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Ano 8 nº 94 dezembro 2008 ENTREVISTA DANIEL MCFADDEN: RECUPERAÇÃO DA CRISE FINANCEIRA NOS ESTADOS UNIDOS LEVARÁ PELO MENOS OITO ANOS O QUE NOS SEPARA DO PAÍS QUE QUEREMOS E MAIS PRÊMIO SESI DE QUALIDADE NO TRABALHO MUSEU DO PANTANAL EM CORUMBÁ

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Ano 8nº 94dezembro2008

EntrEvistA Daniel McFaDDen: RecupeRação Da cRise FinanceiRa nos estaDos uniDos levaRá pelo Menos oito anos

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Armando Monteiro Neto, presidente da CNI – Confederação Nacional da Indústria

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No dia 18 de Novembro, a CNi promoveu o seminário Desenvolvimento e Constituição – 1988-2028. diversas organizações celebraram recentemente os 20 anos da conclusão dos tra-balhos da assembléia nacional constituinte, com abordagens que oscilaram entre a contex-tualização histórica e a indicação das deficiên-cias da carta Magna. a cni se propõe ir além. a partir do seminário, serão realizados debates ao longo de 2009, considerando os objetivos do Mapa Estratégico da Indústria, para identifi-car os caminhos em direção ao desenvolvimen-to. tão importante quanto estabelecer as metas é descobrir o modo mais eficaz de alcançá-las.

a constituição de 1988 representou a res-tauração das liberdades e garantias individuais. estabeleceu múltiplos pólos de poder, permitin-do que organizações sociais passassem a ques-tionar medidas no supremo tribunal Federal. Mas existem hoje grandes problemas a resolver nas arenas política e econômica. o uso excessivo de medidas provisórias para assegurar a agenda dos governos e o processo orçamentário – que autoriza, mas não impõe gastos – evidenciam a assimetria dos Poderes da república. Por outro lado, criou-se um peso financeiro insuportável sobre o estado brasileiro. a ampliação do acesso à Previdência social constituiu avanço no resga-te da dívida social, mas criou estrutura de gastos semelhante à de países desenvolvidos, de popu-lação mais velha, como a alemanha. o crescen-te aumento das despesas criadas pela constitui-ção resultou na elevação da carga tributária, que

estava na casa de 20% do Produto interno bruto (Pib) em 1988 e hoje atinge 37%.

a tributação excessiva e complexa não é o único obstáculo ao crescimento das empresas no País. Há uma profusão de medidas legislati-vas e regulatórias – produto indireto da consti-tuição – que elevam o chamado custo brasil. a indústria brasileira atua em ambiente de compe-tição global e de forte interdependência, em que as possibilidades de inserção estão associadas à construção de vantagens competitivas sistêmi-cas. Há vários exemplos de países que consegui-ram criar condições vantajosas para recepcionar frações de cadeias de valor das empresas globais: china, Índia, coréia do sul, irlanda e Finlân-dia. nossos competidores não esperam por nos-sas transformações.

É necessário que o brasil acelere a aprovação de reformas constitucionais pendentes, como a tributária, a da Previdência e a Política. Mas isso não bastará. Precisamos também ter foco na inovação; na relação entre os centros de pesquisa e as empresas; e nas negociações internacionais, entre outras questões. a modernização do País deve ter como ponto de partida a mudança de idéias, de políticas e de instituições que geram obstáculos ao crescimento. em sociedades avan-çadas, a capacidade de fazer com que propostas avancem depende do convencimento, da articu-lação e da habilidade de estabelecer alianças. o setor industrial brasileiro tem consciência de seu papel como ator político, e pretende aumentar seu protagonismo na construção do País.

o brasil que desejamosCiclo de discussões em 2009 identificará caminhos em direção aos objetivos de desenvolvimento do Mapa Estratégico da indústria

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www.cni.org.br

DIRETORIA DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - QUADRIÊNIO 2006/2010

Presidente: Armando de Queiroz Monteiro Neto (PE); Vice-Presidentes: Paulo Antonio Skaf (SP), Robson Braga de Andrade (MG), Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira (RJ), Paulo Gilberto Fernandes Tigre (RS), José de Freitas Mascarenhas (BA), Rodrigo Costa da Rocha Loures (PR), Alcantaro Corrêa (SC), José Nasser (AM), Jorge Parente Frota Júnior (CE), Francisco de Assis Benevides Gadelha (PB), Flavio José Cavalcanti de Azevedo (RN), Antonio José de Moraes Souza (PI); 1º Secretário: Paulo Afonso Ferreira (GO); 2º Secretário: José Carlos Lyra de Andrade (AL); 1º Tesoureiro: Alexandre Herculano Coelho de Souza Furlan (MT); 2º Tesoureiro: Alfredo Fernandes (MS); Diretores: Lucas Izoton Vieira (ES), Fernando de Souza Flexa Ribeiro (PA), Jorge Lins Freire (BA), Jorge Machado Mendes (MA), Jorge Wicks Côrte Real (PE), Eduardo Prado de Oliveira (SE), Eduardo Machado Silva (TO), João Francisco Salomão (AC), Antonio Rocha da Silva (DF), José Conrado Azevedo Santos (PA), Euzebio André Guareschi (RO), Rivaldo Fernandes Neves (RR), Francisco Renan Oronoz Proença (RS), José Fernando Xavier Faraco (SC), Olavo Machado Júnior (MG), Carlos Antonio de Borges Garcia (MT), Manuel Cesario Filho (CE).

CONSELHO FISCAL Titulares: Sergio Rogerio de Castro (ES), Julio Augusto Miranda Filho (RO), João Oliveira de Albuquerque (AC); Suplentes: Carlos Salustiano de Sousa Coelho (RR), Telma Lucia de Azevedo Gurgel (AP), Charles Alberto Elias (TO).

UNICOM - Unidade de Comunicação Social CNI/SESI/SENAI/IEL Gerente executivo - Marcus Barros Pinto Tel.: (61) 3317.9544 - Fax: (61) 3317.9550 e-mail: [email protected]

ISSN 1519-7913 Revista mensal do Sistema Indústria

Coordenação editorial IW Comunicações - Iris Walquiria Campos

ProduçãoFSB ComunicaçõesSHS Quadra 6 - cj. A - Bloco E - sala 713CEP 70322-915 - Brasília - DF Tel.: (61) 3323.1072 - Fax: (61) 3323.2404

Redação Editor: Paulo Silva PintoEditora-assistente: Daniela Schubnel Editora de arte: Ludmila Araujo Revisão: Shirlei Nataline Colaboraram nesta edição: Carlos Haag, Fernanda Paraguassu, Luiz Felipe de Alencastro, Marcelo de Ávila e Marcelo S. Azevedo

Publicidade Moisés Gomes - [email protected] Tel.: (61) 3323-1072

Impressão - Gráfica Coronário

Capa - Images.com/Corbis

As opiniões contidas em artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, o pensamento da CNI. D

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16 Capa cni promove seminário Desenvolvimento e Constituição – 1988-2028, em

que lança série de debates sobre os caminhos para o brasil

24 Negócios estudo identifica cem empresas dos países emergentes com dinamismo e

perspectivas de crescimento superiores à média global

30 Responsabilidade Corporativa são anunciadas as empresas vencedoras do Prêmio sesi de Qualidade no

trabalho, que teve como foco o ambiente profissional

34 Finanças Mohammad Yunus, o fundador do banco grameen, busca parceiro no

brasil para implantar seu bem-sucedido modelo de microcrédito

40 História Pesquisa demonstra que o período de maior desenvolvimento da indústria

paulista foi resultado da interação entre empresários e estado

ARtIgos

50 CENA globAl luiz Felipe de alencastro afirma que a crise global ameaça a estabilidade na

china e nos estados Unidos, protagonistas da globalização

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10 ENtREvIstA daniel McFadden, prêmio nobel de economia, prevê que a recuperação

da crise financeira nos estados Unidos vai levar ao menos oito anos

22 tENdêNCIAs ECoNôMICAs consulta da cni a empresas industriais do País demonstra que 88%

foram afetadas pela crise e 64% terão de rever investimentos

44 CultuRA Museu que acaba de ser inaugurado no porto de corumbá apresenta a

formação humana do Pantanal no presente e no passado

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Desenvolvimento sustentáveldurante seis meses, o sesi de Pernambuco realizou mesas-redondas para o debate de iniciativas de desenvolvimento sustentável entre empresários do estado. Mais de 600 pessoas participaram das discussões promovidas pela 1ª Jornada de responsabilidade social empresarial, encerrada com palestra do navegador e escritor amyr Klink, no dia 18 de novembro, na sede da Fiepe. o projeto, que será ampliado em 2009 para o interior do estado, tem por objetivo sensibilizar e atrair o empresariado para investir em uma gestão alinhada com o desenvolvimento sustentável. segundo o superintendente do sesi de Pernambuco, ernane aguiar, a Jornada conseguiu atrair a participação de diversos setores da sociedade civil.

munDo iel De estágioo iel lançou no mês passado a campanha Mundo iel de estágio. a idéia é promover entre empresas e estudantes o estágio responsável oferecido pela entidade. no hotsite www.mundoiel.com.br, peça central da campanha, é possível pesquisar vagas disponíveis e candidatos por estado e área de atuação. Há também dicas sobre comportamento e informações sobre a legislação. o usuário pode ainda postar recados em um mural temático por profissões, e criar avatares – réplicas personalizadas da própria pessoa – com a identidade da campanha. “Um dos destaques da metodologia do iel é a seleção de alunos, acompanhada por especialistas, e o acompanhamento constante durante todo o processo”, diz o superintendente do iel, carlos cavalcante. em breve, a página eletrônica oferecerá também um bate-papo com especialistas sobre o tema.

Risco De pRotecionismoo protecionismo nos países sul-americanos pode aumentar com a crise financeira internacional, segundo a analista lúcia Maduro da Unidade de negociações internacionais da cni. na declaração da 8ª reunião extraordinária do conselho Mercado comum, em brasília, no final de outubro, os representantes dos países afirmaram que o mercado regional é um importante instrumento para ajudar na superação da crise. Por isso, sugeriram o estreitamento da integração entre os países da região, a reativação dos mecanismos de controle macroeconômicos no Mercosul e a retomada das negociações multilaterais da rodada de doha. o boletim Informa Mercosul, elaborado pela cni antes da reunião extraordinária do conselho Mercado comum, alerta que o diálogo e a troca de informações podem ser úteis para preservar as relações econômicas e comerciais na américa do sul. o boletim está disponível para download na página eletrônica da cni (www.cni.org.br).

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mais vagas no sesi e senaia cni e o Ministério da educação firmaram no dia 5 de novembro, no Palácio do Planalto, um compromisso para a elevação da escolaridade do trabalhador. até 2010, a indústria pretende oferecer 16,2 milhões de novas matrículas em educação básica, continuada, Profissional e tecnológica nas escolas do sesi e do senai. “com o acordo, aumentaremos os investimentos em vagas gratuitas para pessoas de baixa renda, preferencialmente trabalhadores, e em cursos de longa duração”, diz o presidente da cni, armando Monteiro neto. a proposta, que faz parte do programa educação para a nova indústria, contempla não apenas a ampliação da gratuidade dos cursos, mas também a elevação da carga horária para formação inicial e a elevação da escolaridade do trabalhador.

tRabalhaDoRes especiaisPessoas portadoras de necessidades especiais de aprendizagem que fazem um curso no senai têm chance muito maior de conseguir um emprego. Pesquisa realizada em 2007 com 1.268 ex-alunos do senai que têm essas características revelou que 42% deles conseguiram emprego. de acordo com dados do instituto brasileiro de estatística e geografia (ibge), existiam no ano passado 24,5 milhões de pessoas com deficiência no País, das quais 9 milhões em idade própria para o trabalho. Porém, apenas um milhão exercia atividade profissional, o que equivale a 11% do total. “o senai tem uma grande importância em minha vida, pois me deu todo o apoio e incentivo para que eu entrasse na empresa onde estou”, afirma Marcelo Mattos, deficiente visual e ex-aluno do senai/rs, hoje empregado da fábrica da general Motors no estado. a pesquisa do senai encontrou também 74,8% dos ex-alunos do senai no mercado formal, isto é, trabalhando com carteira assinada ou como funcionários públicos. Mais da metade (54,2%) estava empregada em ocupação aprendida ou relacionada ao curso realizado nas escolas do senai.

pRocessos antiDumpinga china foi o principal alvo de pedidos de investigações de dumping abertos pelo brasil no primeiro semestre deste ano. a informação está no Observatório Brasil-China, publicação trimestral da cni. os três pedidos registrados no período se referem a fibras de viscose, pneus de carga e seringas descartáveis. todos estão à espera de resposta aos questionamentos. ao longo de 2007, foram abertos 61 processos antidumping contra a china em todo o mundo. de acordo com a publicação, os produtos dos setores de máquinas, eletrônicos, equipamentos ópticos, médicos, musicais, armas e munições são os que concentram a maioria dos processos brasileiros contra a china. as queixas de outros países contra os chineses referem-se a produtos químicos, plásticos e de borracha. o conteúdo da publicação está disponível na íntegra na página eletrônica da cni (www.cni.org.br).

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um natal bem bRasileiRoPeito de frango com chutney de manga, gratinado de couve, manteiga e nozes, suco de clorofila com pêra. estes são algumas das especialidades que o sesi paulista lançou para o natal deste ano, em um caderno especial, com receitas nutritivas e saborosas produzidas por quatro chefs do estado: João guilherme regazzini neto, do Quality Hotel sun Valley, de Marília; ricardo gerevini, da adega spazio 2003; Jorge Monti, da associação brasileira de gastronomia, de são Paulo; e tiago caparroz lopes, do bistrô Flor de sal, de são José do rio Preto. as 36 receitas respeitam o custo máximo de r$ 6,00 por pessoa. Para receber o caderno, basta participar dos cursos gratuitos do alimente-se bem, inscrevendo-se em qualquer unidade do sesi em são Paulo. o sesi paulista oferece receitas sazonais há seis anos. durante o verão, inverno, festas juninas e páscoa, as pessoas podem aprender pratos temáticos e econômicos, respeitando o aproveitamento integral dos alimentos, como é feito no Programa cozinha brasil do sesi no resto do País. são Paulo conta com 41 cozinhas didáticas para oferecer os cursos, além de unidades móveis.

mobiliáRio ecológicoa unidade do senai catarinense em são bento do sul lançou no final de novembro o selo biomóvel. a iniciativa certifica as indústrias de mobiliário que projetam e produzem peças de forma ecologicamente correta. Para exibir o selo, a empresa deve atender alguns critérios, como utilização de colas e revestimentos não-tóxicos e madeira renovável. além disso, deve cumprir as exigências das legislações ambiental e trabalhista e não comprar de fornecedores que usam trabalho infantil ou escravo. o regulamento, auditoria e certificação do selo são responsabilidade do arranjo Produtivo local Madeira e Móveis do alto Vale do rio negro, que compreende as cidades de são bento do sul, campo alegre e rio negrinho. Participaram do lançamento do selo 26 empresas já certificadas.

