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Observador On-line | v.2, n.3 mar. 2007 |

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artigo sobre terrorismo

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  • Observador On-line

    | v.2, n.3 mar. 2007 |

  • Observatrio Poltico Sul-Americano Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro IUPERJ/UCAM

    http://observatorio.iuperj.br

    Observador On-line (v.2, n.3 mar. 2007)

    ISSN 1809-7588

    Neste nmero

    O primeiro governo Lula e o Mercosul: iniciativas intra e extra-regionais Cristina Alexandre e Iara Leite 2 Terrorismo islmico e Amrica Latina: a necessidade de um olhar contextualizado Marcial Suarez 18

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    O primeiro governo Lula e o Mercosul: iniciativas intra e extra-regionais

    Cristina Alexandre e Iara Leite

    Pesquisadoras do OPSA

    Introduo

    Diferentemente do otimismo predominante no Mercosul em seus primeiros anos, o

    final dos anos 90 e incio dos 2000 marcaram a instaurao de tendncias

    fortemente desagregadoras entre os Estados Partes. Em 1999, com a economia

    brasileira atingida pelas crises financeiras asiticas e pela moratria russa, o

    governo Fernando Henrique Cardoso optou pela suspenso da ncora cambial,

    gerando uma desvalorizao do Real e uma maior competitividade dos produtos

    brasileiros no mercado internacional. Diante do rompimento da convergncia em

    torno da paridade fixa pelo Brasil e da recesso na Argentina, a resposta deste pas

    foi adotar medidas unilaterais para proteger os setores prejudicados, por um lado,

    e eliminar tarifas para a importao de equipamentos e bens de capital, por outro.

    Essas iniciativas, somadas ao agravamento da crise na Argentina e no Uruguai,

    geraram impactos negativos no comrcio intrabloco e, mais amplamente, nas

    negociaes para o avano da unio aduaneira1.

    Com a recuperao da economia internacional, a partir de 2002, as economias do

    bloco e o intercmbio comercial intrazona voltaram a crescer2, prometendo uma

    reverso do enfraquecimento do Mercosul nos anos anteriores. Contudo, novos

    desafios surgiram e, a partir da emergncia de governos de esquerda na Argentina,

    Brasil e Uruguai, despontaram novos rumos no bloco.

    Em 2003, o presidente Luiz Incio Lula da Silva tomou posse no Brasil, prometendo

    priorizar a construo de uma Amrica do Sul politicamente estvel, prspera e

    unida e revitalizar o Mercosul, entendido, acima de tudo, como um projeto poltico.

    Nesse sentido, a atuao brasileira voltou-se para a recuperao de uma viso mais

    ampla da integrao, englobando aspectos preteridos nos anos 90 em virtude da

    centralidade assumida pela liberalizao comercial entre os Estados membros.

    As duas Presidncias Pro Tempore do Mercosul exercidas pelo Brasil durante o

    governo Lula avanaram propostas fundamentais para o desenvolvimento

    institucional do bloco, com destaque para a implementao do Parlamento do

    1 Camargo, 2006; Giambiagi e Barenboim, 2005. 2 O Anexo I contm dados da OMC sobre o comrcio intra-Mercosul nos anos de 1990, 2000 e 2005.

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    Mercosul e do Fundo de Convergncia Estrutural (Focem). No mbito bilateral,

    observou-se uma flexibilizao da postura brasileira para com as demandas dos

    demais scios, a qual se fez necessria diante da insatisfao argentina em relao

    aos supervits comerciais brasileiros, por um lado, e da aproximao do Paraguai e

    Uruguai junto aos EUA, por outro. Por fim, o protagonismo brasileiro no mbito

    multilateral e na expanso das relaes sul-sul, com destaque para a integrao

    sul-americana, gerou impactos positivos no aprofundamento da agenda externa do

    Mercosul e na capacidade de ao conjunta dos pases membros no mbito

    internacional. Contudo, o voluntarismo brasileiro no lanamento de candidaturas a

    organismos internacionais demonstra que o governo Lula nem sempre buscou o

    apoio dos vizinhos em suas iniciativas nos fruns multilaterais, o que trouxe

    prejuzos para a coeso interna do Mercosul.

    O objetivo deste trabalho avaliar a atuao do primeiro governo Lula em relao

    ao Mercosul nas duas esferas mencionadas acima. A primeira seo tratar das

    relaes bilaterais com os demais scios do Mercosul, enquanto a segunda

    focalizar a ao multilateral do Brasil e seus impactos no Mercosul. Os avanos e

    retrocessos institucionais e econmicos do bloco sero tratados de maneira pontual

    ao longo do texto.

    Relaes bilaterais

    Brasil-Argentina

    Entre os analistas do Mercosul, h um relativo consenso de que Argentina e Brasil,

    por serem os pases de maior peso econmico e poltico da regio, marcam o ritmo

    e a direo do Mercosul. Se, durante os governos de Collor e Menen, predominou

    certa convergncia em torno da abertura comercial e do alinhamento com os EUA,

    os rumos do bloco parecem se deslocar com a falncia do modelo neoliberal e as

    eleies de Lula e Kirchner. A emergncia de governos de esquerda no implicou,

    porm, uma parceria incondicional entre Argentina e Brasil, embora os avanos nas

    relaes bilaterais sejam inegveis.

    Uma fonte potencial de conflito centrou-se nas diretrizes econmico-financeiras

    distintas encampadas pelos dois governos, as quais refletiram, a princpio, posturas

    opostas em relao aos agentes privados e organizaes financeiras internacionais.

    A predominncia de vis conservador no Ministrio da Fazenda e no Banco Central

    do Brasil determinou, em larga medida, a omisso de Lula em relao suspenso

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    temporria do pagamento da dvida argentina junto ao FMI em setembro de 2004

    e, novamente, no incio de 2005, durante a renegociao da dvida pblica do pas

    com credores privados3. Depois disso, observou-se um processo de harmonizao

    nas relaes dos governos argentino e brasileiro com o FMI, conforme demonstram

    as iniciativas simultneas para o pagamento antecipado de suas dvidas junto ao

    organismo4 e os esforos conjuntos para se alterar os critrios do clculo das

    quotas, de forma a aumentar a representatividade dos pases em desenvolvimento

    no FMI.

    Representantes dos dois pases tambm buscaram alternativas conjuntas para o

    financiamento de projetos na Amrica do Sul. Desde o incio, o governo argentino

    apoiou a iniciativa da Venezuela para a criao do chamado Banco do Sul. O Brasil

    foi a princpio reticente em relao agncia, defendendo como mais eficaz uma

    ao conjunta dos bancos regionais j existentes. Aps o anncio por Chvez e

    Kirchner, em fevereiro de 2007, de que a instituio nasceria oficialmente em 120

    dias, o governo brasileiro decidiu fazer parte da comisso que definir os

    parmetros para a criao do Banco do Sul.

