o significado de pensamento crítico

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O SIGNIFICADO DE PENSAMENTO CRÍTICO 1 THE MEANING OF CRITICAL THINKING Rodrigo Canal * Resumo Neste trabalho, fornecemos algumas caracterizações de “pensamento crítico”. As motivações que originaram este estudo, em parte, foi a esperança de obter informações e esclarecimentos sobre as seguintes questões: o que é, ou como podemos definir o pensamento crítico? Qual é o significado exato de pensar criticamente? O que não é o pensamento crítico, o que não significa pensar criticamente? De que tipo e quais são os componentes, a estrutura, ou os elementos, do pensamento (pensar) crítico? Por isso, o objetivo da divulgação deste estudo é apenas apresentar um esboço/síntese (um relato) dos esclarecimentos e das definições da discussão contemporânea sobre a natureza do pensamento crítico baseado no estudo de obras produzidas pelo que se tem chamado hoje de Movimento do pensamento crítico e da lógica informal. Palavras-chave: Pensamento Crítico. Lógica Informal. Persuasão. Literatura filosófico- científica inglesa. Abstract In this paper, we provide characterizations of "critical thinking". The motivations that led to this study was the hope in trying to obtain information and clarification on the following issues: what it is, or how can we define the critical thinking? What is the exact meaning of thinking critically? What is critical thinking, which does not mean to think critically? What kind and what are the components, structure, or elements of thought (think) critical? How do we acquire and refine the thought (think) critical? Therefore, the purpose of the disclosure of this study is to present only an outline/summary (or a report) clarifications and definitions of contemporary discussion about the nature of critical thinking based on the study of works produced by what has been called the Movement of today critical thinking and informal logic. Keywords: Critical Thinking. Informal Logic. Persuasion. Philosophical. Scientific english literature. 1 O artigo é fruto de uma parte dos primeiros avanços nas investigações do projeto de pesquisa que coordeno, desde janeiro de 2011, na Universidade Federal do Oeste do Pará UFOPA, cadastrado na Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação Tecnológica - PROPPIT, cujo título é Pensamento crítico: um estudo das formas de pensar/escrever/argumentar em Filosofia. * Professor Assistente I do Centro de Formação Interdisciplinar Universidade Federal do Oeste do Pará UFOPA. [email protected].

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Neste trabalho, fornecemos algumas caracterizações de “pensamento crítico”. As motivações que originaram este estudo, em parte, foi a esperança de obter informações e esclarecimentos sobre as seguintes questões: o que é, ou como podemos definir o pensamento crítico? Qual é o significado exato de pensar criticamente? O que não é o pensamento crítico, o que não significa pensar criticamente? De que tipo e quais são os componentes, a estrutura, ou os elementos, do pensamento (pensar) crítico? Por isso, o objetivo da divulgação deste estudo é apenas apresentar um esboço/síntese (um relato) dos esclarecimentos e das definições da discussão contemporânea sobre a natureza do pensamento crítico baseado no estudo de obras produzidas pelo que se tem chamado hoje de Movimento do pensamento crítico e da lógica informal.Palavras-chave: Pensamento Crítico. Lógica Informal. Persuasão. Literatura filosófico- científica inglesa.

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  • O SIGNIFICADO DE PENSAMENTO CRTICO1

    THE MEANING OF CRITICAL THINKING

    Rodrigo Canal*

    Resumo

    Neste trabalho, fornecemos algumas caracterizaes de pensamento crtico. As motivaes que originaram este estudo, em parte, foi a esperana de obter informaes e esclarecimentos sobre as seguintes questes: o que , ou como podemos definir o pensamento crtico? Qual o significado exato de pensar criticamente? O que no o pensamento crtico, o que no significa pensar criticamente? De que tipo e quais so os componentes, a estrutura, ou os elementos, do pensamento (pensar) crtico? Por isso, o objetivo da divulgao deste estudo apenas apresentar um esboo/sntese (um relato) dos esclarecimentos e das definies da discusso contempornea sobre a natureza do pensamento crtico baseado no estudo de obras produzidas pelo que se tem chamado hoje de Movimento do pensamento crtico e da lgica informal.

    Palavras-chave: Pensamento Crtico. Lgica Informal. Persuaso. Literatura filosfico-cientfica inglesa.

    Abstract

    In this paper, we provide characterizations of "critical thinking". The motivations that led to this study was the hope in trying to obtain information and clarification on the following issues: what it is, or how can we define the critical thinking? What is the exact meaning of thinking critically? What is critical thinking, which does not mean to think critically? What kind and what are the components, structure, or elements of thought (think) critical? How do we acquire and refine the thought (think) critical? Therefore, the purpose of the disclosure of this study is to present only an outline/summary (or a report) clarifications and definitions of contemporary discussion about the nature of critical thinking based on the study of works produced by what has been called the Movement of today critical thinking and informal logic.

    Keywords: Critical Thinking. Informal Logic. Persuasion. Philosophical. Scientific english literature. 1 O artigo fruto de uma parte dos primeiros avanos nas investigaes do projeto de pesquisa que coordeno, desde janeiro de 2011, na Universidade Federal do Oeste do Par UFOPA, cadastrado na Pr-Reitoria de Pesquisa e Inovao Tecnolgica - PROPPIT, cujo ttulo Pensamento crtico: um estudo das formas de pensar/escrever/argumentar em Filosofia. * Professor Assistente I do Centro de Formao Interdisciplinar Universidade Federal do Oeste do Par UFOPA. [email protected].

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    41 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    Introduo: o movimento da lgica informal e do pensamento crtico Neste trabalho nosso foco incide, como se ver, sobre o tema/problema

    denominado de pensamento crtico (critical thinking): apresentaremos um breve relato acerca de questes conceituais a respeito do que podemos compreender da natureza e da

    estrutura (ou dos elementos/componentes) do que iremos chamar aqui de pensar criticamente. O estudo do pensamento crtico considerado (por muitos representantes do movimento do pensamento crtico e da lgica informal 2 ) como uma primeira

    aproximao ao estudo da Lgica, em particular, e da Filosofia, em geral. Algumas das

    questes conceituais de nosso interesse neste artigo so as seguintes3:

    O que o pensamento crtico, o que de fato pensar criticamente? O

    que no o pensamento crtico? De que tipo e quais so os componentes, a

    estrutura, ou os elementos, do pensamento (pensar) crtico?

    Pode-se perceber que, pelo contedo e forma das questes enunciadas acima,

    no nosso objetivo oferecer, como comum nos manuais/livros/cursos sobre

    pensamento crtico (publicados anualmente em muitas editoras do Reino Unido, Estados

    Unidos, Canad, Austrlia), instrumentos tericos, pragmticos, paradigmticos,

    didticos, pedaggicos, etc. para a compreenso e o exerccio/treinamento das

    habilidades de pensamento crtico. No se pretende esgotar o assunto que ser

    apresentado neste trabalho. No iremos esboar teorias e argumentos para defender uma

    proposta de estudo sobre o pensamento crtico. O trabalho pode ser visto como uma

    apresentao/introduo e indicando a existncia desse tipo de estudo.

    Entre os especialistas cuja trajetria acadmico-terica tem contribudo na

    confeco de manuais/guias/livros da arte/tarefa de pensar criticamente, o uso da

    expresso critical thinking (pensamento crtico) designa um termo tcnico, o qual

    utilizado por uma ampla e variada gama de pesquisadores de lngua inglesa (Reino

    Unido, Estados Unidos, Canad, Austrlia, etc.) em seus respectivos escritos, nos quais

    2 Movimento esse que ser esclarecido mais frente nesta seo. 3Alm dessas questes citadas no pargrafo seguinte, os manuais/livros de critical thinking procuram responder/cobrir problemas/temas que no sero tratados neste trabalho, tais como, por exemplo: por que o pensamento crtico importante? Por que normalmente no pensamos criticamente? Por que precisamos de um curso em pensamento crtico? Que tipo de modelo podemos estipular para anlise crtica de argumentos? (TITTLE, 2011). Quais so os padres de pensamento crtico? Quais so os benefcios do pensamento crtico? Quais so as barreiras ao pensamento crtico? Quais so as caractersticas de um pensador crtico? (BASSHAM et al., 2011).

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    42 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    a expresso Critical Thinking (Pensamento Crtico) aparece no ttulo ou, ao menos, no subttulo desses livros-guias4.

    A abordagem ao pensamento crtico que relataremos aqui ser aquela que

    entende este como um curso em que se estuda e desenvolve habilidades cognitivas de

    avaliar corretamente os argumentos e de saber como construir estes ltimos. Entre

    algumas dessas habilidades e dos conhecimentos pode-se citar as seguintes, a saber: a

    capacidade de identificar num texto quando ocorre um argumento; a habilidade de

    separar as diversas partes desse argumento; a adoo de um conjunto de hbitos

    mentais, tais como o de reconhecer a prpria ignorncia, o de no chegar a concluses

    sem informaes suficientes, o de tratar vises opostas tal como devido, evitar o

    autoengano e o hbito de identificar preconceitos.