Dia De muita saÚDe Mais de meio milhão de atendimentos. esta foi a marca alcançada pela 4ª edição do esporte cidadania em 2008. realizada em 36 cidades dos 26 estados e do distrito Federal no dia 8 de novembro, a iniciativa, do sesi e da rede globo, ofereceu uma série de serviços gratuitos ao público. dentista, medição de peso, altura, exame de sangue, orientações sobre alimentação saudável e prevenção de doenças como diabetes e hipertensão são alguns exemplos. além disso, foram dadas orientações sobre a prática do esporte e como ela pode contribuir para a inclusão social, a qualidade de vida e a melhoria da produtividade no trabalho.

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moDa paRa o inveRnoo senai lançou em outubro o Caderno Perfil Inspirações e Tendências – Inverno 2009. a publicação é resultado do trabalho de 15 departamentos regionais que participam do Programa senai de gestão do design do departamento nacional. traz as novidades sobre comportamento do consumidor, design, estilos e macro-tendências da moda para que profissionais preparem coleções para os meses mais frios. a proposta do caderno também é estimular o uso da história e cultura nacionais para o desenvolvimento de produtos diferenciados. Mais informações sobre a publicação no senai de cada estado.

ResponsabiliDaDe socialcampanhas de prevenção à dengue, doação de sangue, vacinação contra a rubéola e doação de material escolar foram algumas das iniciativas promovidas pela Faculdade senai de tecnologia, do senai gaúcho, e que renderam à instituição o selo de qualificação instituição de ensino superior socialmente responsável. concedido pela associação brasileira de Mantenedoras de ensino superior (abmes), o selo premia organizações comprometidas com o desenvolvimento qualitativo da educação e que praticam ações de responsabilidade social.

coRReÇÃoa nota “Fécula de Mandioca”, publicada na página 9 da edição de novembro da revista Indústria brasileira, afirma incorretamente que o projeto de lei determinando a adição do produto em pães ainda deveria ser aprovado na câmara dos deputados. o projeto foi aprovado pela câmara dos deputados e pelo senado Federal, mas foi vetado pelo presidente da república no dia 8 de outubro.

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Design italiano no senaisenai design Futures é o projeto que o senai e o consorzio del Politecnico di Milano (Poli.design) estão desenvolvendo em parceria desde junho deste ano. o objetivo é transferir para o senai a experiência italiana no desenvolvimento de ações e programas em design, com foco em inovação, que poderá ser aplicada no mercado nacional. além da transferência de conhecimentos, processos e metodologias do sistema design do Politecnico di Milano, o projeto prevê a capacitação de técnicos, docentes e gestores do senai no brasil e na itália, e o desenvolvimento de novos cursos e serviços técnicos e tecnológicos. no lançamento oficial do projeto, em 31 de outubro, o presidente do Poli.design, giuliano simonelli, explicou que a idéia é trabalhar de forma adaptada às características locais. os departamentos regionais que participam da rede senai de design e o senai-cetiQt serão especialmente beneficiados pelo projeto, e em especial as unidades que atuam junto às indústrias de móveis, couro, calçados e artefatos, e têxtil e vestuário.

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oito anos de recuperaçãoSegundo Prêmio Nobel de Economia, a recomposição após os estragos da crise será um processo lento para os Estados Unidos, e que poderá se tornar mais complicado caso sejam adotadas medidas equivocadas

poR paulo silva pinto

daNiel mCFaddeN CoNsegue CoNCiliar eNtusiasmo e aCidez em uma conversa de meia hora sobre economia. e faz isso apenas com a escolha das palavras, sem alterar o tom de voz baixo e o modo pausado de falar. o que o entusiasma são as novas linhas de pesquisa que unem economia, psicologia e fisiologia, resultando em descobertas sobre o funcionamento do cérebro quan-do fazemos negócios. “ao contrário do que imaginávamos, não se trata de algo que o ser humano aprende: é inato”, afirma o diretor do laboratório de econometria da Universidade da califórnia em berkeley, vencedor do Prêmio nobel de economia em 2000.

na acidez, McFadden está junto de bilhões de outras pessoas preocupadas com os rumos da economia global. ele afirma que serão necessários ao menos oito anos para a economia norte-americana se recuperar dos problemas que atravessa. leva em conta a evolução de duas crises precedentes: a grande de-pressão, dos anos 1930, nos estados Unidos, e a que se seguiu ao estouro da bolha imobiliária do Japão, no início da década passada, da qual o país ainda não se recuperou plenamente.

McFadden afirma que o presidente eleito dos estados Unidos, barack obama, é assessorado por economistas competentes. nota, porém, uma ten-dência de que o próximo governo crie regras que, ao invés do que se pretende, poderão prejudicar a recuperação econômica. ele falou a Indústria brasileira no final do mês passado, quando esteve no rio de Janeiro para o encontro latino-americano da sociedade econométrica (lacea, na sigla em inglês) e o congresso da associação de economia da américa latina e do caribe (la-mea), que ocorreram no instituto de Matemática Pura e aplicada. sua palestra foi sobre um tema que o entusiasma, o desenho de Mecanismo, capaz de apri-morar o funcionamento dos mercados.

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dAniel mCFAdden

Indústria brasileira – Como o Mecanismo de Dese-nho ajuda a compreender a dinâmica econômica?daniel McFadden – o desenho de Mecanismo identificou o que faz um mercado quebrar e propor-ciona soluções reconhecen-do as várias possibilidades de organização que existem. regular o mercado sem eliminá-lo é algo muito de-licado, que pode falhar por inadequação das regras ou por má implementação. a melhor opção é usar mecanismos de mercado para solucionar problemas de mercado. Um ótimo exemplo disso é o controle da poluição por meio de certificados emitidos por empresas. trata-se de um meio muito melhor de controlar o problema do que criar novos regulamentos.

Ib – Há algo que possa ser feito nessa linha de pes-quisa para ajudar os Estados Unidos e o mundo a enfrentar a crise financeira?dM – o desenho de Mecanismo não proporciona uma solução, mas sim o arcabouço organizacional. Há uma série de estudos sendo feitos em labora-tório em que se testam as respostas de mercado à distribuição de espectros de radiofreqüência, ou ao pagamento pelo uso de oleodutos. o que pode ser feito na atual crise é testar em laboratório as respos-

tas de mercado para securitização de dívidas, para seguros que não conseguem ser pagos, e verificar em que condições a instabilidade se forma. a insta-bilidade atual é o resultado do aumento das expec-tativas em relação aos valores de ativos. Quando os preços caíram, era impossível que nada acontecesse. a magnitude dos contratos e a alavancagem que se criou eram uma indicação do risco dessa instabili-dade. os instrumentos de hedging deveriam existir para dar maior estabilidade, e não o contrário.

Ib – A crise é resultado de falha de mercado ou falha de governo?dM – ambas. É falha de mercado na medida em que a aposta do governo norte-americano nos úl-timos oito anos era que esse mercado deveria se auto-regular, buscar a própria proteção. Há proble-mas de informação e de incentivo. os incentivos se distorceram muito, e assim os agentes não estavam vendo com clareza o risco que corriam. a falha de

governo foi a incapacidade de monitorar o mercado, coletar informações sobre seu funcionamento, mesmo com instrumentos regulató-rios de que dispunham. e ter permitido que o mercado fugisse do controle, tornan-

do-se disfuncional. no verão [do hemisfério norte, três meses atrás], o governo nem mesmo sabia qual era o tamanho do problema.

Ib – O senhor afirma que um dos grandes culpados pela crise é o ex-presidente do Fed [o banco central dos Estados Unidos] Alan Greenspan. Mas ele era consi-derado um gênio. O que ocorreu?dM – ele foi muito bom ao desempenhar seu papel principal no Fed: monitorar a economia e fazer os pequenos ajustes para que continuasse funcionando bem. ele foi muito astuto, é um bom observador. Mas olhando em retrospectiva, é pos-sível ver o que ele não fez direito: deixou mercados não-regulados se distraírem em relação ao geren-ciamento de riscos, o que os impediu de se preparar para a crise. ele mesmo reconhece agora que a idéia que tinha dos mercados estava errada.

Regular o mercado sem eliminá-lo é muito delicado. O melhor é usar mecanismos do próprio mercado

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EntrE vista

Ib – O senhor percebeu isso na época?dM – eu dei uma palestra em 2003 em que afirmei que os estados Unidos estavam em um caminho insustentável. disse também que o país estava se tornando a maior república bananeira do mundo, por não gerir sua economia de modo responsável. isso, no momento, dizia mais respeito às finanças públicas e ao déficit fiscal. a sec [security ex-change commission, que monitora o mercado de capitais] delegou aos bancos o desenho da análise de risco de crédito. torna-se claro na retrospectiva que os bancos foram irresponsáveis, pois os mode-los não testaram o que se propunham a testar. de-veriam ter sido feitos testes mais eficientes. É como se faz com a proteção de um sistema de informática ligado à internet: para verificar sua segurança, é ne-cessário tentar invadi-lo a todo momento, checan-do sua vulnerabilidade. assim é possível antecipar o que a máfia russa fará [risos]. achar que o sistema financeiro poderia fazer isso sozinho foi uma gran-de falha do governo. Havia muitos conflitos de in-teresses no mercado para que isso fosse possível.

Ib – A regulação deve ser mais restritiva?dM – eu acho que é importante evitar que a regu-lação seja excessivamente forte, apertada. É o que ocorreria com o estabelecimento de controles sobre o crédito. Mas é necessária alguma modelagem de risco, com testes de laboratório eficazes dos pro-dutos financeiros. isso tem de ser feito seguindo o exemplo da análise de medicamentos por parte da Federal drug administration [agência norte-ame-ricana da área], com um painel independente para checar se os testes estão sendo feitos do modo cor-reto. os novos instrumentos financeiros são con-cebidos por pessoas muito inteligentes. são muito poderosos – e exatamente por isso são também pe-rigosos. não deveriam ser entregues a operadores que não têm carta de motorista [risos].

Ib – Quais das possíveis soluções para a crise seriam equivocadas?dM – Um dos riscos é partir para uma maior regu-lação do pagamento de executivos dos bancos. em-bora isso pareça bom, é uma medida cosmética, que não atinge a raiz dos problemas. Há que se recon-

siderar a maneira como as pessoas são remuneradas no mercado financeiro, de modo que, ao arriscar, tornem-se também responsáveis pelos resultados bons ou ruins, o que faria com que se tornassem mais cuidadosas. Mas não acho que os legisladores sejam as melhores pessoas para resolver isso.

Ib – Em relação ao futuro no curto prazo, o se-nhor é otimista, pessimista, ou está em algum pon-to intermediário?dM – estou no meio. o resultado político do que vivemos hoje será um aumento da regula-ção, e depois finalmente se voltará para o centro. essa é a tendência.

Ib – Quanto tempo vai durar a recessão?dM – temo que será uma longa recessão, com um processo longo e tedioso de recuperação.

Ib – Por quanto tempo?dM – acho que isso vai durar oito anos pelo menos.

Ib – Oito anos?!dM – acho que sim. a nossa experiência mais próxima é o que houve no Japão desde o início da década de 1990. depois de quase 17 anos [do estouro da bolha imobiliária], eles ainda não se recuperaram.

Ib – Mas os japoneses têm problemas muito específi-cos em sua economia, não?dM – sim, eles têm. Mas também é necessário levar em conta que nós estamos atravessando um imenso colapso nos estados Unidos. o número de empre-sas que quebraram é impressionante, e outras que-brarão no próximo ano. Haverá um enorme ajuste não só do setor financeiro, mas também de outros

O número de empresas que quebraram é impressionante. E outras quebrarão no próximo anoD

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dAniel mCFAdden

setores maduros da economia. Minha preocupação principal é que a maior parte do crescimento eco-nômico dos estados Unidos no passado recente, principalmente nos últimos quatro anos, não foi em um caminho sustentável. Foi devido ao aumento do endividamento das famílias: pessoas tomando dinheiro emprestado e usando suas casas como ga-rantia. Mesmo conseguindo se recuperar desta crise atual, não vejo possibilidade de o mercado de crédito voltar mais ao patamar insustentável a que chegou. Haverá um choque negativo de até 5% nos próxi-mos três ou quatro meses no consumo das famílias, o que corresponde a 70% do Pib. como teremos esses 5% de volta? será um processo muito longo.

Ib – O presidente Barack Obama lidará com esses problemas de forma adequada?dM – ele tem economistas muito bons em sua equipe, que sabem exatamente quais os tipos de medida que não funcionam. essa é a uma crise de magnitude muito grande, e não me parece que os instrumentos-padrão de política monetária funcio-narão. não há um caminho fácil para a recupera-ção, qualquer que seja o presidente.

Ib – Qual o maior desafio dos economistas hoje?dM – obviamente o maior desafio é a crise de crédito, que está tomando conta da economia real e pode causar uma contração severa da ati-vidade. o problema mais imediato é como lidar com uma contração econômica global de pro-porção substantiva, certamente a maior desde os anos 1930. É necessário um esforço coordenado para reestimular a atividade econômica dos paí-ses envolvidos. É necessária cooperação. nos anos 1930, o que se viu foi o crescimento do protecio-nismo, em que todos os países se preocuparam apenas com suas situações particulares. isso se re-

velou um grande erro. É importante reconhecer que estamos no mesmo barco.

Ib – Há risco de entrarmos em uma crise pior do que a de 1929?dM – eu diria que o que está acontecendo no mer-cado financeiro global é comparável ao que ocor-reu no começo da grande depressão. o mercado de capitais não caiu tanto – ainda. Mas a contração do mercado de crédito é semelhante à que ocorreu em 1930.

Ib – Ao dizer que o mercado de capitais não atingiu a queda de 1920 “ainda”, o senhor quer dizer que pode cair ainda mais?dM – no crash de 1929 o mercado de capitais nos estados Unidos caiu 75%. neste ano caiu 50%. olhando de modo positivo, pode-se argumentar que não foi tão grande quanto oito décadas atrás. Mesmo assim é um grande golpe no patrimônio das pessoas, e algo que desestimula o consumo.

Ib – Podemos cair em uma depressão econômica?dM – o que ocorre hoje está muito mais ao alcan-ce do controle dos governos, porque há muito mais instrumentos, conhecimento e informação do que nos anos 1930. o governo pode combater a alavan-cagem e a deflação se usar os instrumentos corre-tos. Mas estou bastante apreensivo. será necessária uma mão segura por parte dos governos para evitar pânico generalizado.

Ib – Por que os agentes econômicos não agem de acor-do com o que seria de seu próprio interesse?dM – isso não é necessariamente irracional. tra-balhar constantemente para otimizar é muito can-sativo, exige muito esforço, muitas horas de seu dia. ou seja: consome recursos, na forma de atenção. o que as pessoas fazem, portanto, é constantemente procurar por atalhos. imitam as atitudes de outra pessoa que teve sucesso. em geral isso funciona, mas em um ambiente de mudança rápida, o resul-tado pode ser algo de que as pessoas se arrependem. se arrependem porque não tiveram maior atenção ao que estava acontecendo. não é que as pessoas sejam loucas e autodestrutivas.

O que ocorre hoje se compara ao início da Depressão.

