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USUÁRIO DE DROGA EM MANHUAÇU-MG: CRIMINOSO OU DEPENDENTE QUÍMICO? Márcia Helena de Carvalho 1 Fernanda Franklin Seixas Arakaki 2 Gláucia Aparecida Melo Cardoso 3 RESUMO : Este estudo teve como objetivo investigar a concepção que os representantes das instituições públicas e privadas de atendimento ao usuário de drogas ilícitas no município de Manhuaçu situado no Estado de Minas Gerais , têm em relação a esta prática. O usuário de drogas é considerado um criminoso, a quem se aplica sanções jurídicas com restituição do dano provocado, ou trata-se de um dependente químico, que necessita de tratamento e acompanhamento para se ressocializar?. Como parâmetro legal para esta pesquisa utilizou-se das diretrizes estabelecidas na lei 11343/2006, conhecida popularmente como Lei de Drogas, além das principais bibliográficas que discutem esta temática no Brasil. A pesquisa de campo, contou com entrevistas- utilizando roteiro semi estruturadoaos representantes das 10 instituições identificadas como àquelas que atuam, direta ou indiretamento, com o usuário de drogas ilícitas no Município, quais sejam: Polícia Militar e Civil; Judiciário e Ministério Público Federal; CAPS AD; CREAS; COMAD; Comunidade Terapêutica Santa Mãe da Misericórdia, APAC, Presídio. O exame dos dados se deu em duas modalidades: quantitativa e qualitativa. O método escolhido foi o crítico dialético. O resultado encontrado revela que embora em Manhuaçu exista instituições ligadas à Proteção, Defesa e Controle Social, não existe formalizada um política municipal sobre drogas, por isso, as iniciativas ocorrem de forma fragmentadas. Independente da natureza institucional, o que predomina é uma visão punitiva. Neste sentido, os órgãos ligados à Defesa têm um posicionamento mais claro em relação ao viés coercitivo de suas práticas, enquanto aqueles ligados a Proteção e Controle não possuem clareza, nem embasamento teóricos para fundamentar suas ações, ancorados no discurso falacioso dos direitos humanos defendem o tratamento como sanção jurídica. Diante destas descobertas conclui- se que, não bastam as modificações no ordenamento jurídico para que haja uma mudança de paradigma no que se refere às drogas, é necessária acima de tudo, a incorporação destes princípios por todos aqueles que atuam nesta ceara. Palavras-chave: Política Nacional sobre Drogas, Usuário de Drogas, Criminoso, Dependente Químico. 1 Mestre em Serviço Social pela UERJ e docente na FACIG. 2 Mestre em Hermenêutica e Direitos Fundamentais UPAC 3 Estudante do 8º Período do Curso de Serviço Social da FACIG

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USUÁRIO DE DROGA EM MANHUAÇU-MG: CRIMINOSO OU

DEPENDENTE QUÍMICO?

Márcia Helena de Carvalho1 Fernanda Franklin Seixas Arakaki2

Gláucia Aparecida Melo Cardoso3

RESUMO

: Este estudo teve como objetivo investigar a concepção que os representantes das

instituições públicas e privadas de atendimento ao usuário de drogas ilícitas no município

de Manhuaçu – situado no Estado de Minas Gerais –, têm em relação a esta prática. O

usuário de drogas é considerado um criminoso, a quem se aplica sanções jurídicas com

restituição do dano provocado, ou trata-se de um dependente químico, que necessita de

tratamento e acompanhamento para se ressocializar?. Como parâmetro legal para esta

pesquisa utilizou-se das diretrizes estabelecidas na lei 11343/2006, conhecida popularmente

como Lei de Drogas, além das principais bibliográficas que discutem esta temática no

Brasil. A pesquisa de campo, contou com entrevistas- utilizando roteiro semi estruturado–

aos representantes das 10 instituições identificadas como àquelas que atuam, direta ou

indiretamento, com o usuário de drogas ilícitas no Município, quais sejam: Polícia Militar e

Civil; Judiciário e Ministério Público Federal; CAPS AD; CREAS; COMAD; Comunidade

Terapêutica Santa Mãe da Misericórdia, APAC, Presídio. O exame dos dados se deu em

duas modalidades: quantitativa e qualitativa. O método escolhido foi o crítico dialético. O

resultado encontrado revela que embora em Manhuaçu exista instituições ligadas à

Proteção, Defesa e Controle Social, não existe formalizada um política municipal sobre

drogas, por isso, as iniciativas ocorrem de forma fragmentadas. Independente da natureza

institucional, o que predomina é uma visão punitiva. Neste sentido, os órgãos ligados à

Defesa têm um posicionamento mais claro em relação ao viés coercitivo de suas práticas,

enquanto aqueles ligados a Proteção e Controle não possuem clareza, nem embasamento

teóricos para fundamentar suas ações, ancorados no discurso falacioso dos direitos

humanos defendem o tratamento como sanção jurídica. Diante destas descobertas conclui-

se que, não bastam as modificações no ordenamento jurídico para que haja uma mudança

de paradigma no que se refere às drogas, é necessária acima de tudo, a incorporação destes

princípios por todos aqueles que atuam nesta ceara.

Palavras-chave: Política Nacional sobre Drogas, Usuário de Drogas, Criminoso,

Dependente Químico.

