o terrorismo e a inalienabilidade dos direitos fundamentais: reflexos na legislação brasileira em...

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VOL. 11I- CIVIL, PROCESSUAL, PENAL E COMERCIAL o O Terrorismo e a Inalienabilidade dos ~ Direitos Fundamentais: Reflexos na Legislação Brasileira em Elaboração CARLO VELHO MASI Advogado Criminal em Porto Alegre/RS, Mestrando em Ciências Criminais pela PUCRS, Especialista em Direito Penal e Política Criminal pela UFRGS, Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (/BRASPP) e do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico (IBDPE). RESUMO: Em face da globalização, o terrorismo configura, hoje, um dos fenômenos de maior preocupação mundial em matéria de segurança pública. O presente artigo visa a examinar os principais delineamentos desta espécie de criminalidade, buscando os seus contornos conceituais e as origens recentes, a fim de examinar a sua repercussão na atualidade. Ademais, busca entender quais os expedientes que vêm sendo utilizados para o seu enfrentamento e em que medida as suas implementações afrontam conquistas cons- titucionais históricas fundamentais do Estado Democrático de Direito. Por fim, a pesquisa orienta-se a analisar quais as repercussões do tema no Direito brasileiro e que reflexos elas acarretam para a elaboração de novas legislações penais, es- pecialmente um novo Código Penal. PALAVRAS-CHAVE: Terrorismo; globalização; direitos fundamentais; novo Código Penal. ABSTRACT: Due to the globalization, terrorism is to- day one of the largestglobal concerns regarding public safety. This article aims to examine the main outlines of this kind of criminality, seeking its conceptual contours and recent ori- gins, in order to examine its impact today. Moreover, seeks to understand which measures are being used in its prevention and if they can affront constitutional fundamental historical achievements of the democratic rule of law. Finally, the re- search is oriented to analyze the implications of the issue in the Brazilian law and which consequences they might entail regarding the drafting of new criminallaws, especially a new Penal Code. KEYWORDS: Terrorism; globalization; fundamental ri- ghts; new Criminal Code. SUMÁRIO: Introdução; 1 Definições, origem e situa- ção presente; 2 Características elementares; 3 Formas de combate; 4 Situação no Brasil; 5 Considerações de ordem histórica e constitucional; Referências. INTRODUÇÃO O terrorismo é, hoje, a principal espécie de criminali- dade organizada responsável, a nível mundial, pela sensação de insegurança coletiva. Como ameaça mais visível à esta- bilidade do Estado e da sociedade, é um crime que ganha dimensão supranacional por meio da europeização e inter- nacionalização da prevenção e repressão criminal dos atos criminosos desterritorializados. Da mesma forma, apresenta peculiaridades propnas que dificultam sobremaneira o seu combate por parte das autoridades, o que leva à necessidade de reestruturação do próprio sistema legal dos países, pressionados por tratados e convenções internacionais. Constitui-se, pois, em um tema de alta relevância na agenda de segurança de qualquer Estado na era da global i- zação. 1 DEFINiÇÕES, ORIGEM E SITUAÇÃO PRESENTE Em uma linguagem simplificada, terrorismo pode ser definido como a prática do terror como ação política, pro- curando alcançar, pelo uso da violência, objetivos que pode- riam ou não ser estabelecidos em função do exercício legal da vontade política. Suas propriedades mais destacadas são: a indetermina- ção do número de vítimas; a generalização da violência con- tra pessoas e coisas; a liquidação, desativação ou retração da vontade de combater o inimigo predeterminado; a para- lisação da vontade de reação da população; e o sentimento de insegurança transmitido principalmente pelos meios de comunicação'. Suas origens até podem ser remotas, mas não convém que façamos um retrospecto tão longo", pois interessa-nos o seu desenvolvimento nos séculos XX e início do XXI, já que, em nenhum outro momento histórico, a sua presença foi tão constante e ameaçadora. Embora repugne à inteligência a violência, cumpre ob- servar que, assumindo formas variadas, ela sempre es- teve presente entre as pessoas e os povos. Abra-se qual- quer página da História e os atos violentos sucedem- -se com implacável regularidade. Do Abel da Bíblia ao Martin Luther King, dos direitos civis, do belicoso César ao pacifista Gandhi, do Coliseu romano aos na- vios negreiros, a violência, que ignora a lei e os direitos à vida, tem alcançado todos os períodos históricos e to- dos os territórios. Nenhuma outra época, todavia, con- seguiu atingir paroxismo equivalente ao dos séculos DOTTI, RenéAriel. Terrorismoe devido processolegal. Revista Centro de Estudos Judiciários, Brasília, Conselho de justiça Fe- deral, n. 18, p. 27-30, jul.!set. 2002, p. 28. 2 Pode-seafirmar que todas ascivilizações, de uma forma ou de outra, sofreramcom os efeitos do terrorismo. Emsuaversãomo- derna, esseflagelo se liga à RevoluçãoFrancesa,para designar a política dosjacobinos, parcela mais radical da burguesia,que almejava expulsar da cena política seusadversários,os Realis- tas e os Girondinos. A palavra "terror" une-se, desde então, à noção de "virtude". Estandoa sociedade, por via da evolução das artes e das técnicas, bem como do excessode luxo e ri- queza, imersa na corrupção, cabe resgatá-Ia,inclusive à força, se necessário.Se o povo não sente propensão para seguir as lições da virtude, é preciso educá-Io. Paraos jacobinos, essa pedagogiaé o terror. Na síntesede Robespierre,"o terrorismo não é senãojustiça, imediata, severae inflexível; é, pois, uma emanaçãoda virtude". 632 REPERTÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA IOB - 1" QUINZENA DE SETEMBRO DE 2013 - N° 17/2013 - VOLUME 111

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Em face da globalização, o terrorismo configura hoje um dos fenômenos de maior preocupação mundial em matéria de segurança pública. O presente artigo visa a examinar os principais delineamentos desta espécie de criminalidade, buscando seus contornos conceituais e origens recentes, a fim de examinar sua repercussão na atualidade. Ademais, busca entender quais os expedientes que vem sendo utilizados para o seu enfrentamento e em que medida suas implementações afrontam conquistas constitucionais históricas fundamentais do Estado Democrático de Direito. Por fim, a pesquisa orienta-se a analisar quais as repercussões do tema no direito brasileiro e que reflexos elas acarretam para a elaboração de novas legislações penais, especialmente um novo Código Penal.