Mas os governos são mais eficazes do que em 1930 Div

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EntrE vista

Ib – Economistas estão prestando cada vez mais aten-ção ao comportamento das pessoas. Qual é a fronteira entre economia e psicologia?dM – acho que não existe uma fronteira clara. Há economistas experimentais trabalhando em linhas de pesquisa que realmente poderiam ser confundidas com a psicologia, verificando de que maneira os seres humanos reagem a uma coisa ou outra. os economistas têm uma vantagem com-parativa em fazer pesquisa tradicional em econo-mia, assim como os psicólogos têm uma vanta-gem comparativa em fazer pesquisa behaviorista [comportamental]. a verdadeira fronteira é onde há cooperação e os cientistas das duas áreas po-dem reunir suas vantagens comparativas. do ponto de vista científico são muito interessantes essas novas possibilidades de coleta de dados e de formulação de hipóteses sobre o que constitui um ser racional. É melhor do que simplesmente as-sumir, como costumavam fazer os economistas, que as pessoas procuram maximizar seu bem-estar. a racionalidade é algo mais complexo do que isso. Freqüentemente incorremos em erro ao analisar informações. Há limites que são dados pela competição e outros que ocorrem por razões fisiológicas. alguns de nossos limites dependem de como nosso cérebro é conectado.

Ib – Há, portanto, grandes benefícios com a intera-ção de economistas, médicos e psicólogos?dM – sim, e muito disso já está acontecendo. Muitos neurologistas e economistas estão tra-balhando juntos em pesquisa sobre o funciona-mento bioquímico do cérebro no momento em que decisões são tomadas. Um dos que fazem isso é antonio rangel [do ca-lifornia institute of tech-nology]. Há também pes-quisadores dessas áreas na Universidade Harvard [em boston, costa leste dos es-tados Unidos] e em zurique [na suíça]. o que se está descobrindo é que o comportamento econômico é muito primitivo. o modo como fazemos comércio e outros negócios, como esta-

belecemos contratos, isso remonta aos momen-tos mais antigos de nossa evolução. Quando se observa do ponto de vista fisiológico o que se passa no cérebro das pessoas ao fazer negócios,

verifica-se que a atividade está nos locais mais primi-tivos. isso ajuda a enten-der que o comportamento econômico é simplesmente comportamento humano. É uma grande revelação para mim. caso você me

perguntasse há trinta anos se fazer negócios era algo inato, eu diria que não, de jeito nenhum. eu diria que é algo que se aprende, como uma linguagem. Mas estava errado.

Ao fazer negócios, ativamos locais primitivos do cérebro. Acreditava-se

que isso era aprendido

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em Novembro, a CNi deu iNíCio a um CiClo de discussões sobre a modernização institucional do País, tendo como paradigma as conquistas da cons-tituinte de 1988. realizado no dia 18, na sede da entidade, em brasília, o seminário Desenvolvimento e Constituição – 1988-2028 trouxe em seu título a provocação para nortear o processo de examinar as implicações da constituição para o desenvolvimen-to econômico. a cni deseja ampliar o debate sobre o futuro do brasil, refletindo sobre como tornar a economia brasileira mais dinâmica e crescentemente integradora nas dimensões social e espacial.

Participaram do seminário o ex-presidente da república Fernando Henrique cardoso, o mi-nistro da Justiça, tarso genro, o ex-presidente e ex-ministro do supremo tribunal Federal carlos Velloso, o cientista político, pesquisador do cen-tro brasileiro de análise e Planejamento (cebrap) e professor da Universidade de são Paulo (UsP) Fernando limongi, bem como o economista e pro-fessor da Universidade Federal do rio de Janeiro (UFrJ) armando castelar. os debates avança-rão ao longo de 2009, inserindo-se no âmbito das ações do Mapa Estratégico da Indústria e, como tal, devem se consolidar em documento sobre a vi-são do setor produtivo, que será entregue aos pré-candidatos à Presidência da república, em 2010.

a constituição é, sem dúvida, o marco central da institucionalidade. delineia os princípios, direi-tos e garantias individuais, os direitos sociais e polí-ticos. nas palavras de Fernando Henrique cardoso, “é um marco importante de democracia e de avan-ço social”. Vivemos o mais longo período de esta-bilidade democrática de nossa história republicana. logo após sua promulgação, o então presidente da república, José sarney, cometeu um exagero em seu prognóstico: temia que a nova constituição brasi-leira viesse a tornar o País ingovernável. a história o desmentiu. o próprio sarney exerceu seu mandato até o final e entregou a faixa a Fernando collor, o vencedor da primeira eleição direta para presiden-te em três décadas. o País viveu e ultrapassou o impeachment de collor e os três presidentes que se seguiram construíram a estabilidade da economia, atravessando crises financeiras globais.

Mas há avanços a consolidar. o próprio Fer-nando Henrique reconhece que o brasil ainda é patrimonialista e conservador. está ainda por vir a revolução cultural que tornará possíveis as mudan-ças que o País precisa enfrentar: “temos uma velha tradição de confusão entre o público e o privado. isso não se altera por decreto”. o ex-presidente afir-ma que o processo modernizante está hoje mais nas mãos dos eleitores, dos cidadãos, do que da própria

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caminhos para o brasilDuas décadas depois de promulgada a Constituição, a CNI traz o debate dos rumos do País nos próximos anos sob os ângulos político, econômico, jurídico e social

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Monteiro Neto, Genro, Fernando

Henrique, Velloso, Castelar e Limongi

discutiram a Constituição

na CNI

classe política. “Há uma modernização mais rápi-da na sociedade do que nas práticas políticas, in-cluindo os partidos, o processo eleitoral e o modo de organizar o legislativo. a força inovadora vem da sociedade civil, do mercado”. e conclui: “talvez seja meu vício de professor, mas precisamos de mui-to mais pregação democrática, da inovação.” exem-plifica seus conceitos, lembrando que foi seu gover-no que aprovou mudanças substanciais na ordem econômica do País. “nós quebramos o monopólio, com apoio da opinião pública.”

em seu discurso de abertura, o presidente da cni, armando Monteiro neto, já registrara sua ên-fase no papel da sociedade. “governos são seres reati-vos, cabe às sociedades impulsionar por conquistas.” em sociedades democráticas, a capacidade de fazer uma proposta avançar depende de convencimento, de articulação e da habilidade de construir alianças. Monteiro neto identifica os empresários como agen-tes do desenvolvimento e das mudanças e ressalta a importância desse protagonismo. “devemos atuar para a mudança de idéias, de políticas e de institui-ções que geram obstáculos ao crescimento.”

o debate evidenciou que, se por um lado a constituição trouxe notável e necessário avanço no resgate da dívida social, assegurando direitos e lançando as bases para investimentos na área, por outro colocou peso financeiro excessivo sobre o es-tado brasileiro. a substantiva ampliação de direitos e a universalização de acesso à Previdência social resultaram em estrutura de gastos com padrão si-milar ao de países de população bem mais velha, a exemplo da alemanha. em dez anos o déficit pre-videnciário somou quase meio trilhão de reais; o crescente aumento das despesas criadas pela cons-tituição propiciou a elevação da carga tributária, que estava na casa dos 20% do Produto interno bruto (Pib) em 1988, chegando hoje ao patamar de 37%, um dos níveis mais altos para países em desenvolvimento.

os gastos públicos dobraram de tamanho em re-lação à economia do País (veja gráfico na página 19). “aquele discurso do estado mínimo não faz sentido. o estado no brasil não parou de crescer”, alertou no debate o economista armando castelar. o aumen-to do setor público se iniciou em 1985. como resul-

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tado do ambiente político da época, a constituição de 1988 reforçou essa tendência. “a governabilidade está no social. e o social, no entendimento da cons-tituição, é mais gasto público”, analisou.

castelar nega que os gastos sociais tenham ne-cessariamente caráter de redistribuição de renda porque parte dos benefícios garantidos pela cons-tituição foi destinada a pessoas já pertencentes às camadas mais ricas. tampouco o aumento do dis-pêndio do estado se deu em áreas que poderiam alavancar o crescimento econômico. o investi-mento em infra-estrutura, por exemplo, “é uma fração do que há na china”, afirmou.

Mercado de trabalho, educação, saúde, infra-estrutura, moradia e transporte, segundo ele, são meios de se efetivar a redistribuição. “o brasil gas-ta hoje com a política social o mesmo que os paí-ses da organização para a cooperação e o desen-volvimento econômico (ocde), mas redistribui pouco”, comparou castelar. ele critica, por exem-plo, o fato de os gastos sociais estarem concentra-dos na Previdência, que favorece os mais idosos, faixa etária em que a pobreza é inferior à média da população, e não na infância, em que a pobreza é o dobro da média. “nosso foco está mais no final da corrida, em vez de no início.”

como viabilizaR muDanÇas

o economista afirmou que o brasil sabe “razoavel-mente bem o que fazer” para promover o desen-volvimento, pelo menos da ótica econômica. ele considera o Mapa Estratégico um documento com a profundidade necessária para nortear as re-formas. suas propostas, segundo castelar, são de amplo conhecimento dos parlamentares. apoiá-las, porém, significa para muitos o risco de perder eleitores: “nosso problema é discutir como viabili-zar, como fazer com que essas reformas sejam efe-tivamente implantadas.”

Foi consensual o reconhecimento de que o País precisa acelerar as reformas ainda pendentes, como a tributária, a da Previdência, a Política, entre ou-tras. Há reformas de primeira e de última geração. Para o brasil avançar, será preciso remover obstá-culos existentes e desenvolver competências; bem

como superar deficiências sistêmicas que afetam a operação das empresas.

o sistema tributário, as relações do trabalho, a infra-estrutura, a qualidade da educação bási-ca, dentre outras, são partes de uma agenda sobre as deficiências acumuladas no passado. algumas dessas reformas dependem de modificações consti-tucionais. Mas há também um conjunto de ações que projetam o brasil para o futuro, como a ino-vação, a relação entre os centros de conhecimen-to e as empresas, e as negociações internacionais. “convivemos simultaneamente com as agendas de correção do passado e a da preparação do futuro. essas agendas se desenvolvem segundo duas pers-pectivas, de um lado a agenda reativa, marcada pela resposta às inúmeras iniciativas que nascem no congresso e no executivo, e, de outro, a ação pró-ativa sustentada em propostas e idéias”, afir-mou o presidente da cni.

está clara para a indústria a necessidade de criação de um novo arcabouço institucional favorável à qua-lidade das políticas públicas. isso inclui a formação de novas lideranças; aprimoramento na coordenação entre o setor privado e o governo; e o crescimento da participação ativa de atores sociais que permitam a construção de estratégias de desenvolvimento bem-sucedidas. É um desafio ao mesmo tempo complexo e urgente, advertiu Monteiro neto: “o tempo políti-co não é igual ao tempo econômico; os nossos com-petidores não esperam por nossas reformas.”

o crescimento do estadoConsumo da União, estados e municípios, excluídas transferências, em % do PIB

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FONTE: PINHEIRO, BONELLI E PESSOA, 2008

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o economista castelar alertou para a necessida-de de melhorar a qualidade da produção legislativa brasileira, com “leis ambíguas, conflitantes e de má qualidade”. ele disse que é necessário evoluir do conceito de igualdade pura e simples, em vigor hoje, para a eqüidade: a igualdade de oportunidades.

Para castelar, o aumento da eficiência do esta-do e a redução dos gastos passam por uma reforma Política. ele trabalha em conjunto com cientistas políticos na busca de uma proposta de subdivisão das unidades da Federação para criar distritos elei-torais menores. “estudos mostram que um sistema político como o nosso, de presidencialismo de coa-lizão, leva a um aumento do gasto público.”

RefoRma política

o ministro tarso genro também defendeu a re-forma Política, sob o argumento de que “o sistema partidário brasileiro está falido”. ele ressalvou mais tarde que não se referia aos partidos individualmen-te, mas ao sistema, devido à falta de coerência que há entre os programas partidários e a ação política. Para o ex-presidente do supremo carlos Velloso, a refor-ma Política é etapa indispensável para outras refor-mas. “o congresso hoje não é a cara do País.” ele acredita que instituições políticas fortes são a base do desenvolvimento. Velloso recorre a um dos maio-res ícones da política e do pensamento franceses, o ex-presidente charles de gaulle (1890-1970), para enfatizar a necessidade de reformas nos sistemas par-tidário e eleitoral do brasil. “Quando foi chamado a salvar a França, em 1958, a primeira atitude de de gaulle foi pensar primeiro numa reforma partidária e depois numa nova constituição. o desenvolvimen-to econômico veio depois, naturalmente.”

Fernando Henrique reconheceu ter optado, em seu governo, por não dar início às reformas pela área política, decisão da qual não se arrepende, pela falta de consenso em torno do tema. “se eu tivesse come-çado por aí, não teria feito nenhuma reforma, então decidi começar pela ordem econômica.” as reformas da Previdência e tributária, que se inserem nesse item, também não foram concluídas, pois, segundo ele, o bem-estar econômico trazido pelo Plano real fez arrefecer a “vontade reformista”. “no momento

do bem-estar é que deveríamos ter reformado. ago-ra vai ser muito mais difícil, pois o governo vai ter que se defender muito mais e a arrecadação não vai ser tão abundante”, disse.

o cientista político Fernando limongi foi voz dissonante quanto à reforma Política: ele discorda da idéia de que ela é indispensável para o País avan-çar. “o sistema político brasileiro não é o entrave. tem uma aparência muito feia, mas não é tanto as-sim.” ele elencou, no entanto, fatos que prejudicam o sistema: 1) o presidente da república ter o poder de fazer nomeações para um número excessivo de cargos; 2) o orçamento aprovado pelo congresso nacional não ser impositivo, mas meramente auto-rizativo; 3) a ausência de regras mais transparentes para compras governamentais.

outro ponto de intensa discussão no debate foi a concentração de poder nas mãos do presidente da república, especialmente por conta das medidas provisórias (MPs). Fernando Henrique afirmou que o instrumento é necessário para governar. “sem medida provisória não teria sido possível fa-zer o Plano real. além disso, o próprio tempo do congresso é longo, às vezes não é possível tomar certas medidas em função disso.”

o ex-presidente ressaltou que o alegado forta-lecimento da instância presidencial é também uma reação ao crescimento do poder de decisão do le-gislativo determinado pelos constituintes de 1988. “Muitas matérias que deveriam ser tratadas como decreto do executivo passaram a ser lei. isso aconte-ceu porque [a constituição] foi inspirada no Parla-mentarismo, em que não haveria essa contradição”, disse Fernando Henrique. os parlamentaristas, grupo do qual fazia parte, acabaram perdendo por pequena margem a implantação desse sistema de governo no País. a constituição manteve o Pre-sidencialismo e deixou o sistema ser decidido na década seguinte, por plebiscito.

Para conter o excesso de MPs, Fernando Hen-rique defende uma antiga proposta do senador José sarney (PMdb-aP): que se devolva ao executivo a prerrogativa de decidir sobre matérias de organiza-ção da estrutura do estado, diminuindo a necessi-dade de medidas provisórias. a proposta de sarney, apresentada a Fernando Henrique logo no início

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ULysses GUIMarães em 1988: Constituição trouxe avanços, mas também peso excessivo sobre o estado

de seu mandato presidencial, também sugeria a cir-cunscrição dos setores em que o presidente poderia atuar por meio das MPs, como certas matérias de ajuste financeiro.

