado no site oficial da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, o

município conta atualmente com 147 UBS’s, divididas entre as nove regionais que

compõe a cidade.

Os centros de saúde ou UBS’s formam a atenção básica e possuem a equipe do BH

Vida, o Programa de Saúde da Família de Belo Horizonte composto por um médico

de família, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem e seis agentes

comunitários de saúde em sua maioria. Além disto, as unidades de saúde contam

com os profissionais de apoio, como médicos clínicos, pediatras, ginecologistas,

cirurgiões-dentistas, psicólogos, dentre outros.

Além dos profissionais citados acima, têm-se nas UBS’s também a atuação do

assistente social, que trabalha como apoio às equipes de saúde da família.

O foco deste trabalho é o de conhecer o tipo de violência que os idosos estão sendo

submetidos, visualizar a estrutura da rede de atendimento no município para esse

público, analisar a relação do assistente social com os outros profissionais da equipe

de saúde da família na atuação nos casos de violência, realizar uma análise crítica

referente à intervenção do poder público diante desse fenômeno e os fatores que

desencadeiam ou propiciam a permanência desses idosos no ciclo de violência.

2.O IDOSO NO CENÁRIO BRASILEIRO

Com o aumento da expectativa de vida e a diminuição da taxa de natalidade, nota-

se a presença cada vez mais constante de idosos como atores principais nos

domicílios brasileiros. No entanto, também se têm percebido um aumento constante

desse público submetido a situações de violência familiar, dentre elas a física,

psicológica, sexual, moral, financeira, negligência, abandono, dentre outras.

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A atenção se volta para a rapidez da mudança do perfil epidemiológico que vem

ocorrendo no Brasil e que não estamos preparados para enfrentar. A perspectiva de

crescimento da população acima de 60 anos colocará o Brasil, dentro de 25 anos,

como a 6ª maior população de idosos no mundo em números absolutos(SAS/MG,

2007, p. 13).

Sobre esse panorama, foi instituída a Lei nº 8.842, em 04 de janeiro de 1994, que

dispõe sobre a Política Nacional do Idoso. Em suma, o Estado trata esses cidadãos

como detentores de direitos e não mais como beneficiários de sua benevolência

aplicada de forma esporádica. Alguns anos depois foi promulgado o Estatuto do

Idoso (Lei nº 10.471, de 01 de outubro de 2003) que veio para proteger a dignidade

das pessoas com idade mais avançada, bem como o tratamento adequado que deve

ser dispensado pelos seus familiares para com elas. De acordo com a lei em seu

artigo 3º:

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar

ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à

liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária

(MANDAMENTOS, 2004, p. 10).

E na velhice que o idoso vê-se necessitado cada vez mais de cuidados,

apresentando maior dependência de seus familiares ou cuidadores, maior está o

grau de vulnerabilidade e o risco dele estar submetido a algum tipo de violação. Não

se pode deixar de mencionar que nem sempre a violência contra idosos é realizada

de forma intencional, pois muitas vezes têm-se nos domicílios famílias muito

vulneráveis economicamente e culturalmente, totalmente despreparadas para

assumir os cuidados com seu ente acima de 60 anos.

O assunto proposto torna-se de grande relevância para a sociedade, visto que é

uma realidade presente em todas as classes sociais e famílias e muitas vezes esses

idosos que são vítimas, possibilitam que essa violência não se torne visível, porque

eles se sentem responsabilizados por estarem denunciando o agressor, o que

reforça o grau de dependência e medo diante dos familiares.

No próximo tópico serão apresentados os tipos de violência na qual os idosos

podem ser expostos e as consequências destas no bem estar físico e psicológico

das pessoas acima dos 60 anos.

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3.TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS

A violência tem sido uma constante no cotidiano da humanidade. No geral, identifica-

se a violência como criminalidade e/ou agressão física. Porém as ações vistas como

manifestações de violência representam diferentes tipos de comportamentos.

