o trabalho como princÍpio educativo: a atualidade da

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revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014 Outros Temas em Educação - 05 p. 255- 274 O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO: a atualidade da educação politécnica Marco Antônio de Oliveira Gomes 104 Antônio Carlos Maciel 105 Rosângela de Fátima Cavalcante França 106 Gedeli Ferrazzo 107 RESUMO Este artigo discute o trabalho como princípio educativo e a atualidade da educação poli- técnica perante o projeto hegemônico neoliberal e pós-moderno. Neste cenário, a ofensiva do capital na busca frenética pela redução de custos e o aumento da competitividade em- presarial têm significado, para os trabalhadores, precarização do trabalho e das relações de emprego. No âmbito da educação, as propostas vinculadas ao discurso pós-moderno, irmão siamês das proposições neoliberais, deve ser entendido no quadro de luta intensa do capital por sua perpetuação, esvaziando a função social da educação e reforçando a mercantiliza- ção do processo escolar. Dessa forma, a classe dominante providencia para que os traba- lhadores tenham acesso apenas ao conhecimento necessário que o possibilitem produzir, mas não desvendar o mundo em que vive. Diante desta constatação, o presente artigo tem como objetivo apontar as principais características da educação politécnica e discutir sua atualidade diante do projeto hegemônico neoliberal e pós-moderno. Por fim, reiteramos a necessidade urgente de novas estratégias de luta, na qual persistem os desafios de mudan- ças estruturais na sociedade, tendo como intento superar a lacuna histórica produzida entre trabalho manual e trabalho intelectual, com vistas à criação de uma sociedade emancipada, onde será possível a existência de uma educação integral, segundo a concepção marxiana. 104 Dr. em Educação. Professor do PPGE da Universidade Federal de Rondônia. E-mail: [email protected] 105 Dr. em Educação. Professor do PPGE da Universidade Federal de Rondônia. E-mail: [email protected] 106 Drª. em Educação. Professora do PPGE da Universidade Federal de Rondônia. E-mail: [email protected] 107 PPGE/ Universidade Federal de Rondônia. E-mail: [email protected].

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revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014

Outros Temas em Educação - 05 p. 255- 274

O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO: a atualidade da educação politécnica

Marco Antônio de Oliveira Gomes104

Antônio Carlos Maciel105

Rosângela de Fátima Cavalcante França106

Gedeli Ferrazzo107

RESUMO

Este artigo discute o trabalho como princípio educativo e a atualidade da educação poli-

técnica perante o projeto hegemônico neoliberal e pós-moderno. Neste cenário, a ofensiva

do capital na busca frenética pela redução de custos e o aumento da competitividade em-

presarial têm significado, para os trabalhadores, precarização do trabalho e das relações de

emprego. No âmbito da educação, as propostas vinculadas ao discurso pós-moderno, irmão

siamês das proposições neoliberais, deve ser entendido no quadro de luta intensa do capital

por sua perpetuação, esvaziando a função social da educação e reforçando a mercantiliza-

ção do processo escolar. Dessa forma, a classe dominante providencia para que os traba-

lhadores tenham acesso apenas ao conhecimento necessário que o possibilitem produzir,

mas não desvendar o mundo em que vive. Diante desta constatação, o presente artigo tem

como objetivo apontar as principais características da educação politécnica e discutir sua

atualidade diante do projeto hegemônico neoliberal e pós-moderno. Por fim, reiteramos a

necessidade urgente de novas estratégias de luta, na qual persistem os desafios de mudan-

ças estruturais na sociedade, tendo como intento superar a lacuna histórica produzida entre

trabalho manual e trabalho intelectual, com vistas à criação de uma sociedade emancipada,

onde será possível a existência de uma educação integral, segundo a concepção marxiana.

104 Dr. em Educação. Professor do PPGE da Universidade Federal de Rondônia. E-mail: [email protected] 105 Dr. em Educação. Professor do PPGE da Universidade Federal de Rondônia. E-mail: [email protected] 106 Drª. em Educação. Professora do PPGE da Universidade Federal de Rondônia. E-mail: [email protected] 107 PPGE/ Universidade Federal de Rondônia. E-mail: [email protected].

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256 Marco Antônio de Oliveira Gomes,Antônio Carlos Maciel, Rosângela de Fátima Cavalcante França, Gedeli Ferrazzo

revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014

Palavras-chave: Trabalho como princípio educativo. Educação politécnica. Projeto hege-

mônico neoliberal e pós-moderno.

THE WORK AS AN EDUCATIONAL PRINCIPLE: the

present education polytechnic

ABSTRACT

This article discusses the work as an educational principle and actuality of polytechnic edu-

cation to the neoliberal hegemonic project and post-modern. In this scenario, the offensive

of capital in the frantic search for reducing costs and increasing business competitiveness,

meaning workers have precarious work and employment relations. In education proposals

linked to the postmodern discourse, Siamese twin of neoliberal propositions must be un-

derstood in the context of intense struggle of capital for its perpetuation, emptying the so-

cial function of education and reinforcing the commodification of school process. Thus, the

ruling class provides for workers to have access to only the necessary knowledge to enable

the produce, but not solve the world lives. Given this finding, the present article aims to

point out the main characteristics of polytechnic education and discuss its relevance in the

face of neoliberal hegemonic project and post-modern. Finally, we reiterate the urgent need

for new strategies of struggle, where there are still challenges to structural changes in socie-

ty, with the intent to overcome the historical gap produced between manual and intellectual

labor, with a view to creating an emancipated society, which will possible existence of an

integral education, according to the Marxist conception.

Keywords: Work as an educational principle. Polytechnic education. Project hegemonic

neoliberal and postmodern.

INTRODUÇÃO

Decorridos os primeiros anos do novo

milênio, não é difícil perceber que nos en-

contramos diante da hegemonia das políti-

cas neoliberais no âmbito das políticas pú-

blicas. Nas relações entre capital e trabalho,

fundamentalmente a partir de 1990, o cená-

rio foi marcado por mudanças significativas

tanto nas condições de contratação e de re-

muneração dos assalariados como também

nas condições de subordinação à hierarquia

nas fábricas e no funcionalismo.

Neste início de milênio, a ideologia

de progresso, da “modernização” das rela-

ções de trabalho e da expansão (do mer-

cado e da produção) convêm, mais do que

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O Trabalho Como Princípio Educativo: A Atualidade da Educação Politécnica 257

nunca, para legitimar o sistema de domi-

nação do capital sobre o trabalho, da acu-

mulação interminável de lucros que atende

aos interesses da burguesia. Trata-se de um

processo de reestruturação produtiva e da

flexibilização do trabalhado decorrentes da

intensificação do processo de internaciona-

lização econômica e das mudanças marca-

das pela microeletrônica e seus desdobra-

mentos em termos de informatização, auto-

matização, robotização do sistema produti-

vo; mudanças no campo da microbiologia,

e suas aplicações no campo da engenharia

genética, biotecnologia etc.