    Os representantes desse movimento tm em mente que esses tipos de

    habilidades/hbitos mentais no so algo que os estudantes conseguem adquirir e

    desenvolver apenas pela leitura. A literatura produzida, os livros-guias dos cursos de

    pensamento crtico exigem que os estudantes faam muitos exerccios como forma de

    praticar o estudo, visando sobretudo que estes se apropriem e dominem os

    conhecimentos e as habilidades (RAINBOLT, 2010).

    Essa abordagem que estuda o pensamento crtico e que procura fornecer

    ferramentas que treinam habilidades de anlise lgica e, logo, promovem o ensino da

    lgica para seus acadmicos utiliza expresses similares, padres nesse campo de

    investigao, tais como: argumentao crtica, redao argumentativa crtica e at mesmo teorias da argumentao (com base na lgica) contempornea, etc..

    Segundo Jeniffer Moon, em um artigo endereado ESCalate (www. http://escalate.ac.uk/) intitulado A new perspective on the elusive activity of critical thinking: a theoretical and practical approach, o gnero de abordagem do pensamento crtico que privilegia e aborda este oferecendo tcnicas de anlise lgica da lgica

    formal e informal possuem uma viso tcnica do processo de aprendizagem do critical thinking: reconhecem este enquanto uma habilidade cognitiva que pode ser melhorada pelo conhecimento e prtica constante e contnua das regras da lgica. Por isso, nessa

    4 Muito embora os tericos do assunto optem pela adoo de um termo tcnico em comum, outra a questo de saber se o mesmo utilizado por todos com o mesmo sentido fundamental. Isso diz respeito forma como os especialistas abordam esse problema de saber como podemos e devemos pensar o mais criticamente possvel, e entender questes como: quais e de que tipo so as ferramentas de pensar criticamente? Que tipo de elementos devemos focar no estudo do pensamento crtico? Quais os pressupostos mais firmes dos quais se pode partir nessa abordagem?

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    43 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    abordagem, o treino e o aperfeioamento do pensamento crtico um processo contnuo,

    gradativo e sistemtico de exame e avaliao constante e sempre por se fazer5.

    No entanto, importante salientar que essa no a nica abordagem que foi

    fundada e desenvolvida pelo movimento do pensamento crtico. Outro gnero de

    enfoque surgido no debate menos disciplinado e orientado pelas regras da lgica formal e informal, caracterizada sobretudo por procurar identificar os componentes, as

    competncias/habilidades dos processos de pensamento crtico, a fim de tornar o

    prprio pensamento crtico mais compreensvel/inteligvel para o iniciante/acadmico,

    de modo que este possa aprender a relacionar essas habilidades diretamente no mundo

    real6.

    Os livros-guias que os representantes desta ltima abordagem apresentam se

    caracteriza enquanto um estudo do pensamento crtico cuja tarefa central seria mostrar

    ao iniciante como ele pode [...] trabalhar atravs de e por si mesmo os problemas que

    so colocados a ele em sua vida cognitiva e pragmtica: essa abordagem identifica

    alguns processos que podem estar envolvidos na avaliao crtica de julgamentos e dos

    preconceitos, de uma forma cuidadosa [...]7.

    No entanto, importante salientar que essa no a nica abordagem que foi

    fundada e desenvolvida pelo movimento do pensamento crtico. Outro gnero de

    enfoque surgido no debate menos disciplinado e orientado pelas regras da lgica formal e informal, caracterizada sobretudo por procurar identificar os componentes, as

    competncias/habilidades dos processos de pensamento crtico, a fim de tornar o

    prprio pensamento crtico mais compreensvel/inteligvel para o iniciante/acadmico,

    de modo que este possa aprender a relacionar essas habilidades diretamente no mundo

    real8.

    Segundo Jeniffer Moon, tal acordo apenas se emergir mediante a conveno

    das ideias produzidas pela literatura entre essas diferentes vises e abordagens, essas

    ideias tero que ser coerentes por si mesmas e se relacionarem entre si com concepes

    e prticas comuns de ensino/aprendizagem, uma base terica e prtica que pode ser

    traduzida para o uso em sala de aula9. 5 MOON, Jennifer. A new perspective on the elusive activity of critical thinking: a theoretical and practical approach. Disponvel em: . Acesso em: 15 set. 2012. p. 5. 6 Ibidem. p. 3. 7 MOON, Jennifer. A new perspective on the elusive activity of critical thinking: a theoretical and practical approach. Disponvel em: . Acesso em: 15 set. 2012. p. 3. 8 Ibidem. p. 5. 9 Ibidem. p. 5.

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    44 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    Muitos representantes desse movimento j tem por costume reconhecer e falar

    desse programa como o Movimento da Lgica Informal e do Pensamento Crtico,

    movimento esse cuja finalidade central foi o de realizar uma reforma na estrutura

    terica, burocrtica, pedaggica, didtica, etc. de muitos colgios e faculdades da qual

    se originaram. O gnero de abordagem que relataremos, tem revelado que o estudo

    terico e pragmtico do pensamento crtico surgiu devido aos desapontamentos de

    professores/pesquisadores com relao s aplicaes da lgica (formal) a casos reais de

    argumentos (aos argumentos que existem de fato na cincia, poltica, filosofia, religio,

    por exemplo) e nos mais diversos campos do conhecimento (poltica, tica, no

    cotidiano, etc.). Ocorreu que o movimento do pensamento crtico e da lgica informal

    procurou (e procura ainda) superar as tcnicas, ferramentas tericas usuais da lgica

    formal para anlise, avaliao e construo crtica de argumentos. O professor/pesquisador Alec Fisher nos conta uma histria interessante em uma

    de suas contribuies a esse campo de pesquisa: The Logic of real arguments (2004), livro que foi fruto de sua prpria experincia como professor de lgica que ambicionava

    instrumentalizar seus alunos a argumentar melhor e mais logicamente. A frustrao que

    resultou de suas tentativas, de anos e anos lecionando, para fazer que seus alunos

    dominassem e aplicassem as tcnicas bsicas do que ele denomina de lgica clssica

    (formalizaes, tabelas de verdade, diagramas de Venn, tabelas semnticas, etc.) aos

    argumentos reais, verdadeiros (que se opem aos inventados como exemplos por boa parte dos especialistas em lgica), o fez se esforar por investigar um mtodo que

    auxiliasse seus alunos a isolar e avaliar argumentos em textos escritos e capacit-los a

    construrem seus prprios argumentos de modo eficiente e convincente.

    Nesse relato, Alec Fisher conta que o mesmo se passou com muitos outros

    professores de filosofia e lgica em vrias universidades do Reino Unido e da Amrica

    do Norte, etc. O que ocorreu com ele prprio pode ser considerado como parte dessa

    histria que narra a origem dos programas de pesquisa do pensamento crtico e da lgica

    informal: Este livro surgiu a partir de minha experincia como professor de lgica. Como muitos, esperava que o ensino de lgica ajudasse meus alunos a argumentar melhor e mais logicamente. Como muitos, fiquei decepcionado. Os estudantes que eram bem capazes de dominar as tcnicas da lgica pareciam achar que essas tcnicas eram de pouco ajuda para lidar com os argumentos reais. As ferramentas da lgica clssica - formalizao, tabelas de verdade, diagramas de Venn,

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    45 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    semntica tableaux, etc. pareciam simplesmente no se aplicar de um modo direto aos argumentos os quais os estudantes tinham de ler em outros cursos que no os de lgica. Ao mesmo tempo, eu senti que deveria ser possvel dar aos estudantes alguma uma orientao - algum mtodo os quais poderiam ajud-los a extrair e avaliar os argumentos de textos escritos e os quais poderiam ajud-los a escrever bons argumentos por si mesmos. Eu queria fazer com que os procedimentos no fossem formais, mas que fossem construdos a partir da perspectiva da lgica tradicional; este livro uma tentativa de realizar esse objetivo [...]. Muitos outros professores de lgica e filosofia tiveram tambm a mesma experincia nas ltimas duas dcadas e o resultado foi o surgimento do que agora chamado de "movimento da lgica informal e do pensamento crtico" na Amrica do Norte [...]. A Lgica dos verdadeiros argumentos10 uma contribuio para a literatura de um campo de pesquisa que j muito extenso e no tem nenhuma pretenso de ser abrangente [...] (FISHER, 2004, p. vii, grifo do autor, traduo nossa).

    Mesmo que tenham aparecido juntos neste trabalho, os termos pensamento crtico e lgica informal, que do nome a esse movimento por uma reforma educacional profunda e crtica, no so a mesma coisa: possuem diferenas cruciais enquanto

    empreendimento intelectual. Ponderaremos agora s e brevemente sobre o programa de

    pesquisa denominado de lgica informal para diferenci-la do programa de estudos em pensamento crtico.