1 Mestre em Serviço Social pela UERJ e docente na FACIG. 2 Mestre em Hermenêutica e Direitos Fundamentais UPAC 3 Estudante do 8º Período do Curso de Serviço Social da FACIG

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1. INTRODUÇÃO

A concepção que os representantes das instituições de atendimento aos usuários de

drogas em Manhuaçu-MG tem desta prática considerada ilegal no Brasil, impacta diretamente

sua forma de intervir. Por este motivo, a pesquisa em pauta procurou identificar a partir da

fala destes sujeitos a abordagem que predomina em Manhuaçu: o usuário de drogas é

entendido como criminoso ou dependente químico?. Para o alcance deste objetivo, utilizou-se

como parâmetro legal o que a Lei nº 11.343 –Lei de Drogas – estabelece.

O interesse da pesquisadora por esta temática ocorre a partir da sua inserção, como

estagiária do curso de Serviço Social4, no Centro de Atendimento Psicossocial Álcool e outras

Drogas (CAPS AD)“Despertar II”do Município de Manhuaçu, onde foi possível perceber que

apesar dos avanços legais ocorridos com criação do Sistema Nacional de Políticas Públicas

sobre Drogas, ainda existe nas instituições de atendimento aos usuários de drogas a

“permanência de um discurso moral e criminalizante5 das classes sociais etiquetadas”

(BATISTA, 1990). Fato que contribui para que o atendimento tenha um viés mais coercitivo

do que protetivo, sem levar em consideração a dimensão de totalidade do ser humano em

questão.

Esta constatação causou na estagiária a necessidade de pesquisar como se organiza o

atendimento aos usuários de drogas ilícitas em todo o município de Manhuaçu, identificando:

a) as instituições–públicas e privadas – que atendem, direta ou indiretamente, este público; b)

como os representantes das instituições de Proteção, Defesa e Controle social do Município

avaliam as diretrizes da Lei 11.343/ 2006; c)se existe uma trabalho em rede ligado a Política

Nacional Sobre Drogas em Manhuaçu; e por fim, d) a concepção que os representantes das

instituições tem do usuário de drogas.

Para a concretização desta pesquisa, foi realizado um mapeamento das instituições que

atendem a estes usuários no Município. Conforme já fora dito no resumo deste estudo, foram

identificadas 10 instituições envolvidas com este público. Após contato com representantes da

mesma, foi agendada a entrevista para que a resposta do formulário ocorresse

espontaneamente, porém alguns entrevistados se recusaram a adotar esta metodologia de

trabalho, solicitando que a pesquisadora deixasse o formulário e o buscasse quando já

4 O estágio curricular obrigatório no Caps. AD teve duração de 1 ano e meio, abrangendo o período de fevereiro

de 2014 até julho de 2015. 5 Sobre esta terminologia Nilo batista desenvolve posicionamento de que a “criminalidade registrada” nem

sempre corresponde a realidade dos fatos, pois depende dos agentes que a registram, sendo assim, o autor

defende a tese de que existe um processo de “criminalização” nas ocorrências registradas considerando a

seletividade do sistema penal, onde o pobre é culpado até que se prove o contrário, diferente daqueles que detém

o poder econômico.

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estivesse pronto, fato que comprometeu os prazos estabelecidos pela Instituição de Ensino

Superior, pois alguns se atrasaram significativamente em responder, e só o fizeram depois de

muitos telefonemas com insistências por parte da pesquisadora, pois tal fato colocava em

risco a viabilidade da pesquisa.

Após a obtenção dos formulários, partiu-se para a tabulação e análise dos dados. O

resultado da pesquisa foi dividido em dados quantitativos - que foram expressos através de

gráficos, e dados qualitativos. Ambos foram analisados à luz do método crítico dialético.

Os resultados foram surpreendentes ao revelarem o predomínio de uma visão punitiva

em relação ao uso drogas, inclusive com apelo ao encarceramento. Fato que contraria os

avanços da lei 11343/2006. Outro elemento que chamou a atenção da pesquisadora, foi a

ausência de trabalho em rede em torno do atendimento ao usuário de drogas ilícitas no

Município de Manhuaçu. E por fim, a fragilidade de embasamento teórico e legal por parte

dos representantes de instituições ligados à política de Proteção e Controle Social.

Diante do exposto, constata-se que a ausência de uma política municipal sobre drogas

no município de Manhuaçu, contribui para que os avanços legais da Lei 11343/2006, assim

como da Política Nacional sobre Drogas, não sejam materializados na realidade concreta dos

atendimentos perpetuando assim, a coerção em detrimento da proteção social destes

indivíduos.

Contudo, acredita-se que o resultado desta pesquisa poderá contribuir como reflexão

para os representantes das instituições públicas e privadas que atendem usuários de drogas no

Município de Manhuaçu, uma vez que receberão a devolutiva dos resultados. Além disso,

poderá contribuir como material acadêmico para os pesquisadores que se interessarem em

aprofundar esta temática.

2.DESENVOLVIMENTO

Para compreendermos a prevalência do viés punitivo no atendimento a usuários de

drogas no Brasil, e particularmente em Manhuaçu, apesar dos avanços legais estabelecidos

pela Lei 11.343/2006 e a Política Nacional Sobre Drogas, é necessário compreender as

particularidades históricas do nosso país.