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Page 1: O Terrorismo e a Inalienabilidade dos Direitos Fundamentais: Reflexos na Legislação Brasileira em Elaboração

VOL. 11I- CIVIL, PROCESSUAL, PENAL E COMERCIAL

o O Terrorismo e a Inalienabilidade dos~ Direitos Fundamentais: Reflexos na

Legislação Brasileira em ElaboraçãoCARLO VELHO MASI

Advogado Criminal em Porto Alegre/RS, Mestrando em CiênciasCriminais pela PUCRS, Especialista em Direito Penal e Política

Criminal pela UFRGS, Membro do Instituto Brasileiro de CiênciasCriminais (IBCCrim), do Instituto Brasileiro de Direito Processual

Penal (/BRASPP) e do Instituto Brasileiro de Direito PenalEconômico (IBDPE).

RESUMO: Em face da globalização, o terrorismoconfigura, hoje, um dos fenômenos de maior preocupaçãomundial em matéria de segurança pública. O presente artigovisa a examinar os principais delineamentos desta espéciede criminalidade, buscando os seus contornos conceituais eas origens recentes, a fim de examinar a sua repercussão naatualidade. Ademais, busca entender quais os expedientesque vêm sendo utilizados para o seu enfrentamento e em quemedida as suas implementações afrontam conquistas cons-titucionais históricas fundamentais do Estado Democráticode Direito. Por fim, a pesquisa orienta-se a analisar quais asrepercussões do tema no Direito brasileiro e que reflexos elasacarretam para a elaboração de novas legislações penais, es-pecialmente um novo Código Penal.

PALAVRAS-CHAVE: Terrorismo; globalização; direitosfundamentais; novo Código Penal.

ABSTRACT: Due to the globalization, terrorism is to-day one of the largestglobal concerns regarding public safety.This article aims to examine the main outlines of this kind ofcriminality, seeking its conceptual contours and recent ori-gins, in order to examine its impact today. Moreover, seeks tounderstand which measures are being used in its preventionand if they can affront constitutional fundamental historicalachievements of the democratic rule of law. Finally, the re-search is oriented to analyze the implications of the issue inthe Brazilian law and which consequences they might entailregarding the drafting of new criminallaws, especially a newPenal Code.

KEYWORDS: Terrorism; globalization; fundamental ri-ghts; new Criminal Code.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Definições, origem e situa-ção presente; 2 Características elementares; 3 Formas decombate; 4 Situação no Brasil; 5 Considerações de ordemhistórica e constitucional; Referências.

INTRODUÇÃO

O terrorismo é, hoje, a principal espécie de criminali-dade organizada responsável, a nível mundial, pela sensaçãode insegurança coletiva. Como ameaça mais visível à esta-bilidade do Estado e da sociedade, é um crime que ganhadimensão supranacional por meio da europeização e inter-nacionalização da prevenção e repressão criminal dos atoscriminosos desterritorializados.

Da mesma forma, apresenta peculiaridades propnasque dificultam sobremaneira o seu combate por parte dasautoridades, o que leva à necessidade de reestruturação dopróprio sistema legal dos países, pressionados por tratados econvenções internacionais.

Constitui-se, pois, em um tema de alta relevância naagenda de segurança de qualquer Estado na era da global i-zação.

1 DEFINiÇÕES, ORIGEM E SITUAÇÃO PRESENTE

Em uma linguagem simplificada, terrorismo pode serdefinido como a prática do terror como ação política, pro-curando alcançar, pelo uso da violência, objetivos que pode-riam ou não ser estabelecidos em função do exercício legalda vontade política.

Suas propriedades mais destacadas são: a indetermina-ção do número de vítimas; a generalização da violência con-tra pessoas e coisas; a liquidação, desativação ou retraçãoda vontade de combater o inimigo predeterminado; a para-lisação da vontade de reação da população; e o sentimentode insegurança transmitido principalmente pelos meios decomunicação'.

Suas origens até podem ser remotas, mas não convémque façamos um retrospecto tão longo", pois interessa-nos oseu desenvolvimento nos séculos XX e início do XXI, já que,em nenhum outro momento histórico, a sua presença foi tãoconstante e ameaçadora.

Embora repugne à inteligência a violência, cumpre ob-servar que, assumindo formas variadas, ela sempre es-teve presente entre as pessoas e os povos. Abra-se qual-quer página da História e os atos violentos sucedem--se com implacável regularidade. Do Abel da Bíbliaao Martin Luther King, dos direitos civis, do belicosoCésar ao pacifista Gandhi, do Coliseu romano aos na-vios negreiros, a violência, que ignora a lei e os direitosà vida, tem alcançado todos os períodos históricos e to-dos os territórios. Nenhuma outra época, todavia, con-seguiu atingir paroxismo equivalente ao dos séculos

DOTTI, RenéAriel. Terrorismoe devido processolegal. RevistaCentro de Estudos Judiciários, Brasília,Conselho de justiça Fe-deral, n. 18, p. 27-30, jul.!set. 2002, p. 28.