Para limongi, porém, o problema não está nas MPs: “a arma mais poderosa na mão do presidente é o controle sobre o orçamento e a vedação a que parlamentares criem despesas sem identificação da receita. isso limita a ação do congresso muito mais do que a MP”. ele lembrou que os governadores e prefeitos não dispõem do instrumento, mas têm o controle sobre seus orçamentos “e governam do mesmo jeito que o presidente da república”.

além de ter resultado em aumento dos gastos públicos, a constituição é criticada pelo excesso de regras, muitas das quais se transformam em obstáculo ao ambiente de negócios. o ministro da Justiça, tarso genro, criticou o fato de os di-reitos trabalhistas serem constitucionalizados. “É um equívoco”, afirmou ele, que iniciou sua car-reira como advogado da área. Para economistas,

o excesso de regras nas relações entre empresas e trabalhadores resulta em queda da flexibilidade e da produtividade. apesar dos custos maiores para empresas, os salários tendem a ser menores.

segundo Fernando Henrique, o excesso de re-gras da constituição é resultado do momento de consolidação da abertura política na década de 1980, em seguida ao regime Militar. “Vivíamos com a preocupação legítima de proteger o cidadão da violência do estado”, disse. ele afirmou que pouco preocupava a eliminação de entraves para permitir o desenvolvimento das empresas e inser-ção internacional do País. “os efeitos da economia globalizada e as transformações tecnológicas não se faziam sentir com a força que fazem hoje. É eviden-te que a constituição nesse aspecto é acanhada.”

o presidente da cni encerrou os debates ressal-tando que cabe à sociedade identificar seus próprios sonhos. Que brasil desejamos? a resposta delinea-rá o processo político capaz de viabilizar a agenda com a qual a indústria está comprometida.

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tEndência s EconôMica s eConomiA reAl

crise muda cenário para a indústriaImpactos se disseminam e 88% dos empresários consultados pela CNI afirmaram que seus negócios foram afetados

maRcelo De ávila e maRcelo s. azeveDo

a Falta de liquidez e a Forte restrição de crédito afetaram sobremaneira a expectativa dos empresários industriais quanto ao cená-rio futuro. a cni realizou, entre os dias 6 e 11 de novembro, Consulta Empresarial sobre os impactos da crise financeira internacional sobre as empresas industriais (veja os resulta-dos em www.cni.org.br). Quase 400 empre-sas participaram da pesquisa, das quais 18% são de grande porte, 34% de médio porte e 46% são pequenas. os resultados mostram a intensidade das influências da crise sobre as empresas: 88% mencionaram ter seus negó-cios afetados.

o principal efeito da crise veio na forma de redução de demanda. esse problema foi apon-tado por 57% das empresas consultadas. a desvalorização do real, de forma rápida e ines-perada, também causou um intenso efeito ne-gativo na estrutura de custos de produção da indústria brasileira. o aumento do preço de insumos e equipamentos importados foi o se-gundo principal efeito da crise, apontado por 41% das empresas. Já em relação ao crédito, o encarecimento da captação de recursos e a dificuldade de acesso a financiamentos foram, respectivamente, o terceiro e quarto principais problemas apontados pelas empresas.

em decorrência da queda repentina da demanda, mais da metade das empresas con-sultadas (54%) reduziram suas projeções de vendas para 2009. a piora nas perspectivas de vendas e o encarecimento do crédito – as taxas de juros para pessoa física e jurídica nas

operações de crédito já acumulam seis me-ses consecutivos de crescimento – alteraram também o panorama em relação aos investi-mentos futuros na produção industrial. entre as empresas consultadas, 64% alteraram os planos de investimentos para 2009. Para essas empresas, 78% cancelaram ou adiaram seus planos de investimentos.

em relação aos problemas quanto ao crédi-to disponível, a modalidade de financiamento mais afetada é a de curto prazo.

dos empresários consultados que afirma-ram que algum tipo de financiamento foi afe-tado, 68% mencionaram o encarecimento do crédito, enquanto para 49% o financiamento está mais escasso. segundo 21% dos empresá-rios, os prazos de financiamento se reduziram.

concoRRência poR empRéstimos

os dados recentes divulgados pelo banco central reportam queda de 2,3% na conces-são de crédito para pessoa jurídica e de 3,5% para pessoa física no mês de outubro, na com-paração com o mês anterior. embora no agre-gado a queda seja moderada, os efeitos da crise levaram empresas de maior porte a buscarem o mercado doméstico, ocasionando forte concorrência com os tradicionais tomadores domésticos. como efeito, os spreads bancá-rios, calculados pela diferença entre a taxa de captação e de empréstimos dos bancos, que já vinham registrando aumentos devido à polí-tica monetária restritiva, continuaram a cres-

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efeitos da criseProblemas apontados por empresas industriais brasileiras

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32,1%

37,1%

40,9%

56,8%

Perdas em operações financeiras

Dificuldade no acesso ao crédito

Encarecimento do crédito

Aumento do preço de insumos e equipamentos importados

Redução na demanda

FONTE: CONSuLTA EMPRESARIAL CNI

impacto sobre investimentosQuantas empresas industriais tiveram de rever o planejamento

Para 64%houve impacto

Para 23% nãohouve impacto

10% não tinhamplanos de investir

em

2009

3% nãosouberamresponder

FONTE: CONSuLTA EMPRESARIAL CNI

cer em outubro. o spread médio para pessoa jurídica aumentou 2,8 pontos percentuais, registrando o maior aumento, frente ao mês anterior, desde agosto de 2002. dessa forma, esse indicador voltou ao mesmo patamar de outubro de 2002, devolvendo toda a redução conquistada ao longo desses anos.

a reação da política econômica tem várias faces. o governo brasileiro implementou di-versas medidas para reverter a falta de liqui-dez no sistema financeiro. Mais da metade dos depósitos compulsórios existentes antes da crise foi liberada, a cobrança de ioF nos investimentos estrangeiros foi suspensa, o banco central passou a intervir no mercado cambial através de leilões no mercado futu-ro e vem utilizando as reservas internacionais para a venda à vista da moeda estrangeira.

Para reduzir a necessidade de capital de giro nas empresas, em função da escassez de crédi-to, a cni propôs no 3º encontro nacional da indústria (enai), em brasília, nos dias 28 e 29 de outubro, a ampliação do prazo de recolhi-mento de tributos. essa sugestão foi em parte acatada pelo governo, que por meio da Medi-da Provisória nº 447 determinou a ampliação dos prazos de recolhimento do Pis/PaseP, da coFins, do imposto de renda retido na Fonte e da contribuição Previdenciária.

na consulta, o empresário industrial iden-tificou essa ampliação como um dos princi-pais mecanismos para aplacar os efeitos da crise. apresentados a propostas de medidas a serem tomadas pelos governos federal e es-taduais para superar a atual crise financeira, 59% dos empresários propuseram ampliar ainda mais o prazo de recolhimento de tri-butos. Medidas para facilitar o acesso e au-mentar os recursos disponíveis para linhas oficiais de crédito também foram apontadas por 39% e 35% dos empresários, respec-tivamente.

apesar de a expectativa de credit crunch não ter se materializado inteiramente, é nítida a maior dificuldade das empresas para obter capital de curto prazo. esse cenário, aliado à queda de demanda, definirá o menor cresci-mento da economia em 2009. nessa esteira, a queda de investimentos na produção poderá interromper um ciclo virtuoso de crescimen-to que tomou forma nos últimos anos. nesse sentido, a cni acredita que – até pelo lado da expectativa de desaceleração da inflação futura – há espaço para que o banco cen-tral inicie o movimento de queda da selic em 2009, auxiliando na redução de empoçamen-to de liquidez e dos efeitos da desaceleração da atividade.

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a globalização mudou de nomeAgora é a vez da globalidade, com a competição intensa provocada pelas cem empresas mais desafiadoras em países emergentes

a tradiCioNal baixa dos NegóCios trazida pelo final do verão do hemisfério norte pas-sou despercebida pela embraer, a fabricante de aviões sediada na cidade paulista de são José dos campos. no início de agosto, a em-presa – quarta maior fabricante de aeronaves

do mundo – informou que duplicaria sua re-ceita líquida no segundo trimestre, num to-tal de Us$ 134 milhões, e que entregaria 52 aviões, 16 a mais do que os 36 fabricados no mesmo período do ano passado. enquanto as companhias aéreas do mundo todo enfrentam

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alterações turbulentas nos preços dos barris do petróleo, a embraer espera alcançar a cifra im-pressionante de 200 aeronaves produzidas. o número de pedidos em carteira da empresa é sólido: Us$ 20,7 bilhões.

o crescimento da embraer em meio às di-ficuldades econômicas globais é exemplo de como as empresas de economias em rápido de-senvolvimento estão remodelando a forma de fazer negócios por toda parte, conforme expli-cam Harold l. sirkin, James w. Hemerling e arindam K. bhattacharya em seu novo livro, Globalidade – A Nova Era da Globalização (ed. nova Fronteira, 320 páginas, r$ 49,90). os autores, do boston consulting group, dizem que a globalização entrou em uma nova fase.

Pelo modelo antigo, as multinacionais eu-ropéias, norte-americanas e japonesas espa-lhavam-se pelos países em desenvolvimento atraídas, sobretudo, pelos custos mais baixos das matérias-primas e da mão-de-obra. na nova fase, que os autores chamam de “globa-lidade”, as empresas de economias em rápida expansão, como as do brasil, Índia, china e rússia, estão decididas a desafiar as gigantes multinacionais, que até aqui ditaram as regras do modelo, e quase sempre em seu próprio ter-ritório. trata-se de “um contexto diferente, em que os negócios fluem em todas as direções. as empresas não têm mais um centro. a idéia de empresa estrangeira agora soa artificial”, ob-servam os autores.

tome-se como exemplo o caso da embraer: criada pelo governo federal do brasil em 1969, a empresa quase foi à falência, no final dos anos 1980. a concorrência era feroz, e a demanda pelo tipo de avião que a empresa fazia era pe-quena. embora o governo injetasse dinheiro no negócio, a economia brasileira atravessava um período conturbado. em outras palavras, a possibilidade de um resgate futuro da empresa pelo governo era cada vez menos provável.

em 1994 a embraer foi privatizada, receben-do investimentos de Us$ 161 milhões. Um ano depois, Maurício botelho assumiu a direção-executiva da empresa. ele partiu para a fabrica-ção de pequenos jatos de passageiros, com me-nos de 120 assentos, usados principalmente em vôos regionais. nesse segmento, a procura era maior do que a oferta, e a embraer decolou.

as desafiadorasEm que países estão as cem empresas identificadas no estudo do Boston Consulting Group

China 41

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a empresa lançou então um novo design, cha-mado de “bolha dupla”, que dava aos passageiros mais espaço, sem sacrificar a economia de com-bustível. a embraer converteu também os jatos regionais de maior porte em modelos executivos mais sofisticados, rebatizados de Phenom e line-age, cujas vendas eram menos sensíveis ao vaivém dos preços do combustível. essa estratégia permi-tiu à empresa ultrapassar com folga a concorrên-cia. Hoje é um colosso, com receitas anuais de Us$ 4 bilhões de dólares e 24 mil funcionários, que fazem dela uma concorrente de peso para empresas como a bombardier canadense.

sirkin e seus colegas chamam empresas como a embraer de “desafiadoras”, e listam

um total de cem companhias nessa categoria. dentre elas, 66 estão na Ásia (41 na china e 20 na Índia), 13 no brasil, 7 no México e 6 na rússia. o total de receitas dessas 100 empresas foi de Us$ 1,2 trilhão em 2006. em princípio, parece se tratar de uma soma modesta – afi-nal de contas, as receitas combinadas do wal-Mart, exxon Mobil e general Motors totaliza-ram Us$ 900 bilhões em 2006. as receitas das empresas desafiadoras, porém, vêm crescendo rapidamente: 30% ao ano entre 2004 e 2006, o que corresponde a três vezes o ritmo de cres-cimento das empresas listadas no s&P 500 e na Fortune 500, índices que acompanham empre-sas de destaque negociadas nas bolsas de valo-res norte-americanas.

as desafiadoras também são muito mais lucrativas: seus lucros operacionais foram de 17% em 2006, ante 14% das empresas que compõem o s&P 500. “são empresas que cres-cem depressa, são vorazes, e têm acesso a todos os mercados e recursos do mundo”, informam os autores de Globalidade. “elas começam a marcar presença por toda parte: nos mercados umas das outras no mundo todo, em mercados menos desenvolvidos do que os seus e, cada vez mais, nos mercados desenvolvidos do Japão, europa ocidental e estados Unidos.”

a tese central do livro é de que, na era da globalidade, as empresas desafiadoras compe-tirão umas com as outras por tudo. “e, por tudo, queremos dizer exatamente isso: todos os recursos do planeta. todos vão tentar se apode-rar das mesmas coisas que todo o mundo quer, principalmente as que forem mais preciosas: matérias-primas, capital, conhecimento, capa-cidades e, sobretudo, pessoas: líderes, gerentes, trabalhadores, parceiros, colaboradores, forne-cedores e, é claro, consumidores.”

as partes mais fascinantes do livro consis-tem, sem dúvida, em histórias que os autores reuniram sobre essas empresas vorazes e aguer-ridas, relatadas por meio de conversas com seus fundadores. Um dos exemplos é o grupo tata, de longa tradição na Índia, mas pouco conheci-do fora dele. o grupo estourou no cenário mun-

a aMBIÇãO faz a diferença

nos emergentes: alguns chineses,

além do emprego, são vendedores

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dial quando sua subsidiária no segmento de me-talurgia, a tata aços, comprou a anglo-dutch corus steel por Us$ 13,1 bilhões em 2007. Foi a primeira aquisição internacional da empresa.

desde então, ratan tata, presidente do conglomerado e com diploma da Universidade de cornell, nos estados Unidos, comandou o lançamento do nano, um carro de Us$ 2.500, além da aquisição das marcas Jaguar e land rover da Ford Motor company, hoje muito assediada. “atualmente, o valor de mercado do grupo tata ultrapassa os Us$ 50 bilhões, sendo que mais de 50% de suas vendas anuais, também no valor de Us$ 50 bilhões, vêm de fora da Índia.”

outro exemplo vindo da Índia é o da ara-vind eye care, maior operador de cirurgias de catarata do mundo. Fundada em 1976 pelo dr. Ventakaswamy, popularmente conhecido como dr. V., a empresa faz 250 mil cirurgias de catarata e atende a 1,5 milhão de pacien-tes externos todos os anos. de acordo com os autores, a aravind eye care atende 60% dos seus pacientes gratuitamente e ainda tem lucro. isso só foi possível porque o dr. V. “adequou o

modelo de cirurgia de catarata às condições de mercado das economias em rápido desenvolvi-mento”, observam os autores.

