o trabalho como princÍpio educativo no ensino de … · como preocupação fundamental o trabalho...
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O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NO ENSINO DE BIOLOGIA DO PROEJA
Céuli Mariano Jorge1
RESUMO
O presente artigo discute a relação entre trabalho e educação e o trabalho como princípio educativo no ensino de Biologia do PROEJA. Apresenta a concepção teórica e o processo de implantação dessa nova política no Estado do Paraná, a qual pauta-se no trabalho como um instrumento do processo de humanização. Isto quer dizer que a educação não pode estar voltada para o trabalho de forma a responder às necessidades adaptativas, funcionais, de treinamento e domesticação do trabalhador, exigidas em diferentes graus, pelo mundo do trabalho na sociedade moderna, mas sim, que a educação pode ter como preocupação fundamental o trabalho em sua forma mais ampla. As contribuições de Marx para a compreensão dos processos de trabalho afirmam que ele é a base material da manutenção da vida. Todavia, deve estruturar o processo educacional. Nesse sentido, a escola unitária, idealizada por Gramsci, seria a principal formadora de intelectuais, capaz de formar indivíduos verdadeiramente cidadãos e com uma educação unitária e humana. Tal escola está centrada na idéia de liberdade concreta, universal e historicamente obtida. Enquanto que Lukács coloca o trabalho como sendo a base das relações de reciprocidade do ser social, pelo fato de a atividade laborativa ser fundamento das demais. Essas reflexões sobre os elementos básicos à compreensão do trabalho como categoria no processo de produção e reprodução sociais, das contradições entre trabalho e capital e do trabalho como princípio educativo são determinantes para a educação emancipatória. A proposta de um projeto de intervenção pedagógica junto aos educadores, através do PDE, fundamenta-se na necessidade de avaliar criticamente as causas da ausência do tema “trabalho” nos currículos escolares, na possibilidade de implantação um currículo que tem o trabalho como princípio educativo e na importância dessa discussão no momento atual da sociedade capitalista.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho, Educação, Política Pública
1 Bióloga, Mestre em Entomologia - UFPR, Coordenação do PROEJA no Departamento de Educação e Trabalho da SEED/PR. [email protected] a Profª. Drª. Monica Ribeiro da Silva da UFPR, pela orientação nesse trabalho.
Introdução
Em junho de 2006, o Decreto Federal nº 5.840 institui nacionalmente o
Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA. Esse programa tem
o objetivo de atender aos jovens e adultos que não puderam concluir a
educação básica.
A Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED inicia em 2007
o processo de implantação no Estado, não como um programa, devido à lógica
da superficialidade e caráter temporário que muitas vezes apresenta, mas
como uma política pública destinada aos jovens e adultos trabalhadores, com o
objetivo de ofertar uma educação que assegure ao mesmo tempo os saberes
científicos, tecnológicos e históricos sociais e a formação para o trabalho em
nível técnico.
O currículo organizado de forma integrada possibilita uma nova forma
pedagógica para o Ensino Médio, que visa atender aos diferentes sujeitos
sociais aos quais se destina por meio de uma concepção de totalidade, o que
se entende pela não fragmentação do conhecimento em partes distintas.
Os estudos para implantação dessa política iniciaram em 2007, assim
como a mobilização e levantamento de demandas nas escolas dos 32 Núcleos
Regionais de Educação que compõem o estado. Contou com três encontros
Estaduais e 12 oficinas pedagógicas para elaboração da proposta curricular. A
implantação foi autorizada em 72 estabelecimentos de ensino de 47 municípios
do Estado com 76 cursos em 12 habilitações técnicas diferentes, a partir de
2008. O que se busca com essa configuração de currículo para jovens e
adultos, é a oferta de uma educação que contribua com a participação efetiva
desses sujeitos nos seus contextos sociais, com autonomia de pensamento e
capacidade de interação crítica, rompendo com a visão de imediaticidade de
atendimento ao mercado de trabalho e com o aligeiramento dos estudos, e
assim, possibilitar o enfrentamento às contradições impostas pela atual
estrutura vigente.
A Educação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos –
PROEJA implantada pela SEED a partir de 2008, pressupõe a discussão de
um currículo integrado que tem o trabalho como princípio educativo no sentido
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de que este permite a compreensão do significado econômico, social, histórico,
político e cultural das Ciências, das Artes e da Tecnologia. Trata-se, portanto,
de uma política pública destinada aos jovens e adultos trabalhadores, com o
compromisso de uma formação técnica em nível médio que assegure
aprendizagem dos conhecimentos das ciências gerais e da educação para o
trabalho em nível técnico.
O processo de formação da maioria dos professores, entre eles os que
ministram a disciplina de Biologia, não contempla a dimensão histórica das
relações sociais e produtivas no âmbito da categoria trabalho. Por sua vez, a
formação continuada ofertada atualmente fica muito centrada na questão
específica dos conteúdos. Como conseqüência disso, observa-se nas escolas,
muitas vezes, uma prática pedagógica caracterizada pela fragmentação e
inconsistência, desprovida dos elementos históricos e dos nexos necessários
com os outros saberes. Portanto, esvaziada da fundamentação crítica que
possa levar a uma educação emancipatória e transformadora.