2 Pode-seafirmar que todas as civilizações, de uma forma ou deoutra, sofreramcom osefeitosdo terrorismo. Emsuaversãomo-derna, esseflagelo se liga à RevoluçãoFrancesa,para designara política dosjacobinos, parcela mais radical da burguesia,quealmejavaexpulsar da cena política seusadversários,os Realis-tas e os Girondinos. A palavra "terror" une-se,desde então, ànoção de "virtude". Estandoa sociedade, por via da evoluçãodas artes e das técnicas, bem como do excessode luxo e ri-queza, imersana corrupção, cabe resgatá-Ia,inclusive à força,se necessário.Se o povo não sente propensão para seguir aslições da virtude, é preciso educá-Io. Paraos jacobinos, essapedagogiaé o terror. Na síntesede Robespierre,"o terrorismonão é senãojustiça, imediata, severae inflexível; é, pois, umaemanaçãoda virtude".

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XX e XXI, em que apenas um ato de violência consegueeliminar centenas de milhares de vidas em segundos.'

Como realidade cambiante, o terrorismo enfrentoudiversas configurações na rnodernidade", No século XIX, otermo se ligava àquelas ações revolucionárias que questiona-vam crescentemente a subordinação popular a governantesque acreditavam ocupar posição preeminente em virtude dedireito divino, ou a dependência de povos inteiros a dinas-tias estrangeiras, ou, ainda, as más condições de trabalho daclasse operária.

3 NAVES,Nilson. Terrorismo e violência: segurançado Estado,Direitos e liberdadesindividuais. Revista Centro de Estudos Ju-diciários, Brasília, Conselho de justiça Federal, n. 18, p. 6-9,jul.!set. 2002, p. 7.

4 CARDOSO,Alberto Mendes.Terrorismoe segurançaem um Es-tado Social Democrático de Direito. Revista Centro de EstudosJudiciários, Brasília,Conselhodejustiça Federal,n. 18, p. 47-53,jul.lset. 2002, p. 49.

5 Tome-secomo exemplosasaliançasentre o Sendero Luminosoou as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e os barõesda cocaína,e entreosTalibãsafegãose ostraficantesde heroínada Ásia Central.Taismovimentosprotegeriamasatividadesdosnarcotraficantesque, em troca, proporcionar-Ihes-iamos meiosfinanceiros paraseexpandirem.

6 Conflitos não enquadradosnas normastradicionalmente acei-tas de guerra entre asforças armadasde dois ou mais Estados,mas que, ao contrário, abrangemforças irregularesde um oumais dosenvolvidos.

7 Ataquesde hackers e crackers, ou piratas informáticos, a siteseportais das mais diversascorporaçõesestataisou não. Porsuanovidade, essesgrupos escapam com facilidade aos estritoscontroles estatais.

8 CARDOSO,Alberto Mendes.Terrorismoe segurançaem um Es-tado Social Democrático de Direito. Revista Centro de Estudos

Nas décadas de 1920 e 1930, passou a designar a ati-tude de certos Estados totalitários, fascistas ou comunistas,em relação aos seus opositores individuais ou a camadas dapopulação consideradas perigosas para a estabilidade do Es-tado.

Após a 2" Guerra Mundial, em razão do surgimentodos movimentos anticoloniais, foi assimilado às chamadas"lutas de libertação nacional" que, nas três décadas seguin-tes ao fim do conflito, ocuparam a cena internacional.

No período entre a década de 1970 e o desapareci-mento da União Soviética, foi também empregado para de-signar iniciativas mais amplas e menos claras, componentesde uma suposta conspiração global do Pacto de Varsóviacontra o Ocidente.

Contemporaneamente, fala-se em um terrorismo pós--moderno, cujas principais formas são o nercoterrorismcr,os chamados fenômenos de área cinzente: e o ciberterroris-mo', cuja marca distintiva é a posse das chamadas armas dedestruição em massa (químicas, biológicas ou nucleares), oque acrescenta um elevado grau de periculosidade às açõesdesses grupos e causa ainda mais incerteza à cena interna-cional".

2 CARACTERíSTICAS ELEMENTARES

O terrorismo pode ser praticado por indivíduos ou gru-pos isolados ou até mesmo por determinados Estados contraa sua própria população ou a população de outros Estados(v.g., ataques do Estado palestino contra Israel).

Essa forma de violência chama atenção pela preme-ditação e por seu objetivo de criar uma atmosfera de medoe de terror intensos. Há de se considerar, mais além, que osatos terroristas se dirigem a uma plateia mais ampla do que aatingida diretamente por eles.

Segundo Cottee e Hayward, o engajamento no terroris-mo é provocado por três desejos elementares: o desejo porexcitação, o desejo por um sentido existencial e o desejopor glória.

Inegavelmente, o terrorismo é uma atividade política eum fenômeno coletivo, primordialmente praticado por indi-víduos agindo no contexto de um grupo. Segundo os crimi-nólogos ingleses, está tomando o status de cI ichê a afirmaçãode que, ao contrário do que reporta a mídia, o terrorista éuma pessoa perfeitamente normal, e não um louco ou umpsicopata.

O que atrai o indivíduo ao terrorismo é muito mais umaquestão cultural e pessoal. O que o atrai é o sentimento decessação da consciência, nos momentos de sobrevivência,de intensidade animal e violência, quando não há múltiplosníveis de pensamento e cogitação e o presente é absoluto. Oque importa é viver aquele momento.

A violência é um das experiências mais intensas e, paraalguns, mais prazerosas, que o ser humano pode experimen-tar. Não se sente mais o peso do corpo, os sentidos ficamextremamente aguçados, tudo é percebido em câmera len-ta e com detalhes impressionantes. A euforia e a adrenalinaatingem o grau máximo. É como experimentar um entorpe-cente. É a realidade daquele instante que os move, que os fazsentirem-se mais vivos do que nunca".