As transformações ocorridas no âm-

bito da produção reduzem o número de

trabalhadores necessários à produção ma-

terial, gerando uma massa de excluídos e

condições objetivas de exploração maiores

do que as que estão nos postos de trabalho

sob real ameaça de desemprego.

Em outras palavras, ao mesmo tempo em

que o processo produtivo exige a elevação

do nível intelectual dos trabalhadores para

que estes possam acompanhar as mudanças

tecnológicas, essa elevação do nível intelec-

tual precisa, sob a ótica das classes dominan-

tes, ser limitada aos aspectos mais imediata-

mente atrelados ao processo de reprodução

da força de trabalho, evitando-se a todo cus-

to que o domínio do conhecimento venha a

tornar-se um instrumento de luta por uma

radical transformação das relações sociais de

produção. (DUARTE, 2001, p.8).

Nesse sentido, as relações entre o ca-

pital e o trabalho foram modificadas em fa-

vor do primeiro, o que tem caracterizado um

crescente processo de precarização das con-

dições laborais. Em outras palavras, a lógica

do processo capitalista dirige-se com o claro

objetivo de garantir a conversão da força de

trabalho em trabalho real sob condições que

maximizassem sua acumulação.

São as melhores máquinas e os melhores

procedimentos técnicos que garantem aos

capitalistas a ‘conversão, sempre renovada,

de uma parte da classe operária em parce-

la elevada de braços parcialmente ocupados

ou totalmente desocupados’. O exército in-

dustrial de reserva obtém-se, com a ajuda

de um processo bem simples, da aplicação

de métodos que, deixando o trabalho mais

produtivo, diminuem sua demanda. O que

chamamos hoje de novas tecnologias repre-

sentam, a partir desse ponto de vista, um

progresso muito importante para o capital.

As tecnologias da informação e da comunica-

ção (o computador, o satélite, etc.) permitem

às empresas reduzir a demanda por trabalho

(o montante da força de trabalho que elas

devem comprar no ‘mercado de trabalho’)

e também transferi-la para países em que o

custo da força de trabalho é com produtivi-

dade mais ou menos igual, objetivamente

mais barata. (CHENAIS, 2008, p.31).

Importante ressaltar que as relações

produzidas pelo capital não são eternas,

mas foram construídas historicamente. Do

mesmo modo, as formas de resistência dos

trabalhadores aos avanços predatórios do

capital produziram uma série de experi-

ências que podem servir-nos como lição,

de modo a contribuir para a definição de

estratégias de luta diante da ofensiva dos

interesses burgueses.

Do ponto de vista do materialismo

dialético, as contradições que atravessam

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258 Marco Antônio de Oliveira Gomes,Antônio Carlos Maciel, Rosângela de Fátima Cavalcante França, Gedeli Ferrazzo

a sociedade afirmam e negam simultane-

amente a dominação de classe. Em outras

palavras, justamente por não haver domi-

nação absoluta, abre-se o caminho para a

gestação de um projeto vinculado organi-

camente aos interesses dos trabalhadores.

Diante desta constatação, o presente artigo

tem como objetivo apontar as principais

características da educação politécnica e

discutir sua atualidade diante do projeto

hegemônico neoliberal e pós-moderno.

Trata-se de uma tarefa árdua, porém

necessária. Não é fácil para aqueles que

“vivem do trabalho”, que precisam garan-

tir sua sobrevivência, sejam empregados,

subempregados ou desempregados, com-

preender a ideia do princípio educativo

do trabalho. Sendo pelo trabalho que a

produção da própria condição humana se

dá, na sociedade capitalista este processo

passa a ser uma atividade que esvazia o

ser do homem, imprimindo- lhe formas e

conteúdos distorcidos; nesse processo, o

trabalho se reduz unicamente à atividade

de produzir a mais valia. Assim, os con-

dicionantes sociais, produzidos pelo capi-

tal, impõem o trabalho como estranho ao

sujeito, em uma atividade humana aliena-

da que permeia todas as esferas da vida

em sociedade. Neste processo da divisão

social do trabalho, se enfatiza um sujeito

singular que não compreende sua totali-

dade social, desconhecendo sua condição

humana como produto social construído

histórica e socialmente.

Diante da brutal exploração a que

milhares de trabalhadores são submetidos

diariamente, como pode haver positivida-

de no ato produtivo que lhe suga todas as

energias, oferecendo migalhas em troca?

A respeito dessa questão, as palavras de

Marx, nos Manuscritos econômico-filo-

sóficos, continuam válidas, pois a essência

predatória do capital continua intacta:

[...] O trabalhador transformou-se numa

mercadoria e terá muita sorte se puder en-

contrar um comprador. E a procura, à qual

está sujeita a vida do trabalhador, é deter-

minada pelo capricho dos ricos e dos capi-

talistas. [...] O trabalhador não tem apenas

de lutar pelos meios físicos de subsistência;

deve ainda lutar por alcançar trabalho, isto é,

pela possibilidade e pelos meios de realizar a

sua atividade. (MARX, 2006, p.66-67).

Seria anacrônico entender que o pro-

letariado encontrado por Marx no Século

XIX é o mesmo de hoje. No entanto, a es-

sência predatória do capitalismo, em que

pesem as suas mutações ao longo do século

XX, continua a mesma. O atual estágio de

desenvolvimento das relações capitalistas

não eliminou ou reduziu as contradições

ou tensões que perpassam seu interior, mas

tornou-as mais complexas e profundas.

Marx percebia muito bem a natureza

contraditória do progresso capitalista e não

ignorava de forma alguma seu lado sinis-

tro que sacrificava homens e mulheres em

nome do lucro. Não é preciso ir muito lon-

ge para verificarmos que, nos últimos anos,

milhões de trabalhadores foram demitidos

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em função das transformações ocorridas no

âmbito da produção, bem como das refor-

mas neoliberais.

No contexto brasileiro, essa situação

dramática adquire algumas especificidades

que reforçam a condição de exploração do

capital sobre o trabalho. Em primeiro lu-

gar, destacamos que o Brasil, com exceção

de Cuba, até então uma colônia espanho-

la, foi o último país livre das Américas a

abolir a escravidão. Os trezentos anos de

trabalho escravo deixaram cicatrizes em

nossa constituição histórica. E, pior, parece

que cada vez mais se tenta retomá-la, mas

sob novas roupagens. Sobre esse aspecto,

não faltam notícias veiculadas na grande

imprensa denunciando a existência do tra-

balho escravo, ou mesmo de trabalhadores

vivendo em condições de penúria.

A busca frenética pela redução de

custos e o aumento da competitividade em-

presarial, no geral, têm significado para os

trabalhadores precarização do trabalho e

das relações de emprego. vejamos a repor-

tagem de Carvalho publicada na Folha de

São Paulo1:

A Justiça Federal em Pernambuco conde-

nou a sete anos e onze meses de prisão dois

empresários que submetiam os em-

pregados de seus engenhos em Moreno

(28,4 km de Recife) a condições análogas às

de escravidão. [...] Eles foram denun- ciados

pelo Ministério Público Federal em 2010. O

Ministério do Trabalho identificou que 101

trabalhadores dos engenhos Con- tra-

Açude, Furnas, Una e Capim Canela eram

expostos a condições degradantes de

trabalho.