    Outro ponto de conflito com a Argentina durante o governo Lula situou-se no

    mbito comercial, com a reduo do supervit argentino com o Brasil, a partir de

    2003, e os consecutivos dficits, a partir de 20045. Diante das assimetrias do

    comrcio bilateral que resultaram da crise argentina e, mais amplamente, das

    opes por modelos de desenvolvimento distintos nas dcadas anteriores,

    observou-se uma flexibilizao da postura brasileira. O maior exemplo disso foi a

    aprovao, em fevereiro de 2005, do chamado Mecanismo de Adaptao

    Competitiva (MAC), que prev o estabelecimento de salvaguardas quando algum

    setor se sinta prejudicado pela competitividade dos produtos provenientes do outro

    pas. Apesar de ter gerado reaes negativas do empresariado brasileiro e

    representado um retrocesso na unio aduaneira, a medida foi importante para

    preservar as relaes bilaterais, evitar que o desequilbrio comercial evolusse para

    uma crise mais profunda e estimular o consenso em outras matrias. Nesse

    sentido, vale mencionar o novo acordo automotivo assinado em junho de 2005 e a

    deciso pela desdolarizao do comrcio bilateral, que ter incio em julho de 2007

    e favorecer os exportadores de mdio e pequeno portes.

    No se pode dizer, porm, que se formou um consenso global entre os dois

    governos para uma redefinio dos rumos do Mercosul. O maior exemplo disso,

    3 Batista Junior, 2005. 4 O Uruguai quitou sua dvida com o FMI cerca de um ano depois, no final de 2006. 5 Ver Anexo II.

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    talvez, sejam as vises distintas que predominam quanto ao tratamento dos scios

    menores do bloco. Recorde-se que, no final do primeiro mandato de Lula, o

    presidente props uma modificao das regras de origem do Mercosul para o

    Paraguai e Uruguai, alm da eliminao da dupla indexao da Tarifa Externa

    Comum (TEC)6. As duas propostas foram levadas ltima cpula do Mercosul, em

    janeiro de 2007, mas ainda no obtiveram o respaldo do governo argentino. As

    iniciativas brasileiras em relao aos scios menores sero discutidas com maior

    profundidade na prxima seo.

    Brasil-Paraguai e Brasil-Uruguai

    As relaes do Brasil com Paraguai e Uruguai, ao longo do primeiro governo Lula,

    apresentaram uma ntida evoluo. A princpio, a ao brasileira foi reativa,

    respondendo a demandas pontuais ou estendendo discusses at que se chegasse

    a um denominador comum. A aproximao individual dos dois pases em relao

    aos EUA representou um dos fatores de tenso fundamentais no perodo. Contudo,

    vale ressaltar que essa aproximao foi essencial para a construo progressiva de

    uma agenda positiva para os dois pases.

    No mbito institucional, o governo brasileiro, assim como o argentino, assentiu com

    a demanda dos scios menores pela representao paritria no Parlamento do

    Mercosul7, estabelecida pela Comisso Parlamentar Conjunta em outubro de 2005.

    Cabe destacar que, durante a Presidncia Pro Tempore do Brasil, no segundo

    semestre de 2004, essa comisso ganhou poder negociador para conduzir todas as

    tarefas necessrias para a instalao do Parlamento do Mercosul at 31 de

    dezembro de 2006. No segundo semestre de 2006, novamente sob a Presidncia

    Pro Tempore do Brasil, a Comisso Parlamentar Conjunta concluiu seus trabalhos e,

    em 14 de dezembro de 2006, realizou-se em Braslia a Sesso Constitutiva do

    Parlamento do Mercosul.

    O governo brasileiro tambm teve participao de peso na criao do Fundo de

    Convergncia Institucional (Focem), cujos projetos prioritrios voltaram-se para

    6 A eliminao da dupla cobrana da TEC assunto recorrente nas discusses do Conselho Mercado Comum desde, pelo menos, 2004, quando uma deciso estabeleceu trs condies para a efetivao da medida: a elaborao de um mecanismo de distribuio da renda aduaneira; a elaborao do novo Cdigo Aduaneiro do Mercosul; e a interconexo dos sistemas informticos aduaneiros. Segundo o Relatrio da Presidncia Pro Tempore do Brasil exercida no segundo semestre de 2006, a ltima condio j foi finalizada e est em operao, e a segunda avanou um pouco mais com a definio da metodologia de trabalho durante a primeira reunio do Grupo Ad Hoc institudo para redigir o novo cdigo. Contudo, ainda no h consenso sobre o mecanismo de distribuio da renda aduaneira. 7 Segundo o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, a representao paritria dar lugar proporcional em 2011.

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    temas de interesse direto do Paraguai e do Uruguai. Os projetos-piloto foram

    discutidos ao longo do segundo semestre de 2006, durante a Presidncia Pro

    Tempore do Brasil, e aprovados em janeiro de 20078.

    A centralidade do tema das assimetrias sobressaiu desde o incio da gesto Lula.

    Em junho de 2003, o governo brasileiro lanou o programa Objetivo 2006, o qual

    foi aperfeioado dois meses depois, durante a Reunio Extraordinria do Conselho

    do Mercosul, resultando no Programa de Trabalho 2004-2006. Embora no tenha

    garantido o objetivo mais amplo de consolidar a unio aduaneira at o fim de 2006,

    o documento foi fundamental para o estabelecimento de bases para um

    relacionamento mais justo e eqitativo entre os scios do Mercosul.

    O governo brasileiro tambm realizou concesses importantes no mbito bilateral.

    Recentemente, Brasil e Paraguai assinaram um acordo para suprimir o fator de

    reajuste, medido pela inflao dos EUA, da dvida da parte paraguaia de Itaipu

    junto Eletrobrs. Tratava-se de uma demanda constante do presidente Nicanor

    Duarte Frutos, e a deciso argentina de perdoar parte da dvida paraguaia da

    binacional Yaciret, em setembro de 2006, veio tornar-se mais um fator de presso

    para o consentimento brasileiro.

    Entretanto, ainda no foi proposta uma soluo sustentvel para as insatisfaes

    paraguaias em relao ao recrudescimento da fiscalizao da Receita Federal na

    Ponte da Amizade. O grande problema que, respondendo ameaa norte-

    americana de que o Brasil seria retirado do Sistema Geral de Preferncias (SGP)

    caso no tomasse medidas mais eficazes para controlar a pirataria e o contrabando,

    o governo Lula acabou adotando aes que desagradaram o vizinho, que respondeu

    com a intensificao do controle da entrada e sada de brasileiros no pas. O

    aumento da quota de compras dos brasileiros foi uma medida modesta para se lidar

    com a questo. A populao da Cidade do Leste, prejudicada pelo controle e pela

    hostilidade dos funcionrios da Polcia Federal, passou a realizar bloqueios e houve

    at mesmo enfrentamentos com policiais brasileiros. Em Foz do Iguau,

    aconteceram protestos contra a intensificao do controle e a expulso de

    brasileiros por agentes da imigrao paraguaia. A disputa culminou com a

    assinatura de um acordo sobre o controle fronteirio da Cidade do Leste, em maro

    de 2006, quando o governo brasileiro se comprometeu a destinar recursos para a

    modernizao do sistema de controle aduaneiro e a flexibilizar temporariamente a

    8 Dos onze projetos-piloto aprovados pela Deciso N 08/07 do Conselho Mercado Comum, cinco foram apresentados pelo Paraguai, trs, pelo Uruguai, dois, pela Secretaria do Mercosul e um, pelo Comit Mercosul Livre de Febre Aftosa. Os recursos do Focem sero direcionados a projetos de educao, infra-estrutura, apoio a microempresas, biossegurana, tecnologia, combate aftosa e fortalecimento institucional do bloco.