Assim, violência seria a tendência a destruição do outro, ao desrespeito e a negação

do outro, podendo sua ação situar-se no plano físico, psicológico e ético. A violência

limita a liberdade de um indivíduo ou de um grupo, reprimindo e ofedendo de forma

física ou moral a sua integridade. Abaixo serão apresentados alguns tipos de

violências.

3.1 VIOLÊNCIA FÍSICA

É um tipo de manifestação em que um outro (os) sujeito (os) utiliza-se de força física

para forçar o idoso a fazer algo que não quer, para lhe causar dores, incapacidade

ou até mesmo a morte.

3.2 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

É um tipo de violência silenciosa, pois os efeitos são sentidos através da alteração

do comportamento daquela vítima. Visa provocar dano à autoestima, ao

desenvolvimento da pessoa idosa.

3.3 VIOLÊNCIA SEXUAL

Acontece quando o idoso é coagido por uma outra pessoa que tem uma relação de

poder sobre o mesmo, a fazer ou presenciar um jogo sexual, onde o agressor deseja

obter excitação ou satisfação sexual.

3.4 VIOLÊNCIA ECONÔMICA/FINANCEIRA/PATRIMONIAL

É o tipo de violência em que uma outra pessoa apropria-se ilegalmente, sem o

consentimento do patrimônio, bens pessoais, recursos financeiros do idoso

3.5 VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL

É o tipo de violência realizada pelos serviços públicos, tanto por ação ou omissão do

Estado.

3.6 ABANONO/NEGLIGÊNCIA

A negligência é o ato de omissão do responsável pelo idoso em prover as

necessidades básicas para sua sobrevivência e bem estar.

3.7 AUTO NEGLIGÊNCIA

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É o tipo de violência em que o próprio idoso, através de sua conduta, ameaça sua

saúde e segurança.

Percebe-se que em alguns casos, o idoso não está submetido somente a um tipo de

violência, mas a várias, que se intercalam de acordo com o momento e o agente

violador. É uma violência silenciosa, porque muitas vezes o idoso depende daquele

agressor, no que se refere aos cuidados, entretanto, em muitas famílias mineiras,

também percebemos uma dependência financeira do agressor em relação à vítima.

Relação contraditória que coloca o idoso em uma situação de fragilidade, pois

realizar a denúncia contra alguém tão próximo pode lhe causar maiores transtornos.

Trazendo dados mais recentes repassados pela analista de políticas públicas do

Conselho Municipal do Idoso de Belo Horizonte (CMI/BH), a Sra. Sandra de

Mendonça Mallet, percebemos que ainda existem muitos casos de violência contra

idosos subnotificados, temos um quantitativo muito pequeno de notificações, diante

da realidade que se tem vivenciado na prática profissional.Vejamos os dados

referentes ao ano de 2014:

DENÚNCIAS RECEBIDAS PELO CMI/BH – 2014

ÓRGÃO ENCAMINHADOR TOTAL %

Conselho Estadual do Idoso 1 0,2

Ouvidoria 1 0,2

GERASA 90 18,7

Familiar 66 13,8

Anônima 135 29

Conhecido 34 7

Espontâneo 29 6

Delegacia do idoso 1 0,2

UNIMED 1 0,2

UPA 8 1,7

CDPI 4 0,9

GERASC 11 2,3

NASF 2 0,4

Centro de Saúde 20 4,2

Ministério Público 5 1

Hospitais 39 8,1

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Disque 100 8 1,7

Conselheiros 2 0,4

Pastoral do idoso 1 0,2

Defesa Civil 1 0,2

CRAS 1 0,2

Usuário do serviço denunciado 1 0,2

Vigilância sanitária 1 0,2

CREAS 19 3,9

*Os atendimentos que não vieram de órgãos públicos ou privados, chegaram de

forma presencial ou por telefone.

DADOS DA SUPOSTA VIOLAÇÃO DE DIREITOS DENUNCIADA NO CONSELHO

MUNICIPAL DO IDOSO DE BELO HORIZONTE, 2014.