Faz-se necessário, portanto, que o educador tenha a compreensão dos
processos históricos que permeiam a categoria trabalho no âmbito das
relações sociais e produtivas e sua importância na produção da vida material
do homem. Assim como, a clareza da própria condição de classe e da condição
dos seus alunos permite posicionar-se politicamente na sua prática enquanto
educador e contribuir para uma ação pedagógica voltada ao senso crítico,
possibilitando aos educandos, o conhecimento da realidade social, econômica
e política de sua época, e o posicionamento como sujeitos conscientes e
críticos diante das ideologias dominantes.
Dessa forma, pretende-se nesse artigo subsidiar a realização de um
projeto de intervenção pedagógica na escola que leve à discussão, reflexão e
compreensão, por parte dos educadores, entre eles os que ministram a
disciplina de Biologia no PROEJA, sobre a dimensão político-histórica dos
sistemas produtivos, no qual o trabalho é a categoria fundante, a luz do
pensamento de autores do materialismo histórico dialético.
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A Implantação do Proeja como Política Pública
A partir do Decreto Federal nº 5.478/05 o Ministério da Educação e
Cultura – MEC sob a coordenação da Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica – SETEC lançou o Programa de Integração da Educação
Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
– PROEJA (BRASIL, 2005). Esse programa aparece com o objetivo de
ampliação dos espaços públicos da educação profissional para os adultos e
contribuição para a universalização da educação básica.
De acordo com esse Decreto, os tipos de ofertas poderiam ocorrer como
formação inicial e como formação integrada ao ensino médio na modalidade de
EJA em nível técnico. No primeiro caso, os cursos deveriam apresentar a carga
horária máxima 1.600 horas, destas, no mínimo 1.200 horas destinadas à
formação geral e 200 horas à formação profissional. No segundo caso, os
cursos devem ter carga horária de 2.400 horas, das quais 1.200 horas para
formação geral e a carga horária mínima da formação específica deve atender
a estabelecida para a respectiva habilitação.
Em junho de 2006, o Decreto Federal nº 5.840 revoga o nº 5.478 e
institui nacionalmente o programa estabelecendo, entre outras alterações, a
possibilidade de oferta pelas instituições públicas das esferas estaduais e
municipais e pelas entidades privadas nacionais de serviço social,
aprendizagem e formação profissional vinculadas ao sistema sindical (Sistema
S), “desde que assegurado o disposto no disposto no § 4o do artigo 1º do
Decreto” (Brasil, 2006).
A forma integrada de currículo apresentada no referido Decreto,
pressupõe a discussão que um currículo integrado tem o “trabalho como
princípio educativo no sentido de que este permite, concretamente, a
compreensão do significado econômico, social, histórico, político e cultural das
Ciências, das Artes e da Tecnologia” (RAMOS, 2005). Observa-se, porém,
tanto no primeiro quanto no segundo Decreto a delimitação da carga horária
para a formação geral e profissional num total específico de horas para cada
instância. Porém, vale lembrar que quando se trata de uma formação integrada
a qual busca a unidade dos conhecimentos gerais e específicos no aspecto de
que um conhecimento complementa e potencializa o outro, as mesmas não
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ocorrem separadamente.
Nessa perspectiva, não procede delimitar o quanto se destina à formação geral e à específica, posto que, na formação em que o trabalho é princípio educativo, estas são indissociáveis e, portanto, não podem ser predeterminadas e recortadas quantitativamente (FRIGOTO, 2005).
Trata-se, portanto, de um Programa que visa a integração da educação
básica na modalidade de educação de jovens e adultos à profissionalização em
nível técnico, o qual nasceu com o dever de atender a situação provocada pelo
contínuo processo de exclusão social, desemprego, desassalariamento, baixa
escolaridade e a falta de qualificação dos trabalhadores, entre outros fatores
econômicos, sociais e culturais que imperam na sociedade brasileira.
No entanto, essa configuração pode trazer o estigma de mais uma
política compensatória do governo federal, em lugar da tão necessária criação
de leis específicas para a Educação profissional.
Diante desse fato, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná –
SEED inicia em 2007 o processo de implantação da Educação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, não como um
programa, pois um programa tem, muitas vezes, a lógica do atendimento
imediato às demandas de mercado e pode apresentar uma certa
superficialidade pelo caráter temporário de sua duração, mas como uma
política pública destinada aos jovens e adultos trabalhadores, com o
compromisso de uma formação técnica em nível médio com bases sólidas que
assegure ao mesmo tempo os saberes produzidos pela humanidade e a
formação para o trabalho em nível técnico.
O processo de implantação do PROEJA no Paraná partiu de um intenso
trabalho de mobilização desencadeado e coordenado pelo Departamento de
Educação e Trabalho – DET, junto Aos 32 Núcleos Regionais de Educação -
NREs. Teve início com o I Encontro da Educação Profissional Integrada à EJA
o qual contou com a participação de diretores, professores de
estabelecimentos estaduais que ofertam cursos técnicos, coordenadores da
EJA e Educação profissional que atuam nos NREs, representantes do grupo de
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pesquisa CAPES/PROEJA Paraná2 e docentes convidados. O objetivo desse
primeiro encontro foi a divulgação da nova política, tendo em vista o interesse
da SEED na implantação, bem como a discussão sobre a sua base teórica e
legal.