    O empreendimento de pesquisa chamado de Lgica Informal (Informal Logic) um programa de estudos sobre questes lgico-conceituais fundamentais (filosficas)

    sobre os aspectos da argumentao que no dependem exclusivamente de encontrar e

    revelar as formas lgicas dos processos de argumentao, mas que leva em conta os

    aspectos s vezes extrnsecos (como o contexto da argumentao) e no formais (como

    o contedo informativos dos argumentos e das afirmaes que os compem). Lgica Informal (e o pensamento crtico) um termo usado pelos lgicos que pretende designar um estudo dos vrios aspectos que tornam um argumento ou raciocnio adequado ou

    no (MURCHO, Prefcio edio portuguesa11). comum contrastar a Lgica Informal Formal para esclarecer ambas:

    enquanto a lgica formal estuda apenas os aspectos lgicos da argumentao que

    dependem exclusivamente da forma lgica, a lgica informal um programa de 10 Esta foi a opo de traduo adotada por Rodrigo Castro para a obra The Logic of Real Arguments (A lgica dos verdadeiros argumentos publicado pela editora Novo Conceito, 2008) de Alec Fisher. 11Texto publicado na revista Crtica (Revista de Filosofia) como um prefacio edio portuguesa da obra Pensar de A a Z de Nigel Warburton. (Disponvel em: . Acesso em: 1 out. 2012.

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    46 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    pesquisa que estuda os aspectos lgicos da argumentao que no dependem

    exclusivamente e somente da forma lgica (BRAQUINHO; MURCHO; GOMES,

    2006, p. 473), isto , ela investiga e procura revelar outros tipos de fenmenos lgicos

    que no os que podemos identificar somente atravs do estudo da noo de forma lgica.

    O que os especialistas em lgica chamam de aspectos lgicos da

    argumentao pretende significar que esse estudo tem o interesse de revelar os

    aspectos/fenmenos lgicos da argumentao em geral que dizem respeito e contribuem

    para a validade e a fora da argumentao, tais aspectos (lgicos) so distintos de

    outros fenmenos, tais como os psicolgicos, histricos, sociolgicos, retricos, etc.

    (BRAQUINHO; MURCHO; GOMES, 2006, p. 473). Por isso os fenmenos lgicos

    exclusivos estudados e esclarecidos em Lgica Informal extrapolam, vo alm daqueles estudados pela Formal.

    Segundo o que diz Douglas Walton, momento em que orienta e fornece ao leitor

    os objetivos de sua obra Lgica informal: manual de argumentao crtica (2006), o empreendimento chamado de Lgica Informal estuda e tem a finalidade de construir e fornecer os mtodos bsicos de anlise crtica de argumentos tais como ocorrem em

    linguagem natural no universo real de discusses sobre assuntos controversos em reas

    como a poltica, direito, cincia e em todos os aspectos da vida diria (WALTON,

    2006, p. IX).

    Leo Groarke, em um artigo endereado Stanford Encyclopedia of Philosophy cujo ttulo Informal Logic, caracteriza a lgica informal como um empreendimento motivado pelo ensejo de construir e fornecer uma descrio compreensvel e o mais

    abrangente possvel que pudesse explicar e avaliar os argumentos tal como os

    encontramos em discusses e debates reais manifestos na vida diria: em, por

    exemplo, comentrios scio-polticos, em reportagens dos meios de comunicao em

    massa (jornais, revistas, televiso, a World/Wide/Web, Twitter, Facebook, etc.), em publicidade e comunicaes corporativas e governamentais, e em nossas relaes

    interpessoais, etc.12

    Os especialistas contemporneos em logica informal, na tentativa de desenvolver

    uma descrio inteligvel, bem como oferecer mtodos/instrumentos para o uso crtico

    do raciocnio informal real, correto e lmpido, procuram estudar e combinar diversos 12 GROARKE, Leo. Informal Logic. [Online] Edward N. Zalta (ed.). Disponvel em: . Acesso em: 15 set. 2012.

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    47 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    tpicos, tais como: definies de argumento, identificao de argumentos; o estudo da

    noo nus da prova, o estudo emprico da argumentao; o estudo da diagramao de

    argumentos; da histria da anlise dos argumentos, dos mtodos de investigao

    argumentativa, o estudo do papel da emoo nos argumentos, das regras implcitas que

    caracterizam o intercmbio argumentativo em diferentes contextos sociais

    (GROARKE). O empreendimento da lgica informal influenciado e, muitas vezes, toma

    emprestado conceitos e ferramentas tericas de outras reas para compreender e/ou

    modelar o raciocnio que ocorre em linguagem natural, ferramentas essas encontradas

    em disciplinas como a lgica formal, a psicologia cognitiva, a retrica, a dialtica, a

    modelagem computacional, etc. Todo o esforo desse empreendimento, seguindo ainda

    Leo Groarke, tem possibilitado a construo de um estudo interdisciplinar do raciocnio

    informal, a qual tem se chamado recentemente de teoria da argumentao

    As origens e a evoluo da lgica informal so muitas vezes associada com

    objetivos educacionais de desenvolver mtodos de anlise do raciocnio

    informal/cotidiano (que comum ao movimento do pensamento crtico, como vimos),

    pois os pesquisadores reconhecem nisso a base para uma educao crtica mais real,

    fundamental e universal: aprimorar o raciocnio para o debate pblico de questes com

    o objetivo de construir e fornecer um modelo de educao que enfatiza a anlise crtica

    de nossas crenas e decises, bem como as formas de desenvolver o conjunto de

    habilidades que essa analise e avaliao critica requerem (GROARKE). Para finalizar essa brevssima meno ao significado do termo lgica informal,

    nas suas primeiras formulaes, esta foi por vezes entendida que seria como que uma

    alternativa terica lgica formal. Contudo, hoje possui um relacionamento mais

    conciliador com esta ltima. Muito embora a lgica informal tente compreender e

    modelar o raciocnio informal, a mesma pode empregar para isso mtodos formais para

    essa modelagem (GROARKE). Sendo assim, hoje no se pode mais dizer que a

    lgica informal seja uma substituta da lgica formal para o estudo de certos aspectos

    lgicos da argumentao informal, pois ambas se intercomunicam nesse estudo.

    Voltando ao tema deste artigo, o movimento do pensamento crtico se diferencia

    tambm de outros tipos de movimentos tericos/literrios/intelectuais por no tender a

    ter vinculao poltica nem pender para qualquer movimento poltico-partidrio.

    Rainbolt (2010) reconhece que o movimento do pensamento crtico no tem gerado

    muita controversa nos EUA, nem muito a favor nem contra, nem mesmo os prprios

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    48 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    membros do movimento. Nem aqueles que no so do movimento (mas que o viram

    nascer e se desenvolver), dizem que o estudo do pensamento crtico intil ou mesmo

    que seja superestimado pelos professores/pesquisadores. Segundo George Rainbolt

    (2010, p. 47) [...] quase universalmente considerado como uma habilidade de vital

    importncia [...].

    1 O que o pensamento crtico: algumas caractersticas gerais

    Nesta seo, forneceremos caracterizaes gerais do que significa o termo

    pensamento crtico, sendo apenas uma das possibilidades de se entender o tema. Desse

    modo, uma das formas de se abordar o problema do pensamento crtico dizer que este

    se trata do estudo do raciocnio de tipo criterioso que fazemos sobre tanto aquilo que

    acreditamos quanto aquilo que fazemos - ou sobre as decises que ns tomamos na

    vida. O que quer dizer que estudar para se tornar um pensador crtico entender e

    esclarecer que os modos como, e sobre os quais, agimos dependem do modo como chegamos a acreditar no que acreditamos, j que nossas intenes de agir esto quase

    sempre de acordo com nossas crenas13 (TITTLE, 2011).

    O conceito de pensamento crtico enquanto um raciocnio criterioso requer que

    compreendamos os seguintes aspectos essenciais e logicamente inter-relacionados: que

    o pensamento crtico/raciocnio criterioso deliberado e minucioso; e por ser deliberado intencional e responsvel; e por ser minucioso um raciocnio

    (pensamento crtico) que busca exaustivamente a perfeio (TITTLE, 2011).

    No que diz aos aspectos deliberado e minucioso, o primeiro significa que, ao raciocinarmos (ou pensarmos criticamente), o fazemos de modo intencional e responsvel, especialmente ao ponderarmos as nossas prprias ideias e valores, e as ideias e valores de segundos e terceiros. Por isso, intencional quer dizer que

    estabelecemos uma finalidade para o uso do raciocnio, melhor, estabelecemos objetivos

    quando raciocinamos; e responsvel todo aquele tipo de raciocnio cuidadoso que

    pondera o que pode ou no pode inferir de certos pontos de vistas, posies, afirmaes,

    etc. Um raciocnio minucioso busca exaustivamente a perfeio, e isso requer, entre

    outras coisas, que se aprecie (ou se pense criticamente) de forma ampla e profunda o

    13 Na verdade, essa uma assuno da qual quase sempre partimos, que o que ns fazemos depende sempre do que ns acreditamos.

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    49 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    assunto em questo e as diversas nuances e complexidades das questes, dos temas em

    cheque (TITLE, 2011).