Total de denúncias: 481 denúncias

Denúncias por regional administrativa/2014

REGIONAL ADMINISTRATIVA TOTAL DE DENÚNCIAS – CMI/BH

BARREIRO 59

CENTRO SUL 36

LESTE 53

NORDESTE 63

NOROESTE 94

NORTE 44

OESTE 41

PAMPULHA 41

VENDA NOVA 50

TOTAL DAS DENÚNCIAS 481

Fonte: CMI/BH – 2014

Denúncias por sexo/2014

DENÚNCIA POR SEXO TOTAL DE DENÚNCIAS - 2014

Coletivo (Instituição/organização) 19

Feminino 300

Masculino 132

Misto (casal de idosos – irmãos,

parceiros)

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TOTAL 481

Fonte: CMI/BH – 2014

Tipos de violências denunciadas

Tipos Negligência Psicológica Abandono Financeira Física Autonegligência

Sexo

Masculino 80 casos 24 casos 39 casos 20 casos 15

casos

22 casos

Feminino 185 casos 100 casos 53 casos 62 casos 52

casos

28 casos

Misto ou

Coletivo

27 casos 14 casos 2 casos 10 casos 7

casos

2 casos

TOTAL 292 casos 138 casos 94 casos 92 casos 74

casos

52 casos

Fonte: CMI/BH – 2014

Outros tipos de violência

Tipos Cárcere

Privado

Insuficiência

Familiar

Problemas na

desospitalização

Estrutural (riscos

ambientais)

Sexo

Masculino 6 casos 3 casos 4 casos Nenhum caso

Feminino 11 casos 11 casos 4 casos Nenhum caso

Misto ou Coletivo 2 casos 1 caso Nenhum caso 1 caso

TOTAL 19 casos 15 casos 8 casos 1 caso

Fonte: CMI/BH – 2014

*O total das tipologias da violência é superior ao número total de casos denunciados,

porque cada denúncia apresenta mais de um tipo de violência.

Conforme as estatísticas acima realizadas pelo Conselho Municipal do Idoso, grande

maioria dos casos de denúncias de violência contra idosos são denunciadas de

forma anônima e o público mais suscetível são os idosos do sexo feminino. Destaca-

se a negligência como a violência com maior incidência tanto no público feminino,

quanto no masculino, mas vê-se também um número bem elevado de casos de

violência psicológica.

No que diz respeito aos idosos, no Brasil não há estudos que forneçam dados sobre

números de casos e perfil das vítimas ou agressores. A experiência de alguns

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serviços, recentemente criados, mostra que o perfil assemelha-se ao encontrado em

outros países. As vítimas são, geralmente, mulheres viúvas, de idade avançada,

com problemas físicos ou cognitivos e que moram em companhia de familiares

(Ministério da Saúde, 2001, p. 8).

4. A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NAS UBS’S

Os assistentes sociais nas UBS’s de Belo Horizonte são efetivados como

profissionais “técnicos superiores de saúde”, compondo a equipe de apoio dessas

unidades. Trabalham totalmente interligados com as equipes de saúde da família

(ESF), que em sua maioria são compostas por médicos de saúde da família,

enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS).

Além dos ACS’s, os assistentes sociais também têm como uma de suas ações,

quando necessário, a realização de visita domiciliar. É através desse instrumental

que o profissional poderá conhecer melhor a dinâmica familiar em que esse idoso

vítima de violência está submetido, quais os seus laços afetivos e comunitários e o

que ele representa diante desse contexto familiar. Vale ressaltar que esse não é o

único meio para se atuar nos casos, poderão ser realizados atendimentos individuais

e grupais, discussões de caso com a rede de proteção, contatos institucionais e os

encaminhamentos, conforme necessário.

A técnica de visita domiciliar é parte da história da profissão do assistente social.

Entramos no âmbito privado da vida das pessoas, no espaço residencial, doméstico.

Certamente, para usar a linguagem biomédica, um procedimento invasivo. A visita

domiciliar proporciona essa leitura sobre o privado, uma busca por informações que

personalizam a ação do profissional com seu usuário; portanto, uma ferramenta

perfeita ao modelo flexível de saúde (CORTEZ, 2010, p. 464).