Após esse encontro teve início o processo de divulgação pelos NREs
junto aos estabelecimentos estaduais de ensino e levantamento de demandas
e interesse na implantação. Após ampla discussão junto à comunidade os
estabelecimentos interessados enviaram solicitação ao seu NRE que após
análise e parecer encaminhou ao DET/SEED. O deferimento para a
implantação ficou condicionado a três critérios essenciais: existência
comprovada de demanda na região; interesse por parte da direção, professores
e comunidade escolar do estabelecimento de ensino; o estabelecimento de
ensino deveria ser credenciado para ofertar a Educação Profissional e
apresentar a devida estrutura (laboratório e biblioteca exigidos para o curso
solicitado, espaço físico e professores). O diagnóstico dos estabelecimentos
interessados foi submetido a uma criteriosa análise tanto pelos NREs quanto
pelo DET/SEED.
A implantação da Educação profissional Integrada à EJA foi autorizada
em 72 estabelecimentos de ensino de 47 municípios do Estado com 76 cursos
em 12 habilitações técnicas diferentes, conforme a estrutura já apresentada em
cada estabelecimento: Administração, Informática, Secretariado, Logística,
Meio Ambiente, Química, Enfermagem, Agente Comunitário de Saúde,
Segurança do Trabalho, Construção Civil, Eletromecânica e Nutrição.
Para estruturar o processo de implantação dos cursos foram realizados,
além do primeiro encontro, já citado, mais dois encontros pedagógicos de 24
horas cada um, com um total de 150 participantes, Em cada um dos encontros
procurou-se fornecer os elementos necessários para a compreensão da
concepção teórica dessa nova oferta, assim como da legislação que a ampara
tanto em nível federal quanto estadual e proporcionar momentos para
discussão e propostas por parte dos participantes.
Muitas foram as dúvidas manifestadas pelos participantes, entre elas
destacaram-se: a) como fazer a integração acontecer na prática uma vez que 2 O Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Educação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) do Paraná, realizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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depende de um processo de internalização de cada professor; b) a incoerência
apresentada no Decreto quando delimita a carga horária para formação geral e
para a Educação e Trabalho e ao mesmo tempo contempla uma dimensão
integrada; c) a previsão de aproveitamento de estudos numa concepção
integrada de ensino; d) os recursos humanos e financeiros necessários à
implantação de uma proposta diferenciada e que conseqüentemente exige
recursos próprios; e) a integração efetiva da proposta curricular com conteúdos
da formação geral e conteúdos da formação para o trabalho considerando-se
que a maioria os professores não tem essa formação, e portanto dependem de
um processo de formação continuada que dê conta dessa lacuna; f) a
elaboração de um currículo que assegure a permanência dos educandos até o
final do curso uma vez que a educação voltada para trabalhadores deve levar
em conta sua realidade sociocultural e os seus anseios com a criação de
horários alternativos, reorganização dos temas e conteúdos, sem contudo, cair
no “barateamento” e “aligeiramento” dos conhecimentos.
As discussões realizadas evidenciaram a necessidade de estudo e
aprofundamento teórico para a implantação, com vistas a maior consistência e
assim não incorrer em propostas fragmentadas e aligeiradas com as quais se
busca romper. Considerou-se a elaboração de uma proposta única, com uma
mesma configuração nos aspectos legais e de concepção teórica para cada
habilitação técnica. Contudo, que considerasse as especificidades de cada
região na elaboração do currículo, bem como os diferenciais do Paraná em
relação aos outros Estados.
Tendo como referencial o Documento Base (BRASIL, 2006), os
Fundamentos Políticos e Pedagógicos da Educação Profissional do Paraná
(PARANÁ, 2005) e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de
Jovens e Adultos (BRASIL, 2000), foi elaborado o Documento Orientador da
Educação profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos – PROEJA,
(PARANÁ, 2008). Nesse documento são apresentados os pressupostos
teóricos, fundamentos e princípios dessa política, bem como a organização
curricular, perfil do aluno e do professor e as orientações metodológicas
necessárias ao trabalho do professor. Durante a sua elaboração, foi submetido
às discussões, crítica e sugestões dos professores que participaram dos
encontros pedagógicos realizados.
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A partir do Documento Orientador foi desencadeada a construção das
propostas curriculares, as quais foram elaboradas coletivamente com a
participação de professores representantes de cada estabelecimento de
ensino, coordenadores de Educação e Trabalho e de EJA de cada NRE,
docentes do DET e docentes convidados. Ocorreram 12 (doze) oficinas
pedagógicas de 24 horas cada uma, sendo uma para cada habilitação técnica
a ser implantada. Durante as oficinas, além da elaboração das propostas
curriculares, buscou-se a elucidação das dúvidas ainda existentes e o
consenso entre os participantes nos encaminhamento a serem, dados (que
nem sempre era fácil) considerando-se o fato de que os participantes eram
professores críticos, comprometidos, mas algumas vezes com grandes
divergências teóricas. Contudo, cada um deu o melhor de si e as propostas
curriculares foram elaboradas pelo conjunto de professores, validadas
posteriormente nos estabelecimentos de ensino e encaminhadas ao Conselho
Estadual de Educação para autorização de funcionamento.