“os equipamentos médicos mais caros são utilizados ininterruptamente com o propósito de baratear o custo por procedimento cirúrgi-co. os médicos e as equipes são incrivelmen-te eficientes e produtivos, executando mais de 4.000 cirurgias de catarata ao ano, em compa-ração a uma média de 400 executadas por ou-tros cirurgiões indianos.” sirkin e seus colegas salientam que “juntas, as adaptações criativas dos processos de negócios pelo dr. V. e a en-genharia reversa de materiais por ele posta em prática permitiram à empresa fazer cirurgias de catarata por um quinto do valor pago normal-mente pelos pacientes nos estados Unidos”.

outra empresa desafiadora e fascinante é a goodbaby, atualmente a maior fabricante e vendedora de carrinhos de bebê da china. Fundada pelo ex-professor song zhenghuan, a empresa lança cerca de 700 produtos inova-dores todos os anos – ou um a cada 12 horas. a goodbaby registrou mais de 2.300 patentes desde 1990. entre as várias inovações da em-

Na INDIaNa arvind eye Care, cada médico faz 4.000 cirurgias de catarata por ano, das quais 60% são gratuitasS

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presa, há modelos de carrinhos que podem ser convertidos em cadeirinhas para uso no auto-móvel. “o grupo dominou 80% do mercado chinês de 1996 a 2006, e por cinco anos conse-cutivos, de 2001 a 2006, foi a marca preferida dos americanos.”

Que laços unem empresas como a embra-er, aravind eye care e goodbaby? de acordo com sirkin e demais autores, trata-se de um trançado de três fios. o primeiro deles refere-se ao país de origem. brasil, china e Índia nun-ca foram – e até hoje não são – locais fáceis para fazer negócios. Uma empresa que queira sobreviver e, principalmente, prosperar nesses mercados precisa superar uma série de obstá-culos. Um dos maiores laços, porém, consiste em lidar com milhões de consumidores exigen-tes, a maioria dos quais não dispõe de muito dinheiro. a origem econômica dessas empresas faz com que desenvolvam uma certa robustez. Fazer negócios, portanto, se torna relativamen-te fácil quando ingressam em mercados bem desenvolvidos e mais favoráveis aos negócios.

o segundo fator responsável pelo crescimen-to das empresas desafiadoras é o acesso global, e o fato de terem chegado depois das outras. “ao contrário de empresas da mesma estirpe de on-das anteriores, as que estão nas economias em

rápida expansão tiveram acesso extraordinário à riqueza de recursos que o mundo tinha a ofe-recer – conhecimento, propriedade intelectual, serviços, talento, capital e muito mais – além de acesso aos mercados dos quais podiam com-prar e nos quais podiam vender.”

o recurso mais importante, na opinião dos autores, é o conhecimento. os fundadores e ge-rentes de nível sênior de várias dessas empresas tiveram formação superior nos estados Unidos. além do preparo formal de sua liderança, as empresas desafiadoras puderam também explo-rar outras fontes de propriedade intelectual ao trabalhar diretamente com laboratórios com e sem fins lucrativos, cientistas e órgãos de pa-tentes, dizem os autores. “além disso, fizeram acordos com fornecedores dotados de conheci-mento especializado, trabalharam com licenças obtidas junto a vários proprietários diferentes ou adquiriram empresas com ativos intelectu-ais importantes.”

o terceiro fator por trás da dinâmica das desafiadoras é a “volúpia insaciável” pela “re-alização, pelo sucesso e reconhecimento mun-dial”, de acordo com sirkin e colegas. “esse apetite moldou a cultura das empresas, levan-do os profissionais das economias em rápido desenvolvimento a possuir uma mentalidade notável para negócios, um espírito empresarial aguçado e uma quase obsessão pelo trabalho e por assuntos comerciais que parece ainda mais intensa do que a observada no país desenvol-vido que mais se preocupa com o assunto: os estados Unidos.”

os autores citam exemplos de funcionários de escritórios em Xangai de tal forma obcecados com o aumento da sua renda que chegam até mesmo a trabalhar como vendedores ambulan-tes depois do expediente normal. “Uma mulher, atendente de uma agência de viagens, vende pi-rulitos à noite, depois do jantar, e ganha cerca de 500 iuans (mais ou menos Us$ 65) por semana”. embora os autores citem um exemplo da china, esse tipo de mentalidade fica evidente bem de-pressa para quem já teve a oportunidade de se deparar com ela nas economias emergentes.

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de Us$ 50 bilhões compra

empresas na europa, incluindo

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Republicado com autorização de UniversiaKnowledge@Wharton (http://wharton.universia), o jornal on-line sobre pesquisa e análise de negócios de The Wharton School of University of Pennsylvania. A Wharton mantém parceria com o IEL para a formação de executivos.

supondo-se que tudo o que foi dito seja ver-dade, quais seriam as implicações da globalida-de para as empresas do mundo todo, especial-mente para as grandes companhias da europa ocidental, Japão e estados Unidos? será que elas devem simplesmente sentar e esperar até que as desafiadoras cheguem para arrebatar o prato de suas mãos? de forma alguma, dizem os autores, que chamam a atenção para o fato de que a globalidade é tanto uma oportunida-de quanto um risco.

Para os que negam a existência do fenô-meno – apesar de as manchetes diárias mos-trarem o contrário – talvez seja tarde demais. Para outros, porém, é a chance de tornar real a transformação global. os autores recomen-dam diversas ações para empresas que quei-

eMBraer: as desafiadoras são empresas enxutas e que aproveitam oportunidades

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ram se transformar pensando em competir no contexto atual: avaliar sua posição competitiva e seu pessoal, mudar de mentalidade, encarar as oportunidades, definir seu modelo global futuro, incentivar a criatividade e liderar a transformação.

os autores propõem, como resposta ao novo cenário, reconhecer e tomar posição diante da marcha célere das desafiadoras globais, em vez de ignorá-las. “a globalidade afetará a todos, em toda parte, ecoando em tudo”, dizem. “e isso inclui você. Um dia, talvez, o grupo tata poderá comprar a sua empresa, seu filho vai ligar para casa de Xangai, seu emprego migra-rá para a cidade do México e você vai ter um changfeng [carro chinês] reluzente na gara-gem. É só uma questão de tempo.”

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ambiente favorávelPrêmio SESI de Qualidade no Trabalho identifica a gestão participativa como forma de estimular relações profissionais saudáveis e maior produtividade

poR feRnanDa paRaguassu

a iNdústria brasileira tem iNvestido Cada vez mais na busca de um ambiente de trabalho saudá-vel e na melhoria da qualidade de vida de seus fun-cionários. É uma demonstração de que a cultura da responsabilidade social está se incorporando às estratégias das empresas como resposta ao desen-volvimento sustentável dos negócios. “o número de empresas que colocaram a responsabilidade so-cial no seu planejamento estratégico está crescendo de uma maneira intensa. observo isso com aten-ção e alegria”, afirma o especialista em relações do trabalho e consultor da cni José Pastore.

os investimentos são feitos para atender di-ferentes demandas e necessidades das diversas partes interessadas, como o meio ambiente, a comunidade e o trabalhador. Pastore diz que, de maneira empírica, outros países em processo acelerado de industrialização, especificamente Índia e china, não avançaram tanto em relação a ações ambientais e sociais. Mas talvez agora esses países estejam despertando para outro tipo de atitude por conta da exigência de consumi-dores dos países desenvolvidos. o conceito de responsabilidade social e ambiental tem evoluí-

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responsABilidAde CorporAtiVA

do para algo que abarca toda a cadeia de produ-ção. assim, aos olhos do consumidor, de pouco adianta uma empresa afirmar que determinado problema não é seu e sim de um fornecedor.

em muitos casos, destaca Pastore, a consciên-cia da responsabilidade social vem do próprio mercado. Mas isso ainda não é muito percep-tível. “Quando uma empresa vê o concorrente praticando ações de responsabilidade social, é induzida a fazer o mesmo. Há uma força natu-ral e latente do próprio mercado. isso, em alguns casos, tem mais força que a lei”, diz. Mas se a lei for inteligente, avalia, poderá instigar o mercado a fazer mais.

Um dos desafios do setor industrial brasi-leiro, de acordo com o Mapa Estratégico da Indústria 2007-2015, é ajudar as empresas a compreender melhor o contexto exato em que se dá a responsabilidade social e capacitá-las para a adoção das ferramentas de gestão apropriadas. Muitas já vêm tendo seu esforço reconhecido.

o Prêmio sesi Qualidade no trabalho (PsQt) é o reconhecimento público das ini-ciativas de investimento da indústria no capital social e humano, que resultam em aumento de produtividade e de competitividade no merca-do. desde 1996, quando o PsQt foi criado pelo sesi em substituição ao Prêmio operário Pa-drão, o número de inscritos sobe em média 10% a cada edição. neste ano, participaram 2.700 empresas de micro, pequeno, médio e grande porte, que passam pelas etapas estadual, regio-nal e nacional. na última fase, concorreram 53 indústrias (veja quadro na página 35).

as empresas são avaliadas em quatro temas: gestão de pessoas, educação e desenvolvimento, qualidade de vida e responsabilidade socioam-biental. são apresentados questionários para a empresa e para o trabalhador – quem tem peso maior. Um auditor da Fundação nacional da Qualidade valida as respostas. É feito então um relatório, entregue pelo sesi para a empresa. se-gundo o gerente-executivo de responsabilidade social do sesi, alex Mansur, várias empresas passaram a adotar esse relatório como ferramen-ta para avaliar a gestão voltada ao seu pessoal. “a

empresa tem um diagnóstico completo sobre a sua relação com o funcionário”, afirma.

Mansur diz que a literatura internacional mostra que investimentos para promover a me-lhoria da relação da indústria com seus funcio-nários elevam em cerca de 60% a produtividade do trabalhador. ou seja, trabalhador satisfeito tem maior disposição e criatividade para inovar.

na Meneguetti indústria Química, mi-croempresa paulista vencedora deste ano, um funcionário do chão de fábrica sugeriu o lança-mento de um produto especial para a copa do Mundo de 2006. Fabricante de aromatizantes de ambientes, desinfetantes, velas e cosméticos, a Meneguetti lançou velas aromatizadas nas co-res verde e amarelo em caixas com motivos da copa. “Foi um produto sazonal, mas que fez su-cesso. Vendemos bastante”, diz o gerente-admi-nistrativo da empresa de dois córregos, daniel Henrique Fuzer de Miranda.

sugestÕes pRemiaDas

a gestão participativa tem se mostrado uma forma de estimular funcionários. as vencedoras do PsQt contam que dão espaço para os traba-lhadores emitirem opinião e, com isso, diminuir gargalos na empresa. a thyssenKrupp Metalúr-gica santa luzia, de Minas gerais, outra ven-cedora deste ano, na categoria grande empresa, dá prêmios em dinheiro para quem apresenta sugestões que são implementadas. anualmente os dez funcionários que mais participaram com sugestões aplicadas recebem presentes. “os fun-cionários demonstram vontade de participar”, diz a chefe de divisão de recursos Humanos da empresa, Patrícia claudia de barros.

segundo Patrícia, a participação é estimu-lada por meio de programas de melhoria e su-gestões, em que grupos discutem novas idéias para melhorar o ambiente de trabalho. com o envolvimento dos funcionários na gestão dos equipamentos, a empresa conseguiu, por exem-plo, reduzir para zero o número de máquinas quebradas, o que torna a produção mais ágil e diminui os custos.

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parente. os funcionários sentem necessidade de participar”, diz. Hermine conta que mostrou o troféu do PsQt aos trabalhadores assim que voltou de são Paulo e que muitos disseram estar orgulhosos de fazer parte de uma equipe ven-cedora. “isso motiva, melhora a auto-estima. o trabalhador leva esse sentimento para casa e repassa para o filho. incentiva-o a crescer, a es-tudar, a se comprometer com ações. É um efeito cascata. Você ajuda a formar cidadãos”, afirma.

Uma das grandes viradas da Pormade, se-gundo a diretora, foi deixar de ser uma grande família no fim dos anos 1990 para se tornar uma grande equipe. “Para ficar, tem que apresentar resultados. Já a família não dispensa os filhos. a empresa precisa ser conduzida com profissio-nalismo, respeito e possibilidade de crescer e se desenvolver”, explica.

este ano foi a segunda vez que a Pormade conquista o PsQt na categoria especial. “o prê-mio mostra que estamos no caminho certo. É um atestado de que os funcionários estão felizes no local de trabalho”, diz Hermine. a diretora afirma que a empresa ganha em todas as frentes com esses investimentos. a produtividade au-menta com a interação entre as pessoas, que fi-cam mais criativas e resolvem os problemas mais rapidamente, e a rotatividade diminui.

a redução do absenteísmo também é credi-tada a ações de promoção da saúde do trabalha-dor. Faltas ao trabalho e inabilidades temporá-rias estão entre os principais custos indiretos das empresas, que representam duas a três vezes os custos diretos, gastos com assistência médica e medicamentos. na thyssenKrupp Metalúrgica santa luzia, merece destaque o Programa sesi lazer ativo, que trabalha em cinco vertentes: atividade física, nutrição, controle do estresse, comportamento preventivo e relacionamento social para colaboradores e parceiros. ao visuali-zar o que é preciso ser trabalhado em cada área, a empresa promove um estilo de vida saudável para os trabalhadores. “com pessoas motivadas e satisfeitas é possível alcançar os resultados de-sejados”, diz o diretor de operações da empresa, andré orsi corrêa.

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Na POrMaDe, há incentivo

para o funcionário expor suas

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Para a diretora de recursos Humanos da paranaense Pormade Portas de Madeiras deco-rativas, Hermine schreiner, a participação dos funcionários nos processos de melhoria da ges-tão da empresa é um trabalho de longo prazo, cauteloso, e que precisa ser feito com bom senso para evitar constrangimentos. “Você vê o bri-lho nos olhos das pessoas, trabalha percebendo suas necessidades e expectativas”, diz. Hermine alerta que é preciso um ambiente agradável, de respeito, para o funcionário expor suas opiniões e não ter medo de ser punido. caso contrário, ele se retrai.

a empresa, que tem apenas três níveis hierár-quicos, promove reuniões semanais e mantém canais formais para manifestações e sugestões. “É uma administração aberta, simples e trans-

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conheça as vencedoras do psQt O Prêmio SESI de Qualidade no Trabalho (PSQT) é disputado em duas modalidades. Na especial concorrem empresas diretamente na fase nacional que já venceram duas vezes seguidas na etapa estadual. As demais participam na modalidade geral. Neste ano, foram 2.706 micro, pequenas, médias e grandes empresas inscritas em todo o País. Chegaram à final 20 empresas na categoria geral e 33 na especial.

