o quebra mitos n.º0a5
DESCRIPTION
Mitos sobre a saudeTRANSCRIPT
_____________________________________________________________________________________________________
Uma newsletter daN . 0 - M a r ç o 2 0 0 9
Mito: beber café é mau para a saúde
Para muitas pessoas – nas quais se
incluem os profissionais de saúde – a
ingestão de café constitui um risco para a
saúde. Convenhamos, o café não tem
grande reputação…
Por exemplo, nas minhas funções como
Professor da Faculdade de Medicina de
Lisboa são-me frequentemente
apresentados (por alunos ou internos)
casos clínicos de doentes internados em
que o café aparece como um “factor de
risco”, ao mesmo nível - percepcionado -
do tabagismo, excesso de álcool ou
mesmo substâncias ilícitas! Quando
questionados das razões de tais
convicções, os alunos nada apresentam
em termos de evidência científica de
suporte a tais ideias. Trata-se portanto
de uma convicção cultural, passada de
modo acrítico de geração em geração e
que já reveste contornos religiosos…
O café constitui um dos componentes da
alimentação mais ingeridos no mundo
inteiro, constituindo a substância
farmacologicamente activa mais utilizada
universalmente. A cafeína – a substância
central do café – pertence ao grupo das
metilxantinas, mas o café é uma
complexa mistura de milhares de
componentes químicos, incluindo
carbohidratos, compostos nitrogenados,
lípidos, minerais, vitaminas, alcalóides e
compostos fenólicos.
Devido ao seu consumo generalizado, o
café encontra-se na primeira linha das
preocupações do sistema de saúde e dos
consumidores, assim como das
instituições reguladoras dos produtos
alimentares.
Pode-se portanto colocar a questão: que
evidência científica existe sobre os efeitos
do café na saúde?
O café tem constituído nos últimos anos
uma área de particular interesse por
parte da comunidade científica
internacional. Na verdade, mais de
37.000 documentos técnicos e estudos
foram publicados num universo de 5.000
revistas científicas nos últimos 30 anos,
pelo que não haverá desculpa para se
______________________________________________________________________________________________
poder ter uma ideia bem definida sobre
os efeitos do café na saúde.
Os resultados de diversos estudos de
cariz epidemiológico sugerem um efeito
protector do café na incidência da
diabetes mellitus tipo 2, demência
(Alzheimer ou não), doenças hepáticas
(cirros e carcinoma hepatocelular) e
doença de Parkinson. Não existem provas
de boa qualidade que liguem o café ao
cancro ou a um aumento do risco
cardiovascular. De facto, um estudo
recente veio mostrar que o café é seguro
nos doentes pós-enfarte agudo do
miocárdio.
Deve no entanto reconhecer-se que
certos doentes podem apresentar uma
sensibilidade aos componentes do café,
com aumento de homocisteína
plasmática e subidas da tensão arterial
(de pouca monta), assim como
aparecimento de arritmias cardíacas. Os
grupos mais sensíveis ao café incluem as
crianças e adolescentes, assim como os
idosos, sendo os efeitos estimulantes do
sistema nervoso central bem conhecidos,
mas fora estas situações, o café é
perfeitamente seguro e constitui uma
excelente bebida, pelo que se pode
afirmar com segurança que os adultos
que consomem pelo menos uma média
de 3-4 cafés por dia (300-400 mg/dia de
cafeína) não correm risco especial e até
podem beneficiar da ingestão deste
composto, pelo que deveremos
abandonar as nossas ideias sobre o risco
global aumentado que a sua ingestão
possa provocar.
REFERÊNCIAS
1. Silletta MG et al. Coffee consumption and risk of cardiovascular events after acute myocardial
infarction. Circulation 2007;116:2944-51
2. Higdon JV, Frei B. Coffee and health: a review of recent human research. Crit Rev Food Sci Nutr
2006;46(2):101-23
3. Hernán MA, Takkouche B, Caamaño-Isorna F, Gestal-Otero JJ. A meta-analysis of coffee drinking,
cigarette smoking, and the risk of Parkinson's disease. Ann Neurol 2002 Sep;52(3):276-84
4. van Dam RM, Hu FB. Coffee consumption and risk of type 2 diabetes: a systematic review. JAMA.