Os atentados de 11 de setembro de 2001 são talvezos seus mais emblemáticos exemplos, uma vez que tiveramuma preparação razoavelmente longa e atingiram os centrosmilitar e econômico de uma superpotência, transmitindo amensagem de que os seus autores intelectuais eram capazesde mobilizar meios materiais e humanos para perpetrar atosde violência em qualquer lugar, valendo-se da surpresa.

Suas vítimas nem sempre são civis inocentes esco-lhidos aleatoriamente ou alvos simbólicos, mas podemser até mesmo forças de segurança (v.g., ataques do IRAcontra o exército do Reino Unido). Na realidade, o focoprincipal do terrorismo é o Estado como um todo, sejaele democrático ou não. Dessa característica surge o sen-

Judiciários, Brasília,Conselhode justiça Federal,n. 18, p. 47-53,jul.lset. 2002, p. 49.

9 COTIEE, Simon; HAYWARD, Keith. Terrorist (E)motives:The Existential Attractions of Terrorism. Studies in Conflict &Terrorism, Londre, Routledge,v. 34, n. 12, p. 963-986, 2011.

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timento de injustiça, sintetizado na constatação de queforam golpeados segmentos da população ou instituiçõesque nada têm a ver com o processo em que o terrorismose desenvolve.

Inúmeros atentados terroristas adquirem índole se-paratista, revolucionária anarquista ou religiosa e sãopensados, decididos e executados de forma pontual comalvos específicos: militares, polícias, políticos, dissiden-tes, clérigos, turistas de um determinado Estado. Porém,apenas mais recentemente eles se voltaram também paraa ideia de vítima indeterminada e invisível e, por isso,adquiriram um potencial de gerar "terror germinadorde uma insegurança pública cognitiva esquizofrênica epaneônica"!",

O terrorismo não precisa atingir uma escala globalpara ser assim considerado, bem como pode constituir-se deuma ação localizada (v.g., rebelião Sandero Luminoso contrao Governo peruano). A propósito, a maior preocupação es-tatal nesta seara hoje não é com o terrorismo internacional,mas sobretudo com aquele que não ultrapassa as fronteirasnacionais 11.

Seus objetivos geralmente serão a desestabilização e oenfraquecimento das autoridades de um Estado constituído,porém a intenção pode ser mobilizar o apoio público contraum aparato de Estado opressivo ou corrupto (v.g., RevoluçãoCubana). O importante é causar um sentimento de afrontageneralizado, que tenha como consequência a ira. A raiva eo ódio que os atentados buscam provocar na opinião públicapodem ser considerados desencadeadores de uma repressãoestatal desproporcionada, que pode eventualmente redundarem benefício dos próprios criminosos, transformados em ví-timas dos excessos da reação.

As atividades terroristas tomam formas diversas quantoao tipo de arma utilizada para infundir o pânico e a inse-gurança, sejam bombas, aviões sequestrados, vírus letais e,porque não, o próprio capital", A violência usa instrumen-tos diversos de coerção, mas todos têm, na base, o mesmodesprezo aos meios legítimos de promover a mudança ou amanutenção da conjuntura sociopolftica".

10 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Cooperação judiciáriaem matéria penal no âmbito do terrorismo. Sistema Penal &Violência, Porto Alegre, PUCRS, v. 5, n. 1, p. 73-92, jan./jun.2013, p. 85.

11 Recordemos que tudo o que é global possui uma referência lo-cal. Há sempre um dado localizado naquilo que se globalizoue, por sua vez, aquilo que se globalizou quando tomado emcomparação, determina o caráter local do que está em torno(SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A globalização e asciências sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005).

12 Há notícia, por exemplo, de que bancos estrangeiros aconse-lharam investidores a não negociar papeis brasileiros com basena perspectiva da primeira eleição do presidente Luis InácioLula da Silva.

13 NAVES, Nilson. Terrorismo e violência: segurança do Estado,Direitos e liberdades individuais. Revista Centro de Estudos ju-diciários, Brasília, Conselho de justiça Federal, n. 18, p. 6-9,jul./set. 2002, p. 8.

O propósito do paradigma terrorista pode ser o apoioa um projeto ideológico - no caso dos governos terroristas,normalmente invoca-se a segurança nacional como mantraideológico -, embora isso nem sempre ocorra (v.g., os rebel-des de Serra Leoa queriam simplesmente "poder"). As açõesterroristas são utilizadas para influenciar, de alguma manei-ra, o comportamento político: seja para forçar opositores aconcederem, no todo ou em parte, o que os seus autoresquerem (v.g., a libertação de companheiros presos); seja paraprovocar reação desproporcionada, que servirá como catali-sador de um conflito mais intenso (v.g., os atentados de 11 desetembro que causaram a invasão do Afeganistão); seja paraalavancar uma causa política ou religiosa (v.g., as ações doETA, visando à independência do País Basco, na Espanha);ou, ainda, para solapar governos ou instituições designadoscomo inimigos pelos terroristas (v.g., toda a ação do Sende-ro Luminoso, nas décadas de 1980 e de 1990, destinava-sea desmoralizar e derrubar o Governo peruano e substituí-Iopor outro de recorte marxista)":

Na América, há uma tendência a descrever como ter-rorismo os atos mais brutais do crime organizado, especial-mente o dos traficantes de drogas, cujo propósito é princi-palmente proteger os seus próprios interesses econômicos".

A par do fenômeno da criminalidade organizada trans-nacional, o terrorismo é um fenômeno veloz na ação e noresultado e exige um elevado financiamento emergente dacriminal idade de massa e da criminalidade altamente orga-nizada e especializada.

Em grande medida, o terrorismo tem muito em comumcom graves violações dos direitos humanos; porém, via deregra, não obedece a qualquer regra de Direito Internacionalconcernente ao conflito armado, já que os seus praticantesconsideram que nenhuma atrocidade será chocante demaisem face de seu propósito. Entretanto, há grupos que anuemcomo o direito humanitário internacional a respeito do le-vantamento de armas, o que não impede que sejam conside-rados terroristas 16.