Segundo o gerente-executivo de Responsabilidade Social do SESI, Alex Mansur, a partir de agora o prêmio será bienal e a próxima edição será em 2010. Mansur explica que a mudança foi em resposta a uma demanda de empresas com o argumento de que não dispunham de tempo suficiente para implementar as mudanças necessárias e concorrer no ano seguinte. “A qualquer tempo a empresa poderá solicitar o diagnóstico baseado na metodologia do PSQT, independentemente do calendário do Prêmio”, afirma

PRIMEIRO LUGAR NA MODALIDADE ESPECIAL MicroempresaWP Gráfica Editora (RN)Pequena empresaHidrominas Santa Maria (RN)Média empresaPormade Portas de Madeiras Decorativas (PR) Grande empresa Petrobras (RJ)

PRIMEIRO LUGAR NA MODALIDADE GERALMicroempresaMeneghetti Indústria Química (SP) Pequena empresaConfecções Xavier (PE)Média empresaAuto Peças Rei (SP)Grande empresaThyssenKrupp Metalúrgica Santa Luzia (MG)

dados da organização Mundial da saúde revelam que 80% das mortes prematuras por doença cardiovascular, derrame e diabete e 40% dos casos de câncer poderiam ser preveni-dos. a oMs calcula que a promoção do estilo de vida saudável na empresa reduz em até 27% as faltas ao trabalho e 26% os custos com as-sistência médica. os gastos com doenças ocu-pacionais podem ser diminuídos em até 32%. a entidade também identificou que as pessoas ficam mais criativas, motivadas e produtivas.

a thyssenKrupp Metalúrgica santa luzia funciona todos os dias durante 24 horas. em lugar de jornadas mais longas, os funcioná-rios são divididos em três turnos que garan-tem duas folgas por semana. dessa forma é possível reduzir as horas-extras e garantir a segurança do trabalhador. “o funcionário fica mais atento”, afirma Patrícia. o índice de aci-dentes na empresa é baixo e está concentrado na área de produção.

no brasil, o índice de acidentes de traba-lho ainda é significativo. o anuário de 2007 do Ministério do trabalho e emprego (Mte) registrou um aumento no número de acidentes nos últimos anos, que atingiu cerca de 500 mil

em 2005. além disso, há acidentes que não são informados ao ministério e algumas categorias de trabalhadores que não estão incluídas, como a dos servidores públicos.

segundo o coordenador geral do Programa nacional de Microcrédito Produtivo orienta-do do Mte, Max brito coelho, vários fatores levaram a isso. o crescimento do número de empregos, com maior número de trabalhadores em situação formal de trabalho, a expansão da terceirização e a intensificação no trabalho.

“nos países industrializados, observa-se que acidentes e algumas doenças ocupacionais es-tão diminuindo. entretanto, verifica-se um au-mento no número de casos nos países que vêm passando por rápida industrialização. os nú-meros de acidentes e doenças relacionados ao trabalho são também altos nos países tropicais em desenvolvimento e aparentam continuar a crescer”, diz.

estudos da organização internacional do trabalho (oit) estimam que, por ano, ocor-ram cerca de 270 milhões de acidentes ocu-pacionais e 160 milhões de casos de doenças relacionadas a atividades profissionais em todo o mundo.

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o eCoNomista mohammad YuNus já tem a manchete pronta para os jornais do dia 1º de janeiro de 2030: “Prêmio de Us$ 1 milhão para quem encontrar um pobre em bangla-desh”. com frases bem humoradas, ele fala do objetivo de erradicar a pobreza em seu país. Parece impossível para quem conhece esse pe-daço de terra de 144 mil km2 (1,7% do territó-rio brasileiro) onde se espremem 153 milhões de pessoas, com renda per capita de Us$ 1.400 anuais, a 196ª do mundo. Mas Yunus garan-te que chegará lá. tem a seu favor o fato de que o país avança com velocidade em direção a uma das principais Metas do Milênio esta-belecidas pela organização das nações Uni-das para 2015 para todo o mundo: reduzir à metade a pobreza registrada em 2001. Muito disso é obra do próprio Yunus. em 1976 ele

criou o banco grameen, que passou a empres-tar dinheiro para pessoas que não imaginavam poder atravessar a porta de uma instituição fi-nanceira. trinta anos depois, o grameen e seu criador ganharam o Prêmio nobel da Paz.

o grameen tem claro objetivo social, mas não é uma instituição de caridade. a lucra-tividade das operações tem garantido sua longevidade e a expansão pelo mundo na for-ma de parcerias, e não só por países pobres. em janeiro deste ano, foi criado o grameen america, em nova York, maior centro finan-ceiro global. o banco instalou-se no distrito de Queens, bem longe de wall street. “Pa-rece incrível, mas muitos trabalhadores nos estados Unidos não conseguem abrir uma conta em banco. no dia do pagamento, re-cebem cheques e vão descontá-los”, relatou

À procura de um sócioResponsável pela mais bem-sucedida experiência de microcrédito no mundo, o Nobel da Paz Mohammad Yunus expande seu banco e procura parceria para chegar ao Brasil

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FinAnçAs

Yunus no HsM expomanagement, evento da área de administração e negócios que ocor-reu no início do mês passado, em são Paulo. ele fez duas palestras: uma aberta a todos os participantes do evento, e outra focada em responsabilidade social, para funcionários e convidados do sesi, pouco antes da entrega do Prêmio sesi de Qualidade no trabalho (PsQt, veja reportagem na página 30).

Yunus afirmou em são Paulo que o grameen só não chegou ao brasil ainda por falta de sócio, e se disse aberto a propostas. o microcrédito tem avançado no País, mas ainda é bastante dependente de programas es-tatais (veja box na página 36), algo que Yunus vê com reservas. “o governo é uma institui-ção política, o que complica as relações. nem sempre as pessoas se sentem obrigadas a pa-gar o que devem ao governo”. ele disse isso ao presidente luiz inácio lula da silva, com quem se encontrou na primeira visita que fez ao brasil, em junho deste ano. segundo Yunus, lula lhe disse que gostaria de ver o microcrédito avançar à velocidade maior no brasil do que vem acontecendo.

Para entender o sucesso do banco grameen é preciso conhecer as bases morais no rela-cionamento com seus clientes. Yunus aposta na dignidade dos pobres e no compromisso compartilhado com a comunidade. tudo co-meçou em 1974, dois anos depois de sua volta dos estados Unidos, onde fez doutorado e foi professor. em sua cidade natal, chittagong, a segunda maior do país, tornou-se diretor do departamento de economia. era um perío-do crítico: um ano depois de ter conquistado a independência do Paquistão, bangladesh ti-nha sua infra-estrutura devastada pela guerra de libertação. em seguida vieram catástrofes naturais, como secas, ciclones e inundações, e a recessão trazida pela crise do petróleo. como resultado, uma grande onda de fome assolou o país entre 1974 e 1975.

“acabei me envolvendo com a pobreza não como dirigente ou pesquisador, mas sim por-que ela estava ao meu redor, e eu não podia

dar as costas a ela”, conta Yunus. o professor decidiu se aproximar das comunidades próxi-mas ao campus da universidade para descobrir como ajudar. no vilarejo de Jobra, desenvolveu um programa de melhoria da produtividade agrícola por meio da irrigação. os benefícios do programa, no entanto, nunca chegavam aos “mais pobres dos mais pobres”, público-alvo de Yunus. o professor descobriu então a lógica perversa que havia por trás desse fato: os pequenos produtores da aldeia eram reféns de agiotas, que emprestavam dinheiro em troca da compra de toda a produção, pelo preço que quisessem. estava muito clara, para o professor de economia, a relação de trabalho escravo que mantinha aquela população num ciclo inter-minável de pobreza.

sem ter como aplicar junto àquela popula-ção “as elegantes teorias econômicas” que en-sinava, Yunus emprestou do próprio bolso os primeiros Us$ 27 dólares necessários a 42 fa-

Quem deixou de ser pobreCritérios do Grameen que atestam a evolução da pessoa

Mora numa casa com telhado, onde cada morador pode dormir em uma cama

Bebe água pura encanada, fervida ou purificada por filtros ou tabletes químicos

Na sua família, todas as crianças com mais de seis anos de idade da família vão à escola ou estudaram quatro anos

utiliza vaso sanitário em casa

Possui roupa adequada para o dia-a-dia, roupas quentes para o inverno, incluindo suéteres e cobertores, e telas protetoras contra mosquitos

Possui fontes extras de renda, como horta e árvores frutíferas, por exemplo, às quais pode recorrer quando precisa de dinheiro

Não tem dificuldades para realizar três refeições completas por dia, durante todo o ano, e nenhum membro da família tem fome durante nenhuma época do ano

Sua família pode tomar todas as medidas necessárias quando algum membro da família fica doente

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as dificuldades do microcrédito no brasilRegras rígidas demais, dificuldade de captação dos recursos disponíveis, excesso de informalidade no mercado e falta de conhecimento do programa por parte dos atores envolvidos são os principais entraves ao Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), implementado no Brasil em 2005 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Por lei, os bancos deveriam destinar R$ 1,2 bilhão por ano ao microcrédito, recursos que acabam por ter outros destinos, deixando de chegar aos micro e pequenos empreendedores.

Apesar das dificuldades, há evolução consistente no programa do microcrédito, que nos dois primeiros anos teve 2,42 milhões de

operações, em que foram emprestados R$ 2,53 bilhões. Os números de 2007 superaram com folga os do primeiro ano do programa: 963.459 operações, 52,42% a mais que em 2005, e R$ 1,1 bilhão em recursos, 82,68% superior ao total de 2005. Do total de 513.032 clientes ativos de 2007, 94,68% são empreendedores que estão na informalidade, 4,24% estão na formalidade e 1,08% não declararam. Assim como em Bangladesh, as mulheres são maioria: 63,92%.

“O microcrédito no Brasil possui muito mais exemplos do que imaginamos, mas muito menos do que seria necessário”, avalia o secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda Gilson Bittencourt, coordenador do Grupo Interministerial de Microcrédito, cujo trabalho levou à elaboração da lei que criou o programa em 2005. “Estamos bem na área rural, a exemplo da experiência do Grameen, em Bangladesh. O desafio maior está nas regiões urbanas, principalmente por conta da informalidade.”

Bittencourt discorda da avaliação de Mohammad Yunus, o fundador do Grameen, quanto à participação do estado na concessão do microcrédito: “É um equívoco”. A experiência do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), segundo ele, é o melhor exemplo de que no Brasil essa participação é bem-sucedida. O Pronaf tem hoje dois milhões de contratos que somam R$ 10 bilhões por ano, com inadimplência inferior a 1%. “Somos um dos poucos países a entrarem nesse segmento e fomos até copiados por nossos vizinhos latino-americanos”, diz Bittencourt.

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mílias de Jobra que viviam nas mãos dos agio-tas. os resultados o deixaram entusiasmado: os pobres pagavam os empréstimos no prazo, e sempre. Yunus então convenceu o banco que funcionava na universidade a conceder outros empréstimos – o que só conseguiu tornando-se fiador das operações. em 1976, Yunus criou o banco grameen – que significa “aldeia” ou “vilarejo”, em bengali – como projeto de pes-quisa universitária. o sucesso levou o banco a se expandir para outras cidades, e a se tornar uma instituição independente, criada por lei e com patrocínio do banco central e de bancos comerciais bengaleses, em 1983. sua operação continua a ser extremamente simples e enxu-ta. Yunus diz que nunca aceitou recursos do banco Mundial, ao contrário do que muitos acreditam, porque teria de adequar suas regras às da instituição.

Hoje o grameen cobre mais de 99% do território de bangladesh, o sétimo país mais populoso e com a maior densidade populacio-nal do planeta. são 2.535 agências em 83.343 cidades. a imensa maioria (94%) de seus 7,61 milhões de clientes é co-proprietária do ban-co – os demais 6% pertencem ao governo. as mulheres são a quase totalidade da clientela (97%). sua principal crença vem se compro-vando correta: por meio de miniempréstimos é possível erradicar a pobreza.

as mulheres se tornaram o coração do grameen. estudos realizados pela própria insti-tuição mostraram melhores resultados nos em-préstimos concedidos às mulheres, tidas como mestras na administração de recursos escassos, em sua transformação em benefício para a pró-pria família e na priorização da quitação das dívidas. ainda de acordo com esses mesmos es-

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FinAnçAs

O secretário-adjunto alerta, ainda, quanto às comparações de ações realizadas em diferentes países, devido aos vários conceitos existentes: “Existem os empréstimos propriamente ditos, e operações que podem ser definidas como de microfinanças, em que também avançamos muito no Brasil, com a criação de vários instrumentos de inserção da população de baixa renda no sistema bancário, como a conta simplificada, hoje com mais de cinco milhões de unidades abertas, o Banco Popular e os correspondentes bancários, entre muitas outras.”

A lei 11.110 definiu que 2% do compulsório sobre os depósitos à vista dos bancos, valor hoje estimado em R$ 2,5 bilhões, e uma parte do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), no valor atual de R$ 200 milhões, sejam destinados ao microcrédito a cada ano. As entidades habilitadas a captar esses recursos junto aos bancos são as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), as Sociedades de Crédito aos Micro e Pequenos Empreendedores (SCMs) e as Cooperativas de Crédito.

A interação entre bancos e entidades, porém, não é fácil. “Há regras muito rígidas e também aversão dos bancos em trabalhar com o microcrédito. Com isso, as entidades não conseguem captar esse dinheiro”, critica Cristiano Mross, presidente da Abcred, associação que reúne os dirigentes das entidades habilitadas a gerir e operar o microcrédito. Segundo Mross, as regras que engessam o programa são o limite de R$ 120 mil para a renda anual dos empreendedores e de R$ 10 mil para o crédito. “A demanda por crédito popular vai se acentuar. Há um grande

desconhecimento do potencial do setor, que reúne aproximadamente 15 milhões de empreendedores”, avalia. Além disso, o presidente da Abcred também chama atenção para o grande desconhecimento do programa por parte do público-alvo.

Max Brito Coelho, coordenador do programa no MTE, concorda com Mross, e acrescenta, como complicador, o desconhecimento do setor de microcrédito pelos bancos, que detêm o funding. “Parte do sucesso do Grameen foi ter obtido autorização para captar recursos junto aos seus próprios clientes, tornando-se uma instituição financeira regulada pelo Banco Central, o que não é permitido às instituições de microcrédito no Brasil. Essa é uma discussão que precisa ser feita”, diz Coelho. “Mesmo com um índice baixíssimo de inadimplência, existe uma dificuldade muito grande em acessar esses recursos. Por serem entidades sem fins lucrativos, em geral sem patrimônio, elas têm dificuldade em oferecer garantias e não passam pelo crivo dos bancos”, explica o coordenador do programa, que hoje já possui 277 instituições habilitadas.