2005;294:97-104
5. Barranco Quintana JL, Allam MF, Serrano Del Castillo A, Fernández-Crehuet Navajas R. Alzheimer's
disease and coffee: a quantitative review. Neurol Res. 2007 Jan;29(1):91-5
Prof. Doutor António Vaz Carneiro
Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência
Faculdade de Medicina de Lisboa
Av. Prof. Egas Moniz
1649-028 LISBOA
Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135
Fax: (351) 217 940 424
Internet: http://www.cembe.org
e-mail: [email protected]
Uma newsletter daN . 0 - M a r ç o 2 0 0 9
Mito: beber café é mau para a saúde
_____________________________________________________________________________________________________
Uma newsletter daN . 1 - O u tu b r o 2 0 0 9
Mito: “A laranja de manhã é ouro,à tarde é prata e à noite mata!”
Toda a gente conhece esta frase, que
relaciona hipotéticos benefícios e/ou
riscos da ingestão de laranjas com
determinadas alturas do dia. Com
efeito, o que esta frase pretende
afirmar é que, se decidirmos comer
laranjas, então a parte da manhã será
a altura em que ela será mais benéfica,
diminuindo ao longo do dia o seu efeito
positivo, sendo mesmo perigosa a partir
do pôr-do-sol…
Uma pesquisa da literatura biomédica
sobre este tema nada revelou, isto é,
não há estudos científicos que tenham
analisado tal questão, pelo que nos
resta apresentar e discutir a origem
deste “provérbio” (definido como uma
sentença de carácter prático e popular,
que expressa em forma sucinta, e não
raramente figurativa, uma ideia ou
pensamento...) e analisar sob o ponto
de vista médico eventuais problemas
com a ingestão de laranjas.
A origem desta frase é desconhecida,
mas parece ter sido criada no século
XIX, tendo adquirido vida própria –
como acontece tantas vezes - e
estando hoje absolutamente
disseminada entre nós (uma pesquisa
do Google com a frase produz centenas
de alvos…). Tem sido passada de
geração em geração, condicionando de
facto as horas de ingestão deste citrino.
A laranja possui, para além da
conhecida vitamina C, muitos outros
______________________________________________________________________________________________
componentes (pectinas, açúcar, etc.),
pelo que uma análise exaustiva dos
seus efeitos nutricionais seria
impossível de fazer neste texto. Uma
coisa é certa: fisiologicamente falando,
não faz qualquer sentido pretender que
a altura do dia em que se come laranjas
influencia o seu efeito sobre o
organismo.
E que benefícios poderá haver em
ingerir laranjas? Vários: para além de
uma dieta rica em frutas e vegetais ser
recomendável como parte de um
esquema de prevenção do risco
cardiovascular (como parte da chamada
dieta mediterrânica), por exemplo os
doentes com nefrolitíase (“pedras nos
rins”) podem ter um efeito positivo,
devido ao facto dos citrinos diminuírem
a formação das tais “pedras” (Kidney Int
2004;66:2402-10).
E a vitamina C? Este componente das
laranjas vem sempre a talho de foice
quando se fala em dietas equilibradas e
é a justificação maior para a ingestão
de laranjas (e limões, já assim). Faz
parte – juntamente com as vitaminas A
e E – do grupo das chamadas vitaminas
antioxidantes e têm-lhe sido atribuídas
as mais variadas propriedades
benéficas.
No entanto, sob o ponto de vista
científico, a suplementação dietética de
vitamina C é não só inútil, como
potencialmente prejudicial: não existe
evidência científica que ela proteja
contra o risco de cancro (J Natl Cancer
Ins 2009;101:14-23) e que seja útil para
a prevenção da doença coronária (JAMA
2008;300:2123-33) ou de acidente
vascular cerebral (Ann Intern Med
1999;130:963-70). E um outro mito que
a vitamina C seria benéfica na vulgar
constipação não é apoiada por nenhum
facto científico de boa qualidade
(Cochrane Database Syst Rev 2007 Jul
18;(3):CD000980).
Que concluir? Se gosta de laranjas,
pode comê-las à vontade,
independentemente das horas a
que o faz!
Prof. Doutor António Vaz Carneiro
Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência
Faculdade de Medicina de Lisboa Av. Prof. Egas Moniz
1649-028 LISBOA
Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135
Fax: (351) 217 940 424
Internet: http://www.cembe.org
e-mail: [email protected]
Uma newsletter daN . 1 - O u tu b r o 2 0 0 9
Mito: “A laranja de manhã é ouro,à tarde é prata e à noite mata!”