    2 Os componentes e as habilidades do pensamento crtico

    O pensamento crtico uma habilidade de pensamento entre as muitas que

    temos, e no possvel aprimorar, aprofundar e ampliar14 essa capacidade apenas por

    via de memorizao de regras e conhecimentos. O critical thinking uma habilidade que aperfeioamos, aprofundamos e a ampliamos aos poucos com muito estudo e

    prtica pois uma habilidade (cognitiva) estruturalmente complexa. Tittle (2011, p. 4)

    diz que o pensamento crtico, em sua integralidade, pode ser entendido como uma

    habilidade multidimensional, das quais os elementos constituintes bsicos so

    divididos em duas categorias de habilidades e estratgias cognitivas: - Estratgias cognitivas - micro habilidades: comparar e contrastar ideias com a prtica real pensar sobre o prprio pensamento: utilizando um vocabulrio

    crtico notar semelhanas e diferenas significativas examinar ou avaliar os pressupostos/assunes distinguir os fatos relevantes dos irrelevantes fazer inferncias plausveis, previses ou interpretaes dar razes e avaliar evidncias de fatos alegados reconhecer contradies explorar implicaes e consequncias.

    - Estratgias cognitivas macro habilidades: refinar generalizaes e evitar simplificaes comparar situaes anlogas: transferir insights para novos

    contextos desenvolver sua prpria perspectiva: criar ou explorar crenas,

    argumentos ou teorias esclarecer questes, concluses ou crenas desenvolver critrios de avaliao: clarificar valores e padres avaliar a credibilidade das fontes de informao questionar profundamente: levantar e buscar as razes ou

    questes significantes analisar ou avaliar argumentos, interpretaes, crenas ou

    teorias avaliar solues analisar ou avaliar aes ou polticas

    14 Como de se constatar pela quantidade e qualidade dos elementos elencados por Peg Tittle em seu modelo de anlise crtica de argumentos que iremos citar mais a frente e mesmo no modelo esquemtico em que apresenta o pensamento crtico como um tipo de habilidade multidimensional (TITLE, 2011, p. 4), cujos elementos estruturais constituintes bsicos so citados em seguida a este pargrafo.

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    50 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    ler criticamente: esclarecer ou criticar textos ouvir criticamente: a arte do dilogo silencioso fazer conexes interdisciplinares praticar a discusso socrtica: esclarecer e questionar crenas,

    teorias ou perspectivas raciocinar dialgicamente: comparar perspectivas,

    interpretaes ou teorias. raciocinar dialeticamente: avaliar perspectivas, interpretaes

    ou teorias (PAUL, 1991, p. 78 apud TITTLE, 2011, p. 4-5, traduo nossa, adaptao nossa, grifo nosso)

    Como se pode notar pela exposio desses componentes, o estudo do

    pensamento crtico requer o estudo e a prtica de uma espcie de habilidade mental

    (cognitiva) de sabermos como nos tornarmos melhores crdulos de qualquer coisa.

    Muito embora seja possvel pensarmos criticamente sobre algo apenas - s vezes - para

    nos divertirmos, o pensamento crtico de bom nvel deve ser judicioso, criterioso e

    cuidadoso com o pensar as coisas: pensar cuidadosamente (criticamente) sobre algo, e

    pensar com a finalidade de avali-lo para decidir se ou no algo que cada um de ns

    devemos e podemos aceitar (TITLE, 2011).

    3 Um modelo para anlise crtica de argumentos como padro de estudo e prtica do pensamento crtico

    Um modelo para a anlise e crtica de argumentos um esquema para estudar e

    praticar o critical thinking, auxiliar-nos a desenvolver as habilidades que permitam a cada um de ns reconhecer, analisar e avaliar criticamente argumentos. Isso pode ser

    feito atravs de um procedimento de elencar um conjunto complexo de habilidades de

    pensamento crtico, com a finalidade de orientar passo a passo o processo de

    aprendizagem dos acadmicos para que estes possam se apropriar, natural e

    progressivamente, e dominar as habilidades de pensamento crtico (os conceitos e os

    hbitos mentais).

    Dessa forma que se torna possvel aos iniciantes se apropriarem e dominarem

    essas habilidades, e todos os passos que so enumerados pelo especialista no manual

    seriam assimilados pelo mesmo. No manual de Tittle (2011, p. 16-17), por exemplo,

    esse modelo/esquema apresentado no incio de cada captulo, e nesse ponto que se

    pode perceber a finalidade de orientar o leitor/iniciante onde est em determinado

    momento do processo de aprendizagem, fornecendo explicitamente os elementos

    bsicos e as regras necessrias para o iniciante dominar e se apropriar dos mtodos e

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    51 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    conceitos da arte de pensar criticamente. Os elementos do modelo para anlise crtica

    dos argumentos de Peg Tittle so os seguintes15: 1. Pergunte a si mesmo: qual o argumento? (afirmao/opinio/concluso)? Procure tambm pelas subconcluses do argumento.

    2. Quais so as razes /qual so as evidncias apresentadas? Articule todas as premissas no explicitamente declaradas no

    argumento. Articule as conexes entre as premissas.

    3. O que se pode entender exatamente por...? Defina os termos. Esclarea todas as imprecises da linguagem. Elimine ou substitua a linguagem "carregada" de palavras

    dificeis e outros tipos de manipulaes. 4. Avalie o raciocnio ou as provas: Se for dedutivo, verifique se h verdade/aceitabilidade das

    premissas e a validade do argumento. Se for indutivo, verifique se h verdade/aceitabilidade,

    relevncia e suficincia no argumento. 5. Como o argumento poderia ser reforado? Forneca razes adicionais e evindncias corroborativas. Antecipe as objees: pergunte a si mesmo h respostas mais adequadas? 6. Como o argumento poderia ser enfraquecido? Considere e avalie os contraexemplos, contraprovas e

    contraargumentos. O argumento pode ser modificado ou rejeitado por causa dos

    contra-argumentos? 7. Suspenda o juzo (em vez de aceitar ou rejeitar o argumento), identifique as informaes adicionais necessrias (TITTLE, 2011, p. 4-5, traduo nossa, adaptao nossa).

    Alm de ser necessrio se ter em mos um modelo como esse, o estudo de como

    se tornar um pensador crtico, na avalio e anlise dos pontos de vistas, opinies e

    argumentos (nossos e de outras pessoas), depende tambm de identificarmos qual o

    tipo de argumento que estamos lidando e avaliando. A avaliao adequada e

    responsvel (crtica) de argumentos depende de entendermos sua forma ou estrutura e

    no apenas o contedo de suas partes. H dois tipos de convenes que costume

    empregar na classificao/categorizao de tipos (formas e estruturas) de argumentos.

    No trataremos aqui de qual a mais adequada ou correta. Mas importante salientar

    que o problema (pois um problema mesmo) de quais tipos de argumentos so

    estudados pelos lgicos uma questo de longa data, remontando mesmo ao tempo da

    fundao da lgica com os escritos de Aristteles. 15 O titulo original deste tpico no manual de Peg Tittle (2011, p.16-17) Modelo para anlise crtica dos argumentos (Template for critical analysis of arguments).

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    52 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    H, por um lado, um grupo de lgicos que optam por estudar dois tipos gerais de

    argumentos: os bem conhecidos argumentos dedutivos e indutivos baseados nas regras

    da tradio que impe essa classificao e os fenmenos lgicos que os interessam e

    sua tradio. Por outro lado, h um grupo que, de outra forma, classificam e estudam o

    que chamam de argumentos dedutivos e os no dedutivos (que inclui, por exemplo, os

    argumentos que fazem generalizaes e previses que a tradio anteriormente citada

    toma como uma das categorias de raciocnio lgico, os argumentos indutivos).

    Apresentaremos as distines referentes aos argumentos dedutivos e indutivos.

    Peg Tittle ela prpria tambm trabalha, em Critical Thinking (2011, p. 5), com esses dois gneros gerais de argumentos: dedutivos e indutivos.

    Seguindo essa opo de distino entre os argumentos dedutivos e indutivos, os

    dedutivos so aqueles tipos de raciocnios os quais os lgicos dizem que, se as

    afirmaes que oferecemos para apoiar uma concluso so verdadeiras (tambm

    conhecidas como premissas), e se a estrutura ou as vrias partes do raciocnio esto

    corretamente conectadas (ou com uma estrutura lgica vlida ou forma dedutiva vlida),

    ento se tem um argumento vlido. Quando as premissas so de fato, e no

    hipoteticamente, verdadeiras, temos um bom argumento. O argumento slido quando

    dizemos que a sua concluso se segue necessariamente (argumento vlido) de premissas

    que so de fato, e no hipoteticamente, verdadeiras (argumento bom) (TITLE, 2011, p.