No Brasil, assim como em outros países da América Latina, sempre foi notável certa

dificuldade por parte do Estado em elaborar políticas públicas próprias, que estivessem em

acordo com a sua realidade. No que se refere especificamente ao “as drogas”, o Estado

brasileiro deixou-se levar pelas orientações no sentido da proibição penal absoluta advinda

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dos Estados Unidos da América e, a partir da segunda metade do século XX, também das

Organizações das Nações Unidas.

Orientadas por estas orientações, as intervenções sobre drogas no Brasil vem sendo

tratada ao longo do tempo travestida por interesses morais, políticos e econômicos – inclusive

internacionais – sustentados por uma retórica fundada em argumentos científicos relacionados

à saúde pública e a segurança nacional6. Neste contexto, o usuário de drogas é visto como um

criminoso que precisa ser detido, encarcerado, retirado do convívio social, ao invés de ser

pensado como uma pessoa em situação de vulnerabilidade social que precisa ser tratado e

acompanhado por políticas protetivas.

Sabe-se que a mera importação de institutos jurídicos – como se tem visto ocorrer com

grande freqüência nos últimos anos em nosso direito material e processual – jamais poderá

satisfazer plenamente a questão, na medida em que culturas diferentes reclamam soluções

diferentes para atender às suas idiossincrasias. Soluções adequadas para alguns países podem

não se adequar ao nosso, valendo o mesmo também no sentido contrário (TAFFARELLO,

2009, p. 9).

Neste sentido, as políticas meramente proibicistas importadas de países de primeiro

mundo, não obtiveram êxito no Brasil e, nos dias atuais, concluiu-se pela frustração da mesma

em virtude da expansão do comércio e consumo abrangendo os mais diversos públicos e

classes sociais. Sendo necessário revisar a postura estatal frente ao “combate as drogas”.

Segundo Campos (2010, p. 76) a política proibicionista no Brasil foi realizada em três

momentos distintos, considerando as transformações ocorridas em nível internacional e

nacional que influenciaram no âmbito das legislações e políticas de drogas deste país. São

eles: início da legislação proibicionista (1851 – 1970); o período da abertura democrática

(décadas de 1970 e 1980) e o contexto atual (1990 em diante). Contudo, no período inicial

compreendido entre 1851 e meados da década de 1970 de contextualização da questão das

drogas no Brasil, não se pode falar em políticas sociais públicas em matéria de drogas, mas

sim em legislações, tendo em vista que a questão das drogas não se configurará, neste

contexto, em preocupação que justifique a adoção de ações públicas delineadas pelo ente

estatal (CAMPOS, 2010, p.76).

6Fiori (2005) ressalta que o fenômeno das drogas na sociedade moderna esteve sempre associado a dois eixos

principais: a criminalização e a medicalização (FIORI, 2005, p.261).

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Embora estivesse esperada desde a abertura democrática, somente em 2011 foi

elaboração uma Política Nacional sobre Drogas no Brasil enfocando a prevenção, o

tratamento, a recuperação, a reinserção social e ainda a noção de redução de danos.

Nesta nova concepção de “enfrentamento ao uso de drogas”, a política brasileira

aproximará da européia, pois se norteará pelo viés da “prevenção e tratamento” do usuário.

Assim, acredita-se que ao invés de medidas coercitivas, as ações devem priorizar o

atendimento com atividades direcionadas para o desenvolvimento de sociabilidades, na

perspectiva de construção de vínculos interpessoais, familiares e comunitários que

oportunizem a construção do processo de saída da dependência química.

A partir daí cria-se diversos equipamentos públicos e privados em torno do

atendimento ao usuário, porém os órgãos de Defesa Social permanecem prendendo usuários

por não terem clareza de qual quantidade que distingue o traficante do usuário.

Devido a este impasse que continuava contribuindo para a criminalização da pobreza no

Brasil, em outubro de 2006, passou a vigorar uma nova lei de drogas, a Lei 11.343/06. Uma

das grandes inovações da lei foi acabar com a pena de prisão para o usuário de drogas no

Brasil. Dentre as principais invovações desta Lei, encontra-se:

1. Trocou a expressão “substância entorpecente” por “ drogas” (orientação da

Organização Mundial da Saúde);

2. Permanece norma penal em branco, pois o conceito de drogas é aquele

constante em Portaria da SVS/MS (Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério

da Saúde), por isso, ex: cola de sapateiro, não é droga para fins de penalização por

esta lei, pois não está elencado no rol do Ministério da Saúde (neste caso, vai ser

enquadrado no ECA);

3. Proporcionalidade, ou seja, diferentes tipos penais e diferentes penas para

grandes, médios ou pequenos traficantes, pois antes, era a mesma pena na lei

6.368/76, fosse a quem comercializava, induzia, financiava ou colaborava como

informante;

4. Incremento da multa como pena;

5. Tratamento ao usuário (art. 28). Não se pune mais com pena privativa de

liberdade, por isso, havia discussão doutrinária se continuava sendo crime ou não: *

STF adotou a corrente que sim, portanto, o art. 28 continua sendo crime. Por

conseguinte, a droga não foi legalizada, não ocorrendo “abolitio criminis” (BRASIL,

2009).