Poder-se-ia argumentar que se trata de

um caso isolado, mas os fatos demonstram

o contrário. Com efeito, no atual estágio

de desenvolvimento das relações entre ca-

pital e trabalho, muitos trabalhadores, para

livrarem-se da miséria e da fome, aceitam

trabalhar em condições subumanas, por sa-

lários baixos ou recebendo apenas a comida

e “moradia”. Muitos são humilhados, traba-

lham com uma carga que excede em muito

às oito horas diárias, o salário mínimo não é

respeitado e sequer possuem carteira assina-

da. Dito de outra forma, quando o capitalista

compra a força de trabalho, objetiva atender

sua necessidade fundamental, qual seja: ex-

trair mais-valia e aumentar incansavelmente

o acúmulo de capital.

Dessa forma, os trabalhadores, ao

se depararem com o temor de serem ex-

cluídos de forma definitiva pelo mercado,

pensam em alcançar o mais rápido possí-

vel um emprego, para não serem incluídos

nas estatísticas do desemprego. O desem-

prego provoca o abatimento da capacidade

de luta daqueles que “vivem do trabalho”.

A luta deixa de ser por formas de supera-

ção do atual modelo para contentar-se em

manter-se trabalhando. Diante da primei-

ra oportunidade de trabalho, os segmen-

tos mais afetados da “classe que vive do

trabalho” agarram com “unhas e dentes”

a primeira oportunidade de manterem-se

vivos, como se essa fosse a única chance,

sem questionar seus direitos anulados pe-

las condições ofertadas.

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260 Marco Antônio de Oliveira Gomes,Antônio Carlos Maciel, Rosângela de Fátima Cavalcante França, Gedeli Ferrazzo

Escapa aos limites desse artigo a enu-

meração dos casos de exploração presen-

tes na sociedade contemporânea, mas não

deixa de ser irônico o fato de a notícia de

trabalho escravo ser publicada no Caderno

de Negócios do jornal Estado de São Pau-

lo, em 06 de março de 20122.

Representantes do Ministério Público do Tra-

balho (MPT) e auditores fiscais do Ministério

do Trabalho encontraram hoje um grupo de

oito bolivianos em condições degradantes

na fábrica Biodiesel Brasil, em Pradópolis,

interior de São Paulo. Eles trabalhavam no

processo de decantação do óleo de cozinha

que a fábrica utiliza na produção do combus-

tível e apontaram, como o responsável pela

empresa, Miguel Joaquim Dabdoub, um dos

pioneiros da produção de biodiesel em esca-

la industrial no Brasil e professor da Universi-

dade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto,

interior paulista.

Dabdoub admitiu ter iniciado o projeto da

unidade e ter trazido os bolivianos para

trabalhar na construção e no começo da

operação da fábrica. Mas, segundo ele,

a unidade foi vendida para uma empresa

chamada Energea, há seis meses. ‘Eu te-

nho documentos que comprovam o negó-

cio e não posso mais responder por eles

(bolivianos)’, disse. A Agência Estado não

conseguiu localizar os representantes da

Energea.

Os bolivianos relataram que não recebem

salário há dois meses, que não receberam

décimo-terceiro salário de 2011 e ainda que

a companhia não depositaria o FGTS e não

concederia férias aos funcionários. Além dis-

so, dois bolivianos teriam relatado a reten-

ção de documentos, o que impossibilitaria o

retorno deles ao País de origem.

Segundo a procuradora do MPT de Ribei-

rão Preto Regina Duarte, os bolivianos dis-

seram ainda que trabalham das 7h às 22h,

de segunda-feira a sábado, e das 7h às 12h

aos domingos. ‘O pior foi o alojamento dos

funcionários, um galpão improvisado, com

ratos, sem comida e com um dos funcio-

nários dormindo ao relento’, disse Regina.

O alojamento foi fechado e os bolivianos,

com ajuda da prefeitura de Pradópolis, en-

caminhados a um hotel na vizinha Jaboti-

cabal (SP).

Essa breve citação é evocada aqui

tão somente para ressaltar um caso que

ilustra bem como o capital dispõe de

meios para comprar a força de trabalho

em condições favoráveis em diferentes

circunstâncias. O propósito do capital é

criar ou recriar condições efetivas nas

quais toda “oferta de emprego” seja acei-

ta, e que a submissão volte a ser total.

O capitalismo não produz somente a mi-

séria física do trabalhador, mas também

sua escravidão que, em alguns casos, não

se trata de retórica. A degradação provo-

cada pelas relações capitalistas materia-

liza-se no roubo do tempo necessário à

educação e desenvolvimento intelectual,

bem como na própria miséria de milhões

de seres humanos.

Nesse sentido, paradoxalmente, a

mesma sociedade – que tanto prega a in-

dividualidade e a liberdade –, padroniza e

esvazia os indivíduos de forma brutal. Da

mesma forma que instrumentos extrema-

mente eficientes, do ponto de vista técnico,

para a produção e a difusão do conheci-

mento, produzem um brutal empobreci-

mento da cultura. E como se tudo isso não

bastasse, transforma-os em seres descartá-

veis prontos para se venderem a qualquer

preço no mercado.

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O Trabalho Como Princípio Educativo: A Atualidade da Educação Politécnica 261

Por isso, verifica-se com constância,

nas relações de trabalho, a contratação de

trabalhadores autônomos ou em tempo par-

cial, cooperativado ou mesmo estagiários,

que na prática significa única e exclusiva-

mente uma forma de redução de custos.

Nesse aspecto, cabe enfatizar que muitas

empresas, ao contratarem estagiários, o fa-

zem em nome da formação do trabalhador,

reduzindo a dimensão educativa do traba-

lho ao aprender fazendo.

Porém, o trabalho na formação social

do capitalismo, ao se instituir como traba-

lho alienado, reforça o sentido da adapta-

ção e impõe limites à discussão emancipa-

tória da educação. Dito de outra forma, o

produto do trabalho não pertence ao traba-

lhador, existe a ausência de controle sobre

a produção e sobre o próprio trabalho que,

controlado pela burguesia, expropria o sa-

ber dos trabalhadores.

Por fim, para alcançarmos os obje-

tivos acima elencados, faz-se necessário

realizarmos uma incursão sobre as princi-

pais contribuições de autores como Marx

(2007, 2006, 1998), além de autores iden-

tificados com as proposições marxianas,

tais como Gramsci (1982),Saviani (2003;

2007), Nosella (2008), entre outros.