O Ministério do Trabalho pretende ampliar o acesso ao microcrédito por meio de um banco de dados, que tornará as informações mais transparentes, e campanhas de divulgação do programa. Os empreendedores podem obter informações por meio de duas linhas telefônicas grátis (0800-285-0101 ou 0800-61-0101) e no endereço eletrônico www.mte.gov.br/microcrédito.

tudos, 65% dos clientes conseguiram melhorar suas condições socioeconômicas e sair da extre-ma pobreza, em 32 anos de trabalho.

a lógica das operações do grameen é dia-metralmente oposta a tudo o que conhecemos em termos de regulação bancária. sempre em pequenas quantias, que podem variar de Us$ 20 a Us$ 200, por exemplo, os emprés-timos são concedidos somente aos pobres, sem necessidade de garantias ou avalistas. ao con-trário: quanto mais pobres, mais aptos estão a receber os empréstimos. Uma lista de indi-cadores (veja quadro na página 35) mostra se uma família saiu da pobreza: quanto menos indicadores essa família tiver na hora de pedir o empréstimo, mais “pontuada” ela está, na ló-gica do grameen.

o banco também possui um código de nove mandamentos que resumem seus prin-

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cípios: eles rezam que o crédito é um direito humano, que não deve haver nenhum instru-mento legal entre o tomador do dinheiro e o credor e que o cliente pode renegociar sua dívida sem ser considerado inadimplente, en-tre outros. em contrapartida, pede que seus clientes se comprometam a seguir 16 deci-sões, ao tomarem um empréstimo, algumas das quais envolvem mudanças culturais (veja quadro na página 38).

empRéstimos a menDigos

os empréstimos do grameen já movimenta-ram quase Us$ 6 bilhões, com inadimplên-cia de 1%. a maior parte financia atividades ligadas à agropecuária, como criação de gado e galinhas, plantação de arroz, artesanato. Mas, ao longo dos anos, o grameen também passou a financiar projetos habitacionais, a oferecer seguros de saúde e de vida e até empréstimos para pedintes: já ajudou a cons-truir 640 mil casas e a tirar das ruas cinco

mil mendigos, que passaram a tocar seus pró-prios negócios.

como instituição financeira, o grameen ope-ra exclusivamente em bangladesh. Por meio do Fundo grameen transfere sua tecnologia de mi-crocrédito para países da Ásia, américa latina, oriente Médio e estados Unidos. o grameen america oferece empréstimos de valor bem su-perior ao que se vê em bangladesh, mas modes-tos para os padrões dos estados Unidos: entre Us$ 500 e Us$ 3 mil. no México, a Fundação grameen carso, em associação com o megaem-presário carlos slim, oferecerá mais de Us$ 40 milhões em 80 mil operações de microcrédito.

as iniciativas de Yunus permitiram que cem milhões de pobres do mundo todo fos-sem beneficiados pelo microcrédito. os núme-ros foram conhecidos na cúpula Mundial do Microcrédito, realizada em 2006, no canadá. logo em seguida, Yunus anunciou a amplia-ção dessa meta para 500 milhões de pessoas, que deverão sair da pobreza com a ajuda do microcrédito até 2016.

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FinAnçAs

compromissos dos clientes do grameen em bangladesh1. Seguiremos e promoveremos os quatro princípios do Banco Grameen: disciplina, unidade, coragem e trabalho duro, qualquer que

seja nosso ofício ou condição social

2. Traremos prosperidade para nossas famílias

3. Não viveremos em casas dilapidadas. Repararemos nossas casas e trabalharemos para construir novas moradias o mais breve possível

4. Cultivaremos verduras e legumes durante todo o ano, dos quais nos alimentaremos e venderemos o excedente

5. Durante as estações de plantio, cultivaremos o máximo de semeaduras possível

6. Faremos planejamento para manter nossas famílias pequenas, minimizaremos nossas despesas e cuidaremos de nossa saúde

7. Educaremos nossos filhos e asseguraremos que eles possam ganhar o suficiente para pagar por sua própria educação

8. Sempre manteremos nossos filhos e o meio ambiente limpos

9. Construiremos e usaremos latrinas

10. Beberemos água encanada; se não estiver disponível, ferveremos a água ou a purificaremos com alume

11. Não tomaremos dote da noiva no casamento de nossos filhos homens nem ofereceremos dote por nossas filhas ao casarem; manteremos nossa comunidade livre da maldição do dote; não praticaremos o casamento infantil

12. Não infligiremos injustiça a ninguém, nem permitiremos que outras pessoas o façam

13. Empreenderemos coletivamente investimentos maiores para obter rendimentos mais elevados

14. Estaremos sempre prontos para ajudar-nos uns aos outros. Se alguém estiver em dificuldades, nós o ajudaremos

15. Se soubermos de alguma quebra de disciplina em qualquer comunidade, iremos todos até lá para ajudar a restaurá-la

16. Participaremos coletivamente de todas as atividades sociais

chamado de “o banqueiro dos pobres”, títu-lo de seu primeiro livro, lançado em 2000, hoje Yunus, com 68 anos, preocupa-se com a difu-são da noção de “empresa social”. no grameen em bangladesh os lucros são constantemente reinvestidos no negócio. esse é o tema de seu segundo livro, recém-lançado, Um mundo sem pobreza: a empresa social e o futuro do capitalis-mo (seus dois livros têm edições brasileiras, pela Ática). Yunus explica como, em parceria com a francesa danone, fundou a primeira empresa social multinacional: instalada em bangladesh, a grameen danone fabrica iogurtes enriqueci-dos para alimentar crianças subnutridas.

dentro desse mesmo espírito, a “família” grameen possui hoje 24 “empresas-irmãs” do banco, que se espalham por ramos que vão das

comunicações à tecnologia da informação, pas-sando por têxteis, energia, educação, promoção e serviços, sempre com o objetivo de reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento. outras iniciativas do grupo são uma cadeia de hospitais de olhos, uma estação de tratamento de água para os camponeses e a concessão de bolsas de estudo. são pequenos passos para erradicar aquilo que Yunus considera a maior ameaça à paz: a pobreza. “eu realmente acredito que po-demos criar um mundo sem pobreza, pois ela é um produto dos sistemas econômico e social que construímos para nós mesmos. chegará um dia em que só haverá uma maneira de nossos filhos e netos conhecerem a pobreza: visitando museus”, resumiu Yunus, em seu discurso na cerimônia de entrega do nobel.

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Velhos e bons tempos da infra-estruturaHistoriadores demonstram que o salto da economia paulista há um século foi resultado da interação entre Estado e empresários, com investimentos em transportes, energia e urbanização

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o graNde CresCimeNto da eCoNomia paulista, e da indústria em particular, entre o final do sé-culo 19 e o início do século 20 é visto por muita gente como resultado da sorte. de fato, a alta de-manda mundial por café e a abundância de terras férteis inexploradas no oeste do estado valeram por um bilhete de loteria. Mas essa riqueza só se multiplicou graças a dois fatores-chave: empre-endedorismo e investimentos em infra-estrutura. em meio aos impasses fiscais que existem hoje no setor público brasileiro, esse segundo item deixou de ser uma vantagem comparativa de são Paulo,

e explica a perda de dinamismo da economia do estado no passado recente.

“são Paulo precisa melhorar suas condições de competitividade, em especial nas áreas de infra-estrutura tradicional, ou seja, transporte, ener-gia e infra-estrutura urbana”, explica o professor Fernando sarti, do instituto de economia da Universidade estadual de campinas (Unicamp). ele é um dos coordenadores do projeto agenda de competitividade para a indústria Paulista, que o instituto de Pesquisas tecnológicas (iPt) preparou para o governo do estado com propos-

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HistóriA

tas de uma nova política industrial para são Pau-lo. segundo o estudo, o grande desafio é vencer a baixa articulação entre os setores público e pri-vado em termos de agenda de competitividade para suprir esses gargalos estruturais. segundo a cni, esse é um problema que afeta todo o País, e tem entre suas causas a falta de marcos regula-tórios que permitam investimentos privados na infra-estrutura pública.

Quem procura no passado inspiração para o presente encontrará farto material no estudo O Percurso de um Precursor, mestrado apresentado pela historiadora rita de cássia carvalho na Uni-versidade de são Paulo (UsP). ela joga luz sobre a formação do empresariado paulista entre 1870 e 1913. Fazendeiros, comerciantes e industriais tive-ram um papel fundamental no desenvolvimento da economia, arregaçando as mangas e, junto com o estado, criando a infra-estrutura e os serviços urbanos de que o estado (e sua capital) tanto ne-cessitava. “os poderes públicos não dispunham de recursos financeiros para implantar tais serviços e a solução encontrada foi entregar a tarefa à iniciativa privada. a ação do empresariado paulista come-çou pela construção das companhias de estradas de ferro na década de 1870 e foi se intensificando nos anos seguintes”, explica a historiadora.

a expansão cafeeira pelo interior da provín-cia era dificultada pela ineficiência dos meios de transporte. era urgente a necessidade de estender a linha férrea por essa região, mas não havia recur-sos públicos suficientes. “o estado, então, adotou medidas para incentivar a iniciativa privada de se encarregar do prolongamento das ferrovias. as companhias de estradas de ferro transformaram-se na primeira experiência de implementação de sociedades de ações da nascente classe empresa-rial paulista”, afirma a pesquisadora. ao facilitar o acesso ao interior da província, as ferrovias, por sua vez, estimularam os fazendeiros a morar na capital. o sucesso do primeiro empreendimento estimulou que se associassem aos comerciantes para dar à cidade todos os equipamentos ne-cessários ao seu desenvolvimento. assim, foram estabelecidos contratos entre o governo e com-panhias particulares para a viação pública, o

abastecimento de água e a instalação de bancos públicos. “como o número de investidores com recursos era restrito, eles não se especializavam em um único ramo de atividade e tomavam parte de todos os empreendimentos. Participar de uma sociedade composta por vários acionistas impli-cava a diminuição dos riscos”, explica. os lucros que surgiam com o aumento das exportações eram aplicados em segmentos diversos na capital paulista. “os setores imobiliários e de construção civil eram os mais atraentes e receberam a maior parte das aplicações. as medidas econômicas do governo aumentaram a oferta de crédito, contri-buindo para o surgimento de novas empresas.”

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CONsTrUÇãO de usina termelétrica em são Paulo:não faltou energia para a expansão da cidade

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esse notável “ciclo virtuoso” retirava os gar-galos estruturais, fazia crescer o lucro dos em-presários que, por sua vez, usavam os recursos obtidos para novas melhorias na província e na capital, ganhando ainda mais lucros. “os servi-ços eram explorados em regime de monopólio pelas empresas. além disso, muitos cargos pú-blicos eram ocupados por membros desse grupo de empresários, que tinham assim influência di-reta nas decisões políticas”, observa rita.

Mesmo o historiador marxista edgar carone (1923-2003) foi obrigado a reconhecer que “as elites políticas paulistas da época investiram em saúde, transporte e educação, o que pareceria tresloucado hoje para alguns economistas libe-rais”. com a constituição de 1891, os estados ganharam autonomia e passaram a arrecadar impostos, o que decuplicou as receitas paulistas. “esse dinheiro, entretanto, serviu para consti-tuir uma infra-estrutura pública de qualidade, tornando o nosso crescimento econômico sus-tentado”, escreveu carone em seu livro Evolução industrial de São Paulo.

em 1910, havia 20 ferrovias em são Paulo, das quais uma era estadual, duas federais, uma formada com capital estrangeiro e as 16 restan-tes com capital nacional privado. “a experiência das ferrovias estimulou a formação das socieda-des anônimas, principalmente na capital paulista onde se constituíram grandes companhias. esse era o destino preferido dos empresários da época que, em sua maioria, integravam o rol de acio-nistas de duas ou mais empresas, investindo em atividades complementares”, nota a historiadora.

empResáRios

dentre os empresários do período, destacam-se nomes de antonio Queiroz telles, nicolau Pe-reira de campos Vergueiro, Joaquim egídio de souza aranha, os Paes de barros, luiz Vieira lins de Vasconcellos, antonio Álvares leite Pen-teado, antonio lacerda Franco. antonio Proost rodovalho (1838-1813) foi uma figura emble-mática desse movimento, ativo participante em várias sociedades anônimas, e hábil articulador

da interligação de seus vários empreendimentos. “ele foi um agente importante no processo de modernização da capital paulista e diversificou seus investimentos em todos os setores comer-ciais, o que lhe permitiu aumentar riqueza, po-der e prestígio. Falar dele é revelar cada um dos integrantes desse grupo de empreendedores, res-ponsáveis pela efetiva introdução do capitalismo em são Paulo”, explica rita.

em 1869, rodovalho, então comerciante de café, açúcar e sal, viajou até a inglaterra, de onde trouxe técnicos para implantação de um sistema de iluminação pública a gás em parceria com uma empresa estrangeira. em 1875, para sanar os problemas de água enfrentados pela capital, rodovalho investiu na criação da companhia cantareira de Águas e esgotos. com a chega-da dos imigrantes estrangeiros em são Paulo, a partir de 1880, o setor de construção civil viu-se aquecido e rodovalho estendeu sua atuação para o ramo imobiliário, comprando e venden-do terrenos. além disso, ampliou a produção de uma de suas fazendas, localizada numa região ideal para a produção de cal, fundamental na construção civil – a fazenda, hoje, é o municí-pio de caieras, na região Metropolitana de são Paulo. Por fim, criou, em 1891, a companhia Melhoramentos, dedicada à produção para ma-terial de construção e mais tarde para a de papel, o que faz até hoje. rodovalho também foi dono de estradas de ferro (ituana), presidente de esta-belecimentos de crédito, como o banco comer-cial de são Paulo.

“a concentração de tantas empresas tornava indispensável que se criasse uma organização que unisse os empresários”, conta a pesquisadora. as-sim, em 1894 surge a associação comercial de são Paulo, cuja primeira diretoria contou com rodovalho como presidente. em 1895, a entidade conseguiu sua primeira vitória: a criação de uma alfândega seca em são Paulo, antiga aspiração dos comerciantes paulistas. também solicitou, e ganhou, a criação de uma agência do banco da república, para facilitar a substituição de notas emitidas pelo banco da União durante o encilha-mento, período no final do século 19 em que ruy

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HistóriA

barbosa era o ministro da Fazenda. “não havia, porém, distinção entre poder público e interesses privados. a maior parte dos empresários ocupava algum cargo público ao mesmo tempo em que eram acionistas de empresas, algumas desfrutan-do de exclusividade na prestação do serviço.”

sem espaço no regime monárquico, eles se voltaram para o Partido republicano Paulista (PrP) que pregava a descentralização adminis-trativa e tributária, que permitia maior autono-mia às províncias. “o PrP era o reflexo exato dessa elite paulista e seu objetivo era estender o grau de desenvolvimento alcançado em são Paulo para todo o país”, conta rita. nada re-sumia melhor este espírito do que uma frase de um discurso de rodovalho: “são Paulo nunca deixará de crescer, de prosperar, de enriquecer”. nesse período de intensa atividade empresarial

foi criada a bolsa livre, primeira bolsa de valo-res paulista, em 1890, e que recebeu este nome por não estar vinculada ao estado.

constituído por indivíduos onipotentes e oni-presentes, esse grupo de empresários organizou e modelou a cidade. eles decidiram a que se desti-naria cada região. ocuparam todos os espaços e assumiram o comando da província. “esses em-preendedores, fazendeiros e comerciantes proce-dentes do interior da província e da capital, foram responsáveis pela instalação de indústrias, pela expansão da área urbana, pela ampliação do co-mércio, pela implantação da infra-estrutura e pela prestação de serviços”, observa rita. bons tem-pos. Mas, avisa sarti do instituto de economia da Unicamp, “não se pode ficar apenas olhando para trás: este é o grande desafio da política industrial paulista hoje”.