Aqueles que têm estudado o fenômeno do terrorismo -ou talvez eu devesse usar o plural "fenômenos", desdeque o conceito seja empregado para ocultar tantos ti-pos de comportamento aparentemente diferentes - re-conhecerão imediatamente que todas essas incertezassobre os elementos possíveis de terrorismo são, no fun-do, as dificuldades que têm tradicionalmente buscado

14 CARDOSO, Alberto Mendes. Terrorismo e segurança em um Es-tado Social Democrático de Direito. Revista Centro de Estudosjudiciários, Brasília, Conselho de justiça Federal, n. 18, p. 47-53,jul.!set. 2002, p. 49.

15 RODLEY, Nigel Simon. Terrorismo: segurança do Estado - Di-reitos e liberdades individuais. Trad. Erlanda S. Chaves. RevistaCentro de Estudos judiciários, Brasília, Conselho de justiça Fe-deral, n. 18, p. 16-22, jul./set. 2002, p. 17.

16 RODLEY, Nigel Simon. Terrorismo: segurança do Estado - Di-reitos e liberdades individuais. Trad. Erlanda S. Chaves. RevistaCentro de Estudos judiciários, Brasília, Conselho de justiça Fe-deral, n. 18, p. 16-22, jul./set. 2002, p. 18.

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qualquer tentativa para encontrar uma definição de ter-rorismo aceita universalmente."

3 FORMAS DE COMBATE

Um dos grandes problemas em relação ao terrorismoé a forma de combatê-Io. Haverá quem entenda que, paraenfrentar o terrorismo, é preciso tratar o terrorista como ini-migo do Estado ou como não pessoa, de modo que nãotenha ele as mesmas garantias que um cidadão (pessoa)possui. Não faltam tratados internacionais que hoje estru-turam os direitos humanos de modo a permitir restriçõesonde for necessária a manutenção de certos valores, comoa segurança nacional e a ordem pública". Nesses casos, alegislação internacional dos direitos humanos reconhece asupremacia dos valores públicos sobre a autonomia indivi-dual".

Tudo isso vem acompanhado da criação de um DireitoPenal ultramilitar, da invenção de um sistema penitenciáriosumaríssimo sediado em Guantánamo e da recuperação, in-clusive legislativa, da autorização para matar à margem deum processo".

Outros, entretanto, entendem que não é possívelcombater o terror com mais terror. Que, embora o terroris-mo deva ser combatido com vigor máximo, isso não podeocorrer a qualquer custo. Nesta segunda linha, é precisovencer a ameaça pelos meios legítimos, único modo de sal-vaguardar as liberdades que se têm como ideais. É nesteescopo que determinados tratados adotam o "princípio dainalienabilidade" de determinados direitos fundamentaisdo indivíduo". Trata-se de direitos não derrogáveis que um

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17 RODLEY,Nigel Simon. Terrorismo:segurançado Estado- Di-reitos e liberdadesindividuais. Trad. ErlandaS.Chaves.RevistaCentro de Estudos judiciários, Brasília,Conselho de justiça Fe-deral, n. 18, p. 16-22, jul./set. 2002, p. 18.

18 O art. 27 da Convenção Americana sobreos Direitos Humanos(Pactode Sãojosé da Costa Rica)admite a suspensãode algu-masdasgarantiasnela previstas"em casode guerra,de perigopúblico, ou de outra emergênciaque ameacea independênciaou segurançado Estado-parte".já o PactoInternacional sobreDireitos Civis e Políticos,em seuart. 4°, permite a suspensãodecertasobrigaçõesdele decorrentesem "situaçõesexcepcionais[que] ameacema existênciada nação".

19 RODLEY,Nigel Simon.Terrorismo: segurançado Estado- Di-reitose liberdades individuais. Trad. ErlandaS. Chaves. RevistaCentro de Estudos judiciários, Brasília,Conselho de justiça Fe-deral, n. 18, p. 16-22, jul.!set. 2002, p. 19.

20 ZAPATERO, Luis Arroyo. Presentación. In: ;NEUMANN, Ulfrid; MARTíN, Adán Nieto (Coord.). Crítica yjustificación deI Derecho Penal en el cambio de siglo: EIanálisiscrítico de Ia Escuelade Frankfurt.Cuenca: Edicionesde Ia Uni-versidadde Castilla-LaMancha, 2003. p. 17-21, p. 2l.

21 No que diz respeito ao direito à vida, deve-se distinguir entreprivação da vida e violação do direito à vida. Um Estadopodeutilizar de força letal sem violar o direito à vida. Exemplificati-vamente, pode-seesperarlegitimamente que um policial mateum criminoso que ameacemataralguém,casoestesejao únicomodo de impedir tal morte. Permite-se,então, o uso de forçaletal sempreque ela for a única respostapossívela umaameaça

Estado poderia ser tentado a ignorar no enfrentamento deséries ameaças, como o terrorismo". Mesmo as suspensõesde direitos humanos estarão sempre sujeitas a prévia co-municação aos órgãos responsáveis e à supervisão judicial.Além disso, a posição do Tribunal Interamericano de Direi-tos Humanos é de que os "remédios judiciais", tais comohabeas corpus e mandado de segurança, em nenhuma hi-pótese podem ser suspensos.

Há países que aceitam a tortura e há países que re-pudiam veementemente a sua prática, inclusive negando adeportação de suspeitos, caso não haja o compromisso deque os deportados sejam tratados com dignidade. Não é in-comum, ainda, que países adotem medidas de controle quevisam claramente a parcelas da população ou a determina-das nacionalidade.