Contudo, apesar de não se prender mais usuários de drogas, os procedimentos penais

continuam os mesmos, ou seja, o indivíduo flagrado usando drogas é levado para a delegacia,

assina o Termo Circunstanciado e se compromete a comparecer no Juizado Especial Criminal

para a audiência judicial. Neste sentido, é válido esclarecer a Lei 11343/2011 não discrimina a

droga, ela apenas desencarcera o usuário. Como as drogas algumas drogas são ilícitas no

Brasil (perdura o proibicismo), o usuário que for encontrado em uso pode ser encaminhado a

uma destas medidas: advertência verbal, prestação de serviço à comunidade, medida

educativa de comparecimento a programa ou curso educativo e, em último caso, multa.

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Conforme demostra o art. 28, caput ( usuário ):

aboliu as penas privativas de liberdade cominadas na antiga lei. Não cabe autuação

em flagrante ao usuário, portanto, não cabe prisão - ele apenas é conduzido ao

Distrito Policial para elaboração de Termo Circunstanciado (TC). Se houver

descumprimento das penas do art. 28, caberá admoestação verbal (reprimenda,

“puxão de orelha”) e multa (§ 6º). E, se não cumprir, também há a possibilidade de

não haver conseqüência alguma, sendo que a multa aqui aplicada poderá não ser

objeto de inscrição de dívida ativa, pois, o valor poderá ser baixo para tanto nas

atuais regras para tal cobrança.

Contudo, apesar dos avanços da nova Lei de Drogas, conforme observa com

propriedade Nilo Batista (2010), toda a deslegitimação teórica dos crimes de perigo abstrato

não permitiu a doutrina ou à jurisprudência estender com eficácia esse conceito aos crimes

relativos às drogas. A presença da ideologia proibicionista ainda é mais forte. Investe-se na

chamada “reação simbólica”, na definição de Hassemer: a “utilização de instrumentos

inaptos” para o combate à criminalidade, como o aumento das penas, que “não tem nenhum

sentido empiricamente”. Seguem os “efeitos perversos” da política proibicionista de drogas,

apontados por diversos autores. No entanto, acreditamos que uma leitura realista da lei, dentro

de um contexto político favorável à inflação das estratégias repressivas, a lei pode ser

encarada como um relativo otimismo. Em um contexto de predomínio ideológico do discurso

da “Lei e Ordem” na classe média, e de deslegitimação dos direitos humanos como “direitos

de bandidos”, o simples não-recuo já pode ser considerado um avanço.

Discussão de Resultados: Usuário de Drogas em Manhuaçu-Criminoso ou Dependente

Químico?

Compreender como se processa o enfrentamento ao uso de drogas ilícitas, exige do

pesquisador clareza em relação as peculiaridades históricas e geográficas do Município a ser

pesquisado.Emancipado em 05 de novembro de 1877 e, localizado no entroncamento das duas

principais BRs Federais: 116 e 262, o município de Manhuaçu é reconhecido como um dos

mais importantes centros econômicos e de desenvolvimento social da microrregião da

Vertente Ocidental do Caparaó, no Leste de Minas Gerais. Mas ao mesmo tempo em que

assume esse papel estratégico, cada vez mais materializa e dá visibilidade a uma grande

parcela da população que vive em níveis extremos de degradação da vida humana.

É neste contexto contraditório de desenvolvimento social que a dependência química

se intensifica e se torna presença constante nos debates de toda sociedade local. A partir desse

momento, passa a fazer parte da agenda governamental, transformando-se numa demanda que

requer a adoção de medidas capazes de prestar serviços de atenção a essa parcela da

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população. Daí amplia-se em Manhuaçu o número de instituições públicas e privadas

comprometidas com o atendimento ao usuário de drogas ilícitas.

Diante da verificação desta realidade, a pesquisa em pauta procurou entender as

concepções que norteiam estratégias de atendimento aos usuários de drogas no município.

Foram entrevistados representantes das 10 instituições que se encontram classificados na

figura abaixo:

Figura l – Instituições que compõem o atendimento municipal ao usuário de drogas

Fonte: Informações adquiridas no Município em Agosto/Outubro de 2015.

De acordo com os pressupostos da Política Nacional sobre Drogas (BRASIL, 1990),o

efetivo atendimento aos dependentes químicos é fruto do comprometimento, da cooperação e

da parceria entre os diferentes segmentos da sociedade brasileira e dos órgãos

governamentais, federal, estadual e municipal, fundamentados na filosofia da

“Responsabilidade Compartilhada”, com a construção de redes sociais que visem à melhoria

das condições de vida e promoção geral da saúde.

A despeito desta orientação, o que se observou durante a pesquisa é que no município

de Manhuaçu apesar de haver várias instituições públicas e privadas de atendimento ao

usuário de drogas não existe uma Política Municipal sobre Drogas com plano de atividades,

alocação de recursos, e conselho de direitos, isso compromete a parceria entre as instituições

prestadoras de serviços. Neste sentido, quando os entrevistados foram questionados a respeito

da existência do trabalho em rede, foram unânimes em declarar que infelizmente no

Município de Manhuaçu esta parceria não existe. O que ocorre são encaminhamentos de

usuários para outras instituições como requisito básico de atendimento, como é o caso das

Caps AD

Creas

Presidio

Apac

Comun. Terapêuti

ca Polícia Civil

Polícia Militar

Ministério Público Federal

Promotoria

Comad

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ocorrências da polícia militar que são encaminhadas para a polícia civil, e CAPSque

encaminha o dependente químico em situação de rua para a equipe especializada de

abordagem social a esta população, não se constituindo assim uma parceria, mas um

encaminhamento já previsto na legislação destes serviços. Desta forma, o que se materializa

são iniciativas isoladas, desarticuladas e fragmentadas em torno do atendimento ao usuário de

drogas no Município de Manhuaçu.