MUDANÇAS NOS PROCESSOS DE TRA-

BALHO E SEUS DESDOBRAMENTOS NO

CAMPO EDUCACIONAL

A crise da sociedade capitalista ali-

cerçada no modelo fordista/taylorista de

acumulação, que eclodiu na década de

1970, conduziu à reestruturação dos pro-

cessos produtivos organizados a partir do

modelo toyotista. Segundo Saviani:

O modelo fordista/taylorista amparava-se na

instalação de grandes fábricas operando com

tecnologia pesada de base fixa, incorporando

os métodos tayloristas de racionalização do

trabalho; supunha a estabilidade no empre-

go e visava à produção em série de objetos

estandardizados, em larga escala, acumulan-

do grandes estoques dirigidos ao consumo

de massa. Diversamente, o modelo toyotista

apoia-se em tecnologia leve, de base micro-

eletrônica, flexível, e opera com trabalhado-

res polivalentes visando à produção de obje-

tos diversificados, em pequena escala, para

atender à demanda de nichos específicos do

mercado, incorporando métodos como just

in time que dispensam a formação de esto-

ques; requer trabalhadores que, em lugar da

estabilidade no emprego, disputem diaria-

mente cada posição conquistada, vestindo

a camisa da empresa e elevando constante-

mente sua produtividade. (2008, p. 429).

Como o capital necessita manter

sua hegemonia, utiliza-se de estratégias

para obtenção da adesão daqueles que vi-

vem da venda de sua força de trabalho.

Como a história já demonstrou, não basta

simplesmente lançar mão do aparato re-

pressivo como forma de dominação. Não

por acaso, a burguesia, por meio de seus

intelectuais orgânicos, busca por meio da

“direção moral e intelectual” difundir a

ideologia de que não existe outro caminho

para a humanidade a não ser a adaptação às

regras do mercado mundial. É óbvio que os

resultados das proposições burguesas para

superação da crise não passam de paliati-

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262 Marco Antônio de Oliveira Gomes,Antônio Carlos Maciel, Rosângela de Fátima Cavalcante França, Gedeli Ferrazzo

vos que não eliminam as tensões de uma

sociedade dividida em classes antagônicas,

que os intelectuais da ordem negam a todo

o momento.

Evidentemente, numa sociedade or-

ganizada pelos ditames das relações capi-

talistas de produção, em que tudo se trans-

forma em mercadoria, a educação escolar

envereda por formações utilitárias, curtas,

diretamente utilizáveis e rentáveis ao capi-

tal. Nesse sentido, os ideólogos da burgue-

sia defendem sempre a redução das despe-

sas com a educação, apontando o mercado

como agente regulador e “democrático”.

Em outras palavras, tanto a quantidade

como a qualidade da mão de obra forma-

da é determinada pelos interesses de curto

prazo do capital.

Nesse cenário, o discurso da emprega-

bilidade e flexibilidade das relações de tra-

balho ganhou espaço. Dentro da lógica ne-

oliberal, tais conceitos expressam o caráter

limitado da promessa integradora. Afinal, já

que não há espaço para todos no mercado,

cabe a cada indivíduo adquirir no próprio

mercado a sua formação. Dito de outra for-

ma, a posse do conhecimento para colocar-

se à disposição do mercado cabe a cada um

obter. No plano econômico, a integração de

indivíduos será facilitada, ainda segundo a

lógica dominante, se o Estado flexibilizar as

relações de trabalho, reduzindo os encargos

sociais e permitindo a “livre negociação”.

Colocando em foco o quadro educa-

cional, percebe-se que o discurso dominan-

te que reitera o fim das lutas sociais conti-

nua vivo, da mesma forma que a defesa de

estratégias que contribuem para o esvazia-

mento daquilo que é a função essencial da

escola: a transmissão-assimilação do saber

sistematizado.

O acesso ao conhecimento em nossa

sociedade ocorre de maneira desigual e se-

letiva, com a aparência, entretanto, sedutora

de respeito às diferenças culturais, pelo feti-

chismo da democratização do acesso ao co-

nhecimento pelos diferentes tipos de cursos

oferecidos pelo mercado da educação e pela

subordinação dos objetivos da educação es-

colar a uma lógica de constante esforço in-

dividual, para se adaptar às transformações

das condições de vida e de trabalho.

Isso posto, a nova promessa da escola

integradora modificou-se de tal forma que

se tornou, desta vez, muito mais excludente.

[...] Passou-se de uma lógica da integração

em função de necessidades e demandas

de caráter coletivo (a economia nacional,

a competitividade das empresas, a riqueza

social etc.) para uma lógica econômica es-

tritamente privada e guiada pela ênfase nas

capacidades e competências que cada pes-

soa deve adquirir no mercado educacional

para atingir uma melhor posição no mer-

cado de trabalho. Morta definitivamente

a promessa do pleno emprego, restará ao

indivíduo (e não ao Estado, às instâncias de

planejamento ou às empresas) definir suas

próprias ações, suas próprias escolhas que

permitam (ou não) conquistar uma posição

mais competitiva no mercado de trabalho.

A desintegração da promessa integradora

deixará lugar à difusão de uma nova pro-

messa, agora sim, de caráter estritamente

privado: a promessa da empregabilidade.

(GENTILI, 2004, p. 49).

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revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014

O Trabalho Como Princípio Educativo: A Atualidade da Educação Politécnica 263

Na linha das considerações acima in-

dicadas, cabe observar que o discurso pós-

moderno, irmão siamês das proposições ne-

oliberais, deve ser entendido no quadro de

luta intensa do capital por sua perpetuação.

Nesse cenário, foi proclamado o “fim da

história” ou o triunfo final do capitalismo,

bem como o fim de todas as “verdades”.

Isso posto, cabe-nos apresentar al-

guns elementos que estão presentes no dis-

curso pós- moderno:

4. Rejeição categórica do conheci-

mento “totalizante” e de valores

“universais” – incluindo as con-

cepções ocidentais de “racionali-

dade”, ideias gerais de igualdade

e a concepção marxista de eman-

cipação humana geral.

5. Exaltação das “diferenças”: iden-

tidades particulares, tais como

sexo, raça, etnia, sexualidade etc.;

6. Eliminação da categoria trabalho

como fundamento ontológico da

esfera do ser social;

7. Substituição da possibilidade do

conhecimento real pela cultura da

incerteza e indeterminação;

8. Afirmação de que os homens

são constituídos de linguagem,

e nada mais, ou no mínimo, que

a linguagem é tudo o que pode-

mos conhecer do mundo e que

não temos acesso a qualquer ou-

tra realidade.

Não vamos, nesse momento, apro-

fundar essa reflexão. Apenas registramos

que a questão do conhecimento objetivo é

uma questão ideológica, isto é, diz respei-

to ao caráter do conhecimento. vejamos os

apontamentos de Saviani:

[...] Com efeito, se existem interesses

que se opõem à objetividade do conheci-

mento, há interesses que não só opõem

como exigem essa objetividade. É neste

sentido que podemos afirmar que, na

atual etapa da história, os interesses

da burguesia tendem cada vez mais a se

opor à objetividade do conhecimento,

encontrando cada vez mais dificuldades

de justificar racionalmente, ao passo

que os interesses proletários exigem a

objetividade e tendem cada vez mais a

se expressar objetiva e racionalmente.

É fácil compreender isso uma vez que a

burguesia, beneficiária das condições de

exploração, não tem interesse algum em

desvendá-las, ao passo que o proletaria-

do que sofre com a exploração tem todo

o interesse em desvendar os mecanismos

dessa situação, que é objetiva. (2003, p.