Em realidade, o assistente social atende diversos tipos de demandas, principalmente

àquelas relacionadas à violação de direitos, tanto por parte do poder público, quanto

da população em geral. Grandes são os desafios enfrentados para desvelar a

realidade de cada família que vive no território de abrangência da UBS e é de

extrema importância essa aproximação com todos os atores envolvidos.

Para a saúde coletiva, o território tornou-se o foco da ação; milimetricamente

esquadrinhado, os hábitos e as manifestações da cultura local são colocados como

determinantes sociais da saúde. Aliás, nunca os determinantes sociais foram tão

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evidentes à saúde, operando de forma clara, marcando a esfera da reprodução

social (CORTEZ, 2010, p. 464).

Vale ressaltar que um dos principais papéis do assistente social no campo da

violência contra idosos é o de educador, pois intervém na realidade dos sujeitos com

a finalidade de torná-los protagonistas do seu processo saúde-doença e dessa

relação muitas vezes antagônica entre os interesses do Estado e dos usuários.

Muitos desses idosos quando diante de uma situação de risco, omitem-se com o

temor de algo acontecer com o suposto agressor. Nesse sentido, é de extrema

relevância que os profissionais de saúde que atuam na área de abrangência dessas

vítimas, estejam com o olhar e escuta capacitados, para que consigam captar o que

de fato possa estar acontecendo com aquele idoso em seu ambiente de convivência.

Importante mais uma vez ressaltar a valorização dos ACS’s nesse trabalho, uma vez

que eles realizam visitas domiciliares mensalmente, conhecem em sua maioria a

dinâmica familiar desses idosos e apresentam uma relação de confiança e

proximidade com esse público. Um vínculo que merece atenção e pode ser fonte de

conhecimento, que são uma porta de entrada para um possível atendimento mais

humanizado.

O assistente social, enquanto agente protetor de direitos deverá, diante de uma

situação de suposta violação contra algum idoso, junto com a equipe de saúde da

família (ESF), estudar estratégias para possíveis intervenções no caso. O assistente

social da saúde, no que se refere à temática da violência, atua com a preocupação

com a vítima, de forma a trazer ao centro do problema a promoção da saúde e

qualidade de vida.

É mister realizar uma análise da atuação desse profissional diante dos casos de

violência, de maneira a entender o problema, assim como buscar a otimização de

sua atuação diante da mesma, de forma a termos a concretização da prevenção,

promoção, reabilitação e cura do usuário que se apresenta na unidade de saúde,

além de trabalhar em prol da autonomia e da emancipação do mesmo como sujeitos

de direitos (CORTEZ, 2010, p. 486).

Enfim, o assistente social não trabalha em nenhum momento sozinho quando se

está dentro de uma UBS, em um território com múltiplos sujeitos e realidades. É

esse mister de saberes, de olhares que irão possibilitar que um idoso que de início

nos aparece em situação de violação de direitos, consiga em algum momento

reverter-se em um idoso que consiga ser um promotor de sua saúde e bem-estar.

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5. REDE DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA EM BELO HORIZONTE

Quando se fala em rede, tem-se uma ideia de algo interligado, articulado, de junção,

de suporte e solidariedade entre pessoas e instituições que dela fazem parte. Cada

instituição e sujeito tem sua importância diante do fenômeno da violência, tanto no

que se refere à prevenção, mobilização, tratamento, atendimento à vítima e até

mesmo ao suposto agressor. Não se pode desmerecer em uma rede a função de

cada ente envolvido, pois cada um, de acordo com a sua especialidade, é que dará

sustentação para que a vítima consiga desvencilhar-se do ciclo de violência pelo

qual está submetido.

É sabido no campo social, que o papel da rede é de extrema importância para a

condução de casos de violência e violação, que os atores envolvidos atuando em

conjunto podem pensar mais possibilidades para o caso a ser atendido. Vale

salientar que algumas vezes não só a vítima necessita desse acompanhamento

especializado, muitas vezes o agente violador também demanda esse cuidado, por

razões de ordem social, econômica ou cultural.