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    vigilncia. Contudo, logo no ms seguinte houve novas denncias em relao

    hostilidade dos funcionrios brasileiros, e Duarte Frutos chegou a colocar em dvida

    a permanncia do Paraguai no Mercosul. Recentemente, com a divulgao dos

    supostos planos brasileiros de construir um muro para combater o contrabando na

    fronteira com o Paraguai, surgiram novas presses para que o pas se retirasse do

    bloco.

    Outra fonte de estremecimento foi a suspeita de que seriam instaladas bases

    militares norte-americanas no Paraguai. Isso ganhou relevo aps a aprovao, pelo

    Senado paraguaio, da concesso de imunidade aos soldados norte-americanos

    diante do Tribunal Penal Internacional e da entrada de contingentes no pas para

    exerccios militares conjuntos e misses humanitrias. O governo brasileiro foi dos

    que mais pressionou o vizinho para fornecer informaes e garantir maior

    transparncia do processo. Tanto o governo dos EUA quanto o do Paraguai

    negaram rumores sobre uma possvel instalao de bases militares, mas o vice-

    presidente paraguaio chegou a admitir que uma agncia do FBI seria aberta no

    pas. No incio de 2006, ano em que o Paraguai foi includo na Conta do Milnio,

    essa certeza foi relativizada e, ao longo do ano, pareceram dissipar-se as ameaas

    de uma aproximao militar e comercial do Paraguai em relao aos EUA.

    No mbito da segurana, as iniciativas de aproximao hemisfrica passaram a ser

    concretizadas em parceria com o Brasil, conforme demonstram a criao do Centro

    Regional de Inteligncia9 e de uma base antidrogas10 financiada pelos EUA na

    regio fronteiria. Ambas as iniciativas, alm da formao do Grupo Bilateral de

    Defesa Brasil-Paraguai, tornaram-se fundamentais com a crescente necessidade de

    conteno de grupos criminosos como o CV e o PCC e, mais amplamente, de fluxos

    ilegais de finanas, armas e drogas na fronteira.

    Por fim, importante destacar que, em outubro de 2006, o governo paraguaio

    rechaou o pedido de renovao da imunidade dos militares norte-americanos,

    alegando reinterpretao do acordo militar com os EUA com base na Conveno de

    Viena. provvel que a recusa se sustente j que, no segundo semestre de 2006, a

    aplicao dos dispositivos que previam restries ajuda econmica e militar a

    pases que se negassem a conceder imunidade aos soldados norte-americanos a

    Emeda Nethercutt e a Lei de Proteo de Integrantes das Foras Armadas Norte-

    9 O Centro Regional de Inteligncia, cuja criao foi decidida pelo Grupo 3+1 sobre Segurana na Trplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai + EUA), funciona nas instalaes da Polcia Federal de Foz do Iguau. 10 A base antidrogas foi inaugurada em agosto de 2006 entre as cidades paraguaias de Pedro Juan Caballero e Ponta Por, na fronteira com o Brasil.

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    Americanas (ASPA, na sigla em ingls) foi suspensa pelo governo dos EUA no

    caso dos latino-americanos.

    Nesse sentido, os dados aqui mencionados nos levam a crer que, diferentemente

    do que vem sendo veiculado pela mdia e por especialistas, as iniciativas militares

    individuais do Paraguai com os EUA podem ter se tratado mais de questes

    pontuais e instrumentos de barganha do que de iniciativas mais amplas que

    impliquem, de fato, impactos negativos para a segurana regional.

    No mbito comercial, Duarte Frutos admitiu recentemente que no assinaria um

    tratado de livre comrcio com os EUA e que buscaria parcerias com o Chile para

    incrementar o acesso de seus produtos ao mercado norte-americano.

    O mesmo aconteceu no caso do Uruguai, embora este pas tenha dado mais passos

    para se aproximar comercialmente dos EUA, com a assinatura do Tratado de

    Proteo de Investimentos, em novembro de 2005, e do Acordo Marco em

    Investimentos e Comrcio (Tifa, na sigla em ingls), no incio de 2007. A proposta

    da assinatura individual do primeiro tratado, herana do governo uruguaio anterior,

    havia sido, a princpio, rechaada pelo governo Vzquez, que preferia promover a

    definio de um critrio comum do Mercosul para acordos de investimento dessa

    espcie. Na verdade, uma iniciativa nesse sentido j existia desde 1994, quando se

    concluiu o Protocolo sobre Promoo e Proteo de Investimentos Provenientes de

    Estados No-membros do Mercosul. Vale lembrar, contudo, que, em virtude das

    crticas formuladas pelos parlamentares brasileiros, o dispositivo teve seu processo

    de internalizao suspenso no Brasil, em abril de 2004, apesar de ter sido aprovado

    pelos Legislativos dos demais pases membros11.

    Uma maior aproximao comercial entre Uruguai e EUA, porm, ainda no pode ser

    vislumbrada, no tanto por conta da oposio brasileira, mas, fundamentalmente,

    devido ao rechao da base de apoio do governo uruguaio assinatura de um

    tratado de livre comrcio com Washington. Do lado brasileiro, destaque deve ser

    dado para o aprofundamento de uma agenda mais positiva em relao ao vizinho,

    conforme demonstram, por exemplo, os acordos firmados recentemente pelos dois

    pases quando da visita de Lula a Colnia de Sacramento.

    Porm, do ponto de vista uruguaio, o governo brasileiro deixou a desejar nas

    tentativas de se solucionar o contencioso das papeleras com a Argentina. Mas vale

    11 Paraguai, Argentina e Uruguai aprovaram o protocolo, respectivamente, em 12/09/1995, 14/03/1996 e 11/07/2003. Os parlamentares brasileiros argumentaram que o Protocolo, por vislumbrar o direito de escolha de arbitragem internacional pelo investidor estrangeiro, romperia com um princpio bsico do direito internacional, o do esgotamento dos recursos internos, afetando, por conseguinte, a soberania nacional (Alexandre, 2006).

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    apontar que, abstendo-se de interferir no contencioso, o Brasil preservou um pilar

    bsico de sua poltica externa e evitou possveis desacordos com a Argentina. Lula

    chegou a conversar com a presidente da Finlndia para promover uma soluo

    negociada junto Botnia, e representantes brasileiros demonstraram que o pas era

    favorvel busca por solues no mbito do Mercosul. Enquanto a Argentina

    recorreu a Haia, o Uruguai levou sua demanda ao Tribunal Arbitral Ad Hoc do

    Mercosul, que decidiu a seu favor, mas no imps sanes ao vizinho por no

    guardar competncia para tanto12.

    O primeiro mandato do governo Lula terminou com uma srie de gestos de boa-

    vontade em relao aos scios menores, conforme demonstram as propostas

    mencionadas no final da seo anterior. Apesar da recusa argentina em relao

    implementao imediata das propostas, Lula j disse que pretende deixar

    ingressar, no mercado brasileiro, produtos paraguaios e uruguaios que incorporem,

    respectivamente, 75% e 70% de insumos importados de terceiros, diferentemente

    dos 60% e 50% atualmente permitidos pelas regras de origem do Mercosul. Vale

    lembrar, contudo, que uma ao individual do Brasil nesse sentido, embora possa

    incrementar as relaes bilaterais com Paraguai e Uruguai e gerar uma maior

    satisfao deles em relao ao bloco, prejudica a capacidade do Mercosul de agir

    conjuntamente e, em ltima instncia, o prprio avano institucional do bloco.