O Currículo do Proeja no Estado do Paraná
Para a elaboração do currículo partiu-se da reflexão sobre o papel da
educação, em suas várias dimensões, “a serviço” da humanização ou da
alienação. Essa reflexão deveria direcionar os trabalhos a serem realizados,
pois o conhecimento, como instrumento particular do processo educacional,
pode ser tratado de forma a contribuir ou a negar o processo de humanização.
Dessa forma, buscando uma escola “única” em lugar da divisão entre
escola clássica e escola profissional, na qual a escola profissional destinava-se
às classes trabalhadoras enquanto a escola clássica destinava-se às classes
dominantes e aos intelectuais. Como dizia Gramsci,
Na escola atual, em função da crise profunda da tradição cultural e da concepção da vida do homem, verifica-se um processo de progressiva degenerescência: as escolas do tipo profissional, isto é, preocupadas em satisfazer interesses práticos imediatos, predominam sobre a escola formativa, imediatamente desinteressada. O aspecto mais paradoxal reside em que este novo tipo de escola aparece
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e é louvado como democrático, quando, na realidade, não só é destinado a perpetuar as diferenças sociais, como ainda a cristalizá-las em formas chinesas (GRAMSCI, 1999).
No sentido da integração da Educação Profissional com a Formação
Geral na modalidade de Educação de Jovens e adultos, tem-se como
perspectiva a reinserção dos jovens e adultos que ficaram à margem do
sistema escolar e não puderam concluir a Educação Básica por inúmeros
fatores que marcam a história da educação brasileira, possibilitando-lhes um
retorno a escola.
Portanto, pauta-se numa proposta pedagógica que contempla os
conhecimentos científicos e históricos, mas que ao mesmo tempo, considera o
itinerário formativo dos educandos em diferentes ofertas educacionais,
geralmente entrecortado por períodos de afastamento. Contudo, valoriza os
saberes tácitos dos trabalhadores e os saberes consolidados no dia-a-dia,
como forma de assegurar os conhecimentos necessários para a compreensão
e a atuação desses sujeitos no mundo do trabalho3.
Porém, com o cuidado de ao se constatar os limites e dificuldades dos
alunos, não se promover a subordinação do processo pedagógico às suas
limitações, reduzindo-se o tempo de estudo e os conteúdos a serem
trabalhados, ou ainda, limitando o estudo a discussões pautadas no senso
comum, negando ao educando o domínio do conhecimento científico. Esse fato
viria a contribuir para a manutenção do processo de exclusão no qual esses
sujeitos se encontram.
A partir dessa concepção, a estrutura formativa do currículo do PROEJA
contempla as categorias trabalho, cultura, ciência e tecnologia como eixos que
dão sustentação a dimensão epistemológica que visa a compreensão crítica
das formas de organização da sociedade e dos diferentes sistemas de
produção que se estabeleceram ao longo do tempo.
Outro fator importante na elaboração do currículo foi o rompimento com
o processo de aligeiramento instalado nas políticas de Educação de Jovens e
adultos. Este fato remete a uma sólida formação presencial a qual requer a
3 Entende-se aqui como “mundo do trabalho” o universo dos processos produtivos e as relações sociais e políticas que marcaram historicamente o trabalho humano. Esse termo difere de “mercado de trabalho” que remete a atividades laborais dissociadas da complexidade histórica.
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definição clara do objeto de estudo de cada disciplina e sua abordagem numa
perspectiva de totalidade, o que implica na não fragmentação em partes soltas
e desconectadas do conhecimento. Entretanto, deve-se ter mente que a
aprendizagem pelo aluno tem caráter progressivo, em sucessivos graus de
apropriação. Isso demanda a compreensão consistente dos princípios e
fundamentos que permitirão ao professor encontrar os métodos adequados e
as estratégias mais eficientes de ensino.
Estas dimensões teórico-metodológicas partem da opção da
compreensão do processo de produção do conhecimento através da atividade
humana. Contudo, a dimensão de um projeto político-pedagógico integrado só
será possível a partir de ações conjuntas que levem ao entendimento e clareza
de suas bases teóricas e metodológicas por todos os segmentos que compõem
a instituição e comunidade escolar. É essencial conhecer os alunos, ouví-los e
considerar suas histórias e seus saberes, bem como suas condições concretas
de existência.
Além disso, deve-se considerar que os educandos/trabalhadores
possuem tempos de afastamento dos estudos mais ou menos longos o que
implica a possibilidade de terem sido submetidos a diferentes propostas
educacionais nos diferentes períodos da história da educação no Brasil,
resultando em uma heterogeneidade não só em relação à faixa etária, mas
também em relação ao conhecimento. Isso implica em uma prática pedagógica
diferenciada que atenda essas especificidades para que se possa assegurar a
permanência dos educandos em sala de aula. Significa em primeira instância a
incorporação dos princípios de uma escola que busca a emancipação dos
sujeitos, na qual os eixos trabalho, cultura, ciência e tecnologia deverão
articular toda a ação pedagógica-curricular.
Os cursos técnicos do PROEJA apresentam uma carga horária mínima
de 2400 (Decreto 5.840, art. 4º), horas distribuídas ao longo de seis semestres.
É importante ressaltar que os conteúdos propostos para os cursos da
Educação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos são os
mesmos estabelecidos nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio/SEED
– PR. Entretanto, o encaminhamento metodológico e a avaliação, enquanto
partes integrantes da práxis pedagógica estão voltados para o perfil dos
educandos de EJA, considerando os seus saberes e também o tempo de
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afastamento dos estudos.