O município de Belo Horizonte possui diversas instituições que compõem a rede de

enfrentamento à violência que atuam direta ou indiretamente nos casos de violência

contra idosos, dentre eles: as equipes de saúde da família (PSF), os Núcleos de

Apoio a Saúde da Família (NASF), Serviços de Saúde Mental (como o CERSAM e

CERSAM AD), Serviços de Atenção Especializada (Urgência e Emergência),

Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), Centro de Referência

Especializado da Assistência Social (CREAS), Polícia Militar, Delegacia de Polícia,

Instituto Medico Legal (IML), Conselho Municipal do Idoso, Ministério Público,

Defensoria Pública, Casa Abrigo, Organizações da Sociedade Civil e Centros de

Referência.

Todo o caso suspeito ou confirmado de violência contra a pessoa idosa deverá ser

notificado, pelo profissional de nível superior que acolheu a demanda, utilizando-se a

“Ficha de Notificação/Investigação Individual – Violência Doméstica, Sexual e/ou

Outras Violências”, do Ministério da Saúde. Além desse documento, deverá ser

preenchido também a “Ficha Protetiva de Violência contra Idosos”, da Secretaria

Municipal de Saúde de Belo Horizonte. No município, essas fichas são

encaminhadas para a Gerência de Saúde da Regional em que o idoso reside e os

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técnicos desse local realizarão os devidos encaminhamentos de acordo com a

demanda para a rede de enfrentamento à violência.

No entanto, percebemos que para essa rede de enfrentamento à violência funcionar,

é necessário um esforço coletivo, a construção de espaços de discussão, de troca

de saberes para que as ações não sejam realizadas de maneira fragmentada. Deve-

se realizar um trabalho direcionado para a consolidação do Estatuto do Idoso, com o

intuito de possibilitar que esse ciclo de violência não perpetue, através da

interlocução ativa com toda a rede de apoio do município para a proteção da vítima.

Deve-se salientar a importância de um trabalho também com essa família, com a

perspectiva de preservação do espaço de convívio desse idoso e dos vínculos

afetivos.

Muitas pesquisas demonstram que, mesmo quando o Estado consegue colocar à

disposição de sua população os serviços necessários para ela, se a população não

tem uma mínima organização, se essa sociedade não está minimamente organizada

em igrejas, sindicatos, clubes, associação de moradores etc., ela não consegue

usufruir desses serviços. Então, não é só uma questão de o estado prover os

serviços, mas a sociedade, para poder aproveitar esses serviços, tem que estar

organizada (NAVCV, 2005, p.160)

A questão da notificação compulsória é um assunto que provoca ainda muita

resistência por parte dos profissionais de saúde, que em muitas ocasiões não

possuem capacidade técnica para identificar uma situação de violência ou violação,

pelo medo de represálias por parte da família da vítima e até mesmo por acreditar

que sua denúncia não irá surtir nenhum efeito, pela ineficiência dos órgãos de

direito.

Há ainda que se discutir que apesar da obrigatoriedade da notificação pelos

profissionais de saúde, não existe garantia de sigilo dessa notificação, nem de

proteção da integridade do denunciante. Isso acaba por ocasionar uma resistência

dos profissionais em realizar tal denúncia por medo de represálias ou ameaças

(CORTEZ, 2010, p. 491).

Um outro importante instrumento de trabalho de rede é a contrarreferência, que é o

retorno dos encaminhamentos dados pelo profissional que está acompanhando o

caso na UBS, em sua maioria das vezes, o assistente social. Ela é de extrema

importância para a condução do trabalho que está sendo realizado com o idoso e

sua família, à medida que se passa a ter um conhecimento integral das ações

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efetivadas e possibilita repensar novas estratégias diante daquelas que não surtiram

efeito positivo.