    O Brasil e a agenda externa do Mercosul

    Alm da agenda interna do Mercosul destacada ao longo da seo anterior,

    preciso atentar tambm para sua agenda externa, tendo em vista que o bloco

    representa importante instrumento de fortalecimento da atuao internacional de

    seus integrantes. Com efeito, um dos propsitos da integrao regional, segundo a

    viso do regionalismo aberto, possibilitar que os pases incrementem sua

    capacidade de insero econmica e poltica no mbito internacional. Alm da

    integrao entre Estados membros, recomendvel que se promovam acordos

    comerciais com outros pases e com outras regies, sempre que as economias

    locais estejam preparadas para tanto. Do ponto de vista poltico, a fora de um

    12 Assim disps o item IV-3 do Laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc constitudo para entender a controvrsia apresentada pelo Uruguai Argentina sobre Omisso do Estado Argentino em adotar Medidas Apropriadas para Prevenir e/ou Fazer Parar os Impedimentos Impostos Livre Circulao pelas Barreiras em Territrio Argentino de Vias de Acesso s Pontes Internacionais Gal San Martin e Gal Artigas que unem a Repblica Argentina com a Repblica Oriental do Uruguai: desestimando parcialmente la pretensin de la Parte Reclamante, se declara que, en atencin a las circunstancias del caso, no resulta procedente en derecho que este Tribunal Ad Hoc adopte o promueva determinaciones sobre conductas futuras de la Parte Reclamada.

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    bloco pode ser medida pela capacidade de articulao de seus membros em

    negociaes e na defesa de causas junto a instituies multilaterais.

    Durante o governo Lula, o pas reincorporou um vis mais heterodoxo sua poltica

    externa, engajando-se ativamente em fruns multilaterais e liderando coalizes de

    pases em desenvolvimento em busca da consolidao de um consenso global

    voltado para a agenda do desenvolvimento13. Assim, podem-se identificar dois

    marcos principais de sua atuao: o aprofundamento das parcerias externas, com

    destaque para pases do Sul, sem comprometer as relaes com parceiros

    tradicionais; e o prosseguimento da insero em regimes internacionais, guiado por

    uma nova postura, a qual se volta para a mudana das regras existentes em

    mbito internacional14. Conforme veremos abaixo, esses tipos de iniciativas tiveram

    impactos diretos e indiretos, positivos e negativos, no Mercosul.

    No que diz respeito ao desenvolvimento do eixo privilegiado da poltica externa do

    governo Lula, a Amrica do Sul, a intensificao das relaes no subcontinente foi

    promovida sem o comprometimento do Mercosul. De fato, no perodo analisado,

    todos os pases sul-americanos tornaram-se membros associados do bloco at

    ento, essa condio era atribuda apenas a Bolvia e Chile e, de modo

    complementar, os quatro pases do Mercosul associaram-se CAN15. Ainda em

    2004, foi firmado o Acordo de Cooperao Mercosul-CAN, no marco da Associao

    Latino-Americana de Integrao (Aladi). Como fatores importantes nesse

    movimento, destacam-se a adeso da Venezuela como membro pleno do Mercosul,

    em julho de 200616, bem como a solicitao de ingresso pela Bolvia17. Por fim, a

    criao da Comunidade Sul-Americana de Naes (Casa), em dezembro de 2004,

    assenta de forma mais permanente os laos que vinham sendo atados desde 2000,

    com a realizao da I Reunio de Presidentes da Amrica do Sul. Nesse contexto,

    buscou-se evitar a superposio de estruturas jurdico-institucionais e, ao mesmo

    tempo, fomentar projetos que encontram maior eficincia em mbito sul-

    americano, com destaque para a integrao fsica e energtica. Assim, o Brasil,

    com base em programas de incentivo ao crdito do Banco do Brasil e do Banco

    Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES), vem promovendo

    13 Oliveira, 2005. 14 Lima, 2006. 15 Ademais, cumpre destacar o ingresso do Mxico como membro observador do Mercosul, em julho de 2004, e a confirmao do interesse desse pas em se tornar membro associado. Para isso, o Mxico dever assinar um acordo de livre comrcio com o bloco em conjunto. Atualmente, o pas tem acordos de preferncia comercial firmados em separado com os quatro scios originais do Mercosul. 16 Nesta ocasio, o pas passou condio de membro pleno, com direito a participar de todas as reunies, mas s ter direito de voto (membro efetivo) quando preencher todos os requisitos para integrar o projeto de unio aduaneira. 17 Em janeiro de 2007, Conselho do Mercado Comum aprovou a criao do Grupo de Trabalho Ad Hoc que examinar a entrada da Bolvia como membro pleno do bloco.

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    principalmente projetos de ligao inter-rodoviria e energtica do subcontinente,

    reas que representam gargalos fundamentais para a tentativa de fomento do

    comrcio intra-regional e de promoo do desenvolvimento.

    No contexto da diversificao das relaes sul-sul, os principais resultados foram a

    criao do Frum de Dilogo ndia, Brasil e frica do Sul (IBAS) e a realizao da

    Cpula Amrica do Sul-Pases rabes. Cumpre destacar que, ao buscar o

    fortalecimento de laos econmicos e institucionais com pases do Sul, o Brasil no

    atuou de modo unilateral, mas sim como membro do Mercosul. Assim, pode-se

    dizer que o movimento poltico patrocinado pelo governo Lula assegurou dividendos

    ao bloco regional como um todo. As marcas mais claras dessa atuao esto nos

    acordos preferenciais de comrcio firmados entre Mercosul e ndia18, Mercosul e

    Unio Aduaneira da frica Austral (Sacu, na sigla em ingls)19, alm das

    negociaes em andamento com Egito20, Marrocos21 e Conselho de Cooperao do

    Golfo (CCG, que agrupa Bareine, Kuaite, Catar, Om, Arbia Saudita e Emirados

    rabes Unidos)22. De modo geral, tais acordos, assinados ou ainda em negociao,

    incrementaro o intercmbio comercial do bloco como um todo, reforando a

    tendncia de crescimento que j vem sendo verificada, na maioria dos casos, no

    comrcio entre o Brasil e esses novos parceiros. Vale ressaltar que, no caso dos

    textos assinados com a ndia e com a Sacu, ao objetivo de fomentar o comrcio do

    bloco em geral foram acrescidas as preocupaes em torno das assimetrias entre

    os membros, de modo que se estabeleceram tratamentos especiais e diferenciados

    para Paraguai e Uruguai23.