    5). Diferente dos argumentos dedutivos, os argumentos indutivos so aqueles tipos

    de argumentos em que raciocinamos da seguinte forma: se as declaraes que

    oferecemos para apoiar a concluso so verdadeiras ou pelo menos plausveis, e se as afirmaes so relevantes, temos assim um bom argumento indutivo. Neste gnero

    especfico de raciocnio pode-se perceber a caracterstica de que, se a concluso

    decorre ou segue-se provavelmente, e no necessariamente, das premissas, o argumento indutivo bom; e quanto maior a probabilidade mais forte o argumento (TITLE,

    2011, p. 5).

    No caso dos argumentos indutivos, somente conseguimos ter como resultado

    nesse raciocnio uma certeza do tipo de serem estes ltimos mais ou menos, ou

    provavelmente, argumentos bons, isto , o fato de a concluso decorrer ou seguir-se das

    premissas pode ser visto apenas como provvel e no necessria (como no caso dos

    argumentos dedutivos) (TITLE, 2011).

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    53 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    As distines apresentadas acima tm como finalidade, nesse estudo, mostrar

    como se pode reconhecer e manipular os conceitos dos gneros gerais de argumentos

    que podemos encontrar no discurso ou na linguagem natural. Mas essas ferramentas no

    so suficientes para pensarmos e entendermos a natureza do significado de pensar

    (efetivamente) criticamente. Peg Tittle, por exemplo, no acredita ser suficiente

    somente apresentar esses conceitos para entendermos os mtodos de pensamento (critical thinking). Em muitos casos, em situaes reais cotidianas, a certeza pode ser um sinal de pensamento raso (e no crtico) (certainty is a sign of shallow thinking!, [TITTLE, 2011, p. 5]) e, quando isso emergir em uma discusso, o ideal que

    suspendamos o juzo at que possamos ter acesso a mais provas (youll suspend

    judgment until youve got more evidence [TITLE, 2011, p. 5]). O estudo das

    habilidades de pensamento crtico no fornece ferramentas do tipo que podem nos dar

    certeza absoluta e infalvel (que muitas vezes procuramos em algumas situaes) em

    nossa vida cognitiva e pragmtica. Por isso, convm agora relatarmos sobre aquilo que

    no pode ser caracterizado como pensamento crtico e, ao mesmo tempo,

    contrastaremos com aquilo que estamos chamando de pensamento crtico.

    4 O que no o pensamento crtico

    Pensar criticamente algo que devemos levar muito a srio, pois no se trata de

    um mero jogo, tal como visto, por exemplo, pelas pessoas que levam em considerao

    o ditado popular que entende que pensar criticamente rotineiramente como brincar de advogado do diabo (playing devils advocate [TITLE, 2011, p. 6]). As

    ideias exibidas por esse ditado so sobretudo imprecisas, porque sugere que devemos

    aceitar de antemo as opinies e pontos de vistas, ou mesmos sermos convencidos, sem

    realizarmos o exerccio cotidiano e perseverante de examinar os argumentos (nossos e

    de segundos e terceiros) presentes em determinados tipos de

    posies/afirmaes/convices (TITLE, 2011).

    Pensar criticamente conseguir encontrar meios de possuir os melhores tipos de

    crenas e mesmo os meios de tentar preservar os nveis mais excelentes nas

    argumentaes e explicaes em dado debate. E quando segundos e terceiros

    reconhecem em nosso ponto de vista que algo est errado, podemos e devemos

    aproveitar essa ocasio para contra-argumentarmos e tornar nosso argumento ainda mais forte. No podemos nos iludir, mesmo que consigamos dominar as

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    54 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    estratgias/mtodos de pensamento crtico, quanto ao fato de muitas das vezes

    chegarmos a reconhecer que no podemos aceitar nem as premissas e nem as

    concluses de certo ponto de vista, pois isso uma coisa muito boa para cada um de

    ns. O que est em nossas mos simplesmente a habilidade de saber porqu

    apresentar e como expor nossos pontos de vista aos outros de modo articulado, bem

    como saber ponderar contra-argumentos; nada mais justo (e o mnimo) a ser feito

    num debate (TITLE, 2011).

    Pode parecer que h no estudo do critical thinking conselhos expressos em

    formas de autoajuda, como se fosse um manual de autoajuda, principalmente para

    aqueles que querem respostas para tudo ou mesmo respostas simples e fceis. Mesmo

    que se constitua e tenha a finalidade de ser um estudo que ensina-nos a compreender,

    praticar e tornar nossa prpria capacidade de pensar criticamente mais acurada,

    ampliada e aprofundada, isso no quer dizer que o estudo do pensamento crtico consiga

    nos oferecer um mapa explanativo completo de todos os enigmas do universo, um guia

    que pudesse ser encarado como um testemunho incontestvel de uma realidade

    complexa frente difcil condio humana (TITLE, 2011, p. 6-7). Ns seres humanos somos propensos, muitas vezes, a ter pensamentos e

    comportamentos que ignoram e rejeitam os aspectos enigmticos e complexos do

    mundo natural, social, individual, etc. Nesse ponto tocamos em um aspecto essencial

    das caractersticas que no pertencem aos pensadores crticos, que considerar que

    todas as posies/convices que podemos ter contato: ou so obviamente verdadeiras ou so obviamente falsas, ou mesmo que se pode apurar facilmente a verdade/falsidade de certas afirmaes que so feitas pelos seres humanos ou, como diz Tittle, o

    pensamento/comportamento que considera que tudo preto-no-branco (TITLE, 2011,

    p. 6). Ser um pensador crtico se esforar por ter uma ateno cuidadosa, milimtrica

    sobre si mesmo, posto que podemos nos frustrar com frequncia com esse tipo de

    pensamento/comportamento preto-no-branco.

    A ateno milimtrica e cuidadosa sobre si mesmo um importante componente

    que pode nos auxiliar em superar o ponto de vista que considera que tudo preto-no-

    branco (TITLE, 2011, p. 6). importante ter como hbito de pensar que muitos dos

    argumentos com que lidamos no mundo real no sejam argumentos simplesmente certos

    ou errados (o preto-no-branco), mas argumentos que podem estar em outro nvel que

    no o do preto-no-branco: podemos chegar a reconhecer que o argumento que

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    55 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    estamos lidando seja at mesmo, inesperadamente, mais forte e revela uma realidade

    mais profunda do que a esperada numa primeira anlise.

    Uma das razes que se pode apresentar para comear a aceitar esse ponto de

    vista que todas as posies/convices que podemos entrar em contato, lidar e avaliar

    no conseguem dirimir e extinguir as prprias questes ou problemas com os quais

    lidamos e enfrentamos no mundo real: seja na academia, no trabalho e na vida cotidiana.

    Pensar criticamente, por isso, exige que no nos deixemos enganar e frustrar facilmente

    pela ideia de que a verdade pode e deve ser apurada simples e facilmente, pois podemos

    descobrir que existem muito mais perguntas do que respostas a estas.

    A atitude, a habilidade de pensar criticamente se caracteriza sobretudo pelo fato

    de as pessoas (que esto pensando criticamente) no se deixarem oprimir pelas

    indagaes que fazem ou pelos problemas (tericos e pragmticos) que encontram em

    sua vida: o ser humano normal e real, e que pode pensar criticamente, no est (e nunca

    esteve) sempre em condies de responder a todas as perguntas que podem aparecer e

    com as quais ele precisa, profissional e cotidianamente, lidar. Em parte, pensar

    criticamente tambm significa que ns seres humanos devemos e podemos nos orgulhar

    e maravilhar-nos por termos a capacidade e a conscincia de que muitas vezes deixamos

    as prprias perguntas abertas por no termos todas as condies possveis (psicolgicas,

    cientficas, tecnolgicas, sociolgicas, etc.) de respondermos a todos os problemas que

    emergem em nossa relao com o mundo real (TITTLE, 2011).

    O pensamento crtico no pode, nem deve, ser entendido (confundido) como um

    tipo de anlise e avaliao crtica sempre negativa, posto que toda anlise e avaliao

    crtica pode ser tanto positiva quanto negativa. Crtico designa um padro de raciocnio

    - cuja definio fornecemos antes. Etimologicamente, o termo, crtico derivado de

    Criticus (latim) e de Kritikos (grego) que significa capaz de fazer julgamentos16. Nossa capacidade de pensar criticamente no somente destrutiva (embora

    possamos dizer que quando tiver que ser destrutiva ser [TITLE, 2011, p. 7]), mas

    sobretudo construtiva para ns mesmos e o mundo social em que vivemos. Muitas das

    vezes isto pode tornar-se destrutivo, mas isso se d porque talvez essa seja a parte fcil

    do trabalho, posto que muito mais fcil destruir que consertar (isso serve mesmo at

    para nosso cotidiano e os objetos fsicos com os quais lidamos, pois at mesmo um beb 16 No Dicionrio Houaiss, nos verbete crtica e crtico diz que estes dois respectivamente surgiram a partir do adjetivo latino critcus que significa apreciao, julgamento, e do grego kritiks que significa aquele que julga, avalia e decide.