_____________________________________________________________________________________________________
O Quebra MitosUma newsletter da
N . 2 - J a n e i r o 2 0 1 0
Mito: “O uso intenso de telemóveis provoca cancro cerebral”
A utilização de uma nova tecnologia no
dia-a-dia – independentemente da sua
natureza ou complexidade – traz sempre
consigo, para além de apoiantes mais ou
menos entusiásticos, detractores
igualmente veementes nas suas
convicções e argumentos.
Os telemóveis (TMs), com a sua presença
universal e utilização intensiva, são um
alvo particularmente fácil para todo o tipo
de crenças acerca dos seus efeitos
(supostamente) nefastos sobre a saúde.
Um dos mitos mais frequentes é o de que
o seu uso intensivo poderá provocar
cancro cerebral - CC (brain cancer).
Sob o ponto de vista exclusivamente
teórico, esta afirmação tem alguma razão
de ser, já que se sabe existirem 3 tipos de
radiação quer podem constituir potenciais
factores de risco para CC: a radiação
electromagnética (EMF), a ionizante (IR) e
a de radiofrequência (RF) – esta é a dos
TMs. Por exemplo, em estudos muito bem
conduzidos provou-se que, em doentes
cancerosos que sofreram tratamentos
com irradiação ionizantes ao Sistema
Nervoso Central (por metástases de
outros tumores), a incidência de CC
(especialmente meningiomas e gliomas) é
superior ao das pessoas que não foram
submetidas a estes tratamentos. No
entanto, no caso da EMF nunca foi
provado cientificamente um maior risco
de CC.
E no caso da radiação de radiofrequência
(RF)? O tipo de experiência que daria sem
dúvida a resposta incluiria estudar 2 tipos
de pessoas: um grupo com uso intensivo
de TMs e outro sem utilização destes
aparelhos. Quer por questões científicas
(seria muitíssimo difícil garantir este tipo
de doentes), quer éticas (não é aceitável
sujeitar uma pessoa a um risco
______________________________________________________________________________________________
experimental, mesmo que potencialmente
pequeno), não é possível realizar este
estudo (um ensaio clínico).
Deste modo, e para poder responder a
esta questão, seria necessário comparar o
tipo e intensidade de utilização de TMs
dos doentes a quem foi diagnosticado um
CC, com os que não têm CC. Foi o que
fizeram uns investigadores americanos
(estudo publicado no New England Journal
of Medicine 2001;344:79-86), que
compararam 782 doentes internados em
hospitais dos EUA com CC com 799
doentes também internados mas sem um
diagnóstico de CC, tendo concluído não
haver qualquer relação entre a utilização
de TMs durante um período superior a
100 h, de pelo menos 60 mn por dia ou
regularmente durante pelo menos 5 anos
e um risco aumentado de CC.
Uma outra maneira de estudar este
problema seria acompanhar por um
determinado período de tempo um
conjunto de pessoas utilizadoras de TMs e
detectar cuidadosamente os que vêm a
desenvolver CC, analisando se o padrão
de uso de TMs é diferente dos que não
têm CC. Isto mesmo foi feito num estudo
dinamarquês, que seguiu em média
durante 13 anos um grupo de 420.095
pessoas (estudo publicado no Journal of
the National Cancer Institute
2006;98(23):1707-13), não tendo
detectado qualquer aumento de cancros
cerebrais em pessoas com uso intensivo
de TMs, tendo os investigadores concluído
que não existe qualquer relação entre o
uso de TMs e o CC, quer em doentes com
utilizações intensivas quer ocasionais.
Estamos em crer que estes estudos
deverão arrumar de vez com esta
questão, “ilibando” os TMs como causa de
cancro cerebral.
Poderão os TMs ter outros efeitos sobre a
saúde? Só se for no aumento de acidentes
de automóvel provocados pelo seu uso,
esse sim, amplamente provado em
estudos de excelente qualidade (ainda que
não seja o facto do TM estar na mão do
condutor que provoca os acidentes, mas
sim o acto de falar ao telefone – mesmo
com sistemas de mãos livres… - ainda
voltaremos a este facto no futuro).
De qualquer maneira podem as
pessoas ficar descansadas, já que não
existe qualquer relação entre o uso
de telemóveis e o cancro cerebral.