Sendo assim, é de extrema importância o assistente social da saúde adquirir cada

vez mais conhecimento no que se refere à temática da violência e dos outros fatores

associados, para que sua atuação seja de fato resolutiva para a vítima. A superação

da violência não será possível se todos os profissionais não atuarem de maneira

interdisciplinar, sistematizando suas ações e realizando ações que vão transformar

para melhor a vida desse sujeito. É sabido que são muitos os limites e desafios a

serem enfrentados, porém deve-se pensar que temos uma rede de serviços, de

possibilidades que podem nos auxiliar na efetivação de uma qualidade de vida para

o idoso, para que de fato ele seja concebido como sujeito de direitos.

6.CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste trabalho foi de maior conhecimento sobre a realidade dos idosos

do município de Belo Horizonte e a atuação do assistente social, juntamente com os

outros profissionais da equipe de saúde da família diante do fenômeno da violência

contra os idosos no atendimento realizado na UBS’s. Vê-se que são vários tipos de

violências a que o idoso pode estar submetido e que em alguns casos, ele pode

estar exposto a mais de um tipo de violência. São idosos que são vítimas também

da ineficiência de políticas públicas, de serviços de saúde cada vez mais

precarizados, de famílias desorganizadas, sem o suporte necessário, de um Estado

que não tem olhos para os seres humanos que passaram dos 60 anos.

O assistente social deve pautar sua atuação principalmente em um atendimento

humanizado, que consiga respeitar o momento que o idoso vítima de violência está

vivenciando, de forma que as possibilidades de atendimento e conduta sejam

construídas em conjunto com o idoso e sua família. O trabalho com a rede de

atendimento e enfrentamento à violência é de extrema importância, vários atores

pensando e agindo juntos com o objetivo de promover a autonomia do sujeito.

Vê-se que dentro do território onde o idoso está inserido, o trabalho torna-se mais

fácil, com maior possibilidade de adesão e acompanhamento contínuo. O

profissional de serviço social deve utilizar-se desta estratégia para a formação de

vínculos positivos dos idosos com a comunidade. Encaminhamento para serviços

como CRAS, Academias da Cidade, Grupos de Terceira Idade podem ser pilares

sustentadores para saída do ciclo de violência.

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Sabe-se que infelizmente ainda enfrentamos alguns problemas como: falta de

profissionais qualificados na ponta, reduzido número de profissionais nos

equipamentos, falta de suporte financeiro, dificuldades de controle social, estruturas

dos serviços de enfrentamento precarizados, dentre tantas outras.

Para tanto, vê-se que os assistentes sociais que estão na linha de frente, atuando

com esses idosos vítima de violência e suas famílias no território, tem que dar conta

de trabalhar essa violência e suas múltiplas dimensões, fazendo sempre uma

análise crítica da conjuntura e da relação que se estabelece entre Estado/sociedade,

não esquecendo que a intervenção do Serviço Social deve ser de acordo com o

projeto ético-político da profissão e com as diretrizes do SUS.

7.REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Mandamentos, Belo Horizonte,

2004.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de

Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília: Ministério da

Saúde, 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Violência

intrafamiliar: orientações para a prática em serviço. Brasília: Ministério da Saúde,

2001.

BRAVO, Maria Inês... [et al]. Saúde e serviço social. 3. Ed.São Paulo: Cortez; Rio de

Janeiro: UERJ, 2007.

FACULDADE DE MEDICINA DE MINAS GERAIS. Violência contra o idoso ainda é

pouco revelada no Estado. 2014. Disponível em:

<http://http://site.medicina.ufmg.br/inicial/violencia-contra-o-idoso-ainda-e-pouco-

repercutida-no-estado/>. Acesso em: 03 abr. 2015.

MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Saúde. Atenção à saúde do idoso. Belo

Horizonte: SAS/MG, 2007.

PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Centros de Saúde asseguram o

atendimento à população. 2015. Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/

ecp/comunidade.do?evento=portlet&pldPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=endere

cos&tax=16053&lang=pt_BR&pg=6300&taxp=0&>. Acesso em: 27 ago. 2015.

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