O critério para seleção de conteúdos e metodologias refere-se às
possibilidades dos mesmos articularem singularidade e totalidade no processo
de conhecimento. Os conteúdos selecionados devem ser apresentados de
forma integrada, refletindo os elementos do trabalho, cultura ciência e
tecnologia e identificando mudanças e permanências inerentes ao processo de
conhecimento na sua relação científico-tecnológica com o contexto social.
Essa concepção de articulação permite a abordagem de conteúdos e
práticas com a utilização de metodologias dinâmicas, que promovam a
valorização dos saberes adquiridos em espaços de educação formal e não-
formal, além do respeito à diversidade.
Definiu-se, então, o currículo como um desenho pedagógico e sua
correspondente organização institucional à qual articula dinamicamente
experiências, trabalho, valores, ensino, prática, teoria, comunidade,
concepções e saberes observando-se as características históricas, econômicas
e socioculturais do meio em que o processo se desenvolve.
Nesse currículo, o processo de avaliação deve favorecer ao docente a
identificação dos elementos indispensáveis à análise dos diferentes aspectos
da aprendizagem do aluno no seu desenvolvimento intelectual, afetivo, social e
do planejamento da proposta pedagógica efetivamente realizada para a
constante reorganização da prática pedagógica.
Dessa forma, a concepção defendida para essa política exige que a
avaliação aconteça de forma contínua e sistemática, mediante interpretações
qualitativas dos conhecimentos produzidos e reorganizados pelos alunos. O
que importa é que não se reproduzam, pela avaliação, as exclusões vigentes
no sistema, que reforçam fracassos já vivenciados e corroboram a crença
internalizada nos educandos de que não são capazes de aprender,
substituindo esse modelo pela ratificação da auto-estima que qualquer
processo bem-sucedido pode produzir, reafirmando a disposição da política de
cumprir o dever da oferta da educação com qualidade.
As reflexões para elaboração da proposta pautaram-se nos seguintes
elementos de análise: qual o profissional que se quer formar; quais os
conhecimentos necessários a sua formação; quais os conteúdos e a
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organização dos mesmos em disciplinas; o tempo necessário; a estrutura
necessária (espaço) biblioteca, laboratórios, etc.
O diálogo entre os participantes, o diagnóstico das realidades e
demandas locais e a existência de um planejamento construído e executado de
maneira coletiva e democrática têm um caráter imprescindível no processo de
construção curricular. Entretanto, entende-se que a dinamicidade do mesmo
requer encontros pedagógicos periódicos na escola com a participação de
todos os sujeitos envolvidos durante o percurso para os redirecionamentos
necessários.
Como já se afirmou anteriormente, estas concepções se aproximam
quando defendem um projeto pedagógico que, ao articular conhecimento geral
e específico, teoria e prática, sujeito e objeto, parte e totalidade, permita ao
educando resolver problemas não previstos usando, de forma articulada,
conhecimentos científicos, saberes tácitos, experiências e informações.
O currículo assim organizado está voltado para o atendimento de jovens
e adultos com idade, igual ou superior a 21 anos, que concluíram o Ensino
Fundamental, mas não tiveram a oportunidade de concluir o Ensino Médio e
agora poderão retornar à escola para concluir a última etapa da Educação
Básica juntamente com a profissionalização, numa perspectiva de educação
tecnológica que possibilite a inserção no mundo do trabalho.
O Princípio Educativo do Trabalho
De acordo com os filósofos clássicos do materialismo histórico dialético
que discutem as relações entre trabalho e educação, esta é um instrumento do
processo de humanização e o trabalho deve aparecer como princípio
educativo. Quer dizer que a educação não pode estar voltada para o trabalho
de forma a responder às necessidades adaptativas, funcionais, de treinamento
e domesticação do trabalhador, exigidas em diferentes graus, pelo mundo do
trabalho na sociedade capitalista, mas sim que a educação deve ter como
preocupação fundamental o trabalho em sua forma mais ampla. Isso significa
refletir sobre as contradições da organização do trabalho na sociedade atual,
sobre as possibilidades de superação de suas condições adversas e
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empreender, no interior do processo educativo, ações que contribuam para a
humanização plena do conjunto dos homens em sociedade.
A compreensão da categoria trabalho e do seu processo educativo
requer a compreensão dos diferentes processos produtivos e das formas de
organização das classes sociais ao longo do tempo. É por meio do trabalho
que ocorre a condição humana e a ação transformadora do mundo, tanto dos
homens entre si quanto em relação ao meio em que vivem.
Dessa forma, o trabalho, sendo a base material da manutenção da vida,
deve estruturar todo o processo educacional, pois os homens se reconhecem
na medida em que produzem sua existência. Assim, conforme Marx,
o processo de trabalho é atividade orientada a um fim, para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre homem e natureza, condição natural eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma de vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais (MARX, 1983).
O princípio educativo do trabalho foi amplamente discutido por Antonio
Gramsci, o qual acreditava que somente a escola que tivesse esse princípio
poderia satisfazer os interesses das classes trabalhadoras.