Prof. Doutor António Vaz Carneiro
Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência
Faculdade de Medicina de Lisboa Av. Prof. Egas Moniz
1649-028 LISBOA
Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135
Fax: (351) 217 940 424
Internet: http://www.cembe.org
e-mail: [email protected]
Uma newsletter daN . 2 - J a n e i r o 2 0 1 0
Mito: “O uso intenso de telemóveis provoca cancro cerebral”
_____________________________________________________________________________________________________
Uma newsletter daN . 3 - M a r ç o 2 0 1 0
Mito: “Os sapatos de corrida (ténis) maismodernos previnem as lesões dos atletas”
e existe um campo onde a
utilização de uma nova tecnologia
se revela repleta de mitos, esse
campo é sem dúvida o do desporto
(especialmente o da alta competição).
Quem não ouviu já falar de dietas ou
suplementos dietéticos milagrosos, que
produzem performances fabulosas,
indispensáveis á obtenção de resultados
cada vez melhores?
Também os equipamentos desportivos
para todos nós (os “de baixa
competição”…) constituem uma outra
área sujeita a constantes crenças, que
são alimentadas pelos fabricantes
destes equipamentos cujo interesse é
determinado pelo mercado potencial de
utilizadores a nível mundial – de facto,
todos os desportistas (mesmo os de
fim-de-semana…).
O calçado de corrida (“jogging” ou
“footing” em inglês) representa uma
fatia elevadíssima das vendas de
equipamentos desportivos, tendo as
últimas décadas assistido à produção de
modelos cada vez mais sofisticados e
com mais atributos tecnológicos, de
maneira que um par destes ténis pode
custar substancialmente mais do que
um par de sapatos normais…
A justificação por parte dos fabricantes
para este custo reside – entre outros –
na reclamação de uma pretensa
redução das lesões dos atletas que os
utilizam. Embora para todos nós este
conceito possa ser absolutamente lógico
– afinal os ténis são cada vez mais leves
e cómodos – existe publicada evidência
científica recente que é contrária a esta
convicção, de maneira muito clara e
directa.
Num recente artigo (Lieberman DE et
al. Nature 2010;463:531–535)
investigadores americanos, ingleses e
quenianos estudaram cuidadosamente
os padrões de corrida de fundo (através
S
______________________________________________________________________________________________
de vídeos de atletas nos EUA e no
Quénia), e concluíram que os primeiros
(calçados com ténis de corrida)
assentam primeiro o calcanhar no solo e
depois o resto do pé, enquanto os
segundos (descalços) fazem ao
contrário, assentando primeiro a planta
anterior do pé. Ora esta última técnica,
embora requerendo mais força
muscular da perna e pé, apresenta uma
muito menor taxa de lesões que se
verificam mais frequentemente nos
atletas que correm assentando primeiro
o calcanhar no solo. Eles analisaram
também a estrutura óssea dos pés de
jovens quenianos que chegam a correr
20 km por dia, concluindo estar perante
pés saudáveis e funcionalmente muito
eficazes.
Este é um problema significativo, já que
embora uma parte dos corredores
nunca tenham lesões, há evidência que
numa percentagem importante isso
acontece (19-79% - van Gent RN et al.
Br. J. Sports Med. 2007;41:469–480).
Estes achados obrigam provavelmente a
repensar a utilização dos ténis à venda
nas lojas de desporto. É claro que não
estamos a afirmar que os sapatos de
corrida modernos provoquem lesões,
mas também não parece haver
evidência que as previnam (Jungers WL.
Nature 2010;463:433-4).
Como não recomendamos que se corra
descalço em alcatrão (!), talvez seja
importante pensar em fabricar ténis
diferentes, que tenham em conta estes
achados científicos. De resto, a indústria
de calçado já desenvolve uns modelos
flexíveis que se comportam como se
fossem simples meias e estará aí talvez
o futuro destes equipamentos para
corrida de fundo.
A mensagem prática é a de que é
mais importante a técnica de
corrida do que propriamente o
equipamento com que se corre,
quando pensamos em lesões
desportivas.
Prof. Doutor António Vaz Carneiro
Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência
Faculdade de Medicina de Lisboa Av. Prof. Egas Moniz
1649-028 LISBOA
Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135
Fax: (351) 217 940 424
Internet: http://www.cembe.org
e-mail: [email protected]
O Quebra MitosUma newsletter da
N . 3 - M a r ç o 2 0 1 0
Mito: “Os sapatos de corrida (ténis) maismodernos previnem as lesões dos atletas”
_____________________________________________________________________________________________________
Uma newsletter daN . 4 - M a i o 2 0 1 0
Mito: “A vacinação pode causarautismo nas crianças”
autismo é uma doença do
comportamento com várias
apresentações clínicas que se
manifestam na maioria dos casos logo
nos primeiros anos de vida. Na sua
forma mais grave, a criança apresenta
uma diminuição marcada da capacidade
de interagir socialmente e de comunicar
com outras pessoas, juntamente com
alterações marcadas do
comportamento. A doença não tem
cura, mas os autistas podem, se
apoiados profissionalmente, atingir um
grau de autonomia e integração
bastante aceitáveis.