Acredita-se, no entanto, que a ausência do trabalho em rede ocorra por dois motivos

essencialmente articulados: sobrecarga de trabalho e desconhecimento da existência de outras

instituições que atuam com o mesmo público. A respeito da sobrecarga, embora todos os

representantes tenham sinalizado um volume excessivo de trabalho, nenhuma instituição

entrevistada possui quantificado o número de atendimentos ao mês destinado aos usuários de

drogas ilícitas, fato que reduz significamente as possibilidades de intervenção junto a esta

demanda, pois sem diagnóstico qualquer proposta de intervenção torna-se reduzida.

A falta de conhecimento acerca das atribuições específicas das demais instituições que

atendemaos usuários de drogas também é um elemento que dificulta o trabalho em rede. Das

instituições entrevistadas, somente aquelas ligadas diretamente à proteção social se fazem

conhecidas: CREAS e CAPS AD. As demais são completamente desconhecidasou

conhecidas de maneira tão precarizada e artificial que não foram lembradas.

Figura II- conhecimento acerca da existência de outras instituições que trabalham com

usuários de drogas no Município.

Fonte: dados do autor.

40%

50%

10%

INSTITUIÇÕES QUE ATUAM NO ATENDIMENTO AO USUÁRIO DE DROGAS NO MUNICÍPIO DE MANHUACU

Não Conhecem Nenhuma

CAPS

CREAS

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Apesar da fragilidade da propagação de informações referentes às atribuições

institucionais entre entidade públicas e privadas. O fato da maioria dos entrevistados 50%

conhecerem o CAPs e 10 % conhecerem o CREAS em detrimento de 40 % não conhecerem

nenhuma, sugere – a princípio – que possa estar havendo uma mudança de mentalidade em

relação ao usuário de drogas no município. Segundo Carnoy (2010), “até a Constituição

Federal de 1988, quando se falava em usuários de drogas o primeiro órgão governamental que

vinha à cabeça era a Polícia”. Contudo, apesar dos avanços Estaduais e Federal na elaboração

de políticas públicas de enfrentamento, o Município de Manhuaçu-MG ainda precisa avançar

muito na articulação de sua rede de atendimento, começando pela divulgação dos serviços e

melhoria da comunicação. Pois conforme nos lembra Marteleto (2001),

A formação das redes corresponde a circulação de conhecimentos que alimentam e

dão sentido informacional às visões estratégicas de ação e de direção dos agentes.

Os conhecimentos se constituem como matérias informacionais, que, pelas suas

qualidades imateriais, articulam entre si o que foi notado (observado) ou

experimentado pelos agentes nas suas práticas, dentro do ambiente da sociedade em

que essas redes se movimentam (MARTELETO, 2001, p.80 apud FURINI, 2011,

p.189).

Desta forma, conhecer e respeitar a natureza institucional das entidades que atendem a

usuários de drogas é essencial para que o trabalho em rede ocorra de forma satisfatória e sem

sobreposição de funções, evitando a impressão deque o contato interinstitucional ocorre

apenas para justificar a transferência de responsabilidades.

Porém, antes mesmo de se pensar a complexidade de um trabalho em rede no

Município é necessário avaliar como o atendimento ao usuário de drogas tem acontecido no

interior dos estabelecimentos públicos e privados. Sabe-se que dentre as instituições

pesquisadas há uma diversidade de conceitos e concepções para definir o público privilegiado,

leis para subsidiar o atendimento realizado, e formas de intervenções diferenciadas para

enfrentar o problema das drogas. Dito de outra maneira, diferea forma de atendimento se a

instituição é pública ou se é privada. Se elapresta atendimento no âmbito da promoção, defesa

ou controle social.

Diante das diferentes formas de intervenção, a pesquisa procurouidentificar – a partir

da fala dos representantes das instituições – o que predomina no atendimento aos usuários de

drogas no Município de Manhuaçu: Proteção ou Coerção, a fim de verificar a possibilidade da

criação de uma Política Sobre Drogas no município, assim como a articulação do trabalho em

rede.

Neste sentido, quando se questionou aos entrevistados se os usuários de drogas são

criminosos como era entendido nas leis proibicistas ou se são dependentes químicos como é

visto pela nova Lei de Drogas em vigor no Brasil, a resposta foi surpreendente.

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Figura III- Classificação do usuário de drogas:

Fonte: dados do autor.

O fato de 70% dos entrevistados terem respondido que o usuário de drogas é um

criminoso torna-se contraditório à medida em os mesmos não identificaram os órgãos ligados

à coerção como parte das instituições ligadas ao atendimento aos usuários de drogas no

Município, dito de outra forma, se o usuário de drogas são criminosos como a maioria

indicou, o órgão de atendimento por excelência a eles deveria ser as polícias militares e civis,

o presídio e APAC, e os órgãos de defesa social. Porém, percebe-se que os entrevistados que

defendem a ideia de que o usuário é um criminoso são justamente os representantes destes

órgãos. Os 30% que acreditam que os usuários de drogas são dependentes químicos são

justamente os representantes de órgãos de proteção e controle social.