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    56 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    pode destruir algo se quiser faz-lo). No entanto, o mais difcil procurar construir algo

    para cri-lo por si mesmo (seja ele um brinquedo ou um argumento) (TITLE, 2011).

    Pensar criticamente nunca um tipo de atividade mental passiva e automatizada,

    pois ao procurarmos pelos erros (nossos e de segundos e terceiros) com a finalidade de

    corrig-los, nos importarmos e nos esforamos por identificar os mesmos. E ao

    atribuirmos importncia, nos esforando em identificar os pontos fracos de nossas

    prprias posies/convices e argumentos, com a finalidade de fortalec-los, isso o

    que pensar criticamente, envolvendo pois a pessoa estar ativa e voluntariamente

    consciente do processo. Caso nossas posies e argumentos possuam defeitos/falhas que sejam fatais,

    ento pode ser o caso em que seja melhor termos boas razes para nos dedicarmos a

    rejeitar nossas prprias posies e os argumentos que desenvolvemos a favor destas.

    Defender nossos interesses, posies, opinies, crenas, hipteses, teorias nos faz

    sermos agentes ativos e voluntrios no processo de debate de questes, ideias e

    argumentos em busca da verdade e da justia, bem como ao defendermo-nos de

    segundos e terceiros, advogarmos nossas prprias reivindicaes, argumentos e

    interesses prticos e tericos (TITLE, 2011).

    Pelo fato de o estudo do pensamento crtico apresentar estratgias que nos

    auxiliem na tarefa de como podemos argumentar melhor lgica e solidamente, pensar

    criticamente no se aplica somente a aprender a aprimorar a ganhar debates e conversas:

    um estudo e aprimoramento para aqueles que querem estar conscientes (de forma

    criteriosa/crtica) das seguintes coisas:

    1) do que (ou em que) se acredita; 2) no que que podemos e devemos de fato chegar acreditar; 3) saber o que , e como devemos, agir (TITLE, 2011, p. 7).

    Por isso, o estudo do pensamento crtico pode ser visto como uma abordagem cooperativa e o prprio pensar criticamente caracterizado como uma atitude cooperativa: em que nos aplicamos ativamente ao ouvirmos todas as reivindicaes de verdade de outras pessoas, todos os argumentos de segundos e terceiros, e a explorar

    todas as reivindicaes e todos os argumentos possveis por ns mesmos, com base em

    instrumentos e recursos tericos e pragmticos que nos sugerem como chegar ao melhor

    modelo de afirmao e de argumento. Uma discusso crtica raramente envolve

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    57 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    unicamente argumentos contraditrios, por isso "eu estou certo e voc est errado"

    raramente pode se aplicar caso a caso (TITLE, 2011, p. 7).

    Pensar criticamente nem sempre tem que se caracterizar como um tipo de

    pensamento frio (emocionalmente). Na abordagem empreendida por Tittle, por

    exemplo, razo e emoo andam ambas lado-a-lado (2011, p. 7) e pensar criticamente

    se caracteriza como pensar criticamente de forma apaixonada (2011, p. 7). Querendo

    dizer isso que temos de considerar que to racional quanto apaixonante pensarmos que

    temos bons motivos para acreditarmos no que acreditamos.

    Todo pensamento crtico (de bom nvel) leva em conta, e tem por trs, boas

    emoes, em que a razo , e deve sempre ser, apoiada pela paixo e a paixo , e deve

    ser sempre, apoiada pela razo (TITLE, 2011, p. 7): nenhuma dessas duas caractersticas

    - racionais e emocionais - devem ser substitutas uma (a razo) para a outra (a emoo).

    O significado de critical thinking no aparentado ao de intuio. As intuies so de natureza bem diversa. Entende-se que a intuio seno um sentimento, uma

    espcie de palpite que podemos ter sobre ns mesmos e o mundo em geral, sendo por

    isso algum tipo de disposio/capacidade mental que ns seres humanos quase que

    inconscientemente adquirimos em decorrncia de algum condicionamento da infncia,

    fruto da criao de nossos pais, parentes, irmo, amigos e da sociedade em geral

    (TITLE, 2011).

    As intuies no so passveis de serem articuladas com os, nem de serem

    analisadas atravs dos, porqus, das razes que temos para intuir o que intumos; e se

    no podemos fazer isso certamente ns no conseguiremos avaliar criticamente nossas

    prprias intuies. A intuio uma espcie de faculdade de discernir ou pressentir as

    coisas independentemente do raciocnio ou da anlise crtica, como quando dizemos:

    tenho a intuio de que algo vai acontecer, como que pressentindo/antecipando o

    acontecimento de algo, sendo semelhante ao que chamamos de apercepo, que

    antecede a percepo minuciosa e analtica que temos do mundo real.

    Finalizando esta ltima seo, por se basear, em parte, em vrios princpios da

    Lgica, o estudo do pensamento crtico se diferencia daquilo que chamamos de senso

    comum. Tittle, por exemplo, no desmerece nem desqualifica (ou mesmo argumenta

    contra) o senso comum, apenas procura diferenciar este ltimo do pensamento crtico,

    como forma de introduzir e caracteriz-lo ao leitor, mesmo porque considera que

    podemos nos apropriar e partimos de alguns princpios bsicos presentes em nosso

    senso comum. O estudo do critical thinking vai alm de muitos princpios dos quais

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    58 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    partimos em nosso senso comum, no sentido de que vo alm da compreenso que

    temos e do uso que muitas vezes fazemos de certas crenas, que podem muitas vezes se

    mostrarem verdadeiras para todos ns (o senso comum), mas que, depois de analisadas

    e avaliadas, chegamos concluso que so falsas (TITLE, 2011). Consideraes finais: alguns frutos gerados pelo movimento do pensamento crtico e da lgica informal

    Podemos formular uma sntese do que foi discutido at aqui sobre o estudo do

    pensamento crtico, fornecer uma compreenso geral. O pensamento crtico pode ser

    entendido como o estudo daquela parte da atividade de nossa vida mental (cognitiva ou

    intelectual, que lida com ideias) em que procuramos meios (mtodos e orientaes) de

    saber como chegar a boas razes pelas quais conseguimos sustentar, fundamentar,

    justificar:

    pontos de vistas (filosficos, cientficos, de senso comum, religiosos,

    etc.),

    teorias (filosfica, cientfica, de senso comum, religiosa, etc.)

    ou mesmo as afirmaes que fazemos na vida cotidiana e profissional

    (seja esta ltima filosfica, teolgico-religiosa, cientfica, etc.),

    Bem, a capacidade humana de pensar criticamente mais antiga do que o

    prprio estudo dela, pois o que foi denominado aqui de pensamento crtico pode ser

    visto como uma das formas mais antigas de manifestao de esprito das civilizaes at

    hoje construdas; assim pertence e parte de toda a humanidade.

    No entanto, a habilidade de pensar criticamente somente ganhou a ateno direta

    e primria de professores/pesquisadores no sculo XX, notadamente na dcada de 60,

    em pases como Reino Unido, Estados Unidos, Canad, Austrlia. Houve, e h ainda,

    uma enorme demanda de esforo e de trabalho por parte dos pesquisadores como nunca

    houve antes na histria das ideias, fundando um movimento e programa de estudos

    exclusivamente sobre as nossas capacidades/habilidades de pensamento critico (com

    preocupaes tericas, pragmticas, sociolgicas, psicolgicas, didticas, pedaggicas,

    paradigmticas).

    Para termos uma ideia do esforo que foi empreendido por esse movimento s

    consultarmos os catlogos de algumas editoras para reconhecermos muitos dos frutos

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    59 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    (inmeros livros-guias) j produzidos nas ltimas dcadas: livros sobre Critical

    Thinking podem ser encontrados nos catlogos de editoras tais como a Oxford

    University Press, Cambridge University Press, Blackwell, Routledge, Wadsworth,

    mencionando somente algumas das mais importantes, e nesses livros seus respectivos

    autores oferecem um curso o qual visa treinar e aperfeioar as habilidades de

    argumentar/pensar/escrever criticamente: ensinando a escrever, a pensar e a discutir

    textos argumentativos de forma crtica.

    Mesmo que os esforos sejam muitos e que haja muito material disponvel para

    professores e alunos, isso no quer dizer que a aquisio/construo e o

    desenvolvimento/aperfeioamento do pensar crtico deixem de ser uma tarefa rdua,

    longa e sistemtica a se realizar e executar. Assumimos que no simples e fcil sequer

    sabermos o tempo todo quando que ns prprios devemos nos deixar acreditar,

    confiar, persuadir por afirmaes e/ou pontos de vistas de outras pessoas; ou mesmo

    sabermos por ns prprios se os nossos pontos de vistas esto sendo bem

    fundamentados por argumentos bons e slidos, j que ser crtico significa que algum

    est habilitado a construir bons e slidos argumentos e ter pontos de vistas mais

    coerentes e adequados.