Nos últimos anos tem vindo a verificar-
se, um pouco por todo o mundo, um
aumento do diagnóstico de autismo.
Este fenómeno acontece
simultaneamente com uma cobertura
vacinal infantil cada vez maior, pelo que
certos familiares e profissionais de
saúde têm sugerido uma associação
entre os dois fenómenos, como por
exemplo no caso da administração da
vacina tríplice (sarampo, papeira e
rubéola). Estes receios vieram a ser
aparentemente confirmados num
(tristemente célebre) estudo publicado
em 1998 (Lancet 1998;351:637), que
descreveu 12 crianças com idades
compreendidas entre os 3 e os 10 anos,
enviadas para uma unidade hospitalar
pediátrica inglesa com um quadro de
dor abdominal e diarreia, associadas a
alterações comportamentais. Destas 12
crianças, 9 vieram a ser diagnosticadas
com autismo (conjuntamente com uma
colite inespecífica), tendo os autores do
estudo sugerido que estas alterações
seriam provocadas pela administração
de vacina tríplice (informação dada
pelos pais das crianças ou pelos
médicos de família respectivos). Este
estudo desencadeou uma cobertura
massiva nos media, sugerindo-se que a
vacinação poderia causar autismo,
tendo como consequência uma recusa
dos pais em vacinar os seus filhos (15%
O
______________________________________________________________________________________________
de baixa global de vacinação no Reino
Unido), com consequente aumento dos
casos de sarampo mortal e de todas as
complicações associadas a uma
incidência aumentada de papeira e a
rubéola nas crianças não vacinadas.
Este estudo veio a ser retirado do
Lancet este ano, por se ter
demonstrado sérios problemas
metodológicos, assim como conflitos de
interesse por parte dos autores. O que
estes autores deveriam ter feito - se
suspeitassem da existência de uma
associação entre a vacina e o autismo -
era comparar este grupo de doentes
com autismo (vacinados ou não), com
um outro grupo de doentes sem
autismo (vacinados ou não). Isto
porquê? Porque há crianças com
autismo que nunca foram vacinadas (o
autismo surgiu antes da 1ª dose de
vacina, por ex.) e a esmagadora
maioria das crianças vacinadas não tem
autismo. Este desenho de estudo,
designado como caso-controlo,
permitiria identificar uma relação (se ela
existisse) entre a vacina e a doença.
Mesmo assim, não seria possível
garantir uma relação causal (apenas
uma associação), mas seria caso para
ficarmos alerta e repensar o problema.
Após esta controvérsia ter aparecido,
naturalmente que a comunidade
científica médica meteu mãos à obra,
tendo realizado e publicado vasto
conjunto de estudos procurando
analisar uma eventual associação entre
vacinas e autismo.
Os resultados? Não existe até hoje
nenhum artigo publicado que identifique
qualquer ligação entre a vacinação e o
autismo, quer em estudos
epidemiológicos (N Engl J Med
2002;347:1477-82 e Lancet 1999 Jun
12;353(9169):2026-9 - entre outros),
quer em revisões sistemáticas da
literatura (Arch Pediatr Adolesc Med
2003 Jul;157:628-34). Devido ao
elevado nº de estudos e à consistência
dos seus resultados, a preocupação pela
existência de eventual associação entre
a vacinação infantil e o autismo deve
ser posta de parte de uma vez por
todas.
Conclusões: em termos de autismo,
é perfeitamente seguro vacinar as
crianças de acordo com o Plano
Nacional de Vacinação, já que os
benefícios daí decorrentes são de
grande importância clínica para o
futuro das nossas crianças e os
riscos são negligenciáveis.