    18 As negociaes entre Mercosul e ndia tiveram incio em julho de 2003, com a assinatura de um Acordo-Quadro para a promoo de uma rea de livre comrcio entre ndia e Mercosul. Finalmente, em janeiro de 2004, foi assinado o Acordo de Comrcio Preferencial entre Mercosul-ndia. Em decorrncia de tal acordo, firmou-se, em maro de 2005, o Acordo de Preferncias Tarifrias Fixas entre Mercosul e ndia, passo inicial para a criao de uma rea de livre comrcio entre os dois. 19 O Acordo de Comrcio Preferencial MERCOSUL SACU foi assinado em dezembro de 2004 e tem como objetivo estabelecer uma rea de livre comrcio entre o Mercosul e a SACU. 20 Em julho de 2004, foi assinado o Acordo Quadro Mercosul-Egito, com o objetivo de fortalecer as relaes entre as Partes Contratantes, promover a expanso do comrcio e estabelecer as condies e mecanismos para negociar uma rea de Livre Comrcio em conformidade com as regras e disciplinas da Organizao Mundial do Comrcio. 21 Em novembro de 2004, foi assinado o Acordo Quadro sobre o Comrcio entre o Mercosul e Marracos, com o objetivo de fortalecer as relaes entre as Partes Contratantes, promover a expanso do comrcio e estabelecer as condies e mecanismos para negociar uma rea de Livre Comrcio em conformidade com as regras e disciplinas da Organizao Mundial do Comrcio. 22 A partir do Acordo-Quadro sobre Cooperao Econmica entre o Mercosul e o CCG, firmado no contexto da Reunio de Cpula Amrica do Sul-Pases rabes, realizada em Braslia, em maio de 2005, as duas regies deram incio s negociaes em novembro de 2005. De acordo com o previsto nas ltimas reunies, o acordo de livre comrcio entre o Mercosul e o CCG estar definido at junho de 2007. 23 Produtos exportados pelos dois pases, como soja e txteis, tero preferncia no acesso aos mercados da SACU e da ndia. Tambm nas regras de adeso da Venezuela ao Mercosul, Paraguai e Uruguai foram contemplados com desgravemento tarifrio mais extenso e imediato do que o previsto para os demais scios.

  • Observador On-line | v.2, n.3 | mar. 2007

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    Tambm com relao s negociaes comerciais multilaterais, o ativismo brasileiro

    foi bem sucedido em agregar os demais integrantes do Mercosul. No mbito da

    Organizao Mundial do Comrcio (OMC), o Brasil, acompanhado por China, ndia e

    frica do Sul, protagonizou a criao do G-20 durante a fase final da preparao

    para a Conferncia Ministerial de Cancun, em 2003, promovendo a defesa de

    avanos no setor agrcola, tema central da Agenda de Desenvolvimento de Doha. O

    grupo contou com a adeso dos demais membros do Mercosul, alm dos

    associados, Bolvia e Chile, e da Venezuela 24. Sua criao pode ser vista como o

    momento inicial do incentivo brasileiro ao incremento do dilogo e da parceria sul-

    sul tendo em vista uma mudana da geografia comercial em prol dos pases em

    desenvolvimento, com especial destaque reduo e eliminao de subsdios

    agrcolas. Entretanto, os ltimos desdobramentos da Rodada Doha demonstram

    que, apesar da coalizo de foras entre os emergentes, ou por conta dela, a

    superao dos obstculos interpostos pelos pases desenvolvidos ainda uma

    realidade distante.

    A agricultura tambm constitui um dos grandes desafios no avano das negociaes

    entre Mercosul e Unio Europia (UE). Os dois blocos iniciaram sua aproximao

    ainda em 1995, com a assinatura do Acordo Marco Inter-regional de Cooperao

    (AMIC). As negociaes do Acordo de Associao Inter-regional, por sua vez,

    comearam em 1999. O maior obstculo permanece sendo o comrcio agrcola,

    onde se encontra a principal demanda dos mercosulinos, referente reduo dos

    subsdios europeus na rea que representa cerca de 50% de suas exportaes para

    a UE. Esta, por sua vez, exige dos pases do bloco do sul uma maior abertura no

    setor de servios, de modo que os empecilhos para a no-concluso do acordo

    podem ser identificados em ambas as partes.

    possvel identificar certo paralelismo entre as negociaes com a UE e a formao

    da rea de Livre Comrcio das Amricas (Alca) no apenas em relao

    sensibilidade de alguns temas da agenda mas ainda no que diz respeito ao

    interesse brasileiro em manter equilbrio entre dois importantes parceiros

    comerciais25. A continuidade na no-mobilizao brasileira em torno do projeto tem

    por base a constatao de que ficariam de fora das negociaes temas de interesse

    direto dos pases do Mercosul, como subsdios e medidas anti-dumping. Por ocasio

    da IV Cpula das Amricas, realizada na Argentina em 2005, os pases do Mercosul,

    acompanhados pela Venezuela, opuseram-se ao grupo liderado pelos EUA que

    24 Os atuais 21 membros do grupo dividem-se em cinco da frica (frica do Sul, Egito, Nigria, Tanznia e Zimbbue), seis da sia (China, Filipinas, ndia, Indonsia, Paquisto e Tailndia) e dez da Amrica Latina (Argentina, Bolvia, Brasil, Chile, Cuba, Guatemala, Mxico, Paraguai, Uruguai e Venezuela). 25 Perics Neto, 2004.

  • Observador On-line | v.2, n.3 | mar. 2007

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    propunha o estabelecimento de cronograma para a implementao da Alca e

    conseguiram fazer constar da Declarao Final o posicionamento de que o avano

    na criao da rea de livre comrcio deveria aguardar o trmino das negociaes

    da Rodada Doha. Assim, em conjunto, os membros do Mercosul buscavam impedir

    desequilbrios nas reas de servios, compras governamentais e propriedade

    intelectual.

    No entanto, nem a coeso do bloco em negociaes comerciais internacionais, nem

    o impulso dado nas relaes com novos parceiros impediram que, em alguns casos,

    o governo brasileiro adotasse certa postura voluntarista junto a organizaes

    internacionais. Assim, nos episdios das candidaturas fracassadas Diretoria-Geral

    da OMC26 e Presidncia do BID27 e, sobretudo, com relao pretenso brasileira

    de garantir um assento permanente no Conselho de Segurana da ONU, pde-se

    constatar a falta de uma articulao mais bem consolidada junto aos parceiros

    regionais, bem como a permanncia de certos temores destes com relao a

    supostas pretenses hegemnicas por parte do Brasil. As empreitadas brasileiras no

    cenrio externo deveriam resultar de consenso com os vizinhos, a fim de se evitar o

    comprometimento da coeso regional e, conseqentemente, a diminuio do peso

    da regio na esfera internacional28. No projeto de reviso da estrutura da ONU em

    funo da nova realidade do sistema internacional, no entanto, o Brasil foi buscar

    parcerias fora da regio, com a formao do G-4 (Brasil, Alemanha, Japo e ndia),

    no obtendo respaldo de todos os seus vizinhos ao projeto de reforma do Conselho

    de Segurana que defende29.