4 SITUAÇÃO NO BRASIL

No Brasil, o repúdio ao terrorismo é um dos princípiosque regem as relações internacionais do Paísde acordo coma Constituição da República (art. 4°, VIII). Além disso, a CartaFundamental da nação considera o terrorismo crime inafian-çável e insuscetível de graça ou anistia, respondendo por eleos mandantes, os executores e os que, podendo evitá-Io, seomitirem (art. 5°, XLIII). Em seu art. 5°, XLIV, a Constituiçãoconsidera "crime inafiançável e imprescritível a ação de gru-pos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucio-nal e o Estado Democrático".

A nível infraconstitucional, o terrorismo integra o rolde crimes hediondos da Lei n° 8.072/1990 e a sua prática ca-racteriza o delito do art. 20 da Lei n° 7.170/1983 (Lei de Se-gurança Nacional), cuja pena é de reclusão, de 3 a 10 anos.

Entrementes, não há em nenhuma lei a tipificação iso-lada do crime de terrorismo, tampouco uma definição ju-rídica precisa, embora o Brasil seja firmatário de diversostratados internacionais em prol de seu combate, dos quais sedestaca a Convenção Interamericana contra o Terrorismo".

Em função do "mandado constitucional e supralegalde criminalização" do terrorismo, a Comissão de Juristas en-carregada pelo Senado Federal da elaboração do anteprojetode novo Código Penal brasileiro" fez incluir no Título VIII("Crimes contra a Paz Pública") um capítulo exclusivamente

iminente às vidas de outros, mas se medidas menos extremaspuderematingir o mesmoobjetivo, essasdeverão serutilizadas,do contrário tem-seum desrespeitoao direito à vida.

22 RODLEY,Nigel Simon.Terrorismo:segurançado Estado- Di-reitose liberdades individuais. Trad. ErlandaS. Chaves. RevistaCentro de Estudos judiciários, Brasília,Conselho de JustiçaFe-deral, n. 18, p. 16-22, jul.!set. 2002, p. 20.

23 Aprovadapelo Decreto Legislativon° 890, de 1° de setembrode2005, e promulgada pelo Decreto Presidencialn° 5.639, de 26de dezembro de 2005.

24 SENADO FEDERAL.Relatório final da comissão de juristaspara a elaboração de anteprojeto de Código Penal. Disponí-vel em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=110444&tp=1>. Acessoem: 14 abro2013, p. 108 ss.

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destinado ao crime de terrorismo (art. 23925), onde se tipi-ficam também as condutas de "Financiamento do terroris-mo" (art. 24026) e "Favorecimento pessoal no terrorismo"(art. 24127).

25 "Art. 239. Causar terror na população mediante as condutasdescritas nos parágrafos deste artigo, quando:I - tiverem por fim forçar autoridades públicas, nacionais ouestrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o quea lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe;11 - tiverem por fim obter recursos para a manutenção de orga-nizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, queatuem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;ou111 - forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia, reli-gião, nacionalidade, sexo, identidade ou orientação sexual, oupor razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas.§ 1° Sequestrar ou manter alguém em cárcere privado;§ 2° Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazerconsigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos bioló-gicos ou outros meios capazes de causar danos ou promoverdestruição em massa;§ 3° Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquerbem público ou privado;§ 4° Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática ebancos de dados; ou§ 5° Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ame-aça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial, ain-da que de modo temporário, de meios de comunicação ou detransporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodo-viárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos,instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públi-cos essenciais, instalações de geração ou transmissão de ener-gia e instalações militares:Pena - prisão, de oito a quinze anos, além das sanções corres-pondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte,tentadas ou consumadas.Forma qualificada§ 6° Se a conduta é praticada pela utilização de arma de des-truição em massa ou outro meio capaz de causar grandesdanos:Pena - prisão, de doze a vinte anos, além das penas corres-pondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte,tentadas ou consumadas.Exclusão de crime§ 7° Não constitui crime de terrorismo a conduta individual oucoletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindi-catórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis eadequados à sua finalidade."

26 "Art. 240. Oferecer ou receber, obter, guardar, manter em depó-sito, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtençãode ativos, bens e recursos financeiros com a finalidade de finan-ciar, custear ou promover a prática de terrorismo, ainda que oatos relativos a este não venham a ocorrer:Pena - prisão, de oito a quinze anos."

27 "Art. 241. Dar abrigo ou guarida a pessoa de quem se saibaou se tenha fortes motivos para saber, que tenha praticado ouesteja por praticar crime de terrorismo:Pena - prisão, de quatro a dez anos.Escusa absolutóriaParágrafo único. Não haverá pena se o agente for ascendenteou descendente em primeiro grau, cônjuge, companheiro está-velou irmão da pessoa abrigada ou recebida. Esta escusa nãoalcança os partícipes que não ostentem idêntica condição."

[...] não pode nosso pais Imaginar-se, para sempre,"deitado em berço esplêndido", protegido ad eternumde condutas de intolerância política e humanitária, ca-pazes de valer-se de indizível violência para o preva-lecimento de seu ideário. A constante inserção do paísno quadro econômico, social e militar internacionalnão permite este grau de ingenuidade. Urge, portanto,trazer uma definição de terrorismo compatível com oregime de liberdades constitucionais, destinada a pro-tegê-Ias."

É digno de nota que as ações dos "movimentos so-ciais" (v.g., Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Ter-ra) foram incluídas no anteprojeto como causa de exclu-são da ilicitude, "desde que os objetivos e meios sejamcompatíveis e adequados à sua finalidade" (art. 239, § 7°).Ademais, as penas dos crimes relacionados com o terroris-mo poderão ser aumentadas até a metade "se as condutasforem praticadas durante ou por ocasião de grandes even-tos esportivos, culturais, educacionais, religiosos, de lazerou políticos, nacionais ou internacionais" (art. 242).