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aVeNIDa PaULIsTa em 1902: ferrovias permitiram aos fazendeiros se instalar na capital

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CulturACulturA

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encanto das águasInstalado em casarão histórico no porto de Corumbá, o recém-inaugurado Museu do Pantanal revela a riqueza natural e humana da região

poR caRlos haag

o paNtaNal, seguNdo o CroNista e CoNquistador ruy díaz de guzmán (1558-1624), era um lugar em que pigmeus se escondiam na terra. Índios de orelhas furadas, os “orejones”, viviam felizes no que ele chamava “Paraíso terrenal”, a porta de entrada para o reino das amazonas. aos ouvidos moder-nos, isso soa pueril. Mas o que a maioria dos brasi-leiros conhece, efetivamente, sobre o complexo do Pantanal? afinal, há poucas décadas um intelec-tual esclarecido como o escritor Monteiro lobato (1882-1948) acreditava que a região tinha sido um

fundo de mar e que era possível encontrar nela fan-tásticas reservas de petróleo. “Hoje o que sabemos sobre o Pantanal não vai muito além dos clichês de sempre sobre tuiuiús, jacarés e peixes-boi”, afir-ma o arquiteto paulista nivaldo Vitorino. ao lado do historiador carlos etchevarne e do arqueólogo gilson Martins, da Universidade Federal do Mato grosso do sul (UFMs), ele é responsável pela criação do recém-inaugurado Museu de História do Pantanal (Muphan), com sede em corumbá, Mato grosso do sul.

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o novo museu registra 8.000 anos de presen-ça humana no Pantanal, que é considerado, des-de 2000, Patrimônio natural Mundial e reserva da biosfera pela organização das nações Unidas para a cultura (Unesco). “Há histórias fabulosas narradas pelos conquistadores espanhóis, as mis-sões jesuítas destruídas pelos bandeirantes, o ci-clo das monções em busca do ouro, a invasão que provocou a guerra do Paraguai, as expedições de rondon, entre outros fatos eletrizantes que preci-sam ser conhecidos”, acredita Vitorino. o projeto, orçado em r$ 5 milhões, foi idealizado pela Fun-dação barbosa rodrigues e faz parte do Programa Monumenta, do Ministério da cultura. tornou-se possível graças à lei rouanet, com patrocínios de Petrobras e Votorantim e apoio do iphan (institu-to do Patrimônio Histórico e artístico nacional), que ajudou na restauração do casarão wanderley e reis, de 1.600 m2, sede do Muphan. o prédio, construído em 1876, na beira do que era então o terceiro porto fluvial mais importante da américa

latina, no rio Paraguai, já funcionou, no passa-do, como uma das primeiras agências nacionais do banco do brasil.

com recursos modernos cenográficos e tecno-lógicos, a trajetória do Pantanal é revelada de for-ma didática e interativa. antes de mergulhar na história da região, o público conhece a geografia pantaneira, que influenciou os processos históricos. em seguida, há uma exposição de artefatos arqueo-lógicos e salas que contam a chegada dos europeus. a narrativa é cronológica, contada com textos, car-tografia, instalações multimídia e um acervo cole-tado junto à comunidade, segundo Vitorino. na visão dos pantaneiros, o arquiteto carrega um “car-ma herdado dos bandeirantes”. “só que a minha missão é inversa ao sofrimento causado por eles. É uma forma de elogio, pois o museu se transformou na representação da vivência que eu tive com a co-munidade, um retrato da alma do lugar.”

Há três anos, Vitorino recebeu um convite para participar da licitação do museu. “cheguei cedo

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O MUseU foi instalado

em um prédio no Casario do Porto, à beira

do rio Paraguai

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demais a corumbá e sem ter o que fazer fui dar uma volta no rio com um barqueiro, o zé leôncio. ele me levou a ver toda aquela beleza e me contou histórias locais em que o mundo real se funde ao imaginário e à paisagem. na hora da reunião, im-pactado, eu já pensava alto e sabia que o museu, para representar a região, deveria traduzir aquele mesmo estado de espírito em que eu me encontrei”, lem-bra. a primeira conversa com os idealizadores do projeto, realmente, foi surreal. “Quando perguntei qual era a lista do acervo do museu, eles me olha-ram e responderam: ‘Que acervo? não há nada’. resolvi transformar o problema em oportunidade”. o arquiteto, vencedor da concorrência, passou dois anos pesquisando. “ouvi contadores de histórias, violeiros, artistas locais, autoridades indígenas, do-nos de botecos, crianças, enfim, me envolvi total-mente com eles para entender a essência regional”. ao olhar o imenso edifício, Vitorino achou que era muito espaço para pouca história. “Um equívoco que revela o quanto nós brasileiros ignoramos o nosso centro-oeste. Quando saí em busca do acer-vo, vi que tudo estava espalhado pelo Mato grosso do sul e em museus de outros estados ou mesmo outros países. era um quebra-cabeças que, quando ficou pronto, mostrou que eu estava errado sobre o tamanho do prédio. o espaço ficou pequeno diante de tudo aquilo que conseguimos reunir.”

a viagem pelo museu começa em um túnel de imersão, onde são projetadas imagens e trechos da poesia do escritor pantaneiro Manoel de barros em um corredor de espelhos, ao som de uma tri-lha sonora de música concreta escrita por wilson skorwisk. em seguida, a experiência continua na sala os Pantanais, que apresenta a geografia da re-gião. Por todo o chão há fotos aéreas que estabele-cem uma relação de escala entre o ponto de vista do público e as imagens, como se o visitante esti-vesse sobrevoando o lugar, acompanhado por sons de pássaros, animais e instrumentos regionais. o primeiro encontro com a história se dá no módulo arqueologia, que traz uma réplica cenográfica de um sítio arqueológico. Foi durante as escavações para a implantação do gasoduto brasil-bolívia que o arqueólogo gilson Martins encontrou um rico acervo de cerâmicas pré-coloniais. na sala também

estão pinturas rupestres e inscrições em baixo re-levo encontradas perto de corumbá. o visitante, como se fosse cientista, vê-se convidado a afastar a poeira para descobrir, com os dedos, as inscrições antigas. Uma outra sala separa o módulo das popu-lações indígenas da sala que mostra a chegada dos europeus. ali, cenas de videoarte são projetadas em tiras de silicone, com a reprodução de sons dos índios bororo, permitindo que se entenda o impac-to do encontro de civilizações. sempre dentro do mesmo espírito inovador, o museu leva o público a percorrer a conquista espanhola, as missões, a leva dos bandeirantes, as expedições científicas, a guer-ra do Paraguai, o trem do Pantanal e, por fim, as salas do inconsciente pantaneiro, com instalações de vídeo-arte, e a sala dos depoimentos, com gra-vações de contadores de história. “a preocupação central era fugir do chavão do museu como abrigo de objetos velhos”, conta Vitorino. apesar disso, a construção do acervo deu muito trabalho ao arqui-teto. “o início da busca foi difícil. sabia de muitas famílias que tinham algum acervo em casa: obje-tos, fotos, fragmentos, qualquer coisa que ilustrasse a história deles me interessava.”

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a HIsTÓrIa DO PaNTaNaL é apresentada ao visitante por meio de objetos e instalações multimídia

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Vitorino teve várias boas surpresas com as pes-soas que encontrou pelo caminho. “enquanto ainda estávamos montando o museu, convidei um grupo de crianças de etnias indígenas para visitar o espa-ço. enquanto eu explicava o que tudo aquilo iria ser, em especial a sala populações indígenas, uma menina com uns dez anos de idade me interrom-peu, falando, entusiasmada, na língua terena, com sua professora. Perguntei o que ela dizia. “ela leu o nome da sala e ficou feliz, dizendo: ‘eles vão falar sobre nós!’. Foi quando percebi a responsabilidade do nosso trabalho”, lembra. na fase de testes, outro grupo de crianças chamou a atenção do arquiteto. “Vi que eram índias, mas ficaram envergonhadas quando comentei isso com duas delas. ao longo das salas, elas foram se descobrindo e perdendo a timidez. no fim, a menina Kaíssa parou diante de um móvel expositor que trazia partituras de cantos dos Kadiweu coletados por um europeu. ela olhou e, com os dedos, como se estivesse ao piano, ‘tocou’ aquelas melodias. Mais tarde, soube que Kaíssa se mudara para o rio de Janeiro, pois ganhara uma bolsa da orquestra sinfônica brasileira e, hoje, é spalla da orquestra do Moinho.”

entre mistérios e encantos, o visitante descobre que o Pantanal, apesar do nome, nada tem de pân-tano. É uma área plana periodicamente inundável, um ecossistema com 250 mil km2, divididos entre brasil, Paraguai e bolívia. “Por ser uma área mui-to grande, do tamanho de alguns países europeus, como a bélgica, é difícil para alguma pessoa dizer que conhece o Pantanal.

apesar do que pensava lobato, a região nunca foi mar, embora, na seca, diante daquela extensão plana, se possa ter a impressão de que havia um mar que secou. em verdade, a evolução geológica do Pantanal está relacionada à origem da cadeia dos andes”, explica o geólogo Paulo césar bog-giani, do instituto de geociências da UsP. “até conchas foram encontradas, mas são de água doce. chegaram mesmo a batizar o Pantanal como ‘Mar dos Xaraiés’.”

no século 16, os primeiros viajantes na re-gião, os exploradores espanhóis Álvar cabeza de Vaca e Hernando de ribera referiram-se à região como um lugar de grandes águas entrecortadas por muitos rios, de comida farta, povoado por índios possuidores de prata e ouro. outro espanhol, no

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O POeTa Manoel de

Barros, cuja obra integra o acervo do

Museu do Pantanal

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século 17, antonio de Herrera decidiu chamar a área de laguna de los Xarayes, que daria origem à lagoa do eldorado. na época, bandeirantes pau-listas entraram na região, ainda sob domínio es-panhol, para capturar indígenas e procurar pedras preciosas. Massacraram populações inteiras nessa busca. os nativos não se renderam facilmente. “o Pantanal foi o cenário da maior e mais obstinada oposição nativa à presença colonizadora na histó-ria do brasil”, afirma o arqueólogo gilson Mar-tins. os bandeirantes atacavam as missões jesuítas para conquistar escravos. em 1750, o tratado de Madrid devolveu o Pantanal para os portugueses, que ergueram inúmeras fortalezas, como o Forte coimbra, perto de corumbá.

no século 19, ocorreu no Pantanal a invasão que provocou a guerra do Paraguai. o local foi cenário de batalhas terríveis, como a retirada da laguna. derrotado, o Paraguai perdeu vasta parte de seu território integrado ao brasil e parte dele constitui a área atual do Pantanal. Mas a grande riqueza da região foi o seu aspecto mítico. “durante séculos, os europeus tentaram, com relatos fantasiosos, en-tender e explicar uma região de geografia ímpar, ora vista como paradisíaca, ora como inóspita ao extremo, zelosa de seus mistérios e em constante mutação”, explica a historiadora da Universidade

de são Paulo (UsP) Maria de Fátima costa, autora do estudo História de um país inexistente: o Panta-nal entre os séculos 16 e 18. “durante alguns anos, a castelhana laguna de los Xarayes conviveu com o Pantanal luso-brasileiro. Mas o mistério acabou desfeito. no século 18, demarcadores de limites despiram-na das maravilhas quinhentistas e a redu-ziram ao rio Paraguai espraiado. Mas houve uma invenção do Pantanal”, analisa. a região só voltaria a ganhar traços mágicos nos anos 1970, convertida em santuário ecológico. “o Pantanal sempre volta a ganhar, do ponto de vista do imaginário, conota-ções de Éden, em que a natureza aparece protegida do homem, intacta como no Paraíso”, observa o historiador eudes leite, da Universidade Federal da grande dourados, Mato grosso do sul.

daí, também, o amor pantaneiro pelos “causos”. “do português, o Pantanal absorveu uma grande quantidade de assombrações, como o lobisomem, a mula-sem-cabeça etc., que se juntaram com as fi-guras míticas dos índios. elas passaram, reunidas, a habitar o Pantanal e a imaginação do povo, for-ma de vencer o medo”, analisa o historiador mato-grossense augusto césar Proença. dando razão ao poeta Manoel de barros, para quem “no Pantanal não se pode passar régua/régua é existidura de limites/e o Pantanal não tem limites.”

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eM CaNOas parecidas com as de hoje, os espanhóis percorreram o Pantanal no século 16

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Luiz Felipe de Alencastro, professor titular de História do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne

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No quadro da Crise atual, as ateNções se focalizam sobretudo na china e nos estados Unidos. como é sabido, os dois países fazem dobradinha no jogo que tem sustentado a glo-balização: com o excedente obtido no comércio com os estados Unidos, a china compra os tí-tulos do tesouro norte-americano, ajudando as-sim a financiar o déficit do país. caso um dos dois parceiros derrape, o jogo e a globalização se desestabilizam.

a china constitui um desafio para os pa-drões econômicos e políticos que regem as ou-tras partes do mundo. trata-se de um país com um quinto da humanidade, um forte crescimen-to do Produto interno bruto (Pib), aparelhado de cima a baixo por uma burocracia monolítica e governado por uma ditadura comunista im-pessoal que – apesar dos pesares – não extrapola poderio militar, entranha-se no capitalismo glo-balizado e guarda estabilidade política. estabili-dade? nos próximos meses esse modelo esdrú-xulo de desenvolvimento será posto à prova.

o desemprego na china cresce, surgem ma-nifestações públicas violentas e uma multidão de trabalhadores migrantes – meio peões da construção civil, meio bóias-frias – reflui das províncias costeiras, onde se situam os pólos de crescimento, para o interior, aumentando as tensões no campo. como tudo na china, as es-tatísticas relativas aos migrantes são tão vagas quanto portentosas: entre 120 e 200 milhões de trabalhadores podem ser classificados como mingong. caso o crescimento do Pib fique abai-

xo de 8% por dois ou três anos seguidos, a situ-ação dos mingong piora e a “Harmonia social”, termo de ordem do governo chinês, sofrerá um desmentido de conseqüências imprevisíveis.

nos estados Unidos o quadro é bem diferen-te, a imprensa é livre e os mecanismos do poder são transparentes. todavia, o tamanho da crise, o fracasso do governo bush e a eleição do novo presidente levantam incógnitas. barack obama recrutou funcionários experimentados oriundos do governo clinton. Mas os tempos são ou-tros. Frente às “proporções históricas” da crise, obama declarou que seu objetivo é resolver os problemas imediatos, mas também assegurar o crescimento da economia americana nas pró-ximas décadas. no Partido democrata e alhu-res, deixou-se de falar em globalização, redução do déficit público e inflação. o assunto agora é saúde pública, aumento de salário mínimo e reconstrução do movimento sindical.

Mesmo larry summers, acusado pelo jornal The New York Times de ter facilitado a desor-dem financeira na época em que era ministro da Fazenda de clinton, está virando casaca. no-meado para a chefia do conselho econômico de barack obama, summers passou a falar sobre-tudo em redistribuição de renda e reconstituição do poder de compra da classe média americana. até onde irá a mudança de paradigma? a nova administração norte-americana reforçará as bar-reiras protecionistas, travando o comércio com a china e o resto do mundo? ou será que a globa-lização já atingiu um ponto de não-retorno?

a Crise, a ChiNa e os estados uNidosCom recessão e instabilidade econômica, levantam-se dúvidas sobre o arranjo social e político nos dois países que protagonizaram a globalização