    26 O Brasil lanou a candidatura do embaixador em Genebra, Luiz Felipe de Seixas Corra, que concorreu com Pascal Lamy (Frana), ex-comissrio de Comrcio da UE; Jaya Krishna Cuttaree (Ilhas Maurcio), ministro de Comrcio Exterior; e Carlos Prez del Castillo (Uruguai), ex-representante na OMC. Segundo Seixas Corra, o Mercosul no apresentou candidatura nica por falta de consulta prvia do Uruguai. Prez del Castillo contou com o apoio da Argentina e do Paraguai. A disputa foi ganha pelo candidato francs, Pascal Lamy. 27 O Brasil lanou Joo Sayad, ento vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que concorreu com o embaixador colombiano nos EUA, Luis Alberto Moreno, o presidente do Banco Central da Nicargua, Mario Alonso, o ministro das Finanas do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, e o ex-ministro da Fazenda da Venezuela, Jos Alejandro Rojas. Moreno, com o apoio dos EUA, foi eleito em julho de 2005. Votaram em Sayad, alm do Brasil, Argentina, Bolvia, Chile, Portugal, Suriname, Crocia, Frana, Eslovnia, Haiti e Venezuela. Kuczynski recebeu apenas o voto de seu pas; os candidatos da Venezuela e da Nicargua no receberam votos; e nove pases se abstiveram -ustria, Blgica, Dinamarca, Finlndia, Alemanha, Japo, Holanda, Sua e Sucia. Os 26 restantes votaram em Moreno. 28 Lima e Coutinho, 2006. 29 Argentina e Mxico defendem outro programa de reformas, que prev apenas o aumento no nmero de membros no-permanentes, ao contrrio do G-4, que defende a incluso de seis novos membros permanentes, sem direito de veto, e de trs membros rotativos.

  • Observador On-line | v.2, n.3 | mar. 2007

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    Concluso

    Apesar de alguns equvocos nas frentes bilaterais e multilaterais, o primeiro

    governo Lula apresentou um balano geral positivo na sua atuao junto aos

    demais scios do Mercosul e agenda externa do bloco. Conforme vimos,

    observou-se uma flexibilizao da postura brasileira em relao a Argentina,

    Paraguai e Uruguai, um estmulo ao avano institucional do bloco e um

    protagonismo no aprofundamento das parceiras externas do Mercosul. Contudo,

    esses avanos no implicaram um consenso global dos pases membros quanto

    redefinio dos rumos do bloco. A possibilidade de que o Brasil, sem a parceria

    argentina, mude as regras de origem e elimine a dupla tributao da TEC para os

    scios menores aponta justamente para um consenso limitado em algumas

    matrias.

    Essas iniciativas bilaterais podem indicar um sintoma mais amplo no sentido de

    que, ao contrrio do que se esperava, a emergncia de governos de esquerda na

    Amrica do Sul no gerou um alinhamento automtico em torno de projetos

    comuns que englobem os variados aspectos relativos estrutura e poltica

    mercosulinas. Diferentemente disso, a maior penetrao dos governos s

    demandas sociais tornou ainda mais complexo esse processo de convergncia. A

    possvel eleio do candidato de esquerda Fernando Lugo, no Paraguai, e a entrada

    da Venezuela como membro pleno do bloco prometem trazer novos desafios nesse

    sentido.

    No caso especfico da adeso venezuelana, os benefcios comerciais so inegveis,

    tendo em vista a relativa complementaridade entre os mercados. No entanto, se

    levado em conta o aspecto poltico, despontam possveis divergncias a respeito do

    modelo de desenvolvimento econmico e do papel que o Estado deve exercer no

    Mercosul num momento de redefinio ps-neoliberal no cenrio sul-americano.

    O retorno da centralidade da poltica esfera regional evidencia que o bloco no

    mais se restringe ao mbito meramente comercial que sobressaiu nos anos 90. A

    crise que permeou a regio aps a predominncia do vis comercialista, nesse

    sentido, abriu a possibilidade de redefinio do projeto do Mercosul e permitiu a

    retomada de aspectos relativos integrao produtiva e institucional previstos

    ainda na dcada de 80, quando do incio da aproximao entre Argentina e Brasil.

    Como vimos pontualmente, o governo Lula protagonizou esse processo de

    redefinio ao trazer para o cerne da poltica externa brasileira iniciativas de

    governos anteriores para a promoo de projetos de integrao da infra-estrutura

    regional, principalmente em matrias relativas conexo rodoviria e energtica.

  • Observador On-line | v.2, n.3 | mar. 2007

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    No campo do aprofundamento institucional, o primeiro governo Lula inovou em

    relao a seus antecessores ao incentivar a criao do Parlamento e do Focem,

    ainda que essas iniciativas sejam limitadas em seu escopo. Mais do que isso, ao

    final de seu primeiro mandato, Lula sinalizou com um possvel rompimento da

    tradio brasileira de apego ao intergovernamentalismo, passando a admitir

    elementos de supranacionalidade no Mercosul. Dada a crescente complexificao da

    busca de consenso no bloco, iniciativas em prol da supranacionalidade podem vir

    contribuir para facilitar a convergncia, contanto que englobem uma maior

    participao dos cidados dos pases membros nas decises do bloco, sob o risco

    de se constiturem instncias decisrias regionais afastadas do controle

    democrtico. Este , certamente, um dos desafios que o segundo governo Lula

    dever enfrentar.

    Referncias Bibliogrficas

    ALEXANDRE ,Cristina Vieira Machado. O Congresso Brasileiro e a Poltica Externa (1985-2005). Rio de Janeiro, 2006. Dissertao (Mestrado em Relaes Internacionais - Instituto de Relaes Internacionais). PUC-Rio. Orientadora: Maria Regina Soares de Lima .

    ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Mercosul em crise: que fazer? Tempo Exterior, v.4, n.6, Jan-Jun 2003.

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    BATISTA JNIOR, Paulo Nogueira. Brasil, Argentina e Amrica do Sul. Estudos Avanados 19 (55), 2005, pp. 65-74.

    CAETANO, Gerardo. Mercosul: quo vadis? DEP, n 5, jan./mar. 2007, pp. 144-181.

    CAMARGO, Sonia de. Mercosul: crise de crescimento ou crise terminal? Lua Nova, 68, pp. 57-90, 2006.

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    GIAMBIAGI, Fabio; Barenboim, Igor. Mercosul: Por uma Nova Estratgia Brasileira. Revista do BNDES, v. 12. n. 24, pp. 77-110, dez. 2005.

    LIMA, Maria Regina Soares de. Decises e Indecises: Um balano da poltica externa no primeiro governo do presidente Lula. Carta Capital, 27/12/2006. Disponvel em: http://observatorio.iuperj.br/artigos_resenhas/Decisoes-e-indecisoes.pdf. Acesso em: 25 mar. 2007.

  • Observador On-line | v.2, n.3 | mar. 2007

    16

    LIMA, Maria Regina Soares de; COUTINHO, Marcelo Vasconcelos. Integrao Moderna. Anlise de Conjuntura OPSA, n1, janeiro de 2006. Disponvel em: http://observatorio.iuperj.br/artigos_resenhas/integracao_moderna.pdf. Acesso em: 07 ago. 2006.

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    MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES. http://www.mre.gov.br.

    OBSERVATRIO POLTICO SUL-AMERICANO (OPSA). Banco de Eventos. Ainda no disponvel para acesso.

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    PGINA OFICIAL DO MERCOSUL. http://www.mercosur.int/msweb/.

    PERICS NETO, Bernardo. Mercosul: Para Onde Vamos. Palestra proferida em 29 de abril de 2004. Porto Alegre. Disponvel em http://www.al.rs.gov.br/Download/Comissao_Mercosul/PalestraPericas.pdf. Acesso em 25 mar. 2007.