57) (o grifo é nosso).

Dessa forma, a classe dominante

providencia para que os trabalhadores

tenham acesso apenas ao conhecimento

necessário que lhe possibilitem produ-

zir, mas não desvendar o mundo em que

vive. Se a escola, em função das condi-

ções materiais em que está organizada,

não permite o acesso ao conhecimento,

os trabalhadores ficam bloqueados e im-

pedidos de ascenderem ao plano da ela-

boração do saber. Em outras palavras, o

conhecimento continua a ser propriedade

a serviço do capital.

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revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014

264 Marco Antônio de Oliveira Gomes,Antônio Carlos Maciel, Rosângela de Fátima Cavalcante França, Gedeli Ferrazzo

CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO

COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO

O primeiro pressuposto de toda a

história humana é, naturalmente, a exis-

tência de indivíduos vivos. O primeiro fato

a constatar é, pois, a organização corporal

desses indivíduos e, por meio dela, a sua

relação dada com o restante da natureza.

Naturalmente não podemos abordar, aqui,

nem a constituição física dos homens nem

as condições naturais, geológicas, oro-hi-

drográficas, climáticas e outras condições

já encontradas pelos homens. Toda histo-

riografia deve partir desses fundamentos

naturais e de sua modificação, pela ação

dos homens no tempo, no decorrer da his-

tória.

Pode-se distinguir o homem dos animais

pela consciência, pela religião ou pelo que

se queira. Mas eles mesmos começam a se

distinguir dos animais tão logo começam

a produzir seus meios de vida, passo que é

condicionado por sua organização corporal.

Ao produzir seus meios de vida, os homens

produzem indiretamente sua própria vida

material (MARX; ENGELS, 2007, p. 87).

Como bem sabemos, não é possível

separar a educação da existência humana.

Para Marx, o trabalho possui uma dimen-

são ontológica, de criação do próprio ho-

mem, considerando que o trabalho é um

processo histórico, por meio do qual trans-

forma a natureza e a si mesmo na relação

que estabelece com seus semelhantes, por

meio de uma atividade que tem uma fina-

lidade definida e intencional. Ao retirar da

natureza os meios necessários à sua subsis-

tência de maneira intencional por meio do

trabalho, o homem transforma-a, criando o

mundo humano.

A produção de ideias, de representações, da

consciência, está, em princípio, imediata-

mente entrelaçada com a atividade material

e com o intercâmbio material dos homens,

com a linguagem da vida real. [...] Os homens

são os produtores de suas representações,

de suas ideias e assim por diante, mas os ho-

mens reais, ativos, tal como são condiciona-

dos por um determinado desenvolvimento

de suas forças produtivas e pelo intercâmbio

que a ele corresponde, até chegar às suas

formações mais desenvolvidas. (MARX; EN-

GELS, 2007, p.87).

Trata-se de compreender que, dife-

rente do animal que permanece mergulhado

na natureza, não projetando a sua existên-

cia, a capacidade de trabalho do homem o

transforma em um ser histórico. Isso porque

cada geração recebe condições de vida e as

transmitem a gerações futuras, sempre mo-

dificadas – para pior ou para melhor. O tra-

balho é a atividade humana por excelência,

pela qual o homem intervém na natureza e

em si mesmo. Portanto, não existe uma “na-

tureza humana” fixa e imutável. O mundo

resultante da ação humana é um mundo que

não podemos chamar de natural, pois se en-

contra transformado pela ação consciente

do trabalho, pela cultura e pela linguagem,

pela sua própria existência.

Dessa forma, a educação se confun-

de com as origens do próprio homem, pois

a sua existência pressupõe a produção dos

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revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014

O Trabalho Como Princípio Educativo: A Atualidade da Educação Politécnica 265

meios necessários para sua sobrevivência.

Segundo Saviani, ao contrário dos animais,

que se adaptam à realidade natural tendo

a sua existência garantida naturalmente, o

homem precisa adaptar a natureza às suas

necessidades e, com isso, produzir conti-

nuamente sua própria existência. Por isso

podemos afirmar que o trabalho define a

essência humana. (2003, p.12).

Isso posto, fica claro que o próprio

processo de produção do conhecimento

deriva da atividade humana fundante do

ser social. vale enfatizar que, para Marx,

o trabalho não possuía centralidade apenas

no aspecto ontológico. Na sua forma con-

creta, na sociedade capitalista, ele também

possui uma centralidade política no sentido

que cabe ao proletariado, a classe destituí-

da da posse dos meios de produção, a tare-

fa de liderar a revolução que emancipará o

trabalho do julgo do capital.

Dentre todas as classes que hoje se opõem

à burguesia, somente o proletariado é uma

classe realmente revolucionária. As outras

classes se vão arruinando e perecem com o

desenvolvimento da grande indústria; o pro-

letariado, ao contrário, é o seu produto mais

autêntico. (MARX; ENGELS, 1998, p.17).

Desse modo, a tarefa histórica da

classe operária implica tarefas políticas,

isto é, a organização dos trabalhadores

como classe com vistas ao enfrentamento

contra o poder do Estado burguês, com o

objetivo de destruí-lo. Em outras pala-

vras, trata-se de um projeto revolucionário

que tenha como finalidade não somente a

emancipação política, mas a emancipação

do homem.

Aqui aparece de maneira muito cla-

ra a função que a sociedade civil ocupa na

construção da hegemonia: é o espaço, para

além do Estado, onde se confrontam os di-

ferentes projetos de sociedade, incluindo a

educação, até prevalecer um que estabeleça

a direção geral da economia, na política e

na cultura. Dito de outra forma, enquanto o

Estado (sociedade política), que representa

em última instância a burguesia, exerce o

domínio do capital, ou mais precisamente,

uma democracia nos moldes do liberalis-

mo burguês, é no âmbito da sociedade civil

que as classes fundamentais buscam exer-

cer sua hegemonia, ganhar aliados para

suas posições mediante direção política e

consenso.

Nesse sentido, Gramsci não

considera a sociedade civil apenas como

espaço das iniciativas do mercado, mas

também a manifestação das forças

ideológicas. Historicamente, não faltam

exemplos que demonstram com clareza que

em todos os momentos em que a

hegemonia burguesa esteve ameaçada,

presenciamos o rompimento das regras do

jogo da democracia liberal.

No entanto, é evidente que o proces-

so de formação de uma nova cultura não

se fará do nada, mas sim a partir da ação

consciente e planejada de apropriação ne-

cessária do patrimônio cultural da humani-

dade. Dessa forma, é importante ressaltar

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revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014

266 Marco Antônio de Oliveira Gomes,Antônio Carlos Maciel, Rosângela de Fátima Cavalcante França, Gedeli Ferrazzo

que não se trata de um processo apenas no

plano da consciência, mas de fundamentar

em ações concretas com vistas à transfor-

mação da realidade.