5 CONSIDERAÇÕES DE ORDEM HISTÓRICA ECONSTITUCIONAL

Pois bem, por óbvio, a atribuição da autoria dos atosterroristas a um determinado segmento da população, et-nia, nacionalidade ou religião em nada contribui para oaperfeiçoamento do Estado Social e Democrático de Di-reito.

A história é pródiga em demonstrar que ambientesdesprovidos do reconhecimento das garantias individuaistêm sido campo fértil para o terror do Estado, com seque-Ias que se estendem por gerações. A esta altura do desen-volvimento sociopolítico dos povos, só há uma maneiralegítima de dar segurança aos governos e aos indivíduos:o caminho da lei. A democracia e a estabilidade econô-mica são duas das principais "armas" para combater o ter-rorísmo>,

Qualquer possibilidade diferente dessa significariautilizar a mesma violência que se quer eliminar, um con-trassenso a ser evitado. Somente o primado da ordem le-gal, constitucional, pode fornecer meios legítimos para adefesa da integridade dos indivíduos e dos Estados":

28 SENADO FEDERAL. Relatório final da corrussao de juristaspara a elaboração de anteprojeto de Código Penal. Disponí-vel em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=ll 0444&tp=1>. Acesso em: 14 abro2013, p. 35l.

29 CARDOSO, Alberto Mendes. Terrorismo e segurança em um Es-tado Social Democrático de Direito. Revista Centro de Estudosjudiciários, Brasília, Conselho de lustiça Federal, n. 18, p. 47-53,jul.!set. 2002, p. 52.

30 NAVES, Nilson. Terrorismo e violência: segurança do Estado,Direitos e liberdades individuais. Revista Centro de Estudos ju-diciários, Brasília, Conselho de Justiça Federal, n. 18, p. 6-9,jul.!set. 2002, p. 8.

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Assim, se os efeitos negativos do terrorismo nos re-velam que a ideia de segurança é um bem escasso, a liber-dade não pode ser sacrificada a qualquer custo, sob penade não vivermos como cidadãos, mas como escravos danossa cognitividade securitária'".

Naturalmente, há de se dotar o Estado de instrumen-tos normativos para a sua defesa, sem, no entanto, causardano às garantias individuais. Cabe à sociedade definir emque medida pode a lei, na defesa da segurança estatal,suspender o direito dos cidadãos, sem que isso se torneuma ameaça à defesa do próprio cidadão".

O sucesso do combate ao terrorismo inscreve-se,assim, na arregimentação da sociedade e na sua partici-pação consciente e ativa em sua própria defesa e na doEstado Social e Democrático de Direito".

Entendemos, desta forma, que o terrorismo é umtema que merece aprofundamento no cenário jurídiconacional, pois, embora o Brasil não esteja direta ou ofi-cialmente na linha de tiro de organizações terroristas in-ternacionais, o fenômeno deve ser explorado também nosníveis internos e regionais (Mercosul), a fim de delimitar-sea efetiva necessidade da tipificação dessa conduta ou ve-rificar se não se tratam de influências supranacionais queaqui se afiguram despropositadas.

De toda sorte, o tema levanta a controversa questãoda flexibilização de determinadas garantias fundamentaispara fins de conferir maior eficácia à persecução penalda criminal idade organizada, o que deve sempre ser vistocom reservas, sob a ótica da Constituição vigente e a égidedo Estado de Direito.

31 VALENTE,Manuel Monteiro Guedes. Cooperação judiciáriaem matéria penal no âmbito do terrorismo. Sistema Penal &Violência, Porto Alegre, PUCRS, v. 5, n. 1, p. 73-92, jan.ljun.2013, p. 83.

32 NAVES, Nilson. Terrorismo e violência: segurança do Estado,Direitos e liberdades individuais. Revista Centro de Estudos ju-diciários, Brasília, Conselho de Justiça Federal, n. 18, p. 6-9,jul.lset. 2002, p. 8.

33 CARDOSO, Alberto Mendes. Terrorismo e segurança em um Es-tado Social Democrático de Direito. Revista Centro de Estudosjudiciários, Brasília, Conselho de Justiça Federal, n. 18, p. 47-53,jul.lset. 2002, p. 53.

REFERÊNCIAS

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COTTEE, Simon; HAYWARD, Keith. Terrorist (E)motives: TheExistential Attractions ofTerrorism. Studies in Conflict &Terrorism, Londre, Routledge, v. 34, n. 12, p. 963-986,2011.

DOTTI, René Ariel. Terrorismo e devido processo legal.Revista Centro de Estudos judiciários, Brasília, Conselho dejustiça Federal, n. 18, p. 27-30, jul./set. 2002.

NAVES, Nilson. Terrorismo e violência: segurança do Esta-do, Direitos e liberdades individuais. Revista Centro de Estu-dos judiciários, Brasília, Conselho de justiça Federal,n. 18, p. 6-9, jul./set. 2002.

RODLEY, Nigel Simon. Terrorismo: segurança do Estado-Direitos e liberdades individuais. Trad. Erlanda S. Chaves.Revista Centro de Estudos judiciários, Brasília, Conselho dejustiça Federal, n. 18, p. 16-22, jul./set. 2002.

SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A globalização e asciências sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

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ZAPATERO, Luis Arroyo. Presentación. In: ;NEUMANN, Ulfrid; MARTíN, Adán Nieto (Coord.). Críti-ca y justificación deI Oerecho Penal en el cambio de si-gla: EI análisis crítico de Ia Escuela de Frankfurt. Cuenca:Ediciones de Ia Universidad de Castilla-La Mancha,2003.

REPERTÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA IOB - t- QUINZENA DE SETEMBRO DE 2013 - N° 17/2013 - VOLUME 111 627

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1a QU1NZENA DE SETEMBRO - N° 17 - 2013

CIVIL, PROCESSUAL, PENAL E COMERCIAL VOLUME 111

Ementa Página

DOUTRINALei Antidrogas: Norma Penal em Branco - Utilidade

(artigo de Diogo Alexandre Restani)........................... 3/32378 635O Terrorismo e a Inalienabilidade dos Direitos Funda-

mentais: Reflexos na Legislação Brasileira em Elabora-ção (artigo de Carlo Velho Mais) 3/32377 632

JURISPRUD~NCIA COMENTADAImportação Paralela de Produtos Marcados: o Atual Posi-

cionamento do Superior Tribunal de Justiça (por AndréCamerlingo Alves e André Mendes Espírito Santo) ..... 3/32376 626

EMENTÁRIOCivil, Processual Civil e ComercialAção civil pública - cumprimento de sentença - requeri-

mento individual- prescrição quinquenal (5TJ) 3/32375 623Ação de cobrança - parcelas referentes a contrato de

mútuo - prazo prescricional (5TJ) 3/323 74 623AIienação fiduciária - ação de exibição de documentos

- obtenção do contrato de financiamento (TJ5P) 3/32373 623Arrendamento mercantil - ação de resilição - contradi-

ção do julgado - rejeição (TJDFl) 3/32372 623Cédula rural pignoratícia - execução - direito à securiti-

zação (5TJ)................................................................. 3/32371 623Contrato

- Ação de rescisão - compra e venda de veículo usa-do - arrendamento mercantil - ilegitimidade passiva(T)DFl) 3/32370 623

- Bancário - ação revisional - capitalização mensal dejuros - análise de cláusulas contratuais - vedação(5T)) 3/32369 622

- Cartão de crédito - furto (T)5P) 3/32368 622Defesa do consumidor - imóvel - descumprimento con-

tratual - falha na prestação do serviço - atraso na en-trega (T)DFD.............................................................. 3/32367 622

Desapropriação- Laudo pericial - validade - honorários de advogado

(T)GO) 3/32366 621- Por utilidade pública - indenização - avaliação do

bem expropriado - imissão na posse (5TJ)................. 3/32365 621Duplicata mercantil - ação declaratória de inexistência

de obrigação cambiária de pedidos de cancelamentode protesto e indenização por danos morais (T)5P).... 3/32364 621

Execução- Prescrição intercorrente - necessidade de intimação

pessoal do exequente (T)GO).................................... 3/32363 621- Título judicial - ação civil pública - juros remunera-

tórios (T)DFl}............................................................ 3/32362 621Falência - ação de extinção das obrigações do falido -

negativa de prestação jurisdicional - prova da quita-ção fiscal (T)DFl}....................................................... 3/32361 620

Guarda provisória - prioridade - interesse do menor(T)DFD 3/32360 620

Justiça gratuita - ação de indenização por danos morais- benefício indeferido (T)5P) 3/32359 619

Menor - regulamentação de visitas -limites à visitação-princípio do melhor interesse da criança - prevalência(T)R)).......................................................................... 3/32358 619

íNDICEEmenta Página

Regime de bens - alteração - casamento celebrado navigência do Código Civil de 1916 - possibilidade(T)RJ) 3/32357 619

Responsabilidade civil- acidente de trânsito - segurado-ra denunciada à lide (5T)) 3/32356 618

5eguro- De vida - ação de obrigação de fazer - manutenção

(5T)) 3/32355 618- De vida em grupo - indenização - invalidez perma-

nente e total por doença - comprovação - indeniza-ção devida (T)5P) 3/32354 618

5entença estrangeira contestada - ação de divórcio - ali-mentos - execução (5TJ) 3/32353 618

Separação litigiosa - partilha dos bens - instituição decondomínio - ação de extinção e arbitramento de alu-guéis (T)DFl) 3/32352 616

Sociedade de fato - ação declaratória de reconhecimen-to e dissolução - namoro e posterior convivência sobo mesmo teto - distinção entre namoro, noivado e aconvivência com affectiomaritalis (TJGO) 3/32351 616

Penal e Processual PenalCrime de concussão - cargo de prefeito - constrangi-

mento ilegal - caracterização (5TJ)............................. 3/32350 616Crime de homicídio - impronúncia - ausência de intima-

ção - preclusão - precedentes (5TF)........................... 3/32349 615Crime de latrocínio- Homicídio - concurso material - desclassificação

(T)RJ)......................................................................... 3/32348 615- Prova - autoria e materialidade - condenação manti-

da (T)DFT) 3/32347 614Crime de moeda falsa - desclassificação para estelionato

- impossibilidade (TRF4' R.) 3/32346 614Crime de peculato - furto em coautoria - prisão preven-

tiva - alvará de soltura - expedição - possibilidade(STM) 3/32345 614

Crime militar - princípio da insignificância - contrarie-dade - inexistência (5TF)............................................ 3/32344 613

Estelionato qualificado - recebimento indevido de segu-ro-desemprego - prescrição retroativa (TRF5' R.) 3/32343 613

Falsificação de documento público- Carta de fiança falsa - constrangimento ilegal- alega-

ção - impossibilidade (STJ) 3/32342 613- Omissão de anotação de carteiras de trabalho - auto-

ria e material idade - demonstração (TRF2' R.) 3/32341 612Furto simples - readequação da pena-base - possibilida-

de (TJMD. 3/32340 612Princípio da insignificância - moeda falsa - inaplicabili-

dade (TRFl' R.) 3/32339 612Prisão preventiva - garantia da ordem pública - necessi-

dade (5TF).................................................................. 3/32338 611Tráfico de drogas

- Materialidade e autoria - demonstração - comprova-ção (TRF3' R.).......................................................... 3/32337 611

- Prisão preventiva - decretação - constrangimento ile-gal - não configurado (T)MD 3/32336 610