  • Observador On-line | v.2, n.3 | mar. 2007

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    Anexo I

    Intercmbio Comercial Intra-Mercosul

    Pas Ano Exportaes US$ milhes

    Importaes US$ milhes

    Argentina 1990

    2000 2005

    1833 8402 7699

    833 6881 11639

    Brasil 1990 2000 2005

    1320 7762 11720

    2441 8182 7513

    Paraguai 1990 2000 2005

    379 553 910

    404 1132 1536

    Uruguai 1990 2000 2005

    595 1024 778

    560 1518 1750

    Total 1990 2000 2005

    4127 17741 21107

    4239 17713 22438

    Fonte: OMC.

    Anexo II

    Intercmbio Comercial Brasileiro com a Argentina Ano Exportaes

    US$ F.O.B (A)

    Importaes US$ F.O.B.

    (B)

    Saldo (A-B)

    1985 548.237.398 468.865.172 79.372.226 1986 678.336.014 736.988.420 -58.652.406 1987 831.782.372 574.687.755 257.094.617 1988 979.385.445 707.104.076 272.281.369 1989 722.114.851 1.238.680.770 -516.565.919 1990 645.139.867 1.399.719.500 -754.579.633 1991 1.476.170.289 1.609.295.051 -133.124.762 1992 3.039.983.798 1.731.625.482 1.308.358.316 1993 3.658.779.257 2.717.266.437 941.512.820 1994 4.135.864.352 3.661.966.005 473.898.347 1995 4.041.135.877 5.591.392.742 -1.550.256.865 1996 5.170.031.615 6.805.466.613 -1.635.434.998 1997 6.769.401.758 7.941.275.826 -1.171.874.068 1998 6.748.203.941 8.023.468.113 -1.275.264.172 1999 5.363.954.061 5.812.384.286 -448.430.225 2000 6.232.745.675 6.842.420.918 -609.675.243 2001 5.002.488.509 6.206.179.569 -1.206.691.060 2002 2.341.866.721 4.743.279.466 -2.401.412.745 2003 4.561.146.276 4.672.532.875 -111.386.599 2004 7.373.217.826 5.569.639.429 1.803.578.397 2005 9.915.423.497 6.241.079.426 3.674.344.071 2006 11.713.819.074 8.056.510.547 3.657.308.527 Fonte: Secex/Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior.

  • Observador On-line | v.2, n.3 | mar. 2007

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    Terrorismo islmico e Amrica Latina: a necessidade de um olhar contextualizado

    Marcial A. G. Suarez

    Doutorando em Cincia Poltica pelo IUPERJ Fellow Reserch do International Security Program Harvard University

    Esfera de influncia: Relaes entre Amrica Latina e Estados Unidos

    Na esteira da Global War on Terrorism (Guerra global contra o Terrorismo) o tema

    da relao da Trplice Fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai) com o Terrorismo

    islmico vem tona. Antecipando a visita do presidente norte-americano George

    W. Bush a alguns pases da Amrica Latina, pulularam na imprensa brasileira e

    internacional artigos sobre o tema e o papel desempenhado pela regio na lavagem

    de dinheiro, o qual estaria sendo enviado ao Oriente Mdio a ttulo de

    financiamento do Terrorismo islmico. Podemos indicar como uma questo a ser

    discutida: Qual a utilidade do conceito de Terrorismo islmico para a realidade

    poltica latino-americana?

    Parte significativa dos estudos sobre Terrorismos contemporneo, desenvolvida

    aps os atentados de setembro de 2001 ao World Trade Center, se traduz por uma

    anlise que possui como conceito central o Terrorismo islmico. Tal definio

    possui alguns problemas. Stricto sensu, no h um Terrorismo islmico per se, h

    sim, o Terrorismo como um meio de violncia utilizado para se obter ganhos

    polticos ou como ttica de combate em conflitos de natureza assimtrica (partindo

    de uma definio bsica). Se desejarmos nos referir a algo como Terrorismo

    islmico, podemos especificar como uma ttica utilizada por grupos extremistas de

    origem Islmica que assim se apresentam. Entretanto, encontramos o Terrorismo

    disseminado por diversas partes do globo sem necessariamente estar vinculado a

    religio islmica (Espanha e Japo, por exemplo). A elaborao de conceitos do

    tipo Terrorismo islmico capta certo grupo de agentes, mas limitado enquanto

    conceito para a Cincia Poltica ou para a Teoria das Relaes Internacionais, pois

    influencia desde um primeiro momento qualquer estudo, na medida em que parte

    de um grau de especificidade elevado para tentar captar fenmenos polticos mais

    amplos.

    A Amrica Latina faz parte da esfera de influncia imediata da poltica externa

    norte-americana. Entretanto, at o momento pouca ou nenhuma ateno as

    agncias de segurana norte-americanas tm dado regio. De certo que existe

  • Observador On-line | v.2, n.3 | mar. 2007

    19

    importncia estratgica no hemisfrio sul e que existe um servio de inteligncia

    atuando, mas se comparado em relao ateno dada ao Oriente, podemos dizer

    que estamos quase esquecidos. O relatrio de abril de 2006 do Departamento de

    Estado norte-americano atesta que, ainda que possam ser identificados crimes

    como lavagem de dinheiro, contrabando e compra ilegal de armas, no possvel a

    identificao de clulas operacionais de grupos terroristas.

    Deve-se ressaltar que entre uma questo de segurana regional, a qual possui

    projeo internacional, e a necessidade de interveno militar estrangeira na regio

    do sul do Brasil, h uma distncia considervel. Para o Brasil, bem como seus

    parceiros regionais, a regio da Trplice Fronteira no apenas uma questo de

    segurana, mas uma questo poltica, pois at o momento o que se apresenta por

    uma presena do Terrorismo islmico a identificao de lavagem de dinheiro e

    contrabando, ambas as aes estando dentro do escopo de atuao da legislao

    criminal brasileira. Decorre desse argumento, a seguinte questo: at que ponto,

    pensar os problemas de segurana na Trplice Fronteira sob a lente do Terrorismo

    islmico no obscurece uma anlise mais adequada dos problemas polticos da

    regio? Podem-se considerar esses problemas, apenas para citar alguns, como: as

    dificuldades encontradas no projeto de integrao regional, os desencontros das

    polticas de fronteira entre os parceiros regionais, ausncia de projetos de

    desenvolvimento para as regies imediatamente envolvidas, os quais tornariam o

    contrabando de fronteira uma opo desinteressante, entre outras.

    Usos polticos do conceito e a incorporao da definio de Terrorismo

    islmico

    Um certo tipo de apreenso da definio do conceito de Terrorismo islmico

    possui a capacidade de fazer orbitar em torno de si determinados atores, e dessa

    maneira ao qualificar ou determinar os limites da definio e das aes eleitas por

    esta, se est tambm determinando a composio do quadro de elementos

    captados pelo conceito. A partir de usos e incorporaes conceituais nos discursos

    polticos, os limites das aes polticas ou a ausncia desses limites redefinida,

    bem como o status dos atores. Um exemplo o Ato Patritico (Patriot Act), que

    uma excrescncia na legislao norte-americana ps-11/09, que permite uma srie

    de aes em detrimento das liberdades individuais dos cidados norte-americanos.