Prof. Doutor António Vaz Carneiro
Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência
Faculdade de Medicina de Lisboa Av. Prof. Egas Moniz
1649-028 LISBOA
Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135 Fax: (351) 217 940 424
Internet: http://www.cembe.org e-mail: [email protected]
_____________________________________________________________________________________________________
Uma newsletter daN . 5 - J u l h o 2 0 1 0
Mito: "A ingestão de antioxidantes é umamedida eficaz na prevenção da doença"
preocupação com a saúde que
muitas pessoas perfeitamente
saudáveis demonstram constitui
terreno fértil para medidas preventivas,
especialmente na ingestão regular dos
chamados complementos dietéticos. De
entre estes, assumem importância
particular os chamados “antioxidantes”,
que são intensamente publicitados
como tendo benefícios para a saúde
num elevado conjunto de contextos,
com especial ênfase na prevenção das
doenças. A noção aqui é a de uma
possível "deficiência vitamínica", que
seria desejável/recomendável corrigir.
Os antioxidantes mais recomendados
neste contexto são as vitaminas A, C e
E, que se encontram disponíveis nos
frutos e vegetais, mas também
isoladamente ou sob a forma de
compostos multivitamínicos, vendidos
em lojas de alimentação natural,
supermercados e farmácias. Porque
estes produtos são considerados
“naturais”, dão a impressão ao
consumidor que são sempre benéficos e
que portanto poderão ser consumidos
sem problemas. Valerá portanto a pena
uma análise dos verdadeiros benefícios
e riscos destes componentes da dieta,
especialmente em termos de prevenção
da doença (área onde a promoção é
mais intensa).
Mas quais são - baseados nos melhores
estudos clínicos - os efeitos da ingestão
crónica das vitaminas antioxidantes? Os
leitores habituais dos nossos “Quebra-
Mitos” vão ter de nos desculpar, mas
desta vez o formato deste texto será
diferente: iremos apresentar as
vitaminas utilizadas como medidas
preventivas de doença (portanto em
doentes sem deficiências vitamínicas) e
os resultados de estudos científicos que
suportam (ou não) a utilização destes
suplementos alimentares para esse
efeito. Não seremos exaustivos e claro
que disponibilizaremos a pedido as
referências dos estudos que suportam
as nossas conclusões.
A
______________________________________________________________________________________________
VITAMINA A - a vitamina A (presente
sob a forma de retinol e carotenóides)
não apresenta quaisquer benefícios na
prevenção do cancro do cólon, do
cancro da mama e no cancro em geral,
apresentando mesmo um risco mais
elevado de cancro do pulmão. Em
termos de prevenção da doença
cardiovascular, a evidência é negativa
para benefício e existem dados que
sugerem mesmo aumento do risco.
Também existe evidência de aumento
do risco de fracturas em mulheres com
a tomada de vitamina A.
As recomendações são portanto de não
suplementação dietética com esta
vitamina, dada a ausência de evidência
de benefício e até sugestão de risco
aumentado.
VITAMINA C - não existe evidência
que suporte qualquer papel preventivo
do cancro da vitamina C, assim como
de doença cardiovascular. Existem
alguns dados que parecem sugerir um
menor risco de cataratas e
degenerescência macular do olho com a
ingestão de vitamina C, mas são pouco
consistentes.
Não se recomenda portanto a ingestão
crónica desta vitamina.
VITAMINA E - a vitamina E (que se
encontra em vários compostos) é
ineficaz na prevenção do cancro em
geral, assim como do cancro da mama,
cólon ou pulmão (em particular). Em
termos cardiovasculares, a vitamina E
demonstrou ser inútil na prevenção da
doença cardíaca em geral e no acidente
vascular cerebral, sendo provavelmente
prejudicial nos doentes com insuficiência
cardíaca. Também na demência nada foi
provado em termos de benefício e
parece haver um maior risco de morte
global com a vitamina E (especialmente
com doses superiores a 400 UI/dia).
Uma vez mais, não se recomenda
portanto a ingestão crónica da vitamina
E.
Como se pode ver, os benefícios da
ingestão preventiva das vitaminas
antioxidantes constitui um mito
que, pela fácil disponibilidade
destes compostos (que podem ser
adquiridos sem receita médica),
pode constituir um perigo para a
saúde pública. Se fizer uma dieta
equilibrada não necessita destes
suplementos vitamínicos, que no
mínimo são inúteis e no máximo
prejudiciais.
Prof. Doutor António Vaz Carneiro
Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência
Faculdade de Medicina de Lisboa Av. Prof. Egas Moniz
1649-028 LISBOA
Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135 Fax: (351) 217 940 424
Internet: http://www.cembe.org e-mail: [email protected]
Mito: "A ingestão de antioxidantes é uma
medida eficaz na prevenção da doença"