O interesse pedagógico de Gramsci é decorrente de sua preocupação
com a classe proletária e da educação de sua família. O teórico italiano
defendia um projeto político que deveria culminar com uma revolução,
entretanto, a tomada do poder deveria ser precedida de uma mudança na
cultura, de uma nova mentalidade. Os agentes principais dessas mudanças
seriam os intelectuais e a escola.
Gramsci delega à escola a discussão pedagógica acerca da conquista
da cidadania, a qual deveria ser orientada para a elevação cultural das massas,
livrando-as de uma visão de mundo que propicia a interiorização da ideologia
da classe dominante. Isso, entretanto, só seria possível por meio de uma
reforma intelectual e moral, promovida por intelectuais orgânicos às classes
proletárias, para elevação das massas à condição de dominantes. Os
responsáveis pela formação de um novo bloco histórico e social seriam
oriundos das classes trabalhadoras. A escola unitária seria a principal
formadora de intelectuais, única capaz de formar indivíduos verdadeiramente
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cidadãos e com uma educação unitária e humana. Tal escola está centrada na
idéia de liberdade concreta, universal e historicamente obtida.
Nos seus cadernos escritos no cárcere ele manifestou seu interesse pela
educação, ou seja, pela formação do homem socialista, de modo particular no
caderno 12, voltando sempre ao tema em outros cadernos e cartas. A escola
única do trabalho, idealizada por ele, instruiria e educaria
desinteressadamente; pensava numa cultura desinteressada, escola e
formação desinteressada; isto é, que interessa objetivamente não apenas a
indivíduos ou a pequenos grupos, mas à coletividade e até à humanidade
inteira.
Para Gramsci essa escola não determina o jovem e sim objetiva sua
formação para que se torne um homem de visão geral e superior enquanto que
a escola profissionalizante que se segue à unitária, sem deixar sua função
formativa-desinteressada, deve objetivar também a educação interessada do
jovem para que possa exercer a curto prazo uma função intelectual ou prática
imediata.
Na concepção de Gramsci todos os homens deveriam ser intelectuais,
livres pela cultura, sem deixarem de ser trabalhadores ligados ao trabalho por
uma necessidade histórica. O entendimento de cultura nessa perspectiva
contempla a consciência e reconhecimento próprio sem o qual não se pode
conhecer os outros (na ausência de uma perfeita compreensão de si mesmo),
É preciso perder o hábito e deixar de conceber a cultura como saber enciclopédico, no qual o homem é visto sob a forma de um recipiente para encher e amontoar com dados empíricos, com fatos ao acaso e desconexos, que ele depois deverá arrumar no cérebro como nas colunas de um dicionário para poder então em qualquer altura, responder aos vários estímulos do mundo externo. Esta forma de cultura é deveras prejudicial, especialmente para o proletariado. Serve apenas para criar desajustados, gente que crê ser superior ao resto da humanidade porque armazenou na memória uma certa quantidade de dados e de datas, que aproveita para estabelecer quase uma barreira entre si e os outros. Serve para criar um certo intelectualismo frágil e incolor. (...) Mas esta não é cultura, é pedanteria, não é inteligência, mas bagagem intelectual, e contra ela se reage com razão (GRAMSCI, 2000).
Essa concepção gramsciana de cultura remete ao disciplinamento
interior, a tomada de posse da própria personalidade e conquista da
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consciência superior pela qual se consegue compreender o próprio valor
histórico, a função na vida, os direitos e os deveres.
Nos textos “A escola do trabalho” e “a escola vai à fábrica” aborda a
complexa relação entre a formação humanista e formação profissional. Nesses
textos, Gramsci denuncia a mesquinhez do Estado que se interessa pela
profissionalização a partir de uma "interesseira" situação conjuntural: trata-se
de acelerada e febril necessidade que o Estado vive de aumentar a produção
industrial de material consumido pela 1ª guerra mundial.
Gramsci diz que o trabalho industrial é o princípio educativo universal de
toda a sociedade moderna, nega o trabalho que não gera sobretrabalho; isto é,
aquele trabalho que gera apenas a sobrevivência individualizada sem jamais
produzir riqueza universal. Esta é a base objetiva e necessária para a
construção do novo homem culturalmente desenvolvido e potencialmente
socialista. É por isso que ele defendeu radicalmente o trabalho industrial, como
a forma moderna de atividade produtiva e princípio educativo do homem
moderno.
No caderno 22, Gramsci aponta com clareza o novo trabalho industrial,
socialista e sua produção em vez de ser exterior e mecânico poderá tornar-se
um processo interior se o mesmo for proposto pelo próprio trabalhador e não
imposto de fora, surgindo assim uma nova forma de sociedade: interioridade da
disciplina, autonomia e originalidade operária. Justificando o que faz o trabalho
capitalista, diz,
O trabalho industrial modela o homem integralmente, desde criança determinando seus brinquedos, seus hábitos e suas habilidades, até a idade adulta; forja suas necessidades, seu físico e seus músculos, seus princípios e seus sonhos. O mesmo se vê nas mudanças na área das moradias, mudança na economia doméstica, espaços públicos e privados, enfim, o trabalho industrial modifica radicalmente o estado geral das coisas, isto é, o próprio estado, o nível de suas relações de poder e de suas concepções histórico-políticas." (GRAMSCI, 2000).