    Tendo como partida essa concepo, se deseja pensar sobre os usos polticos que o

    conceito de Terrorismo islmico adquiriu no ps-11/09. Parece claro que o

    Terrorismo islmico se tornou um dos conceitos com maior capacidade de

  • Observador On-line | v.2, n.3 | mar. 2007

    20

    legitimar aes de interveno no cenrio internacional. No faltam exemplos para

    demonstrar isso, veja-se a guerra no Afeganisto, no Iraque, no nordeste do

    continente africano (Somlia, Etipia), os conflitos entre Israel e Palestinos, as duas

    guerras na Chechnia. Esses so alguns exemplos de contextos nos quais o

    conceito de Terrorismo islmico desempenha um papel fundamental na

    legitimao ou tentativa de legitimao dos conflitos e das intervenes.

    A definio do conceito de Terrorismo islmico tem sido apropriada para a

    legitimao e o combate de determinados atores no cenrio internacional, sendo

    possvel se traar trs casos objetivos: a) o caso dos Estados Unidos da Amrica no

    Oriente Mdio; b) o caso da Frana e Inglaterra; c) o caso da Rssia. Em todos,

    podemos ver que o conceito de Terrorismo islmico apreendido e absorvido pelo

    discurso poltico com o objetivo de legitimar as reaes contra as demandas

    polticas de determinados grupos. Para os Estados Unidos, ficou claro aps a

    invaso ao Iraque, realizada na poca com base na alegao de que este possua

    armas de destruio em massa, que o esforo de guerra no Iraque se torna cada

    vez mais anacrnico, perdendo a sustentao poltica mesmo dentro dos Estados

    Unidos.

    O conceito-chave para os Estados Unidos est definido como Terrorismo Islmico,

    por motivos que transcendem o atentado ao World Trade Center em setembro de

    2001, pois no razovel coincidir uma religio com um grupo sectrio que na

    poca possua pouca expresso no cenrio poltico internacional. Tais motivos

    podem ser elencados como a necessidade de uma justificativa para a presena de

    tropas norte-americanas no Oriente Mdio, necessidade esta que se tornou pouco

    clara em termos de justificativa aps o declnio da Unio Sovitica; manuteno do

    controle de uma das maiores reservas petrolferas do planeta (pensemos que a

    principal companhia petrolfera a comandar as operaes ps-invaso foi a Empresa

    Hallyburton ligada ao vice-presidente americano Dick Chenney).

    De outra maneira, podemos pensar o caso da Inglaterra e da Frana. Entretanto, o

    substrato da ameaa terrorista para ambos os pases est muito menos numa

    relao de conflito externo e mais propriamente de conflito interno com razes nas

    desigualdades sociais e num determinado e renovado apartheid no qual os filhos e

    netos dos imigrantes das colnias britnicas e francesas se encontram num hiato

    social, isto , possuem nacionalidade, mas no cidadania. Os imigrantes, ainda que

    possuam passaportes e documentos oficiais provando sua nacionalidade, esto

    parte da previdncia do Estado em termos de educao, sade e trabalho. Dessa

    maneira, ainda que possamos tentar aplicar o conceito de Terrorismo islmico a

  • Observador On-line | v.2, n.3 | mar. 2007

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    esses grupos, o que de fato tanto Inglaterra como Frana enfrentam, ou iro

    enfrentar, um conflito que possui sua origem nas desigualdades sociais, as quais

    podem encontrar motivao ou eco na religio, e tal fato no novo na histria da

    humanidade, isto , grupos excludos que encontram refgio na religio.

    Nosso terceiro exemplo o caso da Rssia e seu combate contra as milcias

    chechenas. Aqui a definio de Terrorismo islmico encontra seu lastro no vcuo

    poltico deixado pela Unio Sovitica e na onda de sucessivas declaraes de

    independncia que ocorreram na dcada de 1990. Duas guerras tornaram a regio

    um barril de plvora. Em 2004 ocorre o massacre de Beslan, no qual estudantes,

    pais e professores foram assassinados por membros de um grupo separatista

    checheno. O caso da Rssia no pode ser reduzido ao conceito de Terrorismo

    islmico, posto que se trata de um conflito regional (ainda que haja uma parcela

    da populao declarada islmica), o que no quer dizer que o conflito tenha essa

    matriz ideolgica como fundamento.

    Sobre a necessidade de um olhar contextualizado

    Transladar o conceito de Terrorismo Islmico, tal qual usado em outras situaes,

    para a Amrica Latina sem considerar o contexto poltico da regio cria uma

    imagem deformada da realidade. Na questo da Trplice Fronteira, conhecida a

    lavagem de dinheiro, que a regio se sustenta sobre o comrcio ilegal e o

    contrabando dos mais variados produtos (sendo os principais o narcotrfico e o

    trfico de armamento) e que existe uma comunidade islmica que representa cerca

    de 10% da populao a qual lida fundamentalmente com o comrcio (assim como a

    maioria das comunidades imigrantes do Oriente Mdio que residem na regio Sul

    do Brasil). Contudo, esses dados no so suficientes para que se possa estender

    sobre a Amrica Latina toda uma construo terica e discursiva que visa a

    legitimar um determinado conjunto de aes polticas no plano internacional, sendo

    a principal a interveno ativa nos assuntos de segurana interna por parte de

    atores estrangeiros. Ainda que possamos perceber que existem origens distintas

    para os conflitos, o termo Terrorismo Islmico se torna cada vez mais corrente,

    pois remete a um mesmo tipo ideal, mas torna opaca a compreenso dos

    interesses de cada ator envolvido.

    Aps o percurso sobre a cautela em relao ao uso do conceito de Terrorismo

    islmico, deve-se tentar compreender qual o papel que o Brasil desempenha no

    cenrio internacional, sendo a questo do Terrorismo islmico um tema central na

  • Observador On-line | v.2, n.3 | mar. 2007

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    agenda da poltica Internacional. Parece claro que a posio brasileira no deve ser

    a dos Estados Unidos da Amrica, a da Europa ou a da Rssia. O conceito de

    Terrorismo islmico no deve ser transladado ao iderio poltico brasileiro, pois

    pelas razes expostas anteriormente, tal conceito apenas obscurece o problema

    que o Brasil enfrenta em termos de segurana, que se traduz principalmente pelo

    crime organizado, pelo trfico de entorpecentes e de armas.

    O Terrorismo uma ao que vai contra as bases de sustentao da sociedade,

    minando e deteriorando os laos que a sustentam. O combate ao Terrorismo,

    compreendido de maneira distinta do Terrorismo islmico, contextual e deve

    ser levado adiante respeitando-se as demandas envolvidas em cada cenrio

    poltico. A prpria definio guarda consigo um estigma severo, o qual deve ser

    aplicado com toda a cautela para no se incorrer no erro de criar um inimigo que

    no existe, ou tentar aplicar mtodos que no sero eficientes por no captarem o

    fenmenos em questo de maneira adequada. O Terrorismo, antes de mais nada,

    a negao da poltica pela insero do medo, agindo de maneira indireta no meio

    social e devendo ser combatido como opo vlida de ao no cenrio poltico, seja

    regional ou internacional. Nesse sentido, o Brasil deve ter sua posio claramente

    definida, e as possui, entretanto sem incorporar definies estranhas, pois ao fazer

    isso incorpora tambm interesses polticos estranhos aos seus.

  • Observador On-line | v.2, n.3 | mar. 2007

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