Contudo, é válido esclarecer que este tema não é tão simples como parece no primeiro

momento, por isso desperta tanta incoerência e debate, pois na medida em que a legislação

brasileira proíbe o uso indevido – sem prescrição médica – de algumas substâncias

psicoativas, seu uso se torna uma infração legal. Conforme esclarece a lei 11.343/2006

famosa por ser conhecida com a Lei de Drogas no Brasil:

Art. 2o Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o uso, o

plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais

possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização

legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das

Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de

uso estritamente ritualístico-religioso (BRASIL, 2006).

30%

70%

O USUÁRIO DE DROGAS ÍLICITAS É CRIMINOSO OU DEPENDENTE QUÍMICO?

Dependente Químico

Criminoso

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Ainda com os avanços legais representados por esta legislação, ela não define

claramente a quantidade de drogas que diferencia o usuário do traficante, apenas esclarece no

parágrafo 2º do artigo28 que o juiz determinará se a droga destinava ao consumo usando os

seguintes critérios: “atenderá à natureza e à quantidade de substância apreendida, ao local e às

condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à

conduta e aos antecedentes do agente”.

Entretanto, a lei traz discussões e polêmicas acerca deste artigo, pois em um país com

fortes traços de desigualdades sociais e acumulações de violência contra as classes

historicamente criminalizadas conferir aos órgãos de coerção e defesa a interpretação do

público que se aplica a Lei 11.343/2006 torna-se no mínimo perigoso, pois dependerá muita

da concepção do jurista.

Contudo é importante esclarecer, conforme nos lembra o representante do Ministério

Público Federal de Manhuaçu que a lei 12.594/2012 não descriminalizou penalmente o uso de

drogas. Por este motivo, muitos estudiosos do Direito Penal classificam o usuário com

dependente químico/criminoso, ou seja, a pessoa com quem é encontrado uma quantidade de

drogas em circunstancias que o Juiz entender como usuário continua sendo um infrator sujeito

a penalidades previstas na Lei de Drogas.

Alguns juristas se manifestam no sentido de que houve uma descriminalização penal,

uma abolitio criminis, porém, sem a concomitante legalização. Para Isaac Sabbá Guimarães,

não houve a descriminalização das condutas relacionadas com o uso, mas sim, uma inclusão

de um tertium genus de pena. Desta forma, manteve-se o crime, erigindo apenas um sistema

punitivo sui generis.

Neste sentido, outro elemento que divide opiniões é a questão da pena a ser aplicada à

pessoa com quem se encontra drogas para o próprio consumo. Quando os representantes das

instituições que trabalham com os usuários de drogas no Município de Manhuaçu- MG foram

questionados sobre as penas mais adequadas a serem aplicadas aos usuários, responderam:

Figura IV- Pena a usuários de drogas ilícitas

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Fonte: dados do autor.

Logo se pode verificar na figura acima, novamente encontra-se uma incoerência em

relação à questão anterior, pois independentemente se antes a resposta do representante da

instituição classificou o usuário como criminoso ou apenas dependente químicotodos

concordam que ele estará sujeito a um tipo de pena por uma infração cometida. Contudo é

válido lembrar que a Lei 11.343/2006, Lei de Drogas,sinaliza no artigo 27 do capítulo III as

penas que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente ao usuário de drogas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento á programa ou curso educativo.

Bem como se pode perceber os 70 % dos entrevistados que acreditam que os usuários

de drogas ilícitas precisam de tratamento para “desintoxicação” e “reinserir na sociedade”

parecem se encaixar no item terceiro das penas. Já os 30% dos entrevistados que acreditam

que o usuário deve ser tratado com prisão, não tem embasamento na Lei de Drogas, com este

posicionamento eles reatualizam as leis proibicistas. A concepção dos entrevistados do

segundo grupo é compreensível na medida em que os representantes representam a ideologia

de suas instituições: APAC e polícia militar.

Contudo é necessário esclarecer que tanto os que acreditam que o uso de drogas

deveria ser tratado como crime, assim como aqueles que entendem que o melhor caminho é o

tratamento, estão com ideologias punitiva, pois o tratamento como pena torna-se compulsório,

na medida em que não respeita a vontade do sujeito.

Com afinalidade de esclarecer melhor a opinião dos representantes das instituições de

atendimento aos usuários de drogas ilícitas foi perguntado a opinião dos entrevistados sobre

30%

70%

A INTERVENÇÃO MAIS ADEQUADA NO QUE SE REFERE AO USUÁRIO DE DROGAS ÍLICITAS

A Prisão

O Tratamento

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internação compulsória para dependentes químicos. Obtivemos o maior número de variáveis

na resposta:

Figura V- Internação Compulsória para dependentes químicos no Brasil

Fonte: Dados do autor.