    No que diz respeito literatura produzida no Brasil, obras que concebem guias

    do pensar criticamente ainda so raras de se encontrar. O que se encontra, em termos

    de livros (bibliografia, literatura) sobre critical thinking (pensamento crtico) so obras traduzidas de lgica informal, argumentao e retrica e cujo ttulo (ou ao menos o

    subttulo) seja pensamento crtico. o caso da traduo e adaptao de Critical Thinking (Wadsworth, 2006) de Richard L. Epstein e Carolyn Kernberger, para a nossa lngua, cujo ttulo ficou Pensamento crtico: o poder da lgica e da argumentao (Riddel, 2010): a primeira grande iniciativa e avano nesse sentido em nosso pas, na elaborao de guias da arte do pensar criticamente, como o chamam os prprios

    autores Richard L. Epstein e Walter Carnielli.

    Diferente das instituies de nvel superior de outros pases (Inglaterra, Frana,

    Canad, Estados Unidos, etc.), no o objetivo principal de nossas instituies de nvel

    superior (sequer do ensino mdio e fundamental) oferecer uma formao de excelncia

    no que se refere ao pensar (de fato) criticamente: adquirir a capacidade de reconhecer e

    formular bons argumentos prtica fundamental para o exerccio srio e pleno da

    cidadania e da democracia e componente basilar para formao acadmica nas

    universidades. Embora seja uma necessidade to bsica e universal, a familiaridade com

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    60 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    a boa argumentao ainda no uma realidade para grande parte da populao

    brasileira. Devido a essa falta de acesso a obras sobre argumentao crtica, boa parte

    das pessoas ficam expostas a todo tipo de falcias e argumentao do tipo enganosa.

    O movimento e estudo do pensamento crtico tem ganhado espaos em muitos

    cursos que no os de Filosofia. Vrias Fundaes, Comunidades, Fruns de discusses, Associaes (nenhumas delas de carter estatal ou governamental) tm surgidos nos pases em que se originaram o movimento, como falamos antes. Nesta concluso,

    gostaramos tambm de mencionar algumas delas, surgidas a partir da dcada de 60, a

    seguir17.

    No ano de 1983 foi fundada a Association for Informal Logic & Critical Thinking (Associao para o avano da lgica informal e do Pensamento Crtico) (AILACT daqui para frente). Enquanto associao de professores/pesquisadores a AILACT de cunho acadmico e sem fins lucrativos, e visa promover a investigao, o ensino e a construo de testes em lgica informal e pensamento crtico. A AILACT tem patrocinado programas de estudos em pensamento crtico, em conjunto com a

    Associao Filosfica Americana (do Oriente, do Pacfico e da Amrica Central) e tem tambm, nos ltimos anos, patrocinado programas em conjunto com a Associao Filosfica Canadense18.

    Em 1999, foi fundado o Advanced Reasoning e, enquanto um frum online de debates, o Advanced Reasoning possui a finalidade de desenvolver pesquisas e publicaes nos campos da teoria e da pedagogia da lgica e da epistemologia, que

    respectivamente se referem arte do raciocinar bem e a arte do estudo do conhecimento

    derivado do raciocnio, podendo ser de interesse tanto de alunos, professores e

    pesquisadores19.

    O Center for Critical Thinking and Moral Critique e a Foundation for Critical Thinking (Centro de Pensamento Crtico e de Crtica Moral e Fundao para o avano do Pensamento Crtico) so organizaes que tambm no so financiadas por qualquer tipo de agncias governamentais, religiosas, ou mesmo outros grupos de interesses

    polticos partidrios. Todos os fundos econmicos tm sido gerados pelo prprio Center

    17Lembramos ao leitor que as Fundaes, as Comunidades online, os Fruns de discusses online e as Associaes que citaremos aqui talvez no sejam as principais e as mais importantes, do ponto de vista da contribuio e do reconhecimento social internacional. 18 Texto extrado, traduzido e adaptado do site http://ailact.mcmaster.ca/. Acesso em: 10 set. 2012. 19 Retirado, traduzido e adaptado de: http://www.advancedreasoningforum.org/Home.htm. Acesso: 10 set. 2012.

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    61 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    for Critical Thinking and Moral Critique e pela Foundation for Critical Thinking atravs de eventos e publicaes que desenvolvem e organizam h mais de 28 anos20.

    O Center for Critical Thinking and Moral Critique (Centro de Pensamento Crtico e de Crtica moral) uma unidade de trabalho que realiza pesquisas avanadas e divulga informaes sobre o estudo do pensamento crtico. A cada ano o Center for Critical Thinking and Moral Critique patrocina uma conferncia internacional tematizada em torno do pensamento crtico e das reformas educacionais21. Alm disso, o

    Center for Critical Thinking and Moral Critique e a Foundation for Critical Thinking procura promover uma mudana essencial na educao e na sociedade atravs do

    cultivo do que chamam de pensamento crtico imparcial22.

    A Foundation for Critical Thinking tem o papel de integrar a pesquisa do Center for Critical Thinking and Moral Critique e seus desenvolvimentos tericos e criar eventos e recursos destinados a ajudar os educadores a melhorar seu trabalho em sala de

    aula. Os materiais desenvolvidos por meio da Foundation for Critical Thinking incluem livros, livros-guias de pensamento crtico, vdeos, e outros recursos para o ensino e

    aprendizagem23.

    Segundo George Rainbolt (2010), nos ltimos vinte anos o movimento do

    pensamento crtico cresceu e se espalhou por mais de, aproximadamente, 2.000 (duas

    mil) faculdades em todas as disciplinas das Universidades no estado da Gergia, e

    milhares de estudantes agora fazem cursos de pensamento crtico em uma quilades de

    universidades nos EUA; e no somente nos departamentos de filosofia mas em um

    nmero considervel de outros departamentos de lngua inglesa tambm.

    A posio que queremos expressar aqui que possvel ver no estudo do

    pensamento crtico o emprego de ferramentas valiosas para os acadmicos aqui no

    Brasil. Instrumentos que mostram a forma (ou como) e o que ns prprios podemos

    ensinar o que ensinamos de modo crtico e, consequentemente, ensinar nossos

    acadmicos, seja de filosofia ou de outros cursos, a pensarem criticamente por si

    mesmos, a criarem imunidade contra a m persuaso aprendendo a persuadirem bem a

    20 Retirado, traduzido e adaptado de: http://www.criticalthinking.org/pages/contributions-to-the-foundation-for-critical-thinking/402. Acesso: 10 set. 2012. 21 Retirado, traduzido e adaptado de: http://www.criticalthinking.org/pages/center-for-critical-thinking/401. Acesso: 10 set. 2012. 22 Retirado, traduzido e adaptado de: http://www.criticalthinking.org/pages/our-mission/405. Acesso: 10 set. 2012. 23 Retirado, traduzido e adaptado de: http://www.criticalthinking.org/pages/our-mission/405. Acesso: 10 set. 2012.

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    62 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    si mesmos e as outras pessoas com quem podem chegar a lidar em sua vida cotidiana e

    profissional.

    O estudo do pensamento crtico pode ser tambm uma tentativa de estender o

    uso crtico do nosso raciocnio (formal e informal) para alm da sala de aula das

    universidades, escolas e colgios brasileiros, posto que as pessoas que passaro

    (professores, alunos, etc.) por esse tipo de curso podero chegar at aos auditrios

    pblicos, onde ocorrem as discusses polticas, legais, socioambientais, etc., com o

    raciocnio afiado, com um calibre razovel na estrutura de sua racionalidade.

    Isso com certeza tambm poder vir a ocorrer com o raciocnio pblico

    brasileiro na discusso e no debate de ideias e propostas polticas, nos debates de

    argumentos legais e nos comentrios sociais encontrados nos jornais, na televiso, na

    Internet e em outras formas de comunicao de massa. Qui, termos um

    aprimoramento do raciocnio pblico brasileiro e o estabelecimento de discusses e

    debates das polticas pblicas de forma realmente sria e democrtica em nosso pas.

    Se os professores e os alunos forem treinados a dominarem as

    tcnicas/estratgias do estudo do pensamento crtico como proposto nesses manuais de

    lngua inglesa, ento estaro mais preparados para pensar criticamente. Todos ns

    poderemos chegar a ter discursos mais sensatos e bem fundamentados por argumentos

    cogentes, e provavelmente todos ns poderemos vir a analisar, avaliar e aceitar (ou no)

    argumentos nos assuntos que cada um de ns se interessa em estudar e discutir, seja na

    academia e na vida em geral. Com isso, talvez no sejamos to enganados e persuadidos

    por polticos, mdicos, vendedores com ms intenes, etc.