Qualquer movimento político, de fato, que

pretenda construir uma hegemonia na socie-

dade, precisa não apenas criticar e se separar

do projeto global vigente, mas deve principal-

mente apresentar propostas superiores e mais

abrangentes de sociedade. Sua ação política

concreta, juntamente com o trabalho de des-

construção das bases hegemônicas do grupo

no poder, deve vir acompanhada pela apresen-

tação duma reinterpretação mais convincente

da realidade. (SEMERARO, 1999, p.82).

Nasce aqui a função educativa de

elevação moral e intelectual dos trabalha-

dores. Portanto, é no interior da sociedade

civil, como aponta Semeraro, no sentido

gramsciano, que aqueles que vivem da ven-

da de sua força de trabalho são chamados

a desenvolver suas convicções e a lutar por

um novo projeto hegemônico enraizado na

gestão democrática e popular do poder.

Diante dessas circunstâncias, encon-

tra-se a necessidade de procurarmos apro-

fundar a discussão do trabalho como princí-

pio educativo, que busca na transformação

radical da sociedade sua última finalidade.

Mas, qual o significado da educação para

Marx e Engels? Ora, sabemos que Marx e

Engels em nenhum momento escreveram

especificamente sobre o tema da educação.

Suas referências sobre o tema aparecem ao

longo de sua produção. No entanto, se não

constituem um sistema educacional, apre-

sentam indicativos concretos por onde o

sistema pode começar a construir-se. Nessa

perspectiva, um dos pontos fundamentais

é, justamente, a negativa de reconhecer a

educação como um fato restrito ao mundo

escolar e compreender a atividade escolar

como um fenômeno autossuficiente e inde-

pendente das relações materiais.

Nesse sentido, evocamos uma pas-

sagem do Manifesto, que apresenta uma

proposta no âmbito da educação articula-

da com a perspectiva de classe: “Educação

pública gratuita para todas as crianças.

Abolição do trabalho infantil nas fábricas

na sua forma atual. Combinação da educa-

ção com a produção material etc.” (1998,

p.31). Como se vê, a inserção de Marx e

Engels na luta dos trabalhadores não foi

alheia à questão da educação. Com efeito,

a proposição presente no texto aponta para

o estabelecimento de bases de um sistema

novo que permita unificar o trabalho ma-

nual ao intelectual.

Trata-se um movimento em direção a

uma educação escolar que efetive a sociali-

zação do conhecimento. Vejamos o enten-

dimento de Marx sobre a educação (2004,

p.68):

Por educação entendemos três coi-

sas:

2. Educação intelectual.

3. Educação corporal, tal como a

que se consegue com os exercí-

cios de ginástica e militares.

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O Trabalho Como Princípio Educativo: A Atualidade da Educação Politécnica 267

4. Educação tecnológica, que reco-

lhe os princípios gerais e de cará-

ter científico de todo o processo

de produção e, ao mesmo tempo,

inicia as crianças e os adoles-

centes no manejo de ferramentas

elementares dos diversos ramos

industriais.

Depreende-se, a partir das proposi-

ções de Marx, a combinação da educação

(incluindo-se aí a educação intelectual, cor-

poral e tecnológica) com a produção ma-

terial, com o objetivo de superar a lacuna

histórica produzida entre trabalho manual e

trabalho intelectual e, dessa forma, possibi-

litar a todos uma compreensão integral do

processo produtivo. Assim sendo, o papel

da educação escolar na luta pela superação

da sociedade capitalista define-se pela ne-

cessidade do conhecimento na luta contra

o capital e na busca da formação plena do

ser humano, tal qual aponta Duarte (2012,

p.155):

[...] A transmissão do conhecimento cien-

tífico, artístico e filosófico pela escola é

de grande importância quando se tem a

perspectiva da formação dos indivíduos

na direção caracterizada por Marx, ou

seja, na constituição da individualidade

livre e universal. [...] Ora, a escola pre-

cisa ir além do cotidiano das pessoas e

a forma de ela fazer isso é por meio da

transmissão das formas mais desenvolvi-

das e ricas do conhecimento até aqui pro-

duzido pela humanidade. Não interessa,

porém, à classe dominante que esse co-

nhecimento seja adquirido pelos filhos da

classe trabalhadora.

Isso implica que um processo educa-

tivo emancipatório será aquele que possi-

bilite aos alunos compreenderem, partindo

da leitura crítica das relações materiais de

produção de sua existência, a dimensão on-

tocriativa do trabalho.

PROPOSIÇÕES: O TRABALHO COMO

PRINCÍPIO EDUCATIVO NA INTEGRAÇÃO

DA EDUCAÇÃO BÁSICA E PROFISSIONAL

Parece-nos consenso entre os estu-

diosos de Gramsci que o pensador

sardenho aponta com destaque para o papel

da cultura. No entanto, para refletirmos

sobre educação e cultura, torna-se

necessário compreender a vinculação entre

Sociedade Civil e escola. Como afirmamos

anteriormente, Sociedade Civil é o espaço

de luta pela hegemonia, de condução de

uma determinada classe. É certo que muitos

marxistas enxergavam o Estado como um

comitê de negócios da burguesia. No

entanto, o momento vivenciado por gramsci

não permitia esse tipo de avaliação. Ainda

que o Estado continuasse como uma

instância institucional dos interesses do

capital, já não era mais possível continuar o

processo de dominação utilizando-se apenas

de mecanismos de repressão.

Recordemos brevemente que muitos

marxistas enxergavam o Estado unicamen-

te como Estado-coerção, ou seja, como Es-

tado em sentido estrito, fadado a atender

exclusivamente aos interesses da burgue-

sia. Gramsci amplia essa perspectiva para

a noção de Estado ampliado, que deve ser

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revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014

268 Marco Antônio de Oliveira Gomes,Antônio Carlos Maciel, Rosângela de Fátima Cavalcante França, Gedeli Ferrazzo

compreendido como arena de lutas pela

conquista da hegemonia. Esse contexto se

expressa, ao mesmo tempo, nas esferas do

Estado (nos poderes executivo, legislativo

e judiciário), como também orienta e po-

tencializa as lutas sociais concretamente

existentes fora da esfera estatal (movimen-

tos sociais, partidos, sindicatos etc). Aqui,

vale a pena reforçar os apontamentos de

Coutinho, segundo o qual o Estado “res-

trito”, característico da primeira metade do

século XIX, tornou-se “ampliado”, “com-

plexo”, no qual se verifica a crescente par-

ticipação das massas, o que se traduz em

uma rede de “aparelhos privados de hege-

monia”, o que implica uma nova orienta-

ção política para as lideranças operárias.

(COUTINHO, 1999, p.210).

Isso posto, cabe enfatizar que não

existe sistema social em que o consentimen-

to seja a base exclusiva da hegemonia, nem

Estado que utilize única e exclusivamente

a coerção como instrumento de dominação

de uma determinada classe. A dominação

alicerçada exclusivamente na força só pode

ser provisória e expressar a crise do bloco

histórico em que a classe dominante, já não

possuindo mais a direção ideológica da so-

ciedade, permanece por meio da força.

Diante dessas considerações, qual o

papel da educação? A escola como insti-

tuição da superestrutura é uma trincheira

viável aos interesses dos trabalhadores?