O artigo 9º da lei 10.216/01 estabelece a possibilidade da internação compulsória,

sendo esta sempre determinada pelo juiz competente, depois de pedido formal, feito por um

médico, atestando que a pessoa não tem domínio sobre a sua condição psicológica e

física.Porém, o que se vê na prática com os usuários de álcool e outras drogas contraria a lei,

pois introduz a aplicação de medida fora do processo judicial. “Maus-tratos, violência física e

humilhações são constantes nessas situações” (Representante do CREAS). Contudo, os dados

mostram que apesar da violência contra os direitos humanos presentes nestas práticas 20 %

dos representantes que instituições que atuam junto ao usuário de drogas no município de

Manhuaçu são a favor destas medidas argumentando que ela representa a proteção para o

indivíduoe para a sociedade como um todo.

O coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP),

desembargador Antônio Malheiros (2015), criticou os que defendem a internação

compulsória para tratamento de viciados em drogas, especialmente o crack. Para o

desembargador, iniciativas como a dos governos de São Paulo e do Rio de Janeiro

não surtem efeitos e servem como medidas “higienistas”: apenas tiram das ruas as

pessoas sem apresentar uma solução efetiva.

Em contrapartidas as outros 20% que não se posicionaram, com seu gesto de omissão

acabam por se somar a um grupo que aceita o que vier, ou seja, a manutenção das ideias em

vigência.

20%

20%

20%

40%

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA:

Concordam com a Internação

Discordam

Não tem posicionamento

Instituição não realiza procedimento

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Os 20% que dizem não aplicar a medida são justamente as entidades cadastradas no

Conselho Municipal de Saúde como equipamentos do SUAS, uma da rede pública: CAPS

AD, e outro da rede privada: Comunidade Terapêutica. Porém a pergunta não se tratava de

quem aplica, e sim da opinião em relação à questão. Os representantes de instituições eleitos

para responder o questionário são agentes de poder, alguns detém autoridade que a profissão

lhe confere, são considerados referência no assunto, sendo chamados a palestras e cursos. O

fato de se esquivarem da pergunta, parece ser uma fuga do debate, que traz consequências

para o usuários que sofre as consequências do achismo.

Apesar do viés proibicista e discriminador presente nas instituições que realizam

atendimento ao usuário de drogas ilícitas, 40% responderam contrários, porém apenas o

representante do CREAS se posicionou,

A prática de internação compulsória é ilegal porque restringe o direito constitucional

de ir e vir, ineficaz socialmente, porque o isolamento reforça a descriminação, e

tecnicamente, pois se sabe que o índice de recaídas para os que passaram por

tratamento compulsório é em torno de 96 a 97%, o que faz com que a internação

compulsória seja condenada de modo geral, inclusive por programas de combate às

drogas de comprovado sucesso, como o de Portugal. A estratégia usada no Rio de

Janeiro parte de uma análise simplista da realidade, visa apenas o curtíssimo prazo e

tem um forte agenciamento moral (CAPS, 2015).

Embora contraditórias opiniões entre os entrevistados, os 40 % que não tiveram um

posicionamento concreto são os que mais assustam porque não se conhece sua opinião, e são

as ideias que movimentam nossas práticas. Quem não se manifesta corre o risco de reproduzir

a realidade compulsivamente.

Impactou também a ausência de argumentação dos orgãos de proteção e controle, pois

os defensores dos direitos humanos precisam se capacitar para entrar na “batalha das ideias”,

não basta estar com os usuários, “é necessário, estar lá onde a vida deles esta sendo decidida”.

Diante destas diversidades de opiniões, questionou-se aos representantes de

instituições prestadoras de serviços aos usuários de drogas se as diferentes penas –

advertência, encaminhamento para clínica de tratamento, recrutamento para cursos

educativos, prisão, internação compulsória –, são medidas eficazes para minimizar o uso de

drogas no Brasil. Os entrevistados foram unânimes em responder que é necessário uma ação

conjunta entre as instituições prestadores de serviços e políticas sociais setoriais.

Diante dos dados apresentados nesta pesquisa, foiverificado que a concepção que

vigora no atendimento ao usuário de drogas em Manhuaçu-MG é o coercitivo. “O dependente

químico aqui sofre discriminação até dos trabalhadores da área” (CAPS, 2015). Diante deste

fato, procurou-se identificar o que leva os profissionais que atuam com usuários de drogas de

forma fragmentada e isolada a terem esta visão antiquaria.

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Levando em consideração a mudança de paradigma provocada pela Lei 11.343/2006

ao substituir a mentalidade “usuário de drogas caso de polícia”, para “usuário de drogas

problema político” e instituir o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas –Sisnad

cuja finalidade é prevenir, tratar e reinserir socialmente o dependente químico, questionou-se

aos representantes das entidades se conhecem a Lei de Drogas.

Figura VI- Conhecimento acerca da Lei de Drogas:11343/2006.

Fonte: Dados do autor

Os resultados surpreenderam 40% dos que responderam que conhecem representam as

entidades voltadas para a Defesa e o Controle: Ministério Público Federal, Polícia Militar e

Civil, Judiciário. Trata-se de entidades que utilizam a lei como instrumento técnico de

trabalho. Já os 60% que responderam que desconhecem as diretrizes da Lei, escandalizaram a

pesquisadora porque trata-se dos órgãos de Proteção e Controle: CREAS, CAPS, Comunidade

Terapêutica, Apac,Presídio e Comad. Entende-se que aqueles que trabalham para a garantia

de direitos precisam demostrar domínio teórico, técnico e operacional, pois cotidianamente os

direitos socialmente conquistados encontram-se sob ameaça.