    Pode parecer que, logo no final do artigo, estaramos nos pendendo a defender e

    avaliar positivamente (logo propositada e oportunamente) os estudos gerados pelo

    movimento do pensamento crtico. No foi nosso objetivo realizar, e muito cedo para

    isso, uma avaliao critica integral, em termos de entender os contributos e os impactos

    sociais, tcnicos, acadmicos, etc. e mesmo a relevncia desses contributos (do

    movimento do pensamento crtico e da lgica informal) para a evoluo do raciocnio

    informal - individual e social efetivo dos seres humanos. Acreditamos ser importante,

    do ponto de vista terico e pragmtico, o estudo da literatura produzida por esse

    movimento. Consideramos imprescindvel, para o progresso intelectual autntico e

    socialmente relevante do Brasil, a organizao e realizao de reformas educacionais

    tais como foram e esto sendo implementadas e empreendidas pelo movimento do

    pensamento crtico no Reino Unido, na Austrlia, no Canad e nos EUA, etc. No

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    63 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    entanto, seria charlatanismo estrito senso da nossa parte defender a qualquer custo como

    se, do ponto de vista terico e pragmtico, tudo o que o movimento propusesse e

    estabelecesse fosse infalvel.

    Como todo empreendimento terico-pragmtico que quer transformar a

    realidade, o movimento do pensamento crtico tende a confiar em determinados

    pressupostos que outras propostas de estudos (filosficas, por exemplo) j a rejeitariam

    em princpio (RAINBOLT, 2010). O movimento do pensamento crtico tende a

    pressupor sem questionar (o que seria um contrassenso para o movimento no sentido

    exato da palavra) determinadas proposies que todo bom terico rejeitaria 24 -

    principalmente os filsofos contemporneos. Falaremos um pouco desses pressupostos

    assumidos pelo movimento nos prximos pargrafos.

    O movimento do pensamento crtico acredita que est tentando fazer uma

    diferena real e concreta na vida cotidiana das pessoas, principalmente nos jovens de

    18 a 22 anos. Por isso, seu enfoque pragmtico no tem porque ficar citando grandes e

    reconhecidos tericos (como os filsofos, por exemplo, que foram responsveis por

    fundar, sistematizar, formalizar, retificar e modificar a Lgica como um todo), tal

    caracterstica desse movimento explica porque, segundo Rainbolt (2010) os livros de

    pensamento crtico raramente mencionam filsofos.

    Muito pelo contrrio, nesse estudo utilizado e retirado em demasia coisas do

    que o prprio cotidiano oferece: como, por exemplo, materiais de propagandas de

    televiso, editoriais de jornais e discursos de polticos, com a finalidade de clarificar,

    explicar e especificar os conceitos, os mtodos, as tcnicas e as estratgias de

    pensamento crtico. As abordagens ao pensamento crtico so consideradas pelos

    prprios pesquisadores como um trabalho intelectual de nvel elementar, por isso

    que evitado o uso em demasia de jargo tcnico e de literatura especializada

    avanada (como o uso de expresses em latim e de autores muito difceis de ler, como

    Hegel e Nietzsche, por exemplo) (RAINBOLT, 2010).

    Devido a essas caractersticas (de o movimento do pensamento crtico tender a

    pressupor sem questionar determinadas proposies, de seu enfoque pragmtico no

    citar grandes tericos, ser uma abordagem cujo trabalho central de nvel elementar), a

    literatura produzida pelo movimento do pensamento crtico considerada teoricamente

    rasa, pois as obras produzidas, no levantam questes fundamentais/conceituais 24 Mas quem de ns no o faria? possvel para ns, qualquer um de ns, no partir de nenhum pressuposto sem questionar?

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    64 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    (filosficas) sobre, por exemplo, a natureza da verdade, ou nem ao menos questiona o

    fato de podermos considerar se a verdade , ou no , objetiva, e mesmo qual seria o

    mtodo (seguro) de se obt-la e se somente os argumentos racionais levam (nos

    conduzem) s crenas verdadeiras (RAINBOLT, 2010).

    Com relao, por exemplo, a pressupostos filosficos que podem estar

    subjacentes s teorias do movimento pensamento crtico, de acordo com Rainbolt

    (2010), por vezes os livros produzidos tendem a assumir como pressupostos bsicos

    algumas asseres de algum gnero de teorias da verdade: pode-se citar como exemplo a famosa teoria da verdade como correspondncia e a viso que assume que as proposies somente podem ter como propriedade dois valores de verdade (a

    bivalncia) - os quais aparecem como verbetes em quaisquer bons dicionrios de

    filosofia. Ou mesmo os tericos do movimento do pensamento crtico chegam a assumir

    uma posio que chamamos de realismo ingnuo metafsico (sobre o problema

    filosfico do mundo externo) sem questionar explicitamente a seus leitores alguma

    posio realista.

    Os representantes do movimento no apresentam e nem explicitam os

    pressupostos assumidos nos manuais ao seu leitor. Ou seja, as teorias desenvolvidas

    pelo movimento no questionam a fundo determinados pressupostos que qualquer um

    de ns talvez colocaria em cheque num estudo mais profundo, longo e muito avanado

    como se faz s vezes no mestrado e no doutorado.

    De modo a finalizar este artigo, o pensamento crtico um tipo de habilidade

    muito especifica, levado em conta as abordagens surgidas e as tcnicas exploradas por

    cada uma destas. Alm disso, a abordagem ao pensamento crtico que segue

    determinados parmetros da lgica formal e informal torna seu estudo mais especfico

    ainda: se resume a habilidade de avaliar corretamente os argumentos feitos por

    segundos e terceiros e ensinar tcnicas/estratgias de saber como construir bons

    argumentos por si mesmo. Sendo assim, o pensamento crtico no um tipo de

    habilidade que traz como resultado todo tipo de sucesso acadmico e profissional.

    Muito embora tenha se discutido muito sobre sua generalidade e importncia, o que

    talvez seja um dos fatores responsveis pela popularidade da disciplina. Conforme

    Rainbolt (2010), isso ocorre em muitos campi das universidades dos Estados Unidos, o que acaba por gerar uma falsa viso de que o pensamento crtico pode trazer o sucesso

    em geral, seja que rea do conhecimento for, tanto no mbito acadmico quanto no

    profissional.

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    65 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    necessrio chamar ateno para esse ponto, visto que o pensamento crtico no

    como as outras habilidades, tais como, por exemplo, a que nos permite sermos capazes

    de ler e escrever frases gramaticalmente corretas, aquela de realizar clculos

    matemticos, a de organizar os dados para realizar os trabalhos acadmicos: todas estas

    habilidades so to importantes e imprescindveis para sucesso acadmico quanto o

    pensamento crtico (RAINBOLT, 2010).

    Referncias BRANQUINHO, Joo; MURCHO, Desidrio; GOMES, Nelson Gonalves. Enciclopdia de termos lgico-filosficos. So Paulo: Martins Fontes, 2006. EPSTEIN, Richard; CARNIELLI, Walter. Pensamento crtico: o poder da lgica e da argumentao. So Paulo: Editora Rideel, 2010. _____. ; KERNBERGER, Carolyn. Critical Thinking. Canad: Thomson/Wadsworth, 2006. FISHER, Alec. A lgica dos verdadeiros argumentos. So Paulo: Novo Conceito, 2009. ______. The logic of real arguments. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. GROARKE, Leo. Informal Logic. Disponvel em: . Acesso em: 15 set. 2012. MOON, Jennifer. A new perspective on the elusive activity of critical thinking: a theoretical and practical approach. Disponvel em: . Acesso em: 15 set. 2012. MURCHO, Desidrio. Prefacio edio portuguesa. Disponvel em: . Acesso em: 15 set. 2012. RAINBOLT, George. Pensamento crtico. Fundamento, Ouro Preto, v. 1, n. 1, p. 35-50, set./dez., 2010. TITTLE, Peg. Critical Thinking: an appeal to reason. London: Routledge, 2011. WALTON, Douglas. Lgica informal: manual de argumentao crtica. So Paulo: Martins Fontes, 2006. Web Referncias Association for Informal Logic & Critical Thinking (AILACT): http://ailact.mcmaster.ca/. Center for Critical Thinking and Moral Critique: http://www.criticalthinking.org/pages/center-for-critical-thinking/401. Escalate - Education Subject Centre: www.http://escalate.ac.uk/. Foundation for Critical Thinking: http://www.criticalthinking.org/pages/contributions-to-the-foundation-for-critical-thinking/402.

  • Perspectivas em Cincias Tecnolgicas

    66 Perspectivas em Cincias Tecnolgicas, v. 2, n. 2, Mar. 2013, p. 40-66

    Stanford Encyclopedia of Philosophy: http://plato.stanford.edu. The Critical Thinking Community: http://www.criticalthinking.org/.