Ao contrário de Althusser, que enxerga na

escola uma instituição reprodutora dos va-

lores dominantes, Gramsci percebe-a

como um espaço atravessado pelas

contradições de uma sociedade de classes,

além de constituir-se em uma trincheira a

ser conquista- da pelos segmentos

comprometidos com a causa dos

trabalhadores.

Se é verdade que a escola reproduz

os interesses dominantes, também é ver-

dadeiro que pode vir a ser uma instituição

útil de acesso à cultura letrada, de modo

a tornar cada trabalhador um “dirigente”.

Dito de outra forma, trata-se de um dos ins-

trumentos de luta para alterar a correlação

de forças no interior da sociedade civil e

solidificar um projeto hegemônico, mesmo

que os trabalhadores ainda não se tenham

constituindo em uma força hegemônica.

Se se quer destruir esta trama, portanto,

deve-se evitar a multiplicação e graduação

dos tipos de escola profissional, criando-

se, ao contrário, um tipo único de escola

preparatória (elementar-média) que con-

duza o jovem até os umbrais da escolha

profissional, formando-o entrementes

como pessoa capaz de pensar, de estu-

dar, de dirigir ou de controlar quem dirige.

(GRAMSCI, 1982, p.136).

Por isso, é fundamental enfatizar

que o chão da escola não se mostra me-

ramente como o espaço por excelência de

reprodução do discurso dominante, mas,

ao contrário, como um campo de disputa

entre diferentes proposições educacionais.

Entendemos que a luta por uma educação

politécnica nunca pode estar separada das

lutas sociais no seu conjunto, da luta das

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revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014

O Trabalho Como Princípio Educativo: A Atualidade da Educação Politécnica 269

classes na sociedade, da luta pela supera-

ção da sociedade dividida em classes.

Diante de tais argumentos, defende-

mos, tal qual Saviani, uma educação esco-

lar que, centrada na ideia de politécnica,

permita a superação da contradição entre o

homem e o trabalho, por meio da tomada

de consciência teórica como constituinte

da essência humana, para todos e cada um

dos homens. (1997, p.194)

É óbvio que uma educação politécni-

ca, que tenha por finalidade a união cons-

ciente e elaborada da prática com a teoria, só

poderá ser estabelecida em uma sociedade

socialista, porém pode e deve ser, a partir de

hoje, um incitamento para a transformação

de nossa educação escolar. É mais do que

urgente conquistar espaços no aparato esco-

lar e arrancar a hegemonia burguesa da edu-

cação, desvelando o processo de produção

material e as origens das relações sociais.

Entendemos que a educação politéc-

nica tomará por base a compreensão e o fun-

cionamento da produção da vida material. O

esforço educativo deverá identificar os prin-

cípios gerais e científicos do trabalho articu-

lado com um projeto de sociedade não ex-

cludente. Trata-se, enfim, de lutar por uma

educação que tenha o homem como centro e

não o mercado de trabalho. No entanto, isto

não implica que tudo o que foi construído

ou conquistado até o momento no âmbito da

educação escolar deva ser eliminado, pois a

escola politécnica, se é a antítese da escola

burguesa, defende, integra, prolonga as con-

quistas reais – reinterpretando-as, transfigu-

rando-as em consonância com os interesses

de classes daqueles que vivem da venda de

sua força de trabalho.

SEM UMA TEORIA PEDAGÓGICA REVO-

LUCIONÁRIA NÃO HÁ PRÁTICA PEDAGÓ-

GICA REVOLUCIONÁRIA

O ponto fundamental para a compre-

ensão da concepção do princípio educati-

vo do trabalho fundamenta-se na assertiva

marxiana de que o trabalho humaniza o ho-

mem. Porém, diante das relações marcadas

pela hegemonia da burguesia, em que se

encontra subordinado ao capital, o trabalho

é fonte de alienação, que educa e disciplina

aqueles que vivem da venda de sua força

de trabalho no sentido de uma sociabilida-

de de relações sociais estranhadas.

Tal estranhamento torna-se ainda

mais nefasto diante das novas formas de

acumulação do capital na sociedade con-

temporânea, marcada pela agudização da

crise capitalista e degradação das condi-

ções de trabalho da imensa maioria daque-

les que precisam vender-se aos caprichos

do capital. Nesse caso, revertida em formas

de “inclusão excludente”, inviabiliza mate-

rialmente o acesso ao conhecimento.

Nesse cenário, marcado pela he-

gemonia neoliberal, a educação escolar é

apresentada como instrumentos de inser-

ção das nações e dos indivíduos nas eco-

nomias globalizadas e mercados competiti-

vos. vê-se o que está em jogo: as condições

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revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014

270 Marco Antônio de Oliveira Gomes,Antônio Carlos Maciel, Rosângela de Fátima Cavalcante França, Gedeli Ferrazzo

materiais de existência dos trabalhadores

favorecem ao incremento da exploração

da mão de obra, principalmente diante da

hegemonia das proposições neoliberais.

Nesse cenário, em que as relações merca-

dológicas ganham o status de intocáveis,

o ensino envereda por formações cada vez

mais utilitárias.

As transformações ocorridas no âm-

bito da produção material da sociedade,

que foram acentuadas a partir das três úl-

timas décadas do século XX e no primeiro

decênio do século XXI, colocam-nos o de-

safio de promover uma proposta pedagógi-

ca em que os conteúdos sejam apropriados

teoricamente como instrumentos da com-

preensão e transformação da sociedade.

Esse fazer pedagógico, que já foi ex-

plicitado pela Pedagogia Histórico-Critica,

mostra que a experiência concreta dos ho-

mens é o critério da verdade do conheci-

mento expresso nas representações sociais.

gasparin aponta para a necessidade de os

conteúdos nãos serem entendidos de forma

linear, mas por meio de seus vínculos com

outros conteúdos da mesma disciplina ou de

outras disciplinas. Dessa forma, cada parte,

cada fragmento do conhecimento só adquire

seu sentido pleno à medida que se insere no

todo maior de forma adequada (2003, p.3).

Evidentemente, a Pedagogia Histó-

rico-Critica exige a organização de uma

proposta didática que desenvolva situações

de aprendizagem que permitam a intera-

ção expressiva e constante entre o aluno

e o conhecimento, estabelecendo não só o

trato com conteúdos, mas especialmente

com formas metodológicas que permitam

o emprego do conhecimento sócio-históri-

co e científico-tecnológico para intervir na

realidade, criando novos conhecimentos.

De forma mais concreta, é importante que

os alunos possam compreender a natureza

contraditória do modo de produção capi-

talista; o papel ocupado pelos trabalhado-

res na produção material da sociedade; o

espaço que poderá vir a ser ocupado pelos

filhos da classe trabalhadora.

Desta maneira, os conteúdos não seriam

mais apropriados como um produto frag-

mentado, neutro, aistórico, mas como uma

expressão complexa da vida material, inte-

lectual, espiritual dos homens de um deter-

minado período da história. Os conhecimen-

tos científicos necessitam, hoje, ser recons-

truídos em suas plurideterminações, dentro

das novas condições de produção da vida

humana, respondendo, quer de forma teóri-

ca, quer de forma prática, aos novos desafios

propostos. (GASPARIN, 2003, p. 3).