Os escritos de Gramsci dão algumas informações gerais sobre o
momento histórico político e aponta para as idéias principais sobre o trabalho
como princípio educativo daquele momento. Em "Cultura e luta de classes" ele
reage violentamente as tentativas de se oferecer à classe trabalhadora uma
cultura e uma escola pobre, vulgar e alienante para atender a política
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econômica do capitalista.
Nas cartas do cárcere, pode-se dizer que Gramsci durante os onze anos
em que esteve preso, pode reorganizar sua reflexão e reafirmar a tese de que
a base da cultura, da educação e da escola é a prática produtivo-política do
mundo do trabalho industrial. A escola unitária não pode pertencer ao vago
mundo do trabalho que confunde capital com trabalhador, apenas pode ser
gerida pela classe trabalhadora que, a partir da sua prática transformadora,
molda um novo currículo educacional.
Assim, a escola pensada por Gramsci deveria acompanhar o
desenvolvimento da sociedade, adaptando-se a cada estágio histórico. Através
da escola única, poder-se-ia superar as relações dicotômicas entre o trabalho
intelectual e o trabalho manual, integrando todos os homens unilateralmente.
Lukács, por sua vez, aparece ao lado de Marx, com suas importantes
contribuições quanto ao entendimento do marxismo como uma ontologia do ser
social, fundada na centralidade do trabalho como modelo originário da
atividade genuinamente humana.
Segundo Lukács (1981), o ser social constitui uma totalidade formada de
complexos parciais em relações de reciprocidade, nas quais o trabalho é sua
base essencial, pelo fato de a atividade laborativa ser fundamento dos demais
complexos do ser social. A partir do trabalho tornou-se possível ir além da mera
adaptação passiva ao meio. Portanto, o trabalho caracteriza um momento
particular, diferenciador do ser da natureza, sobretudo porque é exemplo
paradigmático do papel ativo da consciência introduzindo cadeias objetivas no
real. Com o trabalho, se desencadeia, ao mesmo tempo, um mundo cada vez
mais social convertendo-se por isso, no modelo da práxis social em seu
conjunto. Assim, o trabalho constitui a forma originária de toda vida social, tanto
quanto o modelo de toda conduta social ativa.
Para Lukács, o que caracteriza e determina a especificidade da atividade
humana é o fato de apresentar uma configuração objetiva de um fim
previamente pensado, portanto teleológico. Neste sentido, Lukács define o
resultado final do trabalho como uma "causalidade posta", o que significa dizer
que se trata de uma causalidade que foi posta em movimento pela mediação
de um fim humanamente configurado. Na atividade laborativa estas duas
categorias: teleológico e causalidade, embora antagônicas e heterogêneas,
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formam uma unidade no interior do complexo. Portanto, de um lado, a
causalidade posta, e de outro o pôr teleológico, constituem, sob a forma da
determinação reflexiva, o fundamento ontológico da dinamicidade de
complexos próprios apenas ao homem, na medida em que a teleologia é uma
categoria existente somente no âmbito do ser social. Assim, os atos
teleológicos incidem de forma imediata sobre um dado objeto ou elemento
natural e têm como finalidade a consciência de outros homens, ou seja, "não
são mais intervenções imediatas sobre objetos da natureza, mas intencionam
provocar estas intervenções por parte de outras pessoas" (LUKÁCS, 1981).
Da mesma forma, vários autores da atualidade corroboram o princípio
educativo do trabalho, assim como Saviani (1994) “o trabalho educativo é o ato
de produzir, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida
histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens, com os quais os homens
se relacionam com a natureza e com os outros homens para promover a
sobrevivência”. Para esse autor o trabalho é a forma histórica de produzir a
humanidade, e assim, apresenta uma relação direta com a educação.
No mesmo sentido, Frigotto afirma que o trabalho, seja qual for a sua
forma, sempre irá existir, faz parte de uma visão ontocriativa, ou seja, não
existe vida humana sem transformação de natureza, sem ação-trabalho. Assim,
O trabalho como princípio educativo é uma compreensão, que Marx e Engels trouxeram, de que, como todo ser humano precisa de metabolismo entre ele e a natureza, é fundamental que desde a infância a criança e o jovem socializem a idéia do direito e do dever do trabalho. Mesmo dentro do capitalismo, o trabalho não é pura negatividade. O trabalho é uma categoria ontológica anterior ao capital e vai ser posterior a ele. Por isso que Marx via mais valor na burguesia enquanto traço histórico do que na aristocracia e nas sociedades em que o escravo trabalha para o senhor, enquanto este se dedica apenas às atividades do intelecto. Ele via na burguesia uma classe revolucionária porque ela trabalha. Portanto, os autores que acreditam que o trabalho como princípio educativo não pode existir numa sociedade capitalista enxergam-no a partir de uma visão determinista, porque este raciocínio leva a crer que o capitalismo será eterno. Mas ele tem contradições e se assim fosse não teria sentido lutar para tornar menos alienado o trabalho” (FRIGOTTO, 2006).