No entanto, no decorrer da entrevista o que se percebeu é que estes profissionais

demostram limitação teórica e legal, seus argumentos embora sejam legítimos não são

embasados se demostrando frágil e de fácil superação.

Compreende-se que o atendimento aos usuários de drogas em Manhuaçu se encontra

desarticulado e isolado cada entidade realizando o que lhe compete, as vezes até com

duplicidade de ação.

40%

60%

CONHECE A LEI 11.343/2006

Conhece

Não conhece

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Preocupa-se o fato de que se os operacionalizadores do direito dos usuário de drogas,

como minorias sociais, não conhecem a Lei 11343/2006 que em tese, ainda que de forma

precária, distingue o usuário do traficante, delega aos órgão ligados à justiça e segurança

pública o destino destes usuários. Para se trabalhar com usuários de drogas não basta ser a

favor do respeito a integridade humana é necessário entender as leis que estão em vigência no

país para tentar enquadrá-los em sistemas amplos de Proteção Social, afim de romper com a

trajetória de exclusão social vivenciado por este público.

No contexto atual, no entanto, apesar do discurso dos direitos terem se ampliado,

servindo como bandeira de luta contra as omissões e violações do Estado, verifica-se

que também serve como uma via de consenso. Desta forma, embora pareça que

politicamente, o argumento em prol dos direitos humanos tenha vencido, ele pode

ser adotado pela Esquerda ou pela Direita, pelo Norte ou Sul, Estado ou púlpito,

ministro ou rebelde – característica que o torna a única ideologia após o fim das

ideologias – esse deslumbre representa justamente seu ponto fraco (DOUZINAS,

2009, p. 16).

Assim, após explicar aos que não sabiam o significado da Lei 11.343/2006 perguntou-

se, aosentrevistados se ela representa avanço ou retrocesso:

Figura: VII- Lei de Drogas no Brasil

Conforme se verifica na figura 60% dos entrevistados acreditam que esta lei por prevê

penas que preveem uma ressocialização do usuário de drogas acreditam que ela é um

retrocesso. Somente 10 % entenderam como avanço, e novamente 30% permaneceu omisso.

Daí podemos nos questionar: Como se explica tanta contradição nos dados? De uma questão a

outra o representante institucional muda de opinião? O que ficou constatado é todos

independente de qual bandeira institucional pertencem entendem o usuário de drogas como

alguém que cometeu algo errado, isso parece consenso, os representantes concordam com a

proibição das drogas no Brasil, o que eles debatem é a melhor pena a ser aplicada: prisão?

10%

30%

60%

A LEI 11.343/2006 AO CONSIDERAR O USUÁRIO DE DROGAS UM DEPENDENTE QUIMICO REPRESENTA UM AVANÇO OU

RETROCESSO?

Avanço

Retrocesso

Não responderam

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Internação? Caps.? Enfim, fica comprovado mais uma vez o predomínio da coerção sobre a

proteção.

As entidades ditas de proteção, mas que não demonstram domínio teórico e legal,

parecem se dividir entre o papel que exercem como defensores dos usuários em seus

ambientes de trabalho, e o momento em que estão apenas representando a si mesmos , ou seja,

o usuário enquanto demanda institucional é um sujeito de direitos; mas quando ele esta

ocupando as ruas durante a madrugada para usar sua substancia ilícita é necessário um medida

enérgica.

3.Conclusão

Ao chegar ao término do presente estudo, conclui-se que, diante dos dados

apresentados nesta pesquisa, fica constatado que a percepção que vigora no atendimento ao

usuário de drogas em Manhuaçu-MG é o coercitivo. O tema estudado é extremamente

complexo, tendo em vista que há várias divergências doutrinarias no que tange a

descriminalização ou não do usuário de drogas e suas penas, que atualmente não são mais

privativas de liberdade.

O resultado encontrado revela que embora em Manhuaçu exista instituições ligadas à

Proteção, Defesa e Controle Social, não existe formalizada um política municipal sobre

drogas, por isso, as iniciativas ocorrem de forma fragmentadas. Independente da natureza

institucional, o que predomina é uma visão punitiva. Neste sentido, os órgãos ligados à Defesa

têm um posicionamento mais claro em relação ao viés coercitivo de suas práticas, enquanto

aqueles ligados a Proteção e Controle não possuem clareza, nem embasamento teóricos para

fundamentar suas ações, ancorados no discurso falacioso dos direitos humanos defendem o

tratamento como sanção jurídica. Diante destas descobertas conclui-se que, não bastam as

modificações no ordenamento jurídico para que haja uma mudança de paradigma no que se

refere às drogas, é necessária acima de tudo, a incorporação destes princípios por todos

aqueles que atuam nesta ceara.

Dessa forma, aplicando esse entendimento no caso em análise, restará mais fácil a

aplicação de tratamento aos usuários de drogas, não havendo penas, nem mesmo alternativas e

sim um tratamento para quem consome drogas, o que acarretará maiores chances de

ressocialização, tendo como objetivo diminuir o número de pessoas envolvidas com o

consumo destas substâncias ilícitas.

4. REFERÊNCIAS

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