A partir desta proposta, entende-

mos que o ponto de partida da Pedago-

gia Histórico Crítica deve ser a realidade

social mais ampla. Esse enfoque aponta

para a necessidade do planejamento de

atividades intencionais que promovam

situações para que os educandos superem

o senso comum e transitem para o conhe-

cimento científico.

Em nosso entendimento, essa pro-

posta será a partir do marco referencial

epistemológico dialético do conhecimen-

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revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014

O Trabalho Como Princípio Educativo: A Atualidade da Educação Politécnica 271

to, tanto para fundamentar a concepção

metodológica e o planejamento de ensino

-aprendizagem como a ação docente-dis-

cente. Essa perspectiva parte do princípio

do conhecimento como fruto do trabalho

humano no processo histórico de transfor-

mação do mundo e da sociedade, ou seja,

o desenvolvimento científico subordina-se

ao regime social e às relações materiais so-

cialmente hegemônicas.

Os pressupostos de que partimos não são

pressupostos arbitrários, dogmas, mas

pressupostos reais, de que só se pode abs-

trair na imaginação. São os indivíduos re-

ais, sua ação e suas condições materiais de

vida, tanto aquelas por eles já encontradas

como as produzidas por sua própria ação.

Esses pressupostos são, portanto, cons-

tatáveis por via puramente empírica. [...]

Pode-se distinguir os homens dos animais

pela consciência, pela religião ou pelo que

se queira. Mas eles mesmos começam a se

distinguir dos animais tão logo começam a

produzir seus meios de vida, passo que é

condicionado por sua organização corporal.

Ao produzir seus meios de vida, os homens

produzem, indiretamente, sua própria vida

material. (MARX; ENGELS, 2007, p.86-87).

A partir da perspectiva do materialis-

mo histórico e dialético, a prática do funda-

mento do conhecimento, o homem só conhe-

ce o que é objeto ou fruto de sua atividade e

só o conhece porque atua praticamente. No

entanto, não qualquer prática, mas essen-

cialmente o trabalho. Em outras palavras, o

que desejamos explicitar é que o processo

de produção do conhecimento é o desdobra-

mento da atividade humana fundante do ser

social. A partir dessa epistemologia, pode-

mos delinear uma concepção metodológica

dialética do processo educativo.

Psistrak demonstra isso ao explicitar

que: O objetivo fundamental da escola é, por-

tanto, estudar a realidade atual, penetrá-la,

viver nela. Isso não quer dizer, certamente,

que a escola não deva estudar as ruínas do

passado: não, deve estudá-las, e assim será

feito, mas com a compreensão de que são

apenas ruínas do passado e de que seu es-

tudo deve ser iluminado à luz da realidade

atual, no sentido já indicado, à luz da luta tra-

vada contra o passado e da transformação da

vida que deve levar à sua liquidação. (2011,

p.26).

Eis um exemplo importante que nos

é dado de uma proposição que procura pro-

porcionar material para a luta dos trabalha-

dores. Dessa forma, em lugar de aguardar

que as contradições do capitalismo o tornem

insuportável, é fundamental que os educa-

dores, identificados com uma perspectiva

revolucionária, se inclinem sobre as con-

tradições inerentes à sociedade dividida em

classes e que as explorem uma a uma.

Defendemos a proposição de que a

união “trabalho-ensino” representa uma

trincheira a ser conquistada por aqueles

que se colocam no campo de combate ao

capitalismo.

A escola não é o feudo da classe dominante;

ela é terreno de luta entre a classe dominan-

te e a classe explorada; ela é o terreno em

que se defrontem as forças do progresso e as

forças conservadoras. O que lá se passa refle-

te a exploração e a luta contra a exploração.

A escola é, simultaneamente, reprodução

das estruturas existentes, correia de trans-

missão da ideologia oficial, domesticação –

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revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014

272 Marco Antônio de Oliveira Gomes,Antônio Carlos Maciel, Rosângela de Fátima Cavalcante França, Gedeli Ferrazzo

mas também ameaça à ordem estabelecida

e possibilidade de libertação. O seu aspecto

reprodutivo não a reduz a zero: pelo contrá-

rio, marca o tipo de combate a ser travado,

a possibilidade desse combate que já foi de-

sencadeado e que é preciso continuar, que

institui a possibilidade objetiva de luta. (SNY-

DERS, 2005, p. 102-103).

Em outras palavras, é plenamente

possível explorar as contradições presentes

no modo de produção capitalista buscan-

do ampliar a estratégia de sua superação.

É por este motivo central que a proposição

de uma Pedagogia Histórico Crítica se faz

necessária como instrumento de luta no

campo da educação escolar. Pelo que foi

dito até aqui, parece-nos notório que essa

concepção toma por princípio a constitui-

ção de um projeto que auxilie na tarefa his-

tórica de superação do capital.

CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

Entendemos que a materialidade so-

cial das relações capitalistas é “totalizan-

te” em formas e graus sem precedentes.

Sua lógica transforma tudo em mercadoria,

incluindo os trabalhadores. Entender esse

sistema requer exatamente o tipo de conhe-

cimento “totalizante” que a produção de

Marx e Engels oferece e os pós-modernis-

tas rejeitam.

A estratégia de luta de todos os in-

telectuais e educadores que estejam com-

prometidos com a superação da ordem

capitalista deve ser a de potencializar as

contradições dessa sociedade, na direção

de uma concreta socialização dos meios de

produção. No campo da educação escolar,

trata-se de confrontar todas as astúcias da

ideologia hegemônica que contribuem para

lançar os trabalhadores na miséria material

e miséria intelectual. O capitalismo gene-

raliza a impossibilidade de uma civilização

que emancipe todos os homens.

Para que o conhecimento socialmen-

te produzido pela humanidade possa ser di-

fundido, é necessário que a grande parcela

da população mundial saia da condição de

absoluto analfabetismo e torne-se capaz de

assimilar informações imediatamente apli-

cáveis, sem a necessidade de grandes alte-

rações no cotidiano dos indivíduos.

Dessa forma, temos que organizar

estratégias de luta a partir das condições

objetivas e disponíveis da produção ma-

terial da escola, forjando instrumentos de

superação dos limites da educação escolar

existente. Trata-se de ampliar as trinchei-

ras dentro da sociedade civil com vistas à

redefinição da política educacional e reor-

ganização do sistema de ensino no Brasil.

O desafio está em identificar os proble-

mas autênticos, aos quais os modismos in-

telectuais correntes oferecem soluções (?)

fáceis – ou simplesmente não oferecem

nada de concreto – , e, ao fazer isso, con-

testar os limites que elas impõem à ação e

à resistência.

Recebido em: Agosto de 2013

Aceito em: Novembro de 2013

Page 19: O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO: a atualidade da

revista EXITUS | Volume 04 | Número 01 | Jan/Jun. 2014

O Trabalho Como Princípio Educativo: A Atualidade da Educação Politécnica 273

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