Por outro lado, outros autores questionam o princípio educativo do
trabalho na sociedade capitalista, como por exemplo, Tumolo (2003) afirma que
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“o trabalho não pode ser considerado como princípio educativo de uma
estratégia político-educativa que tenha como horizonte a transformação
revolucionária da ordem do capital”. O trabalho só poderia ser concebido como
princípio balizador de uma proposta de educação que tenha uma perspectiva
de emancipação humana numa sociedade baseada na propriedade social, vale
dizer, na não-propriedade dos meios de produção que, dessa forma, teria
superado a divisão e a luta de classes e, por conseguinte, qualquer forma de
exploração social, bem como o trabalho produtivo de capital e o trabalho
abstrato, porque teriam sido eliminados o capital e o mercado.
Porém, a pesquisa científico-filosófica sobre os processos de trabalho
nas suas diferentes mediações e dimensões, bem como a forma da
organização do trabalho numa determinada sociedade, é crucial para a
apreensão do que seja o homem como ser de trabalho e das formas que o
processo de trabalho assume no capitalismo.
O Ensino de Biologia e o Trabalho
A disciplina de Biologia tem como objeto de estudo o fenômeno VIDA e
um de seus conteúdos a Evolução humana. No entanto, esse conteúdo, assim
como os demais é tratado de forma totalmente dissociada da categoria
trabalho.
Por outro lado, sabe-se que em seu contato com o meio ambiente, o ser
humano aprendeu a dominá-lo, ao longo de sua existência, desenvolvendo
certas habilidades como a caça e a pesca, a agricultura e a tecelagem,
portanto, através do trabalho. Foi a cooperação entre mãos, os órgãos da
linguagem e o cérebro que produziu as artes e a política, a cerâmica e as
navegações, o direito e as religiões, a escravidão e o capitalismo etc.
Frente a todas essas criações, que se manifestavam em primeiro lugar como produtos do cérebro e pareciam dominar as sociedades humanas, as produções mais modestas, fruto do trabalho da mão, ficaram relegadas a segundo plano (ENGELS, sd).
Engels destaca que o grande progresso técnico pelo qual passou a
humanidade foi atribuído ao desenvolvimento e à atividade do cérebro. Os
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homens se acostumaram a explicar tudo como obra do cérebro. “Foi assim
que, com o transcurso do tempo, surgiu essa concepção idealista do mundo
que dominou o cérebro dos homens (...) e continua ainda a dominá-lo”
(ENGELS, sd). Para Engels, nem mesmo os mais materialistas dos teóricos da
evolução humana, como Darwin, conseguiam chegar a uma idéia precisa sobre
a origem do homem em função de não ver a importância desempenhada pelo
trabalho no processo de evolução.
Embora mais conhecido como um dos pioneiros do materialismo
histórico, Engels dedicou parte de sua vida intelectual ao estudo das chamadas
“ciências naturais”. Em um desses textos, Sobre o papel do trabalho na
transformação do macaco em homem, publicado postumamente, Engels afirma
que o trabalho é “condição básica e fundamental de toda a vida humana”,
sendo possível afirmar que, em certo sentido, “o trabalho criou o próprio
homem (ENGELS, sd). No contexto da época, tais afirmações eram bastante
polêmicas, na medida em que o conjunto dos cientistas (incluindo os teóricos
da evolução biológica) estavam marcados pela filosofia idealista, não
considerando a importância do trabalho no processo evolutivo do homem.
Porém, uma questão bastante óbvia parece ter sido deixada de lado
quando se procura refletir sobre a evolução humana, a qual Darwin, preferia
chamar de “descendência com modificação”. Tal importância do trabalho pode
ser facilmente observada quando analisamos todo o processo pelo qual passou
o homem no que se refere à utilização das mais diversas ferramentas ao longo
de sua história. É preciso, contudo, ir mais fundo nessa questão, afinal o
trabalho sempre cumpriu papel central na vida do homem, assim sendo, essa
categoria não pode ser deixada de lado quando se trabalha os conhecimentos
referentes à vida.
Conclusão
A discussão aqui apresentada remete a necessidade de estudo e
reflexão sobre uma educação unitária entre trabalho e escola na qual a idéia da
complementariedade e organicidade seja claramente definida com base no
potencial histórico da classe trabalhadora. Portanto, uma educação que
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possibilite saber, sentir e compreender a realidade social, econômica, política e
cultural.
A reflexão sobre os elementos básicos à compreensão do trabalho como
categoria no processo de produção e reprodução sociais, a apreciação do
trabalho como princípio educativo, a educação unitária e politécnica são
determinantes para a educação emancipatória.
Portanto, é preciso avaliar criticamente as causas da ausência da
centralidade do trabalho e das lutas de classes, nos currículos escolares, assim
como, do processo de formação de educadores, no momento atual da
sociedade capitalista. A análise das determinações do trabalho e do mundo do
trabalho no ensino escolar público, mostra que a defesa da centralidade do
trabalho está relacionada a defesa do ensino e da ciência ao mesmo tempo.
A pesquisa científico-filosófica de Marx sobre o processo de trabalho nas
suas diferentes mediações e dimensões, bem como a forma da organização do
trabalho numa determinada sociedade, é crucial para a apreensão do que seja
o homem como ser de trabalho e das formas que o processo de trabalho
assume na sociedade capitalista.
Nesta perspectiva, a educação está ontologicamente ligada ao processo
de trabalho e a partir desta premissa, os espaços escolares constituem-se no
local em que os homens têm acesso ao conhecimento socialmente produzido e
que está diretamente ligado a produção da existência humana. O trabalho,
então, é o princípio que orienta os processos educacionais.
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